AS CANÇÕES Festival de Cannes, 2007 — Selecção Oficial, em...

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Sinopse Todas as canções de amor contam a mesma história: “Há muitas pessoas que te amam”, “Não posso viver sem ti…”, “Desculpa meu anjo”. Les chansons d’amour conta também esta história. Festival de Cannes, 2007 — Selecção Oficial, em Competição Césars France — Melhor Música (Alex Beaupin) Toronto Internacional Film Festival — Selecção Oficial, em Competição Hong Kong Film Festival 2007 Edinburgh Film Festival, 2007 Chicago Film Festival, 2007 Vienalle, 2007 BAFICI, Buenos Aires, 2008 AS CANÇÕES DE AMOR um filme de Christophe Honoré com Louis Garrel, Ludivine Sagnier, Chiara Mastroianni, Clotilde Hesme, Gregoire Leprince-Ringuet Música e Letras Originais de Alex Beaupain França, 2007, Cor, 1h35 | M/12 Entrevista ao realizador Christophe Honoré As Canções de Amor é um filme elaborado a partir de material musical pré-existente: as canções de Alex Beaupain... Christophe Honoré — Conheço o Alex desde os nossos vinte anos. Ele fazia a música de todos os meus filmes. Eu próprio escrevi algumas letras de canções. Depois dos bons resultados do meu filme Dans Paris / Em Paris, que me permitiam propor outro projecto rapidamente, pedi-lhe se podia utilizar as suas canções — algumas do seu último álbum, outras muito mais antigas — e integrei-as num argumento que contava uma história bastante dolorosa e que nos era comum. Fiz de seguida um trabalho de adaptação sobre os seus textos e pedi- lhe que escrevesse novas canções. É a primeira vez que se confronta tão frontalmente com o sentimento amoroso... No filme Em Paris ousei mostrar pessoas que se amavam, mas tratava-se sobretudo do amor fraternal. Continuava a perturbar-me o sentimento amoroso. Para mim, não se tratava tanto de colocar o sentimento no coração da história, porque eu nunca soubera fazê-lo. Daí a ideia de fazer um filme onde as personagens desatam a cantar logo que caem num estado amoroso, porque são incapazes de se exprimir de outro modo. Sempre amei a canção, esta maneira de viver um sentimento intenso, mas fugitivo, com uma permanente inquietação de ligeireza. Sempre adorei canções de amor, posso ficar impressionado com uma variação francesa que, a priori, não me interessa musicalmente, mas que me toca pelo refrão, pela voz, por uma emoção que sinto expressa com justeza. Há muito tempo que tinha vontade de fazer uma comédia musical? Sim, mas queria que se justificasse a escolha do género e que não fosse uma paródia de códigos. A ironia é muitas vezes bastante lisonjeira, porque se tem a impressão de se ser astuto, embora isso não tenha qualquer interesse. Para mim, não se tratava de parodiar o género, mas sim dizer a mim próprio: “Este filme é uma comédia musical porque os personagens não podem exprimir os seus sentimentos de outra forma, a não ser cantando.” Aprecio o espírito da comédia musical, próxima do género pop: nunca se lamentar, nunca se entorpecer, oferecer-se a possibilidade do lirismo a partir de uma tragédia quotidiana. Partir de um material de canções pré-existente modificou a sua forma de escrita do argumento? As Canções de Amor conta uma história tão pessoal, que eu a conhecia de cor. De facto, a questão da história não se põe, mas sim a ideia de como a enfrentar sem ficar petrificado, de como a contar e fazê-la funcionar numa estrutura musical que se reflicta no conjunto do filme. Os locais, como o apartamento dos pais, reaparecem como se fossem refrões, com uma tonalidade alterada, segundo o que se passa na estrofe anterior. Como acontece nas canções, onde surgem e desaparecem certos instrumentos enquanto outros se juntam, os personagens secundários vêm relançar a ficção e outros acabam por ser eliminados. Como se desenvolveu o trabalho musical no filme? Refizemos os arranjos das canções do Alex com o Frédéric Lo — que trabalhou notavelmente com Daniel Darc — sem nunca perder de vista que não tínhamos um ano à nossa frente, nem o orçamento para ter uma orquestra. Tentámos encontrar uma correspondência entre os nossos desejos e os nossos meios e acho que acabámos por criar uma estética e um rigor. Fala-se muitas vezes do rigor dos actores, da devida distanciação por parte da realização, mas a estética global de um filme deve ser também ela rigorosa. O Alex e eu não queríamos que as canções soassem “banais”. Os actores ensaiaram imenso com o Alex. Em grupo, fizemos as primeiras leituras no início de Novembro, depois gravámos as canções antes do Natal para ter os «play-back» na rodagem, que começava em Janeiro. O facto de filmar personagens que cantam modificou a sua relação com a realização? Filmar personagens que cantam é muito complicado em termos de personificação. É preciso conseguir que a passagem da fala ao canto, e o regresso à fala, pareça natural... mas que, ao mesmo tempo, se passe algo “não natural”. É necessário que a realização aceite libertar-se do realismo, mas sem cair no vídeo-clip. O medo de transformar o meu filme em 13 vídeo-clips dava-me suores frios. De tal forma, que a primeira canção foi filmada num plano-sequência, recusando-me a fazer quaisquer cortes. Mas apercebi-me de imediato que era uma má ideia, porquanto ia chegar à sala de montagem com planos sequência que nunca poderiam ser cortados. Assim, adoptei uma realização e uma planificação cada vez mais complexas, cujos cortes eram feitos consoante as canções e as emoções que elas exprimiam.

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SinopseTodas as canções de amor contam a mesma história:“Há muitas pessoas que te amam”, “Não posso viver sem ti…”, “Desculpa meu anjo”. Les chansons d’amour conta também esta história.

Festival de Cannes, 2007 — Selecção Oficial, em CompetiçãoCésars France — Melhor Música (Alex Beaupin)Toronto Internacional Film Festival — Selecção Oficial, em CompetiçãoHong Kong Film Festival 2007Edinburgh Film Festival, 2007Chicago Film Festival, 2007Vienalle, 2007BAFICI, Buenos Aires, 2008

AS CANÇÕESDE AMORum filme de Christophe Honorécom Louis Garrel, Ludivine Sagnier, Chiara Mastroianni,Clotilde Hesme, Gregoire Leprince-RinguetMúsica e Letras Originais de Alex BeaupainFrança, 2007, Cor, 1h35 | M/12

Entrevista ao realizador Christophe Honoré

As Canções de Amor é um filme elaborado a partir de material musical pré-existente: as canções de Alex Beaupain...Christophe Honoré — Conheço o Alex desde os nossos vinte anos. Ele fazia a música de todos os meus filmes. Eu próprio escrevi algumas letras de canções. Depois dos bons resultados do meu filme Dans Paris / Em Paris, que me permitiam propor outro projecto rapidamente, pedi-lhe se podia utilizar as suas canções — algumas do seu último álbum, outras muito mais antigas — e integrei-as num argumento que contava uma história bastante dolorosa e que nos era comum. Fiz de seguida um trabalho de adaptação sobre os seus textos e pedi-lhe que escrevesse novas canções.

É a primeira vez que se confronta tão frontalmente com o sentimento amoroso... No filme Em Paris ousei mostrar pessoas que se amavam, mas tratava-se sobretudo do amor fraternal. Continuava a perturbar-me o sentimento amoroso. Para mim, não se tratava tanto de colocar o sentimento no coração da história, porque eu nunca soubera fazê-lo. Daí a ideia de fazer um filme onde as personagens desatam a cantar logo que caem num estado amoroso, porque são incapazes de se exprimir de outro modo. Sempre amei a canção, esta maneira de viver um sentimento intenso, mas fugitivo, com uma permanente inquietação de ligeireza. Sempre adorei canções de amor, posso ficar impressionado com uma variação francesa que, a priori, não me interessa musicalmente, mas que me toca pelo refrão, pela voz, por uma emoção que sinto expressa com justeza.

Há muito tempo que tinha vontade de fazer uma comédia musical?Sim, mas queria que se justificasse a escolha do género e que não fosse uma paródia de códigos. A ironia é muitas vezes bastante lisonjeira, porque se tem a impressão de se ser astuto,

embora isso não tenha qualquer interesse. Para mim, não se tratava de parodiar o género, mas sim dizer a mim próprio: “Este filme é uma comédia musical porque os personagens não podem exprimir os seus sentimentos de outra forma, a não ser cantando.” Aprecio o espírito da comédia musical, próxima do género pop: nunca se lamentar, nunca se entorpecer, oferecer-se a possibilidade do lirismo a partir de uma tragédia quotidiana.

Partir de um material de canções pré-existente modificou a sua forma de escrita do argumento? As Canções de Amor conta uma história tão pessoal, que eu a conhecia de cor. De facto, a questão da história não se põe, mas sim a ideia de como a enfrentar sem ficar petrificado, de como a contar e fazê-la funcionar numa estrutura musical que se reflicta no conjunto do filme. Os locais, como o apartamento dos pais, reaparecem como se fossem refrões, com uma tonalidade alterada, segundo o que se passa na estrofe anterior. Como acontece nas canções, onde surgem e desaparecem certos instrumentos enquanto outros se juntam, os personagens secundários vêm relançar a ficção e outros acabam por ser eliminados.

Como se desenvolveu o trabalho musical no filme? Refizemos os arranjos das canções do Alex com o Frédéric Lo — que trabalhou notavelmente com Daniel Darc — sem nunca perder de vista que não tínhamos um ano à nossa frente, nem o orçamento para ter uma orquestra. Tentámos encontrar uma correspondência entre os nossos desejos e os nossos meios e acho que acabámos por criar uma estética e um rigor. Fala-se muitas vezes do rigor dos actores, da devida distanciação por parte da realização, mas a estética global de um filme deve ser também ela rigorosa. O Alex e eu não queríamos que as canções soassem “banais”. Os actores ensaiaram imenso com o Alex. Em grupo, fizemos as primeiras leituras no início de Novembro, depois gravámos as canções antes do Natal para ter os «play-back» na rodagem, que começava em Janeiro.

O facto de filmar personagens que cantam modificou a sua relação com a realização? Filmar personagens que cantam é muito complicado em termos de personificação. É preciso conseguir que a passagem da fala ao canto, e o regresso à fala, pareça natural... mas que, ao mesmo tempo, se passe algo “não natural”. É necessário que a realização aceite libertar-se do realismo, mas sem cair no vídeo-clip. O medo de transformar o meu filme em 13 vídeo-clips dava-me suores frios. De tal forma, que a primeira canção foi filmada num plano-sequência, recusando-me a fazer quaisquer cortes. Mas apercebi-me de imediato que era uma má ideia, porquanto ia chegar à sala de montagem com planos sequência que nunca poderiam ser cortados. Assim, adoptei uma realização e uma planificação cada vez mais complexas, cujos cortes eram feitos consoante as canções e as emoções que elas exprimiam.

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“A partida”, “a ausência”, “o regresso” ... Uma estrutura em três partes... Foi durante a montagem que eu compreendi que o filme tinha três partes. É a estrutura clássica de todas as comédias ou dramas sentimentais. Em As Canções de Amor o regresso do sentimento amoroso vem através de uma terceira pessoa exterior ao drama e pela chegada de um fantasma. De facto, talvez a profunda essência do filme seja a de permitir que este fantasma volte à terra durante o tempo preciso de uma canção.

Cada um dos personagens reage de maneira muito diferente perante a explosão da tragédia ... Tenho a impressão que eles reagem sobretudo com tempos diferentes. Ismaël (Louis Garrel) caminha como um cego mas, apesar de tudo, continua a caminhar. Desde o início do filme que eu o filmei em movimento, e recusei- me a suspender este movimento, apesar da irrupção da tragédia. E depois Erwann (Grégoire Leprince-Ringuet) acelera um pouco mais a sua marcha, enquanto que Jeanne (Chiara Mastroianni) está condenada à imobilidade: ela permanece como um ponto fixo. A tragédia paralisa-a. Quanto a Alice (Clotilde Hesme), ela caminha ao lado de Ismaël, mas de seguida ela toma um caminho paralelo e parte para uma outra história com esse rapaz bretão que encontra. Muitas vezes, nos meus filmes, a tragédia nasce da expectativa de uma catástrofe. As Canções de Amor trata sobretudo das consequências desse facto e de como resistir. De facto, é um filme mais dirigido ao presente. Aqui a catástrofe oferece a descoberta de novos caminhos.

Será que a nossa época tem direito a viver as suas próprias tragédias? As tragédias não se anunciam, não precisamos da Guerra de Tróia para que ela irrompa nas nossas vidas. A ideia foi de enquadrar a história na cidade... sem fazer necessariamente um filme documentário ou militante. Queria dar uma dimensão da actualidade, daí a ideia que o personagem de Ismaël seja o editor de uma redacção, isto é, alguém responsável pelas notícias da actualidade. O fim do seu idílio e dos seus dias despreocupados não acontece fora do mundo.

Você tem a dimensão de um cineasta do séc. XXI, que filma a actualidade e que se compromete com ela ... Sim eu sinto uma necessidade muito forte de me envolver com o mundo de hoje. Acho que esta necessidade está ligada às condições de produção deste filme e do anterior. Decorreu muito pouco tempo entre o momento em que exprimi o desejo de fazer estes filmes e aquele em que os realizei. O Paulo Branco consegue tomar decisões muito rapidamente, ou seja decidir em Outubro para filmar em Janeiro. O resultado disso é que não há tempo de idealizar outros mundos na nossa cabeça, só podemos situar-nos no presente daquilo que vivemos pessoalmente, das vivências dos actores, da cidade, da sociedade...

Esta aterragem no real é ainda mais impressionante, uma vez que o filme se ergue da comédia musical... Nas comédias musicais tem-se muitas vezes a sensação de que se está numa bolha um pouco kitsch, com referências irónicas, canções que criam uma distância com o real. Quando o mundo exterior está lá, ele é chamado. No filme convoco menos o mundo que não faz parte da minha vida. Penso que o facto de filmar a cidade onde vivo muda profundamente as coisas. No filme Em Paris tratava-se duma Paris “museu”. Em As Canções de Amor, pelo contrário, limitei-me ao “10ème arrondissement” da cidade. O 10ème é um dos poucos bairros onde se trabalha fora, com pessoas que descarregam os camiões de mercadorias... Não se tratava de bloquear as ruas para filmar, eu queria que a vida se infiltrasse nos planos o mais possível e, assim, respeitar a geografia dos lugares. Impus-me este objectivo não tanto para produzir um efeito do real, mas para me impedir de tornar o filme fantasmagórico.

Como é que decorreu o “casting”? Chiara foi a primeira escolha que se impôs. Há muito tempo que tinha vontade de trabalhar com ela e tinha-a ouvido cantar. Foi uma revelação trabalhar com ela. Tive a impressão de encontrar o meu duplo feminino e tenciono fazer outros filmes com ela. Quanto à Ludivine, cruzámo-nos de forma imprevista e eu também a tinha ouvido cantar. Humanamente, qualquer coisa se instalou entre nós, uma confiança. Mas, na época do encontro, eu ainda não tinha o personagem masculino, pelo que não podia comprometer-me. Isso não a perturbou, e respondeu-me apenas: “lembra-te que estou aqui se precisares de mim”. E, evidentemente, precisei dela. Quanto a Clotilde Hesme, já tínhamos trabalhado juntos no teatro há muito tempo, antes mesmo de ela fazer Os Amantes Regulares [filme de Philippe Garrel]. Divertia-me a ideia de recompor, duma forma totalmente diferente, o par que ela fazia com o Louis em Os Amantes Regulares. E, sobretudo, tinha a vontade de a fazer representar num registo cintilante. O seu personagem vem dar vida à história, continuamente. Na minha opinião, a Clotilde vai invadir o cinema francês com a força de um “bulldozer” delicado.

É a terceira vez que trabalha com o Louis Garrel... Sim, mas quase que não o agarrei! Julgava que ele não sabia cantar. Além disso, no início, procurava um Ismaël mais velho que o Louis. Por isso, comecei a ver outros actores e cheguei à conclusão de que o modo como o personagem falava era o do Louis, a sua música específica. Durante esse tempo, o Louis telefonava-me de vez em quanto para saber como decorria o “casting” e aconselhava-me actores. Depois pediu-me para ler o argumento. Deixou-me mensagens no atendedor de chamadas: “Sabes, eu também canto um bocadinho...”. Eu não imaginava fazer um terceiro filme com ele, mas ele continuou a insistir! Então, enviei-lhe uma canção do Alex, propondo-lhe que a ensaiasse. Um dia, veio a minha casa para nos apresentar o seu trabalho, ao Alex e a mim. Pediu-nos que nos voltássemos para outro lado para que ele pudesse cantar sem o vermos e lançou-se... O medo fazia-lhe tremer a voz, mas para o Alex e para mim, ele era uma escolha óbvia. De facto, aquele papel tinha sido para ele desde o início, creio que o escrevi para ele, sem me aperceber. Com todos estes filmes, qualquer coisa se construiu entre nós, qualquer coisa que nos escapa mas que nos estruturou aos dois e nos modificou. Ele permitiu-me encontrar o meu estilo, a minha identidade enquanto cineasta.

E com Grégoire Leprince-Ringuet no papel de Erwann? Ele foi actor no filme Os Fugitivos, de André Téchiné. Lembro-me bem da sua voz, muito particular como a de Chiara ou Ludivine. Aliás, constatámos posteriormente que o André o tinha descoberto num coro. Grégoire representa uma certa juventude, sem cair em clichés ou nas fantasias sexuais do mundo de hoje. Tem uma beleza franca e não espalhafatosa.

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Queria que o personagem encarnasse um jovem que não tivesse dúvidas sobre a sua homossexualidade, mas que não tivesse tido ainda quaisquer aventuras. Erwann não está atormentado pela sua sexualidade mas sim pelos seus sentimentos. Grégoire tinha uma simplicidade e uma amabilidade que me conquistaram de imediato.

No nosso tempo, ainda se pode morrer de amor... Sim, o sentimento tem o seu lado perigoso. Pertenço a uma geração para a qual “morrer de amor” está forçosamente ligado à SIDA e eu tinha vontade de remeter este perigo para o lado dos sentimentos, sem passar pelo sexo. A SIDA está sempre lá, mas o perigo está na maneira como alguém não se sente amado ou não sabe amar.

Com a ideia de conseguir encontrar o seu próprio ritmo. “Ama-me menos, mas ama-me durante muito tempo”, pede Ismael... Nos anos 80, um dos personagens de Leos Carax perguntava: “Será que existe um amor que seja veloz mas que dure para sempre?” Vinte anos mais tarde, o filme As Canções de Amor traduz este sentimento, mas com uma lucidez acrescida. O que Ismaël reclama não são provas de amor, mas sim que gostava mais de ser amado de forma clandestina mas com perseverança. De facto, hoje penso de modo diferente de Cocteau: “As provas de amor não existem, só existe o amor.”

Entrevista a Alex Beaupain

Define As Canções de Amor como um musical? Não, verdadeiramente. Quando se fala de uma comédia musical, pensa-se nos filmes de «music-hall», no tipo de espectáculo que os americanos sabem fazer, com números coreografados e canções que comentam a acção. Ou então nos filmes de Jacques Demy, que inventou uma nova linguagem do musical: as palavras cantadas. Parece-me que As Canções de Amor deriva antes de uma tradição francesa dos anos 60/70, como por exemplo o filme Jules et Jim de Truffaut, onde, subitamente, os personagens se põem a cantar “Le Tourbillon de la vie”. Só que, em vez de ter uma ou poucas canções, como era o caso do filme Em Paris, aqui existem 13 canções que estruturam o filme.

Como é que trabalhou nos arranjos musicais? Para nós era evidente que se tornava necessário refazer o arranjo das canções para criar uma homogeneidade entre as que faziam parte do primeiro álbum e as que foram criadas separadamente. Foi muito excitante! Mas eu conhecia demasiado bem todas as canções, tinha necessidade de um olhar exterior. Rapidamente, sentimos a vontade de trabalhar com Fréderic Lo, o produtor de Crève-Coeur de Daniel Darc, um álbum muito lírico e rico, apesar dos arranjos minimalistas. Frédéric tinha conseguido fazer “falar-cantar” o Daniel Darc,

algo que se aproximava do problema que tínhamos em mãos ao adaptar as canções para os actores: favorecer a interpretação mais do que a técnica vocal.Contrariamente a uma canção que se escuta repetidamente num álbum, num filme uma canção tem de ter um efeito imediato no público e inserir-se própria na história... Há uma ideia de percurso neste filme, pelo que as canções e o momento em que as personagens as cantam nunca são anódinos. Nem a forma como as cantam: a solo, em duo, em trio, em família... O filme começa com canções bastante ligeiras. E avançamos lentamente para uma musicalidade mais intensa e lírica. Trabalhámos muito os ambientes sonoros em função da forma como se iam estruturar as cenas, se elas se desenrolavam no exterior ou num quarto. Mas estas orientações processaram-se naturalmente, provavelmente porque o Christophe, ao escrever o argumento, já tinha pensado de uma forma precisa no modo de integrar as canções nas cenas.

A decisão de não dobrar os actores e de os pôr a cantar na realidade foi uma escolha óbvia? Sim, com base na experiência de ter posto o Romain Duris a cantar no filme Em Paris, nós ficámos convencidos que um actor, mesmo quando não tem nenhuma técnica vocal, tem uma qualidade de interpretação e de intenção que o torna dez vezes mais comovente que um cantor profissional. Mas como havia 13 canções, e não apenas uma como no Em Paris, não podíamos jogar sobre o efeito de surpresa de ouvir um actor cantar, o que torna os espectadores menos críticos e menos atentos aos limites vocais.

Os actores ensaiaram as canções consigo? Sim, fizemos três semanas de ensaios em minha casa antes de entrar em estúdio. Fi-los trabalhar o som com a voz e o piano. Dado que eles eram actores, pensei que eles iam trabalhar apenas a técnica de falar/cantar, mas, de facto, eles tinham todos imensa facilidade e cantavam realmente e ousavam lançar-se na melodia e no ritmo.

Em “Porquoi viens-tu si tard? ” (“Porque vens tão tarde?”), uma canção cantada pelo fantasma de Julie, reside a ideia de que uma canção pode projectar-se através do tempo... Eu não escrevi esta canção com esse espírito. Para mim era uma canção “separada” que não tinha qualquer ligação com a história do filme. Escrevi-a para outra pessoa qualquer. Fiquei pois muito surpreendido, pela leitura do argumento, que o Christophe a tenha utilizado desta maneira. Podia pensar-se que, a partir do momento em que a Julie desaparece, ela nunca mais vai cantar. E eis que ela reaparece com esta canção. Acho que é uma bela ideia, sobretudo neste filme que foi escrito para continuar a manter vivo alguém, em qualquer parte.

“As Canções de Amor inscreve-se numa certa tradição de cinema francês ligada à nouvelle vague e à pós-nouvelle vague [...] Como nos primeiros filmes de Godard e Truffaut, também retrata a verdade da nossa época, a verdade sobre a vida quotidiana, sentimental e sexual dos jovens em Paris nos dias de hoje, com o seu multiculturalismo e as suas angústias.[…] Um filme poético e de uma originalidade pouco comuns...Um melodrama musical encantador, um filme alegre e sério sobre o amor e a ausência. Sublime. Surpreende-nos a cada plano, evita os clichés, as armadilhas.”Jean-Marc Lalanne e Jean-Baptiste Morain, Les Inrockuptibles

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“Les Chansons d’Amour é um filme tímido e arriscado [...] A homenagem à nouvelle vague é claramente reivindicada, tanto pelo vento de liberdade que sopra neste filme como pela ideia de urgência e economia de meios.”Gérard Lefort, Libération

“Um filme musical não é forçosamente uma comédia musical. Meia-hora depois do início da projecção (em Cannes), primeiro filme francês apresentado em competição, esta evidência impôs-se frontalmente na sala. O azulado tornou-se cinzento, o filme de Christophe Honoré ganhou seriedade sem perder a graça e o Festival de Cannes encontrou-se a braços com uma coisa estranha e apaixonante que nos obriga a pensar. Por exemplo, como uma canção de amor com êxito.”Thomas Sotinel, Le Monde

“O Paris sombrio filmado por Honoré tem um realismo e uma forte presença que poucos filmes actuais conseguem oferecer.”Pascal Mérigeau, Le Nouvel Observateur

“Tudo isto é de uma frescura estranha. Uma bela homenagem ao cinema que já não existe. Ao mesmo tempo que se trata de um filme tão contemporâneo que se nota a presença de Sarkozy em cartaz”.Jean Roy, L’Humanité

“Christophe Honoré renova a comédia musical com requinte e malícia (...) um hino a todos os possíveis, que apresenta várias formas de viver a dois, a três, em família, em sociedade, entre homossexuais e heterossexuais. A sua visão é abrangente. Como um filme popular.” Jacques Morice, Télérama

“Agora Christophe Honoré chega mesmo a concurso com Les Chansons d’Amour (produção de Paulo Branco) e com um casal a três...e novamente tudo a passar-se em Paris. Depois de algumas sequências cantadas no filme anterior (a cena final de Em Paris, uma conversa ao telefone), o realizador aventura-se pela comédia musical dentro. Ou seja, depois de Truffaut e Godard, é a homenagem ao cinema “(en)cantado” de Jacques Démy.”Vasco Câmara, Público

“É cedo para fazer previsões sobre o que vai acontecer nesta edição, mas é um facto que o filme de Christophe Honoré, Les Chansons d’Amour, veio reforçar um curioso sintoma; o de que existe toda uma nova geração apostada em relançar uma relação criativa com a herança da Nova Vaga e, em particular, com autores como François Truffaut, Jean-Luc Godard, Jacques Rivette ou Jacques Demy.”João Lopes, Diário de Notícias

“Cheirou a Palma de Ouro, no final da projecção de Les Chansons d’Amour, de Christophe Honoré. O filme mete em cena alguns triângulos amorosos — e algumas outras equações —na Paris de hoje, entre um grupo de jovens, com ou sem ambições na vida, mesmo que ela possa terminar mesmo ali, ao virar da esquina. Evocando o Jules et Jim, de Truffaut, e Jacques Demy, outro cineasta francês prematuramente desaparecido, como uma das personagens do filme, cujo espírito mais se sente, neste último filme do realizador de Minha Mãe e Em Paris, e que foi produzido em França por Paulo Branco. Um cinema de sentimentos, imensamente poético, como os actores que lhe dão corpo, Les Chansons d’Amour faz-nos lembrar que o cinema é como a vida: por vezes belo, outras vezes trágico. Se o júri vir o filme com a mesma emoção com que grande parte dos jornalistas saiu da sala, Les Chansons d’Amour estará certamente no palmarés final.”João Antunes, Jornal de Notícias

“Mas tudo ganha uma outra luz depois de ver Les Chansons d’Amour, o primeiro filme francês da competição, um divertido melodrama com canções de amor: Louis Garrel é um pinga-amor numa Paris invernal filmada pelo novo menino bonito do cinema francês: Christophe Honoré. Les Chansons d’Amour bate forte no coração e faz-nos acreditar que os grandes abalos na vida são para ser trauteados.”Rui Pedro Tendinha, Notícias Magazine

“Depois do realismo cruel a abordar a questão do aborto ilegal na Roménia [...] foi a vez de nos rendermos ao romantismo musical de Christophe Honoré, em Les Chansons d’Amour, uma produção de Paulo Branco. [...] Aí se descreve a trajectória irresistível da personagem interpretada por Louis Garrel (filho do realizador Philippe Garrel, que também vemos na película Em Paris) ao longo de diversos trechos amorosos e musicados a partir das inspiradas canções de Alex Beaupin. São trechos plenos de romantismo que ecoam as ruas de Paris e que facilmente nos fazem recordar os musicais de Demy. [...] Sem dúvida, um filme arrebatador e belo.”Paulo Portugal, Correio da Manhã