ARTISTICO-LITERÁRIA COM UM ESTUDO NO BRASIL...
-
Upload
truongthuan -
Category
Documents
-
view
216 -
download
0
Transcript of ARTISTICO-LITERÁRIA COM UM ESTUDO NO BRASIL...
Paacutegina 145 de 217
SOCIOLOGIA CRIacuteTICA
LETRAS ldquoSOCIAISrdquo SOBRE OS QUADROS SOCIAIS DA CRITIVIDADE
ARTISTICO-LITERAacuteRIA COM UM ESTUDO NO BRASIL
PIERFRANCO MALIZIAa
Resumo
Este trabalho parte de um tema de base e de uma hipoacutetese o tema consiste na ideacuteia
segundo a qual ndash sem aliaacutes nada tirar ao sistema ldquocompetecircncias-capacidades-
genialidadesrdquo que fazem de um artista um artista ou seja a individualidade a
subjetividade do artista e da sua criatividade etc ndash o mesmo artista pensa-age-cria em
uma sociedade na qual sofre um processo de socializaccedilatildeo da qual vive as instituiccedilotildees a
economia a poliacutetica etc na qual estabelesce relaccedilotildees duradouras A hipoacutetese consiste
entatildeo no fato que seja possiacutevel individuar os quadros sociais que tanto a apriori quanto
a posteriori orientam e influenciam a criatividade literaria e artistica em geral No acircmbito
de tal hipoacutetese os quadros sociais aqui propostos satildeo a)fatores estruturais b)fatores
ligados aos ldquociacuterculos artiacutesticosrdquo e relativos sistemas de relaccedilatildeo e interaccedilatildeo sociais como
os mundos artiacutesticos c)os condicionamentos provenientes das tradiccedilotildees d)fatores
ligados ao sistema da induacutestria cultural Por uacuteltimo quase como uma esemplificaccedilatildeoum
paraacutegrafo sobre um escritor e poeta ldquoabsolutamente social ldquo o brasileiro Aldir Blanc
Palavras-Chave Arte literatura sociedade criatividade induacutestria cultural rdquomundos
artiacutesticosrdquo
Abstract
a Phd em Sociologia da Cultura eacute professor de Sociologia no Departamento de Ciȇncias Economicas e
Politicas da Universidade LUMSA de Roma e visiting professor no ISCEM de Lisboa e na UNISINOS de
Porto Alegre Ersquo membro da Associaccedilatildeo Portuguesa de Sociologia e da AssociazioneItaliana di Sociologia
Atugravea principalmente nas areas das trasformaccediloes sociaisda produccedilao cultural e da comunicaccedilao
Publicouentre outrosos livros rdquoComunic-a-zionirdquo (Milano2006)ldquoAl pluralerdquo (Milano2008)rdquoPiccole
societagraverdquo (Roma2010)rdquoContesti e dinamicherdquo (Soveria Mannelli2011) ldquoUnir as forccedilasrdquo (BOCC-
Universidade da Beira Interior2011)ldquoUncertain outinesrdquo (Saarbruumlcken2012)rdquoMarcas da sociedaderdquo
(Curitiba2013)rdquoInto the boxrdquo (Saarbruumlcken2015) e artigos e papers publicados em revista cientiacuteficas em
Italia Portugal Brasil e EUA
Paacutegina 146 de 217
This paper starts from a basic theme and from an hypothesis the theme is the idea that ndash
without anything against the system ldquocompetencies ndash capacities ndash genialityrdquo that makes
an artist that means the individuality subjectivity of the artist and his creativity etc ndash
the same artist thinks ndash acts ndash creates in a society that suffers a process of socialization
where he lives the Institutions the economy politics etc where he establishes strong and
durables relationships The hypothesis consists in the fact that is possible to individuate
social frames that apriori and aposteriori orientate and influenciate the artistic creativity
and the literature in general In the framework of the hypothesis social frames here
proposed are a) structural factors b) factors linked with ldquosocial circlesrdquo (in this case
artistic) and related systems of relationships and social interactions such as the ldquoartistic
worldsrdquo c) the conditionings from traditions d) factors linked to the system of cultural
industry Finally almost as an example a paragraph on a writer and poet ldquoabsolutely
socialrdquo the Brazilian Aldir Blanc
Key Words Art literature society creativity cultural industryrdquoart worldsrdquo
1 Premissa
ldquoA criatividade eacute uma qualidade de definiccedilatildeo natildeo simples que tem a ver com a energia
a inteligecircncia a agressividade a ambiccedilatildeo a capacidade de pensar novos problemas e
encontrar novas soluccedilotildees para problemas antigos de mudar mentalmente de forma
inovadora elementos jaacute dados de simular rapidamente o resultado de cursos complexos
de acccedilatildeo de alcanccedilar razoavelmente e coerentemente objectivos estabelecidos de
sintetizar novas formas com base em elementos (informaccedilotildees) dados1rdquo
Provavelmente a caracteriacutestica mais significativa dos ldquocriativosrdquo consiste no ser capaz
de assimilar estiacutemulos que frequentemente natildeo concordam entre eles e com base nisto
produzir ldquoa novidaderdquo Esta capacidade combina-se com a tendecircncia a modificar
profundamente o existente esperando de poder antes ou depois obter alguma coisa uacutetil
que leve vantagem tudo isto de fato comporta coragem e esforccedilo natildeo indiferentes
A criatividade eacute alguma coisa dificilmente descritiacutevel de forma completa tanto para quem
cria quanto para quem quiser estudar as dinacircmicas e as formas eacute claro que isto vale
1 Cf Strassoldo R 2001 Forma e funzione Udine Forum p 94
Paacutegina 147 de 217
tambeacutem para um discurso como aquilo que vamos tentar desenvolver nas (poucas)
paacuteginas seguintes isto eacute como o ldquoser ndash em - sociedaderdquo dos literatos natildeo pode natildeo entrar
(provavelmente de forma mais substancial de quanto normalmente pensamos) no
processo criativo e influencia-lo de vaacuterias formas
Vamos tentar entatildeo de delinear algumas preacute-condiccedilotildees estruturais que podem fortemente
influenciar (em alguns casos talvez determinar) a criatividade artiacutestica poreacutem sem
diminuir as capacidades individuais isto eacute o que podemos romanticamente definir o
ldquogeacuteniordquo artiacutestico-literario uma loacutegica absolutamente significativa e que outras ciecircncias
comopor exemplo a psicologia cognitiva deveratildeo tentar de compreender e explicar
talvez parcialmente pela complexidade acima mencionada
Este trabalho quer simplesmente descrever alguns quadros sociais da criatividade
literaria sem ter pretensas de exaustividade com o uacutenico intento de reflectir ulteriormente
sobre a relaccedilatildeo ldquosociedade - actor social - literaturardquo
1Arte e sociedade
Hagrave uma longa serie de dificuldades conceituais e temaacuteticas que esta oportunidade
encontra no debate socioloacutegico Provavelmente hoje podemos enxergar uma inversatildeo de
tendecircncia (testemunhada por uma recente produccedilatildeo neste sentido) em particular no
acircmbito musical esta inversatildeo de tendecircncia eacute devida talvez ao desabrochar da sociologia
da cultura em todos seus componentes temaacuteticos e processuais em particular por quanto
concerne os grandes meios de comunicaccedilatildeo como ldquodifusoresrdquo eou ldquoprodutoresrdquo de
objectos culturais em diferentes acircmbitos a partir da Escola de Birmingham ateacute as mais
recentes pesquisas por fim tentativas sistemaacuteticas de grande interesse 2 3 e 4
Poreacutem quais dificuldades podem continuar obstaculizando uma sociologia da arte O
problema de fundo estaacute provavelmente na substancial pluri ndash dimensionalidade da mesma
arte5 e na consequente concentraccedilatildeo sobre uma ou outra dimensatildeo por um lado a
perspectiva ldquogeneacuteticardquo centrada na produccedilatildeo artiacutestica (tanto material quanto econoacutemica)
e os factores determinantes no processo produtivo pelo outro a dimensatildeo sintaacutectica que
2 Cf Ibid cit 3 Zolberg V 1994 Sociologia dellrsquoarte Bologna Il Mulino 4 Crane D 1997 La produzione culturale Bologna Il Mulino 5 Gallino L 1993 Dizionario di sociologia Torino UTET p 38-41
Paacutegina 148 de 217
privilegia a estrutura do discurso artiacutestico e a determinaccedilatildeo da apreciaccedilatildeo social ou aleacutem
disto a dimensatildeo semacircntica que leva de forma semi ndash uniacutevoca para a reflexatildeo sobre a
correspondecircncia ldquoformas de arte ndash tipologia de sociedaderdquo correspondecircncia
frequentemente extrema e que de qualquer forma auto explica-se por fim a dimensatildeo
pragmaacutetica que desenvolve principalmente o conceito de arte como ldquoferramenta
ideoloacutegicardquo para hipostasiar uma tal ordem social ou para discuti-lo Isto pertence agrave pluri
ndash dimensionalidade que pode de fato assumir-se como complexidade substancial para
uma sociologia da arte mas a arte natildeo eacute exclusivamente um fenoacutemeno complexo ldquodifiacutecilrdquo
de ser interpretado assim talvez o problema de uma sociologia da arte estaacute tambeacutem no
que Koumlnig escrevia haacute alguns anos atraacutes ldquoembora a maioria dos contributos e das
pesquisas de sociologia da arte assumam o fato social ldquoexperiencia artiacutesticardquo como ponto
de partida ou centro da proacutepria analise isto acontece digamos assim intuitivamente isto
eacute considera-se obvio o fato social sem se preocupar de circunscrevecirc-lo com precisatildeo de
clarifica-lo ou especifica-lo Eacute claro que por um tal caminho ingeacutenuo nascem umas
dificuldades e que para superaacute-las acaba se por explorar todos os sectores marginais de
pesquisa6rdquo
2 A produccedilatildeo artiacutestico-literaacuteria
Como evidencia Zolberg7 podemos constantemente encontrar duas concepccedilotildees da
produccedilatildeo literaria que sempre satildeo fundamentais para a constituiccedilatildeo do discurso
ldquoliteraturasociedaderdquo e que podemos sintetizar assim
CONCEPCcedilOtildeE
S
SIGNIFICADO PERTINEcircNCIA
ENDOacuteGENA Literatura como produto de uma
genialidade criativa unicidade do acto
Esteacuteticacriacutetica
literaria
Histoacuteria da literatura
EXOacuteGENA Literatura como processo de criatividade
social e de reconhecimento social
Sociologia da cultura
6 Cf Koenig R1964 SociologiaMilanoFeltrinelli p 31 7 Cf Zolberg Op cit
Paacutegina 149 de 217
Eacute claro que o posicionamento sobre uma ou a outra concepccedilatildeo possibilita ou natildeo a
configuraccedilatildeo de qualquer discurso social ao redor da arte aceitando a concepccedilatildeo
ldquoexoacutegenardquo muitos tractos de interesse socioloacutegico podem ser delineados tais como
a) A abordagem funcionalista que sugere varias funccedilotildees sociais da literatura a partir da
funccedilatildeo de ldquoidealizaccedilatildeordquo (sublimar os sentimentos) ateacute aquela de ldquodiversatildeordquo (ou loisir)
aleacutem disso ldquoquando considera-se a relaccedilatildeo artesociedade eacute preciso ter em mente que a
arte pode ter ao mesmo tempo uma funccedilatildeo de re ndash envio para uma dimensatildeo diferente
outra daquela social como fonte constante de criatividade inovaccedilatildeo expressiva e
contestaccedilatildeo das ordens constituiacutedos e uma funccedilatildeo celebrativa que tambeacutem confirma os
valores e as representaccedilotildees socialmente partilhadasrdquo8
b) A abordagem estrutural que considera todos os componentes da produccedilatildeo ndash fruiccedilatildeo da
literatura o que mostra uma notaacutevel possibilidade de diferentes momentos de estudo por
exemplo
- Os ldquoartistas (rol e status subsistemas culturais)
- O ldquomercadordquo (sistema buscaoferta sistemas de produccedilatildeo comercializaccedilatildeovenda)
- O ldquopuacuteblicordquo (consumo artiacutestico composiccedilatildeo soacutecio ndash cultural)
- As ldquopoliacuteticas publicasrdquo (intervenccedilotildees estaduais na literatura literatura e escola)
- O ldquostatus socialrdquo da arte ou seja a biparticcedilatildeo ldquoartes maiores (os ldquoclassicosrdquo) versus artes
minores (literatura de supermercadordquo valores sociais de reconhecimentoapreciaccedilatildeo)
3 A ldquocriatividaderdquo
A ldquocriatividaderdquo pode ser definida como um valor cultural e as culturas natildeo podem natildeo
considerar a necessidade de estruturar-se com modalidades e filosofias ldquoque encorajemrdquo
a criatividade a inovaccedilatildeo poreacutem a criatividade quando favorecida constitui uma
dinacircmica especiacutefica que para ser completamente realizada deveraacute excluir
8 Crespi F 1996 Manuale di sociologia della cultura Bari Laterza
Paacutegina 150 de 217
comportamentos ldquoante - criativosrdquo como as formas de controlo social as especializaccedilotildees
vivenciadas rigidamente e elevadas a barreiras sociais o favorecer formalmente as novas
ideias sem realiza-las efectivamente o seguir ldquosempre e de qualquer formardquo as regras e
tradiccedilatildeoA implantaccedilatildeo e o desenvolvimento da ldquocriatividade como valor e praacuteticardquo nos
sistemas sociais de forma difusa representa assim uma dinacircmica processual complexa
que diz respeito ao ldquosistema em sirdquo (que refere-se globalmente ao sistema social onde
cada alteraccedilatildeo individual eou parcial produz uma cadeia de alteraccedilotildees globais) agrave
ldquoculturardquo (que refere-se agrave uma potencial alteraccedilatildeo de valores haacutebitos tradiccedilotildees etc
existentes que especialmente onde as culturas satildeo fortes quanto ao seu ldquovivenciadordquo e
compartilhamento iraacute precisar de um adequado processo de inculturaccedilatildeo ao menos
temporalmente para realizar-se de forma completa) ao ldquosistema de decisatildeordquo (que
comporta uma loacutegica intencional na actividade de decisatildeo de criar continuamente e
incondicionadamente suporte para a criatividade que com certeza natildeo falta de obstaacuteculos
e que sempre precisa de recursos tambeacutem como jaacute consideramos com certeza natildeo eacute a ndash
conflitual)
A criatividade natildeo pode ser reduzida apenas ao ldquoflashrdquo do geacutenio mas consiste tambeacutem
na resultante de vaacuterios factores
a) Factores de contexto soacutecio ndash cultural
b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo
c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees artiacutesticas
d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo
Antes de desenvolver brevemente estes pontos devemos lembrar que esta teorizaccedilatildeo natildeo
diminui de alguma forma a ldquocapacidade individualrdquo do geacutenio poreacutem acrescenta algumas
conotaccedilotildees que derivam pelo simples fato de cada geacutenio nascer e actuar em uma
sociedade em uma cultura em uma altura histoacuterica etc vamos entatildeo examinar os pontos
acima elencados
a) Factores de contexto soacutecio ndash cultural
No desenvolvimento das teorias socioloacutegicas embora em diferentes momentos histoacutericos
ndash sociais e em ldquoescolas de pensamentordquo distantes podemos evidenciar dois momentos de
Paacutegina 151 de 217
elaboraccedilatildeo teoacuterica da assim chamada por Durkheim ldquoefervescecircncia socialrdquo9 isto eacute
situaccedilotildees de contexto que mais que outras facilitam processos de inovaccedilatildeo como a
ldquoanomiardquo de Merton10 e a ldquomorfogeneserdquo de Archer11 Segundo Merton12 ldquoa anomia
depende pela falta de integraccedilatildeo entre a estrutura social que define os status e os papeacuteis
dos sujeitos que agem e a estrutura cultural que define os objectivos a ser alcanccedilados
pelos membros da sociedade bem como as regras a ser respeitadas para alcanccedilar os
objectivos Acontece que as posiccedilotildees dos sujeitos que agem impeccedilam ndash lhe de alcanccedilar
os objectivos indicados pela cultura como as melhores (por exemplo segundo Merton o
objectivo da riqueza e do sucesso na sociedade norte-americana) atraveacutes dos meios
indicados pelas normas institucionais Poreacutem quando as primeiras resultam mais
importantes que as segundas temos um comportamento de inovaccedilatildeo13rdquo
Segundo Archer14 o conceito de ldquomorfogeneserdquo refere-se ldquoaos processos que tendem a
elaborar ou mudar a forma o estaacutedio do sistema hellip ao contraacuterio o termo ldquomorfostasirdquo
refere-se aos processos das trocas complexas entre o sistema e o ambiente que tendem a
conservar a manter uma forma hellip de um sistemardquo ldquoMorfogeneserdquo significa entatildeo uma
situaccedilatildeo social complexa que produz transformaccedilotildees e inovaccedilotildees e que por
consequecircncia com um assim chamado ldquoefeito dominordquo cria uma realidade complexa
onde o acto criativo possui potencialmente muitas possibilidades de se originar e
desenvolver de forma completa
b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo
Aleacutem da noccedilatildeo de contexto em geral devemos considerar a especifica influencia dos
ldquomundos artiacutesticosrdquo e dos ldquomercados artiacutesticosrdquo sobre o mesmo artista na verdade na
nossa opiniatildeo natildeo pode-se negar que as relaccedilotildees ldquoartistas - artistardquo (especialmente em
subsistemas fechados com uma forte interacccedilatildeo e com sistemas normativos ndash valorais
partilhados isto eacute verdadeiras sub ndash culturas) condicionem as escolhas e os percursos de
cada actor bem como as pressotildees do mercado e mais em geral as loacutegicas de atribuiccedilatildeo
9 Cf Durkheim E 1972 La scienza sociale e lrsquoazione Milano Il Saggiatore 10 Cf Merton R1992 Teoria e struttura socialeBolognaIl Mulino 11 Cf Archer M 1997 La morfologenesi della societagrave Milano Franco Angeli 12 Cf Merton Op cit p 190 13 Izzo A1991 Storia del pensiero sociologicoBolognaIl Mulino p 291 14 Cf Archer Op cit
Paacutegina 152 de 217
socioeconoacutemicas de valor (latu sensu) nunca iratildeo deixar indiferente o artista
Sintetizando o processo de criaccedilatildeo artiacutestica pode ser assim descrito
Becker15 insiste muito sobre a reciacuteproca influencia entre os artistas (independente pela
especifica arte praticada individualmente) enquanto comparticipantes de um ldquociacuterculo
artiacutesticordquo ldquoele comeccedila pela interacccedilatildeo microscoacutepica entre os participantes (submundos
artiacutesticos ndr) mudando-se gradualmente para modelos de associaccedilatildeo sempre mais
amplos que compreendem uma variedade de mundos artiacutesticos hellip os mundos onde os
artistas trabalham existem como culturas mais ou menos institucionalizadas que
normalmente tem pouco a ver as umas com as outras hellip Esta anaacutelise de subcultura
apresenta as artes como elas proacuteprias16rdquo Em outras palavras Becker vecirc a criaccedilatildeo artiacutestica
como
-resultante por praacuteticas colectivas geradas nos submundos da arte claramente sem excluir
as qualidades individuais
-influenciada por formas constantes e ldquointimerdquo de interacccedilatildeo social cultural em geral e
artiacutestica no especifico entre os artistas que reconhecem-se no mesmo submundo
c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees literaacuterias
As tradiccedilotildees cuja interessante etimologia oscila entre ldquoentregardquo e ldquoensinordquo assim
chamadas ldquomemoria colectiva canonizadardquo segundo Jedlovski e Rampazi (1991) podem
15 Cf Becker H 2004 I mondi dellrsquoarte Bologna Il Mulino 16 Cf Zolberg Op cit 138
PRODUTO
CONTEXTO
REDES DE INTEGRACcedilAtildeO
MICRO (mundos
artiacutesticos)
REDES DE INTEGRACcedilAtildeO
MESO(mercados
literarios)
ARTISTA
(personalidade status)
Paacutegina 153 de 217
ser definidas como ldquoos modelos de crenccedilas costumes valores comportamentos
conhecimentos e competecircncias que satildeo transmitidas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo por meio do
processo de socializaccedilatildeordquo17 Esta palavra vem depois ser utilizada para indicar tanto o
produto quanto o processo da produccedilatildeo cultural de transmissatildeoensino tiacutepico das mesmas
tradiccedilotildees As tradiccedilotildees constituem uma parte fundamental e um elemento distintivo da
identidade cultural do ldquopertencerrdquo e constituem tambeacutem um ponto de referecircncia
importante para a acccedilatildeo social em geral em particular suportando uma especiacutefica
tipologia weberiana de ldquoacccedilatildeordquo aquela ldquoconforme haacutebitos adquiridos e que viraram
constitutivos do costume a reacccedilatildeo aos estiacutemulos habituais em parte absolutamente
limitativos a maioria das acccedilotildees da vida quotidiana eacute ditada pelo sentido das tradiccedilotildees18rdquo
Sendo elementos distintivos da cultura as tradiccedilotildees tomam valores endoacutegenos (de auto
reconhecimento) e tambeacutem exoacutegenos (de identificaccedilatildeo) para os grupos sociais que
referem-se agrave estes valores
O sistema das tradiccedilotildees pode ser interpretado como uma verdadeira instituiccedilatildeo social no
sentido de ldquoforma de crenccedila de acccedilatildeo e de conduta reconhecida estabelecida e praticada
estavelmenterdquo bem como no sentido de ldquopraacuteticas consolidadas formas estabelecidas de
proceder caracteriacutesticas de uma actividade de grupo19rdquo
O sistema total das tradiccedilotildees respeito agrave uma ideia de continuum cultura ndash subculturas
(locais profissionais de genro) pode depois ser dividido em grandes e pequenas
tradiccedilotildees isto eacute a complementaridade a coexistecircncia entre
a) Traccedilos ligados com especificas comunidades participantes de um sistema social mais
amplo traccedilos mais difundidos gerais ou comuns
b) Divisotildees existentes entre culturas oficiais e culturas folk20 coexistecircncia e
complementaridade que viram substanciais em uma continuidade de reinterpretaccedilotildees
frequentemente constituiacutedas por descobertas reavaliaccedilotildees esquecimentos
As tradiccedilotildees podem ter um valor mais conservador ou de conservaccedilatildeo isto eacute podem ser
um veiacuteculo para as inovaccedilotildees e as mudanccedilas bem como fornecer um suporte para
17 Cf Seymour-Smith C 1991 Dizionario di antropologia Firenze Sansoni p 203-411 18 Morra G 1994 Propedeutica sociologica Bologna Monduzi p 96 19 Cf Op cit Gallino p 388 20 Cf Id p 189
Paacutegina 154 de 217
processos de mudanccedila social natildeo alienadosalienantes a assim chamada ldquoreferecircncia agraves
tradiccedilotildeesrdquo pode ter o duplo significado de
a) Entrincheiramento ao passado de forma total e absolutamente natildeo elaacutestica preliminar
e dominante contra tudo que apareccedila (o seja percebido) novo
b) Conservar uma especificidade cultural que facilite em lugar de contrastar cada input
internoexterno de mudanccedila e consiga homogeneizar seus efeitos com os proacuteprios
especiacuteficos traccedilos culturais
Portanto onde as tradiccedilotildees artiacutesticas resultam ldquopesadasrdquo isto eacute influenciam uma
criatividade principalmente ldquoproblem solverrdquo a criatividade artiacutestica em geral seraacute
certamente e discretamente condicionada e as formas ldquoproblem finderrdquo que poderatildeo
manifestar-se seratildeo limitadamente praticadas pelos outsiders21
4 Ainda sobre a criatividade ldquotipos ideaisrdquo
Ainda Zolberg22 (cit cap IV) reflectindo dobre diferentes pesquisas no acircmbito da
produccedilatildeo artiacutestica faz uma hipoacutetese de dois ideais tipos weberianos de artistas diferentes
quanto agrave abordagem ao problema Segundo esta hipoacutetese podemos distinguir artistas
ldquoproblem solverrdquo e ldquoproblem finderrdquo os primeiros prestam atenccedilatildeo agrave produccedilatildeo artiacutestica
existente individuando diferentes modalidades de expressatildeo os segundos investigam
principalmente novas problemaacuteticas eou necessidades artiacutestico-literarias Ambas as
tipologias podem de qualquer forma trabalhar segundo loacutegicas mais tradicionais ou
inovadoras Estes ldquoideal-tiposrdquo podem ser assim representados
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
James Joyce)
Redescoberta criativa com novos
significados (ex os ldquominimalistasrdquo)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo (ex
a ldquobeat generationrdquo)
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Gabriel
Garcia Marquez)
21 Cf Becker H 1991 Outsiders Torino Abele 22 Cf Zolberg Op cit
Paacutegina 155 de 217
Ou falando em literatura brasileira
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
Manuel Bandeira)
Redescoberta criativa com
novos significados (exClarice
Lispector)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo
(exJoseacute Lins do Rego )
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex
Jorge Amado)
Ou ainda falando em teatro brasileiro
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
Oswald de Andrade)
Redescoberta criativa com
novos significados (exNelson
Rodrigues)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo
(exTeatro Arena)
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Dias
Gomes)
E afinal falando de formas de poesia para musica (na MPB)
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo
(exLetristaspoetas da rdquoBossa
novardquo)
Redescoberta criativa com
novos significados (exMoacir
Luz23)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo (ex
Seu Jorge)
Seguidores da tradiccedilatildeo
(ex Paulinho da Viola)
d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo
Quais satildeo as loacutegicas os mecanismos os actores da induacutestria cultural Podemos fazer uma
hipoacutetese de modelo explicativo (embora bastante geral) sobre o que acontece hoje em
uma situaccedilatildeo caracterizada por fenomenologias incertas onde alguns ldquoobjectos24rdquo fazem
23 Luz M(1995)Vitoacuteria da ilusatildeoRio de JaneiroMaracujazz Produccedilotildees 24 Cf Gardiner H 1991 Formae Mentis Milano Feltrinelli p 26-29
Paacutegina 156 de 217
carreira e sendo ldquofuncionaisrdquo viram ldquoculturaisrdquo nas suas esferas de referecircncia ou em
uma geral ldquoconcepccedilatildeo do mundordquo O assim chamado ldquomodelo de Hirsch25 Sciolla26 e
obviamente Hirsch27 parece colectar muito consenso ldquoHirsch28 realizou um esquema das
relaccedilotildees entre os diferentes subsistemas existentes no sistema por ele mesmo definido
sistema da induacutestria cultural que descreve o conjunto de organizaccedilotildees que produzem
artigos culturais de massa como discos livros programas da televisatildeo e da raacutedio Neste
esquema os media representem um subsistema entre os outros A organizaccedilatildeo ldquode
gestatildeordquo por exemplo para alcanccedilar os mass media fornece informaccedilotildees sobre o produto
(filtro 2) Estas notiacutecias satildeo utilizadas pelo sistema institucional nos media (gatekeepers
mediais) Neste espaccedilo de intermediaccedilatildeo surgem possibilidades de relaccedilotildees pouco
transparentes quando natildeo de corrupccedilatildeo O puacuteblico conhece o novo produto atraveacutes dos
media Temos por fim dois tipos de feedback o primeiro vem dos medias o segundo
dos consumidores mensurado pelas vendas de bilhetes discos livros29rdquo
O modelo pode ser assim configurado
Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3
Feedback
A figura representa a configuraccedilatildeo tradicional do modelo poreacutem sendo um ldquomodelordquo
natildeo deve ser utilizado de forma riacutegida mas sim como principalmente indicador de um
processo complexo Assistimos hoje por meio e causa das redes a jaacute conhecidas
alteraccedilotildees deste andamento processual os claacutessicos exemplos satildeo aqueles criativos (em
particular da literatura) que entram directamente atraveacutes da web no sistema dos media
propondo suas criaccedilotildees e quase ldquoimpondo-ardquo para o publico sem os tradicionais filtros de
25 Cf Ibid p 40 26 Cf Sciolla L 2002 Sociologia dei processi culturali Bologna Il Mulino p 216-217 27 Cf Hirsch PM 1972 Processing fods and fashion in Annual Journal of Sociology77 p 20-34 28 Cf Ibid 29 Cf Sciolla Op cit p 216
SUBSISTEMA TEacuteCNICO
(criadores)
SUBSISTEMA
INSTITUCIONAL
(media)
SUBSISTEMA DE
GESTAtildeO
(organizaccedilotildees)
CONSUMO
(sociedade)
Paacutegina 157 de 217
subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de
Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim
configurado
Filtro 1 Filtro 2
Feedback
Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa
tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer
sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem
Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas
eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de
Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do
sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material
ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma
completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as
objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem
destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao
menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto
de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na
divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32
30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212
SUBSISTEMA
COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO
(sociedade ldquoem rede)rdquo
SUBSISTEMA TEacuteCNICO
(criadores)
SUBSISTEMAS DE
GESTAtildeO
(organizaccedilotildees)
SUBSISTEMA
INSTITUCIONAL
(media)
II deg CONSUMO
(sociedade)
Paacutegina 158 de 217
5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc
51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo
As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade
cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo
o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso
tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de
fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas
fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo
acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora
efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais
ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os
ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se
evidencia nas cidades
A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse
sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se
localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e
contraditoriedade
A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como
resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos
como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos
contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos
A cidade pograves-moderna
- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma
finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos
fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer
forma ldquoprivadosrdquo
- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma
expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo
holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta
e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas
Paacutegina 159 de 217
portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de
construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como
as conhecemos
- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no
ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco
significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar
o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural
condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo
riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos
E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um
estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos
organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras
a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um
produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de
comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na
cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente
urbanos
Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares
urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se
multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes
permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de
relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas
vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo
das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-
gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e
certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada
no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza
em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo
mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto
social
Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada
substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave
Paacutegina 160 de 217
individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos
encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a
um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os
ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma
propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute
verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas
vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira
compensativos de uma atomizaccedilatildeo social
52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo
Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita
permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees
sentimentos paixotildees no bem e no mal
E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto
de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares
especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao
mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros
termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia
narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela
do brasileiro Aldir Blanc
Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja
um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma
capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em
ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal
ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem
contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e
envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a
ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso
fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se
e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado
e de alta capacidade descritiva
Paacutegina 161 de 217
Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso
humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do
grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor
de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um
estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo
Pereira33rdquo
Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-
cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse
texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-
termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta
da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo
segundo Caymmi34
Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas
de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros
e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou
mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais
Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir
Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura
como
a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades
da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees
de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a
cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei
com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha
cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa
b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam
toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na
calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)
33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir
34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2
Paacutegina 162 de 217
Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito
igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da
Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)
Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa
pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir
eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve
ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense
pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa
momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e
anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua
dos artistas e transversais
c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como
Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira
aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos
cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta
braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra
Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula
sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila
Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-
rosa o embaixadorrdquo)
d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa
quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em
Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do
Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo
letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma
trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e
irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou
Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao
apogeurdquo)
e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e
transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente
comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda
Paacutegina 163 de 217
sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das
palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o
corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela
instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como
Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir
para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo
imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca
(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje
entatildeordquo)
f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que
enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma
dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas
particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute
entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um
camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime
ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em
Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo
descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me
chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo
importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na
inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor
simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas
ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma
especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um
ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais
recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de
Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas
testemunham isso
Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de
Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar
encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da
ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade
Paacutegina 164 de 217
igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar
contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes
Conclusotildees
Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado
sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute
que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na
sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais
(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas
mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que
orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e
portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo
ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos
CENTRO DO CORACcedilAtildeO
Deus desenhou meu coraccedilatildeo
De um jeito igualzinho
Ao velho Centro do Rio
Satildeo tantos pontos de luz
Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa
Da Candelaacuteria
Eles percorrem minhas coronaacuterias
Vejam vocecircs
No carnaval o bonde 66
Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez
Tem condutor motorneiro
Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro
O nogueira e o velho Hermiacutenio
Num reduto biriteiro
Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo
De quebra me vende mais uma ilusatildeo
Paacutegina 165 de 217
Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor
Satildeo pontes de safena pra tamanho amor
Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou
Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu
vou
Bibliografia Consultada
1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees
2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord
3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata
4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees
5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras
6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo
Palumbo
7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco
8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura
9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium
10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos
11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli
12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando
13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand
Paacutegina 146 de 217
This paper starts from a basic theme and from an hypothesis the theme is the idea that ndash
without anything against the system ldquocompetencies ndash capacities ndash genialityrdquo that makes
an artist that means the individuality subjectivity of the artist and his creativity etc ndash
the same artist thinks ndash acts ndash creates in a society that suffers a process of socialization
where he lives the Institutions the economy politics etc where he establishes strong and
durables relationships The hypothesis consists in the fact that is possible to individuate
social frames that apriori and aposteriori orientate and influenciate the artistic creativity
and the literature in general In the framework of the hypothesis social frames here
proposed are a) structural factors b) factors linked with ldquosocial circlesrdquo (in this case
artistic) and related systems of relationships and social interactions such as the ldquoartistic
worldsrdquo c) the conditionings from traditions d) factors linked to the system of cultural
industry Finally almost as an example a paragraph on a writer and poet ldquoabsolutely
socialrdquo the Brazilian Aldir Blanc
Key Words Art literature society creativity cultural industryrdquoart worldsrdquo
1 Premissa
ldquoA criatividade eacute uma qualidade de definiccedilatildeo natildeo simples que tem a ver com a energia
a inteligecircncia a agressividade a ambiccedilatildeo a capacidade de pensar novos problemas e
encontrar novas soluccedilotildees para problemas antigos de mudar mentalmente de forma
inovadora elementos jaacute dados de simular rapidamente o resultado de cursos complexos
de acccedilatildeo de alcanccedilar razoavelmente e coerentemente objectivos estabelecidos de
sintetizar novas formas com base em elementos (informaccedilotildees) dados1rdquo
Provavelmente a caracteriacutestica mais significativa dos ldquocriativosrdquo consiste no ser capaz
de assimilar estiacutemulos que frequentemente natildeo concordam entre eles e com base nisto
produzir ldquoa novidaderdquo Esta capacidade combina-se com a tendecircncia a modificar
profundamente o existente esperando de poder antes ou depois obter alguma coisa uacutetil
que leve vantagem tudo isto de fato comporta coragem e esforccedilo natildeo indiferentes
A criatividade eacute alguma coisa dificilmente descritiacutevel de forma completa tanto para quem
cria quanto para quem quiser estudar as dinacircmicas e as formas eacute claro que isto vale
1 Cf Strassoldo R 2001 Forma e funzione Udine Forum p 94
Paacutegina 147 de 217
tambeacutem para um discurso como aquilo que vamos tentar desenvolver nas (poucas)
paacuteginas seguintes isto eacute como o ldquoser ndash em - sociedaderdquo dos literatos natildeo pode natildeo entrar
(provavelmente de forma mais substancial de quanto normalmente pensamos) no
processo criativo e influencia-lo de vaacuterias formas
Vamos tentar entatildeo de delinear algumas preacute-condiccedilotildees estruturais que podem fortemente
influenciar (em alguns casos talvez determinar) a criatividade artiacutestica poreacutem sem
diminuir as capacidades individuais isto eacute o que podemos romanticamente definir o
ldquogeacuteniordquo artiacutestico-literario uma loacutegica absolutamente significativa e que outras ciecircncias
comopor exemplo a psicologia cognitiva deveratildeo tentar de compreender e explicar
talvez parcialmente pela complexidade acima mencionada
Este trabalho quer simplesmente descrever alguns quadros sociais da criatividade
literaria sem ter pretensas de exaustividade com o uacutenico intento de reflectir ulteriormente
sobre a relaccedilatildeo ldquosociedade - actor social - literaturardquo
1Arte e sociedade
Hagrave uma longa serie de dificuldades conceituais e temaacuteticas que esta oportunidade
encontra no debate socioloacutegico Provavelmente hoje podemos enxergar uma inversatildeo de
tendecircncia (testemunhada por uma recente produccedilatildeo neste sentido) em particular no
acircmbito musical esta inversatildeo de tendecircncia eacute devida talvez ao desabrochar da sociologia
da cultura em todos seus componentes temaacuteticos e processuais em particular por quanto
concerne os grandes meios de comunicaccedilatildeo como ldquodifusoresrdquo eou ldquoprodutoresrdquo de
objectos culturais em diferentes acircmbitos a partir da Escola de Birmingham ateacute as mais
recentes pesquisas por fim tentativas sistemaacuteticas de grande interesse 2 3 e 4
Poreacutem quais dificuldades podem continuar obstaculizando uma sociologia da arte O
problema de fundo estaacute provavelmente na substancial pluri ndash dimensionalidade da mesma
arte5 e na consequente concentraccedilatildeo sobre uma ou outra dimensatildeo por um lado a
perspectiva ldquogeneacuteticardquo centrada na produccedilatildeo artiacutestica (tanto material quanto econoacutemica)
e os factores determinantes no processo produtivo pelo outro a dimensatildeo sintaacutectica que
2 Cf Ibid cit 3 Zolberg V 1994 Sociologia dellrsquoarte Bologna Il Mulino 4 Crane D 1997 La produzione culturale Bologna Il Mulino 5 Gallino L 1993 Dizionario di sociologia Torino UTET p 38-41
Paacutegina 148 de 217
privilegia a estrutura do discurso artiacutestico e a determinaccedilatildeo da apreciaccedilatildeo social ou aleacutem
disto a dimensatildeo semacircntica que leva de forma semi ndash uniacutevoca para a reflexatildeo sobre a
correspondecircncia ldquoformas de arte ndash tipologia de sociedaderdquo correspondecircncia
frequentemente extrema e que de qualquer forma auto explica-se por fim a dimensatildeo
pragmaacutetica que desenvolve principalmente o conceito de arte como ldquoferramenta
ideoloacutegicardquo para hipostasiar uma tal ordem social ou para discuti-lo Isto pertence agrave pluri
ndash dimensionalidade que pode de fato assumir-se como complexidade substancial para
uma sociologia da arte mas a arte natildeo eacute exclusivamente um fenoacutemeno complexo ldquodifiacutecilrdquo
de ser interpretado assim talvez o problema de uma sociologia da arte estaacute tambeacutem no
que Koumlnig escrevia haacute alguns anos atraacutes ldquoembora a maioria dos contributos e das
pesquisas de sociologia da arte assumam o fato social ldquoexperiencia artiacutesticardquo como ponto
de partida ou centro da proacutepria analise isto acontece digamos assim intuitivamente isto
eacute considera-se obvio o fato social sem se preocupar de circunscrevecirc-lo com precisatildeo de
clarifica-lo ou especifica-lo Eacute claro que por um tal caminho ingeacutenuo nascem umas
dificuldades e que para superaacute-las acaba se por explorar todos os sectores marginais de
pesquisa6rdquo
2 A produccedilatildeo artiacutestico-literaacuteria
Como evidencia Zolberg7 podemos constantemente encontrar duas concepccedilotildees da
produccedilatildeo literaria que sempre satildeo fundamentais para a constituiccedilatildeo do discurso
ldquoliteraturasociedaderdquo e que podemos sintetizar assim
CONCEPCcedilOtildeE
S
SIGNIFICADO PERTINEcircNCIA
ENDOacuteGENA Literatura como produto de uma
genialidade criativa unicidade do acto
Esteacuteticacriacutetica
literaria
Histoacuteria da literatura
EXOacuteGENA Literatura como processo de criatividade
social e de reconhecimento social
Sociologia da cultura
6 Cf Koenig R1964 SociologiaMilanoFeltrinelli p 31 7 Cf Zolberg Op cit
Paacutegina 149 de 217
Eacute claro que o posicionamento sobre uma ou a outra concepccedilatildeo possibilita ou natildeo a
configuraccedilatildeo de qualquer discurso social ao redor da arte aceitando a concepccedilatildeo
ldquoexoacutegenardquo muitos tractos de interesse socioloacutegico podem ser delineados tais como
a) A abordagem funcionalista que sugere varias funccedilotildees sociais da literatura a partir da
funccedilatildeo de ldquoidealizaccedilatildeordquo (sublimar os sentimentos) ateacute aquela de ldquodiversatildeordquo (ou loisir)
aleacutem disso ldquoquando considera-se a relaccedilatildeo artesociedade eacute preciso ter em mente que a
arte pode ter ao mesmo tempo uma funccedilatildeo de re ndash envio para uma dimensatildeo diferente
outra daquela social como fonte constante de criatividade inovaccedilatildeo expressiva e
contestaccedilatildeo das ordens constituiacutedos e uma funccedilatildeo celebrativa que tambeacutem confirma os
valores e as representaccedilotildees socialmente partilhadasrdquo8
b) A abordagem estrutural que considera todos os componentes da produccedilatildeo ndash fruiccedilatildeo da
literatura o que mostra uma notaacutevel possibilidade de diferentes momentos de estudo por
exemplo
- Os ldquoartistas (rol e status subsistemas culturais)
- O ldquomercadordquo (sistema buscaoferta sistemas de produccedilatildeo comercializaccedilatildeovenda)
- O ldquopuacuteblicordquo (consumo artiacutestico composiccedilatildeo soacutecio ndash cultural)
- As ldquopoliacuteticas publicasrdquo (intervenccedilotildees estaduais na literatura literatura e escola)
- O ldquostatus socialrdquo da arte ou seja a biparticcedilatildeo ldquoartes maiores (os ldquoclassicosrdquo) versus artes
minores (literatura de supermercadordquo valores sociais de reconhecimentoapreciaccedilatildeo)
3 A ldquocriatividaderdquo
A ldquocriatividaderdquo pode ser definida como um valor cultural e as culturas natildeo podem natildeo
considerar a necessidade de estruturar-se com modalidades e filosofias ldquoque encorajemrdquo
a criatividade a inovaccedilatildeo poreacutem a criatividade quando favorecida constitui uma
dinacircmica especiacutefica que para ser completamente realizada deveraacute excluir
8 Crespi F 1996 Manuale di sociologia della cultura Bari Laterza
Paacutegina 150 de 217
comportamentos ldquoante - criativosrdquo como as formas de controlo social as especializaccedilotildees
vivenciadas rigidamente e elevadas a barreiras sociais o favorecer formalmente as novas
ideias sem realiza-las efectivamente o seguir ldquosempre e de qualquer formardquo as regras e
tradiccedilatildeoA implantaccedilatildeo e o desenvolvimento da ldquocriatividade como valor e praacuteticardquo nos
sistemas sociais de forma difusa representa assim uma dinacircmica processual complexa
que diz respeito ao ldquosistema em sirdquo (que refere-se globalmente ao sistema social onde
cada alteraccedilatildeo individual eou parcial produz uma cadeia de alteraccedilotildees globais) agrave
ldquoculturardquo (que refere-se agrave uma potencial alteraccedilatildeo de valores haacutebitos tradiccedilotildees etc
existentes que especialmente onde as culturas satildeo fortes quanto ao seu ldquovivenciadordquo e
compartilhamento iraacute precisar de um adequado processo de inculturaccedilatildeo ao menos
temporalmente para realizar-se de forma completa) ao ldquosistema de decisatildeordquo (que
comporta uma loacutegica intencional na actividade de decisatildeo de criar continuamente e
incondicionadamente suporte para a criatividade que com certeza natildeo falta de obstaacuteculos
e que sempre precisa de recursos tambeacutem como jaacute consideramos com certeza natildeo eacute a ndash
conflitual)
A criatividade natildeo pode ser reduzida apenas ao ldquoflashrdquo do geacutenio mas consiste tambeacutem
na resultante de vaacuterios factores
a) Factores de contexto soacutecio ndash cultural
b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo
c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees artiacutesticas
d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo
Antes de desenvolver brevemente estes pontos devemos lembrar que esta teorizaccedilatildeo natildeo
diminui de alguma forma a ldquocapacidade individualrdquo do geacutenio poreacutem acrescenta algumas
conotaccedilotildees que derivam pelo simples fato de cada geacutenio nascer e actuar em uma
sociedade em uma cultura em uma altura histoacuterica etc vamos entatildeo examinar os pontos
acima elencados
a) Factores de contexto soacutecio ndash cultural
No desenvolvimento das teorias socioloacutegicas embora em diferentes momentos histoacutericos
ndash sociais e em ldquoescolas de pensamentordquo distantes podemos evidenciar dois momentos de
Paacutegina 151 de 217
elaboraccedilatildeo teoacuterica da assim chamada por Durkheim ldquoefervescecircncia socialrdquo9 isto eacute
situaccedilotildees de contexto que mais que outras facilitam processos de inovaccedilatildeo como a
ldquoanomiardquo de Merton10 e a ldquomorfogeneserdquo de Archer11 Segundo Merton12 ldquoa anomia
depende pela falta de integraccedilatildeo entre a estrutura social que define os status e os papeacuteis
dos sujeitos que agem e a estrutura cultural que define os objectivos a ser alcanccedilados
pelos membros da sociedade bem como as regras a ser respeitadas para alcanccedilar os
objectivos Acontece que as posiccedilotildees dos sujeitos que agem impeccedilam ndash lhe de alcanccedilar
os objectivos indicados pela cultura como as melhores (por exemplo segundo Merton o
objectivo da riqueza e do sucesso na sociedade norte-americana) atraveacutes dos meios
indicados pelas normas institucionais Poreacutem quando as primeiras resultam mais
importantes que as segundas temos um comportamento de inovaccedilatildeo13rdquo
Segundo Archer14 o conceito de ldquomorfogeneserdquo refere-se ldquoaos processos que tendem a
elaborar ou mudar a forma o estaacutedio do sistema hellip ao contraacuterio o termo ldquomorfostasirdquo
refere-se aos processos das trocas complexas entre o sistema e o ambiente que tendem a
conservar a manter uma forma hellip de um sistemardquo ldquoMorfogeneserdquo significa entatildeo uma
situaccedilatildeo social complexa que produz transformaccedilotildees e inovaccedilotildees e que por
consequecircncia com um assim chamado ldquoefeito dominordquo cria uma realidade complexa
onde o acto criativo possui potencialmente muitas possibilidades de se originar e
desenvolver de forma completa
b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo
Aleacutem da noccedilatildeo de contexto em geral devemos considerar a especifica influencia dos
ldquomundos artiacutesticosrdquo e dos ldquomercados artiacutesticosrdquo sobre o mesmo artista na verdade na
nossa opiniatildeo natildeo pode-se negar que as relaccedilotildees ldquoartistas - artistardquo (especialmente em
subsistemas fechados com uma forte interacccedilatildeo e com sistemas normativos ndash valorais
partilhados isto eacute verdadeiras sub ndash culturas) condicionem as escolhas e os percursos de
cada actor bem como as pressotildees do mercado e mais em geral as loacutegicas de atribuiccedilatildeo
9 Cf Durkheim E 1972 La scienza sociale e lrsquoazione Milano Il Saggiatore 10 Cf Merton R1992 Teoria e struttura socialeBolognaIl Mulino 11 Cf Archer M 1997 La morfologenesi della societagrave Milano Franco Angeli 12 Cf Merton Op cit p 190 13 Izzo A1991 Storia del pensiero sociologicoBolognaIl Mulino p 291 14 Cf Archer Op cit
Paacutegina 152 de 217
socioeconoacutemicas de valor (latu sensu) nunca iratildeo deixar indiferente o artista
Sintetizando o processo de criaccedilatildeo artiacutestica pode ser assim descrito
Becker15 insiste muito sobre a reciacuteproca influencia entre os artistas (independente pela
especifica arte praticada individualmente) enquanto comparticipantes de um ldquociacuterculo
artiacutesticordquo ldquoele comeccedila pela interacccedilatildeo microscoacutepica entre os participantes (submundos
artiacutesticos ndr) mudando-se gradualmente para modelos de associaccedilatildeo sempre mais
amplos que compreendem uma variedade de mundos artiacutesticos hellip os mundos onde os
artistas trabalham existem como culturas mais ou menos institucionalizadas que
normalmente tem pouco a ver as umas com as outras hellip Esta anaacutelise de subcultura
apresenta as artes como elas proacuteprias16rdquo Em outras palavras Becker vecirc a criaccedilatildeo artiacutestica
como
-resultante por praacuteticas colectivas geradas nos submundos da arte claramente sem excluir
as qualidades individuais
-influenciada por formas constantes e ldquointimerdquo de interacccedilatildeo social cultural em geral e
artiacutestica no especifico entre os artistas que reconhecem-se no mesmo submundo
c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees literaacuterias
As tradiccedilotildees cuja interessante etimologia oscila entre ldquoentregardquo e ldquoensinordquo assim
chamadas ldquomemoria colectiva canonizadardquo segundo Jedlovski e Rampazi (1991) podem
15 Cf Becker H 2004 I mondi dellrsquoarte Bologna Il Mulino 16 Cf Zolberg Op cit 138
PRODUTO
CONTEXTO
REDES DE INTEGRACcedilAtildeO
MICRO (mundos
artiacutesticos)
REDES DE INTEGRACcedilAtildeO
MESO(mercados
literarios)
ARTISTA
(personalidade status)
Paacutegina 153 de 217
ser definidas como ldquoos modelos de crenccedilas costumes valores comportamentos
conhecimentos e competecircncias que satildeo transmitidas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo por meio do
processo de socializaccedilatildeordquo17 Esta palavra vem depois ser utilizada para indicar tanto o
produto quanto o processo da produccedilatildeo cultural de transmissatildeoensino tiacutepico das mesmas
tradiccedilotildees As tradiccedilotildees constituem uma parte fundamental e um elemento distintivo da
identidade cultural do ldquopertencerrdquo e constituem tambeacutem um ponto de referecircncia
importante para a acccedilatildeo social em geral em particular suportando uma especiacutefica
tipologia weberiana de ldquoacccedilatildeordquo aquela ldquoconforme haacutebitos adquiridos e que viraram
constitutivos do costume a reacccedilatildeo aos estiacutemulos habituais em parte absolutamente
limitativos a maioria das acccedilotildees da vida quotidiana eacute ditada pelo sentido das tradiccedilotildees18rdquo
Sendo elementos distintivos da cultura as tradiccedilotildees tomam valores endoacutegenos (de auto
reconhecimento) e tambeacutem exoacutegenos (de identificaccedilatildeo) para os grupos sociais que
referem-se agrave estes valores
O sistema das tradiccedilotildees pode ser interpretado como uma verdadeira instituiccedilatildeo social no
sentido de ldquoforma de crenccedila de acccedilatildeo e de conduta reconhecida estabelecida e praticada
estavelmenterdquo bem como no sentido de ldquopraacuteticas consolidadas formas estabelecidas de
proceder caracteriacutesticas de uma actividade de grupo19rdquo
O sistema total das tradiccedilotildees respeito agrave uma ideia de continuum cultura ndash subculturas
(locais profissionais de genro) pode depois ser dividido em grandes e pequenas
tradiccedilotildees isto eacute a complementaridade a coexistecircncia entre
a) Traccedilos ligados com especificas comunidades participantes de um sistema social mais
amplo traccedilos mais difundidos gerais ou comuns
b) Divisotildees existentes entre culturas oficiais e culturas folk20 coexistecircncia e
complementaridade que viram substanciais em uma continuidade de reinterpretaccedilotildees
frequentemente constituiacutedas por descobertas reavaliaccedilotildees esquecimentos
As tradiccedilotildees podem ter um valor mais conservador ou de conservaccedilatildeo isto eacute podem ser
um veiacuteculo para as inovaccedilotildees e as mudanccedilas bem como fornecer um suporte para
17 Cf Seymour-Smith C 1991 Dizionario di antropologia Firenze Sansoni p 203-411 18 Morra G 1994 Propedeutica sociologica Bologna Monduzi p 96 19 Cf Op cit Gallino p 388 20 Cf Id p 189
Paacutegina 154 de 217
processos de mudanccedila social natildeo alienadosalienantes a assim chamada ldquoreferecircncia agraves
tradiccedilotildeesrdquo pode ter o duplo significado de
a) Entrincheiramento ao passado de forma total e absolutamente natildeo elaacutestica preliminar
e dominante contra tudo que apareccedila (o seja percebido) novo
b) Conservar uma especificidade cultural que facilite em lugar de contrastar cada input
internoexterno de mudanccedila e consiga homogeneizar seus efeitos com os proacuteprios
especiacuteficos traccedilos culturais
Portanto onde as tradiccedilotildees artiacutesticas resultam ldquopesadasrdquo isto eacute influenciam uma
criatividade principalmente ldquoproblem solverrdquo a criatividade artiacutestica em geral seraacute
certamente e discretamente condicionada e as formas ldquoproblem finderrdquo que poderatildeo
manifestar-se seratildeo limitadamente praticadas pelos outsiders21
4 Ainda sobre a criatividade ldquotipos ideaisrdquo
Ainda Zolberg22 (cit cap IV) reflectindo dobre diferentes pesquisas no acircmbito da
produccedilatildeo artiacutestica faz uma hipoacutetese de dois ideais tipos weberianos de artistas diferentes
quanto agrave abordagem ao problema Segundo esta hipoacutetese podemos distinguir artistas
ldquoproblem solverrdquo e ldquoproblem finderrdquo os primeiros prestam atenccedilatildeo agrave produccedilatildeo artiacutestica
existente individuando diferentes modalidades de expressatildeo os segundos investigam
principalmente novas problemaacuteticas eou necessidades artiacutestico-literarias Ambas as
tipologias podem de qualquer forma trabalhar segundo loacutegicas mais tradicionais ou
inovadoras Estes ldquoideal-tiposrdquo podem ser assim representados
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
James Joyce)
Redescoberta criativa com novos
significados (ex os ldquominimalistasrdquo)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo (ex
a ldquobeat generationrdquo)
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Gabriel
Garcia Marquez)
21 Cf Becker H 1991 Outsiders Torino Abele 22 Cf Zolberg Op cit
Paacutegina 155 de 217
Ou falando em literatura brasileira
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
Manuel Bandeira)
Redescoberta criativa com
novos significados (exClarice
Lispector)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo
(exJoseacute Lins do Rego )
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex
Jorge Amado)
Ou ainda falando em teatro brasileiro
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
Oswald de Andrade)
Redescoberta criativa com
novos significados (exNelson
Rodrigues)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo
(exTeatro Arena)
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Dias
Gomes)
E afinal falando de formas de poesia para musica (na MPB)
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo
(exLetristaspoetas da rdquoBossa
novardquo)
Redescoberta criativa com
novos significados (exMoacir
Luz23)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo (ex
Seu Jorge)
Seguidores da tradiccedilatildeo
(ex Paulinho da Viola)
d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo
Quais satildeo as loacutegicas os mecanismos os actores da induacutestria cultural Podemos fazer uma
hipoacutetese de modelo explicativo (embora bastante geral) sobre o que acontece hoje em
uma situaccedilatildeo caracterizada por fenomenologias incertas onde alguns ldquoobjectos24rdquo fazem
23 Luz M(1995)Vitoacuteria da ilusatildeoRio de JaneiroMaracujazz Produccedilotildees 24 Cf Gardiner H 1991 Formae Mentis Milano Feltrinelli p 26-29
Paacutegina 156 de 217
carreira e sendo ldquofuncionaisrdquo viram ldquoculturaisrdquo nas suas esferas de referecircncia ou em
uma geral ldquoconcepccedilatildeo do mundordquo O assim chamado ldquomodelo de Hirsch25 Sciolla26 e
obviamente Hirsch27 parece colectar muito consenso ldquoHirsch28 realizou um esquema das
relaccedilotildees entre os diferentes subsistemas existentes no sistema por ele mesmo definido
sistema da induacutestria cultural que descreve o conjunto de organizaccedilotildees que produzem
artigos culturais de massa como discos livros programas da televisatildeo e da raacutedio Neste
esquema os media representem um subsistema entre os outros A organizaccedilatildeo ldquode
gestatildeordquo por exemplo para alcanccedilar os mass media fornece informaccedilotildees sobre o produto
(filtro 2) Estas notiacutecias satildeo utilizadas pelo sistema institucional nos media (gatekeepers
mediais) Neste espaccedilo de intermediaccedilatildeo surgem possibilidades de relaccedilotildees pouco
transparentes quando natildeo de corrupccedilatildeo O puacuteblico conhece o novo produto atraveacutes dos
media Temos por fim dois tipos de feedback o primeiro vem dos medias o segundo
dos consumidores mensurado pelas vendas de bilhetes discos livros29rdquo
O modelo pode ser assim configurado
Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3
Feedback
A figura representa a configuraccedilatildeo tradicional do modelo poreacutem sendo um ldquomodelordquo
natildeo deve ser utilizado de forma riacutegida mas sim como principalmente indicador de um
processo complexo Assistimos hoje por meio e causa das redes a jaacute conhecidas
alteraccedilotildees deste andamento processual os claacutessicos exemplos satildeo aqueles criativos (em
particular da literatura) que entram directamente atraveacutes da web no sistema dos media
propondo suas criaccedilotildees e quase ldquoimpondo-ardquo para o publico sem os tradicionais filtros de
25 Cf Ibid p 40 26 Cf Sciolla L 2002 Sociologia dei processi culturali Bologna Il Mulino p 216-217 27 Cf Hirsch PM 1972 Processing fods and fashion in Annual Journal of Sociology77 p 20-34 28 Cf Ibid 29 Cf Sciolla Op cit p 216
SUBSISTEMA TEacuteCNICO
(criadores)
SUBSISTEMA
INSTITUCIONAL
(media)
SUBSISTEMA DE
GESTAtildeO
(organizaccedilotildees)
CONSUMO
(sociedade)
Paacutegina 157 de 217
subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de
Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim
configurado
Filtro 1 Filtro 2
Feedback
Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa
tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer
sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem
Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas
eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de
Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do
sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material
ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma
completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as
objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem
destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao
menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto
de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na
divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32
30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212
SUBSISTEMA
COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO
(sociedade ldquoem rede)rdquo
SUBSISTEMA TEacuteCNICO
(criadores)
SUBSISTEMAS DE
GESTAtildeO
(organizaccedilotildees)
SUBSISTEMA
INSTITUCIONAL
(media)
II deg CONSUMO
(sociedade)
Paacutegina 158 de 217
5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc
51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo
As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade
cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo
o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso
tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de
fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas
fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo
acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora
efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais
ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os
ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se
evidencia nas cidades
A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse
sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se
localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e
contraditoriedade
A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como
resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos
como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos
contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos
A cidade pograves-moderna
- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma
finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos
fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer
forma ldquoprivadosrdquo
- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma
expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo
holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta
e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas
Paacutegina 159 de 217
portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de
construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como
as conhecemos
- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no
ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco
significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar
o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural
condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo
riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos
E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um
estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos
organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras
a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um
produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de
comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na
cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente
urbanos
Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares
urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se
multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes
permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de
relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas
vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo
das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-
gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e
certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada
no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza
em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo
mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto
social
Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada
substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave
Paacutegina 160 de 217
individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos
encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a
um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os
ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma
propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute
verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas
vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira
compensativos de uma atomizaccedilatildeo social
52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo
Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita
permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees
sentimentos paixotildees no bem e no mal
E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto
de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares
especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao
mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros
termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia
narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela
do brasileiro Aldir Blanc
Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja
um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma
capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em
ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal
ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem
contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e
envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a
ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso
fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se
e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado
e de alta capacidade descritiva
Paacutegina 161 de 217
Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso
humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do
grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor
de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um
estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo
Pereira33rdquo
Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-
cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse
texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-
termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta
da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo
segundo Caymmi34
Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas
de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros
e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou
mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais
Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir
Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura
como
a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades
da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees
de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a
cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei
com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha
cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa
b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam
toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na
calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)
33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir
34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2
Paacutegina 162 de 217
Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito
igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da
Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)
Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa
pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir
eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve
ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense
pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa
momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e
anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua
dos artistas e transversais
c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como
Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira
aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos
cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta
braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra
Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula
sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila
Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-
rosa o embaixadorrdquo)
d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa
quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em
Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do
Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo
letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma
trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e
irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou
Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao
apogeurdquo)
e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e
transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente
comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda
Paacutegina 163 de 217
sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das
palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o
corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela
instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como
Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir
para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo
imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca
(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje
entatildeordquo)
f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que
enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma
dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas
particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute
entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um
camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime
ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em
Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo
descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me
chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo
importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na
inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor
simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas
ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma
especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um
ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais
recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de
Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas
testemunham isso
Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de
Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar
encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da
ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade
Paacutegina 164 de 217
igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar
contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes
Conclusotildees
Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado
sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute
que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na
sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais
(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas
mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que
orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e
portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo
ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos
CENTRO DO CORACcedilAtildeO
Deus desenhou meu coraccedilatildeo
De um jeito igualzinho
Ao velho Centro do Rio
Satildeo tantos pontos de luz
Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa
Da Candelaacuteria
Eles percorrem minhas coronaacuterias
Vejam vocecircs
No carnaval o bonde 66
Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez
Tem condutor motorneiro
Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro
O nogueira e o velho Hermiacutenio
Num reduto biriteiro
Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo
De quebra me vende mais uma ilusatildeo
Paacutegina 165 de 217
Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor
Satildeo pontes de safena pra tamanho amor
Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou
Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu
vou
Bibliografia Consultada
1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees
2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord
3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata
4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees
5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras
6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo
Palumbo
7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco
8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura
9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium
10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos
11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli
12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando
13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand
Paacutegina 147 de 217
tambeacutem para um discurso como aquilo que vamos tentar desenvolver nas (poucas)
paacuteginas seguintes isto eacute como o ldquoser ndash em - sociedaderdquo dos literatos natildeo pode natildeo entrar
(provavelmente de forma mais substancial de quanto normalmente pensamos) no
processo criativo e influencia-lo de vaacuterias formas
Vamos tentar entatildeo de delinear algumas preacute-condiccedilotildees estruturais que podem fortemente
influenciar (em alguns casos talvez determinar) a criatividade artiacutestica poreacutem sem
diminuir as capacidades individuais isto eacute o que podemos romanticamente definir o
ldquogeacuteniordquo artiacutestico-literario uma loacutegica absolutamente significativa e que outras ciecircncias
comopor exemplo a psicologia cognitiva deveratildeo tentar de compreender e explicar
talvez parcialmente pela complexidade acima mencionada
Este trabalho quer simplesmente descrever alguns quadros sociais da criatividade
literaria sem ter pretensas de exaustividade com o uacutenico intento de reflectir ulteriormente
sobre a relaccedilatildeo ldquosociedade - actor social - literaturardquo
1Arte e sociedade
Hagrave uma longa serie de dificuldades conceituais e temaacuteticas que esta oportunidade
encontra no debate socioloacutegico Provavelmente hoje podemos enxergar uma inversatildeo de
tendecircncia (testemunhada por uma recente produccedilatildeo neste sentido) em particular no
acircmbito musical esta inversatildeo de tendecircncia eacute devida talvez ao desabrochar da sociologia
da cultura em todos seus componentes temaacuteticos e processuais em particular por quanto
concerne os grandes meios de comunicaccedilatildeo como ldquodifusoresrdquo eou ldquoprodutoresrdquo de
objectos culturais em diferentes acircmbitos a partir da Escola de Birmingham ateacute as mais
recentes pesquisas por fim tentativas sistemaacuteticas de grande interesse 2 3 e 4
Poreacutem quais dificuldades podem continuar obstaculizando uma sociologia da arte O
problema de fundo estaacute provavelmente na substancial pluri ndash dimensionalidade da mesma
arte5 e na consequente concentraccedilatildeo sobre uma ou outra dimensatildeo por um lado a
perspectiva ldquogeneacuteticardquo centrada na produccedilatildeo artiacutestica (tanto material quanto econoacutemica)
e os factores determinantes no processo produtivo pelo outro a dimensatildeo sintaacutectica que
2 Cf Ibid cit 3 Zolberg V 1994 Sociologia dellrsquoarte Bologna Il Mulino 4 Crane D 1997 La produzione culturale Bologna Il Mulino 5 Gallino L 1993 Dizionario di sociologia Torino UTET p 38-41
Paacutegina 148 de 217
privilegia a estrutura do discurso artiacutestico e a determinaccedilatildeo da apreciaccedilatildeo social ou aleacutem
disto a dimensatildeo semacircntica que leva de forma semi ndash uniacutevoca para a reflexatildeo sobre a
correspondecircncia ldquoformas de arte ndash tipologia de sociedaderdquo correspondecircncia
frequentemente extrema e que de qualquer forma auto explica-se por fim a dimensatildeo
pragmaacutetica que desenvolve principalmente o conceito de arte como ldquoferramenta
ideoloacutegicardquo para hipostasiar uma tal ordem social ou para discuti-lo Isto pertence agrave pluri
ndash dimensionalidade que pode de fato assumir-se como complexidade substancial para
uma sociologia da arte mas a arte natildeo eacute exclusivamente um fenoacutemeno complexo ldquodifiacutecilrdquo
de ser interpretado assim talvez o problema de uma sociologia da arte estaacute tambeacutem no
que Koumlnig escrevia haacute alguns anos atraacutes ldquoembora a maioria dos contributos e das
pesquisas de sociologia da arte assumam o fato social ldquoexperiencia artiacutesticardquo como ponto
de partida ou centro da proacutepria analise isto acontece digamos assim intuitivamente isto
eacute considera-se obvio o fato social sem se preocupar de circunscrevecirc-lo com precisatildeo de
clarifica-lo ou especifica-lo Eacute claro que por um tal caminho ingeacutenuo nascem umas
dificuldades e que para superaacute-las acaba se por explorar todos os sectores marginais de
pesquisa6rdquo
2 A produccedilatildeo artiacutestico-literaacuteria
Como evidencia Zolberg7 podemos constantemente encontrar duas concepccedilotildees da
produccedilatildeo literaria que sempre satildeo fundamentais para a constituiccedilatildeo do discurso
ldquoliteraturasociedaderdquo e que podemos sintetizar assim
CONCEPCcedilOtildeE
S
SIGNIFICADO PERTINEcircNCIA
ENDOacuteGENA Literatura como produto de uma
genialidade criativa unicidade do acto
Esteacuteticacriacutetica
literaria
Histoacuteria da literatura
EXOacuteGENA Literatura como processo de criatividade
social e de reconhecimento social
Sociologia da cultura
6 Cf Koenig R1964 SociologiaMilanoFeltrinelli p 31 7 Cf Zolberg Op cit
Paacutegina 149 de 217
Eacute claro que o posicionamento sobre uma ou a outra concepccedilatildeo possibilita ou natildeo a
configuraccedilatildeo de qualquer discurso social ao redor da arte aceitando a concepccedilatildeo
ldquoexoacutegenardquo muitos tractos de interesse socioloacutegico podem ser delineados tais como
a) A abordagem funcionalista que sugere varias funccedilotildees sociais da literatura a partir da
funccedilatildeo de ldquoidealizaccedilatildeordquo (sublimar os sentimentos) ateacute aquela de ldquodiversatildeordquo (ou loisir)
aleacutem disso ldquoquando considera-se a relaccedilatildeo artesociedade eacute preciso ter em mente que a
arte pode ter ao mesmo tempo uma funccedilatildeo de re ndash envio para uma dimensatildeo diferente
outra daquela social como fonte constante de criatividade inovaccedilatildeo expressiva e
contestaccedilatildeo das ordens constituiacutedos e uma funccedilatildeo celebrativa que tambeacutem confirma os
valores e as representaccedilotildees socialmente partilhadasrdquo8
b) A abordagem estrutural que considera todos os componentes da produccedilatildeo ndash fruiccedilatildeo da
literatura o que mostra uma notaacutevel possibilidade de diferentes momentos de estudo por
exemplo
- Os ldquoartistas (rol e status subsistemas culturais)
- O ldquomercadordquo (sistema buscaoferta sistemas de produccedilatildeo comercializaccedilatildeovenda)
- O ldquopuacuteblicordquo (consumo artiacutestico composiccedilatildeo soacutecio ndash cultural)
- As ldquopoliacuteticas publicasrdquo (intervenccedilotildees estaduais na literatura literatura e escola)
- O ldquostatus socialrdquo da arte ou seja a biparticcedilatildeo ldquoartes maiores (os ldquoclassicosrdquo) versus artes
minores (literatura de supermercadordquo valores sociais de reconhecimentoapreciaccedilatildeo)
3 A ldquocriatividaderdquo
A ldquocriatividaderdquo pode ser definida como um valor cultural e as culturas natildeo podem natildeo
considerar a necessidade de estruturar-se com modalidades e filosofias ldquoque encorajemrdquo
a criatividade a inovaccedilatildeo poreacutem a criatividade quando favorecida constitui uma
dinacircmica especiacutefica que para ser completamente realizada deveraacute excluir
8 Crespi F 1996 Manuale di sociologia della cultura Bari Laterza
Paacutegina 150 de 217
comportamentos ldquoante - criativosrdquo como as formas de controlo social as especializaccedilotildees
vivenciadas rigidamente e elevadas a barreiras sociais o favorecer formalmente as novas
ideias sem realiza-las efectivamente o seguir ldquosempre e de qualquer formardquo as regras e
tradiccedilatildeoA implantaccedilatildeo e o desenvolvimento da ldquocriatividade como valor e praacuteticardquo nos
sistemas sociais de forma difusa representa assim uma dinacircmica processual complexa
que diz respeito ao ldquosistema em sirdquo (que refere-se globalmente ao sistema social onde
cada alteraccedilatildeo individual eou parcial produz uma cadeia de alteraccedilotildees globais) agrave
ldquoculturardquo (que refere-se agrave uma potencial alteraccedilatildeo de valores haacutebitos tradiccedilotildees etc
existentes que especialmente onde as culturas satildeo fortes quanto ao seu ldquovivenciadordquo e
compartilhamento iraacute precisar de um adequado processo de inculturaccedilatildeo ao menos
temporalmente para realizar-se de forma completa) ao ldquosistema de decisatildeordquo (que
comporta uma loacutegica intencional na actividade de decisatildeo de criar continuamente e
incondicionadamente suporte para a criatividade que com certeza natildeo falta de obstaacuteculos
e que sempre precisa de recursos tambeacutem como jaacute consideramos com certeza natildeo eacute a ndash
conflitual)
A criatividade natildeo pode ser reduzida apenas ao ldquoflashrdquo do geacutenio mas consiste tambeacutem
na resultante de vaacuterios factores
a) Factores de contexto soacutecio ndash cultural
b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo
c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees artiacutesticas
d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo
Antes de desenvolver brevemente estes pontos devemos lembrar que esta teorizaccedilatildeo natildeo
diminui de alguma forma a ldquocapacidade individualrdquo do geacutenio poreacutem acrescenta algumas
conotaccedilotildees que derivam pelo simples fato de cada geacutenio nascer e actuar em uma
sociedade em uma cultura em uma altura histoacuterica etc vamos entatildeo examinar os pontos
acima elencados
a) Factores de contexto soacutecio ndash cultural
No desenvolvimento das teorias socioloacutegicas embora em diferentes momentos histoacutericos
ndash sociais e em ldquoescolas de pensamentordquo distantes podemos evidenciar dois momentos de
Paacutegina 151 de 217
elaboraccedilatildeo teoacuterica da assim chamada por Durkheim ldquoefervescecircncia socialrdquo9 isto eacute
situaccedilotildees de contexto que mais que outras facilitam processos de inovaccedilatildeo como a
ldquoanomiardquo de Merton10 e a ldquomorfogeneserdquo de Archer11 Segundo Merton12 ldquoa anomia
depende pela falta de integraccedilatildeo entre a estrutura social que define os status e os papeacuteis
dos sujeitos que agem e a estrutura cultural que define os objectivos a ser alcanccedilados
pelos membros da sociedade bem como as regras a ser respeitadas para alcanccedilar os
objectivos Acontece que as posiccedilotildees dos sujeitos que agem impeccedilam ndash lhe de alcanccedilar
os objectivos indicados pela cultura como as melhores (por exemplo segundo Merton o
objectivo da riqueza e do sucesso na sociedade norte-americana) atraveacutes dos meios
indicados pelas normas institucionais Poreacutem quando as primeiras resultam mais
importantes que as segundas temos um comportamento de inovaccedilatildeo13rdquo
Segundo Archer14 o conceito de ldquomorfogeneserdquo refere-se ldquoaos processos que tendem a
elaborar ou mudar a forma o estaacutedio do sistema hellip ao contraacuterio o termo ldquomorfostasirdquo
refere-se aos processos das trocas complexas entre o sistema e o ambiente que tendem a
conservar a manter uma forma hellip de um sistemardquo ldquoMorfogeneserdquo significa entatildeo uma
situaccedilatildeo social complexa que produz transformaccedilotildees e inovaccedilotildees e que por
consequecircncia com um assim chamado ldquoefeito dominordquo cria uma realidade complexa
onde o acto criativo possui potencialmente muitas possibilidades de se originar e
desenvolver de forma completa
b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo
Aleacutem da noccedilatildeo de contexto em geral devemos considerar a especifica influencia dos
ldquomundos artiacutesticosrdquo e dos ldquomercados artiacutesticosrdquo sobre o mesmo artista na verdade na
nossa opiniatildeo natildeo pode-se negar que as relaccedilotildees ldquoartistas - artistardquo (especialmente em
subsistemas fechados com uma forte interacccedilatildeo e com sistemas normativos ndash valorais
partilhados isto eacute verdadeiras sub ndash culturas) condicionem as escolhas e os percursos de
cada actor bem como as pressotildees do mercado e mais em geral as loacutegicas de atribuiccedilatildeo
9 Cf Durkheim E 1972 La scienza sociale e lrsquoazione Milano Il Saggiatore 10 Cf Merton R1992 Teoria e struttura socialeBolognaIl Mulino 11 Cf Archer M 1997 La morfologenesi della societagrave Milano Franco Angeli 12 Cf Merton Op cit p 190 13 Izzo A1991 Storia del pensiero sociologicoBolognaIl Mulino p 291 14 Cf Archer Op cit
Paacutegina 152 de 217
socioeconoacutemicas de valor (latu sensu) nunca iratildeo deixar indiferente o artista
Sintetizando o processo de criaccedilatildeo artiacutestica pode ser assim descrito
Becker15 insiste muito sobre a reciacuteproca influencia entre os artistas (independente pela
especifica arte praticada individualmente) enquanto comparticipantes de um ldquociacuterculo
artiacutesticordquo ldquoele comeccedila pela interacccedilatildeo microscoacutepica entre os participantes (submundos
artiacutesticos ndr) mudando-se gradualmente para modelos de associaccedilatildeo sempre mais
amplos que compreendem uma variedade de mundos artiacutesticos hellip os mundos onde os
artistas trabalham existem como culturas mais ou menos institucionalizadas que
normalmente tem pouco a ver as umas com as outras hellip Esta anaacutelise de subcultura
apresenta as artes como elas proacuteprias16rdquo Em outras palavras Becker vecirc a criaccedilatildeo artiacutestica
como
-resultante por praacuteticas colectivas geradas nos submundos da arte claramente sem excluir
as qualidades individuais
-influenciada por formas constantes e ldquointimerdquo de interacccedilatildeo social cultural em geral e
artiacutestica no especifico entre os artistas que reconhecem-se no mesmo submundo
c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees literaacuterias
As tradiccedilotildees cuja interessante etimologia oscila entre ldquoentregardquo e ldquoensinordquo assim
chamadas ldquomemoria colectiva canonizadardquo segundo Jedlovski e Rampazi (1991) podem
15 Cf Becker H 2004 I mondi dellrsquoarte Bologna Il Mulino 16 Cf Zolberg Op cit 138
PRODUTO
CONTEXTO
REDES DE INTEGRACcedilAtildeO
MICRO (mundos
artiacutesticos)
REDES DE INTEGRACcedilAtildeO
MESO(mercados
literarios)
ARTISTA
(personalidade status)
Paacutegina 153 de 217
ser definidas como ldquoos modelos de crenccedilas costumes valores comportamentos
conhecimentos e competecircncias que satildeo transmitidas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo por meio do
processo de socializaccedilatildeordquo17 Esta palavra vem depois ser utilizada para indicar tanto o
produto quanto o processo da produccedilatildeo cultural de transmissatildeoensino tiacutepico das mesmas
tradiccedilotildees As tradiccedilotildees constituem uma parte fundamental e um elemento distintivo da
identidade cultural do ldquopertencerrdquo e constituem tambeacutem um ponto de referecircncia
importante para a acccedilatildeo social em geral em particular suportando uma especiacutefica
tipologia weberiana de ldquoacccedilatildeordquo aquela ldquoconforme haacutebitos adquiridos e que viraram
constitutivos do costume a reacccedilatildeo aos estiacutemulos habituais em parte absolutamente
limitativos a maioria das acccedilotildees da vida quotidiana eacute ditada pelo sentido das tradiccedilotildees18rdquo
Sendo elementos distintivos da cultura as tradiccedilotildees tomam valores endoacutegenos (de auto
reconhecimento) e tambeacutem exoacutegenos (de identificaccedilatildeo) para os grupos sociais que
referem-se agrave estes valores
O sistema das tradiccedilotildees pode ser interpretado como uma verdadeira instituiccedilatildeo social no
sentido de ldquoforma de crenccedila de acccedilatildeo e de conduta reconhecida estabelecida e praticada
estavelmenterdquo bem como no sentido de ldquopraacuteticas consolidadas formas estabelecidas de
proceder caracteriacutesticas de uma actividade de grupo19rdquo
O sistema total das tradiccedilotildees respeito agrave uma ideia de continuum cultura ndash subculturas
(locais profissionais de genro) pode depois ser dividido em grandes e pequenas
tradiccedilotildees isto eacute a complementaridade a coexistecircncia entre
a) Traccedilos ligados com especificas comunidades participantes de um sistema social mais
amplo traccedilos mais difundidos gerais ou comuns
b) Divisotildees existentes entre culturas oficiais e culturas folk20 coexistecircncia e
complementaridade que viram substanciais em uma continuidade de reinterpretaccedilotildees
frequentemente constituiacutedas por descobertas reavaliaccedilotildees esquecimentos
As tradiccedilotildees podem ter um valor mais conservador ou de conservaccedilatildeo isto eacute podem ser
um veiacuteculo para as inovaccedilotildees e as mudanccedilas bem como fornecer um suporte para
17 Cf Seymour-Smith C 1991 Dizionario di antropologia Firenze Sansoni p 203-411 18 Morra G 1994 Propedeutica sociologica Bologna Monduzi p 96 19 Cf Op cit Gallino p 388 20 Cf Id p 189
Paacutegina 154 de 217
processos de mudanccedila social natildeo alienadosalienantes a assim chamada ldquoreferecircncia agraves
tradiccedilotildeesrdquo pode ter o duplo significado de
a) Entrincheiramento ao passado de forma total e absolutamente natildeo elaacutestica preliminar
e dominante contra tudo que apareccedila (o seja percebido) novo
b) Conservar uma especificidade cultural que facilite em lugar de contrastar cada input
internoexterno de mudanccedila e consiga homogeneizar seus efeitos com os proacuteprios
especiacuteficos traccedilos culturais
Portanto onde as tradiccedilotildees artiacutesticas resultam ldquopesadasrdquo isto eacute influenciam uma
criatividade principalmente ldquoproblem solverrdquo a criatividade artiacutestica em geral seraacute
certamente e discretamente condicionada e as formas ldquoproblem finderrdquo que poderatildeo
manifestar-se seratildeo limitadamente praticadas pelos outsiders21
4 Ainda sobre a criatividade ldquotipos ideaisrdquo
Ainda Zolberg22 (cit cap IV) reflectindo dobre diferentes pesquisas no acircmbito da
produccedilatildeo artiacutestica faz uma hipoacutetese de dois ideais tipos weberianos de artistas diferentes
quanto agrave abordagem ao problema Segundo esta hipoacutetese podemos distinguir artistas
ldquoproblem solverrdquo e ldquoproblem finderrdquo os primeiros prestam atenccedilatildeo agrave produccedilatildeo artiacutestica
existente individuando diferentes modalidades de expressatildeo os segundos investigam
principalmente novas problemaacuteticas eou necessidades artiacutestico-literarias Ambas as
tipologias podem de qualquer forma trabalhar segundo loacutegicas mais tradicionais ou
inovadoras Estes ldquoideal-tiposrdquo podem ser assim representados
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
James Joyce)
Redescoberta criativa com novos
significados (ex os ldquominimalistasrdquo)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo (ex
a ldquobeat generationrdquo)
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Gabriel
Garcia Marquez)
21 Cf Becker H 1991 Outsiders Torino Abele 22 Cf Zolberg Op cit
Paacutegina 155 de 217
Ou falando em literatura brasileira
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
Manuel Bandeira)
Redescoberta criativa com
novos significados (exClarice
Lispector)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo
(exJoseacute Lins do Rego )
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex
Jorge Amado)
Ou ainda falando em teatro brasileiro
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
Oswald de Andrade)
Redescoberta criativa com
novos significados (exNelson
Rodrigues)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo
(exTeatro Arena)
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Dias
Gomes)
E afinal falando de formas de poesia para musica (na MPB)
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo
(exLetristaspoetas da rdquoBossa
novardquo)
Redescoberta criativa com
novos significados (exMoacir
Luz23)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo (ex
Seu Jorge)
Seguidores da tradiccedilatildeo
(ex Paulinho da Viola)
d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo
Quais satildeo as loacutegicas os mecanismos os actores da induacutestria cultural Podemos fazer uma
hipoacutetese de modelo explicativo (embora bastante geral) sobre o que acontece hoje em
uma situaccedilatildeo caracterizada por fenomenologias incertas onde alguns ldquoobjectos24rdquo fazem
23 Luz M(1995)Vitoacuteria da ilusatildeoRio de JaneiroMaracujazz Produccedilotildees 24 Cf Gardiner H 1991 Formae Mentis Milano Feltrinelli p 26-29
Paacutegina 156 de 217
carreira e sendo ldquofuncionaisrdquo viram ldquoculturaisrdquo nas suas esferas de referecircncia ou em
uma geral ldquoconcepccedilatildeo do mundordquo O assim chamado ldquomodelo de Hirsch25 Sciolla26 e
obviamente Hirsch27 parece colectar muito consenso ldquoHirsch28 realizou um esquema das
relaccedilotildees entre os diferentes subsistemas existentes no sistema por ele mesmo definido
sistema da induacutestria cultural que descreve o conjunto de organizaccedilotildees que produzem
artigos culturais de massa como discos livros programas da televisatildeo e da raacutedio Neste
esquema os media representem um subsistema entre os outros A organizaccedilatildeo ldquode
gestatildeordquo por exemplo para alcanccedilar os mass media fornece informaccedilotildees sobre o produto
(filtro 2) Estas notiacutecias satildeo utilizadas pelo sistema institucional nos media (gatekeepers
mediais) Neste espaccedilo de intermediaccedilatildeo surgem possibilidades de relaccedilotildees pouco
transparentes quando natildeo de corrupccedilatildeo O puacuteblico conhece o novo produto atraveacutes dos
media Temos por fim dois tipos de feedback o primeiro vem dos medias o segundo
dos consumidores mensurado pelas vendas de bilhetes discos livros29rdquo
O modelo pode ser assim configurado
Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3
Feedback
A figura representa a configuraccedilatildeo tradicional do modelo poreacutem sendo um ldquomodelordquo
natildeo deve ser utilizado de forma riacutegida mas sim como principalmente indicador de um
processo complexo Assistimos hoje por meio e causa das redes a jaacute conhecidas
alteraccedilotildees deste andamento processual os claacutessicos exemplos satildeo aqueles criativos (em
particular da literatura) que entram directamente atraveacutes da web no sistema dos media
propondo suas criaccedilotildees e quase ldquoimpondo-ardquo para o publico sem os tradicionais filtros de
25 Cf Ibid p 40 26 Cf Sciolla L 2002 Sociologia dei processi culturali Bologna Il Mulino p 216-217 27 Cf Hirsch PM 1972 Processing fods and fashion in Annual Journal of Sociology77 p 20-34 28 Cf Ibid 29 Cf Sciolla Op cit p 216
SUBSISTEMA TEacuteCNICO
(criadores)
SUBSISTEMA
INSTITUCIONAL
(media)
SUBSISTEMA DE
GESTAtildeO
(organizaccedilotildees)
CONSUMO
(sociedade)
Paacutegina 157 de 217
subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de
Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim
configurado
Filtro 1 Filtro 2
Feedback
Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa
tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer
sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem
Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas
eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de
Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do
sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material
ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma
completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as
objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem
destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao
menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto
de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na
divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32
30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212
SUBSISTEMA
COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO
(sociedade ldquoem rede)rdquo
SUBSISTEMA TEacuteCNICO
(criadores)
SUBSISTEMAS DE
GESTAtildeO
(organizaccedilotildees)
SUBSISTEMA
INSTITUCIONAL
(media)
II deg CONSUMO
(sociedade)
Paacutegina 158 de 217
5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc
51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo
As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade
cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo
o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso
tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de
fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas
fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo
acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora
efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais
ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os
ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se
evidencia nas cidades
A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse
sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se
localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e
contraditoriedade
A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como
resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos
como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos
contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos
A cidade pograves-moderna
- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma
finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos
fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer
forma ldquoprivadosrdquo
- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma
expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo
holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta
e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas
Paacutegina 159 de 217
portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de
construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como
as conhecemos
- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no
ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco
significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar
o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural
condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo
riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos
E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um
estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos
organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras
a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um
produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de
comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na
cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente
urbanos
Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares
urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se
multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes
permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de
relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas
vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo
das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-
gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e
certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada
no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza
em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo
mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto
social
Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada
substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave
Paacutegina 160 de 217
individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos
encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a
um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os
ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma
propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute
verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas
vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira
compensativos de uma atomizaccedilatildeo social
52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo
Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita
permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees
sentimentos paixotildees no bem e no mal
E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto
de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares
especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao
mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros
termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia
narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela
do brasileiro Aldir Blanc
Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja
um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma
capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em
ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal
ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem
contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e
envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a
ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso
fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se
e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado
e de alta capacidade descritiva
Paacutegina 161 de 217
Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso
humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do
grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor
de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um
estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo
Pereira33rdquo
Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-
cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse
texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-
termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta
da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo
segundo Caymmi34
Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas
de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros
e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou
mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais
Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir
Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura
como
a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades
da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees
de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a
cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei
com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha
cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa
b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam
toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na
calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)
33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir
34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2
Paacutegina 162 de 217
Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito
igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da
Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)
Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa
pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir
eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve
ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense
pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa
momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e
anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua
dos artistas e transversais
c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como
Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira
aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos
cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta
braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra
Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula
sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila
Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-
rosa o embaixadorrdquo)
d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa
quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em
Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do
Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo
letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma
trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e
irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou
Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao
apogeurdquo)
e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e
transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente
comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda
Paacutegina 163 de 217
sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das
palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o
corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela
instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como
Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir
para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo
imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca
(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje
entatildeordquo)
f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que
enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma
dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas
particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute
entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um
camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime
ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em
Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo
descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me
chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo
importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na
inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor
simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas
ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma
especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um
ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais
recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de
Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas
testemunham isso
Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de
Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar
encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da
ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade
Paacutegina 164 de 217
igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar
contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes
Conclusotildees
Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado
sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute
que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na
sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais
(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas
mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que
orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e
portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo
ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos
CENTRO DO CORACcedilAtildeO
Deus desenhou meu coraccedilatildeo
De um jeito igualzinho
Ao velho Centro do Rio
Satildeo tantos pontos de luz
Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa
Da Candelaacuteria
Eles percorrem minhas coronaacuterias
Vejam vocecircs
No carnaval o bonde 66
Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez
Tem condutor motorneiro
Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro
O nogueira e o velho Hermiacutenio
Num reduto biriteiro
Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo
De quebra me vende mais uma ilusatildeo
Paacutegina 165 de 217
Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor
Satildeo pontes de safena pra tamanho amor
Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou
Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu
vou
Bibliografia Consultada
1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees
2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord
3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata
4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees
5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras
6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo
Palumbo
7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco
8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura
9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium
10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos
11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli
12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando
13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand
Paacutegina 148 de 217
privilegia a estrutura do discurso artiacutestico e a determinaccedilatildeo da apreciaccedilatildeo social ou aleacutem
disto a dimensatildeo semacircntica que leva de forma semi ndash uniacutevoca para a reflexatildeo sobre a
correspondecircncia ldquoformas de arte ndash tipologia de sociedaderdquo correspondecircncia
frequentemente extrema e que de qualquer forma auto explica-se por fim a dimensatildeo
pragmaacutetica que desenvolve principalmente o conceito de arte como ldquoferramenta
ideoloacutegicardquo para hipostasiar uma tal ordem social ou para discuti-lo Isto pertence agrave pluri
ndash dimensionalidade que pode de fato assumir-se como complexidade substancial para
uma sociologia da arte mas a arte natildeo eacute exclusivamente um fenoacutemeno complexo ldquodifiacutecilrdquo
de ser interpretado assim talvez o problema de uma sociologia da arte estaacute tambeacutem no
que Koumlnig escrevia haacute alguns anos atraacutes ldquoembora a maioria dos contributos e das
pesquisas de sociologia da arte assumam o fato social ldquoexperiencia artiacutesticardquo como ponto
de partida ou centro da proacutepria analise isto acontece digamos assim intuitivamente isto
eacute considera-se obvio o fato social sem se preocupar de circunscrevecirc-lo com precisatildeo de
clarifica-lo ou especifica-lo Eacute claro que por um tal caminho ingeacutenuo nascem umas
dificuldades e que para superaacute-las acaba se por explorar todos os sectores marginais de
pesquisa6rdquo
2 A produccedilatildeo artiacutestico-literaacuteria
Como evidencia Zolberg7 podemos constantemente encontrar duas concepccedilotildees da
produccedilatildeo literaria que sempre satildeo fundamentais para a constituiccedilatildeo do discurso
ldquoliteraturasociedaderdquo e que podemos sintetizar assim
CONCEPCcedilOtildeE
S
SIGNIFICADO PERTINEcircNCIA
ENDOacuteGENA Literatura como produto de uma
genialidade criativa unicidade do acto
Esteacuteticacriacutetica
literaria
Histoacuteria da literatura
EXOacuteGENA Literatura como processo de criatividade
social e de reconhecimento social
Sociologia da cultura
6 Cf Koenig R1964 SociologiaMilanoFeltrinelli p 31 7 Cf Zolberg Op cit
Paacutegina 149 de 217
Eacute claro que o posicionamento sobre uma ou a outra concepccedilatildeo possibilita ou natildeo a
configuraccedilatildeo de qualquer discurso social ao redor da arte aceitando a concepccedilatildeo
ldquoexoacutegenardquo muitos tractos de interesse socioloacutegico podem ser delineados tais como
a) A abordagem funcionalista que sugere varias funccedilotildees sociais da literatura a partir da
funccedilatildeo de ldquoidealizaccedilatildeordquo (sublimar os sentimentos) ateacute aquela de ldquodiversatildeordquo (ou loisir)
aleacutem disso ldquoquando considera-se a relaccedilatildeo artesociedade eacute preciso ter em mente que a
arte pode ter ao mesmo tempo uma funccedilatildeo de re ndash envio para uma dimensatildeo diferente
outra daquela social como fonte constante de criatividade inovaccedilatildeo expressiva e
contestaccedilatildeo das ordens constituiacutedos e uma funccedilatildeo celebrativa que tambeacutem confirma os
valores e as representaccedilotildees socialmente partilhadasrdquo8
b) A abordagem estrutural que considera todos os componentes da produccedilatildeo ndash fruiccedilatildeo da
literatura o que mostra uma notaacutevel possibilidade de diferentes momentos de estudo por
exemplo
- Os ldquoartistas (rol e status subsistemas culturais)
- O ldquomercadordquo (sistema buscaoferta sistemas de produccedilatildeo comercializaccedilatildeovenda)
- O ldquopuacuteblicordquo (consumo artiacutestico composiccedilatildeo soacutecio ndash cultural)
- As ldquopoliacuteticas publicasrdquo (intervenccedilotildees estaduais na literatura literatura e escola)
- O ldquostatus socialrdquo da arte ou seja a biparticcedilatildeo ldquoartes maiores (os ldquoclassicosrdquo) versus artes
minores (literatura de supermercadordquo valores sociais de reconhecimentoapreciaccedilatildeo)
3 A ldquocriatividaderdquo
A ldquocriatividaderdquo pode ser definida como um valor cultural e as culturas natildeo podem natildeo
considerar a necessidade de estruturar-se com modalidades e filosofias ldquoque encorajemrdquo
a criatividade a inovaccedilatildeo poreacutem a criatividade quando favorecida constitui uma
dinacircmica especiacutefica que para ser completamente realizada deveraacute excluir
8 Crespi F 1996 Manuale di sociologia della cultura Bari Laterza
Paacutegina 150 de 217
comportamentos ldquoante - criativosrdquo como as formas de controlo social as especializaccedilotildees
vivenciadas rigidamente e elevadas a barreiras sociais o favorecer formalmente as novas
ideias sem realiza-las efectivamente o seguir ldquosempre e de qualquer formardquo as regras e
tradiccedilatildeoA implantaccedilatildeo e o desenvolvimento da ldquocriatividade como valor e praacuteticardquo nos
sistemas sociais de forma difusa representa assim uma dinacircmica processual complexa
que diz respeito ao ldquosistema em sirdquo (que refere-se globalmente ao sistema social onde
cada alteraccedilatildeo individual eou parcial produz uma cadeia de alteraccedilotildees globais) agrave
ldquoculturardquo (que refere-se agrave uma potencial alteraccedilatildeo de valores haacutebitos tradiccedilotildees etc
existentes que especialmente onde as culturas satildeo fortes quanto ao seu ldquovivenciadordquo e
compartilhamento iraacute precisar de um adequado processo de inculturaccedilatildeo ao menos
temporalmente para realizar-se de forma completa) ao ldquosistema de decisatildeordquo (que
comporta uma loacutegica intencional na actividade de decisatildeo de criar continuamente e
incondicionadamente suporte para a criatividade que com certeza natildeo falta de obstaacuteculos
e que sempre precisa de recursos tambeacutem como jaacute consideramos com certeza natildeo eacute a ndash
conflitual)
A criatividade natildeo pode ser reduzida apenas ao ldquoflashrdquo do geacutenio mas consiste tambeacutem
na resultante de vaacuterios factores
a) Factores de contexto soacutecio ndash cultural
b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo
c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees artiacutesticas
d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo
Antes de desenvolver brevemente estes pontos devemos lembrar que esta teorizaccedilatildeo natildeo
diminui de alguma forma a ldquocapacidade individualrdquo do geacutenio poreacutem acrescenta algumas
conotaccedilotildees que derivam pelo simples fato de cada geacutenio nascer e actuar em uma
sociedade em uma cultura em uma altura histoacuterica etc vamos entatildeo examinar os pontos
acima elencados
a) Factores de contexto soacutecio ndash cultural
No desenvolvimento das teorias socioloacutegicas embora em diferentes momentos histoacutericos
ndash sociais e em ldquoescolas de pensamentordquo distantes podemos evidenciar dois momentos de
Paacutegina 151 de 217
elaboraccedilatildeo teoacuterica da assim chamada por Durkheim ldquoefervescecircncia socialrdquo9 isto eacute
situaccedilotildees de contexto que mais que outras facilitam processos de inovaccedilatildeo como a
ldquoanomiardquo de Merton10 e a ldquomorfogeneserdquo de Archer11 Segundo Merton12 ldquoa anomia
depende pela falta de integraccedilatildeo entre a estrutura social que define os status e os papeacuteis
dos sujeitos que agem e a estrutura cultural que define os objectivos a ser alcanccedilados
pelos membros da sociedade bem como as regras a ser respeitadas para alcanccedilar os
objectivos Acontece que as posiccedilotildees dos sujeitos que agem impeccedilam ndash lhe de alcanccedilar
os objectivos indicados pela cultura como as melhores (por exemplo segundo Merton o
objectivo da riqueza e do sucesso na sociedade norte-americana) atraveacutes dos meios
indicados pelas normas institucionais Poreacutem quando as primeiras resultam mais
importantes que as segundas temos um comportamento de inovaccedilatildeo13rdquo
Segundo Archer14 o conceito de ldquomorfogeneserdquo refere-se ldquoaos processos que tendem a
elaborar ou mudar a forma o estaacutedio do sistema hellip ao contraacuterio o termo ldquomorfostasirdquo
refere-se aos processos das trocas complexas entre o sistema e o ambiente que tendem a
conservar a manter uma forma hellip de um sistemardquo ldquoMorfogeneserdquo significa entatildeo uma
situaccedilatildeo social complexa que produz transformaccedilotildees e inovaccedilotildees e que por
consequecircncia com um assim chamado ldquoefeito dominordquo cria uma realidade complexa
onde o acto criativo possui potencialmente muitas possibilidades de se originar e
desenvolver de forma completa
b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo
Aleacutem da noccedilatildeo de contexto em geral devemos considerar a especifica influencia dos
ldquomundos artiacutesticosrdquo e dos ldquomercados artiacutesticosrdquo sobre o mesmo artista na verdade na
nossa opiniatildeo natildeo pode-se negar que as relaccedilotildees ldquoartistas - artistardquo (especialmente em
subsistemas fechados com uma forte interacccedilatildeo e com sistemas normativos ndash valorais
partilhados isto eacute verdadeiras sub ndash culturas) condicionem as escolhas e os percursos de
cada actor bem como as pressotildees do mercado e mais em geral as loacutegicas de atribuiccedilatildeo
9 Cf Durkheim E 1972 La scienza sociale e lrsquoazione Milano Il Saggiatore 10 Cf Merton R1992 Teoria e struttura socialeBolognaIl Mulino 11 Cf Archer M 1997 La morfologenesi della societagrave Milano Franco Angeli 12 Cf Merton Op cit p 190 13 Izzo A1991 Storia del pensiero sociologicoBolognaIl Mulino p 291 14 Cf Archer Op cit
Paacutegina 152 de 217
socioeconoacutemicas de valor (latu sensu) nunca iratildeo deixar indiferente o artista
Sintetizando o processo de criaccedilatildeo artiacutestica pode ser assim descrito
Becker15 insiste muito sobre a reciacuteproca influencia entre os artistas (independente pela
especifica arte praticada individualmente) enquanto comparticipantes de um ldquociacuterculo
artiacutesticordquo ldquoele comeccedila pela interacccedilatildeo microscoacutepica entre os participantes (submundos
artiacutesticos ndr) mudando-se gradualmente para modelos de associaccedilatildeo sempre mais
amplos que compreendem uma variedade de mundos artiacutesticos hellip os mundos onde os
artistas trabalham existem como culturas mais ou menos institucionalizadas que
normalmente tem pouco a ver as umas com as outras hellip Esta anaacutelise de subcultura
apresenta as artes como elas proacuteprias16rdquo Em outras palavras Becker vecirc a criaccedilatildeo artiacutestica
como
-resultante por praacuteticas colectivas geradas nos submundos da arte claramente sem excluir
as qualidades individuais
-influenciada por formas constantes e ldquointimerdquo de interacccedilatildeo social cultural em geral e
artiacutestica no especifico entre os artistas que reconhecem-se no mesmo submundo
c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees literaacuterias
As tradiccedilotildees cuja interessante etimologia oscila entre ldquoentregardquo e ldquoensinordquo assim
chamadas ldquomemoria colectiva canonizadardquo segundo Jedlovski e Rampazi (1991) podem
15 Cf Becker H 2004 I mondi dellrsquoarte Bologna Il Mulino 16 Cf Zolberg Op cit 138
PRODUTO
CONTEXTO
REDES DE INTEGRACcedilAtildeO
MICRO (mundos
artiacutesticos)
REDES DE INTEGRACcedilAtildeO
MESO(mercados
literarios)
ARTISTA
(personalidade status)
Paacutegina 153 de 217
ser definidas como ldquoos modelos de crenccedilas costumes valores comportamentos
conhecimentos e competecircncias que satildeo transmitidas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo por meio do
processo de socializaccedilatildeordquo17 Esta palavra vem depois ser utilizada para indicar tanto o
produto quanto o processo da produccedilatildeo cultural de transmissatildeoensino tiacutepico das mesmas
tradiccedilotildees As tradiccedilotildees constituem uma parte fundamental e um elemento distintivo da
identidade cultural do ldquopertencerrdquo e constituem tambeacutem um ponto de referecircncia
importante para a acccedilatildeo social em geral em particular suportando uma especiacutefica
tipologia weberiana de ldquoacccedilatildeordquo aquela ldquoconforme haacutebitos adquiridos e que viraram
constitutivos do costume a reacccedilatildeo aos estiacutemulos habituais em parte absolutamente
limitativos a maioria das acccedilotildees da vida quotidiana eacute ditada pelo sentido das tradiccedilotildees18rdquo
Sendo elementos distintivos da cultura as tradiccedilotildees tomam valores endoacutegenos (de auto
reconhecimento) e tambeacutem exoacutegenos (de identificaccedilatildeo) para os grupos sociais que
referem-se agrave estes valores
O sistema das tradiccedilotildees pode ser interpretado como uma verdadeira instituiccedilatildeo social no
sentido de ldquoforma de crenccedila de acccedilatildeo e de conduta reconhecida estabelecida e praticada
estavelmenterdquo bem como no sentido de ldquopraacuteticas consolidadas formas estabelecidas de
proceder caracteriacutesticas de uma actividade de grupo19rdquo
O sistema total das tradiccedilotildees respeito agrave uma ideia de continuum cultura ndash subculturas
(locais profissionais de genro) pode depois ser dividido em grandes e pequenas
tradiccedilotildees isto eacute a complementaridade a coexistecircncia entre
a) Traccedilos ligados com especificas comunidades participantes de um sistema social mais
amplo traccedilos mais difundidos gerais ou comuns
b) Divisotildees existentes entre culturas oficiais e culturas folk20 coexistecircncia e
complementaridade que viram substanciais em uma continuidade de reinterpretaccedilotildees
frequentemente constituiacutedas por descobertas reavaliaccedilotildees esquecimentos
As tradiccedilotildees podem ter um valor mais conservador ou de conservaccedilatildeo isto eacute podem ser
um veiacuteculo para as inovaccedilotildees e as mudanccedilas bem como fornecer um suporte para
17 Cf Seymour-Smith C 1991 Dizionario di antropologia Firenze Sansoni p 203-411 18 Morra G 1994 Propedeutica sociologica Bologna Monduzi p 96 19 Cf Op cit Gallino p 388 20 Cf Id p 189
Paacutegina 154 de 217
processos de mudanccedila social natildeo alienadosalienantes a assim chamada ldquoreferecircncia agraves
tradiccedilotildeesrdquo pode ter o duplo significado de
a) Entrincheiramento ao passado de forma total e absolutamente natildeo elaacutestica preliminar
e dominante contra tudo que apareccedila (o seja percebido) novo
b) Conservar uma especificidade cultural que facilite em lugar de contrastar cada input
internoexterno de mudanccedila e consiga homogeneizar seus efeitos com os proacuteprios
especiacuteficos traccedilos culturais
Portanto onde as tradiccedilotildees artiacutesticas resultam ldquopesadasrdquo isto eacute influenciam uma
criatividade principalmente ldquoproblem solverrdquo a criatividade artiacutestica em geral seraacute
certamente e discretamente condicionada e as formas ldquoproblem finderrdquo que poderatildeo
manifestar-se seratildeo limitadamente praticadas pelos outsiders21
4 Ainda sobre a criatividade ldquotipos ideaisrdquo
Ainda Zolberg22 (cit cap IV) reflectindo dobre diferentes pesquisas no acircmbito da
produccedilatildeo artiacutestica faz uma hipoacutetese de dois ideais tipos weberianos de artistas diferentes
quanto agrave abordagem ao problema Segundo esta hipoacutetese podemos distinguir artistas
ldquoproblem solverrdquo e ldquoproblem finderrdquo os primeiros prestam atenccedilatildeo agrave produccedilatildeo artiacutestica
existente individuando diferentes modalidades de expressatildeo os segundos investigam
principalmente novas problemaacuteticas eou necessidades artiacutestico-literarias Ambas as
tipologias podem de qualquer forma trabalhar segundo loacutegicas mais tradicionais ou
inovadoras Estes ldquoideal-tiposrdquo podem ser assim representados
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
James Joyce)
Redescoberta criativa com novos
significados (ex os ldquominimalistasrdquo)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo (ex
a ldquobeat generationrdquo)
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Gabriel
Garcia Marquez)
21 Cf Becker H 1991 Outsiders Torino Abele 22 Cf Zolberg Op cit
Paacutegina 155 de 217
Ou falando em literatura brasileira
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
Manuel Bandeira)
Redescoberta criativa com
novos significados (exClarice
Lispector)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo
(exJoseacute Lins do Rego )
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex
Jorge Amado)
Ou ainda falando em teatro brasileiro
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
Oswald de Andrade)
Redescoberta criativa com
novos significados (exNelson
Rodrigues)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo
(exTeatro Arena)
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Dias
Gomes)
E afinal falando de formas de poesia para musica (na MPB)
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo
(exLetristaspoetas da rdquoBossa
novardquo)
Redescoberta criativa com
novos significados (exMoacir
Luz23)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo (ex
Seu Jorge)
Seguidores da tradiccedilatildeo
(ex Paulinho da Viola)
d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo
Quais satildeo as loacutegicas os mecanismos os actores da induacutestria cultural Podemos fazer uma
hipoacutetese de modelo explicativo (embora bastante geral) sobre o que acontece hoje em
uma situaccedilatildeo caracterizada por fenomenologias incertas onde alguns ldquoobjectos24rdquo fazem
23 Luz M(1995)Vitoacuteria da ilusatildeoRio de JaneiroMaracujazz Produccedilotildees 24 Cf Gardiner H 1991 Formae Mentis Milano Feltrinelli p 26-29
Paacutegina 156 de 217
carreira e sendo ldquofuncionaisrdquo viram ldquoculturaisrdquo nas suas esferas de referecircncia ou em
uma geral ldquoconcepccedilatildeo do mundordquo O assim chamado ldquomodelo de Hirsch25 Sciolla26 e
obviamente Hirsch27 parece colectar muito consenso ldquoHirsch28 realizou um esquema das
relaccedilotildees entre os diferentes subsistemas existentes no sistema por ele mesmo definido
sistema da induacutestria cultural que descreve o conjunto de organizaccedilotildees que produzem
artigos culturais de massa como discos livros programas da televisatildeo e da raacutedio Neste
esquema os media representem um subsistema entre os outros A organizaccedilatildeo ldquode
gestatildeordquo por exemplo para alcanccedilar os mass media fornece informaccedilotildees sobre o produto
(filtro 2) Estas notiacutecias satildeo utilizadas pelo sistema institucional nos media (gatekeepers
mediais) Neste espaccedilo de intermediaccedilatildeo surgem possibilidades de relaccedilotildees pouco
transparentes quando natildeo de corrupccedilatildeo O puacuteblico conhece o novo produto atraveacutes dos
media Temos por fim dois tipos de feedback o primeiro vem dos medias o segundo
dos consumidores mensurado pelas vendas de bilhetes discos livros29rdquo
O modelo pode ser assim configurado
Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3
Feedback
A figura representa a configuraccedilatildeo tradicional do modelo poreacutem sendo um ldquomodelordquo
natildeo deve ser utilizado de forma riacutegida mas sim como principalmente indicador de um
processo complexo Assistimos hoje por meio e causa das redes a jaacute conhecidas
alteraccedilotildees deste andamento processual os claacutessicos exemplos satildeo aqueles criativos (em
particular da literatura) que entram directamente atraveacutes da web no sistema dos media
propondo suas criaccedilotildees e quase ldquoimpondo-ardquo para o publico sem os tradicionais filtros de
25 Cf Ibid p 40 26 Cf Sciolla L 2002 Sociologia dei processi culturali Bologna Il Mulino p 216-217 27 Cf Hirsch PM 1972 Processing fods and fashion in Annual Journal of Sociology77 p 20-34 28 Cf Ibid 29 Cf Sciolla Op cit p 216
SUBSISTEMA TEacuteCNICO
(criadores)
SUBSISTEMA
INSTITUCIONAL
(media)
SUBSISTEMA DE
GESTAtildeO
(organizaccedilotildees)
CONSUMO
(sociedade)
Paacutegina 157 de 217
subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de
Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim
configurado
Filtro 1 Filtro 2
Feedback
Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa
tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer
sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem
Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas
eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de
Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do
sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material
ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma
completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as
objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem
destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao
menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto
de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na
divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32
30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212
SUBSISTEMA
COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO
(sociedade ldquoem rede)rdquo
SUBSISTEMA TEacuteCNICO
(criadores)
SUBSISTEMAS DE
GESTAtildeO
(organizaccedilotildees)
SUBSISTEMA
INSTITUCIONAL
(media)
II deg CONSUMO
(sociedade)
Paacutegina 158 de 217
5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc
51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo
As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade
cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo
o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso
tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de
fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas
fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo
acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora
efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais
ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os
ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se
evidencia nas cidades
A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse
sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se
localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e
contraditoriedade
A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como
resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos
como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos
contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos
A cidade pograves-moderna
- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma
finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos
fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer
forma ldquoprivadosrdquo
- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma
expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo
holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta
e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas
Paacutegina 159 de 217
portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de
construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como
as conhecemos
- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no
ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco
significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar
o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural
condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo
riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos
E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um
estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos
organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras
a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um
produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de
comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na
cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente
urbanos
Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares
urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se
multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes
permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de
relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas
vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo
das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-
gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e
certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada
no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza
em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo
mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto
social
Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada
substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave
Paacutegina 160 de 217
individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos
encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a
um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os
ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma
propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute
verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas
vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira
compensativos de uma atomizaccedilatildeo social
52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo
Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita
permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees
sentimentos paixotildees no bem e no mal
E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto
de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares
especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao
mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros
termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia
narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela
do brasileiro Aldir Blanc
Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja
um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma
capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em
ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal
ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem
contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e
envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a
ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso
fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se
e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado
e de alta capacidade descritiva
Paacutegina 161 de 217
Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso
humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do
grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor
de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um
estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo
Pereira33rdquo
Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-
cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse
texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-
termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta
da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo
segundo Caymmi34
Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas
de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros
e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou
mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais
Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir
Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura
como
a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades
da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees
de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a
cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei
com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha
cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa
b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam
toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na
calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)
33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir
34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2
Paacutegina 162 de 217
Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito
igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da
Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)
Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa
pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir
eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve
ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense
pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa
momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e
anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua
dos artistas e transversais
c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como
Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira
aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos
cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta
braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra
Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula
sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila
Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-
rosa o embaixadorrdquo)
d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa
quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em
Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do
Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo
letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma
trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e
irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou
Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao
apogeurdquo)
e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e
transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente
comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda
Paacutegina 163 de 217
sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das
palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o
corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela
instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como
Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir
para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo
imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca
(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje
entatildeordquo)
f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que
enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma
dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas
particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute
entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um
camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime
ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em
Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo
descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me
chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo
importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na
inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor
simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas
ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma
especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um
ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais
recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de
Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas
testemunham isso
Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de
Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar
encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da
ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade
Paacutegina 164 de 217
igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar
contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes
Conclusotildees
Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado
sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute
que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na
sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais
(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas
mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que
orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e
portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo
ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos
CENTRO DO CORACcedilAtildeO
Deus desenhou meu coraccedilatildeo
De um jeito igualzinho
Ao velho Centro do Rio
Satildeo tantos pontos de luz
Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa
Da Candelaacuteria
Eles percorrem minhas coronaacuterias
Vejam vocecircs
No carnaval o bonde 66
Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez
Tem condutor motorneiro
Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro
O nogueira e o velho Hermiacutenio
Num reduto biriteiro
Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo
De quebra me vende mais uma ilusatildeo
Paacutegina 165 de 217
Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor
Satildeo pontes de safena pra tamanho amor
Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou
Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu
vou
Bibliografia Consultada
1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees
2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord
3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata
4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees
5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras
6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo
Palumbo
7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco
8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura
9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium
10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos
11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli
12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando
13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand
Paacutegina 149 de 217
Eacute claro que o posicionamento sobre uma ou a outra concepccedilatildeo possibilita ou natildeo a
configuraccedilatildeo de qualquer discurso social ao redor da arte aceitando a concepccedilatildeo
ldquoexoacutegenardquo muitos tractos de interesse socioloacutegico podem ser delineados tais como
a) A abordagem funcionalista que sugere varias funccedilotildees sociais da literatura a partir da
funccedilatildeo de ldquoidealizaccedilatildeordquo (sublimar os sentimentos) ateacute aquela de ldquodiversatildeordquo (ou loisir)
aleacutem disso ldquoquando considera-se a relaccedilatildeo artesociedade eacute preciso ter em mente que a
arte pode ter ao mesmo tempo uma funccedilatildeo de re ndash envio para uma dimensatildeo diferente
outra daquela social como fonte constante de criatividade inovaccedilatildeo expressiva e
contestaccedilatildeo das ordens constituiacutedos e uma funccedilatildeo celebrativa que tambeacutem confirma os
valores e as representaccedilotildees socialmente partilhadasrdquo8
b) A abordagem estrutural que considera todos os componentes da produccedilatildeo ndash fruiccedilatildeo da
literatura o que mostra uma notaacutevel possibilidade de diferentes momentos de estudo por
exemplo
- Os ldquoartistas (rol e status subsistemas culturais)
- O ldquomercadordquo (sistema buscaoferta sistemas de produccedilatildeo comercializaccedilatildeovenda)
- O ldquopuacuteblicordquo (consumo artiacutestico composiccedilatildeo soacutecio ndash cultural)
- As ldquopoliacuteticas publicasrdquo (intervenccedilotildees estaduais na literatura literatura e escola)
- O ldquostatus socialrdquo da arte ou seja a biparticcedilatildeo ldquoartes maiores (os ldquoclassicosrdquo) versus artes
minores (literatura de supermercadordquo valores sociais de reconhecimentoapreciaccedilatildeo)
3 A ldquocriatividaderdquo
A ldquocriatividaderdquo pode ser definida como um valor cultural e as culturas natildeo podem natildeo
considerar a necessidade de estruturar-se com modalidades e filosofias ldquoque encorajemrdquo
a criatividade a inovaccedilatildeo poreacutem a criatividade quando favorecida constitui uma
dinacircmica especiacutefica que para ser completamente realizada deveraacute excluir
8 Crespi F 1996 Manuale di sociologia della cultura Bari Laterza
Paacutegina 150 de 217
comportamentos ldquoante - criativosrdquo como as formas de controlo social as especializaccedilotildees
vivenciadas rigidamente e elevadas a barreiras sociais o favorecer formalmente as novas
ideias sem realiza-las efectivamente o seguir ldquosempre e de qualquer formardquo as regras e
tradiccedilatildeoA implantaccedilatildeo e o desenvolvimento da ldquocriatividade como valor e praacuteticardquo nos
sistemas sociais de forma difusa representa assim uma dinacircmica processual complexa
que diz respeito ao ldquosistema em sirdquo (que refere-se globalmente ao sistema social onde
cada alteraccedilatildeo individual eou parcial produz uma cadeia de alteraccedilotildees globais) agrave
ldquoculturardquo (que refere-se agrave uma potencial alteraccedilatildeo de valores haacutebitos tradiccedilotildees etc
existentes que especialmente onde as culturas satildeo fortes quanto ao seu ldquovivenciadordquo e
compartilhamento iraacute precisar de um adequado processo de inculturaccedilatildeo ao menos
temporalmente para realizar-se de forma completa) ao ldquosistema de decisatildeordquo (que
comporta uma loacutegica intencional na actividade de decisatildeo de criar continuamente e
incondicionadamente suporte para a criatividade que com certeza natildeo falta de obstaacuteculos
e que sempre precisa de recursos tambeacutem como jaacute consideramos com certeza natildeo eacute a ndash
conflitual)
A criatividade natildeo pode ser reduzida apenas ao ldquoflashrdquo do geacutenio mas consiste tambeacutem
na resultante de vaacuterios factores
a) Factores de contexto soacutecio ndash cultural
b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo
c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees artiacutesticas
d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo
Antes de desenvolver brevemente estes pontos devemos lembrar que esta teorizaccedilatildeo natildeo
diminui de alguma forma a ldquocapacidade individualrdquo do geacutenio poreacutem acrescenta algumas
conotaccedilotildees que derivam pelo simples fato de cada geacutenio nascer e actuar em uma
sociedade em uma cultura em uma altura histoacuterica etc vamos entatildeo examinar os pontos
acima elencados
a) Factores de contexto soacutecio ndash cultural
No desenvolvimento das teorias socioloacutegicas embora em diferentes momentos histoacutericos
ndash sociais e em ldquoescolas de pensamentordquo distantes podemos evidenciar dois momentos de
Paacutegina 151 de 217
elaboraccedilatildeo teoacuterica da assim chamada por Durkheim ldquoefervescecircncia socialrdquo9 isto eacute
situaccedilotildees de contexto que mais que outras facilitam processos de inovaccedilatildeo como a
ldquoanomiardquo de Merton10 e a ldquomorfogeneserdquo de Archer11 Segundo Merton12 ldquoa anomia
depende pela falta de integraccedilatildeo entre a estrutura social que define os status e os papeacuteis
dos sujeitos que agem e a estrutura cultural que define os objectivos a ser alcanccedilados
pelos membros da sociedade bem como as regras a ser respeitadas para alcanccedilar os
objectivos Acontece que as posiccedilotildees dos sujeitos que agem impeccedilam ndash lhe de alcanccedilar
os objectivos indicados pela cultura como as melhores (por exemplo segundo Merton o
objectivo da riqueza e do sucesso na sociedade norte-americana) atraveacutes dos meios
indicados pelas normas institucionais Poreacutem quando as primeiras resultam mais
importantes que as segundas temos um comportamento de inovaccedilatildeo13rdquo
Segundo Archer14 o conceito de ldquomorfogeneserdquo refere-se ldquoaos processos que tendem a
elaborar ou mudar a forma o estaacutedio do sistema hellip ao contraacuterio o termo ldquomorfostasirdquo
refere-se aos processos das trocas complexas entre o sistema e o ambiente que tendem a
conservar a manter uma forma hellip de um sistemardquo ldquoMorfogeneserdquo significa entatildeo uma
situaccedilatildeo social complexa que produz transformaccedilotildees e inovaccedilotildees e que por
consequecircncia com um assim chamado ldquoefeito dominordquo cria uma realidade complexa
onde o acto criativo possui potencialmente muitas possibilidades de se originar e
desenvolver de forma completa
b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo
Aleacutem da noccedilatildeo de contexto em geral devemos considerar a especifica influencia dos
ldquomundos artiacutesticosrdquo e dos ldquomercados artiacutesticosrdquo sobre o mesmo artista na verdade na
nossa opiniatildeo natildeo pode-se negar que as relaccedilotildees ldquoartistas - artistardquo (especialmente em
subsistemas fechados com uma forte interacccedilatildeo e com sistemas normativos ndash valorais
partilhados isto eacute verdadeiras sub ndash culturas) condicionem as escolhas e os percursos de
cada actor bem como as pressotildees do mercado e mais em geral as loacutegicas de atribuiccedilatildeo
9 Cf Durkheim E 1972 La scienza sociale e lrsquoazione Milano Il Saggiatore 10 Cf Merton R1992 Teoria e struttura socialeBolognaIl Mulino 11 Cf Archer M 1997 La morfologenesi della societagrave Milano Franco Angeli 12 Cf Merton Op cit p 190 13 Izzo A1991 Storia del pensiero sociologicoBolognaIl Mulino p 291 14 Cf Archer Op cit
Paacutegina 152 de 217
socioeconoacutemicas de valor (latu sensu) nunca iratildeo deixar indiferente o artista
Sintetizando o processo de criaccedilatildeo artiacutestica pode ser assim descrito
Becker15 insiste muito sobre a reciacuteproca influencia entre os artistas (independente pela
especifica arte praticada individualmente) enquanto comparticipantes de um ldquociacuterculo
artiacutesticordquo ldquoele comeccedila pela interacccedilatildeo microscoacutepica entre os participantes (submundos
artiacutesticos ndr) mudando-se gradualmente para modelos de associaccedilatildeo sempre mais
amplos que compreendem uma variedade de mundos artiacutesticos hellip os mundos onde os
artistas trabalham existem como culturas mais ou menos institucionalizadas que
normalmente tem pouco a ver as umas com as outras hellip Esta anaacutelise de subcultura
apresenta as artes como elas proacuteprias16rdquo Em outras palavras Becker vecirc a criaccedilatildeo artiacutestica
como
-resultante por praacuteticas colectivas geradas nos submundos da arte claramente sem excluir
as qualidades individuais
-influenciada por formas constantes e ldquointimerdquo de interacccedilatildeo social cultural em geral e
artiacutestica no especifico entre os artistas que reconhecem-se no mesmo submundo
c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees literaacuterias
As tradiccedilotildees cuja interessante etimologia oscila entre ldquoentregardquo e ldquoensinordquo assim
chamadas ldquomemoria colectiva canonizadardquo segundo Jedlovski e Rampazi (1991) podem
15 Cf Becker H 2004 I mondi dellrsquoarte Bologna Il Mulino 16 Cf Zolberg Op cit 138
PRODUTO
CONTEXTO
REDES DE INTEGRACcedilAtildeO
MICRO (mundos
artiacutesticos)
REDES DE INTEGRACcedilAtildeO
MESO(mercados
literarios)
ARTISTA
(personalidade status)
Paacutegina 153 de 217
ser definidas como ldquoos modelos de crenccedilas costumes valores comportamentos
conhecimentos e competecircncias que satildeo transmitidas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo por meio do
processo de socializaccedilatildeordquo17 Esta palavra vem depois ser utilizada para indicar tanto o
produto quanto o processo da produccedilatildeo cultural de transmissatildeoensino tiacutepico das mesmas
tradiccedilotildees As tradiccedilotildees constituem uma parte fundamental e um elemento distintivo da
identidade cultural do ldquopertencerrdquo e constituem tambeacutem um ponto de referecircncia
importante para a acccedilatildeo social em geral em particular suportando uma especiacutefica
tipologia weberiana de ldquoacccedilatildeordquo aquela ldquoconforme haacutebitos adquiridos e que viraram
constitutivos do costume a reacccedilatildeo aos estiacutemulos habituais em parte absolutamente
limitativos a maioria das acccedilotildees da vida quotidiana eacute ditada pelo sentido das tradiccedilotildees18rdquo
Sendo elementos distintivos da cultura as tradiccedilotildees tomam valores endoacutegenos (de auto
reconhecimento) e tambeacutem exoacutegenos (de identificaccedilatildeo) para os grupos sociais que
referem-se agrave estes valores
O sistema das tradiccedilotildees pode ser interpretado como uma verdadeira instituiccedilatildeo social no
sentido de ldquoforma de crenccedila de acccedilatildeo e de conduta reconhecida estabelecida e praticada
estavelmenterdquo bem como no sentido de ldquopraacuteticas consolidadas formas estabelecidas de
proceder caracteriacutesticas de uma actividade de grupo19rdquo
O sistema total das tradiccedilotildees respeito agrave uma ideia de continuum cultura ndash subculturas
(locais profissionais de genro) pode depois ser dividido em grandes e pequenas
tradiccedilotildees isto eacute a complementaridade a coexistecircncia entre
a) Traccedilos ligados com especificas comunidades participantes de um sistema social mais
amplo traccedilos mais difundidos gerais ou comuns
b) Divisotildees existentes entre culturas oficiais e culturas folk20 coexistecircncia e
complementaridade que viram substanciais em uma continuidade de reinterpretaccedilotildees
frequentemente constituiacutedas por descobertas reavaliaccedilotildees esquecimentos
As tradiccedilotildees podem ter um valor mais conservador ou de conservaccedilatildeo isto eacute podem ser
um veiacuteculo para as inovaccedilotildees e as mudanccedilas bem como fornecer um suporte para
17 Cf Seymour-Smith C 1991 Dizionario di antropologia Firenze Sansoni p 203-411 18 Morra G 1994 Propedeutica sociologica Bologna Monduzi p 96 19 Cf Op cit Gallino p 388 20 Cf Id p 189
Paacutegina 154 de 217
processos de mudanccedila social natildeo alienadosalienantes a assim chamada ldquoreferecircncia agraves
tradiccedilotildeesrdquo pode ter o duplo significado de
a) Entrincheiramento ao passado de forma total e absolutamente natildeo elaacutestica preliminar
e dominante contra tudo que apareccedila (o seja percebido) novo
b) Conservar uma especificidade cultural que facilite em lugar de contrastar cada input
internoexterno de mudanccedila e consiga homogeneizar seus efeitos com os proacuteprios
especiacuteficos traccedilos culturais
Portanto onde as tradiccedilotildees artiacutesticas resultam ldquopesadasrdquo isto eacute influenciam uma
criatividade principalmente ldquoproblem solverrdquo a criatividade artiacutestica em geral seraacute
certamente e discretamente condicionada e as formas ldquoproblem finderrdquo que poderatildeo
manifestar-se seratildeo limitadamente praticadas pelos outsiders21
4 Ainda sobre a criatividade ldquotipos ideaisrdquo
Ainda Zolberg22 (cit cap IV) reflectindo dobre diferentes pesquisas no acircmbito da
produccedilatildeo artiacutestica faz uma hipoacutetese de dois ideais tipos weberianos de artistas diferentes
quanto agrave abordagem ao problema Segundo esta hipoacutetese podemos distinguir artistas
ldquoproblem solverrdquo e ldquoproblem finderrdquo os primeiros prestam atenccedilatildeo agrave produccedilatildeo artiacutestica
existente individuando diferentes modalidades de expressatildeo os segundos investigam
principalmente novas problemaacuteticas eou necessidades artiacutestico-literarias Ambas as
tipologias podem de qualquer forma trabalhar segundo loacutegicas mais tradicionais ou
inovadoras Estes ldquoideal-tiposrdquo podem ser assim representados
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
James Joyce)
Redescoberta criativa com novos
significados (ex os ldquominimalistasrdquo)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo (ex
a ldquobeat generationrdquo)
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Gabriel
Garcia Marquez)
21 Cf Becker H 1991 Outsiders Torino Abele 22 Cf Zolberg Op cit
Paacutegina 155 de 217
Ou falando em literatura brasileira
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
Manuel Bandeira)
Redescoberta criativa com
novos significados (exClarice
Lispector)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo
(exJoseacute Lins do Rego )
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex
Jorge Amado)
Ou ainda falando em teatro brasileiro
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
Oswald de Andrade)
Redescoberta criativa com
novos significados (exNelson
Rodrigues)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo
(exTeatro Arena)
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Dias
Gomes)
E afinal falando de formas de poesia para musica (na MPB)
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo
(exLetristaspoetas da rdquoBossa
novardquo)
Redescoberta criativa com
novos significados (exMoacir
Luz23)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo (ex
Seu Jorge)
Seguidores da tradiccedilatildeo
(ex Paulinho da Viola)
d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo
Quais satildeo as loacutegicas os mecanismos os actores da induacutestria cultural Podemos fazer uma
hipoacutetese de modelo explicativo (embora bastante geral) sobre o que acontece hoje em
uma situaccedilatildeo caracterizada por fenomenologias incertas onde alguns ldquoobjectos24rdquo fazem
23 Luz M(1995)Vitoacuteria da ilusatildeoRio de JaneiroMaracujazz Produccedilotildees 24 Cf Gardiner H 1991 Formae Mentis Milano Feltrinelli p 26-29
Paacutegina 156 de 217
carreira e sendo ldquofuncionaisrdquo viram ldquoculturaisrdquo nas suas esferas de referecircncia ou em
uma geral ldquoconcepccedilatildeo do mundordquo O assim chamado ldquomodelo de Hirsch25 Sciolla26 e
obviamente Hirsch27 parece colectar muito consenso ldquoHirsch28 realizou um esquema das
relaccedilotildees entre os diferentes subsistemas existentes no sistema por ele mesmo definido
sistema da induacutestria cultural que descreve o conjunto de organizaccedilotildees que produzem
artigos culturais de massa como discos livros programas da televisatildeo e da raacutedio Neste
esquema os media representem um subsistema entre os outros A organizaccedilatildeo ldquode
gestatildeordquo por exemplo para alcanccedilar os mass media fornece informaccedilotildees sobre o produto
(filtro 2) Estas notiacutecias satildeo utilizadas pelo sistema institucional nos media (gatekeepers
mediais) Neste espaccedilo de intermediaccedilatildeo surgem possibilidades de relaccedilotildees pouco
transparentes quando natildeo de corrupccedilatildeo O puacuteblico conhece o novo produto atraveacutes dos
media Temos por fim dois tipos de feedback o primeiro vem dos medias o segundo
dos consumidores mensurado pelas vendas de bilhetes discos livros29rdquo
O modelo pode ser assim configurado
Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3
Feedback
A figura representa a configuraccedilatildeo tradicional do modelo poreacutem sendo um ldquomodelordquo
natildeo deve ser utilizado de forma riacutegida mas sim como principalmente indicador de um
processo complexo Assistimos hoje por meio e causa das redes a jaacute conhecidas
alteraccedilotildees deste andamento processual os claacutessicos exemplos satildeo aqueles criativos (em
particular da literatura) que entram directamente atraveacutes da web no sistema dos media
propondo suas criaccedilotildees e quase ldquoimpondo-ardquo para o publico sem os tradicionais filtros de
25 Cf Ibid p 40 26 Cf Sciolla L 2002 Sociologia dei processi culturali Bologna Il Mulino p 216-217 27 Cf Hirsch PM 1972 Processing fods and fashion in Annual Journal of Sociology77 p 20-34 28 Cf Ibid 29 Cf Sciolla Op cit p 216
SUBSISTEMA TEacuteCNICO
(criadores)
SUBSISTEMA
INSTITUCIONAL
(media)
SUBSISTEMA DE
GESTAtildeO
(organizaccedilotildees)
CONSUMO
(sociedade)
Paacutegina 157 de 217
subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de
Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim
configurado
Filtro 1 Filtro 2
Feedback
Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa
tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer
sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem
Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas
eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de
Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do
sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material
ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma
completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as
objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem
destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao
menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto
de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na
divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32
30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212
SUBSISTEMA
COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO
(sociedade ldquoem rede)rdquo
SUBSISTEMA TEacuteCNICO
(criadores)
SUBSISTEMAS DE
GESTAtildeO
(organizaccedilotildees)
SUBSISTEMA
INSTITUCIONAL
(media)
II deg CONSUMO
(sociedade)
Paacutegina 158 de 217
5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc
51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo
As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade
cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo
o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso
tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de
fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas
fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo
acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora
efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais
ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os
ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se
evidencia nas cidades
A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse
sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se
localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e
contraditoriedade
A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como
resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos
como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos
contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos
A cidade pograves-moderna
- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma
finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos
fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer
forma ldquoprivadosrdquo
- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma
expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo
holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta
e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas
Paacutegina 159 de 217
portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de
construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como
as conhecemos
- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no
ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco
significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar
o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural
condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo
riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos
E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um
estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos
organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras
a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um
produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de
comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na
cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente
urbanos
Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares
urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se
multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes
permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de
relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas
vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo
das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-
gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e
certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada
no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza
em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo
mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto
social
Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada
substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave
Paacutegina 160 de 217
individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos
encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a
um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os
ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma
propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute
verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas
vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira
compensativos de uma atomizaccedilatildeo social
52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo
Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita
permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees
sentimentos paixotildees no bem e no mal
E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto
de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares
especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao
mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros
termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia
narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela
do brasileiro Aldir Blanc
Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja
um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma
capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em
ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal
ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem
contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e
envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a
ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso
fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se
e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado
e de alta capacidade descritiva
Paacutegina 161 de 217
Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso
humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do
grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor
de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um
estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo
Pereira33rdquo
Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-
cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse
texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-
termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta
da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo
segundo Caymmi34
Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas
de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros
e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou
mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais
Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir
Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura
como
a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades
da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees
de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a
cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei
com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha
cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa
b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam
toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na
calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)
33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir
34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2
Paacutegina 162 de 217
Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito
igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da
Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)
Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa
pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir
eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve
ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense
pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa
momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e
anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua
dos artistas e transversais
c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como
Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira
aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos
cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta
braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra
Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula
sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila
Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-
rosa o embaixadorrdquo)
d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa
quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em
Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do
Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo
letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma
trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e
irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou
Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao
apogeurdquo)
e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e
transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente
comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda
Paacutegina 163 de 217
sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das
palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o
corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela
instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como
Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir
para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo
imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca
(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje
entatildeordquo)
f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que
enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma
dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas
particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute
entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um
camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime
ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em
Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo
descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me
chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo
importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na
inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor
simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas
ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma
especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um
ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais
recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de
Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas
testemunham isso
Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de
Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar
encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da
ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade
Paacutegina 164 de 217
igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar
contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes
Conclusotildees
Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado
sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute
que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na
sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais
(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas
mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que
orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e
portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo
ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos
CENTRO DO CORACcedilAtildeO
Deus desenhou meu coraccedilatildeo
De um jeito igualzinho
Ao velho Centro do Rio
Satildeo tantos pontos de luz
Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa
Da Candelaacuteria
Eles percorrem minhas coronaacuterias
Vejam vocecircs
No carnaval o bonde 66
Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez
Tem condutor motorneiro
Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro
O nogueira e o velho Hermiacutenio
Num reduto biriteiro
Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo
De quebra me vende mais uma ilusatildeo
Paacutegina 165 de 217
Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor
Satildeo pontes de safena pra tamanho amor
Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou
Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu
vou
Bibliografia Consultada
1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees
2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord
3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata
4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees
5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras
6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo
Palumbo
7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco
8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura
9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium
10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos
11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli
12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando
13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand
Paacutegina 150 de 217
comportamentos ldquoante - criativosrdquo como as formas de controlo social as especializaccedilotildees
vivenciadas rigidamente e elevadas a barreiras sociais o favorecer formalmente as novas
ideias sem realiza-las efectivamente o seguir ldquosempre e de qualquer formardquo as regras e
tradiccedilatildeoA implantaccedilatildeo e o desenvolvimento da ldquocriatividade como valor e praacuteticardquo nos
sistemas sociais de forma difusa representa assim uma dinacircmica processual complexa
que diz respeito ao ldquosistema em sirdquo (que refere-se globalmente ao sistema social onde
cada alteraccedilatildeo individual eou parcial produz uma cadeia de alteraccedilotildees globais) agrave
ldquoculturardquo (que refere-se agrave uma potencial alteraccedilatildeo de valores haacutebitos tradiccedilotildees etc
existentes que especialmente onde as culturas satildeo fortes quanto ao seu ldquovivenciadordquo e
compartilhamento iraacute precisar de um adequado processo de inculturaccedilatildeo ao menos
temporalmente para realizar-se de forma completa) ao ldquosistema de decisatildeordquo (que
comporta uma loacutegica intencional na actividade de decisatildeo de criar continuamente e
incondicionadamente suporte para a criatividade que com certeza natildeo falta de obstaacuteculos
e que sempre precisa de recursos tambeacutem como jaacute consideramos com certeza natildeo eacute a ndash
conflitual)
A criatividade natildeo pode ser reduzida apenas ao ldquoflashrdquo do geacutenio mas consiste tambeacutem
na resultante de vaacuterios factores
a) Factores de contexto soacutecio ndash cultural
b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo
c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees artiacutesticas
d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo
Antes de desenvolver brevemente estes pontos devemos lembrar que esta teorizaccedilatildeo natildeo
diminui de alguma forma a ldquocapacidade individualrdquo do geacutenio poreacutem acrescenta algumas
conotaccedilotildees que derivam pelo simples fato de cada geacutenio nascer e actuar em uma
sociedade em uma cultura em uma altura histoacuterica etc vamos entatildeo examinar os pontos
acima elencados
a) Factores de contexto soacutecio ndash cultural
No desenvolvimento das teorias socioloacutegicas embora em diferentes momentos histoacutericos
ndash sociais e em ldquoescolas de pensamentordquo distantes podemos evidenciar dois momentos de
Paacutegina 151 de 217
elaboraccedilatildeo teoacuterica da assim chamada por Durkheim ldquoefervescecircncia socialrdquo9 isto eacute
situaccedilotildees de contexto que mais que outras facilitam processos de inovaccedilatildeo como a
ldquoanomiardquo de Merton10 e a ldquomorfogeneserdquo de Archer11 Segundo Merton12 ldquoa anomia
depende pela falta de integraccedilatildeo entre a estrutura social que define os status e os papeacuteis
dos sujeitos que agem e a estrutura cultural que define os objectivos a ser alcanccedilados
pelos membros da sociedade bem como as regras a ser respeitadas para alcanccedilar os
objectivos Acontece que as posiccedilotildees dos sujeitos que agem impeccedilam ndash lhe de alcanccedilar
os objectivos indicados pela cultura como as melhores (por exemplo segundo Merton o
objectivo da riqueza e do sucesso na sociedade norte-americana) atraveacutes dos meios
indicados pelas normas institucionais Poreacutem quando as primeiras resultam mais
importantes que as segundas temos um comportamento de inovaccedilatildeo13rdquo
Segundo Archer14 o conceito de ldquomorfogeneserdquo refere-se ldquoaos processos que tendem a
elaborar ou mudar a forma o estaacutedio do sistema hellip ao contraacuterio o termo ldquomorfostasirdquo
refere-se aos processos das trocas complexas entre o sistema e o ambiente que tendem a
conservar a manter uma forma hellip de um sistemardquo ldquoMorfogeneserdquo significa entatildeo uma
situaccedilatildeo social complexa que produz transformaccedilotildees e inovaccedilotildees e que por
consequecircncia com um assim chamado ldquoefeito dominordquo cria uma realidade complexa
onde o acto criativo possui potencialmente muitas possibilidades de se originar e
desenvolver de forma completa
b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo
Aleacutem da noccedilatildeo de contexto em geral devemos considerar a especifica influencia dos
ldquomundos artiacutesticosrdquo e dos ldquomercados artiacutesticosrdquo sobre o mesmo artista na verdade na
nossa opiniatildeo natildeo pode-se negar que as relaccedilotildees ldquoartistas - artistardquo (especialmente em
subsistemas fechados com uma forte interacccedilatildeo e com sistemas normativos ndash valorais
partilhados isto eacute verdadeiras sub ndash culturas) condicionem as escolhas e os percursos de
cada actor bem como as pressotildees do mercado e mais em geral as loacutegicas de atribuiccedilatildeo
9 Cf Durkheim E 1972 La scienza sociale e lrsquoazione Milano Il Saggiatore 10 Cf Merton R1992 Teoria e struttura socialeBolognaIl Mulino 11 Cf Archer M 1997 La morfologenesi della societagrave Milano Franco Angeli 12 Cf Merton Op cit p 190 13 Izzo A1991 Storia del pensiero sociologicoBolognaIl Mulino p 291 14 Cf Archer Op cit
Paacutegina 152 de 217
socioeconoacutemicas de valor (latu sensu) nunca iratildeo deixar indiferente o artista
Sintetizando o processo de criaccedilatildeo artiacutestica pode ser assim descrito
Becker15 insiste muito sobre a reciacuteproca influencia entre os artistas (independente pela
especifica arte praticada individualmente) enquanto comparticipantes de um ldquociacuterculo
artiacutesticordquo ldquoele comeccedila pela interacccedilatildeo microscoacutepica entre os participantes (submundos
artiacutesticos ndr) mudando-se gradualmente para modelos de associaccedilatildeo sempre mais
amplos que compreendem uma variedade de mundos artiacutesticos hellip os mundos onde os
artistas trabalham existem como culturas mais ou menos institucionalizadas que
normalmente tem pouco a ver as umas com as outras hellip Esta anaacutelise de subcultura
apresenta as artes como elas proacuteprias16rdquo Em outras palavras Becker vecirc a criaccedilatildeo artiacutestica
como
-resultante por praacuteticas colectivas geradas nos submundos da arte claramente sem excluir
as qualidades individuais
-influenciada por formas constantes e ldquointimerdquo de interacccedilatildeo social cultural em geral e
artiacutestica no especifico entre os artistas que reconhecem-se no mesmo submundo
c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees literaacuterias
As tradiccedilotildees cuja interessante etimologia oscila entre ldquoentregardquo e ldquoensinordquo assim
chamadas ldquomemoria colectiva canonizadardquo segundo Jedlovski e Rampazi (1991) podem
15 Cf Becker H 2004 I mondi dellrsquoarte Bologna Il Mulino 16 Cf Zolberg Op cit 138
PRODUTO
CONTEXTO
REDES DE INTEGRACcedilAtildeO
MICRO (mundos
artiacutesticos)
REDES DE INTEGRACcedilAtildeO
MESO(mercados
literarios)
ARTISTA
(personalidade status)
Paacutegina 153 de 217
ser definidas como ldquoos modelos de crenccedilas costumes valores comportamentos
conhecimentos e competecircncias que satildeo transmitidas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo por meio do
processo de socializaccedilatildeordquo17 Esta palavra vem depois ser utilizada para indicar tanto o
produto quanto o processo da produccedilatildeo cultural de transmissatildeoensino tiacutepico das mesmas
tradiccedilotildees As tradiccedilotildees constituem uma parte fundamental e um elemento distintivo da
identidade cultural do ldquopertencerrdquo e constituem tambeacutem um ponto de referecircncia
importante para a acccedilatildeo social em geral em particular suportando uma especiacutefica
tipologia weberiana de ldquoacccedilatildeordquo aquela ldquoconforme haacutebitos adquiridos e que viraram
constitutivos do costume a reacccedilatildeo aos estiacutemulos habituais em parte absolutamente
limitativos a maioria das acccedilotildees da vida quotidiana eacute ditada pelo sentido das tradiccedilotildees18rdquo
Sendo elementos distintivos da cultura as tradiccedilotildees tomam valores endoacutegenos (de auto
reconhecimento) e tambeacutem exoacutegenos (de identificaccedilatildeo) para os grupos sociais que
referem-se agrave estes valores
O sistema das tradiccedilotildees pode ser interpretado como uma verdadeira instituiccedilatildeo social no
sentido de ldquoforma de crenccedila de acccedilatildeo e de conduta reconhecida estabelecida e praticada
estavelmenterdquo bem como no sentido de ldquopraacuteticas consolidadas formas estabelecidas de
proceder caracteriacutesticas de uma actividade de grupo19rdquo
O sistema total das tradiccedilotildees respeito agrave uma ideia de continuum cultura ndash subculturas
(locais profissionais de genro) pode depois ser dividido em grandes e pequenas
tradiccedilotildees isto eacute a complementaridade a coexistecircncia entre
a) Traccedilos ligados com especificas comunidades participantes de um sistema social mais
amplo traccedilos mais difundidos gerais ou comuns
b) Divisotildees existentes entre culturas oficiais e culturas folk20 coexistecircncia e
complementaridade que viram substanciais em uma continuidade de reinterpretaccedilotildees
frequentemente constituiacutedas por descobertas reavaliaccedilotildees esquecimentos
As tradiccedilotildees podem ter um valor mais conservador ou de conservaccedilatildeo isto eacute podem ser
um veiacuteculo para as inovaccedilotildees e as mudanccedilas bem como fornecer um suporte para
17 Cf Seymour-Smith C 1991 Dizionario di antropologia Firenze Sansoni p 203-411 18 Morra G 1994 Propedeutica sociologica Bologna Monduzi p 96 19 Cf Op cit Gallino p 388 20 Cf Id p 189
Paacutegina 154 de 217
processos de mudanccedila social natildeo alienadosalienantes a assim chamada ldquoreferecircncia agraves
tradiccedilotildeesrdquo pode ter o duplo significado de
a) Entrincheiramento ao passado de forma total e absolutamente natildeo elaacutestica preliminar
e dominante contra tudo que apareccedila (o seja percebido) novo
b) Conservar uma especificidade cultural que facilite em lugar de contrastar cada input
internoexterno de mudanccedila e consiga homogeneizar seus efeitos com os proacuteprios
especiacuteficos traccedilos culturais
Portanto onde as tradiccedilotildees artiacutesticas resultam ldquopesadasrdquo isto eacute influenciam uma
criatividade principalmente ldquoproblem solverrdquo a criatividade artiacutestica em geral seraacute
certamente e discretamente condicionada e as formas ldquoproblem finderrdquo que poderatildeo
manifestar-se seratildeo limitadamente praticadas pelos outsiders21
4 Ainda sobre a criatividade ldquotipos ideaisrdquo
Ainda Zolberg22 (cit cap IV) reflectindo dobre diferentes pesquisas no acircmbito da
produccedilatildeo artiacutestica faz uma hipoacutetese de dois ideais tipos weberianos de artistas diferentes
quanto agrave abordagem ao problema Segundo esta hipoacutetese podemos distinguir artistas
ldquoproblem solverrdquo e ldquoproblem finderrdquo os primeiros prestam atenccedilatildeo agrave produccedilatildeo artiacutestica
existente individuando diferentes modalidades de expressatildeo os segundos investigam
principalmente novas problemaacuteticas eou necessidades artiacutestico-literarias Ambas as
tipologias podem de qualquer forma trabalhar segundo loacutegicas mais tradicionais ou
inovadoras Estes ldquoideal-tiposrdquo podem ser assim representados
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
James Joyce)
Redescoberta criativa com novos
significados (ex os ldquominimalistasrdquo)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo (ex
a ldquobeat generationrdquo)
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Gabriel
Garcia Marquez)
21 Cf Becker H 1991 Outsiders Torino Abele 22 Cf Zolberg Op cit
Paacutegina 155 de 217
Ou falando em literatura brasileira
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
Manuel Bandeira)
Redescoberta criativa com
novos significados (exClarice
Lispector)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo
(exJoseacute Lins do Rego )
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex
Jorge Amado)
Ou ainda falando em teatro brasileiro
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
Oswald de Andrade)
Redescoberta criativa com
novos significados (exNelson
Rodrigues)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo
(exTeatro Arena)
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Dias
Gomes)
E afinal falando de formas de poesia para musica (na MPB)
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo
(exLetristaspoetas da rdquoBossa
novardquo)
Redescoberta criativa com
novos significados (exMoacir
Luz23)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo (ex
Seu Jorge)
Seguidores da tradiccedilatildeo
(ex Paulinho da Viola)
d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo
Quais satildeo as loacutegicas os mecanismos os actores da induacutestria cultural Podemos fazer uma
hipoacutetese de modelo explicativo (embora bastante geral) sobre o que acontece hoje em
uma situaccedilatildeo caracterizada por fenomenologias incertas onde alguns ldquoobjectos24rdquo fazem
23 Luz M(1995)Vitoacuteria da ilusatildeoRio de JaneiroMaracujazz Produccedilotildees 24 Cf Gardiner H 1991 Formae Mentis Milano Feltrinelli p 26-29
Paacutegina 156 de 217
carreira e sendo ldquofuncionaisrdquo viram ldquoculturaisrdquo nas suas esferas de referecircncia ou em
uma geral ldquoconcepccedilatildeo do mundordquo O assim chamado ldquomodelo de Hirsch25 Sciolla26 e
obviamente Hirsch27 parece colectar muito consenso ldquoHirsch28 realizou um esquema das
relaccedilotildees entre os diferentes subsistemas existentes no sistema por ele mesmo definido
sistema da induacutestria cultural que descreve o conjunto de organizaccedilotildees que produzem
artigos culturais de massa como discos livros programas da televisatildeo e da raacutedio Neste
esquema os media representem um subsistema entre os outros A organizaccedilatildeo ldquode
gestatildeordquo por exemplo para alcanccedilar os mass media fornece informaccedilotildees sobre o produto
(filtro 2) Estas notiacutecias satildeo utilizadas pelo sistema institucional nos media (gatekeepers
mediais) Neste espaccedilo de intermediaccedilatildeo surgem possibilidades de relaccedilotildees pouco
transparentes quando natildeo de corrupccedilatildeo O puacuteblico conhece o novo produto atraveacutes dos
media Temos por fim dois tipos de feedback o primeiro vem dos medias o segundo
dos consumidores mensurado pelas vendas de bilhetes discos livros29rdquo
O modelo pode ser assim configurado
Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3
Feedback
A figura representa a configuraccedilatildeo tradicional do modelo poreacutem sendo um ldquomodelordquo
natildeo deve ser utilizado de forma riacutegida mas sim como principalmente indicador de um
processo complexo Assistimos hoje por meio e causa das redes a jaacute conhecidas
alteraccedilotildees deste andamento processual os claacutessicos exemplos satildeo aqueles criativos (em
particular da literatura) que entram directamente atraveacutes da web no sistema dos media
propondo suas criaccedilotildees e quase ldquoimpondo-ardquo para o publico sem os tradicionais filtros de
25 Cf Ibid p 40 26 Cf Sciolla L 2002 Sociologia dei processi culturali Bologna Il Mulino p 216-217 27 Cf Hirsch PM 1972 Processing fods and fashion in Annual Journal of Sociology77 p 20-34 28 Cf Ibid 29 Cf Sciolla Op cit p 216
SUBSISTEMA TEacuteCNICO
(criadores)
SUBSISTEMA
INSTITUCIONAL
(media)
SUBSISTEMA DE
GESTAtildeO
(organizaccedilotildees)
CONSUMO
(sociedade)
Paacutegina 157 de 217
subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de
Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim
configurado
Filtro 1 Filtro 2
Feedback
Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa
tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer
sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem
Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas
eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de
Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do
sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material
ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma
completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as
objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem
destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao
menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto
de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na
divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32
30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212
SUBSISTEMA
COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO
(sociedade ldquoem rede)rdquo
SUBSISTEMA TEacuteCNICO
(criadores)
SUBSISTEMAS DE
GESTAtildeO
(organizaccedilotildees)
SUBSISTEMA
INSTITUCIONAL
(media)
II deg CONSUMO
(sociedade)
Paacutegina 158 de 217
5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc
51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo
As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade
cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo
o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso
tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de
fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas
fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo
acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora
efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais
ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os
ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se
evidencia nas cidades
A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse
sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se
localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e
contraditoriedade
A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como
resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos
como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos
contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos
A cidade pograves-moderna
- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma
finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos
fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer
forma ldquoprivadosrdquo
- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma
expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo
holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta
e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas
Paacutegina 159 de 217
portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de
construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como
as conhecemos
- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no
ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco
significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar
o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural
condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo
riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos
E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um
estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos
organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras
a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um
produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de
comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na
cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente
urbanos
Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares
urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se
multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes
permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de
relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas
vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo
das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-
gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e
certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada
no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza
em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo
mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto
social
Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada
substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave
Paacutegina 160 de 217
individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos
encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a
um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os
ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma
propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute
verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas
vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira
compensativos de uma atomizaccedilatildeo social
52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo
Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita
permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees
sentimentos paixotildees no bem e no mal
E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto
de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares
especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao
mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros
termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia
narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela
do brasileiro Aldir Blanc
Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja
um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma
capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em
ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal
ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem
contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e
envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a
ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso
fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se
e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado
e de alta capacidade descritiva
Paacutegina 161 de 217
Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso
humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do
grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor
de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um
estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo
Pereira33rdquo
Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-
cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse
texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-
termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta
da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo
segundo Caymmi34
Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas
de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros
e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou
mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais
Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir
Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura
como
a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades
da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees
de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a
cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei
com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha
cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa
b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam
toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na
calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)
33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir
34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2
Paacutegina 162 de 217
Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito
igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da
Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)
Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa
pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir
eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve
ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense
pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa
momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e
anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua
dos artistas e transversais
c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como
Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira
aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos
cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta
braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra
Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula
sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila
Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-
rosa o embaixadorrdquo)
d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa
quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em
Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do
Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo
letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma
trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e
irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou
Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao
apogeurdquo)
e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e
transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente
comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda
Paacutegina 163 de 217
sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das
palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o
corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela
instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como
Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir
para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo
imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca
(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje
entatildeordquo)
f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que
enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma
dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas
particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute
entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um
camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime
ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em
Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo
descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me
chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo
importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na
inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor
simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas
ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma
especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um
ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais
recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de
Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas
testemunham isso
Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de
Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar
encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da
ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade
Paacutegina 164 de 217
igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar
contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes
Conclusotildees
Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado
sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute
que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na
sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais
(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas
mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que
orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e
portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo
ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos
CENTRO DO CORACcedilAtildeO
Deus desenhou meu coraccedilatildeo
De um jeito igualzinho
Ao velho Centro do Rio
Satildeo tantos pontos de luz
Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa
Da Candelaacuteria
Eles percorrem minhas coronaacuterias
Vejam vocecircs
No carnaval o bonde 66
Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez
Tem condutor motorneiro
Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro
O nogueira e o velho Hermiacutenio
Num reduto biriteiro
Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo
De quebra me vende mais uma ilusatildeo
Paacutegina 165 de 217
Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor
Satildeo pontes de safena pra tamanho amor
Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou
Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu
vou
Bibliografia Consultada
1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees
2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord
3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata
4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees
5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras
6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo
Palumbo
7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco
8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura
9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium
10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos
11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli
12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando
13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand
Paacutegina 151 de 217
elaboraccedilatildeo teoacuterica da assim chamada por Durkheim ldquoefervescecircncia socialrdquo9 isto eacute
situaccedilotildees de contexto que mais que outras facilitam processos de inovaccedilatildeo como a
ldquoanomiardquo de Merton10 e a ldquomorfogeneserdquo de Archer11 Segundo Merton12 ldquoa anomia
depende pela falta de integraccedilatildeo entre a estrutura social que define os status e os papeacuteis
dos sujeitos que agem e a estrutura cultural que define os objectivos a ser alcanccedilados
pelos membros da sociedade bem como as regras a ser respeitadas para alcanccedilar os
objectivos Acontece que as posiccedilotildees dos sujeitos que agem impeccedilam ndash lhe de alcanccedilar
os objectivos indicados pela cultura como as melhores (por exemplo segundo Merton o
objectivo da riqueza e do sucesso na sociedade norte-americana) atraveacutes dos meios
indicados pelas normas institucionais Poreacutem quando as primeiras resultam mais
importantes que as segundas temos um comportamento de inovaccedilatildeo13rdquo
Segundo Archer14 o conceito de ldquomorfogeneserdquo refere-se ldquoaos processos que tendem a
elaborar ou mudar a forma o estaacutedio do sistema hellip ao contraacuterio o termo ldquomorfostasirdquo
refere-se aos processos das trocas complexas entre o sistema e o ambiente que tendem a
conservar a manter uma forma hellip de um sistemardquo ldquoMorfogeneserdquo significa entatildeo uma
situaccedilatildeo social complexa que produz transformaccedilotildees e inovaccedilotildees e que por
consequecircncia com um assim chamado ldquoefeito dominordquo cria uma realidade complexa
onde o acto criativo possui potencialmente muitas possibilidades de se originar e
desenvolver de forma completa
b) Factores ligados aos ldquociacuterculos sociais ndash artiacutesticosrdquo
Aleacutem da noccedilatildeo de contexto em geral devemos considerar a especifica influencia dos
ldquomundos artiacutesticosrdquo e dos ldquomercados artiacutesticosrdquo sobre o mesmo artista na verdade na
nossa opiniatildeo natildeo pode-se negar que as relaccedilotildees ldquoartistas - artistardquo (especialmente em
subsistemas fechados com uma forte interacccedilatildeo e com sistemas normativos ndash valorais
partilhados isto eacute verdadeiras sub ndash culturas) condicionem as escolhas e os percursos de
cada actor bem como as pressotildees do mercado e mais em geral as loacutegicas de atribuiccedilatildeo
9 Cf Durkheim E 1972 La scienza sociale e lrsquoazione Milano Il Saggiatore 10 Cf Merton R1992 Teoria e struttura socialeBolognaIl Mulino 11 Cf Archer M 1997 La morfologenesi della societagrave Milano Franco Angeli 12 Cf Merton Op cit p 190 13 Izzo A1991 Storia del pensiero sociologicoBolognaIl Mulino p 291 14 Cf Archer Op cit
Paacutegina 152 de 217
socioeconoacutemicas de valor (latu sensu) nunca iratildeo deixar indiferente o artista
Sintetizando o processo de criaccedilatildeo artiacutestica pode ser assim descrito
Becker15 insiste muito sobre a reciacuteproca influencia entre os artistas (independente pela
especifica arte praticada individualmente) enquanto comparticipantes de um ldquociacuterculo
artiacutesticordquo ldquoele comeccedila pela interacccedilatildeo microscoacutepica entre os participantes (submundos
artiacutesticos ndr) mudando-se gradualmente para modelos de associaccedilatildeo sempre mais
amplos que compreendem uma variedade de mundos artiacutesticos hellip os mundos onde os
artistas trabalham existem como culturas mais ou menos institucionalizadas que
normalmente tem pouco a ver as umas com as outras hellip Esta anaacutelise de subcultura
apresenta as artes como elas proacuteprias16rdquo Em outras palavras Becker vecirc a criaccedilatildeo artiacutestica
como
-resultante por praacuteticas colectivas geradas nos submundos da arte claramente sem excluir
as qualidades individuais
-influenciada por formas constantes e ldquointimerdquo de interacccedilatildeo social cultural em geral e
artiacutestica no especifico entre os artistas que reconhecem-se no mesmo submundo
c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees literaacuterias
As tradiccedilotildees cuja interessante etimologia oscila entre ldquoentregardquo e ldquoensinordquo assim
chamadas ldquomemoria colectiva canonizadardquo segundo Jedlovski e Rampazi (1991) podem
15 Cf Becker H 2004 I mondi dellrsquoarte Bologna Il Mulino 16 Cf Zolberg Op cit 138
PRODUTO
CONTEXTO
REDES DE INTEGRACcedilAtildeO
MICRO (mundos
artiacutesticos)
REDES DE INTEGRACcedilAtildeO
MESO(mercados
literarios)
ARTISTA
(personalidade status)
Paacutegina 153 de 217
ser definidas como ldquoos modelos de crenccedilas costumes valores comportamentos
conhecimentos e competecircncias que satildeo transmitidas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo por meio do
processo de socializaccedilatildeordquo17 Esta palavra vem depois ser utilizada para indicar tanto o
produto quanto o processo da produccedilatildeo cultural de transmissatildeoensino tiacutepico das mesmas
tradiccedilotildees As tradiccedilotildees constituem uma parte fundamental e um elemento distintivo da
identidade cultural do ldquopertencerrdquo e constituem tambeacutem um ponto de referecircncia
importante para a acccedilatildeo social em geral em particular suportando uma especiacutefica
tipologia weberiana de ldquoacccedilatildeordquo aquela ldquoconforme haacutebitos adquiridos e que viraram
constitutivos do costume a reacccedilatildeo aos estiacutemulos habituais em parte absolutamente
limitativos a maioria das acccedilotildees da vida quotidiana eacute ditada pelo sentido das tradiccedilotildees18rdquo
Sendo elementos distintivos da cultura as tradiccedilotildees tomam valores endoacutegenos (de auto
reconhecimento) e tambeacutem exoacutegenos (de identificaccedilatildeo) para os grupos sociais que
referem-se agrave estes valores
O sistema das tradiccedilotildees pode ser interpretado como uma verdadeira instituiccedilatildeo social no
sentido de ldquoforma de crenccedila de acccedilatildeo e de conduta reconhecida estabelecida e praticada
estavelmenterdquo bem como no sentido de ldquopraacuteticas consolidadas formas estabelecidas de
proceder caracteriacutesticas de uma actividade de grupo19rdquo
O sistema total das tradiccedilotildees respeito agrave uma ideia de continuum cultura ndash subculturas
(locais profissionais de genro) pode depois ser dividido em grandes e pequenas
tradiccedilotildees isto eacute a complementaridade a coexistecircncia entre
a) Traccedilos ligados com especificas comunidades participantes de um sistema social mais
amplo traccedilos mais difundidos gerais ou comuns
b) Divisotildees existentes entre culturas oficiais e culturas folk20 coexistecircncia e
complementaridade que viram substanciais em uma continuidade de reinterpretaccedilotildees
frequentemente constituiacutedas por descobertas reavaliaccedilotildees esquecimentos
As tradiccedilotildees podem ter um valor mais conservador ou de conservaccedilatildeo isto eacute podem ser
um veiacuteculo para as inovaccedilotildees e as mudanccedilas bem como fornecer um suporte para
17 Cf Seymour-Smith C 1991 Dizionario di antropologia Firenze Sansoni p 203-411 18 Morra G 1994 Propedeutica sociologica Bologna Monduzi p 96 19 Cf Op cit Gallino p 388 20 Cf Id p 189
Paacutegina 154 de 217
processos de mudanccedila social natildeo alienadosalienantes a assim chamada ldquoreferecircncia agraves
tradiccedilotildeesrdquo pode ter o duplo significado de
a) Entrincheiramento ao passado de forma total e absolutamente natildeo elaacutestica preliminar
e dominante contra tudo que apareccedila (o seja percebido) novo
b) Conservar uma especificidade cultural que facilite em lugar de contrastar cada input
internoexterno de mudanccedila e consiga homogeneizar seus efeitos com os proacuteprios
especiacuteficos traccedilos culturais
Portanto onde as tradiccedilotildees artiacutesticas resultam ldquopesadasrdquo isto eacute influenciam uma
criatividade principalmente ldquoproblem solverrdquo a criatividade artiacutestica em geral seraacute
certamente e discretamente condicionada e as formas ldquoproblem finderrdquo que poderatildeo
manifestar-se seratildeo limitadamente praticadas pelos outsiders21
4 Ainda sobre a criatividade ldquotipos ideaisrdquo
Ainda Zolberg22 (cit cap IV) reflectindo dobre diferentes pesquisas no acircmbito da
produccedilatildeo artiacutestica faz uma hipoacutetese de dois ideais tipos weberianos de artistas diferentes
quanto agrave abordagem ao problema Segundo esta hipoacutetese podemos distinguir artistas
ldquoproblem solverrdquo e ldquoproblem finderrdquo os primeiros prestam atenccedilatildeo agrave produccedilatildeo artiacutestica
existente individuando diferentes modalidades de expressatildeo os segundos investigam
principalmente novas problemaacuteticas eou necessidades artiacutestico-literarias Ambas as
tipologias podem de qualquer forma trabalhar segundo loacutegicas mais tradicionais ou
inovadoras Estes ldquoideal-tiposrdquo podem ser assim representados
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
James Joyce)
Redescoberta criativa com novos
significados (ex os ldquominimalistasrdquo)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo (ex
a ldquobeat generationrdquo)
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Gabriel
Garcia Marquez)
21 Cf Becker H 1991 Outsiders Torino Abele 22 Cf Zolberg Op cit
Paacutegina 155 de 217
Ou falando em literatura brasileira
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
Manuel Bandeira)
Redescoberta criativa com
novos significados (exClarice
Lispector)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo
(exJoseacute Lins do Rego )
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex
Jorge Amado)
Ou ainda falando em teatro brasileiro
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
Oswald de Andrade)
Redescoberta criativa com
novos significados (exNelson
Rodrigues)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo
(exTeatro Arena)
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Dias
Gomes)
E afinal falando de formas de poesia para musica (na MPB)
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo
(exLetristaspoetas da rdquoBossa
novardquo)
Redescoberta criativa com
novos significados (exMoacir
Luz23)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo (ex
Seu Jorge)
Seguidores da tradiccedilatildeo
(ex Paulinho da Viola)
d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo
Quais satildeo as loacutegicas os mecanismos os actores da induacutestria cultural Podemos fazer uma
hipoacutetese de modelo explicativo (embora bastante geral) sobre o que acontece hoje em
uma situaccedilatildeo caracterizada por fenomenologias incertas onde alguns ldquoobjectos24rdquo fazem
23 Luz M(1995)Vitoacuteria da ilusatildeoRio de JaneiroMaracujazz Produccedilotildees 24 Cf Gardiner H 1991 Formae Mentis Milano Feltrinelli p 26-29
Paacutegina 156 de 217
carreira e sendo ldquofuncionaisrdquo viram ldquoculturaisrdquo nas suas esferas de referecircncia ou em
uma geral ldquoconcepccedilatildeo do mundordquo O assim chamado ldquomodelo de Hirsch25 Sciolla26 e
obviamente Hirsch27 parece colectar muito consenso ldquoHirsch28 realizou um esquema das
relaccedilotildees entre os diferentes subsistemas existentes no sistema por ele mesmo definido
sistema da induacutestria cultural que descreve o conjunto de organizaccedilotildees que produzem
artigos culturais de massa como discos livros programas da televisatildeo e da raacutedio Neste
esquema os media representem um subsistema entre os outros A organizaccedilatildeo ldquode
gestatildeordquo por exemplo para alcanccedilar os mass media fornece informaccedilotildees sobre o produto
(filtro 2) Estas notiacutecias satildeo utilizadas pelo sistema institucional nos media (gatekeepers
mediais) Neste espaccedilo de intermediaccedilatildeo surgem possibilidades de relaccedilotildees pouco
transparentes quando natildeo de corrupccedilatildeo O puacuteblico conhece o novo produto atraveacutes dos
media Temos por fim dois tipos de feedback o primeiro vem dos medias o segundo
dos consumidores mensurado pelas vendas de bilhetes discos livros29rdquo
O modelo pode ser assim configurado
Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3
Feedback
A figura representa a configuraccedilatildeo tradicional do modelo poreacutem sendo um ldquomodelordquo
natildeo deve ser utilizado de forma riacutegida mas sim como principalmente indicador de um
processo complexo Assistimos hoje por meio e causa das redes a jaacute conhecidas
alteraccedilotildees deste andamento processual os claacutessicos exemplos satildeo aqueles criativos (em
particular da literatura) que entram directamente atraveacutes da web no sistema dos media
propondo suas criaccedilotildees e quase ldquoimpondo-ardquo para o publico sem os tradicionais filtros de
25 Cf Ibid p 40 26 Cf Sciolla L 2002 Sociologia dei processi culturali Bologna Il Mulino p 216-217 27 Cf Hirsch PM 1972 Processing fods and fashion in Annual Journal of Sociology77 p 20-34 28 Cf Ibid 29 Cf Sciolla Op cit p 216
SUBSISTEMA TEacuteCNICO
(criadores)
SUBSISTEMA
INSTITUCIONAL
(media)
SUBSISTEMA DE
GESTAtildeO
(organizaccedilotildees)
CONSUMO
(sociedade)
Paacutegina 157 de 217
subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de
Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim
configurado
Filtro 1 Filtro 2
Feedback
Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa
tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer
sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem
Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas
eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de
Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do
sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material
ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma
completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as
objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem
destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao
menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto
de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na
divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32
30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212
SUBSISTEMA
COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO
(sociedade ldquoem rede)rdquo
SUBSISTEMA TEacuteCNICO
(criadores)
SUBSISTEMAS DE
GESTAtildeO
(organizaccedilotildees)
SUBSISTEMA
INSTITUCIONAL
(media)
II deg CONSUMO
(sociedade)
Paacutegina 158 de 217
5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc
51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo
As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade
cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo
o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso
tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de
fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas
fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo
acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora
efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais
ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os
ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se
evidencia nas cidades
A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse
sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se
localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e
contraditoriedade
A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como
resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos
como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos
contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos
A cidade pograves-moderna
- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma
finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos
fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer
forma ldquoprivadosrdquo
- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma
expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo
holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta
e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas
Paacutegina 159 de 217
portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de
construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como
as conhecemos
- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no
ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco
significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar
o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural
condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo
riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos
E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um
estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos
organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras
a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um
produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de
comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na
cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente
urbanos
Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares
urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se
multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes
permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de
relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas
vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo
das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-
gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e
certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada
no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza
em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo
mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto
social
Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada
substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave
Paacutegina 160 de 217
individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos
encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a
um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os
ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma
propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute
verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas
vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira
compensativos de uma atomizaccedilatildeo social
52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo
Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita
permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees
sentimentos paixotildees no bem e no mal
E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto
de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares
especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao
mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros
termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia
narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela
do brasileiro Aldir Blanc
Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja
um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma
capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em
ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal
ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem
contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e
envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a
ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso
fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se
e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado
e de alta capacidade descritiva
Paacutegina 161 de 217
Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso
humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do
grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor
de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um
estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo
Pereira33rdquo
Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-
cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse
texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-
termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta
da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo
segundo Caymmi34
Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas
de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros
e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou
mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais
Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir
Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura
como
a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades
da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees
de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a
cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei
com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha
cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa
b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam
toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na
calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)
33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir
34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2
Paacutegina 162 de 217
Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito
igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da
Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)
Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa
pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir
eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve
ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense
pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa
momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e
anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua
dos artistas e transversais
c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como
Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira
aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos
cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta
braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra
Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula
sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila
Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-
rosa o embaixadorrdquo)
d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa
quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em
Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do
Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo
letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma
trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e
irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou
Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao
apogeurdquo)
e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e
transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente
comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda
Paacutegina 163 de 217
sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das
palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o
corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela
instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como
Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir
para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo
imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca
(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje
entatildeordquo)
f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que
enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma
dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas
particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute
entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um
camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime
ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em
Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo
descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me
chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo
importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na
inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor
simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas
ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma
especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um
ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais
recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de
Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas
testemunham isso
Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de
Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar
encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da
ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade
Paacutegina 164 de 217
igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar
contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes
Conclusotildees
Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado
sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute
que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na
sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais
(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas
mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que
orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e
portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo
ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos
CENTRO DO CORACcedilAtildeO
Deus desenhou meu coraccedilatildeo
De um jeito igualzinho
Ao velho Centro do Rio
Satildeo tantos pontos de luz
Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa
Da Candelaacuteria
Eles percorrem minhas coronaacuterias
Vejam vocecircs
No carnaval o bonde 66
Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez
Tem condutor motorneiro
Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro
O nogueira e o velho Hermiacutenio
Num reduto biriteiro
Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo
De quebra me vende mais uma ilusatildeo
Paacutegina 165 de 217
Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor
Satildeo pontes de safena pra tamanho amor
Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou
Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu
vou
Bibliografia Consultada
1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees
2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord
3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata
4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees
5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras
6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo
Palumbo
7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco
8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura
9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium
10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos
11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli
12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando
13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand
Paacutegina 152 de 217
socioeconoacutemicas de valor (latu sensu) nunca iratildeo deixar indiferente o artista
Sintetizando o processo de criaccedilatildeo artiacutestica pode ser assim descrito
Becker15 insiste muito sobre a reciacuteproca influencia entre os artistas (independente pela
especifica arte praticada individualmente) enquanto comparticipantes de um ldquociacuterculo
artiacutesticordquo ldquoele comeccedila pela interacccedilatildeo microscoacutepica entre os participantes (submundos
artiacutesticos ndr) mudando-se gradualmente para modelos de associaccedilatildeo sempre mais
amplos que compreendem uma variedade de mundos artiacutesticos hellip os mundos onde os
artistas trabalham existem como culturas mais ou menos institucionalizadas que
normalmente tem pouco a ver as umas com as outras hellip Esta anaacutelise de subcultura
apresenta as artes como elas proacuteprias16rdquo Em outras palavras Becker vecirc a criaccedilatildeo artiacutestica
como
-resultante por praacuteticas colectivas geradas nos submundos da arte claramente sem excluir
as qualidades individuais
-influenciada por formas constantes e ldquointimerdquo de interacccedilatildeo social cultural em geral e
artiacutestica no especifico entre os artistas que reconhecem-se no mesmo submundo
c) Condicionamentos pelas tradiccedilotildees literaacuterias
As tradiccedilotildees cuja interessante etimologia oscila entre ldquoentregardquo e ldquoensinordquo assim
chamadas ldquomemoria colectiva canonizadardquo segundo Jedlovski e Rampazi (1991) podem
15 Cf Becker H 2004 I mondi dellrsquoarte Bologna Il Mulino 16 Cf Zolberg Op cit 138
PRODUTO
CONTEXTO
REDES DE INTEGRACcedilAtildeO
MICRO (mundos
artiacutesticos)
REDES DE INTEGRACcedilAtildeO
MESO(mercados
literarios)
ARTISTA
(personalidade status)
Paacutegina 153 de 217
ser definidas como ldquoos modelos de crenccedilas costumes valores comportamentos
conhecimentos e competecircncias que satildeo transmitidas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo por meio do
processo de socializaccedilatildeordquo17 Esta palavra vem depois ser utilizada para indicar tanto o
produto quanto o processo da produccedilatildeo cultural de transmissatildeoensino tiacutepico das mesmas
tradiccedilotildees As tradiccedilotildees constituem uma parte fundamental e um elemento distintivo da
identidade cultural do ldquopertencerrdquo e constituem tambeacutem um ponto de referecircncia
importante para a acccedilatildeo social em geral em particular suportando uma especiacutefica
tipologia weberiana de ldquoacccedilatildeordquo aquela ldquoconforme haacutebitos adquiridos e que viraram
constitutivos do costume a reacccedilatildeo aos estiacutemulos habituais em parte absolutamente
limitativos a maioria das acccedilotildees da vida quotidiana eacute ditada pelo sentido das tradiccedilotildees18rdquo
Sendo elementos distintivos da cultura as tradiccedilotildees tomam valores endoacutegenos (de auto
reconhecimento) e tambeacutem exoacutegenos (de identificaccedilatildeo) para os grupos sociais que
referem-se agrave estes valores
O sistema das tradiccedilotildees pode ser interpretado como uma verdadeira instituiccedilatildeo social no
sentido de ldquoforma de crenccedila de acccedilatildeo e de conduta reconhecida estabelecida e praticada
estavelmenterdquo bem como no sentido de ldquopraacuteticas consolidadas formas estabelecidas de
proceder caracteriacutesticas de uma actividade de grupo19rdquo
O sistema total das tradiccedilotildees respeito agrave uma ideia de continuum cultura ndash subculturas
(locais profissionais de genro) pode depois ser dividido em grandes e pequenas
tradiccedilotildees isto eacute a complementaridade a coexistecircncia entre
a) Traccedilos ligados com especificas comunidades participantes de um sistema social mais
amplo traccedilos mais difundidos gerais ou comuns
b) Divisotildees existentes entre culturas oficiais e culturas folk20 coexistecircncia e
complementaridade que viram substanciais em uma continuidade de reinterpretaccedilotildees
frequentemente constituiacutedas por descobertas reavaliaccedilotildees esquecimentos
As tradiccedilotildees podem ter um valor mais conservador ou de conservaccedilatildeo isto eacute podem ser
um veiacuteculo para as inovaccedilotildees e as mudanccedilas bem como fornecer um suporte para
17 Cf Seymour-Smith C 1991 Dizionario di antropologia Firenze Sansoni p 203-411 18 Morra G 1994 Propedeutica sociologica Bologna Monduzi p 96 19 Cf Op cit Gallino p 388 20 Cf Id p 189
Paacutegina 154 de 217
processos de mudanccedila social natildeo alienadosalienantes a assim chamada ldquoreferecircncia agraves
tradiccedilotildeesrdquo pode ter o duplo significado de
a) Entrincheiramento ao passado de forma total e absolutamente natildeo elaacutestica preliminar
e dominante contra tudo que apareccedila (o seja percebido) novo
b) Conservar uma especificidade cultural que facilite em lugar de contrastar cada input
internoexterno de mudanccedila e consiga homogeneizar seus efeitos com os proacuteprios
especiacuteficos traccedilos culturais
Portanto onde as tradiccedilotildees artiacutesticas resultam ldquopesadasrdquo isto eacute influenciam uma
criatividade principalmente ldquoproblem solverrdquo a criatividade artiacutestica em geral seraacute
certamente e discretamente condicionada e as formas ldquoproblem finderrdquo que poderatildeo
manifestar-se seratildeo limitadamente praticadas pelos outsiders21
4 Ainda sobre a criatividade ldquotipos ideaisrdquo
Ainda Zolberg22 (cit cap IV) reflectindo dobre diferentes pesquisas no acircmbito da
produccedilatildeo artiacutestica faz uma hipoacutetese de dois ideais tipos weberianos de artistas diferentes
quanto agrave abordagem ao problema Segundo esta hipoacutetese podemos distinguir artistas
ldquoproblem solverrdquo e ldquoproblem finderrdquo os primeiros prestam atenccedilatildeo agrave produccedilatildeo artiacutestica
existente individuando diferentes modalidades de expressatildeo os segundos investigam
principalmente novas problemaacuteticas eou necessidades artiacutestico-literarias Ambas as
tipologias podem de qualquer forma trabalhar segundo loacutegicas mais tradicionais ou
inovadoras Estes ldquoideal-tiposrdquo podem ser assim representados
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
James Joyce)
Redescoberta criativa com novos
significados (ex os ldquominimalistasrdquo)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo (ex
a ldquobeat generationrdquo)
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Gabriel
Garcia Marquez)
21 Cf Becker H 1991 Outsiders Torino Abele 22 Cf Zolberg Op cit
Paacutegina 155 de 217
Ou falando em literatura brasileira
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
Manuel Bandeira)
Redescoberta criativa com
novos significados (exClarice
Lispector)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo
(exJoseacute Lins do Rego )
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex
Jorge Amado)
Ou ainda falando em teatro brasileiro
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
Oswald de Andrade)
Redescoberta criativa com
novos significados (exNelson
Rodrigues)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo
(exTeatro Arena)
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Dias
Gomes)
E afinal falando de formas de poesia para musica (na MPB)
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo
(exLetristaspoetas da rdquoBossa
novardquo)
Redescoberta criativa com
novos significados (exMoacir
Luz23)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo (ex
Seu Jorge)
Seguidores da tradiccedilatildeo
(ex Paulinho da Viola)
d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo
Quais satildeo as loacutegicas os mecanismos os actores da induacutestria cultural Podemos fazer uma
hipoacutetese de modelo explicativo (embora bastante geral) sobre o que acontece hoje em
uma situaccedilatildeo caracterizada por fenomenologias incertas onde alguns ldquoobjectos24rdquo fazem
23 Luz M(1995)Vitoacuteria da ilusatildeoRio de JaneiroMaracujazz Produccedilotildees 24 Cf Gardiner H 1991 Formae Mentis Milano Feltrinelli p 26-29
Paacutegina 156 de 217
carreira e sendo ldquofuncionaisrdquo viram ldquoculturaisrdquo nas suas esferas de referecircncia ou em
uma geral ldquoconcepccedilatildeo do mundordquo O assim chamado ldquomodelo de Hirsch25 Sciolla26 e
obviamente Hirsch27 parece colectar muito consenso ldquoHirsch28 realizou um esquema das
relaccedilotildees entre os diferentes subsistemas existentes no sistema por ele mesmo definido
sistema da induacutestria cultural que descreve o conjunto de organizaccedilotildees que produzem
artigos culturais de massa como discos livros programas da televisatildeo e da raacutedio Neste
esquema os media representem um subsistema entre os outros A organizaccedilatildeo ldquode
gestatildeordquo por exemplo para alcanccedilar os mass media fornece informaccedilotildees sobre o produto
(filtro 2) Estas notiacutecias satildeo utilizadas pelo sistema institucional nos media (gatekeepers
mediais) Neste espaccedilo de intermediaccedilatildeo surgem possibilidades de relaccedilotildees pouco
transparentes quando natildeo de corrupccedilatildeo O puacuteblico conhece o novo produto atraveacutes dos
media Temos por fim dois tipos de feedback o primeiro vem dos medias o segundo
dos consumidores mensurado pelas vendas de bilhetes discos livros29rdquo
O modelo pode ser assim configurado
Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3
Feedback
A figura representa a configuraccedilatildeo tradicional do modelo poreacutem sendo um ldquomodelordquo
natildeo deve ser utilizado de forma riacutegida mas sim como principalmente indicador de um
processo complexo Assistimos hoje por meio e causa das redes a jaacute conhecidas
alteraccedilotildees deste andamento processual os claacutessicos exemplos satildeo aqueles criativos (em
particular da literatura) que entram directamente atraveacutes da web no sistema dos media
propondo suas criaccedilotildees e quase ldquoimpondo-ardquo para o publico sem os tradicionais filtros de
25 Cf Ibid p 40 26 Cf Sciolla L 2002 Sociologia dei processi culturali Bologna Il Mulino p 216-217 27 Cf Hirsch PM 1972 Processing fods and fashion in Annual Journal of Sociology77 p 20-34 28 Cf Ibid 29 Cf Sciolla Op cit p 216
SUBSISTEMA TEacuteCNICO
(criadores)
SUBSISTEMA
INSTITUCIONAL
(media)
SUBSISTEMA DE
GESTAtildeO
(organizaccedilotildees)
CONSUMO
(sociedade)
Paacutegina 157 de 217
subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de
Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim
configurado
Filtro 1 Filtro 2
Feedback
Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa
tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer
sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem
Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas
eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de
Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do
sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material
ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma
completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as
objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem
destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao
menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto
de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na
divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32
30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212
SUBSISTEMA
COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO
(sociedade ldquoem rede)rdquo
SUBSISTEMA TEacuteCNICO
(criadores)
SUBSISTEMAS DE
GESTAtildeO
(organizaccedilotildees)
SUBSISTEMA
INSTITUCIONAL
(media)
II deg CONSUMO
(sociedade)
Paacutegina 158 de 217
5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc
51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo
As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade
cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo
o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso
tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de
fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas
fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo
acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora
efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais
ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os
ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se
evidencia nas cidades
A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse
sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se
localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e
contraditoriedade
A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como
resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos
como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos
contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos
A cidade pograves-moderna
- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma
finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos
fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer
forma ldquoprivadosrdquo
- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma
expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo
holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta
e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas
Paacutegina 159 de 217
portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de
construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como
as conhecemos
- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no
ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco
significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar
o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural
condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo
riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos
E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um
estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos
organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras
a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um
produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de
comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na
cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente
urbanos
Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares
urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se
multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes
permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de
relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas
vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo
das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-
gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e
certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada
no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza
em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo
mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto
social
Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada
substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave
Paacutegina 160 de 217
individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos
encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a
um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os
ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma
propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute
verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas
vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira
compensativos de uma atomizaccedilatildeo social
52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo
Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita
permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees
sentimentos paixotildees no bem e no mal
E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto
de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares
especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao
mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros
termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia
narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela
do brasileiro Aldir Blanc
Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja
um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma
capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em
ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal
ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem
contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e
envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a
ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso
fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se
e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado
e de alta capacidade descritiva
Paacutegina 161 de 217
Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso
humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do
grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor
de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um
estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo
Pereira33rdquo
Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-
cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse
texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-
termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta
da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo
segundo Caymmi34
Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas
de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros
e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou
mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais
Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir
Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura
como
a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades
da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees
de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a
cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei
com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha
cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa
b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam
toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na
calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)
33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir
34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2
Paacutegina 162 de 217
Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito
igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da
Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)
Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa
pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir
eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve
ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense
pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa
momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e
anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua
dos artistas e transversais
c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como
Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira
aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos
cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta
braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra
Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula
sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila
Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-
rosa o embaixadorrdquo)
d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa
quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em
Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do
Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo
letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma
trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e
irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou
Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao
apogeurdquo)
e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e
transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente
comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda
Paacutegina 163 de 217
sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das
palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o
corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela
instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como
Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir
para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo
imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca
(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje
entatildeordquo)
f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que
enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma
dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas
particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute
entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um
camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime
ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em
Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo
descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me
chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo
importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na
inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor
simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas
ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma
especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um
ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais
recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de
Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas
testemunham isso
Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de
Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar
encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da
ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade
Paacutegina 164 de 217
igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar
contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes
Conclusotildees
Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado
sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute
que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na
sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais
(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas
mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que
orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e
portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo
ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos
CENTRO DO CORACcedilAtildeO
Deus desenhou meu coraccedilatildeo
De um jeito igualzinho
Ao velho Centro do Rio
Satildeo tantos pontos de luz
Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa
Da Candelaacuteria
Eles percorrem minhas coronaacuterias
Vejam vocecircs
No carnaval o bonde 66
Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez
Tem condutor motorneiro
Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro
O nogueira e o velho Hermiacutenio
Num reduto biriteiro
Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo
De quebra me vende mais uma ilusatildeo
Paacutegina 165 de 217
Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor
Satildeo pontes de safena pra tamanho amor
Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou
Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu
vou
Bibliografia Consultada
1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees
2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord
3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata
4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees
5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras
6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo
Palumbo
7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco
8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura
9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium
10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos
11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli
12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando
13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand
Paacutegina 153 de 217
ser definidas como ldquoos modelos de crenccedilas costumes valores comportamentos
conhecimentos e competecircncias que satildeo transmitidas de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo por meio do
processo de socializaccedilatildeordquo17 Esta palavra vem depois ser utilizada para indicar tanto o
produto quanto o processo da produccedilatildeo cultural de transmissatildeoensino tiacutepico das mesmas
tradiccedilotildees As tradiccedilotildees constituem uma parte fundamental e um elemento distintivo da
identidade cultural do ldquopertencerrdquo e constituem tambeacutem um ponto de referecircncia
importante para a acccedilatildeo social em geral em particular suportando uma especiacutefica
tipologia weberiana de ldquoacccedilatildeordquo aquela ldquoconforme haacutebitos adquiridos e que viraram
constitutivos do costume a reacccedilatildeo aos estiacutemulos habituais em parte absolutamente
limitativos a maioria das acccedilotildees da vida quotidiana eacute ditada pelo sentido das tradiccedilotildees18rdquo
Sendo elementos distintivos da cultura as tradiccedilotildees tomam valores endoacutegenos (de auto
reconhecimento) e tambeacutem exoacutegenos (de identificaccedilatildeo) para os grupos sociais que
referem-se agrave estes valores
O sistema das tradiccedilotildees pode ser interpretado como uma verdadeira instituiccedilatildeo social no
sentido de ldquoforma de crenccedila de acccedilatildeo e de conduta reconhecida estabelecida e praticada
estavelmenterdquo bem como no sentido de ldquopraacuteticas consolidadas formas estabelecidas de
proceder caracteriacutesticas de uma actividade de grupo19rdquo
O sistema total das tradiccedilotildees respeito agrave uma ideia de continuum cultura ndash subculturas
(locais profissionais de genro) pode depois ser dividido em grandes e pequenas
tradiccedilotildees isto eacute a complementaridade a coexistecircncia entre
a) Traccedilos ligados com especificas comunidades participantes de um sistema social mais
amplo traccedilos mais difundidos gerais ou comuns
b) Divisotildees existentes entre culturas oficiais e culturas folk20 coexistecircncia e
complementaridade que viram substanciais em uma continuidade de reinterpretaccedilotildees
frequentemente constituiacutedas por descobertas reavaliaccedilotildees esquecimentos
As tradiccedilotildees podem ter um valor mais conservador ou de conservaccedilatildeo isto eacute podem ser
um veiacuteculo para as inovaccedilotildees e as mudanccedilas bem como fornecer um suporte para
17 Cf Seymour-Smith C 1991 Dizionario di antropologia Firenze Sansoni p 203-411 18 Morra G 1994 Propedeutica sociologica Bologna Monduzi p 96 19 Cf Op cit Gallino p 388 20 Cf Id p 189
Paacutegina 154 de 217
processos de mudanccedila social natildeo alienadosalienantes a assim chamada ldquoreferecircncia agraves
tradiccedilotildeesrdquo pode ter o duplo significado de
a) Entrincheiramento ao passado de forma total e absolutamente natildeo elaacutestica preliminar
e dominante contra tudo que apareccedila (o seja percebido) novo
b) Conservar uma especificidade cultural que facilite em lugar de contrastar cada input
internoexterno de mudanccedila e consiga homogeneizar seus efeitos com os proacuteprios
especiacuteficos traccedilos culturais
Portanto onde as tradiccedilotildees artiacutesticas resultam ldquopesadasrdquo isto eacute influenciam uma
criatividade principalmente ldquoproblem solverrdquo a criatividade artiacutestica em geral seraacute
certamente e discretamente condicionada e as formas ldquoproblem finderrdquo que poderatildeo
manifestar-se seratildeo limitadamente praticadas pelos outsiders21
4 Ainda sobre a criatividade ldquotipos ideaisrdquo
Ainda Zolberg22 (cit cap IV) reflectindo dobre diferentes pesquisas no acircmbito da
produccedilatildeo artiacutestica faz uma hipoacutetese de dois ideais tipos weberianos de artistas diferentes
quanto agrave abordagem ao problema Segundo esta hipoacutetese podemos distinguir artistas
ldquoproblem solverrdquo e ldquoproblem finderrdquo os primeiros prestam atenccedilatildeo agrave produccedilatildeo artiacutestica
existente individuando diferentes modalidades de expressatildeo os segundos investigam
principalmente novas problemaacuteticas eou necessidades artiacutestico-literarias Ambas as
tipologias podem de qualquer forma trabalhar segundo loacutegicas mais tradicionais ou
inovadoras Estes ldquoideal-tiposrdquo podem ser assim representados
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
James Joyce)
Redescoberta criativa com novos
significados (ex os ldquominimalistasrdquo)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo (ex
a ldquobeat generationrdquo)
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Gabriel
Garcia Marquez)
21 Cf Becker H 1991 Outsiders Torino Abele 22 Cf Zolberg Op cit
Paacutegina 155 de 217
Ou falando em literatura brasileira
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
Manuel Bandeira)
Redescoberta criativa com
novos significados (exClarice
Lispector)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo
(exJoseacute Lins do Rego )
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex
Jorge Amado)
Ou ainda falando em teatro brasileiro
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
Oswald de Andrade)
Redescoberta criativa com
novos significados (exNelson
Rodrigues)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo
(exTeatro Arena)
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Dias
Gomes)
E afinal falando de formas de poesia para musica (na MPB)
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo
(exLetristaspoetas da rdquoBossa
novardquo)
Redescoberta criativa com
novos significados (exMoacir
Luz23)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo (ex
Seu Jorge)
Seguidores da tradiccedilatildeo
(ex Paulinho da Viola)
d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo
Quais satildeo as loacutegicas os mecanismos os actores da induacutestria cultural Podemos fazer uma
hipoacutetese de modelo explicativo (embora bastante geral) sobre o que acontece hoje em
uma situaccedilatildeo caracterizada por fenomenologias incertas onde alguns ldquoobjectos24rdquo fazem
23 Luz M(1995)Vitoacuteria da ilusatildeoRio de JaneiroMaracujazz Produccedilotildees 24 Cf Gardiner H 1991 Formae Mentis Milano Feltrinelli p 26-29
Paacutegina 156 de 217
carreira e sendo ldquofuncionaisrdquo viram ldquoculturaisrdquo nas suas esferas de referecircncia ou em
uma geral ldquoconcepccedilatildeo do mundordquo O assim chamado ldquomodelo de Hirsch25 Sciolla26 e
obviamente Hirsch27 parece colectar muito consenso ldquoHirsch28 realizou um esquema das
relaccedilotildees entre os diferentes subsistemas existentes no sistema por ele mesmo definido
sistema da induacutestria cultural que descreve o conjunto de organizaccedilotildees que produzem
artigos culturais de massa como discos livros programas da televisatildeo e da raacutedio Neste
esquema os media representem um subsistema entre os outros A organizaccedilatildeo ldquode
gestatildeordquo por exemplo para alcanccedilar os mass media fornece informaccedilotildees sobre o produto
(filtro 2) Estas notiacutecias satildeo utilizadas pelo sistema institucional nos media (gatekeepers
mediais) Neste espaccedilo de intermediaccedilatildeo surgem possibilidades de relaccedilotildees pouco
transparentes quando natildeo de corrupccedilatildeo O puacuteblico conhece o novo produto atraveacutes dos
media Temos por fim dois tipos de feedback o primeiro vem dos medias o segundo
dos consumidores mensurado pelas vendas de bilhetes discos livros29rdquo
O modelo pode ser assim configurado
Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3
Feedback
A figura representa a configuraccedilatildeo tradicional do modelo poreacutem sendo um ldquomodelordquo
natildeo deve ser utilizado de forma riacutegida mas sim como principalmente indicador de um
processo complexo Assistimos hoje por meio e causa das redes a jaacute conhecidas
alteraccedilotildees deste andamento processual os claacutessicos exemplos satildeo aqueles criativos (em
particular da literatura) que entram directamente atraveacutes da web no sistema dos media
propondo suas criaccedilotildees e quase ldquoimpondo-ardquo para o publico sem os tradicionais filtros de
25 Cf Ibid p 40 26 Cf Sciolla L 2002 Sociologia dei processi culturali Bologna Il Mulino p 216-217 27 Cf Hirsch PM 1972 Processing fods and fashion in Annual Journal of Sociology77 p 20-34 28 Cf Ibid 29 Cf Sciolla Op cit p 216
SUBSISTEMA TEacuteCNICO
(criadores)
SUBSISTEMA
INSTITUCIONAL
(media)
SUBSISTEMA DE
GESTAtildeO
(organizaccedilotildees)
CONSUMO
(sociedade)
Paacutegina 157 de 217
subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de
Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim
configurado
Filtro 1 Filtro 2
Feedback
Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa
tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer
sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem
Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas
eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de
Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do
sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material
ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma
completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as
objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem
destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao
menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto
de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na
divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32
30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212
SUBSISTEMA
COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO
(sociedade ldquoem rede)rdquo
SUBSISTEMA TEacuteCNICO
(criadores)
SUBSISTEMAS DE
GESTAtildeO
(organizaccedilotildees)
SUBSISTEMA
INSTITUCIONAL
(media)
II deg CONSUMO
(sociedade)
Paacutegina 158 de 217
5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc
51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo
As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade
cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo
o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso
tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de
fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas
fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo
acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora
efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais
ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os
ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se
evidencia nas cidades
A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse
sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se
localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e
contraditoriedade
A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como
resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos
como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos
contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos
A cidade pograves-moderna
- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma
finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos
fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer
forma ldquoprivadosrdquo
- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma
expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo
holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta
e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas
Paacutegina 159 de 217
portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de
construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como
as conhecemos
- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no
ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco
significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar
o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural
condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo
riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos
E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um
estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos
organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras
a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um
produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de
comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na
cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente
urbanos
Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares
urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se
multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes
permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de
relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas
vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo
das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-
gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e
certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada
no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza
em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo
mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto
social
Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada
substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave
Paacutegina 160 de 217
individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos
encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a
um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os
ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma
propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute
verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas
vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira
compensativos de uma atomizaccedilatildeo social
52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo
Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita
permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees
sentimentos paixotildees no bem e no mal
E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto
de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares
especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao
mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros
termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia
narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela
do brasileiro Aldir Blanc
Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja
um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma
capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em
ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal
ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem
contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e
envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a
ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso
fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se
e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado
e de alta capacidade descritiva
Paacutegina 161 de 217
Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso
humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do
grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor
de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um
estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo
Pereira33rdquo
Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-
cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse
texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-
termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta
da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo
segundo Caymmi34
Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas
de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros
e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou
mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais
Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir
Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura
como
a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades
da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees
de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a
cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei
com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha
cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa
b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam
toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na
calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)
33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir
34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2
Paacutegina 162 de 217
Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito
igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da
Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)
Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa
pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir
eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve
ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense
pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa
momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e
anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua
dos artistas e transversais
c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como
Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira
aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos
cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta
braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra
Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula
sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila
Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-
rosa o embaixadorrdquo)
d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa
quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em
Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do
Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo
letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma
trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e
irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou
Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao
apogeurdquo)
e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e
transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente
comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda
Paacutegina 163 de 217
sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das
palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o
corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela
instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como
Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir
para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo
imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca
(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje
entatildeordquo)
f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que
enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma
dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas
particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute
entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um
camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime
ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em
Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo
descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me
chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo
importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na
inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor
simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas
ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma
especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um
ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais
recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de
Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas
testemunham isso
Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de
Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar
encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da
ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade
Paacutegina 164 de 217
igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar
contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes
Conclusotildees
Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado
sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute
que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na
sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais
(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas
mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que
orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e
portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo
ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos
CENTRO DO CORACcedilAtildeO
Deus desenhou meu coraccedilatildeo
De um jeito igualzinho
Ao velho Centro do Rio
Satildeo tantos pontos de luz
Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa
Da Candelaacuteria
Eles percorrem minhas coronaacuterias
Vejam vocecircs
No carnaval o bonde 66
Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez
Tem condutor motorneiro
Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro
O nogueira e o velho Hermiacutenio
Num reduto biriteiro
Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo
De quebra me vende mais uma ilusatildeo
Paacutegina 165 de 217
Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor
Satildeo pontes de safena pra tamanho amor
Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou
Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu
vou
Bibliografia Consultada
1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees
2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord
3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata
4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees
5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras
6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo
Palumbo
7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco
8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura
9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium
10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos
11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli
12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando
13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand
Paacutegina 154 de 217
processos de mudanccedila social natildeo alienadosalienantes a assim chamada ldquoreferecircncia agraves
tradiccedilotildeesrdquo pode ter o duplo significado de
a) Entrincheiramento ao passado de forma total e absolutamente natildeo elaacutestica preliminar
e dominante contra tudo que apareccedila (o seja percebido) novo
b) Conservar uma especificidade cultural que facilite em lugar de contrastar cada input
internoexterno de mudanccedila e consiga homogeneizar seus efeitos com os proacuteprios
especiacuteficos traccedilos culturais
Portanto onde as tradiccedilotildees artiacutesticas resultam ldquopesadasrdquo isto eacute influenciam uma
criatividade principalmente ldquoproblem solverrdquo a criatividade artiacutestica em geral seraacute
certamente e discretamente condicionada e as formas ldquoproblem finderrdquo que poderatildeo
manifestar-se seratildeo limitadamente praticadas pelos outsiders21
4 Ainda sobre a criatividade ldquotipos ideaisrdquo
Ainda Zolberg22 (cit cap IV) reflectindo dobre diferentes pesquisas no acircmbito da
produccedilatildeo artiacutestica faz uma hipoacutetese de dois ideais tipos weberianos de artistas diferentes
quanto agrave abordagem ao problema Segundo esta hipoacutetese podemos distinguir artistas
ldquoproblem solverrdquo e ldquoproblem finderrdquo os primeiros prestam atenccedilatildeo agrave produccedilatildeo artiacutestica
existente individuando diferentes modalidades de expressatildeo os segundos investigam
principalmente novas problemaacuteticas eou necessidades artiacutestico-literarias Ambas as
tipologias podem de qualquer forma trabalhar segundo loacutegicas mais tradicionais ou
inovadoras Estes ldquoideal-tiposrdquo podem ser assim representados
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
James Joyce)
Redescoberta criativa com novos
significados (ex os ldquominimalistasrdquo)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo (ex
a ldquobeat generationrdquo)
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Gabriel
Garcia Marquez)
21 Cf Becker H 1991 Outsiders Torino Abele 22 Cf Zolberg Op cit
Paacutegina 155 de 217
Ou falando em literatura brasileira
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
Manuel Bandeira)
Redescoberta criativa com
novos significados (exClarice
Lispector)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo
(exJoseacute Lins do Rego )
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex
Jorge Amado)
Ou ainda falando em teatro brasileiro
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
Oswald de Andrade)
Redescoberta criativa com
novos significados (exNelson
Rodrigues)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo
(exTeatro Arena)
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Dias
Gomes)
E afinal falando de formas de poesia para musica (na MPB)
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo
(exLetristaspoetas da rdquoBossa
novardquo)
Redescoberta criativa com
novos significados (exMoacir
Luz23)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo (ex
Seu Jorge)
Seguidores da tradiccedilatildeo
(ex Paulinho da Viola)
d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo
Quais satildeo as loacutegicas os mecanismos os actores da induacutestria cultural Podemos fazer uma
hipoacutetese de modelo explicativo (embora bastante geral) sobre o que acontece hoje em
uma situaccedilatildeo caracterizada por fenomenologias incertas onde alguns ldquoobjectos24rdquo fazem
23 Luz M(1995)Vitoacuteria da ilusatildeoRio de JaneiroMaracujazz Produccedilotildees 24 Cf Gardiner H 1991 Formae Mentis Milano Feltrinelli p 26-29
Paacutegina 156 de 217
carreira e sendo ldquofuncionaisrdquo viram ldquoculturaisrdquo nas suas esferas de referecircncia ou em
uma geral ldquoconcepccedilatildeo do mundordquo O assim chamado ldquomodelo de Hirsch25 Sciolla26 e
obviamente Hirsch27 parece colectar muito consenso ldquoHirsch28 realizou um esquema das
relaccedilotildees entre os diferentes subsistemas existentes no sistema por ele mesmo definido
sistema da induacutestria cultural que descreve o conjunto de organizaccedilotildees que produzem
artigos culturais de massa como discos livros programas da televisatildeo e da raacutedio Neste
esquema os media representem um subsistema entre os outros A organizaccedilatildeo ldquode
gestatildeordquo por exemplo para alcanccedilar os mass media fornece informaccedilotildees sobre o produto
(filtro 2) Estas notiacutecias satildeo utilizadas pelo sistema institucional nos media (gatekeepers
mediais) Neste espaccedilo de intermediaccedilatildeo surgem possibilidades de relaccedilotildees pouco
transparentes quando natildeo de corrupccedilatildeo O puacuteblico conhece o novo produto atraveacutes dos
media Temos por fim dois tipos de feedback o primeiro vem dos medias o segundo
dos consumidores mensurado pelas vendas de bilhetes discos livros29rdquo
O modelo pode ser assim configurado
Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3
Feedback
A figura representa a configuraccedilatildeo tradicional do modelo poreacutem sendo um ldquomodelordquo
natildeo deve ser utilizado de forma riacutegida mas sim como principalmente indicador de um
processo complexo Assistimos hoje por meio e causa das redes a jaacute conhecidas
alteraccedilotildees deste andamento processual os claacutessicos exemplos satildeo aqueles criativos (em
particular da literatura) que entram directamente atraveacutes da web no sistema dos media
propondo suas criaccedilotildees e quase ldquoimpondo-ardquo para o publico sem os tradicionais filtros de
25 Cf Ibid p 40 26 Cf Sciolla L 2002 Sociologia dei processi culturali Bologna Il Mulino p 216-217 27 Cf Hirsch PM 1972 Processing fods and fashion in Annual Journal of Sociology77 p 20-34 28 Cf Ibid 29 Cf Sciolla Op cit p 216
SUBSISTEMA TEacuteCNICO
(criadores)
SUBSISTEMA
INSTITUCIONAL
(media)
SUBSISTEMA DE
GESTAtildeO
(organizaccedilotildees)
CONSUMO
(sociedade)
Paacutegina 157 de 217
subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de
Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim
configurado
Filtro 1 Filtro 2
Feedback
Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa
tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer
sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem
Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas
eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de
Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do
sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material
ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma
completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as
objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem
destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao
menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto
de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na
divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32
30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212
SUBSISTEMA
COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO
(sociedade ldquoem rede)rdquo
SUBSISTEMA TEacuteCNICO
(criadores)
SUBSISTEMAS DE
GESTAtildeO
(organizaccedilotildees)
SUBSISTEMA
INSTITUCIONAL
(media)
II deg CONSUMO
(sociedade)
Paacutegina 158 de 217
5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc
51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo
As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade
cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo
o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso
tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de
fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas
fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo
acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora
efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais
ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os
ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se
evidencia nas cidades
A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse
sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se
localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e
contraditoriedade
A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como
resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos
como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos
contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos
A cidade pograves-moderna
- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma
finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos
fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer
forma ldquoprivadosrdquo
- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma
expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo
holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta
e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas
Paacutegina 159 de 217
portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de
construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como
as conhecemos
- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no
ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco
significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar
o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural
condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo
riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos
E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um
estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos
organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras
a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um
produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de
comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na
cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente
urbanos
Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares
urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se
multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes
permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de
relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas
vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo
das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-
gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e
certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada
no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza
em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo
mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto
social
Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada
substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave
Paacutegina 160 de 217
individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos
encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a
um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os
ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma
propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute
verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas
vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira
compensativos de uma atomizaccedilatildeo social
52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo
Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita
permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees
sentimentos paixotildees no bem e no mal
E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto
de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares
especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao
mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros
termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia
narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela
do brasileiro Aldir Blanc
Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja
um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma
capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em
ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal
ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem
contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e
envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a
ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso
fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se
e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado
e de alta capacidade descritiva
Paacutegina 161 de 217
Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso
humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do
grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor
de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um
estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo
Pereira33rdquo
Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-
cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse
texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-
termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta
da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo
segundo Caymmi34
Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas
de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros
e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou
mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais
Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir
Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura
como
a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades
da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees
de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a
cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei
com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha
cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa
b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam
toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na
calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)
33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir
34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2
Paacutegina 162 de 217
Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito
igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da
Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)
Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa
pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir
eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve
ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense
pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa
momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e
anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua
dos artistas e transversais
c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como
Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira
aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos
cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta
braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra
Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula
sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila
Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-
rosa o embaixadorrdquo)
d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa
quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em
Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do
Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo
letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma
trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e
irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou
Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao
apogeurdquo)
e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e
transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente
comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda
Paacutegina 163 de 217
sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das
palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o
corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela
instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como
Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir
para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo
imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca
(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje
entatildeordquo)
f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que
enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma
dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas
particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute
entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um
camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime
ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em
Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo
descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me
chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo
importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na
inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor
simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas
ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma
especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um
ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais
recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de
Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas
testemunham isso
Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de
Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar
encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da
ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade
Paacutegina 164 de 217
igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar
contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes
Conclusotildees
Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado
sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute
que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na
sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais
(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas
mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que
orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e
portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo
ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos
CENTRO DO CORACcedilAtildeO
Deus desenhou meu coraccedilatildeo
De um jeito igualzinho
Ao velho Centro do Rio
Satildeo tantos pontos de luz
Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa
Da Candelaacuteria
Eles percorrem minhas coronaacuterias
Vejam vocecircs
No carnaval o bonde 66
Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez
Tem condutor motorneiro
Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro
O nogueira e o velho Hermiacutenio
Num reduto biriteiro
Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo
De quebra me vende mais uma ilusatildeo
Paacutegina 165 de 217
Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor
Satildeo pontes de safena pra tamanho amor
Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou
Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu
vou
Bibliografia Consultada
1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees
2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord
3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata
4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees
5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras
6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo
Palumbo
7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco
8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura
9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium
10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos
11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli
12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando
13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand
Paacutegina 155 de 217
Ou falando em literatura brasileira
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
Manuel Bandeira)
Redescoberta criativa com
novos significados (exClarice
Lispector)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo
(exJoseacute Lins do Rego )
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex
Jorge Amado)
Ou ainda falando em teatro brasileiro
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo (ex
Oswald de Andrade)
Redescoberta criativa com
novos significados (exNelson
Rodrigues)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo
(exTeatro Arena)
Seguidores da tradiccedilatildeo (ex Dias
Gomes)
E afinal falando de formas de poesia para musica (na MPB)
ABORDAGEM ldquoINOVACcedilAtildeOrdquo ldquoTRADICcedilAtildeOrdquo
PROBLEM
FINDER
Criaccedilatildeo de ldquoarte novardquo
(exLetristaspoetas da rdquoBossa
novardquo)
Redescoberta criativa com
novos significados (exMoacir
Luz23)
PROBLEM
SOLVER
Variantes de ldquoarte novardquo (ex
Seu Jorge)
Seguidores da tradiccedilatildeo
(ex Paulinho da Viola)
d) Influencia da assim chamada ldquoinduacutestria culturalrdquo
Quais satildeo as loacutegicas os mecanismos os actores da induacutestria cultural Podemos fazer uma
hipoacutetese de modelo explicativo (embora bastante geral) sobre o que acontece hoje em
uma situaccedilatildeo caracterizada por fenomenologias incertas onde alguns ldquoobjectos24rdquo fazem
23 Luz M(1995)Vitoacuteria da ilusatildeoRio de JaneiroMaracujazz Produccedilotildees 24 Cf Gardiner H 1991 Formae Mentis Milano Feltrinelli p 26-29
Paacutegina 156 de 217
carreira e sendo ldquofuncionaisrdquo viram ldquoculturaisrdquo nas suas esferas de referecircncia ou em
uma geral ldquoconcepccedilatildeo do mundordquo O assim chamado ldquomodelo de Hirsch25 Sciolla26 e
obviamente Hirsch27 parece colectar muito consenso ldquoHirsch28 realizou um esquema das
relaccedilotildees entre os diferentes subsistemas existentes no sistema por ele mesmo definido
sistema da induacutestria cultural que descreve o conjunto de organizaccedilotildees que produzem
artigos culturais de massa como discos livros programas da televisatildeo e da raacutedio Neste
esquema os media representem um subsistema entre os outros A organizaccedilatildeo ldquode
gestatildeordquo por exemplo para alcanccedilar os mass media fornece informaccedilotildees sobre o produto
(filtro 2) Estas notiacutecias satildeo utilizadas pelo sistema institucional nos media (gatekeepers
mediais) Neste espaccedilo de intermediaccedilatildeo surgem possibilidades de relaccedilotildees pouco
transparentes quando natildeo de corrupccedilatildeo O puacuteblico conhece o novo produto atraveacutes dos
media Temos por fim dois tipos de feedback o primeiro vem dos medias o segundo
dos consumidores mensurado pelas vendas de bilhetes discos livros29rdquo
O modelo pode ser assim configurado
Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3
Feedback
A figura representa a configuraccedilatildeo tradicional do modelo poreacutem sendo um ldquomodelordquo
natildeo deve ser utilizado de forma riacutegida mas sim como principalmente indicador de um
processo complexo Assistimos hoje por meio e causa das redes a jaacute conhecidas
alteraccedilotildees deste andamento processual os claacutessicos exemplos satildeo aqueles criativos (em
particular da literatura) que entram directamente atraveacutes da web no sistema dos media
propondo suas criaccedilotildees e quase ldquoimpondo-ardquo para o publico sem os tradicionais filtros de
25 Cf Ibid p 40 26 Cf Sciolla L 2002 Sociologia dei processi culturali Bologna Il Mulino p 216-217 27 Cf Hirsch PM 1972 Processing fods and fashion in Annual Journal of Sociology77 p 20-34 28 Cf Ibid 29 Cf Sciolla Op cit p 216
SUBSISTEMA TEacuteCNICO
(criadores)
SUBSISTEMA
INSTITUCIONAL
(media)
SUBSISTEMA DE
GESTAtildeO
(organizaccedilotildees)
CONSUMO
(sociedade)
Paacutegina 157 de 217
subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de
Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim
configurado
Filtro 1 Filtro 2
Feedback
Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa
tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer
sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem
Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas
eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de
Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do
sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material
ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma
completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as
objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem
destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao
menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto
de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na
divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32
30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212
SUBSISTEMA
COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO
(sociedade ldquoem rede)rdquo
SUBSISTEMA TEacuteCNICO
(criadores)
SUBSISTEMAS DE
GESTAtildeO
(organizaccedilotildees)
SUBSISTEMA
INSTITUCIONAL
(media)
II deg CONSUMO
(sociedade)
Paacutegina 158 de 217
5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc
51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo
As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade
cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo
o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso
tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de
fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas
fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo
acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora
efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais
ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os
ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se
evidencia nas cidades
A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse
sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se
localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e
contraditoriedade
A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como
resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos
como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos
contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos
A cidade pograves-moderna
- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma
finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos
fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer
forma ldquoprivadosrdquo
- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma
expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo
holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta
e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas
Paacutegina 159 de 217
portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de
construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como
as conhecemos
- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no
ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco
significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar
o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural
condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo
riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos
E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um
estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos
organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras
a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um
produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de
comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na
cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente
urbanos
Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares
urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se
multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes
permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de
relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas
vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo
das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-
gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e
certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada
no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza
em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo
mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto
social
Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada
substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave
Paacutegina 160 de 217
individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos
encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a
um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os
ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma
propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute
verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas
vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira
compensativos de uma atomizaccedilatildeo social
52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo
Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita
permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees
sentimentos paixotildees no bem e no mal
E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto
de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares
especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao
mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros
termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia
narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela
do brasileiro Aldir Blanc
Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja
um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma
capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em
ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal
ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem
contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e
envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a
ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso
fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se
e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado
e de alta capacidade descritiva
Paacutegina 161 de 217
Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso
humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do
grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor
de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um
estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo
Pereira33rdquo
Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-
cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse
texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-
termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta
da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo
segundo Caymmi34
Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas
de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros
e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou
mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais
Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir
Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura
como
a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades
da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees
de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a
cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei
com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha
cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa
b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam
toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na
calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)
33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir
34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2
Paacutegina 162 de 217
Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito
igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da
Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)
Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa
pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir
eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve
ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense
pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa
momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e
anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua
dos artistas e transversais
c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como
Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira
aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos
cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta
braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra
Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula
sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila
Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-
rosa o embaixadorrdquo)
d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa
quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em
Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do
Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo
letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma
trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e
irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou
Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao
apogeurdquo)
e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e
transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente
comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda
Paacutegina 163 de 217
sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das
palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o
corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela
instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como
Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir
para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo
imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca
(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje
entatildeordquo)
f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que
enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma
dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas
particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute
entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um
camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime
ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em
Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo
descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me
chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo
importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na
inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor
simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas
ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma
especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um
ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais
recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de
Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas
testemunham isso
Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de
Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar
encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da
ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade
Paacutegina 164 de 217
igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar
contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes
Conclusotildees
Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado
sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute
que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na
sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais
(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas
mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que
orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e
portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo
ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos
CENTRO DO CORACcedilAtildeO
Deus desenhou meu coraccedilatildeo
De um jeito igualzinho
Ao velho Centro do Rio
Satildeo tantos pontos de luz
Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa
Da Candelaacuteria
Eles percorrem minhas coronaacuterias
Vejam vocecircs
No carnaval o bonde 66
Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez
Tem condutor motorneiro
Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro
O nogueira e o velho Hermiacutenio
Num reduto biriteiro
Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo
De quebra me vende mais uma ilusatildeo
Paacutegina 165 de 217
Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor
Satildeo pontes de safena pra tamanho amor
Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou
Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu
vou
Bibliografia Consultada
1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees
2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord
3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata
4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees
5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras
6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo
Palumbo
7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco
8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura
9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium
10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos
11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli
12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando
13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand
Paacutegina 156 de 217
carreira e sendo ldquofuncionaisrdquo viram ldquoculturaisrdquo nas suas esferas de referecircncia ou em
uma geral ldquoconcepccedilatildeo do mundordquo O assim chamado ldquomodelo de Hirsch25 Sciolla26 e
obviamente Hirsch27 parece colectar muito consenso ldquoHirsch28 realizou um esquema das
relaccedilotildees entre os diferentes subsistemas existentes no sistema por ele mesmo definido
sistema da induacutestria cultural que descreve o conjunto de organizaccedilotildees que produzem
artigos culturais de massa como discos livros programas da televisatildeo e da raacutedio Neste
esquema os media representem um subsistema entre os outros A organizaccedilatildeo ldquode
gestatildeordquo por exemplo para alcanccedilar os mass media fornece informaccedilotildees sobre o produto
(filtro 2) Estas notiacutecias satildeo utilizadas pelo sistema institucional nos media (gatekeepers
mediais) Neste espaccedilo de intermediaccedilatildeo surgem possibilidades de relaccedilotildees pouco
transparentes quando natildeo de corrupccedilatildeo O puacuteblico conhece o novo produto atraveacutes dos
media Temos por fim dois tipos de feedback o primeiro vem dos medias o segundo
dos consumidores mensurado pelas vendas de bilhetes discos livros29rdquo
O modelo pode ser assim configurado
Filtro 1 Filtro 2 Filtro 3
Feedback
A figura representa a configuraccedilatildeo tradicional do modelo poreacutem sendo um ldquomodelordquo
natildeo deve ser utilizado de forma riacutegida mas sim como principalmente indicador de um
processo complexo Assistimos hoje por meio e causa das redes a jaacute conhecidas
alteraccedilotildees deste andamento processual os claacutessicos exemplos satildeo aqueles criativos (em
particular da literatura) que entram directamente atraveacutes da web no sistema dos media
propondo suas criaccedilotildees e quase ldquoimpondo-ardquo para o publico sem os tradicionais filtros de
25 Cf Ibid p 40 26 Cf Sciolla L 2002 Sociologia dei processi culturali Bologna Il Mulino p 216-217 27 Cf Hirsch PM 1972 Processing fods and fashion in Annual Journal of Sociology77 p 20-34 28 Cf Ibid 29 Cf Sciolla Op cit p 216
SUBSISTEMA TEacuteCNICO
(criadores)
SUBSISTEMA
INSTITUCIONAL
(media)
SUBSISTEMA DE
GESTAtildeO
(organizaccedilotildees)
CONSUMO
(sociedade)
Paacutegina 157 de 217
subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de
Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim
configurado
Filtro 1 Filtro 2
Feedback
Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa
tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer
sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem
Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas
eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de
Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do
sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material
ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma
completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as
objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem
destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao
menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto
de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na
divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32
30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212
SUBSISTEMA
COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO
(sociedade ldquoem rede)rdquo
SUBSISTEMA TEacuteCNICO
(criadores)
SUBSISTEMAS DE
GESTAtildeO
(organizaccedilotildees)
SUBSISTEMA
INSTITUCIONAL
(media)
II deg CONSUMO
(sociedade)
Paacutegina 158 de 217
5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc
51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo
As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade
cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo
o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso
tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de
fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas
fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo
acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora
efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais
ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os
ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se
evidencia nas cidades
A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse
sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se
localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e
contraditoriedade
A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como
resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos
como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos
contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos
A cidade pograves-moderna
- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma
finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos
fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer
forma ldquoprivadosrdquo
- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma
expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo
holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta
e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas
Paacutegina 159 de 217
portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de
construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como
as conhecemos
- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no
ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco
significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar
o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural
condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo
riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos
E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um
estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos
organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras
a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um
produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de
comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na
cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente
urbanos
Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares
urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se
multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes
permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de
relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas
vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo
das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-
gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e
certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada
no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza
em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo
mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto
social
Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada
substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave
Paacutegina 160 de 217
individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos
encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a
um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os
ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma
propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute
verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas
vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira
compensativos de uma atomizaccedilatildeo social
52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo
Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita
permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees
sentimentos paixotildees no bem e no mal
E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto
de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares
especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao
mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros
termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia
narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela
do brasileiro Aldir Blanc
Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja
um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma
capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em
ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal
ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem
contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e
envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a
ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso
fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se
e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado
e de alta capacidade descritiva
Paacutegina 161 de 217
Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso
humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do
grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor
de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um
estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo
Pereira33rdquo
Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-
cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse
texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-
termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta
da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo
segundo Caymmi34
Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas
de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros
e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou
mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais
Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir
Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura
como
a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades
da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees
de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a
cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei
com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha
cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa
b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam
toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na
calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)
33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir
34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2
Paacutegina 162 de 217
Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito
igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da
Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)
Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa
pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir
eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve
ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense
pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa
momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e
anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua
dos artistas e transversais
c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como
Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira
aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos
cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta
braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra
Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula
sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila
Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-
rosa o embaixadorrdquo)
d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa
quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em
Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do
Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo
letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma
trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e
irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou
Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao
apogeurdquo)
e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e
transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente
comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda
Paacutegina 163 de 217
sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das
palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o
corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela
instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como
Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir
para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo
imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca
(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje
entatildeordquo)
f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que
enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma
dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas
particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute
entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um
camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime
ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em
Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo
descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me
chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo
importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na
inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor
simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas
ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma
especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um
ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais
recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de
Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas
testemunham isso
Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de
Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar
encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da
ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade
Paacutegina 164 de 217
igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar
contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes
Conclusotildees
Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado
sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute
que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na
sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais
(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas
mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que
orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e
portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo
ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos
CENTRO DO CORACcedilAtildeO
Deus desenhou meu coraccedilatildeo
De um jeito igualzinho
Ao velho Centro do Rio
Satildeo tantos pontos de luz
Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa
Da Candelaacuteria
Eles percorrem minhas coronaacuterias
Vejam vocecircs
No carnaval o bonde 66
Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez
Tem condutor motorneiro
Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro
O nogueira e o velho Hermiacutenio
Num reduto biriteiro
Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo
De quebra me vende mais uma ilusatildeo
Paacutegina 165 de 217
Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor
Satildeo pontes de safena pra tamanho amor
Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou
Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu
vou
Bibliografia Consultada
1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees
2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord
3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata
4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees
5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras
6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo
Palumbo
7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco
8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura
9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium
10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos
11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli
12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando
13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand
Paacutegina 157 de 217
subsistema nos casos de sucesso estes criativos fazem parte do percurso na hipoacutetese de
Hirsch embora com um andamento parcialmente diferenciado que pode ser assim
configurado
Filtro 1 Filtro 2
Feedback
Este modelo como nos lembra Griswold nasceu para os ldquoprodutos culturais de massa
tangiacuteveisrdquo e pode ser aplicado com as necessaacuteriasoportunas modificas para qualquer
sector da induacutestria culturalportanto da literatura tambem
Uma reflexatildeo sobre o sistema da industria cultural e da sua influencia sobre os artistas
eou aspirantes a virar artistas pode ser uacutetil quando enquadrada no complexo discurso de
Bourdieu30 segundo o qual ldquoa macroestrutura nas formas cristalizadas do Estado do
sistema de domiacutenio social e do diferente acesso dos membros aos bens de valor material
ou simboacutelico constitui uma presenccedila incumbente31rdquo Para compreender de forma
completa a produccedilatildeo artiacutestica natildeo pode-se natildeo considerar ldquoa totalidade das relaccedilotildees (as
objectivas e as determinadas na forma de relaccedilatildeo) entre o artista e os artistas e aleacutem
destes a totalidade dos actores comprometidos na produccedilatildeo do trabalho artiacutestico ou ao
menos do valor social do trabalho hellip o que as pessoas chamam de criaccedilatildeo eacute o conjunto
de um haacutebito e de uma tal posiccedilatildeo (status) que pode ser jaacute construiacutedo ou possiacutevel na
divisatildeo do trabalho da produccedilatildeo culturalrdquo32
30 Bourdieu P 1980 Questions de sociologie Paris Minuit 31 Cf Zolberg Op cit p 138 32 Cf Bourdieu Op cit pp 208-212
SUBSISTEMA
COMUNICACIONAL (web) Ideg CONSUMO
(sociedade ldquoem rede)rdquo
SUBSISTEMA TEacuteCNICO
(criadores)
SUBSISTEMAS DE
GESTAtildeO
(organizaccedilotildees)
SUBSISTEMA
INSTITUCIONAL
(media)
II deg CONSUMO
(sociedade)
Paacutegina 158 de 217
5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc
51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo
As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade
cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo
o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso
tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de
fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas
fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo
acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora
efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais
ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os
ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se
evidencia nas cidades
A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse
sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se
localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e
contraditoriedade
A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como
resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos
como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos
contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos
A cidade pograves-moderna
- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma
finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos
fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer
forma ldquoprivadosrdquo
- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma
expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo
holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta
e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas
Paacutegina 159 de 217
portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de
construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como
as conhecemos
- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no
ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco
significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar
o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural
condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo
riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos
E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um
estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos
organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras
a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um
produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de
comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na
cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente
urbanos
Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares
urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se
multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes
permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de
relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas
vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo
das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-
gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e
certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada
no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza
em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo
mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto
social
Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada
substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave
Paacutegina 160 de 217
individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos
encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a
um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os
ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma
propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute
verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas
vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira
compensativos de uma atomizaccedilatildeo social
52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo
Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita
permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees
sentimentos paixotildees no bem e no mal
E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto
de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares
especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao
mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros
termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia
narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela
do brasileiro Aldir Blanc
Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja
um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma
capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em
ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal
ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem
contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e
envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a
ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso
fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se
e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado
e de alta capacidade descritiva
Paacutegina 161 de 217
Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso
humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do
grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor
de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um
estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo
Pereira33rdquo
Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-
cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse
texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-
termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta
da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo
segundo Caymmi34
Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas
de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros
e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou
mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais
Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir
Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura
como
a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades
da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees
de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a
cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei
com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha
cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa
b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam
toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na
calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)
33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir
34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2
Paacutegina 162 de 217
Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito
igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da
Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)
Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa
pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir
eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve
ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense
pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa
momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e
anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua
dos artistas e transversais
c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como
Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira
aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos
cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta
braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra
Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula
sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila
Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-
rosa o embaixadorrdquo)
d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa
quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em
Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do
Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo
letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma
trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e
irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou
Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao
apogeurdquo)
e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e
transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente
comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda
Paacutegina 163 de 217
sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das
palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o
corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela
instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como
Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir
para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo
imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca
(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje
entatildeordquo)
f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que
enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma
dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas
particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute
entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um
camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime
ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em
Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo
descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me
chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo
importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na
inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor
simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas
ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma
especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um
ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais
recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de
Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas
testemunham isso
Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de
Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar
encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da
ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade
Paacutegina 164 de 217
igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar
contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes
Conclusotildees
Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado
sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute
que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na
sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais
(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas
mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que
orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e
portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo
ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos
CENTRO DO CORACcedilAtildeO
Deus desenhou meu coraccedilatildeo
De um jeito igualzinho
Ao velho Centro do Rio
Satildeo tantos pontos de luz
Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa
Da Candelaacuteria
Eles percorrem minhas coronaacuterias
Vejam vocecircs
No carnaval o bonde 66
Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez
Tem condutor motorneiro
Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro
O nogueira e o velho Hermiacutenio
Num reduto biriteiro
Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo
De quebra me vende mais uma ilusatildeo
Paacutegina 165 de 217
Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor
Satildeo pontes de safena pra tamanho amor
Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou
Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu
vou
Bibliografia Consultada
1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees
2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord
3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata
4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees
5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras
6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo
Palumbo
7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco
8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura
9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium
10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos
11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli
12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando
13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand
Paacutegina 158 de 217
5 Literatura e sociedade o brasileiro Aldir Blanc
51 A cidade um espaccedilo social ldquoabsolutordquo
As cidades satildeo uma espeacutecie de complexa siacutentese daquilo que eacute sociedade socialidade
cultura um acircmbito privilegiado de construccedilatildeo desenvolvimento e sedimentaccedilatildeo de tudo
o que (como relaccedilotildees processos estruturas) um grupo social consegue ativar e isso
tambeacutem em termos de diferenccedilas e desigualdades Consequentemente as cidades satildeo de
fato um laboratoacuterio de absoluto interesse se se quer compreender e estudar as dinacircmicas
fundamentais do ldquoestar-juntosrdquo ideacuteias praxes correntes de pensamento de todo
acircmbitonatureza produccedilatildeo eou distribuiccedilatildeo de riqueza material e de bens simboacutelicos (ora
efecircmeros como ldquomodasrdquo ora mais estruturantes como ldquoestilos de vidardquo) relaccedilotildees sociais
ordinaacuterias (a every day life da etnometodologia norte americana) e extraordinaacuterias (os
ldquoeventosrdquo) interaccedilotildees entre esfera puacuteblicaesfera privada conflitos e consenso tudo se
evidencia nas cidades
A cidade significa ldquomodernidaderdquo sendo dessa de algum modo sinocircnimo e nesse
sentido a anaacutelise socioloacutegica a configura justamente como o ldquoespaccedilo socialrdquo no qual se
localizam as principais experiecircncias da proacutepria modernidade na sua complexidade e
contraditoriedade
A cidade significa tambeacutem ldquopoacutes-modernidaderdquo em tantas maneiras e muitas vezes como
resultante de uma processualidade constituiacuteda de trecircs movimentos quase simultacircneos
como a retomada de formas soacutecio-culturais preacute-existentes a manutenccedilatildeo de traccedilos
contemporacircneos e a distorccedilatildeo recriaccedilatildeo de ambos em hibridismos
A cidade pograves-moderna
- Vive da experiecircncia ora ldquodesancoradardquo ora ldquoreancoradardquo a um sentir comum a uma
finalizaccedilatildeo da accedilatildeo socialmente compartilhada mesmo que atraveacutes de percursos
fortemente individualiacutesticos ou microgrupais frequentemente ateacute ldquovirtuaisrdquo de qualquer
forma ldquoprivadosrdquo
- Eacute caracterizada por ldquodistanciamentordquo estranhamento natildeo-envolvimento de uma
expressatildeo unitaacuteria de intenccedilatildeo subjetiva e objetiva o fazer parte de uma dimensatildeo
holiacutestica (principalmente depois das ldquograndes estaccedilotildeesrdquo solidariacutesticas dos anos Sessenta
e Setenta) pode significar certamente o tendencial exaurimento de algumas estruturas
Paacutegina 159 de 217
portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de
construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como
as conhecemos
- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no
ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco
significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar
o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural
condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo
riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos
E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um
estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos
organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras
a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um
produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de
comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na
cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente
urbanos
Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares
urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se
multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes
permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de
relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas
vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo
das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-
gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e
certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada
no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza
em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo
mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto
social
Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada
substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave
Paacutegina 160 de 217
individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos
encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a
um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os
ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma
propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute
verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas
vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira
compensativos de uma atomizaccedilatildeo social
52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo
Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita
permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees
sentimentos paixotildees no bem e no mal
E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto
de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares
especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao
mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros
termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia
narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela
do brasileiro Aldir Blanc
Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja
um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma
capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em
ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal
ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem
contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e
envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a
ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso
fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se
e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado
e de alta capacidade descritiva
Paacutegina 161 de 217
Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso
humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do
grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor
de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um
estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo
Pereira33rdquo
Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-
cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse
texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-
termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta
da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo
segundo Caymmi34
Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas
de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros
e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou
mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais
Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir
Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura
como
a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades
da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees
de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a
cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei
com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha
cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa
b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam
toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na
calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)
33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir
34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2
Paacutegina 162 de 217
Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito
igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da
Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)
Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa
pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir
eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve
ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense
pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa
momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e
anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua
dos artistas e transversais
c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como
Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira
aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos
cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta
braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra
Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula
sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila
Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-
rosa o embaixadorrdquo)
d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa
quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em
Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do
Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo
letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma
trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e
irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou
Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao
apogeurdquo)
e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e
transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente
comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda
Paacutegina 163 de 217
sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das
palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o
corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela
instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como
Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir
para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo
imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca
(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje
entatildeordquo)
f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que
enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma
dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas
particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute
entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um
camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime
ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em
Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo
descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me
chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo
importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na
inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor
simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas
ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma
especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um
ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais
recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de
Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas
testemunham isso
Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de
Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar
encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da
ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade
Paacutegina 164 de 217
igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar
contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes
Conclusotildees
Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado
sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute
que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na
sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais
(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas
mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que
orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e
portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo
ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos
CENTRO DO CORACcedilAtildeO
Deus desenhou meu coraccedilatildeo
De um jeito igualzinho
Ao velho Centro do Rio
Satildeo tantos pontos de luz
Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa
Da Candelaacuteria
Eles percorrem minhas coronaacuterias
Vejam vocecircs
No carnaval o bonde 66
Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez
Tem condutor motorneiro
Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro
O nogueira e o velho Hermiacutenio
Num reduto biriteiro
Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo
De quebra me vende mais uma ilusatildeo
Paacutegina 165 de 217
Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor
Satildeo pontes de safena pra tamanho amor
Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou
Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu
vou
Bibliografia Consultada
1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees
2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord
3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata
4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees
5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras
6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo
Palumbo
7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco
8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura
9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium
10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos
11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli
12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando
13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand
Paacutegina 159 de 217
portantes da modernidade no sentido mais amplo do termo ou seja do processo de
construccedilatildeo do mundo dos viacutenculos sociais da eacutetica da accedilatildeo social em geral assim como
as conhecemos
- Se resolve justamente para procurar fazer frente agrave crescente complexidade social no
ldquopresenterdquo quase como uma dimensatildeo ldquoabsolutardquo na qual a ldquomemoacuteriardquo eacute pouco
significativa e o ldquofuturordquo estruturalmente incerto Tal ldquopresenterdquo vem na verdade fechar
o ator social na experiencialidade em ato atraveacutes de um ldquouso do tempordquo quase inatural
condicionante eou vinculante se natildeo ldquocolonizanterdquo a experiecircncia atraveacutes da estruturaccedilatildeo
riacutegida e a estandardizaccedilatildeo da atividade em rotinas e ritualismos
E a cidade natildeo importa se ldquomodernardquo ou ldquopoacutes-modernardquo permanece principalmente um
estado de alma um corpo de costumes e tradiccedilotildees de sentimentos e comportamentos
organizados nesses costumes e transmitidos por meio dessa tradiccedilatildeo Em outras palavras
a cidade natildeo eacute simplesmente um mecanismo fiacutesico e uma construccedilatildeo artificial essa eacute um
produto da ldquonatureza humanardquo e constitui um modo de viver (o ldquourbanismordquo) feito de
comportamentos modelos de comportamento sistemas de relaccedilotildees que ocorrem na
cidade natildeo por acaso mas que ao contraacuterio satildeo produtos tiacutepica e exclusivamente
urbanos
Aleacutem disso a cidade hoje eacute acircmbito de ldquolugaresrdquo e de ldquonatildeo-lugaresrdquo de fato aos lugares
urbanos tradicionais fundamentos da proacutepria cidade (os ldquobairrosrdquo) se agregaram (e se
multiplicaram) toda uma seacuterie de espaccedilos situacionais sem as caracteriacutesticas que lhes
permitiriam tornar-se ldquolugaresrdquo como falta de identidade falta de estruturaccedilatildeo de
relaccedilotildees etcA cidade aleacutem disso ldquounerdquo e ldquoseparardquo ao mesmo tempo o que parece muitas
vezes evidenciar-se eacute uma difusa tendecircncia a espaccedilos distintos separados ldquodefendidosrdquo
das gated-communities com (a proacutepria defesa) dos verdadeiros checking-points a bairros-
gueto com formas variadas de diversificaccedilatildeo espacial evidentemente natildeo ldquoinclusivosrdquo e
certamente segregantes A segregaccedilatildeo entendida como distribuiccedilatildeo espacial diferenciada
no interior do espaccedilo urbano e territorial eacute um fenocircmeno que desde sempre caracteriza
em tal modo as sociedades urbanas a ponto de induzir alguns estudiosos a usar a expressatildeo
mosaico urbano para indicar a sua composiccedilatildeo do ponto de vista tanto fiacutesico quanto
social
Essa ao menos segundo a tradiccedilatildeo socioacutelogica eacute a vida urbana uma vida endereccedilada
substancialmente agrave objetividade ao afastamento agrave indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave
Paacutegina 160 de 217
individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos
encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a
um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os
ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma
propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute
verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas
vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira
compensativos de uma atomizaccedilatildeo social
52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo
Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita
permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees
sentimentos paixotildees no bem e no mal
E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto
de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares
especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao
mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros
termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia
narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela
do brasileiro Aldir Blanc
Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja
um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma
capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em
ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal
ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem
contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e
envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a
ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso
fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se
e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado
e de alta capacidade descritiva
Paacutegina 161 de 217
Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso
humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do
grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor
de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um
estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo
Pereira33rdquo
Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-
cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse
texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-
termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta
da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo
segundo Caymmi34
Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas
de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros
e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou
mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais
Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir
Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura
como
a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades
da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees
de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a
cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei
com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha
cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa
b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam
toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na
calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)
33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir
34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2
Paacutegina 162 de 217
Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito
igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da
Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)
Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa
pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir
eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve
ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense
pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa
momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e
anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua
dos artistas e transversais
c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como
Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira
aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos
cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta
braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra
Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula
sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila
Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-
rosa o embaixadorrdquo)
d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa
quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em
Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do
Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo
letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma
trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e
irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou
Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao
apogeurdquo)
e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e
transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente
comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda
Paacutegina 163 de 217
sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das
palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o
corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela
instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como
Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir
para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo
imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca
(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje
entatildeordquo)
f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que
enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma
dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas
particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute
entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um
camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime
ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em
Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo
descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me
chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo
importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na
inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor
simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas
ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma
especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um
ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais
recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de
Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas
testemunham isso
Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de
Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar
encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da
ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade
Paacutegina 164 de 217
igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar
contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes
Conclusotildees
Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado
sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute
que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na
sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais
(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas
mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que
orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e
portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo
ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos
CENTRO DO CORACcedilAtildeO
Deus desenhou meu coraccedilatildeo
De um jeito igualzinho
Ao velho Centro do Rio
Satildeo tantos pontos de luz
Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa
Da Candelaacuteria
Eles percorrem minhas coronaacuterias
Vejam vocecircs
No carnaval o bonde 66
Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez
Tem condutor motorneiro
Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro
O nogueira e o velho Hermiacutenio
Num reduto biriteiro
Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo
De quebra me vende mais uma ilusatildeo
Paacutegina 165 de 217
Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor
Satildeo pontes de safena pra tamanho amor
Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou
Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu
vou
Bibliografia Consultada
1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees
2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord
3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata
4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees
5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras
6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo
Palumbo
7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco
8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura
9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium
10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos
11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli
12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando
13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand
Paacutegina 160 de 217
individualidade e tal atitude natildeo pode natildeo derivar do excesso de estiacutemulos
encontrosdesencontros variedades das vivecircncias dos proacuteprios cidadatildeos para chegar a
um comportamento coletivo medianamente blaseacute Em outras palavras eacute como se os
ldquocidadatildeosrdquo ou seja os protagonistas da dimensatildeo urbana desenvolvessem uma
propenccedilatildeo (tendencialmente ldquodefensivardquo) a aumentar as distacircncias subjetivas ou ateacute
verdadeiras e proacuteprias fronteiras psicoloacutegicas em suma um viver agregado que muitas
vezes se resolve por meio de uma seacuterie de rituais de interaccedilatildeo de alguma maneira
compensativos de uma atomizaccedilatildeo social
52 Aldir Blanc e as imagens da ldquosociedade de cidaderdquo
Mas a cidade natildeo importa de que modo seja observada considerada ou descrita
permanece (tambeacutem na abordagem socioloacutegica) um extraordinaacuterio contentor de emoccedilotildees
sentimentos paixotildees no bem e no mal
E esse igualmente extraordinaacuterio conteuacutedo social se torna absolutamente difiacutecil natildeo tanto
de colher (a natildeo ser em parte) quanto de ldquocontarrdquo comunicar sem trair seus peculiares
especiacuteficos significados ligados justamente aos lugares onde ganham forma mas ao
mesmo tempo evidenciar seus traccedilos de ldquouniversal-humanordquo nesses contidosEm outros
termos eacute necessaacuteria uma sensibilidade (intimamente ligada a uma adequada competecircncia
narrativa) que natildeo eacute faacutecil encontrar uma sensibilidade (e uma competecircncia) como aquela
do brasileiro Aldir Blanc
Esse extraordinaacuterio intelectual originaacuterio do bairro do Estaacutecio no Rio de Janeiro (ou seja
um ldquocarioca absolutordquo ecomo se sabe ser carioca eacute um estado de espigraverito) tem uma
capacidade fortiacutessima de transpor ao ldquohumano-cidadatildeordquo em
ldquopalavrasrdquooumelhorpalavras-imagens (sejam essas usadas para artigos de jornal
ensaios contos poesias e formas de poesia para muacutesica) das quais transparecem
contemporaneamente ldquoproximidade e distacircnciardquo com relaccedilatildeo ao Outro ldquoindiferenccedila e
envolvimentordquo em relaccedilatildeo agrave realidade no seu devir ldquocompaixatildeo e ironiardquo ou seja a
ldquohumanidade de cidaderdquo que si declina natildeo por meio desses coacutedigos binaacuterios aleacutem disso
fazendo uso de uma espeacutecie de ldquobilinguismo perfeitordquo ou seja um contiacutenuo alternar-se
e tambeacutem misturar-se de um portuguecircs culto com una giacuteria carioca densa de significado
e de alta capacidade descritiva
Paacutegina 161 de 217
Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso
humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do
grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor
de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um
estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo
Pereira33rdquo
Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-
cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse
texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-
termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta
da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo
segundo Caymmi34
Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas
de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros
e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou
mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais
Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir
Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura
como
a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades
da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees
de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a
cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei
com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha
cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa
b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam
toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na
calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)
33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir
34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2
Paacutegina 162 de 217
Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito
igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da
Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)
Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa
pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir
eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve
ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense
pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa
momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e
anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua
dos artistas e transversais
c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como
Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira
aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos
cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta
braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra
Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula
sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila
Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-
rosa o embaixadorrdquo)
d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa
quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em
Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do
Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo
letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma
trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e
irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou
Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao
apogeurdquo)
e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e
transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente
comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda
Paacutegina 163 de 217
sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das
palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o
corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela
instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como
Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir
para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo
imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca
(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje
entatildeordquo)
f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que
enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma
dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas
particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute
entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um
camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime
ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em
Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo
descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me
chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo
importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na
inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor
simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas
ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma
especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um
ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais
recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de
Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas
testemunham isso
Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de
Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar
encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da
ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade
Paacutegina 164 de 217
igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar
contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes
Conclusotildees
Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado
sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute
que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na
sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais
(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas
mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que
orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e
portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo
ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos
CENTRO DO CORACcedilAtildeO
Deus desenhou meu coraccedilatildeo
De um jeito igualzinho
Ao velho Centro do Rio
Satildeo tantos pontos de luz
Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa
Da Candelaacuteria
Eles percorrem minhas coronaacuterias
Vejam vocecircs
No carnaval o bonde 66
Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez
Tem condutor motorneiro
Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro
O nogueira e o velho Hermiacutenio
Num reduto biriteiro
Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo
De quebra me vende mais uma ilusatildeo
Paacutegina 165 de 217
Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor
Satildeo pontes de safena pra tamanho amor
Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou
Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu
vou
Bibliografia Consultada
1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees
2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord
3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata
4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees
5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras
6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo
Palumbo
7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco
8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura
9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium
10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos
11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli
12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando
13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand
Paacutegina 161 de 217
Escreve Fausto Wolff que ldquo (o Aldir) tȇm o sentido tragravegico da vida de Nelson Rodrigueso
humor picaro-carioca de Seacutergio Porto e o estilo seguroo respeito pela palavra certa do
grande Rubem BragaO tragrave gico de Nelsonem Aldirdagrave colher de chagrave ao cocircmico O humor
de Seacutergio torna-se anda mais liacuterico em Aldir e a seriedade irocircnica de Rubem vira um
estilo que soacute se encontra em Aldir eeventualmenteem algums sambas de Noel e Gerardo
Pereira33rdquo
Eacute certamente difiacutecil natildeo levar em conta tudo isso ademais no caso especiacutefico a cidade-
cenaacuterio eacute o Rio de Janeiro cidade que soacute se pode amar (como aquele que escreve esse
texto e muitos outros) ou odiar (razoavelmente poucos incluso Levy-Strauss) sem meios-
termos e Aldir Blanc como escreveu Dorival Caymmi ldquoeacute compositor carioca Eacute poeta
da vida do amor e da cidade Eacute aquele que sabe como ningueacutem retratar o fato e o sonhordquo
segundo Caymmi34
Aleacutem disso provavelmente seria apropriado natildeo limitar-se ao termo ldquoletrasrdquo ou formas
de poesia para muacutesica uma vez que os produtos literaacuterios de Aldir Blanc satildeo verdadeiros
e proacuteprios pequenos audiovisuais jaacute que permitem ldquover e ouvirrdquo a realidade descrita ou
mesmo soacute poeticamente imaginada agraves vezes com modalidades quase tridimensionais
Nesse sentido por consequecircncia satildeo muitos os ldquoviacutedeosrdquo que nos chegam de Aldir
Blancrdquoviacutedeosrdquo que vecircm a interessar tambeacutem agrave sociologia da cultura aleacutem da literatura
como
a) Visotildees panoracircmicas (se diria usando um objetivo quadrangular) como em Saudades
da Guanabara talvez (junto com Samba do aviatildeo do gecircnio Jobim) uma das ldquodeclaraccedilotildees
de amorrdquo mais intensas por uma cidade intensa como eacute o Rio de Janeiro (ldquoEu sei que a
cidade hoje estaacute mudada Santa Cruz Zona Sul Baixada vela negra no coraccedilatildeo Chorei
com saudades da Guanabarardquo) e Soacute doacutei quando eu Rio (ldquoSoacute fico agrave vontade na minha
cidade a minha histoacuteria escorre aquirdquo) igualmente significativa
b) Retratos poeacuteticos de atmosferas ligadas a especiacuteficos territoacuterios urbanos que marcam
toda uma vida como De um aos seis (Copacabana ldquoLeme as ondas comeccedilam na
calccedilada hoje eu tocirc no Posto 6 daqui pra onde eu vou Copacabana me enganourdquo)
33 Blanc A 2006 Rua dos artistas e transversaisRio de JaneiroAgir
34 Caymmi apud Blanc A 1997 50 anosRio de JaneiroAlma Produccedilotildees p 2
Paacutegina 162 de 217
Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito
igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da
Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)
Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa
pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir
eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve
ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense
pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa
momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e
anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua
dos artistas e transversais
c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como
Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira
aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos
cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta
braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra
Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula
sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila
Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-
rosa o embaixadorrdquo)
d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa
quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em
Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do
Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo
letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma
trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e
irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou
Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao
apogeurdquo)
e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e
transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente
comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda
Paacutegina 163 de 217
sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das
palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o
corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela
instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como
Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir
para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo
imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca
(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje
entatildeordquo)
f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que
enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma
dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas
particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute
entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um
camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime
ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em
Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo
descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me
chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo
importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na
inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor
simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas
ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma
especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um
ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais
recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de
Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas
testemunham isso
Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de
Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar
encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da
ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade
Paacutegina 164 de 217
igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar
contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes
Conclusotildees
Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado
sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute
que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na
sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais
(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas
mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que
orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e
portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo
ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos
CENTRO DO CORACcedilAtildeO
Deus desenhou meu coraccedilatildeo
De um jeito igualzinho
Ao velho Centro do Rio
Satildeo tantos pontos de luz
Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa
Da Candelaacuteria
Eles percorrem minhas coronaacuterias
Vejam vocecircs
No carnaval o bonde 66
Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez
Tem condutor motorneiro
Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro
O nogueira e o velho Hermiacutenio
Num reduto biriteiro
Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo
De quebra me vende mais uma ilusatildeo
Paacutegina 165 de 217
Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor
Satildeo pontes de safena pra tamanho amor
Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou
Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu
vou
Bibliografia Consultada
1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees
2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord
3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata
4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees
5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras
6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo
Palumbo
7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco
8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura
9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium
10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos
11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli
12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando
13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand
Paacutegina 162 de 217
Centro do coraccedilatildeo (o antigo centro do Rio ldquoDeus desenhou meu coraccedilatildeo do jeito
igualzinho ao velho Centro do Rio satildeo tantos pontos de luz em direccedilatildeo agrave procissatildeo da
Festa da candelaacuteria) Praccedila Mauaacute que mal haacute (homocircnima praccedila do centro do Rio)
Bairrista eacute a tua matildee (TijucardquoTaacute anoitecendo na Tijuca Tocirc em peacute na esquinahellip e passa
pela Saens Pena uma meninardquo Ainda falando da Tijuca um bairro importante para Aldir
eacute muito interessante a descriccedilatildeo que faz do ldquoser tijucanordquo especialmente quando escreve
ldquoa verdade eacute que o tijucano vive num dilema desgraccedilado Considerado semi-ipanemense
pelos suburbanos e tido como meio-suburbano pelos ipanemenses o tijucano passa
momentos difiacuteceis num bairro imprecisordquo) Cantiga das ilhas (Ilha do Governador e
anexos) ou ainda como todos os contos em Paquetaacute e outros subuacuterbios do seu livro Rua
dos artistas e transversais
c) Retratos de personagens que de algum modo caracterizaram a cultura carioca como
Samba pro Geraldo (ou seja Geraldo Pereira ldquoAgora Geraldo meu faixa se a rasteira
aconteceu relaxa nessa homenagem a um escuro direitinho que jamais morreurdquo) Mitos
cariocas Lan (ldquoPortelense bom de tango e coraccedilatildeo circense arrebenta com a pimenta
braba do nonsense Um menino cujo defeito eacute natildeo ser vascainordquo) Flores da vida pra
Nelson Sargento (ldquoEle eacute um samba da quadra da Mangueira que Deus letrou daacute aula
sobre a cidade e nessa universidade eacute o reitorrdquo) Carlos Cachaccedila (ldquoGecircnio da raccedila
Carlos Cachaccedila dos Arangueiras a fina Flor Mito da massa Carlos Cachaccedila da verde-
rosa o embaixadorrdquo)
d) Definiccedilotildees de ldquotipos ideaisrdquo urbanos natildeo certamente abstratos mas sim imersos numa
quotidianidade feita de ldquocarne e sanguerdquo principalmente retratos femininos como em
Aquaacuterio (no quarto Maria na calccedilada Madalena) ou na beliacutessima Balada das moccedilas do
Amarelinho (ldquoas moccedilas do Amarelinho um sorriso no caminho do homem sozinho satildeo
letras de um samba de Nelson Cavaquinhordquo) e na extraordinaacuteria A Outra (ldquoDiante de uma
trageacutedia jamais diga eu tocirc na minha porque a outra eacute a tua) bem como na delicada e
irocircnica Miss Sueacuteter (ldquoNem sempre a minha vida foi tatildeo bela mas o que passou passou
Dedico esse tiacutetulo a mamatildee que tantos sacrificios fez pra que eu chegasse aqui ao
apogeurdquo)
e) Cenas de vida urbana ora efetivamente vividas ora imaginadas ora vividas e
transfiguradas artisticamente ora mesmo redesenhadas sobre histoacuterias de vida de gente
comum nos bares (ldquoAdoro drama contado no botecordquo escreveu o mesmo Aldir e ainda
Paacutegina 163 de 217
sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das
palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o
corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela
instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como
Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir
para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo
imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca
(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje
entatildeordquo)
f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que
enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma
dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas
particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute
entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um
camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime
ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em
Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo
descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me
chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo
importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na
inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor
simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas
ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma
especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um
ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais
recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de
Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas
testemunham isso
Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de
Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar
encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da
ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade
Paacutegina 164 de 217
igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar
contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes
Conclusotildees
Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado
sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute
que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na
sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais
(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas
mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que
orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e
portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo
ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos
CENTRO DO CORACcedilAtildeO
Deus desenhou meu coraccedilatildeo
De um jeito igualzinho
Ao velho Centro do Rio
Satildeo tantos pontos de luz
Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa
Da Candelaacuteria
Eles percorrem minhas coronaacuterias
Vejam vocecircs
No carnaval o bonde 66
Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez
Tem condutor motorneiro
Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro
O nogueira e o velho Hermiacutenio
Num reduto biriteiro
Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo
De quebra me vende mais uma ilusatildeo
Paacutegina 165 de 217
Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor
Satildeo pontes de safena pra tamanho amor
Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou
Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu
vou
Bibliografia Consultada
1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees
2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord
3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata
4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees
5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras
6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo
Palumbo
7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco
8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura
9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium
10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos
11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli
12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando
13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand
Paacutegina 163 de 217
sobre esse incriacutevel lugar da socialidade carioca ldquoo boteco eacute o uacuteltimo reduto das
palavrashellip as palavras ainda tem valor no botecordquo) como De frente pro crime (taacute laacute o
corpo estendido no chatildeo em vez de um rosto uma foto de um gol) ora ligadas agravequela
instituiccedilatildeo carioca que eacute o Carnaval (para o qual como escreveu um grande poeta como
Vinicius de Moraes muitos vivem o ano inteiro por um momento de sonho e para garantir
para si uma ldquofantasiardquo) como Vitoacuteria da ilusatildeo (ldquoCarnaval relicaacuterio de uma tradiccedilatildeo
imortal vitoacuteria da ilusatildeordquo) ou como Negatildeo nas paradas escritas com muita giacuteria carioca
(ldquoEu vou pro Estaacutecio negatildeo parece faacutecil nenatildeohellip no tempo do lotaccedilatildeo jaacute era ruim hoje
entatildeordquo)
f) Enfim Aldir Blanc descreve com muita propriedade sentimentos ldquoabsolutosrdquo que
enquanto tais natildeo pertencem certamente (senatildeo talvez por tempos e espaccedilos) soacute a uma
dimensatildeo urbana mas que de qualquer forma nessa se concretiza em poeacuteticas
particulares Eacute o caso de uma das formas de poesia para muacutesica que provavelmente estaacute
entre as melhores de Aldir Blanc como acontece em Nem cais nem barco (ldquonatildeo eacute um
camafeu exposto na vitrine em loja de penhor mas eacute o que doeu no peito feito um crime
ao homem que o trocou Ah o amor eacute estar no inferno ao som da Ave-mariardquo) ou em
Falso brilhante (ldquoO amor eacute um falso brilhante no dedo da debutanterdquo) ou em Paixatildeo
descalccedila (ldquoA paixatildeo soacute se amarra se a gente se soltardquo) ou ainda em Moteacuteis (ldquoEle me
chamou de irmatilde chorou disse que amava outra mulher bem feito por querer ser tatildeo
importante par algueacutemrdquo) Mas Aldir canta tambeacutem a ldquoliberdaderdquo celebrada na
inigualaacutevel O bebado e a equilibrista que todos conhecem e amam tambeacutem pelo seu valor
simboacutelico ou entatildeo pensada em O Mestre-sala dos mares (ldquoGloacuteria a todas as lutas
ingloacuterias que atraveacutes da nossa histoacuteria natildeo esquecemos jamaisrdquo) ou ainda uma forma
especiacutefica de liberdade aquela ldquode opiniatildeordquo (pela qual aliaacutes Blanc sempre pagou um
ldquopreccedilo salgadordquo em diversas circunstacircncias do tempo da ditadura aos conflitos mais
recentes com o senador Magalhatildees ou com a ex-governadora do estado do Rio de
Janeiro) muitas das suas formas poeacuteticas para muacutesica e seu uacuteltimo volume Guimbas
testemunham isso
Esses e tantos outros temas (vale a pena citar um uacuteltimo muito sinteticamente que eacute o de
Feliz ano novo em que uma divinidade que se cansa de ser tal quer ser mulher e amar
encarnando-se na cidade no Leblon por uma noite como Iemanjaacute da Silva) da
ldquohumanidade de cidaderdquo de Aldir Blanc temas basicamente cariocas mas na verdade
Paacutegina 164 de 217
igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar
contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes
Conclusotildees
Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado
sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute
que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na
sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais
(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas
mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que
orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e
portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo
ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos
CENTRO DO CORACcedilAtildeO
Deus desenhou meu coraccedilatildeo
De um jeito igualzinho
Ao velho Centro do Rio
Satildeo tantos pontos de luz
Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa
Da Candelaacuteria
Eles percorrem minhas coronaacuterias
Vejam vocecircs
No carnaval o bonde 66
Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez
Tem condutor motorneiro
Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro
O nogueira e o velho Hermiacutenio
Num reduto biriteiro
Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo
De quebra me vende mais uma ilusatildeo
Paacutegina 165 de 217
Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor
Satildeo pontes de safena pra tamanho amor
Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou
Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu
vou
Bibliografia Consultada
1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees
2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord
3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata
4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees
5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras
6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo
Palumbo
7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco
8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura
9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium
10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos
11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli
12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando
13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand
Paacutegina 164 de 217
igualmente universais se natildeo por outro motivo pela capacidade do Autor de falar
contemporaneamente ao coraccedilatildeo agrave sensibilidade e agrave inteligecircncia de todos noacutes
Conclusotildees
Podemos (quase) concluir como tiacutenhamos comeccedilado esperando que quanto argumentado
sinteticamente neste trabalho possa ter fornecido uma base para a tese de fundo isto eacute
que tambeacutem a criatividade artiacutestico-literaacuterio (alguma coisa pensada como o ldquoagir na
sociedaderdquo) natildeo possa identificar-se somente na capacidade eou performance individuais
(o ldquogeacutenio artiacutesticordquo) que de qualquer forma natildeo devem ser excluiacutedas ou subavaliadas
mas possa ser pesquisada tambeacutem nos quadros sociais ldquoocultadosrdquo ou ldquoevidentesrdquo que
orientam e influenciam os artistas accedilores sociais ldquoimersosrdquo (como todos) na sociedade e
portanto que pertencem aos sistemas de interacccedilatildeo bem como de relaccedilatildeo
ldquoPoesias para muacutesicardquodo Aldir exemplos
CENTRO DO CORACcedilAtildeO
Deus desenhou meu coraccedilatildeo
De um jeito igualzinho
Ao velho Centro do Rio
Satildeo tantos pontos de luz
Em direccedilatildeo a procissatildeo da festa
Da Candelaacuteria
Eles percorrem minhas coronaacuterias
Vejam vocecircs
No carnaval o bonde 66
Na Sete de Setembro apareceu mais uma vez
Tem condutor motorneiro
Tem o Guinga o Paulinho Pinheiro
O nogueira e o velho Hermiacutenio
Num reduto biriteiro
Um camelocirc troca as pilhas do meu coraccedilatildeo
De quebra me vende mais uma ilusatildeo
Paacutegina 165 de 217
Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor
Satildeo pontes de safena pra tamanho amor
Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou
Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu
vou
Bibliografia Consultada
1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees
2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord
3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata
4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees
5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras
6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo
Palumbo
7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco
8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura
9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium
10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos
11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli
12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando
13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand
Paacutegina 165 de 217
Rua do Carmo Uruguaiana Ouvidor
Satildeo pontes de safena pra tamanho amor
Mas o ar ta me faltando porque algueacutem sujou
Cruzo a Primeiro de Marccedilo e areacute o mar azul eu
vou
Bibliografia Consultada
1 Blanc A 1994 Simples e absurdoRio de JaneiroVelas Produccedilotildees
2 Blanc A 1996 Um cara bacana na 19degRio de JaneiroRecord
3 Blanc A 2009 GuimbasRio de JaneiroDesiderata
4 Bosco J 2002 SongbookRio de JaneiroLumiar Produccedilotildees
5 Castro R 2003Carnaval no fogoRio de JaneiroCompanhia das Letras
6 Cirese AM 1996 Cultura egemonica e culture subalterne Palermo
Palumbo
7 Da Matta R 1984 O que faz o brasil Brasil Rio de JaneiroRocco
8 De Nicola J 1999 Literatura BrasileiraRio de JaneiroNova Literatura
9 Di Cristofaro Longo G 1996 Identitagrave e cultura Roma Studium
10 Luz M 1988 Rio de Janeiro Dabliugrave Discos
11 Malizia P 2007 ConfigurazioniMilanoFranco Angeli
12 Rauty R (ed)1998 Lrsquourbanesimo come modo di vita RomaArmando
13 Simmel G 1995 La metropoli e la vita dello spiritoRomaArmand