As Coisas Que Acarinho e Me Morrem Entre Os Dedos - Dulce Maria Cardoso

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Uma mulher tem um encontro marcado com um desconhecido. O desconhecido tem sempre tanto de sedutor quanto de ameaçador. Que fazer? A mulher demora-se, frente ao computador. Atrasa-se. Talvez se afunde nos abismos que um psicólogo garantiu existirem no seu interior. Talvez se perca no outro lado do mundo, em Bangladesh, onde nunca faz frio. Ou talvez, ainda, se entregue nos braços de Machina ex Deus.

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  • Lista de autores, por ordem de sada dos contos:

    Pedro Paixo | Joo Tordo | Rui Zink | Lusa Costa Gomes | Eduardo Madeira | Ins Pedrosa

    Afonso Cruz | Gonalo M. Tavares | Manuel Jorge Marmelo | Mrio de Carvalho

    Dulce Maria Cardoso | Pedro Mexia | Fernando Alvim | Possidnio Cachapa | David Machado

    JP Simes | Rui Cardoso Martins | Nuno Markl | Joo Barreiros | Raquel Ochoa | -RR%RQLFLR David Soares | Pedro Santo | Onsimo Teotnio Almeida | Mrio Zambujal | Manuel Joo Vieira

    Patrcia Portela | Nuno Costa Santos | Ricardo Adolfo | Ldia Jorge | Srgio Godinho

    Para aceder aos restantes contos visite: Biblioteca Digital DN

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  • Contos Digitais DN

    A coleo Contos Digitais DN -lhe oferecida pelo

    Dirio de Notcias, atravs da Biblioteca Digital DN.

    Autora: Dulce Maria Cardoso

    Ttulo: Coisas Que Acarinho E Me Morrem Entre Os Dedos

    Ideia Original e Coordenao Editorial: Miguel Neto

    Design e conceo tcnica de ebooks: Dania Afonso

    ESCRITORIO editora | www.escritorioeditora.com

    2012 os autores, DIRIO DE NOTCIAS, ESCRITORIO editora

    ISBN: 978-989-8507-17-4

    Reservados todos os direitos. proibida a reproduo desta obra por qualquer meio, sem o

    consentimento expresso dos autores, do Dirio de Notcias e da Escritorio editora, abrangendo esta

    proibio o texto e o arranjo grfico. A violao destas regras ser passvel de procedimento judicial, de

    acordo com o estipulado no Cdigo do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.

    [email protected]

  • sobre a autora

    Dulce Maria Cardoso

    Publicou em 2001 o seu romance de estreia, Campo de Sangue, Grande Prmio

    Acontece, escrito na sequncia de uma bolsa de criao literria do Ministrio da

    Cultura. Desde ento publicou os romances Os Meus Sentimentos (2005), Prmio da

    Unio Europeia para a Literatura, e O Cho dos Pardais (2009), Prmio Pen Club. Uma

    antologia de contos, At Ns, foi publicada em 2008. A sua obra encontra-se traduzida

    em vrias lnguas, est publicada em mais de uma dezena de pases e estudada em

    diversas universidades. Esto em curso propostas de adaptao cinematogrfica de

    alguns dos seus contos e romances. O seu ltimo romance, O Retorno, foi livro do ano

    e recebeu o Prmio Especial da Crtica LER/Booktailors 2011.

    [email protected]

  • 6Coisas Que Acarinho E Me Morrem Entre Os Dedos

    Dulce Maria Cardoso

    Tomei o pequeno almoo frente do computador. A chuva escurecia o ptio naque-

    le princpio de manh.

    Os dias em que nos acontece alguma coisa importante no comeam necessariamen-

    te de forma diferente. Daria jeito que no fosse assim. Devia haver uma espcie de aviso.

    Uma coisa simples. Talvez pudssemos receber uma sms

    morning, today is gonna be different, good luck

    Acho que Deus fala ingls. Fale Deus a lngua que falar, devia fazer-se entender de

    vez em quando.

    O dia em que o vi pela primeira vez comeou, ento, como outro dia qualquer.

    Acordei com alergia, dei comida ao meu co e tomei o pequeno almoo frente do com-

    putador. O meu co deitou-se junto da tijela de comida e tornou a adormecer. A chuva ia

    inundando o ptio. Percorri os sites das notcias online. No me interessa assim tanto o que

    acontece por esse mundo fora mas ao acordar ainda me interessa menos o que acontece

    na minha vida. E as notcias que no nos dizem respeito de forma direta distraem-nos

    Um avio de pequeno porte, o Nanchang PT-6A, prefixo 3806, da Fora Area de

    Bangladesh (Bangladesh Air Force - BAF) teve de fazer um pouso de emergncia

    durante uma tempestade na noite desta quarta-feira (25) em Raigram, no distrito

    [email protected]

  • 7indiano de Murshidabad, a 80 quilmetros da fronteira entre os dois pases.

    O piloto, que vinha de Jassor, teve ferimentos leves.

    Do Bangladesh, pouco mais sabia do que o nome. No difcil familiarizarmo-nos

    com o nome das coisas mas depois... Depois fazemos como fazemos com tudo aquilo

    a que chamamos famlia: convivemos com o desconhecido como se o conhecesse-

    mos. Fingimos tanto e to bem que acabamos por esquecer-nos de tentar conhec-lo.

    Bastamo-nos com a sensao de que aquilo nos pertence ou que lhe pertencemos. De

    que podemos usar aquilo. E para que no haja dvidas sobre isso, passeamos juntos aos

    domingos tarde.

    Googlei Bangladesh.

    About 571,000,000 results (0.4 seconds)

    Official site with information on officials, ministries, constitution, annual budget,

    tourism and updated news

    Information on Bangladesh geography, history, politics, government, economy,

    population statistics, culture, religion, languages, largest cities

    Bangladesh officials are seeking talks with U.S. State Department diplomats over the

    arrest of a Bangladeshi man on charges that he wanted to

    Almost everything you wanted to know about Bangladesh. Visit Bangladesh. See

    Bangladesh. Be Bangladesh

    The Al Qaeda wanna-be accused of plotting to bomb the Manhattan Federal Reserve

    building came from a middle-class Bangladeshi family

    Ter sido naquela manh que pronunciei pela primeira vez a palavra Bangladesh.

    Baixinho: Bangladesh.

    Whens Bangladesh going to disappear?

    Lembro-me de estar sentada com ele no caf, ao fim daquela manh, e de esta

    pergunta absurda no me sair da cabea. Whens Bangladesh going to disappear? No

    disse, no entanto, uma palavra sobre o Bangladesh durante todo o encontro. O que nos

    passa pela cabea quase sempre inconfessvel. Whens Bangladesh going to disappear?

    Quando estava a tomar o pequeno almoo, frente do computador, a pergunta ainda

    no tinha surgido.

    [email protected]

  • 8Tnhamos combinado encontrar-nos s 10:30. Eu iria ter ao trabalho dele e depois

    tomaramos um caf. Gosto de conhecer pessoas. No tenho a nossa espcie em grande

    conta mas gosto de conhecer pessoas. Apesar disso no meu hbito encontrar-me com

    desconhecidos que me contactam a propsito do meu trabalho. H sempre demasiada

    formalidade mesmo quando o fazem, como ele fez, atravs do facebook. Cria-se um

    constrangimento que afasta a possibilidade de qualquer encontro. No caso dele no foi

    assim e at fui eu que propus o encontro. Ele era um homem bonito mas no foi isso que

    me levou a convid-lo para tomar um caf. Marquei o encontro por curiosidade, a eterna

    curiosidade. Queria saber se ele era o Machina ex Deus.

    H uns anos consultei um psiclogo que me disse que a minha curiosidade acerca de

    o Outro era um dos traos mais positivos do meu Eu. O psiclogo devia gostar de espe-

    leologia porque nunca o meu Eu teve tantos abismos interiores. As minhas obsesses,

    traumas, medos, manias, no passavam de abismos que o psiclogo espreitava de lanterna

    em riste tentando romper as sombras densas que aprisionavam o meu Eu. Mas no

    temos todos abismos, perguntei. Que sim. S que alm dos abismos eu tinha a vertigem

    dos abismos e era a vertigem que me fazia mergulhar no negro. Uma pulso destruti-

    va que me levaria a ficar fechada em mim, no fosse a enorme curiosidade que tenho

    pelo Outro, no fosse a enorme vontade de chegar ao Outro. Um Outro exterior. No

    os Outros que tambm existiam escondidos nos meus abismos interiores. O psiclogo

    garantia que esses outros Outros s me puxavam ainda mais para dentro de mim. Por

    vezes enredavamo-nos de tal maneira no meu Eu e nos Outros que era difcil perceber-

    mos do que falvamos.

    Andei mais de um ano nesse psiclogo. Gostava de o ouvir. Os abismos no se ape-

    quenavam nem as vertigens desapareciam mas gostava de o ouvir. Se o psiclogo no

    tivesse metido na cabea que no estvamos a evoluir, se calhar ainda hoje l andava.

    Lembrei-lhe que o facto de no ter piorado podia ser considerado uma evoluo. Mas

    o psiclogo foi irredutvel. Despedimo-nos com um aperto de mo no cruzamento da

    Avenida 5 de Outubro com a Avenida Joo Crisstomo, em frente a uma loja que, apesar

    de ser janeiro, ainda tinha na montra uma rvore de natal com bolas azuis. Feliz ano

    novo, desejei. E seguimos cada um pela sua avenida.

    Consultei um novo psiclogo que gastou a primeira consulta a tentar fazer-me

    esquecer tudo o que o anterior me tinha dito, especialmente a treta dos abismos in-

    teriores e das vertigens. No iramos l com alpinismos, a psicologia era outra coisa.

    Aparentemente uma coisa menos musculada mas mais agressiva. A minha curiosida-

    de pelo Outro, o meu desejo de chegar ao Outro, no era afinal um dos traos mais

    positivos da minha personalidade mas antes um dos maiores responsveis pelos meus

    [email protected]

  • 9ataques de ansiedade. Se eu no tinha a nossa espcie em grande conta, a minha curiosi-

    dade, a minha procura, refletia apenas uma vontade permanente de me desiludir, de me

    frustrar. Em suma, de sofrer. Passei a ser uma masoquista. Uma junkie agarrada a uma

    esperana v, sempre procura de uma dose de dor. Eu tentava resistir, defendia-me,

    em tantos bilies de pessoas tem de haver algumas que me faam feliz. Que no. Que

    todos existimos sozinhos e que eu tinha de aprender a ser feliz sozinha e quanto mais

    cedo melhor. O novo psiclogo tentava convencer-me que eu estava a ser vtima da

    minha mente doente, que a esperana no era mais do que uma vil armadilha da minha

    mente doente. Acabei por desistir das consultas. Acho que me fartei das armadilhas e das

    vilezas da minha mente. Ou melhor, de ter notcias delas. Ainda pensei ir a um terceiro

    psiclogo mas acabei por nunca o fazer. Passei a controlar os ataques de ansiedade com

    qumicos que a mdica de famlia me receita e tem corrido bem.

    Quando ele me escreveu pela segunda vez, novamente a propsito do meu trabalho,

    googlei o nome dele.

    About 1,720 results (0.25 seconds)

    O primeiro link levou-me a um blogue cujo header dizia

    Procurei Deus em todas as religies. Procurei-o em ti. Aceitei

    procur-lo em mim. Encontrei-o aqui. Machina ex Deus.

    O ltimo post tinha quase meio ano, 30 de novembro de 2011, e o poema intitulado

    Confesso

    Tenho as mos grandes demais e sou desajeitado

    Sim

    sou eu

    quem desata

    um por um

    os ns do teu corpo

    quando o deixas minha guarda

    ...

    Da para c, nada. Cliquei no link dos arquivos. O post inicial era do dia 31 de

    Dezembro de 1999 e tinha uma fotografia de um homem com um chapu de papel como

    [email protected]

  • 10

    os que os norte-americanos usam nas festas de fim de ano. Quis ampliar a fotografia para

    ver se aquele homem de chapu era o mesmo que me tinha escrito, ou melhor, se aquela

    fotografia correspondia mesma cara que aparecia na pgina do facebook do homem

    que me tinha escrito. Infelizmente no dava para aumentar. S podia ver que partilha-

    vam o mesmo tipo de beleza vinda de um imaginrio do cinema dos anos 50. Entre uma

    fotografia e outra teriam passado vrios anos o que tambm no facilitava a comparao.

    Nessa noite e nas seguintes li tudo que havia nos arquivos do Machina ex Deus.

    Gostei dele por coisas que no sei explicar. O Machina ex Deus vivia em Lisboa e passava

    frias perto do stio para onde vou no vero. Se calhar at j me tinha cruzado com ele.

    Se calhar era eu a mulher do post que passeava o co em frente ao mar, a mulher do post

    que todas as manhs comprava po de sementes na padaria. Eu podia ser quase todas as

    mulheres de que ele falava porque elas faziam coisas que eu costumo fazer. O Machina

    ex Deus era um solitrio. E parecia prestar-me ateno. Ou prestar ateno a mulheres

    como eu. Havia tambm a pergunta por que nos deixaste to ss? O nico post que ia

    sendo repetido ao longo do arquivo, por que nos deixaste to ss?

    Mente-se to bem na internet como na vida e aquilo tudo podia ser inventado. Podia

    ser s uma questo de estilo. Mas quis acreditar que no e li como se fosse verdade. Era

    verdade tudo o que tinha lido. O homem do facebook, o Machina ex Deus e aquele com

    quem me iria encontrar dali a pouco eram todos o mesmo homem. Mesmo assim, no

    sabia quase nada sobre ele. Das mensagens que tnhamos trocado, para alm de saber que

    gostava do meu trabalho, sabia o nome, a profisso e pouco mais. Ah, e havia as fotogra-

    fias. Que podiam ser falsas.

    Who is he? What does he want?

    About 4. 130.000.000 results (0,29 seconds)

    Is he Machina ex Deus?

    About 15.100.000 results (0,13 seconds)

    No h nada a que o computador no responda. O meu cunhado diz que o computa-

    dor, a internet e os motores de busca so uma inveno do diabo. O meu cunhado no

    crente e no percebe nada de Deus e do diabo. Mas talvez tenha razo.

    Tinha acordado com alergia. As alergias so uma guerra que o meu corpo trava com

    o mundo ou com algumas coisas do mundo. Coisas indefinidas ou de difcil identificao

    que provocam o sistema imunitrio fazendo o meu corpo reagir exageradamente. Como

    quando me apaixono, s que ao contrrio. A o sistema imunitrio afrouxa as defesas. Se

    que h sistema imunitrio para os afectos.

    [email protected]

  • 11

    Espirros, olhos raiados de vermelho, nariz congestionado. Definitivamente no era

    um bom dia para conhecer o homem do facebook, o Machina ex Deus ou fosse quem fosse.

    Tomei dose dupla do anti-histamnico. Pensei em desistir do encontro, descer as persianas

    e deitar-me outra vez. A chuva convidava a isso. O meu co a dormir no sof tambm.

    Cliquei num das centenas de links que fornecem previses metereolgicas. Lisboa.

    Escolhi previso horria. A chuva ia parar e a manh terminaria com sol. Talvez no

    houvesse razo para cancelar o encontro e o Sinatra podia continuar a cantar no YouTube

    Lets do it. Lets fall in love

    Se bem que o frio ia continuar. E talvez, tambm, a alergia. O efeito do anti-hista-

    mnico tardava. Talvez fosse tudo mais fcil no Bangladesh. Comecei a escrever Bangl no

    site da meteorologia, frente de O tempo em. O computador percebeu o que eu queria e

    completou Bangladesh, sia. No precisei de escrever mais nada. O computador deu-me

    uma lista de cidades e eu escolhi a primeira, Barisal. Cu limpo, 35C. Talvez fosse mesmo

    tudo mais fcil no Bangladesh. Ou talvez no. A verdade que no podia saber. Mesmo

    com toda a informao que tinha lido e que podia continuar a ler at eternidade, About

    571,000,000 results, s havia uma maneira de conhecer o Bangladesh: ir ao Bangladesh.

    Momondo. Pesquisei um voo. De: Lisbon (LIS), Portugal. Para: Barisal (BZL), Bangladesh.

    S ida. Data da partida: 27-04-2012. Se houvesse um voo ao fim do dia, mesmo indo ao

    encontro, daria tempo de fazer a mala. A pesquisa demorou uns instantes. 0 resultados.

    No foi possvel encontrar quaisquer voos que correspondam ao seu pedido. Por favor, tente

    novamente, talvez com datas ou aeroportos alternativos. Um bom conselho. Assim faria.

    Mais tarde.

    No gosto de chegar atrasada mas estranhamente continuava sentada frente do

    computador. Ainda no tinha tomado banho, ainda no tinha apontado a morada do

    trabalho dele na minha agenda, ainda no tinha gravado no meu telemvel o nmero do

    telemvel dele, no fosse dar-se o caso de me perder. Ele trabalhava perto de minha casa

    mas para quem no tem sentido de orientao o perto pode ser to longe como o fim

    do mundo. Abri os mapas do Google e escrevi a minha morada. S as primeiras letras, o

    computador j memorizou o resto. No destino, a morada do trabalho dele. Introduzidos

    o ponto de partida e o de chegada, cliquei para obter indicaes. Nas opes, escolhi a p.

    Segundo o computador, iria precisar de onze minutos para percorrer a p a distncia que

    separa a minha casa do stio onde ele trabalhava.

    Essa informao, saber que precisava apenas de onze minutos para l chegar, fez

    atrasar-me mais. Continuei ao computador enquanto ia eliminando tarefas por falta de

    tempo, no fazer a cama, no secar o cabelo, no me maquilhar. Pensei em enviar uma sms

    surgiu um imprevisto, no posso ir, lamento muito, combinamos em breve

    [email protected]

  • 12

    Invocar um imprevisto o melhor. Se se inventa uma doena obriga-se o Outro

    gentiliza de desejar as melhoras. Um imprevisto igualmente incontornvel e no

    chega sequer a ser uma mentira, j que esto sempre a acontecer-nos coisas que no

    podemos prever.

    No me apetecia sair de casa porque nunca me apetece sair de casa. Uma vez na

    rua, tambm nunca me apetece sair da rua e voltar para casa. As mudanas custam-me

    sempre. Mas nunca me ocorreria enviar-lhe uma sms a dizer a verdade. A verdade s

    pode ser praticada com os muito conhecidos ou com os muito desconhecidos. Acontece

    que quase ningum to conhecido e raramente algum permanece to desconhecido.

    O sol continuava sem aparecer. Ele podia no ser o Machina ex Deus. Podia at nem

    ser o homem da fotografia do facebook.

    *

    Nunca cheguei a conhec-lo. Mas encontrei-me com ele naquela manh. E depois

    dessa, encontrmo-nos ainda outras vezes.

    Demorei cerca de onze minutos a chegar ao trabalho dele e o sol apareceu ao fim

    da manh como o computador tinha previsto. Ele era igual fotografia do homem do

    facebook. Disse-me no ser o Machina ex Deus e eu acreditei. No vale a pena falar com

    os Outros se no acreditarmos no que nos dizem. Nesse sentido, falar com os Outros

    tambm uma questo de f. O blogue do Machina ex Deus continua a no ter nada

    depois do final do poema

    ...

    at que amanhece

    Sei que partiste

    meu pequeno pssaro ferido

    Abro lentamente os olhos

    Nas minhas mos

    teu corpo desfeito num montculo de penas

    Uma brisa passa

    quase nada

    e leva-mas para longe

    Coisas que acarinho e me morrem entre os dedos

    Naquele dia, ao chegar a casa, depois de me encontrar com o homem do facebook,

    [email protected]

  • 13

    sentei-me ao computador, o meu co a abanar muito a cauda minha volta.

    Whens Bangladesh going to disappear?

    About 12,100,000 results (0.21 seconds)

    Bangladesh happens to be situated at sea level in a region of the world where

    flooding and monsoons are already a problem. As it stands, each year roughly half

    the country is under water at one point or another. But because of possible rising

    sea levels in the next 20 years (even a 20-centimeter rise) could devastate 10-million

    Bangladeshis

    Vinte anos. Daqui a vinte anos o Bangladesh, este Bangladesh, ter desaparecido.

    A ameaa do provisrio sempre me assustou. J perdi tanta coisa. Perdi um continente

    e a cidade em que cresci, perdi o meu pai, perdi uma caneta de tinta permanente e um

    guarda-chuva com um arco-ris, perdi a minha cadela Fly e a coleira com sininho que ela

    usava. Perdi tempo.

    No sei ir ao Bangladesh. No quero amar o que no possa aceitar-me de regresso.

    Por favor tente novamente, talvez com datas ou aeroportos alternativos

    Desisti da viagem.

    Por favor, tente novamente

    Por favor

    Por favor

    Por favor

    Para aceder aos restantes contos visite: Biblioteca Digital DN

    [email protected]

  • 14