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1. IntroduoGeorge Bernard Shaw, certa vez, descreveu o Sermo da Montanha como "uma exploso impraticvel de anarquismo e de sentimentalismo". O filsofo alemo Friedrich Nietzsche tratou-o ainda menos benignamente, quando escreveu que "a moralidade crist a mais maligna forma de toda a falsidade" (Ecce Homo). Em 1929, o humanista John Herman Randall estava disposto a reconhecer que Jesus era "verdadeiramente um grande gnio moral" mas ao mesmo tempo estranhava como um carpinteiro galileu pudesse ter enunciado a ltima palavra em tica humana (A Religio no Mundo Moderno). Porm, muitas outras pessoas tm apreciado este sermo com grande reverncia, at mesmo quando no o conheceram nem o entenderam muito bem. Pode-se dizer, com segurana, que o Sermo da Montanha o mais conhecido, menos entendido e menos praticado de todos os ensinamentos de Jesus.A mente moderna, tanto religiosa como irreligiosa, tem tratado este sermo das maneiras mais variadas. Como antes notado, alguns o rejeitaram como totalmente impraticvel ou positivamente mau. Outros o aceitaram, mas com reservas significativas. O humanismo, na sua forma mais benevolente, viu-o como um cdigo moral notvel, mas experimental, totalmente separado da cruz ou de um Cristo divino. O liberalismo religioso o v mais como um projeto para reconstruo social do que para converso pessoal. Albert Schweitzer o explicava como uma tica especial, para uma poca especial, baseada na crena equivocada de Jesus de que o fim de todos os tempos estava para acontecer.Entre os conservadores religiosos, muitos pr-milenaristas o vem como mais uma "lei", inconsistente com uma era de graa, e de aplicao impossvel num mundo pecaminoso. Eles esperam o seu cumprimento em um "reino milenial". A grande parte do protestantismo evanglico tem separado a vida em duas arenas, uma pessoal, e outra social. Para eles, a tica do Sermo da Montanha destinada a conduzir somente os relacionamentos pessoais. Eles consideram impossvel aplicar os preceitos deste sermo aos negcios e ao governo.Tudo isto para dizer que temos operado uma maravilha em nossos tempos ao tomarmos o documento mais revolucionrio da Histria e transform-lo em algo manso e inconseqente. A palavra de Deus tem sido severamente embotada. O evangelho tem sido aparado para ajustar-se ao estilo de vida dos homens indisciplinados e indulgentes.H um sentido verdadeiro em que temos retornado ao ponto de partida. O Sermo da Montanha foi primeiro dirigido a um mundo no qual os fariseus tinham conseguido drenar a vida e o significado da lei de Moiss. Vivemos num mundo que transformou o evangelho em pouco mais do que civilidade do sculo vinte. Por esta razo, da maior urgncia que olhemos freqente e cuidadosamente para o sermo do Filho de Deus que, talvez, mais do que qualquer outro, define a prpria essncia do reino do cu. Aqui, se ouvirmos humildemente, nossas vidas podero ser transformadas, nossos espritos revigorados e nossas almas salvas."O Evangelho do Reino"O ponto de vista do Novo Testamento sobre o sermo melhor entendido na introduo que lhe fez Mateus. O Sermo da Montanha "o evangelho do reino" (Mateus 4:23). Isto deveria servir para esclarecer duas coisas: Primeiro, que ele no meramente a exposio da lei e, segundo, que suas bnos e princpios ticos no so atingveis pelos no convertidos. Este um sermo para os cidados do reino. A salvao, e no a reconstruo social, seu alvo e os homens de sabedoria mundana esto destinados a jamais entend-lo.O relato de Lucas (Lucas 6:12-49) coloca o sermo no segundo ano da pregao pblica do Senhor, no auge de sua popularidade, uma popularidade em que ele nunca confiou (Joo 2:23-25) e que se verificou ser de pouca durao (Joo 6:66). Aqueles tempos parecem ter sido caracterizados por um grande entusiasmo religioso, que era tanto desorientado como superficial.O Sermo da Montanha permanece como uma explanao da verdadeira natureza do reino de Deus. um sermo proferido na Histria e serve para responder s questes que, naturalmente, seriam levantadas pelo anncio em Israel do iminente aparecimento do reino (Mateus 3:1; 4:17). Mais ainda, o carter totalmente inesperado do pregador e o acirrado conflito entre Jesus e os fariseus estavam para provocar ainda maior preocupao entre aqueles que primeiro ouviram o grito: "Est prximo o reino dos cus!"O discurso de Jesus na encosta de um monte galileu no , na realidade, um mero sermo. Ele mais se aproxima de um manifesto do reino de Deus. H mais ensinamento de Jesus do que este, mas aqui sentimos a verdadeira essncia da verdade do reino; e o negligenciaremos com nosso prprio risco. Porque ele trata de atitudes, o sermo permanece na entrada do reino de Deus tanto quanto em seus mais exaltados planos. Ele no somente carne para os maduros mas um desafio quele que faz sua primeira aproximao ao domnio e justia do cu.

2. As Bem-aventuranas: O Carter dos Cidados do ReinoJesus abriu este importante sermo com uma srie de oito declaraes, pungentes e paradoxais, tradicionalmente conhecidas como as "bem-aventuranas" (Mateus 5:2-12). Elas devem ter cado como raios sobre aqueles ouvidos judeus do primeiro sculo. Uma frmula para sucesso mais improvvel poderia dificilmente ter sido imaginada. Elas assaltavam cada conceito da sabedoria convencional e deixavam o ouvinte chocado e perplexo. Deste modo, Jesus captura a ateno de sua audincia e insiste no carter essencial do reino de Deus e seus cidados.O mundo todo, ento como agora, estava em busca, diligentemente, da felicidade e tinha tampouco uma concepo de como obt-la, como os homens de hoje. No houve surpresa no anncio de que havia verdadeira bem-aventurana no reino. O choque veio com o tipo de povo que estava destinado a obt-la.As bem-aventuranas falam exclusivamente de qualidades espirituais. As preocupaes histricas do homem, riqueza material, condio social e sabedoria secular, no recebem simplesmente pouca ateno, elas no recebem nenhuma. Jesus est claramente esboando um reino que no deste mundo (Joo 18:36), um reino cujas fronteiras no passam atravs de terras e cidades, mas atravs dos coraes humanos (Lucas 17:20-24). Este reino totalmente improvvel chegou, conforme anunciado, no primeiro sculo (Marcos 9:1; Colossenses 1:13; Apocalipse 1:9), porm muitos estavam despreparados para reconhec-lo e aceit-lo, assim como esto hoje.Deve ser notado, ainda mais, que as qualidades do cidado do reino no somente eram espirituais, mas so virtudes que o homem no receberia naturalmente. Elas no so o produto da hereditariedade ou do ambiente, mas da escolha. Ningum, jamais, "cai" displicentemente nestas categorias. Elas no acontecem no homem naturalmente, e so de fato distintamente contrrias "segunda natureza" que o orgulho e a ambio tm feito prevalecer nos coraes de toda a humanidade.Talvez no haja verdade mais importante a ser reconhecida sobre as bem-aventuranas do que o fato que elas no so provrbios independentes, que se aplicam a oito diferentes grupos de homens, mas so uma descrio composta de cada cidado do reino de Deus. Estas qualidades so to entrelaadas num tecido espiritual que so inseparveis. Possuir uma possuir todas e no ter uma no ter nenhuma. E como todos os cristos tm que possuir todas estas qualidades de vida no reino, eles esto tambm destinados a receber todas as suas bnos; bnos que, como suas qualidades, so apenas componentes de um prmio; um corpo chamado em uma s esperana (Efsios 4:4).Em suma, ento, as bem-aventuranas no contm uma promessa de bno sobre os homens em seu estado natural (todos os homens choram, mas certamente nem todos sero consolados, 5:4) nem de fato oferecem esperana queles que parecem cair numa categoria ou noutra. Elas so um quadro composto do que cada cidado do reino, no somente uns poucos super-discpulos, tm que ser. Elas marcam a diferena radical entre o reino do cu e o mundo dos outros homens. O filho do reino diferente naquilo que ele admira e valoriza, diferente naquilo que ele pensa e sente, diferente naquilo que ele procura e faz. claro que, antes, jamais houve um reino como este.Um reino para os pecadores e os humildesTem havido muitas abordagens do contedo especfico das bem-aventuranas. Muitos sentem que h uma progresso de pensamento evoluindo atravs delas, que comea com uma nova atitude para consigo mesmo e para com Deus, passa a uma nova atitude para com os outros, e culmina com a reao do mundo a esta mudana radical. H certo mrito nesta anlise e, se tal esquema ntido coincide ou no com a ordem real das bem-aventuranas, as idias certamente esto ali. Para uma sociedade governada por algumas concepes errneas srias do reino de Deus, as bem-aventuranas fazem duas afirmaes bsicas. Primeiro, que o reino no est aberto aos que se julgam virtuosos e aos presunosos, mas ao pecador suplicante e vazio que chega procurando por ele. Segundo, que o reino no para o "poderoso" que obtem o que deseja pela riqueza ou pela violncia, mas para uma companhia de homens pacientes, que abrem mo, no somente de suas vontades, mas at dos seus "direitos", em prol das necessidades dos outros.Ainda que no explicitamente declarado (Jesus no haveria de falar claramente de sua morte at um ano mais tarde, Mateus 16:21), no h nada mais bvio no seu sermo do que a verdade central do evangelho que a salvao pela graa de Deus. Aqui o pr-milenarista est palpavelmente errado. Como poderiam homens e mulheres to famintos de justia (5:6) e to necessitados de misericrdia (5:7) encontrar lugar num reino governado por um sistema s de lei? E quem poderia imaginar que cidados do reino terrestre imaginado pelos pr-milenaristas haveriam de sofrer perseguio (5:10-12)? A justia do reino no repousa num sistema de lei, mas sobre um sistema de graa. Seus santos padres so atingveis pelos homens pecadores (5:48). De outra maneira, o Sermo da Montanha haveria de ser fonte de maior desespero do que a lei de Moiss (Romanos 7:25).

3. As Bem-aventuranas: "Nada tem Sucesso como o Fracasso"Talvez no haja melhor afirmao da mensagem das bem-aventuranas (Mateus 5:2-12) do que o pequeno e curioso ditado de G. K. Chesterton: "Nada tem sucesso como o fracasso." Naturalmente, Jesus no estava falando de fracasso real, como Chesterton tambm no estava, mas do que os homens tm convencionalmente chamado de fracasso. A cruz foi, certamente, um desastre colossal, por qualquer padro convencional. Ela s parece "certa" a muitos de ns agora porque consentimos em dezenove sculos de tradio bem estabelecida. No to notvel, ento, que um reino destinado a ser elevado ao poder sobre uma cruz fosse cheio de surpresas e que Jesus dissesse que somente aqueles que fossem fracassos aparentes tinham alguma esperana em suas bnos. Nas seguintes bem-aventuranas o Salvador deixa bem claro que o reino do cu pertence no aos cheios, mas aos vazios."Bem-aventurados os humildes de esprito" (Mateus 5:3). Jesus comea tocando a fonte do carter do cidado do reino: sua atitude para consigo mesmo na presena de Deus. Lucas abrevia esta bem-aventurana para "Bem-aventurados vs os pobres" (6:20) e registra tambm uma desgraa pronunciada por Jesus sobre os ricos (6:24). Na sinagoga de Nazar, Jesus havia lido a profecia messinica de Isaas, dos pobres "mansos" recebendo o evangelho (Isaas 61:1; Lucas 4:18) e mais tarde haveria de, sobriamente, advertir que o rico no entraria facilmente no reino (Lucas 18:24-25). Mas, enquanto verdade que "a grande multido o ouvia com prazer" (Marcos 12:37) porque a penria dos pobres os traz humildade mais facilmente do que a confortvel abundncia do rico, o relato que Mateus faz do sermo torna evidente que Jesus no est falando da pobreza econmica. No impossvel para o pobre ser arrogante nem para o rico ser humilde. Estes "pobres" so aqueles que, possuindo pouco ou muito, tem conscincia de seu prprio vazio espiritual.A palavra grega, aqui traduzida como "humilde", vem de uma raiz que significa abaixar-se ou encolher-se. Ela se refere no simplesmente queles para quem a vida uma luta, mas aos homens que so constrangidos mais abjeta mendicncia porque eles no tm absolutamente nada (Lucas 16:20-21). Aqui ela aplicada pecaminosa vacuidade de uma falncia espiritual absoluta, na qual uma pessoa compelida a implorar por aquilo que ela impotente para obter (Jeremias 10:23), e ao que ela no tem nenhum direito (Lucas 15:18-19; 18:13) mas sem o que ela no pode viver. Mendigar duro para os homens, (Lucas 16:3), especialmente os orgulhosos e confiantes em si mesmos, mas isto onde nossos caminhos pecaminosos nos tm levado e no veremos o reino do cu at que encaremos esta realidade com humilde simplicidade."Bem-aventurados os que choram" (Mateus 5:4). Os homens tm sido educados para acreditar que lgrimas tm que ser evitadas, para ganhar felicidade. Jesus simplesmente diz que isto no verdade. H certa tristeza que tem que ser abraada, no porque ela inevitvel e a luta ftil, mas porque a verdadeira felicidade impossvel sem ela.At mesmo a aflio que inevitvel aos homens mortais, seja qual for sua condio, pode ter efeitos saudveis sobre nossas vidas, se permitirmos que assim seja. Ela pode, como Salomo diz, lembrar-nos da tnue transitoriedade de nossas vidas e pr-nos a pensar seriamente sobre as coisas mais importantes (Eclesiastes 7:2-4). O salmista, que nos deu to rica meditao sobre a grandeza da lei de Deus, ligou a dor com o entendimento. "Antes de ser afligido" ele refletiu, "andava errado, mas agora guardo tua palavra." Ele, ento, conclui, "Foi-me bom ter eu passado pela aflio, para que aprendesse os teus decretos" (Salmo 119:67,71). As lgrimas tm sempre nos ensinado mais do que os risos sobre as veracidades da vida.Mas, h algo mais sobre o choro, nesta jia de paradoxo, do que as lgrimas a que no podemos fugir, a tristeza que vem sem ser chamada nem procurada. Esta aflio vem-nos por escolha, no por necessidade. O Velho Testamento influenciaria nosso entendimento destas palavras faladas primeiramente a uma audincia judaica. Isaas previu que o Ungido do Senhor viria para "curar os quebrantados de corao" e para "consolar todos os que choram" (61:1-2). Mas estas palavras foram aplicadas somente a um remanescente de Israel, que haveria de ser humilhado e entristecido atravs das aflies da nao por seus pecados. A viso de Ezequiel da ira de Deus por uma Jerusalm corrupta revelou que somente aqueles que "suspiram e gemem por causa de todas as abominaes que se cometem no meio dela" devero ser poupados (9:4-6). Sofonias fez uma advertncia semelhante (3:11-13,18).Os profetas queriam que entendssemos este choro como a aflio experimentada por aqueles que em sua reverncia por Deus esto horrorizados por seus prprios pecados e aqueles de seus companheiros, e so comovidos s lgrimas de amarga vergonha e aflio. Esta a "tristeza segundo Deus", sobre a qual Paulo escreve, uma tristeza que "produz arrependimento para a salvao" (2 Corntios 7:10). Estas so as lgrimas que temos que decidir derramar, renunciando ao nosso orgulho obstinado; e por vontade de escolher, chegar ao inenarrvel conforto de um Deus que perdoa a todos ns, toma-nos para ele, e finalmente enxugar todas as lgrimas (Apocalipse 21:4). Nada, exceto a misericrdia de Deus pode mitigar uma aflio como esta.

4. As Bem-aventuranas: Um Evangelho para os Derrotados"Esquecemo-nos", escreve Malcolm Muggeridge, "que Jesus o profeta dos derrotados, no o acampamento dos vitoriosos; aquele que proclama que os primeiros sero os ltimos, que os fracos so os fortes e que os simples so os sbios" (O Fim da Cristandade, p. 56). Em nenhum lugar este fato mais evidente do que nas bem-aventuranas. Como j notamos em nosso estudo precedente, o vazio, no a plenitude, a chave para a felicidade."Bem-aventurados os que tm fome e sede de justia, porque sero fartos" (Mateus 5:6). A palavra "fome", nesta bem-aventurana, a mesma usada por Mateus no captulo precedente (4:2), ao falar do jejum de 40 dias de Jesus no deserto. Desde que tal fome desesperada grandemente estranha a nossa experincia, muito desta metfora pode ser perdida em ns. A bem-aventurana fala do profundo vazio espiritual que est levando morte. Mas o paralelo no absoluto. H uma diferena fundamental entre estar de estmago faminto e de corao faminto. At mesmo as pessoas mais insensveis so movidas pela fome do corpo, entretanto, parece haver poucos que reconhecem a fome do esprito e o vazio que o pecado produz. Espiritualmente falando, os homens se parecem com corpos semi-mortos, mas eles teimosamente se recusam a reconhecer a medonha falta de significado da vida sem Deus. Nem todos os que esto numa "terra distante" tm a sanidade mental para confessar, como o prdigo, que "morro de fome" (Lucas 15:17)! Tais indivduos continuam a procurar, insensatamente, alguma "casca" melhor, para encher o vazio. Aqueles que "tm fome e sede de justia" resolveram enfrentar sua desesperada necessidade, pelo que ela , e procurar o alimento que a satisfaz.A "justia" que estas almas deslocadas e oprimidas pelo pecado procuram , primeiro de tudo, a justia de um direto relacionamento com Deus, atravs do perdo e da justificao (Romanos 5:1-2; 2 Corntios 5:20-21) e, segundo, a justia concreta de uma vida transformada (Romanos 6:8; 8:29). Elas no s desejam sentir-se justas, mas fazer justia. Ambas as idias de justia esto presentes no sermo (5:7 e 5:10,20-48; 6:1). Deus no somente est determinado a perdoar-nos, mas a mudar-nos, para nos fazer participantes da divina natureza (2 Pedro 1:4). E ele nos tem assegurado que vamos ser como ele (Mateus 5:48). Que maravilhosa esperana!H, embutido em cada ser humano, uma inevitvel necessidade de Deus. Esta fome de Deus comoventemente expressada por Davi, quando fugia de Saul: "Minha alma tem sede de ti; meu corpo te almeja, numa terra rida, exausta, sem gua" (Salmo 63:1). O pecado colocou, em cada homem, um vazio que Deus criou. Caracteristicamente, tentamos aliviar nossa dor enchendo-o com todos os tipos de inacreditvel escria. Mas seria melhor tentarmos despejar as cataratas de Foz do Iguau dentro de uma xcara de ch do que procurar satisfazer nossos espritos semelhana de Deus com meras "coisas" e emoes carnais. Incapaz de satisfazer nossa necessidade fundamental, o dinheiro, o prazer e at mesmo a sabedoria mundana tornam-se a base de um apetite insacivel, que nos deixa vazios, irrealizados e acabados (Eclesiastes 5:10-11). Nunca poderemos ter, sentir ou conhecer o suficiente, para encontrar contentamento sem Deus. O que precisamos de justia e, como Jesus diz, aqueles que anseiam por ela esto destinados a conhecer uma transcendente satisfao e paz: "Sero fartos" (Mateus 5:6).H, nesta bem-aventurana, um chamado para mudana de prioridades. Para muitos de ns, um justo relacionamento com Deus visto como uma parte importante da "boa vida" que todo indivduo bem formado deveria ter, mas isso no tudo, certamente. Jesus diz que esse relacionamento com Deus tem que ser mais do que um interesse vital, ele tem que se tornar a paixo dominante de nossa existncia. Tudo em que pessoas verdadeiramente famintas podem pensar, em alimento."Bem-aventurados os limpos de corao" (Mateus 5:8). J. B. Phillips traduz esta frase, "Bem-aventurados os absolutamente sinceros", e este pareceria refletir o verdadeiro significado das palavras de nosso Senhor. A limpeza, nesta bem-aventurana, no se refere perfeita justia da vida e, dado o fato que as qualidades de atitude (coisas que ns temos que fazer, em contraposio com o que Deus faz) dominam esta parte deste sermo, improvvel que se refira principalmente pureza de um corao perdoado. muito mais provvel que fale da pureza de uma devoo sincera (Mateus 6:22-24; 2 Corntios 11:2), uma atitude que possvel at para os pecadores (Lucas 8:15). Tiago faz este uso da limpeza quando ele insiste: "Chegai-vos a Deus e ele se chegar a vs outros. Purificai as mos, pecadores; e vs que sois de nimo dobre, limpai o corao" (Tiago 4:8). A verdadeira viso de Deus no ser concedida aos astutos e calculistas, que se do a jogos desonestos; ou aos de mente dupla, que nunca podem completamente firmar ambos os ps no reino (Tiago 1:7-8), mas queles que so absolutamente honestos e sinceros de corao para com Deus. Eles vero a Deus (5:8), no como os judeus no Sinai, mas no pleno entendimento de um ntimo relacionamento com ele (Joo 3:3-5; 14:7-9). uma velha questo, com uma velha resposta. "Quem", pergunta Davi, "subir ao monte do Senhor? Quem h de permanecer no seu santo lugar? O que limpo de mos e puro de corao" (Salmo 24:3-4). Se voc deseja ver a Deus com todo o seu corao, voc ver. Pessoas assim no permitem que nada se interponha no seu caminho.

5. As Bem-aventuranas: A Fora da "Fraqueza"A segunda afirmao bsica das bem-aventuranas que o reino de Deus no se entrega aos "poderosos", que procuram tom-lo pela fora, mas facilmente acessvel aos "fracos" que, pacientemente, entregam sua causa a Deus e abandonam seus prprios direitos em favor dos outros. O mundo no qual as bem-aventuranas foram ditas pela primeira vez no era um lugar hospitaleiro para tal idia. Sneca, um filsofo estico proeminente do primeiro sculo e irmo de Glio (Atos 18:12), deu expresso ao sentimento do seu tempo nas seguintes palavras: "Piedade uma doena mental, induzida pelo espetculo da misria alheia . . . O sbio no sucumbe a doenas mentais dessa espcie" (Arnold Toinbee, Uma Abordagem da Religio por um Historiador, pag. 68). Totalmente fora do esprito do seu tempo, Jesus anunciou a bem-aventurana do manso, do misericordioso, dos pacificadores e dos perseguidos. No era uma idia "cujo tempo tivesse chegado." E ainda no ."Bem-aventurados os mansos" (Mateus 5:5). Num mundo de aspereza e crueldade, a mansido pareceria uma maneira rpida de cometer suicdio. Os violentos e os teimosos prevalecem. Os mansos so sumariamente atropelados. A verdade que, a curto prazo, isto poder ser assim mesmo. As pessoas que so recolhidas para o reino de Deus tm que enfrentar isso. A gentileza de Jesus no o salvou da cruz. Mas, no final, Jesus nos ensina que somente a mansido que sobreviver. O desafio para ns entender o que a verdadeira mansido.Mansido no uma disposio natural. No um temperamento suave inato. No o comportamento obsequioso do escravo, cujo estado de impotncia fora-o a adotar um modo servil, que ele despreza e que abandonaria na primeira oportunidade. Mansido uma atitude para com Deus e os outros que produto da escolha. a disposio mantida por uma resoluo moral frrea, ao mesmo tempo em que se pode ter o poder e a inclinao para se comportar diferentemente.Mansido no indiferena ao mal. Jesus suportou com muita pacincia os ataques que lhe fizeram, mas foi forte para defender o nome e a vontade do seu Pai. Ele odiava a iniqidade tanto quanto amava a justia (Hebreus 1:9). Moiss era o mais manso dos homens quando se tratava de injrias contra ele (Nmeros 12:3), mas sua ira queimava como fogo contra a irreverncia para com Deus (xodo 32:19). O homem manso pode suportar maus tratos pacientemente (ele no interessado em auto-defesa), mas no passvel referente ao mal (Romanos 12:9). H nele um dio ardente a todos os caminhos da falsidade (Glatas 1:8-9; Salmo 119:104).Mansido no fraqueza. No h frouxido nela. Aquele que tinha 72.000 anjos sob seu comando (Mateus 26:53) descreveu-se como "manso e humilde de corao" (Mateus 11:29). A profundidade da mansido em um homem pode na verdade ser medida em proporo direta com sua capacidade para esmagar seus adversrios. Jesus no era manso porque ele fosse impotente. Ele era manso porque tinha seu imenso poder sob controle de grandes princpios: Seu amor por seu Pai (Joo 14:31) e seu amor pelos homens perdidos (Efsios 5:2). Teria sido muito mais fcil para ele ter simplesmente aniquilado seus antagonistas do que suportar pacientemente suas ofensas. Ele seguiu a estrada difcil.A mansido do Filho de Deus poderosamente demonstrada pela sua atitude quanto aos privilgios de seu estado ("pois ele subsistindo em forma de Deus, no julgou como usurpao o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou," Filipenses 2:6-7), e em sua submisso a seu Pai ("embora sendo Filho, aprendeu a obedincia pelas cousas que sofreu," Hebreus 5:8). Ele veio ao mundo como um servo. Ele esvaziou-se pelo benefcio dos outros.Ainda que a mansido do reino derive de uma nova viso de si mesmo na presena de Deus ("pobre de esprito") sua nfase primria est na viso de um homem na presena de outros. "Mansido" (Grego, praus) encontrada na companhia constante de palavras tais como "humildade," "benignidade," "pacincia," "cortesia" e "brandura" (Efsios 4:2; Colossenses 3:12-13; 2 Timteo 2:24-25; Tito 3:2; 2 Corntios 10:1). Mesmo quando aplicada a nosso Salvador, a palavra parece falar de seu relacionamento com os homens antes que com seu Pai (Mateus 11:28-30; 2 Corntios 10:1). "Mansido (praus) tinha um uso especial no mundo grego antigo. Ela era aplicada ao animal que havia sido amansado" (Barclay, Palavras do Novo Testamento, pag. 241). O homem manso o que foi amansado para o jugo de Cristo (Mateus 11:29), e, conseqentemente, tomou sobre si os fardos dos outros homens (Glatas 6:2). Ele no mais tenta tomar pela fora nem mesmo aquilo que seu por direito, nem tenta vingar as injustias feitas a ele, no porque ele seja impotente para fazer isto, mas porque ele submeteu sua causa a um tribunal superior (Romanos 12:19). Em vez disso, ele est preocupado em ser uma bno, nao s para seus irmos (Romanos 15:3), mas at mesmo para seus inimigos (Lucas 6:27-28).O homem manso j se cansou de si mesmo. Ele sentiu sua mxima vacuidade espiritual e anseia por um correto relacionamento com Deus. Justia prpria tornou-se um desastre e vontade prpria uma doena. As prprias idias de auto-confiana e auto-determinao se tornaram um fedor para suas narinas. Ele esvaziou seu corao de si mesmo e o preencheu com Deus e os outros. Como seu Mestre, ele se tornou o servo dos servos. E por esta prpria razo o futuro lhe pertence.

6. As Bem-aventuranas: Uma Concluso SurpreendenteCom este artigo, chegamos concluso do nosso estudo das bem-aventuranas. Elas terminam como comearam, de uma maneira surpreendente."Bem-aventurados os misericordiosos" (Mateus 5:7). A misericrdia uma qualidade que no totalmente desconhecida, mesmo num mundo de homens basicamente egostas. Mas esta uma misericrdia seletiva e inconstante, que no se baseia no princpio, e no uma disposio decidida do corao e do carter. O mesmo homem que capaz de compaixo ocasional, ainda acha os sofrimentos dos outros muito incmodos e a vingana muito doce.A misericrdia que Jesus elogia vem da percepo penetrante da necessidade desesperada que a prpria pessoa tem de misericrdia, no simplesmente a dos homens, mas especialmente a de Deus. Esta uma misericrdia que mostra compaixo para com os desamparados (Lucas 10:37) e estende o perdo at mesmo aquele que repete a ofensa (Mateus 18:21-22). Esta compaixo no inspirada pelas atraentes qualidades do ofensor (Como haveramos de tratar o "feio" pecador?), mas se eleva de nosso sentido de gratido por aquela misericrdia que Deus nos tem mostrado. Ns, tambm, no ramos atraentes quando Deus enviou seu Filho para a cruz (Romanos 5:8). Os cidados do reino do cu no esquecem suas tristes origens (Tito 3:1-5). Uma das maiores expresses deste tipo de misericrdia o seu interesse sem egosmo por um mundo pecador e sem atrativos, mas perdido (Mateus 9:36-38). Ela uma fora motora na pregao do evangelho.A misericrdia para com os homens no merece a misericrdia de Deus, mas uma evidncia do esprito penitente, que uma condio divina de perdo (Mateus 18:23-35). Os cidados do reino vivem entre seus companheiros, no como uma arrogante aristocracia espiritual, mas como homens perdoados e que perdoam."Bem-aventurados os pacificadores" (Mateus 5:9). Esta bem-aventurana no deixa de ter seus desafios. Os homens so tentados a aplic-la queles espritos conciliadores, cujo dom para negociao e compromisso acalmam as situaes difceis. Mas o contexto global do sermo se rebela contra isso. No se trata dos pacificadores, no sentido comum, o da mediao de disputas humanas, mas no mais alto sentido de trazer os homens paz com Cristo (Joo 14:27). Qual o valor da paz comprada pelo preo de um princpio ou a tranqilidade efmera que no fundada na reconciliao com Deus? Os verdadeiros pacificadores so aqueles que, eles mesmos, esto em paz com Deus (Romanos 5:1) e com os homens (Romanos 12:18) e que pregam no mundo um evangelho de paz e reconciliao (Efsios 2:13-17). No h outras pessoas que possam ser chamadas de "filhos do Deus da paz" (Romanos 15:33). Quando os homens esto reconciliados com Deus e a paz de Cristo impera em seus coraes, o esprito de compaixo, mansido e perdo, produzido neles, ministra a reconciliao com todos os homens (Colossenses 3:12-15). Se, a despeito de tudo, outros estejam dispostos a ver tais pessoas como inimigos, a culpa no dos pacificadores. Estes so os verdadeiros servos da paz no mundo."Bem-aventurados os perseguidos por causa da justia" (Mateus 5:10-12). Aqui h uma concluso supreendente. Estes pacificadores se tornaram os perseguidos! Jesus, j tendo tratado da atitude dos cidados do reino para com Deus, para com eles mesmos e para com outros, agora volta-se para considerar a atitude do mundo para com eles. Poder-se-ia ter pensado que um povo como o que Jesus descreveu seria recebido com grande regozijo no mundo: um povo humilde, descuidado de si mesmo, dedicado s necessidades dos outros. Ao contrrio, o Senhor agora revela que eles provocaro no mundo uma animosidade amarga e dio.O Filho de Deus nunca procurou esconder de seus seguidores as realidades do sofrimento. Sua candura com aqueles que o procuraram entusiasticamente notvel. Ele insistiu para que eles, mesmo em seu ardor, calculassem a despesa (Mateus 8:19-20; Lucas 14:26-33). O Senhor no quer que sejam discpulos por ingenuidade. Ele no quer que choques inesperados destruam sua f. Ele falou francamente, de modo que, quando seus discpulos sofressem, eles possam saber que isso justamente como ele disse que haveria de ser e se encorajem com a certeza de que as promessas de glria de seu Mestre so igualmente seguras: "pois quem fez a promessa fiel" (Hebreus 10:23).Mas qual a causa desta perseguio consciente e odienta de um povo humilde e meigo? Nenhuma conspirao secreta e maligna. Nenhuma prtica clandestina de ritos mpios e imorais. Seu crime simples. Eles escolheram ser justos em um mundo injusto. Eles so bem idnticos ao seu Mestre (Joo 15:18-20). Seu amor e simplicidade servem s para ressaltar em feio contraste o tenebroso egosmo de uma gerao mpia que odeia a luz e sente agudamente o julgamento silencioso da inocncia contrastante dos cristos (Joo 3:19-20).Os discpulos do Senhor deveriam regozijar-se diante de uma oposio que revela que o esprito e o carter de seu Salvador foi visto neles. Eles deveriam regozijar-se porque lhes foi concedido o privilgio de sofrer por aquele que sofreu tanto abuso por amor deles (Filipenses 1:28-29; Atos 5:41). Mas, acima de tudo, eles deveriam regozijar-se porque seu sofrimento no vazio. Eles podem abra-lo alegremente, sabendo que ele transforma o carter (Tiago 1:2-4) e produz por eles "eterno peso de glria, acima de toda comparao" (2 Corntios 4:17). Nenhuma ameaa temporal pode intimidar aquele cujo tesouro verdadeiro est garantido no cu. Como algum observou: "No tolo quem larga o que no pode manter, em troca do que no pode perder."

7. As Similitudes: O Chamado dos CristosCom cada bem-aventurana, o abismo entre os cidados do reino e o mundo dos homens comuns se alargou. Jesus emitiu um ntido chamado a seus discpulos para que fizessem uma sada moral e espiritual de uma sociedade dominada pelo orgulho e paixo. E esta separao para uma nova vida deveria ser conclusivamente selada pela prpria reao amarga do mundo. Eles seriam caluniados, assaltados e rejeitados. Os modos gentis e humildes deles jamais seriam suficientes para aquietar a sensao de embarao, desconfiana e medo que seu comportamento justo evocaria. O rompimento deveria ser completo.Entretanto, ironicamente, o prprio povo que se tornou, com efeito, a escria da terra, na realidade, a nica esperana do mundo. Assim como as bem-aventuranas delinearam o carter dos cidados do reino celestial, assim agora as similitudes (Mateus 5:13-16) tornam claro o chamado deles. Ainda que apartados para Deus e distintamente separados da sociedade dos outros homens, eles so, contudo, relacionados com o mundo de um modo muito especial.O tempo, de algum modo, tem acabado o absurdo aparente desta cena na encosta galilia. Jesus est dizendo a este grupo comum de homens e mulheres que eles foram marcados para preservar e iluminar o mundo. Eles tinham pouco dinheiro, nenhuma posio mundana, e nenhuma perspectiva. Algumas cabeas "sbias" devem ter-se divertido muito com toda esta conversa pomposa. Visionrios levantaram-se na nao, criavam uma excitao momentnea e evaporavam (Atos 5:35-37). As pobres perspectivas deste movimento fizeram com que at as vises sem esperanas de um Teudas ou um Judas da Galilia parecessem positivamente promissoras.Contudo, o tempo iria revelar um admirvel final. As coisas que pareciam to durveis, naqueles dias, se desvaneceram. O Imprio Romano desmoronou. A academia de Plato se fechou. As escolas dos estoicos e dos epicureus esmaeceram em uma curiosidade. A grande biblioteca de Alexandria incendiou-se. Mas a companhia dos cristos resistiu. Eles ainda no possuiriam grande riqueza ou posio mundana, mas sua mensagem estaria muito viva e seu esprito vivaz. Vidas podiam ser mudadas por toda parte.No nos surpreenderia que aquele que veio para salvar a uma humanidade perdida (Lucas 19:10) puxasse todos os seus discpulos para aquele grande empreendimento. Sua tarefa era tornar-se a tarefa deles; sua paixo, a paixo deles."Vs sois o sal da terra" (Mateus 5:13). "Vs sois a luz do mundo" (Mateus 5:14). As metforas que Jesus escolheu para ilustrar a natureza crucial do chamado do reino foram confeccionadas com materiais caseiros comuns. Nenhuma casa da Palestina deixava de ter algum sal, ou uma lmpada para espantar a melancolia da noite. O mundo dos homens, por causa do pecado, estava apodrecendo na escurido. Os cidados do reino do cu estavam destinados a serem o sal para impedir a putrefao do pecado e a luz para penetrar seu escuro desespero. Jesus advertiu ainda seus discpulos que o mundo que eles pretendiam preservar, eles tambm tinham que perder.O reino do cu no pretendia-se fechar sobre si mesmo, como um mosteiro gigante. No fora pretendido que os seus cidados vivessem em grande isolamento. Ainda que no sendo do mundo, eles teriam que estar muito dentro do mundo (Joo 17:14-15). Seu Mestre foi sempre um homem do povo. Sua vida foi vivida no meio de multides apinhadas da Palestina. Ele sempre foi acessvel, sempre vulnervel, sempre interessado. Ele passava o seu tempo entre os sofredores e os aflitos (Lucas 15:1-2). Isto algo que os cristos jamais devem esquecer. Podemos ser perseguidos como ele foi (Joo 15:19-20), mas jamais devemos permitir que nossa dor cesse a nossa compaixo. Podemos estar cansados s vezes, como ele esteve, mas jamais poderemos permitir que nosso cansao nos afaste das necessidades de outros. O reino l de cima pode verdadeiramente ser uma cidadela contra o pecado, mas tem que ser sempre o refgio para o pecador."Se o sal vier a ser inspido" (Mateus 5:13). Os cidados do reino, ainda que muito mergulhados no mundo, jamais devem tornar-se mundanos. O sal no pode perder sua salinidade (Lucas 14:34-35; Marcos 9:50). Seu sabor depende da santa distino de suas vidas e carter. A paixo pela justia jamais pode ser comprometida ou ento a utilidade do discpulo chega ao fim. Ainda que o sal, de fato, no pode deixar de ser salgado, ele pode, como o p salgado que se forma nas praias do Mar Morto, tornar-se to poludo que seja to intil como o p da estrada. Se, por concesses feitas ao mundo o sal for lavado de ns, deixando apenas um resduo de mundana respeitabilidade, belos edifcios, crculos sociais agradveis e rituais vazios, ns, tambm, nos tornaremos totalmente sem valor!Um pensamento final. To importante como , para os cristos, adorar a Deus de acordo com sua vontade, temos que nos lembrar de que os homens perdidos no sero levados a glorificar a Deus porque ns tomamos a ceia do Senhor cada domingo. Eles podem, na verdade, serem levados a exaltar a Deus pelo amor quieto com que suportamos uns aos outros (Joo 13:34-35), pelo nosso auto-controle quando enfrentamos grande provocao, pela nossa calma segurana em presena da tragdia, e nossa firme recusa a sermos arrastados para um mundo de insensatas concupiscncias. Se ganhamos a vitria sobre um sistema mundano de orgulho e carnalidade (1 Joo 2:15-17; 5:4) isso certamente aparecer e Deus, no ns mesmos, ser glorificado.

8. A Justia do Reino: Jesus e a LeiChegamos agora ao corao do grande discurso de Jesus. As bem-aventuranas delinearam o carter espiritual e especial do cidado do reino. As similitudes trataram do alto e nobre chamado do reino. Agora Jesus volta-se para a qualidade da justia do reino. Seu tratamento especfico e objetivo e essencialmente continua de Mateus 5:17 at quando ele comea seu apelo final, em Mateus 7:13."No vim para revogar, vim para cumprir" (Mateus 5:17-18). Jesus prefacia sua discusso da justia do reino com um poderoso repdio. Ele no veio, diz enfaticamente, para destruir a lei e os profetas. Por que foi tal refutao necessria? Ele no se declarava ser o Cristo da promessa proftica? Sim, mas, s vezes, as aparncias sobrepujam as palavras. Um breve olhar para os eventos que precederam a elocuo deste discurso prover uma resposta a nossa pergunta.Os fariseus, como um partido, representavam os mais dedicados defensores da lei, na nao de Israel. Enquanto os saduceus se ocupavam com a poltica do Templo, os fariseus estudavam e ensinavam a lei do ponto de vista da tradio de seus pais. Na mente de muitos da comunidade judaica, a lei de Moiss e as tradies dos fariseus eram idnticas. Teria sido causa de no pequena ansiedade entre o povo ver Jesus enfrentar continuamente esses professores institudos da aliana nacional.Os fariseus ficaram grandemente contrariados com a companhia que Jesus mantinha (Marcos 2:16-17; Lucas 5:30-32) e ao tempo em que Jesus pregou seu grande sermo sobre o reino, ele tinha tido pelo menos trs amargas confrontaes com eles sobre a observncia do sbado (Lucas 6:1-11; Marcos 2:23-3:6; Joo 5:2-18). A discordncia era agora to profunda que os fariseus j tinham determinado destru-lo (Marcos 3:6; Lucas 6:11).Este acerbo conflito com o conhecido partido da lei deve ter convencido muitos de que Jesus tencionava destruir a lei e reconstruir sobre suas runas. Os fariseus no demorariam a explorar tal impresso. O Senhor agora, portanto, esforou-se muito para demolir esta m concepo. Bem cedo ficaria aparente, em seu sermo, que seu conflito no era com a lei, mas com as farisaicas perverses dela.A atitude de Jesus para com as escrituras do Velho Testamento agora se torna inequivocamente clara. Porque elas eram as palavras de seu Pai, longe de serem abolidas ou subvertidas, elas so para serem cumpridas at a ltima mincia e, ainda mais significativamente, ele estava para cumpri-las! Trs grandes verdades emergem aqui. Jesus se prende inseparavelmente ao Deus do Velho Testamento. O Deus de Abrao, Isaque e Jac tambm o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Jesus tambm confirma sua absoluta confiana na integridade de cada palavra dos escritos do Velho Testamento. Eles so as palavras de Deus e qualquer um que quisesse ser seu discpulo deve ter o mesmo e elevado ponto de vista das Escrituras (Lucas 24:25-27; Joo 10:35). E ento, ali, emerge pela primeira vez, no sermo, a espantosa grandeza do pregador. Ele h de ser o cumprimento do plano eterno de Deus, a consumao dos sculos, o ponto final de toda a Histria. Este no um mero tratado tico. O sermo grande, mas o pregador maior ainda.O que Jesus quer dizer, quando ele fala em cumprir a lei e os profetas? Ele no est falando, certamente, em colocar sobre os cidados do reino todos os preceitos da aliana mosaica que, pela contagem rabnica, chegavam a 613! Ningum, que seja do nosso conhecimento, tem este ponto de vista. Paulo mais tarde afirmou, claramente, que estas ordenaes sobre alimentos, festas e sbados nada tinham a ver com o servio de Cristo, mas foram cumpridas na sua morte e removidas (Colossenses 2:14-17).Refere-se ento o Senhor a sua prpria obedincia perfeita da lei? Jesus, que nasceu sob a lei (Glatas 4:4), de fato observou os mandamentos da lei com perfeio impecvel (1 Pedro 2:22), entretanto, sua preocupao aqui cumprimento do propsito e no observao de preceito. Jesus foi destinado ao cumprimento de todos os tipos e sombras do Velho Testamento (Colossenses 2:17; Hebreus 10:1-4) e realizao de todas as profecias do Velho Testamento (Lucas 24:25-27,44,48). Ele haveria de ser a culminao do propsito da lei de conduzir os homens justificao pela f (Glatas 3:24-25; Romanos 10:4). Tendo terminado seu trabalho, a lei terminou, e conduziu, como tinha sempre prometido, ao estabelecimento de uma nova aliana com melhores promessas (Jeremias 31:31-34; Hebreus 8:6-8). O cidado do reino est debaixo da lei de Cristo (1 Corntios 9:21) e, na plenitude de Cristo, ele se torna pleno (Colossenses 2:9-10). Todos os esforos para deixar Cristo e voltar para a lei so casos de desenvolvimento espiritual impedido.Mas, tendo dito tudo isso, precisa ser lembrado que os ensinamentos ticos de Jesus no representam uma separao radical da lei, mas so uma extenso natural dos dois maiores mandamentos que so primeiro encontrados na lei: "Amars, pois, o Senhor teu Deus com todo o teu corao" (Deuteronmio 6:5) e "amars o teu prximo como a ti mesmo" (Levtico 19:18). A grande diferena entre a lei e o evangelho no se encontra em suas respectivas exigncias ticas, mas na morte sacrifical do Filho de Deus.

9. O Reino de Deus e seus Mandamentos"Aquele, pois, que violar um destes mandamentos . . ." (Mateus 5:19). Jesus, tendo eliminado qualquer fundamento da noo de que ele veio para destruir a lei e os profetas, por meio de prometer seu completo cumprimento (5:17-18), agora estende seu ponto, entrando no assunto do relacionamento do reino com os mandamentos de Deus.Podemos ser tentados a pensar que Jesus est tratando, aqui (versculo 19), com alguns libertinos orgulhosos, que podem ter imaginado, alegremente, que as dificuldades de Jesus com os rabinos significavam que ele pretendia livrar os homens da opressiva tarefa de guardar a lei de Deus. O contexto, porm, aponta os fariseus como os culpados (versculo 20). As principais pessoas na mira no so aquelas que, por fraqueza, violam um mandamento divino, porm os mestres da lei, que vo alm da transgresso pessoal, at quebrar a prpria autoridade dos mandamentos. Este um quadro perfeito dos fariseus, que por suas tradies, tinham subvertido a lei de Deus (Marcos 7:1-13).Ainda que Jesus tenha em mente mais os legalistas do que os libertinos, sua afirmao tem aplicao vlida queles espritos "livres", que vem no evangelho o fim de toda a lei. No somente isto vai contra o testemunho da Escritura (1 Corntios 9:21; Glatas 6:2; Tiago 1:25) mas tem implicaes da mais sria gravidade. Sem a lei, o pecado no pode existir (1 Joo 3:4) e sem pecado, a graa se torna desnecessria e sem significado (1 Joo 1:7,9).Seria muitssimo proveitoso que os estudantes da Escritura pudessem compreender que a lei ou vontade de Deus para o homem inerente criao e no s alianas. As expectativas do Criador para sua criatura, o homem, esto postas desde Ado. Os dois maiores mandamentos (Deuteronmio 6:5; Levtico 19:18; Marcos 12:28-31) no tiveram sua primeira aplicao quando foram includos na aliana feita com Israel no Sinai, mas foram nitidamente aplicados ao comportamento do homem para com Deus e os outros, desde a introduo do homem (Gnesis 4:1-12; 6:5,11-13; 18:20; Judas 7). Um homem no est debaixo da lei de Deus por estar sob uma aliana (nova ou velha). Ele est debaixo da lei de Deus porque um homem. Pode-se escapar da lei de Deus somente renunciando raa humana. As renncias tem sido freqentemente solicitadas, porm no h evidncia de que alguma tenha sido aceita. O homem, sob a aliana, faz uma promessa de ser fiel a Deus e seus mandamentos e recebe, por sua vez, as promessas e as bnos do Senhor, mas seja o que for que ele fizer, no h escapatria da lei divina.Mas por que, se pergunta, num sermo sobre "o evangelho do reino" Jesus exorta seus ouvintes para que cumpram, cuidadosamente, at o menor mandamento da lei de Moiss? A resposta : porque sua assistncia era judaica e estava, como Jesus disse, sob a aliana. Qualquer atitude que eles tivessem para com a lei de Deus, conforme expressada na aliana judaica, eles iam trazer para o reino. A aliana no to importante como o princpio da confiana absoluta e obedincia a Deus em todas as coisas. Qualquer um, disposto a agir irresponsavelmente com o menor mandamento de Deus, seja qual for a aliana, indigno do reino do cu. Uma nova aliana viria, mas o princpio permaneceria o mesmo.Algumas ordenaes de Deus so manifestamente maiores do que outras, porque elas assentam mais perto do corao da divina justia (Marcos 12:28-33; Mateus 23:23), mas nenhum mandamento de Deus sem imenso significado, uma vez que o sopro do Todo-Poderoso est nele (2 Timteo 3:16). Aquele que repreendeu os fariseus por engolirem camelos no os encorajou a deglutirem mosquitos com prazer (Mateus 23:23). Tiago procurou fazer-nos entender que os mandamentos de Deus so indivisveis, desde que ele est por trs deles todos (Tiago 2:10-11). No o caso de quebrar s um mandamento, pequeno ou grande. o caso de desafiar a Deus e ser infiel a ele.A obedincia no limitada, por princpio, a sistemas de justificao pela lei (Glatas 3:10). , tambm, uma expresso de f (Tiago 2:14-26) e amor (Joo 14:15,23-24; 1 Joo 5:3) no sistema do evangelho da graa e da justificao pela f (Mateus 7:21). Como tal, ela tem aplicao salvao em cada poca (Hebreus 11). O cidado do reino, como os fiis de todas as eras, no est procurando justificar a si mesmo por sua zelosa obedincia a todos os mandamentos de Deus, mas a retribuir o amor que foi derramado sobre ele to imerecidamente. A lei de Deus uma adaga no corao do arrogante e do que se considera justo, mas para o cristo ela o padro da conduta justa qual, pela graa de Deus, ele aspira (Romanos 12:1-2). Deus pretende, no somente, redimir seu povo, mas transform-lo tambm (Romanos 8:29; 2 Corntios 3:18).". . . ser considerado mnimo no reino dos cus" (Mateus 5:19b). Muitos comentadores, at os responsveis, tm procurado retirar a fora da advertncia de Jesus, sugerindo que aqueles que tratam levianamente os mandamentos menores de Deus no sofrero perda sria. Admitidos no estdio do cu, eles simplesmente tero de sentar-se nas galerias, em vez de nos camarotes! Ns dissentimos vigorosamente deste ponto de vista porque (1) o resto do sermo no concorda com ele (Mateus 7:21,24-27) e (2) a expresso "grande" ou "maior no reino" usada por Jesus, na outras passagens em Mateus, para se referir a cada cidado no reino (Mateus 18:1-4; 20:26-28), no admitindo nenhum lugar para "o menor."Cuidado com aqueles mestres que pensam que sabem quais dos mandamentos de Deus so importantes e quais no so!

10. Um tipo diferente de justia"Se a vossa justia no exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos cus" (Mateus 5:20). Jesus abriu a parte principal do seu sermo sobre a natureza da justia do reino fazendo duas afirmaes claras. A primeira que ele veio para cumprir, em vez de destruir, a lei e os profetas e exigir reverncia para cada mandamento de Deus (5:17-19). A segunda que ele veio fazer guerra contra a "justia" dos fariseus. Sua discrdia no era com a palavra de Deus. Nunca tinha sido. Mas a corrupo dos hipcritas das instituies religiosas tinham fechado as portas do reino contra o povo (Mateus 23:13). Jesus sabia que, se algum dia a nao entendesse a verdadeira justia de Deus, as distores farisaicas teriam que ser destrudas. No obstante o ponto de vista dos fariseus, a grande ameaa contra o reino divino no vinha da impureza gentia, mas das mutilaes grotescas que eles mesmos fizeram na prpria lei que orgulhosamente se gabavam de proteger. Aqui Jesus denuncia, pelo nome, o sistema de justia deles, como totalmente inadequado, e adverte que jamais tal sistema ser suficiente para permitir a um homem entrar no reino do cu (5:20).Nesta era to conciliadora, que d tanto valor paz e harmonia, at mesmo acima da verdade e da justia, a linguagem franca do Salvador deixar muitos em desconforto. O Filho de Deus jamais foi atraente ou desnecessariamente severo no seu tratamento dos falsos mestres, porm no hesitava em detectar claramente, quando era necessrio identificar a fonte na qual seu povo estava sendo envenenado. preciso ser lembrado, hoje em dia, que Jesus atacou as instituies religiosas, no por vaidade pessoal ou ambio, mas porque as almas dos homens que ele amava estavam em suspenso. Faramos bem em imit-lo. Temos que ser prudentes e agradveis, mas devemos falar francamente quando a salvao de homens perdidos o requer.A "justia" dos fariseus era um modo particular de olhar as coisas, que sempre teria sido inadequada no reino de Deus, mesmo se servida s carradas. No era a quantidade que minguava, mas a qualidade. Era o tipo errado de justia. possvel que os fariseus no tenham sempre sido como haviam se tornado nos dias de Jesus. Mesmo ento havia fariseus de profunda integridade, como Saulo de Tarso. Seus ancestrais, incapazes de manter inviolada a cidade santa, estavam determinados a preservar a lei santa da contaminao dos gentios. Este rgido partido de separatistas provavelmente tinha sua origem por volta do segundo ou terceiro sculo a.C., quando o pensamento grego estava ameaando sufocar os judeus. Mas a resistncia, que comeou to nobremente, foi cedo reduzida a um formalismo acentuado, sem profundidade espiritual (Mateus 23:27-28) e seu senso de separao do mundo tornou-se uma arrogante hipocrisia (Lucas 18:9-14). O movimento que tinha comeado para levar glria a Deus estava agora dedicado exaltao de uma elite carola e presunosa que tinha interesse s em si mesma. E, mais irnico ainda, o esforo para proteger a santidade da lei tinha resultado na sua corrupo pelas infindveis tradies dos escribas (Marcos 7:8-9).Os fariseus estavam numa excelente posio para conhecer a lei e poderiam ter sido trazidos ao humilde servio de Deus, pela conscincia da sua exigncia total. A partir dessa posio de honestidade, eles teriam sentido uma crescente sensao da necessidade do auxlio de Deus para alcanar a justia. Em vez de encarar sua prpria inadequao, eles simplesmente transformaram em pedacinhos a lei e os profetas, na medida de seu prprio atraso moral e espiritual. A lei estava agora reduzida, em suas mos, a pouco mais do que rituais insensatos, possuidores de mrito justificativo, e seu corao espiritual fora retirado para tornar seus profundos preceitos morais em uma lei civil superficial. Acima de tudo, ela no mais tinha qualquer ligao com o amor. O reino de Deus no tinha lugar para esta configurao, hipcrita e cheia de si, de tradies humanas, na qual o farisaismo se havia tornado (Mateus 15:3-20). A justia do reino l do alto a do corao; uma justia que comea no manancial do pensamento e da vontade resultando em atos e palavras (Lucas 6:43-45).Como revelaro os versculos seguintes, a justia sobre a qual Jesus agora fala principalmente uma justia de vida e conduta, a vida transformada do cidado do reino. No h, aqui, ensinamento de justificao por obras. Este tipo de transformao vem somente ao pobre de esprito, que conhece muito bem sua necessidade da misericrdia de Deus, mas uma transformao que necessria. Se quisermos nos realizar na vida do reino, teremos que fazer a vontade de nosso Pai (5:19; 7:21,24-28) e crescer no seu perfeito amor (5:44-48).