As Bruxas Na Ilha de Santa Catarina

8
AS BRUXAS NA ILHA DE SANTA CATARINA Dom João V, rei de Portugal, determinou em 1747, a transferência de 4.000 portugueses, oriundos das Ilhas de Açores e Madeira para as províncias de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em 1748, começaram a chegar, na Ilha de Nossa Sra. do Desterro, atual Florianópolis, em Santa Catarina, os primeiros casais e desertores. Entre esses desertores, havia algumas mulheres que foram afastadas de Portugal acusadas de feitiçaria. Assim sendo, os moradores da Ilha dos Açores trouxeram suas crenças, seus costumes, suas tradições e suas bruxas. Aqui, na Ilha de Santa Catarina, elas voltaram às suas atividades como curandeiras, parteiras e conselheiras, sendo a partir de então conhecidas como benzedeiras. E a palavra bruxa ou feiticeira foi

Transcript of As Bruxas Na Ilha de Santa Catarina

Page 1: As Bruxas Na Ilha de Santa Catarina

AS BRUXAS NA ILHA DE SANTA CATARINA

Dom João V, rei de Portugal, determinou em 1747, a transferência de 4.000 portugueses, oriundos das Ilhas de Açores e Madeira para as províncias de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Em 1748, começaram a chegar, na Ilha de Nossa Sra. do Desterro, atual Florianópolis, em Santa Catarina, os primeiros casais e desertores. Entre esses desertores, havia algumas mulheres que foram afastadas de Portugal acusadas de feitiçaria.

Assim sendo, os moradores da Ilha dos Açores trouxeram suas crenças, seus costumes, suas tradições e suas bruxas.

Aqui, na Ilha de Santa Catarina, elas voltaram às suas atividades como curandeiras, parteiras e conselheiras, sendo a partir de então conhecidas como benzedeiras. E a palavra bruxa ou feiticeira foi transferida para aquelas mulheres, vivas ou mortas, que realizavam magia negra e encantamentos para o mal.

Tal mudança de definição, de bruxa para benzedeira, deu-se por conta da deturpação que a palavra bruxa ou feiticeira sofreu pela Inquisição. Ser bruxa era sinal de conexão diabólica, era ser responsável por todas as desgraças e dificuldades existentes na vida cotidiana do povo.

Relatos sobre bruxas e benzedeiras são freqüentes nos antigos vilarejos da Capital, principalmente na Lagoa da Conceição, povoado que foi fundado em 1750, com o nome de Nossa

Page 2: As Bruxas Na Ilha de Santa Catarina

Senhora da Conceição.

Porém, a verdadeira bruxa, ou se preferir benzedeira, é aquela que tem conhecimento sobre todas as energias que nos envolvem e sabe utilizá-las para melhorar a vida física, mental e espiritual. A bruxaria, ou seja, a Antiga Religião, é uma filosofia de vida onde predomina o amor, o respeito por todas as formas de vida e onde utiliza-se as forças da natureza e da energia cósmica para efetuar curas e ritos de harmonização.

Pelo interior da ilha, principalmente nas comunidades da Lagoa da Conceição e do Ribeirão da Ilha, ainda podemos ouvir "causos" dos pescadores vítimas das bruxas, e das mães cujos filhos embruxados foram salvos pela benzedeira. Para espantar uma bruxa, a benzedeira da Ilha, junto com seus galhos de ervas, reza a seguinte oração:

AS ILHAS DA MAGIA DA UNIÃO POPULAR

Raul Longo

Ilha da Magia é o dístico de Florianópolis em função da mitologia local que confere à colonização açoriana, a participação de algumas bruxas.

Bruxas eram comuns nos Açores porque ao arquipélago no meio do Atlântico, equidistante de Europa e América, os poderosos de Portugal degredavam seus contestadores.

Como nas sociedades de todas as épocas, lá em Portugal os contestadores também eram da gente do povo, pois raramente acontece de um nobre, um vigário ou qualquer classe de acomodado às benesses ou aos farelos do Poder, contestar alguma coisa.

E, naqueles tempos medievais, isso era ainda mais raro, pois o Poder era tanto e a obstinação em mantê-lo tamanha, que nem preciso contestá-lo. Bastava não se sujeitar a um daqueles poderosos para ser mandado aos Açores.

Page 3: As Bruxas Na Ilha de Santa Catarina

Na Ibéria, como em toda a parte, a força contestadora das mulheres sempre teve um efeito muito forte. Ainda hoje é assim. Reparem que um sujeito que reclama ou não se sujeita, por mais admirado que seja, nunca o é tanto quanto uma mulher que peita a empáfia e prepotência dos poderosos, como há pouco tempo a hoje Presidenta Dilma fez a um extinto senador.

Natural, pois da mulher se construiu o mito da fragilidade, da candura. Quando uma foge desse estereótipo, se entende que tenha superado a condição feminina.

Observando bem, é condição imposta, patriarcal, formada por preceitos religiosos que relegam a mulher à condição de servis. Agora, imaginem as feministas da europa medieval, dando uma banana para tais mitos!

E acontecia, porque aqueles povos ibéricos, antes do domínio do Império Romano, provinham dos celtas, uma cultura baseada em outros ritos onde a entidade religiosa suprema era a Grande Mãe. Aí, quando os romanos se fazem cristãos e se instaura o Império Católico com aquela transformação do Jeová dos semitas hebreus em deus único, dá-se o embate das sacerdotisas da Grande Mãe com os sacerdotes católicos.

Assim nasceu o mito das bruxas. A magia, divulgada pelos contos de fadas, foi a forma de convencer as pessoas de que aquelas mulheres contestadoras eram do mal. E quem era do mal, naqueles tempos, ou ia pra fogueira da inquisição ou para os Açores.

Lá pelo século 18, aquela gente ali abandonada desde cerca de 1430, estava à míngua, morrendo de fome, pois a insuficiente produção agrícola das ilhas era monopolizada pela Igreja e há registros de um édito real obrigando o bispo de uma delas a distribuir os grãos armazenados nos silos de sua capela, do contrário o povo morreria de fome.

Compreensível a avareza do bispo, afinal nos Açores tornou-se impossível satisfazer a gula e o jeito foi transferir aquele povo pela região litorânea da vasta e nova colônia: o Brasil.

Assim vieram as bruxas, muitas delas declaradas como tal por provocarem os párocos com a tentação da luxúria, como o caso de uma cabocla da Paraíba, dona de um corpo tão diabolicamente atentado que o padre não teve outro jeito senão mandar queimar a obra do demo.

Atenção! Aqui não se trata de alusão à sigla de partido político, coisa que então nem existia, embora, de uma forma ou de outra, marque ainda hoje a história de Florianópolis como Ilha da Magia.

Marcou e não apenas pela eleição do partido ao governo do estado, nas últimas eleições, mas principalmente porque aqueles açorianos que de lá vieram, cá continuam em situação similar, ainda que bastante melhorada no tocante ao quesito alimentação, pois com índios aprenderam o cultivo e trato da mandioca, confundindo alguns historiadores locais que chegam a divulgar engenhos de farinha e de cana como de origem açoriana, apesar de por lá não haver matéria prima que justificasse tais empenhos. E além de práticas agrícolas, aprenderam também a construir canoas e outros recursos de pesca.

Page 4: As Bruxas Na Ilha de Santa Catarina

Dos negros escravos aprenderam muito da culinária que hoje vai se tornando mais um atrativo turístico desta Ilha de Santa Catarina ou da Magia, entre outras artes hoje esquecidas. Ou melhor, ainda desenvolvidas, mas esquecidas de onde tenham se originado, de forma que aqui se pensa que tudo tenha vindo dos Açores e que não exista em outras partes do país.

Não é bem verdade, pois os guaranis desde o sul se espalhavam por São Paulo adentrando Mato Grosso afora até a fronteira oeste do  Paraguai. E negros foram misturados todos: bantos, iorubas, minas, nagôs, angolas, etc. Misturados na dispersão promovida pelos senhores brancos, mas mesmo formando variações culturais, se os dança em cada um dos estados brasileiros.

Estados pouco conhecidos pelos  ilhéus de Santa Catarina ou pelos sulistas em geral, limitados em suas fronteiras únicas dentro das quais se creem exclusivos na manutenção de tradições adaptadas de negros e índios que olvidaram no decorrer das miscigenações às culturas ibéricas, enaltecidas na busca de uma identidade europeia que além de não identificar coisa alguma, solidifica provincianismos e imobiliza a criatividade das gerações, reduzindo a cultura a mesmices xenofóbicas.

Similaridades às origens açorianas, sem dúvida se mantém. Mas das mais notáveis são as relações sociais, pois ainda que não mais se careça de éditos que obriguem a dar de comer ao povo, quase tão quanto continua reprimido e abandonado. Ou simplesmente ignorado, como ainda há pouco foram ignorados e até anunciados como inexistentes pela então principal autoridade pública do país no setor, natural de Santa Catarina, os mais tradicionais trabalhadores da região, onde constituem uma das maiores colônias de pesca do Brasil.

Já certas comunidades étnicas como num passe de mágica se tornam invisíveis. A exemplo do Rio de Janeiro e Espírito Santo, ou onde haja aglomerações urbanas próximas a regiões montanhosas, os mais pobres de Florianópolis também são amontoados nos morros e escondidos nas favelas.

Em compensação, assim como no Rio e por todo o Brasil, anualmente os pobres se congraçam com as classes privilegiadas para fazer a maior festa popular do mundo. Temos até nosso sambódromo, que aqui leva o prosaico nome de Passarela Nego Quirido, em homenagem a Juventino João dos Santos Machado que era negro, mas era querido. Nessa de “é nego, mas é quirido” que em outras plagas se substitui por “é negro, mas de alma branca”, João acabou atraindo alguns não negros para a entidade carnavalesca Os Garotos do Ritmo que, com a introdução de brancos no samba, passou a ser denominada de Copa Lord, tal como hoje é conhecida uma das maiores escolas de samba da cidade.

Duas outras de Florianópolis também tem nomes sintomáticos: Consulado e, a mais antiga, Protegidos da Princesa.

A que teve Rodolfo Silva, o popular “Seu das Cor”, como primeiro presidente, já não se preocupou em buscar batismo que atestasse apadrinhamento da elite, vindo a existir apenas como Unidos da Coloninha, em homenagem ao bairro onde foi criada, na porção continental do município.

Page 5: As Bruxas Na Ilha de Santa Catarina

Ainda assim, quem vai à Passarela Nego Quirido assistir a um desfile, se pergunta de onde saem tantos negros para fazer o carnaval da capital catarinense. Foi o que intrigou o cineasta alagoano César Cavalcanti que, em 2005, produziu “Além do Samba, a Resistência Afro-Brasileira”, onde se documenta essa Florianópolis que não se vê nem se enxerga.

De fato, uma magia, um bruxedo. Pois como demonstrado no filme, em shopping e por todo o comércio, restaurantes, bares noturnos, no movimento cotidiano das ruas do centro da cidade, nas praias, no banho de mar e até mesmo nos hospitais e órgãos públicos da cidade, se conseguiu tornar invisível 18% da população da cidade.

Já foram 25% há algumas décadas, mas um sistemático processo de embranquecimento ou mais apropriadamente desnegrecimento populacional, conseguiu reduzir o número de cidadãos negros. Mesmo assim é intrigante: afora os da Nego Quirido, durante o ano onde se enfiam tantos negros menos queridos pela elite florianopolitana?

Não adianta acompanhar a programação local de TV. Ali não há nenhum. Tampouco nas páginas dos poucos jornais de uma mídia monopolizada pelo grupo gaúcho RBS. No entanto, com o apoio da comunidade negra e sob a legenda do PT, o vereador Márcio de Souza, graduado em química, foi eleito por 5 mandatos. Licenciado neste ano, acaba de ser substituído pelo também negro e doutor, professor em urbanismo da UFSC, Lino Peres.

Não há outros políticos negros na cidade, mas esses já são suficientes para demonstrar a razão do título do filme de César Cavalcanti, confirmando que além do samba do carnaval na Nego Quirido, há uma resistência afro-brasileira em Florianópolis ao bloqueio racial.

Talvez por tal experiência é que a mais recente escola de samba do município, fundada em 2009 após 3 títulos consecutivos de campeão como bloco carnavalesco, resolveu homenagear outra ilha da magia: Cuba.

Há 5 décadas bloqueada pela maior potência político/bélica e econômica do mundo, a resistência de Cuba pela sobrevivência de sua soberania como nação, não deixa de ser uma magia. E ao homenageá-la, o Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba União da Ilha da Magia tem obtido para o carnaval de Florianópolis inédita promoção popular, como se infere da constante circulação pela internet de textos e matérias como a do Alípio Freire, reproduzida adiante.

E me chegam de todo o Brasil, de leste a oeste, de norte a su… deste. Quase deslizei, mas a verdade é que daqui do sul, propriamente, nem tanto. O que, talvez, se explique pelo monopólio da RBS.

Como as bruxa chegaram à IlhaLivro conta a história de fugitivas trazidas dos Açores para Nossa Senhora do Desterro no porão de um navio

Contar a história da chegada das bruxas à Ilha de Santa Catarina no século 18 é a proposta do livro de Bianca Furtado. Brumas da Ilha será lançado

Page 6: As Bruxas Na Ilha de Santa Catarina

hoje, às 19h, na Livraria Saraiva do Shopping Iguatemi, em Florianópolis.

Na Ilha de Nossa Senhora do Desterro, em 1745, começavam a chegar os primeiros açorianos na futura Florianópolis. A obra de Bianca resgata esse período de meados do século 18, em uma época em que as mulheres intuitivas eram consideradas bruxas.

Até 1756 mais cinco levas de imigrantes chegam para povoar o litoral do Estado. Entre estes, um cargueiro aporta em Desterro. Mais que alimentos e ferragens, o capitão traz escondido em seu porão mulheres fugidas do Arquipélago de Açores de Portugal.

Feito brumas, elas chegam à Ilha, sem registros e sem autorização da Coroa Portuguesa. Desvendar quem são essas mulheres, do que fugiam e sua adaptação nas terras do sul do Brasil é a proposta de Bianca, que mistura relatos fictícios e fatos históricos de mulheres que tiveram que deixar suas vidas para se lançarem numa incógnita fuga para a América.O livro foi um dos projetos contemplados pelo edital Elisabete Anderle da Fundação Catarinense de Cultura, criado com o intuito de preservar e difundir a cultura de Santa Catarina.

Bianca realizou o pré-lançamento de Brumas da Ilha em 14 de agosto na 21ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo e agora lança o livro em Florianópolis.

A catarinense formou-se em Letras Português pela UFSC, onde foi criada ouvindo as lendas da Ilha, seus contos e causos.

Brumas da Ilha, Bianca Furtado. EdUFSC, 291 págs, R$ 36

Agende-seO quê: lançamento do livro Brumas da Ilha, de Bianca FurtadoQuando: hoje, às 19hOnde: Livrarias Saraiva do Shopping Iguatemi (Rua Madre Benvenuta, 687, Santa Mônica, Florianópolis)

Multimídia Obra de Bianca Furtado narra outro ponto de vista sobre o tema usado por Franklin Cascaes

em suas criações