As ações judiciais por anticorpos monoclonais em Minas ......Orozimbo Henriques Campos eto As...
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Orozimbo Henriques Campos �eto
As ações judiciais por anticorpos monoclonais em Minas Gerais, 1999-2009:
médicos, advogados e indústria farmacêutica
Universidade Federal de Minas Gerais
Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública
Belo Horizonte - MG
2012
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Orozimbo Henriques Campos �eto
As ações judiciais por anticorpos monoclonais em Minas Gerais, 1999-2009:
médicos, advogados e indústria farmacêutica
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Saúde Pública, da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Minas
Gerais, como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Saúde Pública.
Área de concentração: Políticas de Saúde e
Planejamento
Orientadora: Professor (a) Eli Iola Gurgel Andrade
Co-Orientador: Professor Francisco de Assis Acurcio
BELO HORIZO�TE
2012
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U�IVERSIDADE FEDERAL DE MI�AS GERAIS
Reitor Prof. Clélio Campolina Diniz
Vice-Reitora Profa. Rocksane de Carvalho Norton
Pró-Reitor de Pós-Graduação Prof. Ricardo Santiago Gomez
Pró-Reitor de Pesquisa Prof. Renato de Lima dos Santos
FACULDADE DE MEDICI�A
Diretor da Faculdade de Medicina Prof. Francisco José Penna
Vice-Diretor da Faculdade de Medicina Prof. Tarcizo Afonso Nunes
Chefe do Departamento de Medicina Preventiva e Social Prof. Antônio Leite Alves Radicchi
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública Profª Ada Ávila Assunção
Subcoordenadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública Profª Sandhi Maria Barreto
Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública Membros: Profª. Ada Ávila Assunção Profª. Eli Iola Gurgel Andrade Prof. Fernando Augusto Proietti Profª. Mariângela Leal Cherchiglia Prof. Mark Drew Crosland Guimarães Profª. Sandhi Maria Barreto Suplentes: Profª. Cibele Comini César Profª. Carla Jorge Machado Profª. Maria Fernanda Furtado de Lima Costa Prof. Tarcísio Márcio Magalhães Pinheiro Profª. Soraya Almeida Belisário Prof. Francisco de Assis Acurcio Gustavo Machado Rocha Larissa Fortunato Araújo
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AGRADECIME�TOS
Aos meus pais, pelo apoio em mais uma etapa de minha vida.
À Flaviane, namorada e companheira em todos os momentos, pelo apoio e incentivo para a
realização do Mestrado.
Aos professores Eli Iola Gurgel Andrade e Francisco de Assis Acurcio, pela orientação
durante o Mestrado.
À Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais, por disponibilizar as informações referentes
às demandas judiciais em saúde, que possibilitaram a realização da pesquisa.
Aos colegas do Grupo de Pesquisa em Economia da Saúde, em especial, à Fernanda Loureiro
Vasconcelos Barbosa e Tiago Lopes Coelho pelo compartilhamento de experiências e pelo
apoio à minha pesquisa.
A todos com quem convivi durante o mestrado, pelos conhecimentos adquiridos e pela troca
de experiências. Em especial aos amigos Daniel Almeida, Elaine Machado, Élida Martins e
Gustavo Laine.
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RESUMO
Introdução: A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 aponta a saúde como um direito fundamental e dever do Estado, determinação que conferiu aplicabilidade imediata. O SUS implica ações e serviços federais, estaduais, distritais e municipais, organizados segundo as estratégias da descentralização, com direção única em cada esfera de governo, com prioridade para as atividades preventivas, e da participação da comunidade. Tais prerrogativas confirmam seu caráter de direito social. Por tratar-se de um direito constitucional, a saúde pode ser reivindicada junto ao Poder Judiciário. As solicitações por ações e serviços de saúde são as mais diversas, entretanto, a grande maioria é por medicamentos. É inegável a existência de falhas na prestação da Assistência Farmacêutica e a ineficiência do SUS em algumas situações, algo que afronta um direito social e legitima a atuação do judiciário. Entretanto, essa intervenção gera problemas como a perda da equidade e o alto impacto orçamentário, o que tem motivado a busca por compreensão e avaliação desse fenômeno denominado “Judicialização da Saúde”. Objetivos: Descrever as relações entre médico prescritor, advogado e indústria farmacêutica nas ações judiciais por anticorpos monoclonais, impetradas contra o Estado de Minas Gerais entre 1999 e 2009 e as implicações sobre o processo de incorporação desses fármacos. Metodologia: Estudo descritivo retrospectivo com base nos dados constantes dos processos judiciais com demandas por anticorpos monoclonais, impetrados contra o Estado de Minas Gerais, no período de outubro de 1999 a outubro de 2009. Resultados: Entre 1999 e 2009, foram analisadas 787 ações judiciais, perfazendo 787 medicamentos com 13 fármacos diferentes. Entre esses, 4 têm fornecimento garantido pelas Políticas de Assistência Farmacêutica do SUS. Os medicamentos mais freqüentes foram adalimumabe (n=353), infliximabe (n=138) e rituximabe (n=94). Dentre as doenças destacam-se artrite reumatoide (n=219), espondilite ancilosante (n=73) e degeneração macular relacionada à idade (n=35). Houve predomínio de representação por advogados particulares e atendimento por médicos do setor privado. Apenas um médico foi responsável por 21,2% das prescrições de adalimumabe, sendo solicitado por apenas um escritório particular de advocacia, em 45,0% dos pedidos. Evidenciou-se a relação entre médicos e escritórios de advocacia nas solicitações dos medicamentos. Entre as ações representadas pelo escritório A, 45,1% tiveram o médico X como prescritor para o adalimumabe, enquanto outros 29 médicos foram responsáveis por 41,6% dos pedidos do mesmo fármaco. Os anticorpos monoclonais presentes nas ações judiciais possuem registro nas principais agências reguladoras mundiais, com exceção do daclizumabe que foi retirado do mercado em muitos países. Conclusão: A maior representatividade de médicos do setor privado e advogados particulares demonstram um prejuízo à equidade de acesso à saúde, na medida em que muitos pacientes que acessam o judiciário e consequentemente recebem medicamentos financiados pelo SUS, possuem melhores condições sócio-econômicas. Os dados apresentados mostram a grande concentração dos processos entre poucos médicos e escritórios de advocacia. Esse fato pode ser um indício de que a justiça e a medicina têm sido utilizadas, em determinados momentos, para atender aos interesses da indústria farmacêutica. O aumento no número de ações, em períodos anteriores a incorporação de fármacos no SUS, pode denotar a influência da indústria, via poder judiciário, sobre a definição das Políticas de Assistência Farmacêutica. Por outro lado, existem vazios assistenciais e dificuldades no acesso aos serviços de saúde nos três entes federativos, que ganham maior visibilidade com as ações judiciais, geram o debate necessário e muitas vezes permitem alcançar soluções.
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PALAVRAS-CHAVE: Judicialização da Saúde. Política de Assistência Farmacêutica. Indústria farmacêutica. Anticorpos monoclonais. Incorporação de medicamentos. Representantes judiciais. Médicos.
ABSTRACT
Introduction: The Constitution of the Federative Republic of Brazil 1988 points to health as a fundamental right and duty of State, that determination gave immediate applicability. SUS actions and services involves federal, state, district and local, organized according to the strategies of decentralization, with a single management in each sphere of government, giving priority to preventive activities, and participation the community. Such prerogatives confirm their character social right. Because it is a constitutional right, health can be claimed by the judiciary. The actions and requests for services are the most diverse, however, most are for drugs. It is undeniable failures in the provision of Pharmaceutical Assistance and inefficiency of the health care system in some situations, something that a shame and social law legitimizes the action of the judiciary. However, this intervention creates problems such as loss of equity and high budgetary impact, which has motivated the search for understanding and evaluation of this phenomenon called "Lawsuits of Health". Objectives: To describe the relationship between the prescribing physician, lawyer and the pharmaceutical industry in lawsuits by monoclonal antibodies, filed against the State of Minas General between 1999 and 2009 and the implications on the process of incorporation of these drugs. Methodology: A descriptive study based on retrospective data in a file court with demands for monoclonal antibodies, filed against the State of Minas Gerais, from October 1999 to in October 2009. Results: Between 1999 and 2009 were analyzed 787 lawsuits, totaling 787 drugs with 13drugs different. Among these, four have guaranteed supply by Pharmaceutical Policies SUS. Drugs adalimumab were more frequent (n = 353), infliximab (n = 138) and rituximab (n = 94). Among the diseases stand out arthritis arthritis (n = 219), ankylosing spondylitis (n = 73) and degeneration age-related macular (n = 35). Predominated representation by private lawyers and answering doctors in the private sector. Only one doctor was responsible for 21.2% of prescriptions for adalimumab, being requested by only a private office of advocacy, in 45.0% of applications. Revealed the relationship between doctors and law firms the requests of the drugs. Among the shares represented in the office, 45.1% had the doctor prescribing for X as adalimumab, while another 29 doctors were responsible for 41.6% of the requests of the same drug. Monoclonal antibodies present in the lawsuits are registered in the main regulatory agencies worldwide, with the exception of daclizumab was withdrawn from the market in many countries. Conclusion: The higher representation of private sector doctors and lawyers to private demonstrate injury access to health equity, in that many patients who access the judiciary and consequently receive medicines financed by SUS, have better socio-economic conditions. The data presented show the high concentration of cases among the few medical and law offices. This may be a clue that justice and medicine have been used in certain times, to meet the needs of industry pharmaceutical. The increase in the number of shares in periods prior to the incorporation of drugs in the SUS, may denote the industry influence, via the judiciary, on the definition Policy of Pharmaceutical Assistance. On the other hand, there are empty assistance and difficulties in accessing health service in the three federal entities to gain greater visibility with the lawsuits that generate debate often necessary and possible to reach solutions. KEYWORDS: Lawsuits in health. Pharmaceutical policies. Pharmaceutical industry. Monoclonal antibodies. Incorporation of medicines. Lawsuits officials. Doctors.
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LISTA DE SIGLAS ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária
ATC - Anatomical Therapeutic Chemical Classification
CEAF - Componente Especializado de Assistência Farmacêutica
EC29 - Emenda Constitucional n° 29
EMEA - European Medicines Agency
FDA - Food and Drug Administration
GPES - Grupo de Pesquisa em Economia da Saúde
HAT - hipoxantina, aminopterina e timidina
HC - Health Canada
OMS - Organização Mundial de Saúde
P&D - Pesquisa e Desenvolvimento
PCDT - Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas
PIB - Produto Interno Bruto
PLP - Projeto de Lei Complementar
PNAF - Política Nacional de Assistência Farmacêutica
PNM - Política Nacional de Medicamentos
RDC - Resolução da Diretoria Colegiada
RENAME - Relação Nacional de Medicamentos Essenciais
SCD - Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado
SES/MG - Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais
SUS - Sistema Único de Saúde
TGA - Therapeutic Goods Administration
UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais
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LISTA DE TABELAS
TABELA 1. Distribuição de freqüência dos beneficiários, de acordo com variáveis do banco dos processos judiciais impetrados em Minas Gerais, 1999 a 2009
TABELA 2. TABELA 3. TABELA 4. TABELA 5. TABELA 6. TABELA 7. TABELA 8. TABELA 9. TABELA 10. TABELA 11. TABELA 12.
Principais diagnósticos dos beneficiários das ações em Minas Gerais e no grupo das ações por anticorpos monoclonais, de acordo com a CID-10. Anticorpos monoclonais solicitados por via judicial, em Minas Gerais Classificação ATC dos anticorpos monoclonais judicializados em Minas Gerais Municípios das comarcas em que foram ajuizadas as ações por monoclonais em cada ano Relação entre os municípios das principais comarcas em que as ações foram ajuizadas e o município de residência do beneficiário Ações relacionadas aos anticorpos monoclonais adalimumabe e infliximabe, pré e pós- incorporação no SUS Ações judiciais pós-incorporação do adalimumabe, relação com CID padronizado Ações judiciais pós-incorporação do infliximabe, relação com CID padronizado Medicamentos (anticorpos monoclonais), médicos, escritórios de advocacia e respectivos números máximos de processos impetrados em Minas Gerais, 1999 a 2009 Relação entre os principais escritórios de advocacia, médicos prescritores, laboratórios e fármacos Regulação dos anticorpos monoclonais judicializados, na ANVISA, FDA, EMEA, TGA e HC
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................... 14
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ................................................................... 17
2.1 ORIGE�S DOS DIREITOS FU�DAME�TAIS .................................................. 17
2.2 SAÚDE COMO DIREITO: A CO�STITUIÇÃO FEDERAL E O SUS ............. 18
2.3 FI�A�CIAME�TO DA SEGURIDADE SOCIAL E A EC �° 29/2000............. 19
2.4 ASSISTÊ�CIA FARMACÊUTICA (AF) .............................................................. 21
2.4.1 POLÍTICA NACIONAL DE MEDICAMENTOS (PNM) E A POLÍTICA
NACIONAL DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA .................................................... 22
2.4.2 COMPONENTE ESPECIALIZADO DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA .... 24
2.5 A I�CORPORAÇÃO DE �OVAS TEC�OLOGIAS EM SAÚDE .................... 26
2.5.1 FÁRMACOS NOVOS: INOVAÇÃO? ................................................................... 27
2.5.2 REGULAÇÃO SANITÁRIA E REGISTRO DE FÁRMACOS ............................. 30
2.5.3 FÁRMACOS BIOLÓGICOS: PRODUÇÃO E REGULAÇÃO NA ANVISA ...... 33
2.6 JUDICIALIZAÇÃO DA ASSISTÊ�CIA FARMACÊUTICA ............................ 34
2.6.1 JUDICIALIZAÇÃO: EXACERBAÇÃO DE GASTOS E DESCUMPRIMENTO
DOS PROTOCOLOS CLÍNICOS.................................................................................... 34
2.6.2 MÉDICOS, ADVOGADOS E A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA ..................... 35
2.6.3 PANORAMA ATUAL ............................................................................................ 36
3 OBJETIVOS ............................................................................................... 38
3.1 OBJETIVO GERAL ................................................................................................ 38
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS .................................................................................. 38
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4 METODOLOGIA ...................................................................................... 39
4.1 DESE�HO ................................................................................................................. 39
4.2 PERÍODO ................................................................................................................. 39
4.3 POPULAÇÃO E CRITÉRIOS DE ELEGIBILIDADE ........................................ 39
4.4 OBTE�ÇÃO DOS DADOS ..................................................................................... 39
4.5 VARIÁVEIS .............................................................................................................. 40
4.6 A�ÁLISE DOS DADOS .......................................................................................... 40
4.7 VA�TAGE�S E LIMITAÇÕES DO ESTUDO .................................................... 41
4.8 CO�FIDE�CIALIDADE ........................................................................................ 42
5 RESULTADOS .......................................................................................... 43
5.1 DESCRIÇÃO GERAL ............................................................................................. 43
5.2 A�TICORPOS MO�OCLO�AIS �O SUS E AÇÕES JUDICIAIS .................. 49
5.3 RELAÇÕES E�TRE MÉDICOS, ADVOGADOS E FÁRMACOS ................... 50
5.4 REGISTROS DOS A�TICORPOS MO�OCLO�AIS �AS PRI�CIPAIS
AG�CIAS REGULADORAS DE MEDICAME�TOS ........................................... 52
6 DISCUSSÃO .............................................................................................. 56
6.1 BE�EFICIÁRIOS DA “JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE” ................................ 56
6.2 A�TICORPOS MO�OCLO�AIS: AÇÕES E I�FLUÊ�CIAS ......................... 57
6.3 MÉDICOS, ADVOGADOS E I�DÚSTRIA FARMACÊUTICA ........................ 58
6.4 REGISTROS E I�CORPORAÇÃO ....................................................................... 60
7 CONCLUSÃO .......................................................................................................... 64
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 66
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ANEXO I: FORMULÁRIO PARA COLETA DE DADOS DAS
AÇÕES JUDICIAIS ...................................................................................... 73
ANEXO II: PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA –
COEP/UFMG ................................................................................................ 79
ANEXO III: CERTIFICADO DE QUALIFICAÇÃO .................................. 80
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1 I�TRODUÇÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 definiu em seu artigo 196, que a
saúde é um direito de todos e dever do Estado. Para isso, deve ser garantida por políticas
sociais e econômicas, com objetivo de reduzir os riscos de doença e outros agravos, além de
assegurar acesso universal e igualitário às ações e serviços, que proporcionem promoção,
proteção e recuperação da saúde. A partir desse momento, a saúde passa a ocupar no
ordenamento jurídico brasileiro a condição de direito e dever fundamental positivado pela
Constituição e essa determinação conferiu-lhe aplicabilidade imediata (BRASIL, 1988,
CAMPOS, 2010).
O Sistema Único de Saúde (SUS), o qual foi regulamentado pela Lei n° 8080/90 deve atuar
com ações e serviços de saúde baseados nos princípios doutrinários da universalidade,
integralidade e equidade. O SUS implica ações e serviços federais, estaduais, distritais e
municipais, organizados segundo as estratégias da descentralização, com direção única em
cada esfera de governo, com prioridade para as atividades preventivas e participação da
comunidade. Tais prerrogativas confirmam seu caráter de direito social individual, de um
lado, e de direito social coletivo, de outro. (BRASIL, 1990, SILVA, 1999).
Em virtude da inclusão da saúde enquanto direito e de um sistema para viabilizá-lo e executá-
lo, qualquer cidadão em solo nacional tem institucionalmente assegurado o direito de atenção
à saúde (ANDRADE et al., 2008).
No entanto, para efetivação desse direito, o Estado necessita intervir de forma ativa para
concretizá-lo, e o faz por meio da formulação de políticas públicas, com intuito de garantir o
acesso universal, integral e equânime. Para que esse agir público se efetive é preciso ter em
mente a importância do caráter econômico das políticas, pois há demanda de recursos
públicos e desse modo uma análise da disponibilidade e melhor alocação dos recursos é
eminente (CAMPOS, 2010, PESSANHA, 2006).
Por tratar-se de um direito constitucional, componentes relacionados à saúde têm sido
reivindicados junto ao Poder Judiciário. As solicitações por ações e serviços de saúde são as
mais diversas, entretanto, a grande maioria é por medicamentos. Nos últimos anos, o número
de demandas judiciais para garantia do direito à saúde tem se elevado, aumentando os gastos
em saúde para o governo. O impacto financeiro de tais ações tem motivado a busca por
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compreensão e avaliação desse fenômeno denominado “Judicialização da Saúde” por parte
dos gestores (ANDRADE et al., 2008).
Além das considerações do impacto econômico, é importante considerar que as ações
individuais demandando medicamentos, que chegam ao Poder Judiciário, podem dificultar a
efetivação do direito à saúde, pois o acesso a via judicial no Brasil, ainda é sujeito à condição
socioeconômica do indivíduo. Assim, o acesso às ações e serviços de saúde, entre os quais se
encontra o fornecimento de medicamentos, pela via judicial, poderá privilegiar usuários com
mais recursos financeiros para prover o pagamento de advogados ou maior disponibilidade de
informação. Nesse sentido, a utilização de meios diversos aos preconizados pela Política
Nacional de Medicamentos e a Política Nacional de Assistência Farmacêutica para viabilizar
o acesso aos medicamentos pode contrariar o princípio da eqüidade na saúde preconizado no
SUS. (CAMPOS, 2010; GANDINI et al., 2007; LOPES, et al, 2010; VIEIRA, 2007)
Outro aspecto de grande relevância que permeia a atuação do Judiciário na saúde é a
influência da indústria farmacêutica sobre o consumo de medicamentos. Dentre os
mecanismos de difusão dos novos medicamentos pelas indústrias destacam-se visitas de
“propagandistas” aos consultórios médicos, anúncios em revistas médicas, patrocínio de
grupos de defesa de pacientes e de ensaios clínicos. Usualmente os resultados negativos dos
ensaios clínicos não são divulgados e a recorrente publicação dos resultados positivos, na
maioria das vezes enaltece características benéficas em detrimento das prejudiciais
(BARROS, 1983; FUCHS, 2005; 2009; RODRIGUES, 2003). Esses veículos de comunicação
constituem importante fonte de atualização dos médicos. Como conseqüência, os laboratórios
os quais, frequentemente financiam as publicações, se beneficiam ao induzirem a prescrição
em detrimento do uso racional de medicamentos. Agrava a situação o número excessivo de
especialidades farmacêuticas disponíveis, o que dificulta ao médico manter-se atualizado
sobre questões de qualidade, eficácia, segurança, efetividade e preço dos fármacos
(MAGALHÃES e CARVALHO, 2003; MOTA, 2008).
Os altos custos dos novos medicamentos têm impactado a Assistência Farmacêutica (AF) no
SUS e na medida em que os processos judiciais movidos pelos pacientes obrigam o
fornecimento sob a égide da reivindicação do direito constitucional à saúde, esse quadro tende
a se agravar. Nesse cenário, o Poder Judiciário acaba, de certo modo, por contribuir para
introdução de medicamentos não padronizados pelo SUS ou pertencentes ao Componente
Especializado da Assistência Farmacêutica (medicamentos de alto custo), para condições
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nosológicas que não possuem os tratamentos regidos por diretrizes ou protocolos clínicos
(CHIEFFI e BARATA, 2009; MESSEDER et al, 2005; PEREIRA et al, 2007; VIEIRA,
2008).
Por outro lado, observam-se pedidos de medicamentos pertencentes a programas de
assistência farmacêutica do SUS, motivados por falhas no abastecimento, como por exemplo,
devido a aquisições em quantidade inadequada ou com programação de entrega não
respeitada (CHIEFFI e BARATA, 2009; MACHADO et al, 2011; MESSEDER et al, 2005;
PEREIRA et al, 2007; VIEIRA, 2008).
Nesse contexto, o presente estudo se justifica pela necessidade de conhecer melhor o
fenômeno da “Judicialização da Saúde” no âmbito da AF no Estado de Minas Gerais, e o
papel da indústria farmacêutica sobre as demandas judiciais, bem como as influências e
consequências geradas para incorporação de fármacos novos. Para isso o foco são os
anticorpos monoclonais, medicamentos biológicos1, presentes no Componente Especializado
da AF (denominado até o final de 2009 de Programa de Medicamentos Excepcionais), que
representam 1% do total dos bioterapêuticos distribuídos por intermédio do Sistema Único de
Saúde (SUS), mas utilizam 32% do total gasto pelo governo com produtos biológicos
(ANVISA, 2011). Consequentemente, as relações entre prescritor, advogado e indústria
farmacêutica nas ações judiciais impetradas contra o Estado de Minas Gerais entre 1999 e
2009, em que foram solicitados os medicamentos da classe dos anticorpos monoclonais terão
destaque.
1 Medicamento que contém molécula com atividade biológica conhecida, já registrada no Brasil e que tenha passado por todas as etapas de fabricação (formulação, envase, liofilização, rotulagem, embalagem, armazenamento, controle de qualidade e liberação do lote de produto biológico para uso). Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Glossário de novos medicamentos. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/anvisa/anvisa/home/medicamentos.
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2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1 ORIGE�S DOS DIREITOS FU�DAME�TAIS
Os direitos fundamentais são advindos dos movimentos de constitucionalização que
começaram no século XVIII. Esses direitos são um patrimônio da humanidade a partir da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento da Organização das Nações Unidas,
assinado em 1948. Trata-se de determinações indispensáveis e necessárias para garantir a
todos a liberdade, com dignidade e igualdade (CAMPOS, 2010). Para Bobbio (1992) o
processo de definição desses direitos é algo dinâmico. Aqueles que foram declarados
absolutos no final do século XVIII foram submetidos a radicais limitações nas declarações
contemporâneas e os direitos que as declarações do século XVIII nem sequer mencionavam,
como os direitos sociais, são agora proclamados com grande destaque nas mais recentes
declarações.
Bobbio (1992) considera, ainda, que os direitos do homem constituem uma classe variável,
como a história demonstra suficientemente. O elenco dos direitos do homem se modificou, e
continua a se modificar, com a mudança das condições históricas, devido às necessidades e os
interesses da sociedade, das classes que estão no poder, dos meios disponíveis para a
realização dos mesmos e das transformações técnicas.
Para Silva (1999), os direitos sociais, como parte dos direitos fundamentais do homem são
normas constitucionais e exigem prestações positivas por parte do Estado, de forma direta ou
indireta. Tais direitos buscam a igualdade de situações sociais desiguais e assim
proporcionam condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.
A Constituição Federal de 1988 apresenta em seu artigo 6° os direitos sociais, entre os quais é
incluída a saúde, necessitando de providências positivas do Poder Público. No entanto, é
preciso o estabelecimento de instituições que possibilitem a efetivação desse direito
(BRASIL, 1988, SILVA, 2007).
O estabelecimento de instituições para execução dos direitos sociais como a saúde exigem
certas prestações materiais, por meio de leis e atos administrativos, para a criação real e
instalações de serviços públicos. Assim o Poder Público deve definir, implementar e executar,
conforme as circunstâncias, as chamadas políticas sociais que permitam a efetivação dos
direitos constitucionalmente protegidos (CAMPOS, 2010).
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2.2 SAÚDE COMO DIREITO: A CO�STITUIÇÃO FEDERAL E O SUS
A Constituição Federal de 1988 não apenas traz grande contribuição para a consolidação de
um regime político democrático, mas também propicia grande avanço no que se refere aos
direitos e garantias fundamentais. Nascida após anos de ditadura militar, oriunda da luta pela
reconquista da democracia, dos direitos fundamentais, da dignidade da pessoa humana, entre
outros, pode ser percebida como Constituição Cidadã (CAMPOS, 2010).
Como concebe a Constituição Federal de 1988, a saúde é um direito de todos e dever do
Estado, ou seja, depende de uma ação positiva do Poder Público que deve garantir esse direito
mediante políticas sociais e econômicas. Tais políticas devem visar à redução do risco de
doenças e agravos, além de possibilitar o acesso universal, integral e equânime às ações e
serviços de saúde para sua promoção, proteção e recuperação. A Constituição a submete ao
conceito de seguridade social, cujas ações e meios se destinam, também, a assegurá-lo e
torná-la eficaz (BRASIL, 1988, SILVA, 1999).
O direito à saúde comporta duas situações: uma, de natureza negativa, consiste no direito a
exigir do Estado ou de terceiros que se abstenham de qualquer ato que prejudique a saúde, e
outra, de natureza positiva, expressa o direito às ações e serviços do Estado que visam à
prevenção das doenças e o tratamento (SILVA, 1999).
As ações e serviços de saúde têm relevância pública, assim devem ser sujeitas à
regulamentação, fiscalização e controle do Poder Público. Silva (1999) aponta que se é
atribuído ao Poder Público o controle das ações e serviços de saúde, significa que sobre esses
tem ele dominação, controle, principalmente quando aparece ao lado da palavra fiscalização.
Com a Lei N° 8080/90, houve a regulamentação do Sistema Único de Saúde (SUS), uma rede
regionalizada e hierarquizada de ações e serviços, que constitui o meio pelo qual o Poder
Público cumpre seu dever na relação jurídica de saúde com qualquer pessoa e a comunidade.
Com o SUS, o Poder Público também desenvolve uma série de atividades de controle de
substâncias de interesse para a saúde, entre essas os medicamentos, e outras destinadas ao
aperfeiçoamento das prestações sanitárias (SILVA, 1999).
Apesar dos avanços na Constituição, SILVA (1999) considera espantoso como um bem
extraordinariamente relevante à vida humana somente na Constituição Federal de 1988 foi
elevado à condição de direito fundamental do homem. Silva (1999) aponta que o tema não era
algo tão alheio ao nosso Direito Constitucional que dava competência à União para proteger à
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saúde da população, mas no passado, existia apenas um sentido de organização administrativa
de combate às endemias e epidemias. Com a Constituinte passou a se tratar de um direito do
ser humano. O autor ainda afirma que pelo direito igualitário à vida, de todos os seres
humanos, nos casos de doença, cada um deveria ter o tratamento de acordo com o estado atual
da medicina, sem prejuízos relativos à sua situação econômica, pois do contrário a norma
constitucional não teria muito valor.
No entanto, é preciso considerar que para a execução das políticas públicas, são necessários
recursos materiais, o que leva à exigência de satisfação de uma série de pressupostos de
caráter econômico, político e jurídico para que os anseios sejam alcançados. Por todos os
fatores listados, constata-se que a Constituição Federal de 1988 é rica ao tratar da positivação
dos direitos fundamentais. Mas, uma grande questão relativa à Constituição localiza-se no
campo de sua eficácia, principalmente em relação aos direitos sociais (CAMPOS, 2010).
2.3 FI�A�CIAME�TO DA SEGURIDADE SOCIAL E A EC �° 29/2000
A seguridade social abrange um grupo de ações do Poder Público e da sociedade, com o
objetivo de garantir os direitos relativos à saúde, previdência e assistência social, ou seja,
direitos sociais concernentes à seguridade (SILVA, 1999).
Para Silva (1999) as ações da seguridade dirigem-se à busca da universalidade da cobertura e
do atendimento. As ações são pautadas na igualdade ou equivalência dos benefícios, com uma
unidade organizacional, democrática e descentralizada, por meio de uma gestão quatripartite,
em decorrência da participação dos trabalhadores, empregadores, aposentados e das instâncias
governamentais, baseando-se nos artigos 194 e 195 da Constituição. Esses artigos determinam
que o financiamento da seguridade social seja feito por toda a sociedade de forma direta ou
indireta, considerando as contribuições dos orçamentos públicos, empregadores, trabalhadores
e demais segurados da previdência social, além das receitas advindas dos denominados
concursos de prognósticos.
Com a abordagem acima é possível notar que a efetivação dos direitos sociais, entre eles a
saúde, demanda prestação de recursos financeiros por parte do Poder Público, ou seja, há um
conteúdo econômico na garantia à saúde. Muitas vezes, a garantia de um direito é submetida à
situação econômica do Estado e a disponibilidade de recursos (CAMPOS, 2010, PESSANHA,
2006).
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No entanto, é preciso considerar que a implementação da política pública de saúde não pode
ser refém do quadro econômico do país, principalmente no contexto de ajuste da economia,
em que se faz presente conflito entre a satisfação das demandas sociais e dos demais setores, e
a necessidade de equilíbrio das contas públicas (PINTO, 2010).
Mesmo diante da garantia da saúde como um direito na Constituição Federal de 1988, não
ficou evidente como os recursos públicos seriam direcionados para efetivação deste, algo que
ficou obscurecido ao longo dos anos 90. Para evitar a arbitrariedade ou mesmo a não
aplicação de recursos na garantia desse direito, foi aprovada a Emenda Constitucional número
29 (EC 29/2000) em 13 de setembro de 2000 (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 2010).
A EC 29 representou uma grande conquista da sociedade brasileira para a construção do SUS,
estabeleceu a vinculação dos recursos para a saúde nas três esferas de governo, ou seja, um
processo de financiamento mais estável para o SUS. Além disso, a EC 29 previa sanções nos
casos de descumprimento dos recursos mínimos de aplicação em saúde (BRASIL, 2000,
CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 2010).
Contudo, após 11 anos de aprovação da EC 29, esta ainda não havia sido regulamentada. Esse
fato levava à utilização de recursos que seriam destinados à saúde para outros fins ou até
mesmo a vinculação de gastos como pertencentes ao setor saúde, simplesmente para cumprir
os percentuais mínimos exigidos na emenda. No mês de setembro de 2011, O Projeto de Lei
Complementar (PLP) 306 de 2008, de autoria do Senado Federal, que regulamenta a EC 29,
foi aprovado na Câmara dos Deputados e enviado ao Senado, onde recebeu a designação de
Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado (SCD) 121 de 20072. A
maior expectativa era pela definição de 10% do orçamento da União para a Saúde, em
substituição ao investimento que aumentava somente com a correção do Produto Interno
Bruto (PIB) do ano anterior. Além dessa proposição, havia a possibilidade de ser criado um
novo imposto para a saúde, a Contribuição Social para a Saúde (CSS) e o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação (FUNDEB) ser retirado da base de cálculo dos 12% do orçamento dos estados. No
entanto, no último dia 7 de dezembro de 2011, o plenário do Senado aprovou, por 70 votos
contra 1 o SCD 121/2007, que define o que são considerados gastos em saúde. A proposta,
que seguiu para sanção da presidente Dilma Rousseff, regulamenta a Emenda Constitucional
2 Blog Saúde com Dilma. “Regulamentação da Emenda 29 no Senado”. Disponível em: http://www.saudecomdilma.com.br/index.php/2011/10/23/regulamentacao-da-emenda-29-no-senado/
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29, aprovada em 2000 e que define percentuais mínimos de investimento em saúde pela
União (investimento corrigido pelo PIB do ano anterior), estados (12% do orçamento) e
municípios (15% do orçamento). Os esperados 10% da União não foram aprovados e a saúde
continuará a priori com um sub-financiamento, que prejudica enormemente as políticas de
saúde no SUS. Na decisão do Senado também foi definido que não haverá a CSS e o
FUNDEB será mantido na base de cálculo para definição do percentual mínimo para a área de
saúde nos estados3. No dia 13 de janeiro de 2012, a presidente Dilma Roussef sancionou a Lei
Complementar N° 141 que regulamenta a EC-29, com alguns vetos ao projeto de lei do
Senado que compromete um pouco mais os recursos destinados à saúde (BRASIL, 2012).
Assim, a regulamentação foi importante para que os recursos destinados às ações e serviços
de saúde não sejam utilizados em outras áreas, levando a um sub-financiamento ainda mais
grave do SUS. Mas é preciso que a sociedade continue a luta para um maior investimento
público em saúde no país, para que o SUS como um sistema universal, possa romper a relação
desfavorável de um gasto público inferior ao privado (CONSELHO NACIONAL DE
SAÚDE, 2010).
2.4 ASSISTÊ�CIA FARMACÊUTICA (AF)
A Lei N° 8080/90 regulamentou o SUS e definiu quais as ações deveriam ser executadas pelo
sistema. Em seu artigo 6°, incluiu no campo de atuação do sistema a assistência terapêutica
integral, incluindo a farmacêutica. A partir daí a Assistência Farmacêutica assumiu o caráter
de obrigação do Poder Público, como uma ação em saúde. Assim, políticas públicas
precisavam ser articulas para garanti-la (BRASIL, 1990).
A Assistência Farmacêutica compreende ações voltadas à promoção, proteção e recuperação
da saúde, com base no acesso aos medicamentos e o uso racional. O Ministério da Saúde é o
principal órgão promotor de tais ações, por meio da pesquisa, desenvolvimento e produção de
medicamentos e insumos, e controle, com a seleção, programação, aquisição, distribuição e
avaliação do uso. Todas essas ações devem ser implementadas com o intuito de obter
resultados que levem a melhoria da qualidade de vida da população brasileira (BRASIL,
2010a).
3 Blog saúde com Dilma. “Derrota: senado mantém texto da Câmara para regulamentação da Emenda 29”. Disponível em: http://www.saudecomdilma.com.br/index.php/2011/12/07/derrota-senado-mantem-texto-da-camara-para-regulamentacao-da-emenda-29/.
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Para execução dessas ações é importante retomar a discussão do financiamento do SUS.
Vieira e Mendes (2007) apontam que o gasto com medicamentos no Brasil aumentou 123,9%
entre 2002 e 2006, mas o aumento do gasto total em saúde aumentou apenas 9,6%.
Considerando-se o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, que será
destacado na sequência, em 2006, os gastos alcançaram R$ 1,3 bilhão de reais, ou seja, um
dos principais responsáveis pelo aumento dos gastos do Ministério da Saúde com
medicamentos. Esses números reiteram a importância de se ter um maior aporte de recursos
para o SUS, além de realizar o controle efetivo dos gastos (VIEIRA, 2009).
2.4.1 Política �acional de Medicamentos (P�M) e a Política �acional de Assistência
Farmacêutica (P�AF)
Apesar de a Assistência Farmacêutica estar prevista no SUS desde 1990, somente em 1998,
com a Portaria N° 3916, é que se definiu uma Política Nacional de Medicamentos (BRASIL,
1998). A PNM, a qual foi aprovada com a Portaria N° 3916/98, teve como objetivos a
garantia da segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, promoção do uso racional e o
acesso da população aos medicamentos definidos como essenciais. O propósito dessa Política
é de que as três esferas do governo, Município, Estado e União trabalhem em estreita parceria
e de acordo com as oito diretrizes da PNM. As diretrizes que ordenam a PNM são: adoção de
relação de medicamentos essenciais; regulamentação sanitária de medicamentos; reorientação
da Assistência Farmacêutica; promoção do uso racional de medicamentos; desenvolvimento
científico e tecnológico; promoção da produção de medicamentos; e desenvolvimento e
capacitação de recursos humanos (SECRETARIA DE POLÍTICAS DE SAÚDE, 2000).
Em uma breve análise das diretrizes da PNM é possível listar os objetivos inerentes a cada
uma delas. A adoção de uma Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) está
intimamente ligada a duas outras diretrizes, visto que a definição de uma lista serviria para
direcionar a produção de medicamentos, o que fatalmente desencadeia o desenvolvimento
científico e tecnológico (SECRETARIA DE POLÍTICAS DE SAÚDE, 2000).
A OMS define como medicamentos essenciais, os que satisfazem às necessidades prioritárias
de saúde da população e devem estar acessíveis em todos os momentos, na dose apropriada, a
todos os segmentos da sociedade. Esse conceito perpassa pelos aspectos inerentes ao perfil
epidemiológico brasileiro, em que se apresentam doenças infecto-contagiosas, típicas de
países em desenvolvimento, e doenças crônico-degenerativas, características de países
desenvolvidos. No tocante ao Brasil, ainda é preciso considerar a crescente morbimortalidade
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em decorrência da violência, ocasionada por acidentes de trânsito e homicídios
(SECRETARIA DE POLÍTICAS DE SAÚDE, 2000; OMS, 2002).
O primordial em uma lista nacional de medicamentos essenciais é que constitua um meio
fundamental para a definição das listas nos Estados e Municípios, de acordo com a situação
epidemiológica local. Tais listas proporcionam uma melhor adequação no abastecimento de
medicamentos no âmbito do SUS, para que esses sejam seguros, eficazes e tenham preços
acessíveis, o que se configura em uma economia para o sistema (SECRETARIA DE
POLÍTICAS DE SAÚDE, 2000).
No que diz respeito à regulamentação sanitária de medicamentos, são exigidos do gestor
federal o controle do registro de medicamentos e as autorizações de funcionamento de
empresas e estabelecimentos farmacêuticos, assim como as restrições de uso de
medicamentos, baseados na farmacovigilância. Essas atribuições são exercidas, desde 1999,
pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), de acordo com a Lei N° 9782, de
26 de janeiro de 1999, que criou a Agência. A diretriz da regulação sanitária contempla
também a garantia da segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, as quais dependem
diretamente da ANVISA. (BRASIL, 1999; SECRETARIA DE POLÍTICAS DE SAÚDE,
2000).
Outra diretriz de extrema importância e inclusive enfoque desse trabalho é a reorientação da
Assistência Farmacêutica no SUS. Antes da criação da PNM, a Assistência se restringia à
aquisição e distribuição de medicamentos, mas o enfoque foi se ampliando e hoje engloba
também as atividades de seleção, programação, aquisição, armazenamento e distribuição,
controle da qualidade e utilização, compreendendo a prescrição e a dispensação. Todas essas
atividades têm como objetivo principal favorecer a disponibilidade dos medicamentos, de
acordo com as necessidades da população. Com vistas à população atendida, uma diretriz que
perpassa a Assistência Farmacêutica, é a promoção do uso racional de medicamentos. É
evidente a necessidade de se considerar as questões inerentes às repercussões sociais e
econômicas do receituário médico no tratamento, e paralelamente, dar ênfase também a
educação dos usuários ou consumidores acerca dos riscos da automedicação, interrupção dos
tratamentos e alteração das prescrições sem autorização médica (SECRETARIA DE
POLÍTICAS DE SAÚDE, 2000).
No ano de 2004 a Assistência Farmacêutica ganha mais força com a aprovação da Política
Nacional de Assistência Farmacêutica pela Resolução N° 338, de 6 de maio de 2004 do
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Conselho Nacional de Saúde. A Política é definida com base nos princípios doutrinários do
SUS e reforça algumas diretrizes já estabelecidas na PNM. Entre essas, destaca-se o
desenvolvimento tecnológico e científico para produção de medicamentos, a ampliação do
acesso, o uso racional e a utilização da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais como
instrumento norteador da assistência. Reforça ainda, entre outras ações, a necessidade de
fortalecimento da vigilância sanitária e do controle dos medicamentos (BRASIL, 2004).
Além do enfoque nos medicamentos, objeto dessas duas políticas, uma questão de grande
importância na Política Nacional de Medicamentos e na de Assistência Farmacêutica, é o
desenvolvimento e a capacitação de recursos humanos. Trata-se de um tema muito relevante,
visto que as políticas públicas são executadas por profissionais e esses precisam ser
valorizados e formados para que possam atender à população, em quantidade e qualidade
suficientes (SECRETARIA DE POLÍTICAS DE SAÚDE, 2000, BRASIL, 2004).
Para execução das políticas de saúde são necessários recursos financeiros, dessa maneira a
Portaria nº 204/GM, de 29 de janeiro de 2007 foi criada para organizar e categorizar os
recursos federais para as ações e serviços de saúde, em blocos de financiamento. O bloco da
Assistência Farmacêutica foi dividido em três componentes: básico, estratégico e de
medicamentos de dispensação excepcional, atual Componente Especializado (BRASIL,
2007).
2.4.2 Componente Especializado da Assistência Farmacêutica
O Componente Especializado da AF, o qual compreende os medicamentos de alto custo, nem
sempre teve essa denominação. Nos anos 70, já havia a aquisição de medicamentos de alto
custo pelo Poder Público, a qual era feita pela chamada Central de Medicamentos (CEME),
para atender as demandas advindas do Instituto Nacional de Assistência Médica da
Previdência Social (INAMPS). No ano de 1982, por meio da Portaria MPAS/MS/MEC nº 03,
de 15 de dezembro, o Ministério da Saúde definiu que os medicamentos de alto custo ou
excepcionais, seriam aqueles adquiridos pelo governo, em caráter excepcional, com recursos
independentes dos destinados aos medicamentos essenciais, ou seja, da RENAME (SILVA,
2000; BRASIL, 2010b).
Após a criação do SUS e o fortalecimento do processo de descentralização das ações e
serviços de saúde, a dispensação dos medicamentos excepcionais passa a ser assumida pelos
Estados. A partir de 1993, grupos de pacientes passam a pressionar o poder público para que
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os medicamentos de que necessitavam fossem incorporados ao SUS. Assim, após 1995,
foram feitas atualizações nas listas de medicamentos excepcionais, além da elaboração de
critérios com o objetivo de aprimorar a dispensação desses medicamentos (BRASIL, 2010b).
Já em 23 de julho de 2002, com a Portaria GM N° 1318, o número de medicamentos
classificados como excepcionais foi aumentado e a lista passou a abranger um maior número
de doenças. Tal elenco ou conjunto de medicamentos foi denominado de Programa de
Medicamentos Excepcional. O programa constituía-se de vários procedimentos, os quais
compreendiam os medicamentos com sua respectiva indicação terapêutica, as quais eram
determinadas pela Classificação Internacional de Doenças (CID-10) (BRASIL, 2002;
BRASIL, 2010b).
A Portaria de 2002 determinou ainda, o valor do co-financiamento para os procedimentos
padronizados, a responsabilização dos Estados na aquisição dos medicamentos excepcionais e
que a dispensação dos medicamentos deveria ser feita com base nos Protocolos Clínicos e
Diretrizes Terapêuticas (PCDT), definidos pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2010b).
No ano de 2006, o Ministério da Saúde realizou uma revisão no Programa de Medicamentos
Excepcionais, a qual foi definida pela Portaria GM N° 2577 de 27 de outubro de 2006. A
revisão compreendeu a definição clara dos objetivos e responsabilidades dos Estados e da
União em relação ao Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional (BRASIL,
2006; BRASIL, 2010b).
Com o objetivo de aprimorar a Assistência Farmacêutica no que diz respeito aos
medicamentos de alto custo, foi publicada a Portaria GM N° 2981 de 26 de novembro de
2009. A Portaria aprovou o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF),
em substituição ao de Medicamentos Excepcionais, buscando garantir a integralidade do
tratamento medicamentoso, em nível ambulatorial, com base nos PCDT definidos pelo
Ministério da Saúde. Os PCDT foram elaborados com o propósito de estabelecer os critérios
de diagnósticos das doenças contempladas pelo CEAF, o tratamento com as adequações nas
doses dos medicamentos e o monitoramento clínico em relação à efetividade do tratamento e
a supervisão de possíveis efeitos adversos. Além disso, contempla a ética e técnica na
prescrição médica, com objetivo de garantir segurança e eficácia (BRASIL, 2009a; BRASIL,
2010b).
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Como a intenção do Componente Especializado é garantir o tratamento integral aos pacientes
que necessitam de medicamentos de alto custo, o Componente inclui 3 grupos de
medicamentos, inclusive contemplando medicamentos da Atenção Básica. Ao todo o CEAF é
composto por 147 fármacos, em 314 apresentações farmacêuticas, indicados para o tratamento
das diferentes fases evolutivas das doenças contempladas (BRASIL, 2010b).
2.5 A I�CORPORAÇÃO DE �OVAS TEC�OLOGIAS EM SAÚDE
As tecnologias em saúde são constituídas por medicamentos, equipamentos, procedimentos
técnicos, sistemas organizacionais, educacionais e de suporte, programas e protocolos
assistenciais, por meio dos quais a atenção e os cuidados com a saúde são prestados à
população (DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA, 2006).
É preciso compreender que a Avaliação de Tecnologias em Saúde é um processo amplo de
pesquisa investigatória dos efeitos clínicos, econômicos e sociais da utilização das tecnologias
em saúde, novas ou já existentes. Os principais parâmetros para sua análise são: a eficácia,
efetividade, segurança, riscos, custos, relações de custo-efetividade, custo-benefício e custo-
utilidade, equidade, ética, implicações econômicas e ambientais das tecnologias
(DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA, 2006).
A incorporação de novas tecnologias que não é feita de forma organizada e sistematizada e o
seu uso inadequado podem trazer problemas aos usuários do sistema de saúde. A tendência
atual é de que as novas tecnologias se juntem às existentes e não as substituam, o que torna
complexo a definição de uma tecnologia já obsoleta. Nesse caso, é preciso qualificar recursos
humanos para que as decisões sejam as mais acertadas possíveis para o SUS
(DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA, 2006).
No Brasil, para que um medicamento seja comercializado é necessária sua aprovação pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). No entanto, é preciso considerar que
uma vez aprovado não significa que o medicamento será incorporado imediatamente aos
programas de Assistência Farmacêutica do SUS (CHIEFFI e BARATA, 2010).
O Poder Público, por meio da Política de Assistência Farmacêutica, tem o papel de promover
o acesso aos medicamentos, mas para isso é necessário uma avaliação crítica da literatura
científica para determinar a qualidade, a força da evidência e seus limites. É importante que a
incorporação se paute pela necessidade e essencialidade para garantir a saúde coletiva e
individual, não sendo refém do mercado. A utilização de um medicamento de eficácia
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duvidosa pode ocasionar importantes efeitos adversos, riscos à vida das pessoas e,
adicionalmente, onerar o SUS (SANTOS, 2005, LOPES, et al, 2010).
Para Lopes (2010), fornecer medicamentos por imposição judicial com indicações não
aprovadas por agências reguladoras equivaleria a uma espécie de subsídio pelo SUS, ao
financiamento de pesquisas de interesses privados. Sob esse aspecto, a imposição judicial,
muitas vezes acaba por desconsiderar a existência da política pública e explicita que o direito
à saúde pode ser confundido com a oferta de qualquer medicamento pelo mercado. É
importante considerar que a definição de um elenco de medicamentos nos Programas de
Assistência Farmacêutica, com base em critérios aceitos cientificamente, mesmo que não
contemple todos os medicamentos disponíveis no mercado, não caracteriza a omissão da
garantia do direito à saúde (VIEIRA, 2007; VIEIRA e ZUCCHI, 2007).
Alguns problemas da gestão pública se tornam evidentes, como o uso de tecnologias que não
dispõem de eficácia comprovada; não apresentam efeitos (ou levam a efeitos adversos) e,
mesmo assim, continuam a ser utilizadas. Por outro lado, existem também as tecnologias
eficazes, mas que possuem baixa utilização. Diante disso, passa a ser fundamental que os
gestores disponham de informações consistentes sobre as vantagens das novas tecnologias em
saúde, o impacto financeiro sobre o orçamento público, para a tomada de decisão e
formulação de políticas de saúde adequadas. (DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA E
TECNOLOGIA, 2006).
2.5.1 Fármacos novos: inovação?
As definições de fármacos novos que serão apresentadas em seguida contemplam as novas
entidades moleculares ou químicas, que podem ser produtos inovadores, ou seja, tornam-se
uma nova classe farmacológica ou ainda fármacos adicionais a um grupo terapêutico também
denominados “me too” 4, ou seja, fármacos que não apresentam inovação. Além disso,
também foram considerados como fármacos novos aqueles que já estavam disponíveis, mas
que tiveram novas indicações ou novas associações com outros princípios ativos. Com essas
diferentes perspectivas, pode-se deduzir que fármaco novo não quer dizer, simplesmente,
inovação (BONFIM, 2006).
4 AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Posicionamento da Anvisa quanto ao registro de medicamentos novos considerados como me-toos. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/Anvisa+Portal/Anvisa/Inicio/Medicamentos/Publicacao+Medicamentos/Posicionamento+da+Anvisa+quanto+ao+registro+de+medicamentos+novos+considerados+como+me-toos. Acesso em: 24 de outubro de 2011.
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Koop (2004) conceitua inovação sob três aspectos: comercial, tecnológico e progresso
terapêutico, os quais se encaixam perfeitamente ao se analisar os fármacos e sua utilidade para
o SUS. De acordo com o autor, o conceito comercial, refere-se a qualquer produto novo,
incluindo-se também os denominados fármacos “me too”, obviamente os novos princípios
ativos, indicações e formulações se enquadram nesse conceito. O tecnológico significa
qualquer inovação industrial como o uso de biotecnologia, introdução de um novo sistema de
liberação de fármaco e a seleção de isômero ou metabólitos. O progresso terapêutico
corresponde a um novo tratamento que acrescenta benefícios para os pacientes em
comparação com as opções existentes. O autor aponta que, para a indústria farmacêutica é
interessante obscurecer a distinção entre os três aspectos da inovação, para aprovar os
fármacos novos nas agências reguladoras, sob alegação de avanço terapêutico e necessidade
absoluta.
Arias (1999) define fármaco novo como o que não foi registrado ou lançado no mercado, em
determinado país com finalidades médicas. Em sua definição, incluiu novos sais de uma
substância ativa, novas combinações de substâncias que já estão no mercado, ou qualquer
produto farmacêutico anteriormente registrado quando suas indicações de uso, modo de
administração ou fórmula tenham sido modificadas.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), por meio da Resolução N° 136, de 29
de maio de 2003, caracteriza fármaco novo como resultante de alteração de propriedades
farmacocinéticas, produto que teve componente ativo já registrado retirado e sais novos,
isômeros, embora a entidade molecular correspondente já tenha sido autorizada. É importante
ressaltar que não há um conceito ou definição exata de “fármaco novo”, apenas uma
caracterização dos produtos novos. Em consulta ao sítio eletrônico da ANVISA, não foi
encontrada uma definição específica, o mais próximo é a caracterização apresentada na
Resolução supracitada (ANVISA, 2003).
Fármacos novos são lançados no mercado com preços superiores às farmacoterapias
existentes, freqüentemente sem agregar benefícios terapêuticos aos pacientes. Conforme
apontado por Vidotti et al (2008), no Brasil, entre 2000 e 2004, 109 medicamentos foram
registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), sendo que
aproximadamente 40% não possuíam inovação em relação aos medicamentos já disponíveis,
segundo classificação do Food and Drug Administration (FDA). Nenhum dos medicamentos
estava incluído na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), ou seja, não
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satisfaziam às necessidades prioritárias de saúde da população, conforme definição da
Organização Mundial de Saúde (OMS) (OMS, 2002; VIDOTTI, 2008).
Para Angell (2008) o número de fármacos novos tem aumentado, mas poucos são inovadores,
a grande maioria é uma variedade dos antigos e muitos me-too drugs (drogas com efeitos
idênticos as já registradas, sem avanço terapêutico). Entre 1998 e 2002, aprovou-se 415
fármacos novos, dentre esses 133 (32%) foram classificados como novas entidades
moleculares e os demais eram apenas variantes dos fármacos antigos. No grupo dos 133
fármacos, de acordo com o Food and Drug Administration (FDA), 58, foram classificados
para revisão prioritária, ou seja, representavam melhoria significante comparada aos fármacos
presentes no mercado, no que tange ao tratamento, diagnóstico ou prevenção de uma doença.
A média de fármacos inovadores pela agência de regulação americana, para o período de
1998-2002 foi de 12 produtos/ano, o que representaria um número em torno de 60 produtos
inovadores (14,5%), entre os 415 fármacos novos aprovados. Nesse caso, o cálculo da média
acaba favorecendo a análise, pois em 2001-2002, foram apenas 7 fármacos inovadores.
Moulds (2004) ainda sinaliza que se torna “fé” na medicina moderna a necessidade por novos
produtos farmacêuticos para tratar a maioria das doenças. Isso porque ninguém conseguiria
prever a repercussão de fármacos antigos quando esses eram novos, casos da penicilina e
outros antibióticos, anti-hipertensivos betabloqueadores, antagonistas H2 e antiinflamatórios
não- esteroidais que modificaram a prática clínica e continuam amplamente utilizados. Apesar
desses exemplos, o autor considera difícil imaginar a repercussão dos últimos fármacos novos
e que apenas o tempo poderia mostrar se a “fé” nesses fármacos foi correta. Nesse sentido, o
autor destaca que a concessão de patente deveria ser dada somente para inovação verdadeira,
o autor considera que o fato dos fármacos novos serem apontados como melhores, faz com
que a proteção de patente seja concedida para produtos comuns.
Em oposição, Whitworth (2004) aponta a dificuldade de se concluir que não houve
importantes avanços nos últimos vinte anos. Além das estatinas e anti-retrovirais, que são de
extrema relevância, temos como exemplos, inibidores de protease, vacinas contra hepatites,
eritropoietina, entre outros, além de novas indicações para fármacos antigos que representam
avanços terapêuticos, como por exemplo, antibióticos para tratamento da úlcera péptica. O
autor ainda destaca que ao se desenvolver um fármaco, suas indicações finais podem não ser
reconhecidas e com base no estudo do genoma humano, novos alvos para os fármacos podem
ser descobertos.
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Apesar de existirem tais possibilidades é imprescindível considerar os gastos com fármacos
novos. As indústrias farmacêuticas justificam os preços elevados das novas tecnologias com
base nos gastos com pesquisa e desenvolvimento (P&D), o qual representa pequena parte do
orçamento quando considerado isoladamente. Freqüentemente os gastos com P&D são
declarados em conjunto com outras despesas, como o “marketing mascarado” nos estudos de
fase IV conduzidos principalmente para familiarizar o médico e pacientes aos novos
medicamentos. Estima-se que os laboratórios em 2001 gastaram 30% da receita com
marketing, em contrapartida, no ano 2000, as dez maiores empresas americanas do ramo
investiram apenas 14% dos lucros em P&D (ANGELL, 2008).
A indústria faz a apresentação de suas novidades terapêuticas como se fossem verdadeiros
fármacos inovadores que inauguram uma classe terapêutica, no entanto muitas vezes tratam-
se somente de produtos adicionais a uma classe farmacológica, com valor terapêutico
questionável (BONFIM, 2006).
2.5.2 Regulação sanitária e registro de fármacos
O tratamento farmacológico que é definido por um prescritor, seja ele um médico ou dentista,
leva o paciente a consumir um fármaco que não pode ser considerado um produto qualquer. A
relação prescritor-paciente pode se transformar em determinadas situações no binômio
incentivador do consumo-consumidor. Teoricamente, o paciente como consumidor indicaria
que esse se encontra informado sobre o produto que consome e dessa maneira teria
possibilidade de escolher entre os medicamentos disponíveis para tratar seu problema de
saúde. No entanto, uma particularidade do setor saúde é a inexistência de capacidade do
paciente/consumidor em tomar a melhor decisão sobre o tratamento necessário. Assim, a
prescrição representa a definição do que deve ser consumido. Dessa maneira, surge à
necessidade da regulação sanitária dos fármacos, para garantir a qualidade, eficácia e
segurança dos produtos farmacêuticos (CAMPOS e ALBUQUERQUE, 1999; OMS, 1999;
INTERNATIONAL SOCIETY OF DRUG BULLETINS, 2001; BONFIM, 2006).
Crout (1998) apontou que as principais características da regulação farmacêutica, desde a
criação da Organização Mundial de Saúde até o final dos anos 80, foram: adoção mundial de
padrões éticos na condução da pesquisa clínica; ensaios clínicos controlados;
desenvolvimento da notificação espontânea de reações adversas a fármacos; adoção de boas
práticas de produção e o estabelecimento de uma similaridade internacional quanto às
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31
exigências de regulação. O autor destaca que de forma lenta mais consistente, os ensaios
clínicos controlados tornaram-se o padrão científico para avaliação de novos fármacos.
As etapas da regulação sanitária de fármacos, de modo simplificado, vão da autorização de
funcionamento e inspeção das indústrias farmacêuticas, ao registro dos produtos e a vigilância
em relação às reações adversas (WIENIAWSKI, 2001; BONFIM, 2006).
Bonfim (2006) destaca que existe um sigilo excessivo na regulação dos produtos
farmacêuticos, no caso do Brasil. Após a instituição da ANVISA, é possível perceber que a
regulação é direcionada em primeiro plano para o paciente e a sociedade como um todo. No
entanto, ainda é necessário maior esforço para que se tenha acesso público às informações
técnicas necessárias ao registro dos fármacos novos. Tal fato pode ser decorrente de não estar
previsto na principal legislação sanitária relacionada a fármacos (Lei N° 6360, de 23 de
setembro de 1976), normas que determinem o acesso a tais documentos (BRASIL, 1976).
Com vistas ao acesso público aos dados clinicamente relevantes da indústria farmacêutica,
Herxheimer (2004) questiona que a competição das indústrias privilegia as que guardam
informações importantes sobre os aspectos clínicos dos fármacos novos. Mesmo que esses
possam representar riscos para a saúde da população, se houver a possibilidade de prejuízo
comercial para a indústria, essa informação é mascarada. Tal fato demonstra a falta de
interesse com a melhoria da saúde da população e uma valorização extrema dos aspectos
comerciais. Sobre tal aspecto, o autor considera que apenas detalhes da produção e das
formulações farmacêuticas deveriam ser sigilosas, mas métodos de ensaios clínicos e seus
resultados deveriam ser de livre acesso.
A regulação dos fármacos teoricamente apresentaria quatro dimensões: elementos
administrativos (fatores de consumo, política, legislação, normas, estrutura organizacional das
agências de regulação); funções de regulação (autorização de funcionamento dos
estabelecimentos farmacêuticos, avaliação de produtos e registro, controle de qualidade,
produção e propaganda dos fármacos e vigilância sobre as reações adversas); elementos
técnicos (padrões, normas, diretrizes, especificações e procedimentos para a regulação) e as
instâncias de regulação (estrutura política e organizacional dos países nos entes federativos
que norteiam o modo de executar a regulação) (RATANAWIJITRASIN;
WONDEMAGEGNEHU, 2002).
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Um ponto relevante da regulação, com crescente importância nos sistemas de saúde, é a
avaliação do custo-efetividade para registro de fármacos novos. Tal aspecto seria a “quarta
barreira” (além da qualidade, eficácia e segurança) que as indústrias farmacêuticas precisam
“atravessar”, para mostrar as vantagens do seu novo produto para a autoridade reguladora que
determina o registro (TAYLOR, 2004).
É necessário que a ANVISA se estruture para regular com um enfoque que considere o custo-
efetividade. Tal estruturação poderá trazer benefício aos pacientes que recebem produtos no
Sistema Único de Saúde, tanto pelo Componente Especializado da Assistência Farmacêutica,
quanto via ações judiciais, visto que grande parte dos produtos fornecidos, especialmente no
segundo caso, nem sempre tem a utilidade alegada pelas indústrias. (BONFIM, 2006;
CHIEFFI e BARATA, 2010).
A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que a regulação de fármacos é um
instrumento básico para definir a Política de Medicamentos dos países. Contudo, é necessário
um Programa que assegure o acesso e garanta a qualidade dos produtos disponíveis. Para isso,
é fundamental a existência de indústrias farmacêuticas nacionais (BONFIM, 2006). Nesse
contexto, três componentes apontados pela OMS para a organização do mercado farmacêutico
devem sempre ser avaliados: o registro de produtos; a regulação da produção, importação e
distribuição; e a regulação da promoção dos produtos farmacêuticos e da informação
vinculada a tais produtos (OMS, 2004).
Um produto farmacêutico não deve ser ofertado sem o registro prévio e esse deve ser
renovado por períodos limitados, caso atenda a finalidade proposta. Para isso é necessário o
acompanhamento do uso, pela farmacovigilância. Nesse sentido, o registro de um fármaco
novo deve ser concedido com base em avaliação científica que considere: qualidade (pureza,
estabilidade, vida útil de armazenagem); segurança (sobretudo, por meio dos sistemas de
farmacovigilância posterior ao seu uso massivo); eficácia (estudos de custo-eficácia) e
provisão (avaliar se o produto farmacêutico pode estar disponível sem restrições no mercado
ou se necessita de prescrição médica especial, notificação das receitas, além de considerar as
informações que devem estar presentes na bula). As exigências, atualmente, para o registro
compreendem a realização de ensaios pré-clínicos em animais, ensaios clínicos em seres
humanos (fases 1, 2 e 3), conhecimento sobre a repercussão para o meio ambiente dos
produtos farmacêuticos e estudos de fase 4 (pós-registro, farmacovigilância) (BONFIM,
2006).
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2.5.3 Fármacos biológicos: produção e regulação na A�VISA
Nos anos 80 a terapia farmacológica passou a contar com um novo tipo de fármaco, tal
produto não era mais resultado de uma síntese química, mas originário de organismos ou
sistemas vivos, tratam-se dos fármacos biológicos. Entre os fármacos biológicos encontram-se
os anticorpos monoclonais, fármacos que são objeto do presente estudo. Esses são produzidos
por tecnologia de hibridação, camundongos são imunizados com antígenos selecionados, o
baço ou linfonodo é retirado e as células dos linfócitos B são separadas. As células B são
fundidas com mieloma compatível, esse foi selecionado por sua inabilidade de crescer em
meio suplementado com hipoxantina, aminopterina e timidina (HAT). Apenas mielomas que
foram fundidos com células B podem sobreviver em HAT. Os hibridomas, como são
chamados, expandem em cultura. Os hibridomas de interesse são selecionados pela técnica de
screening e então selecionados por diluição limitada. Os anticorpos monoclonais podem ser
usados diretamente como sobrenadantes ou fluidos ascíticos de forma experimental, mas para
uso clínico são purificados. Tais fármacos compreendem número expressivo de
biotecnológicos, com grande valor econômico e trazem o simbolismo de serem inovadores
(GONZÁLEZ, 2004; BRUNTON; CHABNER; KNOLLMAN, 2011).
A produção de novos anticorpos monoclonais tem aumentado muito nos últimos anos, alguns
já se encontram incorporados no SUS e fazem parte do Componente Especializado da
Assistência Farmacêutica (BRASIL, 2009a). A ANVISA por meio da RDC N° 55/2010, com
base em regulamentações e diretrizes internacionais, estabeleceu as normas necessárias para a
produção de medicamentos biológicos. Em um cenário em que a maioria das patentes desses
produtos está expirando, a RDC vem para atender à estratégia do governo brasileiro de
disponibilizar no mercado produtos biológicos com preços acessíveis, mas com a mesma
eficácia e qualidade do medicamento original. De acordo com a RDC, existem duas
categorias de produtos biológicos e biotecnológicos no Brasil, os inovadores, denominados
produtos biológicos novos e as cópias, denominadas produtos biológicos apenas. Os produtos
biológicos novos devem ser registrados pela via regulatória clássica, com apresentação de
dossiê completo: dados de produção, controle de qualidade e dados clínicos (Fase I, II e III) e
não clínicos. Para os produtos biológicos, ou seja, os produtos não inovadores existem duas
vias regulatórias possíveis para registro: a via de desenvolvimento por comparabilidade e a
via de desenvolvimento individual. Nestas duas vias é possível apresentar um dossiê de
registro com informações reduzidas.
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No Brasil, o uso de diferentes produtos biológicos (vacinas, bioterapêuticos, anticorpos
monoclonais e hemoderivados) tem cobertura assistencial do governo, por meio de programas
do Ministério da Saúde, e representam uma parcela significativa do orçamento destinado ao
setor Saúde. Os produtos bioterapêuticos representam somente 2% de todos os medicamentos
distribuídos pelo governo, no entanto, representam cerca de 40% do total gasto anualmente
pelo Ministério da Saúde com medicamentos. O governo brasileiro tem grande interesse em
produzir medicamentos biológicos com intuito de ampliar a disponibilidade dos produtos,
além de reduzir os custos para o fornecimento (ANVISA, 2011).
2.6 JUDICIALIZAÇÃO DA ASSISTÊ�CIA FARMACÊUTICA
Nosso país ainda sofre com muitos problemas de gestão da Assistência Farmacêutica nas três
esferas de governo. Tais percalços, juntamente com a constante pressão por incorporação de
novas tecnologias ao SUS, levam ao aumento no número de sentenças judiciais que obrigam o
fornecimento de medicamentos. Inicialmente ações judiciais pleiteando medicamentos para o
tratamento de HIV/AIDS predominavam, alguns estudos mostram que os primeiros registros
de mandados judiciais, foram em 1991, no Rio de Janeiro. Contudo, após 1999, houve
redução nos pedidos sobre tais medicamentos, surgindo outras condições patológicas
dominantes (MESSEDER, OSÓRIO DE CASTRO e LUIZA, 2005; BORGES e UGÁ, 2010;
LOPES, 2010).
Considerando o aspecto orçamentário, o atendimento dessas demandas judiciais não está
vinculado à Assistência, consequentemente recursos consideráveis são consumidos e causam
dificuldades na garantia da aquisição de medicamentos previstos na legislação e pactuados
nas Comissões Intergestoras. Um agravante desse quadro, é que muitas vezes, esses
medicamentos não são essenciais, conforme determina a Política Nacional de Medicamentos e
nem possuem segurança e eficácia garantidas (BRASIL, 2009b, LOPES, et al, 2010).
A atuação do Judiciário na tentativa de controlar uma omissão ou ilegalidade relacionada às
políticas públicas não é uma temática pacífica. O maior problema talvez não esteja no fato de
o Judiciário atuar, mas sim, no limite dessa atuação. Isso, porque, determinadas intervenções
podem algumas vezes prejudicar a política pública (CAMPOS, 2010).
2.6.1 Judicialização: exacerbação de gastos e descumprimento dos protocolos clínicos
Dados divulgados pelo Ministério da Saúde mostram que os valores gastos com ações
judiciais em 2007 ultrapassaram R$ 500 milhões, considerando as três esferas de governo.
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Somente a União, teve um aumento no valor anual gasto de R$ 188 mil em 2003 para R$ 52
milhões em 2008 (JUNGMANN, 2007; BRASIL, 2009b).
Lopes et al. (2010) mostram em seu estudo sobre medicamentos antineoplásicos, que para
atender pouco mais de 1.000 ações contra a Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo, nos
anos de 2006 e 2007, foram gastos cerca de R$ 40 milhões de reais. O gasto dessa secretaria
com os sete medicamentos que geram maior impacto econômico cresceu 120% de 2006 para
2007, o que seria explicado pelo aumento no número de ações judiciais. De acordo com o
estudo, esses sete medicamentos comprometeram R$ 30 milhões do orçamento estadual em
2007. Um agravante, tanto em termos orçamentários, quanto em relação à saúde pública, é
que R$ 7 milhões foram gastos com medicamentos que não apresentam evidência científica
para a prescrição. Os autores consideram que essa situação pode representar o entendimento
de que a assistência terapêutica integral seria o fornecimento de qualquer tipo de opção
terapêutica, independente de sua eficácia comprovada ou disponibilidade no SUS. Para
obscurecer ainda mais a situação, parte das demandas judiciais que apresentavam desacordo
com os protocolos vigentes foram advindas do SUS, ou seja, profissionais de saúde do próprio
Sistema seriam os supostos vilões.
2.6.2 Médicos, advogados e a indústria farmacêutica
Lopes, et al (2010) mostram em seu estudo que há uma concentração de pedidos judiciais e
administrativos para a Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo, originados por poucos
prescritores e advogados. Um dado alarmante é de que as prescrições de apenas 5
profissionais médicos resultaram em gastos R$ 7 milhões, em 2006 e 2007; ações impetradas
por 5 advogados levaram a um gasto de R$ 16 milhões.
Muitas ações judiciais têm como objeto medicamentos de alto custo, muitas vezes recém
lançados no mercado e não disponíveis no Brasil. Além disso, a indústria farmacêutica
promove um “lobby” com as associações de portadores de doenças crônicas e propaganda
intensa com os prescritores, que conduz a um pensamento de que os medicamentos novos são
imprescindíveis para os pacientes. Em muitas situações, os fármacos, que possuem um custo
elevado, não são mais eficazes que outros de custo inferior, indicados para a mesma doença
(CHIEFFI e BARATA, 2010).
Algo assustador é que várias entidades brasileiras de defesa de pacientes acometidos por
doenças que possuem um tratamento com custo elevado, têm financiamento da indústria
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farmacêutica, a qual visa incluir seus medicamentos no SUS. Existem denúncias de que uma
organização sediada em São Paulo, a qual representa pacientes com linfoma e leucemia, teria
recebido R$ 1,5 milhões de oito multinacionais em 2007 (COLUCCI e WESTIN, 2008).
Chieffi e Barata (2010) apontam ainda, sobre a perspectiva de influência da indústria
farmacêutica, que um modo de investigar uma possível “especialização” com as ações
judiciais seria analisar os processos, com relação à distribuição dos agentes ajuizadores das
ações e dos prescritores. Em 2006, estudos realizados em São Paulo e Minas Gerais
mostraram uma concentração de pedidos judiciais de adalimumabe e etanercepte (na época
não incorporados ao SUS) por um grupo reduzido de prescritores e advogados. Ao final de
2006 os medicamentos foram incorporados. Esses resultados ainda sugerem relações
inapropriadas entre esses profissionais e os laboratórios farmacêuticos, descaracterizando a
garantia do direito à saúde como motivação prioritária das ações judiciais (MACHADO,
2011).
Essa possível associação entre advogados, médicos e indústria farmacêutica, tem favorecido o
lucro das indústrias. Os fármacos adalimumabe e etanercepte geraram um aumento nos gastos
para o Estado de São Paulo, de 2004 a 2006, na ordem de R$ 35 milhões e R$ 26 milhões,
respectivamente. Ao final do ano de 2006, esses fármacos foram incorporados pelo Ministério
da Saúde ao Programa de Medicamentos de Dispensação Excepcional (atual Componente
Especializado). Foi observado um aumento das demandas judicias por esses medicamentos no
período que antecedeu a incorporação no SUS. Esse incremento nas ações poderia ser uma
estratégia da indústria farmacêutica para introduzir medicamentos nas listas do SUS
(DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA, 2006, CHIEFFI e BARATA, 2010).
2.6.3 Panorama atual
O fato de o Brasil possuir um sistema de saúde público com atenção universal, que busca
ações e serviços de saúde que atendam a todas as demandas da população, impulsiona o
mercado de produtos farmacêuticos, muitas vezes, independentemente dos custos para o
sistema. A indústria farmacêutica se aproveita disso e amplia seu mercado, tendo como foco
um grande comprador, o governo, em suas esferas municipal, estadual e federal, o que
possibilita a introdução freqüente de inovações (CHIEFFI e BARATA, 2010).
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A atribuição da saúde como direito universal e a responsabilidade do Estado na garantia, são
os principais meios utilizados para justificar as ações judiciais que buscam a obtenção de
medicamentos não padronizados pelo SUS (SANTOS, 2006).
Uma grande parcela das demandas judiciais tem como objetivo solicitar medicamentos não
incorporados pelo SUS, ou seja, que não têm sua dispensação prevista pelos programas de
Assistência Farmacêutica. Porém, existem casos em que o tratamento para a doença do
solicitante em questão, está previsto, com protocolos clínicos bem definidos e oferece
alternativas terapêuticas (VIEIRA e ZUCCHI, 2007; CHIEFFI e BARATA, 2010).
As políticas de saúde que são bem planejadas resultam em eficientes ações de promoção e
prevenção à saúde, as quais configuram a medicina preventiva. Em oposição, na medicina
curativa, as ações se pautam, principalmente, nos tratamentos com excessiva importância para
os medicamentos na assistência à saúde. Nesse contexto e para não ocorrer uma compreensão
equivocada de que os medicamentos são a única solução para os problemas de saúde, surge a
necessidade de qualificação técnica para tratar as demandas judiciais (LOPES, et al, 2010).
Lopes, et al (2010) apontam que no contexto da judicialização exige-se uma capacitação dos
profissionais para selecionar adequadamente os fármacos e escolher a conduta terapêutica
adequada para a situação clínica. O Poder Judiciário deve ser embasado com justificativa da
escolha de determinado medicamento, além de informações clínicas sobre o estado de saúde
dos pacientes, para que seja avaliado o pleito e tenha-se uma decisão judicial adequada no
fornecimento pelo SUS.
Diante desse cenário o presente estudo utiliza como objeto as ações por anticorpos
monoclonais, para buscar um maior conhecimento sobre a judicialização da saúde em Minas
Gerais.
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3 OBJETIVOS
3.1 OBJETIVO GERAL
Descrever o perfil das ações judiciais impetradas contra a Secretaria de Estado de Saúde de
Minas Gerais (SES-MG) no período de 1999 a 2009, em que houve solicitação de anticorpos
monoclonais.
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Caracterizar as ações judiciais por anticorpos monoclonais impetradas contra a
Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, entre 1999 a 2009;
• Caracterizar o perfil dos anticorpos monoclonais requisitados, baseado na
Classificação ATC (Anatomical Therapeutic Chemical)5 da Organização Mundial de
Saúde;
• Descrever o perfil das doenças relacionadas aos pedidos dos anticorpos monoclonais,
com base na Classificação Internacional de Doenças (CID-10);
• Comparar aspectos da regulação dos fármacos estudados na ANVISA e nas principais
agências reguladoras mundiais;
• Fazer um levantamento histórico das ações judiciais e do processo de incorporação
dos anticorpos monoclonais no Componente Especializado da Assistência
Farmacêutica;
• Discutir a possível relação da indústria farmacêutica com a incorporação de fármacos
por meio da Judicialização da Saúde;
• Destacar a possível relação entre prescritores, representantes judiciais nas ações por
anticorpos monoclonais;
5 World Health Organization. Collaborating Centre for Drug and Statistics Methodology. Anatomical Therapeutic Chemical Classification. Disponível em http://www.whocc.no/atc_ddd/.
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4 METODOLOGIA
4.1 DESE�HO
Trata-se de um estudo descritivo retrospectivo. Os dados utilizados relacionaram-se às ações
judiciais impetradas contra a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES/MG), nas
quais foram solicitados medicamentos da classe dos anticorpos monoclonais.
4.2 PERÍODO
O período considerado para a análise das ações impetradas contra a SES/MG é de 22 de
outubro de 1999 a 20 de outubro de 2009.
4.3 POPULAÇÃO E CRITÉRIOS DE ELEGIBILIDADE
A população do estudo não é constituída por indivíduos, mas pelas ações impetradas contra a
SES/MG, no período estabelecido, solicitando os medicamentos supracitados.
Os critérios de elegibilidade foram: ações com solicitação de anticorpos monoclonais, as
quais apresentavam apenas um beneficiário, um médico prescritor e um representante judicial.
4.4 OBTE�ÇÃO DOS DADOS
No período de fevereiro a novembro de 2