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Estudos de Religião, v. 28, n. 2 • 141-168 • jul.-dez. 2014 • ISSN Impresso: 0103-801X – Eletrônico: 2176-1078DOI: http://dx.doi.org/10.15603/2176-1078/er.v28n2p141-168

* Agradeço a Elisa Rodrigues pela leitura e pelas valiosas sugestões.** GraduadoemTeologia(EST-ICSP),História(USP)eFilosofia(USP).Mestreedoutor

emCiênciasdaReligião(Umesp),doutoremFilosofia(USP),professornoDepartamentode Ciência da Religião (UFJF).

Laicidade, escola e ensino religioso. Considerações a partir de Paul Ricoeur*

Frederico Pieper**

ResumoA partir do pensamento de Paul Ricoeur, este texto pretende discutir a relação entre laicidade, escola e ensino religioso. Para tanto, toma por base uma entrevista concedi-da por Ricoeur, intitulada “Educação e laicidade”, na qual propõe que se demarque o conceito de laicidade em relação ao âmbito ao qual se relaciona. Assim, o termo possui significaçõesdistintasquandoassociadoaoEstado,àsociedadeeàescola.Diantedolugarpeculiardaescolaeseuconceitoprópriodelaicidade,elaassumeduasfunçõesprincipais:adeinformaçãoeadeformaçãoparaopolítico.Nestasduasfunções,odebatesobreofenômenoreligiosoéconstitutivo,merecendotratamentoapropriadoque evite abordagens tanto proselitistas como reducionistas.Palavras-chave:Ricoeur,religião,educação,fenomenologia.

Secularism, school and religious education. Considerations based on Paul Ricoeur

AbstractBasedonthethoughtof PaulRicoeur, thistextaimsatdiscussingtherelationshipbetweensecularism,school,andreligiouseducation.Therefore,itwilltakeaninterviewgiven by Ricoeur, entitled Education and secularism, in which he proposes the demarcation of theconceptof secularisminrelationtothescopetowhichitisrelated.Thus,thetermhasdifferentmeaningswhenassociatedtothestate,society,andschool.Giventheschool’speculiarplaceanditsownconceptof secularism,ithastwomainfunctions:toinformandtotrainforthepolitics.Inthesetwofunctions,thedebateaboutthereligious phenomenon is constitutive, deserving a proper treatment that avoids both reductionistandconfessionalapproaches.Keywords: Ricoeur, religion, education, phenomenology.

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El laicismo, la escuela y la educación religiosa. Considera-ciones de Paul Ricoeur

ResumenA partir del pensamiento de Paul Ricoeur, este texto analiza la relación entre el laicismo, la escuela y la educación religiosa. Por lo tanto, se basa en una entrevista realizada por Ricoeur, titulada “La educación y el laicismo”, en la que propone delimitar el concepto delaicidadenrelaciónconelámbitoalqueserefiere.Porlotanto,eltérminotienesignificadosdiferentescuandosecombinaconelEstado,lasociedadylaescuela.Te-niendo en cuenta el lugar peculiar de la escuela y su propio concepto de la laicidad, ella tienedosfuncionesprincipales:informaciónyformaciónparalapolítica.Enestasdosfunciones,eldebatesobreelfenómenoreligiosoesconstitutivoymerecetratamientoadecuadoqueeviteenfoquestantoreduccionistascuantoproselitistas.Palabras clave:Ricoeur,lareligión,laeducación,lafenomenología.

A discussão em torno do ensino religioso na escola pública mostra-se sempre atual. Especialmente nos diversos momentos de alteração dos regimes políticos,comseusrespectivosprojetosdeestadoembasadosemcompreen-sõesdelaicidadediversas,aquestãosobreoensinoreligiososemprevoltaàtona.Osmodelosepropostastambémsãovariados,aindaquesejarazoávelidentificartrêspropostas.Deumlado,háproposiçõesproselitistasqueenten-dem o espaço escolar como ambiente para a pregação de doutrinas de uma determinadadenominaçãoreligiosa.Nestesentido,afirmaRoseliFischmann:“É que tem bases muito antigas esse processo de constante pressão sobre a escolapúblicaparaqueassimileumpapelquenãolhecabe,deformadorareligiosa”(FISCHMANN,2008,p.12). Como reação a este modelo, pre-dominanteemnossahistória,háaquelesquedefendem,combaseemcertacompreensãodelaicidade,queotemadareligiãonãodeveriafigurarnosconteúdosescolares.Assim,umavezqueensinoreligiosonadamaisédoqueformaçãoreligiosaereligiãoéassuntoprivado,nãodeveriaserfunçãodeumestadoqueseentendelaicoabordarestestemas.Antes,asfamílias,asIgrejase as instituições religiosas deveriam assumir para si esta responsabilidade.

Noentanto,paraambasasposiçõesparecefaltarumaquestão:Seráimportanteparaaformaçãocidadãdoeducandoabordarareligiãoparaalémdeumaperspectivaproselitista?Aliás,épossívelumaabordagemdetalnatu-reza?Ofatodequeoensinoreligiososejasinônimodeformaçãoreligiosaequeestemodelotenhavigoradonospoucosmaisde500anosdehistória(eaindaéomodeloadotadoemgrandepartedasescolas)significaqueestaéumaregrageral?Estariaoensinoreligiosofadadoaestaabordagem?Pode-mos ainda nos restringir a um conceito de laicidade tão estreito como esse, difundidonosensocomumapartirdeumaleituraredutoradoiluminismo?

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Nosúltimostempos,tem-seinsistidoqueaCiênciadaReligiãoéaáreadeformaçãodoprofessordeEnsinoReligioso.Defato,váriasinstituiçõesnãopúblicas,jáhámaisde15anos,têminvestidonoensinodaCiênciadaReligiãonagraduação,aindaqueprogramasdepós-graduaçãocontemcomlongatraje-tória no Brasil1.Étambémsintomáticoqueváriasinstituiçõespúblicasestejamconstituindo licenciaturas em Ciência da Religião com habilitação em ensino religioso.AUniversidadeEstadualdoPará(Uepa),aUnimontes(MG)–noâmbitoestadual–,aUniversidadeFederaldeJuizdeFora(UFJF),aUniver-sidadeFederaldaParaíba(UFPB),aUniversidadeFederaldeSergipe(UFS)e,porfim,apossibilidadedecriaçãodeumagraduaçãodessamodalidadenaUniversidadeFederaldoEspíritoSanto(Ufes)2– noâmbitofederal–sãoexemplosnestadireção.CabeaindaressaltarafundaçãodaRedeNacionaldeLicenciaturasemEnsinoReligioso(Reler).Enfim,ofatodeconceber-seaCiênciadaReligiãocomoresponsávelpelaformaçãode licenciadosemEnsino Religioso não será indicativo de uma concepção que busca romper comoparadigmaquecompreendeoensinoreligiosocomosimplesformaçãoreligiosa? É sintomático que Roseli Fischmann não tenha contemplado em suas pesquisas, ao menos nos textos aos quais tive acesso, nenhuma experi-ência que se coloque como alternativa a este modelo proselitista, ainda que sevejamváriastentativasnestadireção.Domesmomodo,parecepartirdeumconceitobastantediscutíveldelaicidade,bemcomodereligião(Cf.RO-DRIGUES,2013,p.149-174).Porissomesmo,antesdeadentrarnadiscussãopropriamenteepistemológica,éprecisotratar(aindaquedemodomeramenteindicativo) de outra noção que acaba tendo importantes repercussões para o ensinoreligioso:acontroversaeplurívocanoçãodelaicidade.

Considerando essas problemáticas mais gerais, esse ensaio tem por objetivodiscutiraquestãodalaicidade,escolaeensinoreligiosoemdiálogocom Paul Ricoeur. Aescolhadesseautorjustifica-sepelofatodequeeledáindíciosdeumacompreensãobastantepertinentedelaicidadeemsuarelaçãocomaescola,bemcomoforneceelementosparapensarepistemologicamen-teabordagensdareligiãoquenãosejamproselitistasnemreducionistas.Seotemadareligiãopermeiaaobradofilósofofrancês,omesmonãopodeserditosobreaeducaçãoelaicidade.NãohánenhumaobraoutextomaisextensonoqualRicoeurdedique-seaessestemas,aindaquesejapossível

1 Para uma perspectiva dos Programas de Pós-Graduação em Ciência da Religião no Brasil, vejaaseçãotemáticadeNumen:revistadepesquisaeestudodareligião,v.15,n.2,2012.Disponívelem:<http://ufjf.emnuvens.com.br/numen/issue/view/184>.

2 Sobreisso,conferirositedaprópriainstituição:<http://portal.ufes.br/conteudo/ufes-estu-da-cria%C3%A7%C3%A3o-de-curso-de-gradua%C3%A7%C3%A3o-em-ci%C3%AAncias--da-religi%C3%A3o>.(Acessoem:13out.2014).

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pensá-losapartirdemuitasaberturasquesuafilosofiaconcede(porexem-plo,SMARJASSI,2011).Dessemodo,esseensaiobuscadiscutirasnoçõesde laicidade e lugar da escola na relação com o ensino religioso, levando em consideração as conotações que Ricoeur atribui ao termo e pensando a partir de proposições sobre uma hermenêutica da religião.

Enquanto articulada com o estado, laicidade assume o sentido de abs-tençãoemquestãodereligião.Noentanto,noâmbitodasociedade,essapalavra evolve embate de interpretações, inclusive de convicções religiosas. Todaadificuldadedotemadoensinoreligiosoemescolaspúblicasexisteemrazão do lugar em que ela se insere: na encruzilhada entre Estado e socie-dade, com as concepções de laicidade correspondentes a cada âmbito. Este entrelugar permite que se pense, no ambiente escolar, em um terceiro tipo de laicidade. Tomando essas noções por base, este ensaio discute o que seria a peculiaridadedaabordagemdofenômenoreligiosonesteespaçofronteiriço,buscandonaabordagemfenomenológico-hermenêuticadeRicoeurindíciosfecundosparaevitardoisextremos:asimpleseliminaçãododebatesobreareligião no ambiente escolar (independentemente da disciplina Ensino Reli-gioso,areligiãoaparececomotema)ouafirmaçõesproselitistasdareligiãoem um espaço laico.

Adiscussãoquesepretendedesenvolvernesseartigoéeminentementeteórica.Comissonãosequerreificaraperversaevelhadicotomiaentreteoriaeprática,comoseelaboraçõesteóricasfossemilegítimasporseremdemasiadoafastadasdocotidianodasaladeaula.Antes,acredita-sequetodapráticapedagógicasejaexpressãodeumateoria.Tenha-seissoclaroounão,umprofessordeEnsinoReligioso,quandoentraemumasaladeaula,tra-balhacomumacompreensãodereligião,depráticapedagógica,depolítica,deEstado,delaicidadeetc.Pensarsobreissoédeextremaimportância,poisteromáximodeclarezapossívelsobreessespontosédeterminanteparaaformaçãodocidadão.Umapráticapedagógicasemumateoriaqueafunda-menteécega;umateoriaquenãoconsidereocotidianoescolarévazia.Comose pode notar, uma está em estrita dependência da outra. Essa divisão não pode ocorrer na realidade, mas apenas do ponto de vista didático, por nossa necessidade de separar as coisas para poder pensá-las mais adequadamente. Masnavidacotidianaelasestãoinseparavelmenteentrelaçadas.Dessemodo,este artigo, ao reconhecer-se teórico, quer dizer o seguinte: ele não se preo-cupa,aomenosnessemomento,comindicaçõessituadasdecomofazerissoquesepropõe(taiscomoplanejarumaaulasegundoomodeloqueaquiseapresenta).Antes,situa-seemumnívelanterior,buscandoexplicitarcertascompreensõesdefundoquepodemauxiliarapensarumatransposição(ouaplicação?) da Ciência da Religião para o ensino religioso.

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Uma distinção necessária: laicização e seus âmbitosUm dos temas centrais de “Educação e laicidade”, entrevista concedia

porRicoeurem1995eumdosrarostextosemquetratadessetópico, éade-finiçãodelaicidadenoqueconcerneàsuarelaçãocomâmbitosdavidasocial,especialmenteemdoisníveisdistintos:oEstadoeasociedade3. É a atenção aosdiferentessentidosqueoconceitoassumediantedaespecificidadedecadaâmbitoqueconduzàsreflexõessobreopapelaserdesempenhadopelaescolaepeloensinoreligioso;emais,oquedeveriaseresteensinoreligioso.

Emprimeirolugar,háalaicidadedoEstado(PORTIER,2011,p.190ss),quepodeserreferidacomumapalavra:abstenção,comconotaçõesrestritivaenegativa.OEstadodeveassumirpapeldeneutralidadeemrelaçãoàreligiãoe,consequentemente,às instituiçõesreligiosas.Elenãodeveriaprivilegiarouposicionar-sedemaneiraagressivaemrelaçãoanenhumamanifestaçãoreligiosa.Há,nodizerdeRicoeur,umaespéciede“agnosticismoestatal”.Esta separação entre Estado e religião não implica simples ignorância de um em relação ao outro. Antes, há o intento de delimitar de maneira adequada opapeldecadaum,demaneiraqueareligiãosejareconhecidapeloEstadocomoentidade,comregimentos,registroeestatutopúblico,submetidaàsleisqueregemosdemaisgruposeagremiaçõessociais.Nospaíseseuropeus,este processo dá importante passo com as revoluções burguesas, como a RevoluçãoInglesa,aRevoluçãoFrancesa(1789)ouaRevoluçãodeCádiz,naEspanha(1822),comsuasconotaçõesbemespecíficasapartirdahistóriadecadapaís.Pelomenos, juridicamentefalando,as instituiçõesreligiosasperdemseupodercentralizador,configurando-secomomaisumaassociaçãodentreasoutras.Elenãoétodooestado,maspartedele.Nãohádúvidasdeque Ricoeur está consciente de como este conceito de laicização mostra-se maisnormativodoqueefetivo.Nesteponto,valealembrançadeque“creioqueéprecisotermaissentidohistóricoemenosideológico,paraabordarosproblemasligadosàlaicidade”(RICOEUR,1997,p.181).Emoutraspalavras,osdiversosEstados-nação,apartirdesuaformaçãohistóricapeculiar,foramencontrando caminhos próprios para articular religião e Estado4.

3 OproblemadalaicidadeeensinoédesenvolvidoporRicoeur,em1957,emumaobracoletivadaFederaçãoProtestantedeEnsino,àqualnãotiveacesso:Laicité et paix scolaire. Paris:Berger-Levrault,1957.Parahistóricodecomoessadiscussãorevelou-sefundamentalnestafederação,vejaBaubérto(2006).ParadesenvolvimentosobreoassuntoemRicoeur,vejaVincent(2008).

4 Para ilustrar a complexidade da aplicação deste modelo, tomemos o exemplo privilegiado dos EstadosUnidos.Desdeaindependêncianorte-americana,oproblemadalaicidadeacompanhaasuatrajetória,aliadaaumafortepresençadareligião.Naprimeiraemendaàconstituiçãonorte-americana,queestabeleceprincípiosenãoleisespecíficas,lê-se:“Ocongressonão

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Ao lado deste, há outro conceito de laicidade um tanto quanto mais dinâmico.Nasociedadecivil,a laicidadecoloca-secomoembatedeposi-cionamentos distintos, como pluralidade e diversidade de perspectivas. Esse embate pressupõe uma sociedade marcada pelo pluralismo de concepções de mundo, de crenças, de ideias, de ideologias, de interpretações, de convic-çõesedecríticas.Umavezqueasociedadeémarcadaporestadiversidade,a laicidade assume caráter dinâmico em razão do campo de disputas que se instaura.Éimportanteressaltarqueeste“conflitodeinterpretações”nãotemporobjetivoaharmonização,umconsenso.Épreciso,inclusive,assumirque,emmuitasquestões,a impossibilidadedeumacordoépatente.Isto,emsi,nãoédetodonegativo,desdequesepreserveoaspectoprodutivododesacordo.Oconflitodasinterpretações,desdequefiquepreservadoodireitodesolicitarqueosatoresdosconflitosapresentemseusmelhoresargumentos,étantoefetivoquantopodesemostrarproducente.

legislaránosentidodeestabelecerumareligião,ouproibindoolivreexercíciodoscultos;ou cerceando a liberdade de palavra, ou de imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamenteededirigiraoGovernopetiçõesparaareparaçãodeseusagravos”.Desdeque o Bill of Rightsfoipromulgadohádebateentreduascorrentes:osseparacionistaseosnãopreferencialistas.OprimeirogrupodefendeainterpretaçãodequeaprimeiraemendaatestaacompletaseparaçãoentreEstadoeIgreja,tendoemThomasJeffersonseugranderepresentante.Jáosegundogrupoargumentaqueaintençãodaprimeiraemendaéevitarquealgumareligiãoemespecialsejaconsideradaoficialemdetrimentodasoutras.Noen-tanto,elanãoerigenenhummuroentrereligiãoeEstado(SEXTON,1993,p.79-102).Nahistória norte-americana houve oscilação entre a proeminência de uma interpretação sobre a outra.NasegundametadedoséculoXX,emvirtudedoavançodetendênciasreligiosasmaisconservadoras,osnãopreferencialistasassumiramdestaque.Sóparaexemplificar,duranteaGuerradoGolfo(em1991),oinfluentepastorBillyGrahamoravaaoladodeGeorgeBushduranteosataques.Umpoucoantes,naépocadaGuerraFria,osideaisnorte-americanoseramtidoscomofundadosnapalavradeDeus,aopassoqueocomunismoeraamanifes-taçãodoanticristo.Alémdisso,emtermosdequadrosdereferências,hácertoresgatededeterminadanoçãodeprotestantismocomomatrizfundantedoimaginárionorte-americano(AZEVEDO,2001).Estaproximidadeentrereligiãoepolíticalevoualgunsautoresacunharotermo“religiãocivil”paradesignarasmúltiplasinferênciasentrereligiãoepolíticanosEstadosUnidos(BELLAH,1984).PoderíamosaindacitarocasodaSuéciaedeoutrospaísesescandinavos,nosquaisoluteranismoéafirmadocomoreligiãooficialepossuioestatutodereligiãoestatal.NaFrança,depoisdediversasidasevindas,háseparaçãoradicalentreosdoisâmbitos.Aindaque,inclusivenaFrança,estemodelosejaaplicadoatodasasregiões.CabeaindacitaromodelodeIsraeloumesmoobrasileiro.Enfim,dopontodevistahistórico,épossívelperceberumagamadepossibilidadesdearticulaçãoentrereligiãoeEstado.Assim,nãosepodepartirdapremissadequelaicidadeéumtermoclaroequeomodeloidealizadonaFrançasejaparadigmanormativoparajulgaroutrospaísescomsuasconstituiçõeshistóricaspeculiares.NãosepretenderetomaraquiocasodoBrasil,abordadoexaustivamenteporoutrostextos.Mas,decertomodo,eleapenascorroboraascomplexidades inerentes a esta noção de laicidade.

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Enfim,oâmbitonoqualsemoveacabapordeterminaranoçãodelaicidade.Emtermosestatais,nãocaberiaassumirfunçãoreligiosa.Nessecaso, aplica-se uma noção de laicidade como autonomização das instituições emrelaçãoàIgreja.Emsegundo lugar,atreladaàsociedade,a laicidadetemosentidodediversidadedeperspectivas.Laicidadenãoémaissimplesabstenção,masindicaoconflitodeinterpretaçõesnoqualareligiãoévozsocialasertambémconsiderada.Dadoqueareligiãodesempenhapapelfor-mativo nas diversas culturas, bem como está presente no espaço público, ela tambémparticipadesteconflito.Porissomesmo,quandoligadaàsociedade,nãopoderesumir-seàmeraabstenção.Nãosepodeignorarqueareligiãotambémseinsereaqui.Masreconhecerareligiãonãosignificaumretornopré-iluminista,noqualseatribuíaaelapapeldeterminante.Odiscursodareligiãoélegítimocomomaisumaagênciaentreoutras.Éinteressanteob-servarqueasegundaacepçãodelaicidadeemRicoeurafina-secomcertacompreensãodedemocracia.Elanãoéasimplesexclusãodareligião,maséjogodediscussãoedeembate.ChamaatençãocomoanoçãodepluralidadepermeiaainterpretaçãodeRicoeur.Afinal,somenteemumasociedadepluraléválidoconceberqueoEstadodevaabster-sedeprivilegiaroucondenardeterminadamanifestaçãoreligiosa.Dessemodo,otraçosignificativodalaicidade localiza-se no reconhecimento da pluralidade de modos religiosos. IssolevaànecessidadedeabstençãoporpartedoEstadoafimdenãofa-vorecer determinados grupos em detrimento de outros. Em outros termos, laicidadenãosignificaaexclusãodareligião,massuaconsideraçãoemumasituaçãodeembateentrediversasinterpretações.Nesseembate,oquesevedaàreligiãoéapretensãodeconsiderar-seoúnicodiscursoválido,demodoanão levar em conta as demais visões de mundo.

Para Ricoeur, a adequada colocação do problema da relação entre educação(maisespecificamenteaescola)eensinoreligiososomentepodeserrealizadaapósaclarificaçãodasacepçõesdelaicidade.Quandoissonãoocorre, há o risco de se incorrer em distorções insuperáveis. Isto porque

oquetornamuitodifíciloproblemadaescolaéqueelaéumaexpressãoenquantoserviçopúblico–atalrespeitoeladevecomportaroelementodeabstençãoquelheépróprio–,easociedadecivil,queainvestecomumadassuasfunçõesmaisimportantes:aeducação.(RICOEUR,1997,p.177).

Em suma, como se pode observar, a questão do ensino religioso assume complexidadeprópriapeloentrelugarocupadopelaescolanojogodeforçasestataisesociais.Deumlado,comoinstituiçãoestatal,elaseligaaoprincípiode abstenção sobre questões de ordem religiosa. Por outro lado, entretanto,

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a escola, como responsável pela educação, insere-se na trama social, devendo estar atenta ao que ocorre neste movediço campo e que inclui em si uma dimensão religiosa.

Emsuma,a“escolaéolugardeumalaicidadeintermediáriaentreadaabstençãoeadaconfrontação,olugardeumalaicidadequeeudiriaterceira?”(RICOEUR,1997,p.184).Emformadequestionamento,Ricoeurlevantaa possibilidade de se estar diante de um terceiro tipo de laicidade, que se coloca no meio da mera abstenção e da disputa. A partir disso, de maneira esquemática,Ricoeurentendeduasfunçõesprincipaisdaescola,discutidasa seguir em articulação com essa questão.

A função formativa da escola e o ensino religiosoEmprimeirolugar,aescolaérevestidadafunçãodeinformação.Nes-

se ponto, está em operação importante pressuposto hermenêutico do lugar formativodatradiçãoparacompreensãodoserhumanoemseuestarnomundo. Toda experiência de mundo dá-se a partir de determinadas com-preensõespréviasquefornecemamolduraapartirdeondeseconstituemsentidosese interpretamascoisas.Falandoapartirdocontextofrancêseemtermosbempráticos,Ricoeurnãoachaadmissívelqueascriançastenhamconhecimentosapuradossobreamitologiagregaenquantofigurascentraisdojudaísmoedocristianismolhessejamcompletamenteestranhas.Arazãoparaestaindignaçãoestánofatodequeostextosjudaico-cristãos,assimcomoosgregos,foramesãofundamentaisparaaconstituiçãodaculturaocidental.Nodecorrerdahistória,olivrodeGênesisfoieémuitomaislido(e,portanto,possuialcanceformativomuitomaisamplo)doquea TeogoniadeHesíodo.Nessesentido,nãoéjustificável,combaseemumaconcepçãodelaicidadecomoabstenção,queoseducandossejamprivadosdeapropriarem-sedeseupatrimôniocultural.Nãosetratadepreteriramitolo-giagregapelatradiçãojudaico-cristã,masquetambémsejapossibilitadoaoeducandooacessoaestasegundafonteformativadesuaherançacultural.Nocontextobrasileiro,amesmaignorânciaéobservadaemrelaçãoàsdiversasmatrizes religiosas que constituem a cultura e a sociedade atual. A recusa do tratamento adequado desses temas com base em uma concepção restrita de laicidadecomoabstenção,ouporumviésproselitistaqueestereotipacertosmodosreligiosos,acabaportrazerprejuízosconsideráveis5. A este respeito, 5 NoBrasil,aquestãotorna-seaindamaiscomplexanamedidaemqueaabstençãonunca

foiobservadastrictu sensu.NãofoiobservadaporqueacriaçãodoEstadobrasileirodeita-senoseiodaIgreja,especificamentedamatrizcatólica.AdistinçãoentreEstadoereligiãosomenteseráformuladacomachegadadaRepública.ComaimplementaçãodoEstadorepublicano,instaura-secertacondiçãoambíguaquantoàformaçãopolíticaemrazãodesuasduasinspiraçõesnoqueconcerneaosprincípiosfilosófico-políticosnorteadoresda

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porexemplo,háváriosrelatosdeprofessoresdoensinobásicoefunda-mental sobre a semana da consciência negra. São trabalhados vários temas econtribuiçõesdosafrodescendentesparaaculturabrasileira.Destacam-seseuscostumes,ascomidas,ascontribuiçõesparaoidiomaetc.Masotemadareligiãoéumtabu,gerandoconflitostantoemrelaçãoaospaiscomoemrelaçãoaosprofessoresealunos.Afimdeevitarembatesdessanatureza,otemasimplesmentenãoétratado.

Ainda que pareça um tanto quanto trivial, o destaque para a relevância doensinoreligiosocomomatériadeconhecimentoébastanteimportante.Aliás,elaéumaáreadoconhecimento.Nosmaisdiversostextos,dasmaisvariadastendênciasdecompreensãodoqueéensinoreligioso,sempresebuscauma legitimaçãomoralparaele. Justifica-sea inserçãodoensinoreligiosoporsuafunçãoprimáriadedesenvolvernoeducandohabilidadeséticascomainfusãodevaloresdecondutamoralaceitospelasociedadeouaeducação, tendo em vista somenteatolerância.Oensinoreligiosonãoétratadoprioritariamentecomoquestãodeconhecimentonomesmoníveldeoutrasáreasdosaber,masparecesempresejustificarapartirdesuafunçãoprática.

Essajustificativaentende-secombasenaformaçãodoEstado,aoqual,anteriormente, chamei de católico. A catequização no Brasil, bem como as missões católicas, teve como mote a moralização dos povos nativos. Já no períododaColônia,esseeraodiscurso.Assim,oEstadobrasileirolegislamoralidade inspirado na noção de Estado norte-americano, em que a religião énormativa.Elaseligacomcertaáreadeformaçãoresponsávelpelaassunçãodevalores.Nestecaso,ignora-sequeseviveummomentodetransição.Osvalorespassadosjánãosãomaiscapazesdemostrarem-secomofundantes.Poroutrolado,percebe-seaimpossibilidadeeadificuldadedainstituiçãodenovos valores. É este hiato entre superação e instauração que se denomina niilismo.NodiagnósticodeRicoeur,“estamoscondenadosaoscilarentreumaimpossívelcriaçãodosvaloreseumaimpossívelintuiçãodosvalores.Estefracassoteóricoreflete-senaantinomiapráticadasubmissãoedarebeliãoqueinfectaapedagogia,apolíticaeaéticacotidianas”(RICOEUR,1978,p.375).

1ªCartaConstituinte:deumlado,alaicidadefrancesa,dooutro,aliberdadedeconsciên-cia individual, de origem norte-americana. Os dois modelos de república democrática na basedeumEstadoemformação,masdematrizcatólica(originariamentecentralizadoraehierárquica)conduzemaoque,nopensamentosocialbrasileiro,foidiagnosticadocomoesquizofrenia.Ocorreque,mesmosendopretendidoosentidodeabstenção,alaicidadenuncaseefetivounessestermosemterritóriobrasileiro.Videocasodossímboloscatólicos(crucifixoseimagensdeMaria,porexemplo)emestabelecimentoseemórgãopúblicos.E, por ser um “Estado católico”, o segundo sentido de laicidade não se aplica, na medida emqueotraçocentralizadordoEstadoassumeparasiatarefademediarodebatenaesferapúblicaquantoàagênciadeoutrasmodalidadesreligiosas.

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Dopontodevistadopensamento,parecequeestaconcepçãoecoaaherançakantiananomododeinterpretarareligião.NaCrítica da razão pura, Kant(2001)demonstraqueasideiasdeDeus,almaemundonãosecons-tituemcomoobjetosdoconhecimento,tendoemvistaquenãohánenhumdado correspondente na sensibilidade. Estas noções de Kant mostram-se incontornáveis, no sentido de que não se pode ignorar esta impossibilidade deconhecimentodefendidaporelesemgrandesprejuízos.Noentanto,estasmesmasideiassãoretomadascomopostuladosdarazãoprática(KANT,2001,BXXIV,BXXIX).NãopodemosconhecerDeus,masissonãosignificaquenão se possa pensar sobre ele, uma vez que conhecer e pensar são atividades distintas.ConformeKantdesenvolveemA crítica da razão prática, ou mesmo em A religião nos limites da simples razão (s.d.), o agir moral coloca a relação entrevirtudeefelicidade.Omundosensível,regidoporsuasprópriasleis,éindiferenteaosintentosmoraisdavontade.Noentanto,avirtudefazoagentemerecedordafelicidade.Umavezqueelanãoérealizávelaqui,érazoável su-porqueaconexãoentrevirtudeefelicidaderealize-seporintermédiodeumautorinteligíveldanaturezasensível(Deus)emoutromundo(imortalidadedaalma).Sãoas ideiasdeDeusedealmaquecolocamoobjetodarazãopráticacomorealizávelepossível6.Oqueédecisivoaqui?

Para nossa problemática, interessa notar como, para alcançar cidada-niafilosófica,areligiãodeveabdicardeseucarátertranscendenteecomoformadeconhecimentopara tornar-seumadendodamoral.Elanãoéquestãodeconhecimento,masdeverestringir-seàmoral.QuandoRicoeurretoma a importância do ensino religioso como questão de conhecimento, melhor, re-conhecimentodeumatradiçãodaqualseé legatário,hásensívelavanço.Nesseponto,oensinoreligiosonãodeve,emprimeira instância,visar questões meramente de ordem moral ou de valor, mas reivindicar para si o estatuto de conhecimento7.

6 G.SalacitaumafrasedeKantnaqualafirmaque“CasosenegueDeus,ovirtuosoéumbobo”(SALA,2002,p.170).VejatambémKant(s.d.,p.15).

7 Nestecaso,está-semuitodistantedeconcepçõespositivistas,queaindapersistem,comonopolemistaMichelOnfray,paraquem“asreligiõesdeveriamserensinadasnoscursosjáexistentes–filosofia,história,literatura,artesplásticas,línguas,etc.–comoseensinamprotociências:porexemplo,aalquimianoscursosdequímica,afitognomônicaeafreno-logiaemciênciasnaturais,ototemismoeopensamentomágicoemfilosofia,ageometriaeuclidiana em matemática, a mitologia em história… Ou como contar epistemologicamente dequemaneiraomito,afábula,aficção,adesrazãoprecedemarazão,adeduçãoeaargumentação”(ONFRAY,2007,p.26).

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Apartirdisto,emergeaseguintequestão:seareligiãoéquestãodeconhecimento, quem são os mais habilitados para ensinar?8 Elaborando a questãoemoutrachave:quetipodeabordagemdofenômenoreligiosoérequerido?Nesseponto,pensoqueapropostafeitaporRicoeur,quesepodeidentificarcomofenomenologiaehermenêutica,nãoobstanteosataquessofridoseaslimitaçõesdafenomenologiadareligião(USARSKI,2006,p.29-54),podedarsuacontribuição.

Afenomenologiadareligiãopartedopressupostodequeareligiãonãopodeserreduzidaaaspectosmeramentefuncionais.NopensamentodeRi-coeur, ela ocupa duplo lugar9.Afenomenologia(nocaso,afilosófica)nãoseconfiguracomométodoinvestigativoconcorrentedasciênciashumanas,umavezqueelasecolocacomocondiçãodepossibilidade,istoé,comoalgoqueantecedelógicaetemporalmenteométodo.Masafenomenologiatambémimplicaummétodoquenãobuscaenunciarsobreascoisascomoelassãoem si mesmas, mas como elas se relacionam com o ser humano em termos de sentido. Trata-se, assim, de uma superação de concepções empiricistas de ciência, adequadas para algumas áreas do saber, mas não para as ciências hu-manascomoumtodo,emespecialparaaabordagemdofenômenoreligioso.Aquestãonãoécontrastarfatoesentido,maspercebercomoossentidoseassignificaçõessãoconstituídoseassumemexpressões,tendoemvistaquesão comunicáveis por meio da linguagem. Como consequência, aparece a antigareclamaçãodafenomenologiadareligião:éprecisoquesereconheça

8 Ricoeurdeixaaquestãoemaberto.Eleafirma:“Quemensinariataismatérias?Historiadores?Pessoasreligiosas?É,indubitavelmente,umverdadeiroproblema;masofactodequenãosetenhalevantadonãoénormal”(RICOEUR,1997,p.178).SobreoensinodestasdisciplinasnaFrançacontemporânea,relata-nosLuizAntônioCunha:“Ofatoreligiosoéumobjetodoconhecimentocientífico,portantoumfenômenoobjetivamenteobservável,medianteoempregodomé-todocientífico.Asreligiõessão,assim,apreendidascomofatossociais,políticos,culturais,mentaisecivilizatórios–históricos,oquequerdizerquesãoprodutodavidahumanaemsociedade.Nocurrículoescolarfrancês,énadisciplinaHistóriaqueofatoreligiosoétratado”(CUNHA,2006,p.1242).

9 OpróprioRicoeurfornece-nosalgunselementosquemerecemserconsiderados.Aotratardarelaçãoentrefenomenologiaeciênciashumanas,afirmaque:“primeiro,fenomenologianãoéummétododeinvestigaçãoalternativoquepodesersubstituídopelasciênciassociais;antes, ela está ocupada com as condições de possibilidade destas ciências no sentido que elebuscadelinearseusobjetos.Aofazê-lo,elabuscapreservaresteobjetodeimplicaçõesreducionistas de alguns procedimentos metodológicos que podem ser aplicados a ele. Segundo,atarefadafenomenologianãoésomenterestabeleceroconhecimentoobjetocombaseemumarelaçãopré-objetivacomosobjetosde investigaçãocientífica,mastambémmostracomoaobjetividadedasciênciaséprescritaporestarelaçãopré-objetiva”(RICOEUR,1977b,p.145).Traduçãodoautor.

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ofenômenoreligioso,nãoapenascomofenômenohistórico,social,psico-lógico,econômicoetc.,masqueelesejaencaradonoquetemdeespecífico:istoé,comoreligioso.Comisso,nãoseexcluemabordagensdareligiãoapartirdeoutroslugares,ou,melhor,comoseareligiãofossedependentedeoutrasvariantessociais.Mas,assimcomocadaâmbitocontacomcertaabordagemespecíficasegundoseuobjeto,nãoédescabidodefenderalgosemelhanteparaofenômenoreligioso10, especialmente buscando entender a religião com locus deconstituiçãodesentido.Enfim,aquestãoécomosepodem ouvir empaticamente as narrativas religiosas sem, entretanto, perder oelementodecríticaemrelaçãoaelas.

Religião como “projeção”Paraelucidaroqueaquisedefende,éútiltomarumcontraponto:cer-

ta concepção de religião pressuposta em muitas abordagens, que a entenda comoespéciedeprojeçãodaconsciência,deordemsocial,psíquicaetc.Ointeressantedestatendênciainterpretativadareligiãoéqueelaseoriginadeumdebateestritamentefilosófico,chegandoaatingiralcancemaior,apontodeformarimportantespressuposiçõesidentificáveisnosensocomumeemdiversaspráticaspedagógicasnaabordagemdofenômenoreligioso.EssateoriadareligiãoemergeapartirdeumdebatedosdiscípulosdeHegelsobreo lugar da religião em seu sistema. Em A fenomenologia do espírito,Hegel(2003)situa a religião a um passo do saber absoluto11. A religião possui o conteúdo verdadeiro, mas ainda se vale da representação (Vor-stellung). Para que se passe da religião revelada para o saber absoluto, apenas um passo seria necessário: suprassumiraformadarepresentaçãodareligiãonoconceito.Dessemodo,areligiãonãoésimpleserroaserdescartado,mascontémaverdadedemodoinapropriado.OespíritoemsuamanifestaçãoabsolutaeoDeusdareligiãosãosemelhantes.Entretanto,somenteafilosofiapodeperceberessaproximidade,poiselasemovenoníveldoconceito,enãomaisnaformafinitadarepresentação.Nareligião,oespíritoéexternoemanifesta-seemtermosderepresentação.Jánafilosofia,oconteúdo(espírito)eaforma10 Ricoeurreconheceestepontoemrelaçãoaopolítico.Àmedidaquesetornamaiscrítico

domarxismo,suatentativaéaderesgatar,comtodoseuparadoxo,certaespecificidadedopolítico.Emoutrostermos,elenãopodesersomentesubmetidoaoâmbitoeconômico,como se a solução dos problemas desta ordem gerasse, como que de modo imediato, a soluçãodopolítico(RICOEUR,1997,p.136ss).

11 FogeaoobjetivodestetextoexaminarasnuançasealteraçõesnaconcepçãodereligiãoemHegel,quepossuicomplexidadeprópria.Sobreisso,vejaRicoeur(1998),Christensen(1970),Fackenheim(1967),Dreher(1998).

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(pensamento)identificam-se,formandounidade.EmA fenomenologia do Es-pírito,éimportantedestacarqueessasemelhançaentreoobjetodafilosofiae da religião, acentuada por Hegel no momento posterior de sua produção, aparecenoiníciodocapítulosobreosaberabsoluto,logoapósocapítulosobre a religião.

Oconteúdodorepresentaréoespíritoabsoluto,eoquerestaaindafazerésóosuprassumirdessameraforma(daobjetividade),oumelhor, jáqueelapertenceàconsciênciacomotal,suaverdadedevejáter-semostradonasfigurasdaconsciência.(HEGEL,2002,p.530).

Assim,Hegelsuprassumeaformadareligiãopeloconceito,trocandoainstabilidadefinitaecontingentedarepresentação,comsuafragmentaçãoeconcepçõesmediatizadas,porsímbolos,mitoseritos,pelarazão.Umavezqueoconteúdodareligiãonãoestámaiscircunscritoporformascontingentes,masagoradependedarazão,queéuniversal,eleestáabertoatodooentendimento.Oconteúdodareligião,expressonaformaadequada,deixaacontingênciadarepresentação para atingir a universalidade que o conceito atribui-lhe.

Sereligiãoefilosofiapossuemomesmoconteúdo,eafilosofiaexpressa--o mais apropriadamente, qual o statusdareligião?Ofinitotemsuaverdadenasuperaçãodesicomofinito,ouseja,nasuainfinitude.Seareligiãotemporconteúdoesseinfinito,elapodesertidacomointeligibilidadedofinito.Noentanto,areligiãopagaumpreçoparaocuparesselugarespecial:seusig-nificadoéperdido.F.C.Clopestonnãoreconheceesseaspecto.Segundoele,

Hegelnãoseparaoconceitodeverdadedeafirmaçõesreligiosasearelacionasomenteaafirmaçõesfilosóficas.Afirmaçõesreligiosaspodemserverdadeiras.Equandoofilósofoexpressasuaverdadenumaformadiferente,éamesmaverdadequeestáapresentando.Issosignificadizer,naopiniãodeHegel,queaverdadepermaneceamesma.(CLOPESTON,1971,p.193)12.

Noentanto,aoafirmarqueareligiãopossuiaverdade,masaexpressade maneira incorreta, pode-se interpretar que Hegel estaria dizendo que as representaçõespictóricasdareligiãosãometáforasdeverdadesfilosóficas13. Aconsequênciadissoéqueareligiãonãoteria,assim,averdadecomotal.

12 Traduçãodooriginaleminglêsfeitapeloautor.13 SegundoHegel,“Asrepresentaçõesemgeralpodemconsiderar-secomometáforas,dos

pensamentoseconceitos.Mas,pelofactodeseteremrepresentações,nemporissoseconhecemosseussignificadoparaopensar,istoé,nãoseconhecemaindaosseuspen-samentos e conceitos” (HEGEL, s.d., v.1, §3).

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Averdade,emseusentidopleno,seriasomentedafilosofiacomosaberabsoluto.Nesseaspecto,detraduçãodareligiãocristãpelafilosofia,estariatantoajustificaçãodareligiãoquantosuacrítica.

ParaKarlLöwith,as interpretaçõesantagônicasdeHegel têmsuaorigemnesseaspecto(LÖWITH,1986,p.356).OshegelianosdedireitainterpretaramHegelcomodefensordocristianismo,maisespecificamentedo protestantismo. Os hegelianos de esquerda, por sua vez, perceberam que nolugaratribuídoàreligiãohaviaindíciosparaasuperaçãodareligião.Seelatemoconteúdoabsolutonaformainadequadadarepresentação,aosersuprassumidadesapareceriaparatornar-severdadefilosófica.Baron-Vieillardexpressaestanoçãodizendo:“Odiscursoteológico,seeleémisturabas-tardaentreconceitosempíricoseimagensrepresentativas,nãotemnenhumsentido;eseeleéespeculativo,éentãopropriamentefilosófico”(BARON--VIEILLARD,2002,p.60)14. Assim,odiscursoreligiosofalasobreDeussemsaberque,naverdade,faladeoutracoisa.Épreciso,portanto,atitudede suspeita em relação ao discurso religioso.

Essa interpretação está presente em Ludwig Feuerbach. Em A essência do cristianismo (1841),eleentendequeDeuséointeriordohomemprojetadoparaseuexterior.AofalardeDeus,oserhumanoestaria,naverdade,falandodesipróprioouatribuindoàdivindadeaquiloquenegaemsi.NarelaçãocomDeus,oserhumanoacabaanulando-separatornaradivindademaior.SeDeuséaessênciadoserhumanoprojetada,ateologiadeveserreduzidaàantropologiapara que este ser humano tome consciência de si e supere a alienação. Em outrostermos,éimperativaareduçãoantropológica.NasPreleções sobre a essência da religião, Feuerbach resume sua doutrina da seguinte maneira:

teologiaéantropologia,ouseja,noobjetodareligiãoaquechamamostheós em grego, Gott em alemão, expressa-se nada mais do que a essência do homem, ou:odeusdohomemnãoénadamaisqueaessênciadivinizadadohomem,portantoahistóriadareligiãoou,oquedánamesma,deDeus(porquequãodiversas as religiões tão diversos os deuses, e as religiões tão diversas quão

14 ÉprecisosalientarqueHegelmostra-seambíguo.Comrelaçãoaorepresentarreligioso,afirmasuanecessidade,mesmoquandosuprassumidopeloconceito.“Masafigurapar-ticulardareligiãoénecessária;comefeito,areligiãoéaformadaverdadeparatodososhomens.ApreendeaessênciadoEspíritonaformadaconsciênciarepresentante,quesedetémnoexterior”(HEGEL,2006,p.156-157).Paraele,ajustificativadamanutençãodafiguradareligiãopauta-senanecessidadedaconsciênciapopularporessaseraviadecontatocomoespíritoacessívelàgrandemaioriadaspessoas.OpúblicovisadopelasobrasdeHegelera,emsuagrandemaioria,filósofosque,aoquesepodepressupor,estavamalémdaconsciênciapopulareseriamcapazesdecompreendê-lonoconceito.Sobreoestatutodarepresentaçãoreligiosa,vejaDreher(1998).

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diversossãooshomens)nadamaisédoqueahistóriadohomem.(FEUER-BACH,1989,p.23).

ParaFeuerbach,areligiãonãoé,emseuconteúdo,falsa.Elaéapenasumaprojeção,espéciedeilusão.Oproblemaresidenosujeito,nãonospredi-cados.Quandosedizque“Deuséonipotente”,ailusãoestánaprojeçãoqueaconsciênciahumanafazdesiemDeus.Ospredicados(osatributosdivinos)relacionam-secomanaturezahumana,enãocomosujeitopensadopelare-ligião,istoé,Deus.OlimitedareligiãoestáemconferiraDeusaquiloqueéatributohumano.Enfim,nãoháproblemaalgumcomospredicados,mas,aoinvésdereferirem-seaDeus,elesremetemparaoserhumanocomoespécie.Como se pode notar, Feuerbach acaba instituindo outra cisão: a natureza huma-naeoindivíduo.Enquantoaquelaéilimitada,estesofrecomascontingênciaspróprias de sua condição. O pressuposto dessa compreensão da religião, que partedacríticahegelianaàrepresentaçãoreligiosa,mostrou-sefundamentalnosséculosXIXeXX.PensadorestãodísparescomoMarx,Freud,NietzscheeSartre,cadaqualàsuamaneira,compartilhamdessafontecomum.

MarxeEngels,porexemplo,partemdaanálisedeFeuerbach.Entretanto,criticam-noporassociaraessênciadareligiãoàessênciahumana,nãorom-pendosuficientementecomaabstraçãopresenteemHegelaonãoatentarparaocaráterconcretodasrelaçõessociaisemmeioàsquaisossereshumanosseencontram.Esseelementoéidentificávelnacompreensãodeserhumanocomoconsciência,sustentadaporFeuerbach.ParaMarx,aideologianãoésimples mentira. O problema da ideologia está em não perceber de modo clarosuasreaismotivaçõeseseuobjeto,sendonecessáriaasuperaçãodaquiloqueapareceemdireçãoàracionalidadequesubjazàrealidadehistórico-social.Umavezqueaestruturasocialéfundamentalmenteeconômica,as ideiasreligiosassomentesãoimportantesàmedidaqueservemaestesinteresses,desempenhandopapelcoadjuvantenahistória.Apesardeserocoraçãodeummundosemcoração,areligiãoéideológicaporconstruirfantasiasemvezdefalararealidade.NaspalavrasdeMarx,oserhumanoque“procuraumsuper-homemnarealidadefantásticadocéu[…]nãoencontranada,masoreflexodesimesmo”(MARX,1982,p.42).Dessepontodevista,afilosofiapossuiimportantetarefadesmistificadoraecrítica:mostrarqueaquiloqueseconsiderasagradonadamaisédoqueexpressãodequestõesdeordemsocial.Acríticadareligiãotransforma-seemcríticadodireitoea“críticadateologia,emcríticadapolítica”(MARX,1982,p.42). Estas alterações são necessárias, uma vez que a religião oculta os interesses a que atende, sendo necessárioultrapassá-laafimchegaraorealreferentedeseudiscurso.Destemodo, considera-se o conteúdo da religião, mas deve ser expresso de modo

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corretoafimderevelarsuasreais intenções.Areligião,comoideologia,éilusão.Masnemporissoésimplesmenteerro.

JáemFreud,seguindonosmarcosacimapropostos,apalavra-chaveéilusão. A religião tem origem em uma tentativa do ser humano de completar umdesejo.Paraexpressarsuacompreensão,Freudempregaotermoilusão,que,emsuaarticulaçãocomareligião,édefinidodoseguintemodo:

Podemos, portanto, chamar uma crença de ilusão quando uma realização de desejoconstituifatorproeminenteemsuamotivaçãoe,assimprocedendo,desprezamos suas relações com a realidade, tal como a própria ilusão não dá valoràverificação.(FREUD,2006,p.40).

Elechamaaatençãoparaapresençadodesejo.Eleéoquedistingueailusãodeumerro,tendoemvistaseulugarfundamentalapontodenãoconsideraraquiloqueéreal.Odesejosobrepõe-seàrealidade,fazendoquesedêcréditoàquiloquenãoapresentaprovasplausíveisoubemfundamen-tadas.Assim,odesejodeproteçãoporpartedoserhumanoofazacreditarque há uma providência divina que governa o mundo, concedendo-lhe sentido, de modo que nem a natureza e nem o destino são aleatórios. A religiãonadamaisédoqueadinâmicadavidaquedeseja,produzindo,destemodo, estes espectros. O termo ilusão ressalta a decepção deste homem desejante,umavezqueelaseconstituicomoprojeçãodosconteúdosdodesejodematrizpsíquica.OpróprioFreudreconhecequeestaperspectivanãoéoriginalmentesua,podendoserencontradaemoutrosautoresqueoprecederam.Istoé,nas fronteirasdopensamentodeFeuerbach, suapercepçãooperacombaseemumaconcepçãodequeareligiãoéprojeçãode questões de outra ordem. Assim, não basta simplesmente descartar a religião,masela,comsuasilusões,deveserobjetodeconsideração.AssimcomoFeuerbacheMarx,essaconsideraçãotemporconsequência(mesmoquenãosejaseuobjetivocentral)acríticaàreligiãoe,quemsabe,àsuasuperação.Enfim,oquenos interessaaquiéressaltarqueFreudretomaaconcepção“antropologizante”dequeareligiãofalafigurativamentedadivindade,mas,naverdade,refere-seaverdadesdaconstituiçãopsicológicahumana.Elanãoémerasuperstição.Antes,temsuasraízesemneuroses,em uma ambivalência de admiração e de repúdio em relação ao pai, tido simultaneamentecomoprotetorecompetidor(FREUD,2006,p.32).Nãomuito longe dos marcos hegelianos, ainda que com tonalidades próprias, entendequeaciênciapodeconduziraoconhecimentodoqueestáforadenóse,talvez,aofimdareligião:

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Nocaminhoparaesseobjetivodistante,suasdoutrinasreligiosasterãodeserpostasdelado,pormaisqueasprimeirastentativasfalhemouosprimeirossubstitutossemostreminsustentáveis.Vocêsabeporque:alongoprazo,nadapoderesistiràrazãoeàexperiência,eacontradiçãoqueareligiãoofereceépalpáveldemais.(FREUD,2006,p.62).

Querdizer,ofuturodeumailusão(quenãosimplesmenteumamentira)énãoterfuturo,ou,namelhordashipóteses,terosdiascontados.

Nãoéobjetivodesteensaiodesenvolverempormenoresasperspectivasdareligiãopresentesemcadaumdestesautores.Atéporqueissodemandariatempo e espaço de que não se dispõe. Cabe apenas ressaltar que, por mais distantesquesuasconclusõesestejamumasdasoutras,háumacompreensãodereligiãoquesubjazestasinterpretações:elaéespéciedeprojeção,sejadaordemdaconsciência,ideológicaoupsíquica.Ricoeurchamaestatendênciainterpretativadofenômenoreligiosodefilosofiadasuspeita15. Para ele, a razão deconsiderarpensadorescomoMarx,NietzscheeFreuddestamaneiraestánomodocomoconstituemsuacríticadareligião.ElesnãoquestionamasprovasdaexistênciadeDeus,nemmesmooassumemcomoalgodesprovidodesignificação.Antes,

Areligiãotemumasignificaçãodesconhecidadocrente,emrazãodeumadis-simulaçãoespecíficaquesubtraisuaorigemrealàinvestigaçãodaconsciência.Éporissoqueelarequerumatécnicadeinterpretaçãoadaptadaaseumododedissimulação;valedizer,umainterpretaçãocomodistintadosimpleserro,no sentido epistemológico do termo, ou da mentira, no sentido moral corrente. (RICOEUR,1978,p.369).

Em outros termos, não se trata simplesmente de considerar a religião como erro, mas de encontrar o lugar e os mecanismos hermenêuticos apro-priadosparadecifraraquiloqueseocultapordetrásdesuasilusões.

Nessacompreensãodereligião,aindapressupostaemváriasabordagens,elaésempretratadaapartirdeoutroelementoquelheéextrínseco.Eladizrespeitoàalienaçãodoserhumano,submissãoàideologiadominante,ou

15 É importantepontuarqueRicoeuraponta,principalmente,Marx,FreudeNietzschecomoosgrandesmestresdestatendência.Noentanto,aotratardoqueestáemjogoaqui,ampliarestanoçãoparaFeuerbach,porexemplo,nãopareceinfundado.Alémdisso,éprecisomantercertasreservassobrea leituraqueeledesenvolvedeNietzsche,umavezqueaproblemáticaassumeoutramodulaçãonosfragmentosdofilósofoalemão.HáintérpretesqueressaltamarelevânciadaobrasobreFreud,masdestacamproblemasnainterpretaçãoricoeuriana(LAVINE,1995,p.169-188).

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mesmoprojeçãodeproblemasdeordempsicológica.Istoé,areligiãonuncaéoquepareceser;elasempreescondealgo.Istoqueelaescondepoderiaserdecodificadoporaquelequepossuiascorretaschavesdeinterpretação,não se deixando ser devorado pelas ilusões, mas revelando os reais interesses pornãoter,jádeinício,comprometimentocomdeterminadamanifestaçãoreligiosa.Essenãocomprometimentoassegurariaaobjetividade,demodoqueaquelequesesituaemumlugarhermenêuticoforadareligiãocompre-ende a experiência religiosa melhor do que o próprio religioso. O sociólogo, porexemplo,écapazdedeflagrarosmecanismosdedominaçãoideológica.O psicólogo, por sua vez, tem mais autoridade do que aquele que viveu a experiênciareligiosaparadizerquaisdistúrbioslevaramàreligião.Hásemprealguémoutro,queselocalizaemoutrolugar(foradareligião),quepossuimaisautoridadeparadizeroqueelarealmentesignifica.

Considerações sobre a fenomenologia-hermenêutica e religiãoAo lado desta escola da suspeita, para empregar o termo de Ricoeur,

háafenomenologiaehermenêuticadareligiãocomoutramaneiradelidarcomofenômenoreligioso.Aquijánãosetratadeinterpretarasilusõesdaconsciência, mas do recolhimento do sentido. Busca-se extrair o sentido a partirdopontodevistadaexperiência,destacandooquefenômenoreligio-sotemdereligioso.Emoutrostermos,suatarefaconsisteemidentificaredescrever o sentido implicado na analogia que se estabelece entre expressão eexperiência.NaspalavrasdeRicoeur:

Generalizando,diremosqueotemadafenomenologiadareligiãoéoalgovisadonaaçãoritual,napalavramítica,nacrençaousentimentomístico.Suatarefaéadedesimplicaresse“objeto”dasintençõesdiversasdaconduta,dodiscursoedaemoção.Chamemosde“sagrado”esseobjetovisado.(RICOEUR,1977a,p.36)16.

16 PartindodosmarcosdafenomenologiafilosóficadeHusserl(quepossuisuaspeculiaridadesemrelaçãoàfenomenologiadareligiãodesenvolvidaapartirdoséculoXIX),Ricoeurentendeafenomenologiacomoatreladaaosentido.Sobreisso,vejaRicoeur(2009,p.9).AaplicaçãodestemétodoparaacompreensãodareligiãoédesenvolvidapelopróprioRicoeuraindanadécadade1960,notexto“Asimbólicadomal”(2013).Aqui,Ricoeurtratadomalpormeiodareduçãoeidéticaquechegaàmancha,pecadoeculpacomoelementosconstituintes.Eleconsideraossímbolosemitosdomalconstituintesdoimagináriooci-dental, sendo que são analisados, principalmente, textos de origem hebraica e grega. Ele nãopriorizaformulaçõesdogmáticasougrandeslinhasdepensamentossistematizados,mas expressões mais espontâneas da experiência religiosa.

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Éimportantepontuaroqueseentendeaquiporfenomenologia.Elanãoétratadacomotentativadeencontraraessênciadareligião,sejanosentimentodetemorefascínio(R.Otto),naforça(VanderLeeuw)ounaoposiçãosagrado/profano(Eliade).Antes,oqueestáemjogoéquestãodeperspectivadeabordagemdofenômenoreligioso.Éumproblemaeminente-mentehermenêutico,deperspectivasobreoobjeto.Porisso,asconsideraçõesdeW.B.Kristensensãointeressantes.AssimcomooutrosfenomenólogosdoséculoXX,eleassumeosagradocomocategoriasui generis da religião, quenãopodeserreduzidaàética,àestéticaouaelementospuramentein-telectuais.Destemodo,afirmaque:

Afilosofiadareligiãotomaaidéiadesagradocomoumconceitoparacríticaerefinamento,masafenomenologiadareligiãotentacapturá-lacomoexpe-rienciada.[…]Odesafiodafenomenologiadareligiãoéapreenderosagradoapartirdaexperiênciareligiosadofiele,então,formulardescriçõesacuradasdela.(KRISTENSEN,1960,p.23)17.

É preciso levar em consideração aquilo que o próprio religioso diz sobre suaexperiência,namedidaemqueelaéfonteconstituintedesentido.Assim,nãosepartedeumaposturaquejulgaaexperiênciareligiosaapartirderefe-renciaisfilosóficos,sociaisoupsicológicosexternosaela.Odesafioestáemapreenderofenômenoreligiosocomosignificativo,significanteeconstituintede sentido a partir de si mesmo. Kristensen entende que outras abordagens dareligiãonãosãoerrôneas,apenasparciais.Areligiãocomparadavalorizaumadeterminadamanifestaçãoreligiosa,estandoassimcomprometidacomsuasconclusões;ahistóriadareligiãoéobjetivamentemuitodistante,sendoincapazdecaptaranaturezaexistencialdareligião,caindoemumaespéciedeimaginaçãoparadentrodareligião;afilosofiadareligiãoestápreocupadacomidealidades,nãocaptandoosfatosdareligião(KRISTENSEN,1960,p.9).Mascomopodeafenomenologiadareligiãoauxiliar?Elaseencontraem um meio-termo: emprega os dados da religião comparada, especialmen-tealgumascategoriastipológicas–dahistóriadareligião,aceitaométodoempáticoeosfatoshistóricos–eaproveita-sedadefiniçãodeessênciadareligiãofeitapelafilosofiadareligião.Paraele,nafenomenologiadareligiãoencontramos as várias disciplinas em permanente e coordenada relação18.17 Traduçãodooriginaleminglêsfeitapeloautor.18 Nestamesmadireção,valecitarM.Eliade.“Aciênciamodernareabilitouumprincípio

quecertasconfusõesdoséculoXIXcomprometeramgravemente:éaescalaquecriaofenômeno.HenriPoincaréperguntavaasipróprio,comironia: ‘umnaturalistaquesótivesseestudadoumelefanteaomicroscópioacreditariaconhecercompletamenteesteanimal?’Omicroscópiorevelaaestruturaeomecanismodascélulas,estruturaemeca-

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Afenomenologiadareligiãoéacusadadeemoldurarseucampodedomíniocomumapremissaassumidaa priori do caráter sui generis da religião, denominadosagradooutranscendência(PENNER,1989).Autoresquede-senvolvemestetipodecríticaacusamqueseassumeosagradocomocampoespecíficodafenomenologiadareligiãoafimdepreservarcertaunidadeparaosestudosdereligião.Odesejodestaunidadeteriamotivaçõespolíticas,te-ológicasesociais(McCUTCHEON,1997,p.73).Écomoseadenominaçãode ciência da religião servisse para legitimar o poder de certa elite (?). Para McCutcheon,ocarátersui generis da religião pode ser atingido após anos de pesquisa, e não a priori,comoquerafenomenologiadareligião. Obviamente, essasquestõesepistemológicassãomotivadasepossuemrepercussõespolíti-cas.Nãosepodemais,emnenhumaáreadosaber,pressuporcertainocênciaepistêmica como se discussões desta natureza não estivessem articuladas com outrasmaisamplas,nomeadamentecomquestõespolíticas.Noentanto,seafenomenologiaémaisumaperspectivahermenêuticadoquebuscapelaessênciadareligião,parecemenosdogmáticanosentidodeafirmaçãodocaráter sui generis dareligiãodoqueMcCutcheondáaentender.Nãosetratadecompreenderareligiãocomofenômenoautônomoemrelaçãoàpolítica,economia,culturaetc.Todofenômenoreligiosodá-seemumacultura,emumsistemapolítico,econômicoetc.Antes,trata-sedeumaperspectivaquetornaofenômenoreligiosovariantedeterminanteemrelaçãoaestasoutras.Trata-se, portanto, de uma mudança do olhar em relação ao que se considera centraledoqueéderivado.Valedizer,fazendoainversãodostermos:aoinvésdederivadadapolítica,dosistemaeconômicoe/oudeoutraesferaso-cial,opontoépercebercomoareligiãoconstitui-senarelação(tensiva)comessespares.Como,apartirdela,osoutrosâmbitossãosignificados.Grandepartedasabordagenssociológicasdareligiãofazdofenômenoreligiosoumaespéciedeandaimeparachegaraoquerealmente interessa:asociedade.Nãoédointeressedosociólogoentenderareligiãocomofenômenocomespecificidades.Intenta-secompreenderasociedade,porissomesmosefaz

nismoidênticosemtodososorganismospluricelulares.Enãohádúvidadequeoelefanteéumanimalpluricelular.Masnãoserámaisdoqueisso?Àescalamicroscópicapodemosconhecerumarespostahesitante.Àescalavisualhumana,quetempelomenosoméritodenosapresentaroelefantecomofenômenozoológico,nãoháhesitaçãopossível.Damesmamaneira,umfenômenoreligiososomenteserevelarácomotalcomacondiçãodeserapreendidodentrodasuaprópriamodalidade,istoé,deserestudadoàescalareligio-sa.Quererdelimitarestefenômenopelafisiologia,pelapsicologia,pelasociologiaepelaciênciaeconômica,pelalingüísticaepelaarte,etc.étraí-lo,édeixarescaparprecisamenteaquiloqueneleexistedeúnicoeirredutível,ouseja,oseucarátersagrado.Éverdadequenãoháfenômenosreligiosospuros,assimcomonãoháfenômenoúnicaeexclusivamentereligioso”(ELIADE,1998,p.1).

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sociologia.PaulaMontero,porexemplo,afirmaque“Osfenômenosreligiososinteressam-me, não como um campo em si mesmo de investigação, mas como viadeacessoàcompreensãodasociedadebrasileira”(MONTERO,1999,p.329;cf.SEGAL,2005,p.49-60).Emsuma,seuobjetoéasociedade,nãoareligiãoemsi.Dessemodo,estamosdiantedeperspectivasdiferenciadasqueacabampordeterminaroobjetodeconsideração.

Seaabordagemdafenomenologiadareligiãonãocedeaosreducionis-mos,nosentidodereconduçãodareligiãoaoutrasvariantes,elatambémnãoseconfundecomabordagensteológicasconfessionais.Teologia,aqui,écom-preendidaemsentidosuperficial,comoaassunçãodedeterminadarevelaçãocomo revestida de caráter normativo. Portanto, não estamos preocupados, nestemomento,comoquesedenominouteologiafilosófica.Nessesentido,emR.Otto,porexemplo,otemanãoéDeuscomoobjeto,mascomoasubjetividadetematizaareligião(sobreestedebate,cf.SOUZA,2011).Emoutrostermos,areligiãoéconduzidaparaasubjetividadeenquantocons-tituintedesentido,dessemodofazendodeseuescopoatematizaçãopelosentidoatribuídopelasubjetividadeenquantorelacionadacomosagrado.Nesseponto,afenomenologia insere-senoâmbitodasciênciashumanascomoformadeconhecimento.

Nessamesmadireção,Ricoeurdizalgoilustrativo.Aotratardotemadoateísmoedafé,ponderaqueocaminhodofilósofoestánomeio(seriaa terceira via da laicização atuante na escola?):

ofilósofo,enquantopensadorresponsável,mantém-seameio-caminhoentreoateísmoeafé,porquenãopodecontentar-seemcolocarsimplesmenteladoaladoumahermenêuticaredutoraquedestronaosídolosdosdeusesmortoseumahermenêuticapositivaquedeveriaserretomada,umarepetição,paraalémdamortedodeusmoral,doquerigmabíblico,odosprofetasedacomunidadecristãprimitiva.(RICOEUR,1978,p.374).

Parece-me, assim, que se está na proximidade da abordagem hermenêu-tico-fenomenológica,poisnãosetratasimplesmentedecederàsconcepçõesreducionistasnemtampoucoretomarafirmaçõesdefé.

Enfim,seofenômenoreligiosoéobjetodeconhecimento,elerequerabordagem apropriada com educadores devidamente preparados para tratar dotema.Dessemodo,nãosetratadeapenas inserir a religião em disciplinas quepossuemsuaabordagem,objetivos,objetosepreocupaçõespróprias(História,Literatura,CiênciaSociais,Geografiaetc.)(cf.RODRIGUES,2011).Seaescolaencontra-senafronteiraentrealaicidadecomoabstençãoecomoconfrontação,aabordagemqueRicoeurpermitevislumbrarmostra-secomo

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alternativa para preservar o caráter de abstenção de uma visão proselitista da religião, sem necessariamente incorrer no reducionismo da religião (não obstante a importância destas contribuições) a âmbitos que lhe são relacio-nados, mas não próprios.

Somenteépossívelouvirooutrocasosetenhaosouvidosatentosaossentidosqueareligiãoforja.E,situar-seameio-caminhosignificanãoabdicardasuspeita,noentanto,nãoserestringiraela,massemchegaràterra prometida do discurso religioso. É um ouvir empático seguindo de interpretação.Porisso,fenomenologiahermenêutica.

A escola, o ensino religioso e o políticoEmsegundolugar,Ricoeurdestacaadimensãopolíticadaeducação.

Aqui,éimportantenãoserestringiraoensinoreligioso.Antes,aeducaçãocomoumtodotemopapeldeprepararcidadãos,istoé,indivíduosqueseinsiramnopolítico,visandoaosembatesediscussõesquesedeflagramnoconflitodasinterpretações,típicodaesferapúblicadassociedadesdemocrá-ticas. Em suas palavras,

Sealaicidadedasociedadeciviléumalaicidadedeconfrontaçãoentrecon-vicçõesbempensadas,entãoéprecisoprepararascriançasparaserembonsdebatedores;éprecisoiniciá-lasnaproblemáticapluralistadassociedadescon-temporâneas, talvez ouvindo argumentações contrárias conduzidas por pessoas competentes.(RICOEUR,1997,p.178).

UmpontointeressanteéqueRicoeurnãoconcebeessedebatecomoplenamenteracional,nosentidodequeelesefundamentaemargumentoslogicamentefundadosdosquaisosdebatedorespossuemplenaconsciên-cia.Aliás,ascríticasànoçãodesubjetividademoderna(quenoâmbitodopolíticoéaquelesujeitoquetemplenaconsciênciadasmotivaçõesdeseusargumentos) apontam nessa direção. É preciso reconhecer o espaço para as convicções,cujasfundamentaçõesnãoseconstituemsomentecombaseemargumentações lógico-racionais. A convicção, por exemplo, pode ser assumida pelo testemunho de outros que vieram antes, não podendo legitimar-se com baseemproposiçõesmaispróximasdorealoulogicamentemaisfundamen-tadas. Como herança recebida, da qual se assimilam partes em detrimento de outras, ela envolve disposição de aceitação, de “re-conhecimento” de algo queconstituietranscende(nosentidodeiralém)osujeitoindividual.

Noentanto,comestaressalvanãosereafirmaocomunitarismo.Emparte, ele se constitui a partir da privatização, que pode ser compreendida nosentidodaquiloquenãoéconcernenteaoEstado,mastambémcomo

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aquiloquenãocompeteàcoletividade(RICOEUR,1997,p.184).Nocasodo Brasil, há posicionamentos aguerridos contra todo e qualquer ensino religiosoporreconhecerqueareligiãodeveserestringiraoprivado.Noentanto, não se toma a distinção acima entre os dois aspectos do privado. Parece-me evidente que não se hesitaria em concordar com o privado no primeirosentido,mantendoindependênciadoEstadoemrelaçãoàreligiãoe vice-versa. Entretanto, estender esta prática para a coletividade traz como perigoofurtar-sedesubmeterareligiãoaodebatepúblico,sendoocami-nhomaiscurtoparaafirmaçõesdevisõesdemundototalizantese,porquenão,totalitárias.Istosedeveaofatodequeareligiãonãosecontentacomo âmbito privado, uma vez que toda experiência religiosa traz consequências paraadimensãopública(cf.PIEPER,2011).Noentanto,aclausuraemsi,sem o embate com outras interpretações, traz como consequência o não reconhecimento da legitimidade de posições discordantes. Se o tema não assume reconhecida dimensão pública, ele perde o caráter de debate. Em seperdendoisso,nãoédifícil imaginarcomosepodechegaravisõesdemundopermeadasportendênciastotalitárias.Dessemodo,aosedefenderqueareligiãoéassuntoprivado,quenãodeveriasertópicodediscussãonoambienteescolar,corre-seosérioderiscodepreservarepromover,nãoalaicização,masseucontrário:convicçõessemoelementocrítico.Emumadenominaçãomaiscorriqueira:fundamentalismos.

Emsegundo lugar,o reconhecimentoéelementoconstitutivodosujeito.Comolegatáriodafenomenologia,Ricoeur,emdiversosdeseusescritos,destacacomoosujeitonãoseconstituicomoegosemmundo,emumarazãopuraea-histórica.Antes,énarelaçãocomooutroqueosi--mesmoseforma.Afirmandoounegandoooutro,hácertadependênciadoelementointersubjetivonaformaçãodapessoa.Subjetividadeé,dealgummodo,intersubjetividade.Aodizerquenãosouooutroouoqueelepensaquesou,institui-seoesforçodedemarcarasfronteiras.Nessademarcação,mesmo por meio da negação, acaba-se tendo de dialogar e incorporar (nem quesejademaneirainversa,i.e.,negando)ooutro.Nesseprocessode“re--conhecimento”estáimplicadoeimplicaumoutro.Nesseponto,aconvicçãodeveriaserpermeadapelacrítica,reconhecendo-secomonarrativaaberta,estabelecendo-se na relação com o outro.

Esse re-conhecimento (portanto, um tipo de conhecimento) pode se desenvolver,pelomenos,emduasdireções.Oestudodatradiçãoàqualsepertence acaba por revelar seu caráter abismal. O retorno aos elementos que constituemohorizontehermenêuticoapartirdeondeseformaarededesentidosesignificaçõesnaqualosujeitosemovimentamostra-seemsuaconstituição histórica. Em outros termos, ela perde a imediaticidade que se

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poderiaatribuiràssignificaçõesdemundo,comoseelasdissessemoserdascoisas.Antes,oshorizonteshermenêuticossãoconstituídoshistoricamente,em um processo dialógico, de modo que, sob o signo da temporalidade, não podem ser tidos como espelhos da realidade, mas interpretações que constituemomundo.Alémdisso,esteretornoparaohorizonteconstituinteacaba por revelar a impossibilidade da total apreensão desta totalidade de determinaçõesqueatuamsobreosujeito.Hásemprealgodestehorizontequeseretrai.Ele,dealgummodo,constituiosujeito,massempreescapa,nãosetornandoumobjetoapreensívelpelaconsciência.Nesseduplosentidoatradiçãorevelasuas limitações.Deumlado,elaconstituiosoloondeépossíveltodaatribuiçãodesentido.Masestesolonãopoderemeter-seaumfundamentoúltimo,queserecuseareconhecersuahistoricidade.Nolimite,elanãopoderecorrerafundamentaçõesúltimas,massereconhececomofundamentohermenêutico;portanto,umainterpretação.Oabismorevela-secomoaquiloqueescapa,doqualnãosetemconsciência.Apartirdisso,érazoável supor que certo horizonte de interpretação não pode contemplar a totalidade das coisas, mas deve reconhecer suas limitações, decorrentes dafinitudedohumano.Emtermosmaissimples,porexemplo,oestudodatradiçãocristãporumcristãopodemostraraelequeestatradiçãoémaisrica do que aquilo que apregoa uma denominação. A pluralidade de cristianis-mosrelativizaapretensãodealgumaIgrejaemafirmar-secomodepositáriaexclusiva do “verdadeiro cristianismo”.

Porfim,estere-conhecimento pode ser desenvolvido no contato com tra-diçõesdistintasdaquelasquesãoformativasparaoeducando.Emgeral,essatemsidoaênfasedaquelesquedefendemoensinoreligiosonãoconfessionalno Brasil. A abordagem de tópicos comparativos em diversas religiões leva àcompreensãodas“razões”dooutro,bemcomomostramalimitaçãodedeterminantehorizontehermenêutico.Istonãosignificanecessariamenteas-sumir os pressupostos do outro, mas adotar uma postura de compreensão de horizontesdeconstituiçãodesentidodiferentesdaqueleaoqualsepertence.Nestecaso,épossívelqueconvivamacríticaeaconvicção.

Conclusão e algumas questõesO ensino religioso, entendido dessa maneira, constitui-se parte do pro-

cesso de laicização. É preciso romper com a noção de que todo e qualquer ensinoreligiosocoloca-secomoopostoàlaicidade.Certamente,omodeloproselitista,quepareceganharrenovadasforçasnoBrasil,representaumaten-tativadeinstituiçõesreligiosasderetomarseuantigolugar.Masaabordagem,tal como compreendida aqui, tem condições de despertar o re-conhecimento dooutroemsualegitimidade,fornecendoumquadrodecompreensãoda

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religiãomaisamplodoqueabordagensreducionistasoufuncionalistasdareligião.Elaéumesforçodeentenderareligião(portanto,nãotemabor-dagemprimariamenteética)demaneiracompreensiva,afimdeabordá-lacomoconstitutivadesentidoque,porsuavez,nãopodesefurtaràcrítica.

A simples adoção de um sentido de laicização (como abstenção) tem tido consequências não tão positivas, visto gerar crescente despreparo para a compreensão, boa argumentação e para a convivência com e entre os edu-candos.Asimplesrejeiçãodoproblemadareligiãonaescolanãosignificaque ele não exista nesse espaço, como se nota pelas diversas maneiras que ele vemsemanifestandonasmaisdiversasformasdefundamentalismo.Nãoédeestranhar que várias pesquisas revelem como a religião gera intolerância no ambienteescolar.Aquestãoéseistoésomentefrutodoensinoreligioso(emmuitassituações,esteéocaso!),ouaescolarevela-secomolugarondeacabaeclodindo aquilo que em outros ambientes está controlado. Prova disto está nofatodeque,constantemente,certoscasosdeintolerânciareligiosa(sejaporpartedeprofessores,sejaporpartedealunos)assumecertanotoriedade.Atendênciageraléadefocarnospersonagensindividuaisenvolvidos.Masoproblemanãoémuitomaior?Elenãoseriaumdosreflexosdaideiadequeareligiãoéalgoprivadoequenãodeveserdiscutido?Éprecisoconsiderarque o ensino religioso, entendido de maneira não proselitista, e a partir dos aportes teóricos da Ciência da Religião, pode ser uma rara oportunidade de o educando entrar em contato com a religião do outro de maneira não estereotipada.Imagineumreligiosoqueemsua igrejasempreouvefalarhorroresdasreligiõesafro-brasileirasemumaconstruçãobastanteestereo-tipadaepreconceituosa.Nessecaso,oensinoreligiosonãopoderiaserumaoportunidade para ele ter acesso a outra compreensão desse grupo religioso?

Nãoseria,emparte,ofundamentalismodediversasposições,quepar-temparaaviolênciaantesdodiálogo,frutotambémdanegligênciadaedu-caçãoematentar,nessatensãoentrecríticaeconvicção,paraessadimensãofundamentaldavidasocial?Aausênciadoensinoreligiosonasescolasnãosignifica,demodoalgum,queareligiãonãoestarápresente.E,nestecenário,simplesmentecondenartodaequalquerformadeensinoreligioso,ouisolaros educandos em salas distintas para que tenham aulas somente sobre sua própria religião, não seria simplesmente reproduzir e acentuar esta mesma lógica?Entregarestafunçãoaclérigoscomintençõesproselitistasnãoémuito perigoso? Por outro lado, entender a religião simplesmente como tendo umafunçãosocialtambémnãosemostramuitoexterior,demodoqueacríticanãoafetaaconvicção?Emoutrostermos,umacríticaqueseconstruaconsiderando a visão de mundo que as tradições religiosas engendram não semostramuitomaiseficaz?

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Em suma, a noção de laicidade como âmbito de argumentação e de con-flitodeinterpretaçõesmostra-sebastanteproducente.Laicidade,aqui,nãoésimples abstenção da discussão em torno da religião. Antes, concebem-se os educandoscomoindivíduosque,paraconstituírem-seeconviverememumasociedade plural, possam re-conhecer ooutroesejamcapazesdeportar-seemuma sociedade marcada pelos embates. Para tanto, o ensino religioso prose-litista, bem como a simples abstenção, não parecem vias pouco producentes. Comisso,nãosedizqueapropostaaquifeitasolucionariaoproblema.Eleébemmaiscomplexo.Mas,detodomodo,podeserumaviaquenosindiquecaminhos teóricos para encaminhar a questão.

É provável que um dos maiores problemas em admitir a religião no âmbitodasaladeaulasejaavocaçãohegemônicaqueodiscursoreligiososustenta;emespecial,asreligiõesdoeixojudaico-islâmico-cristãoquerempara si o statusdelegisladoras.Emfunçãodessa“vontadedepoder”équesejustificamastentativasdeseubanimentoparaaesferaprivada.Isso,noentanto,nãodesqualificaapertinênciadoproblema:areligião,comoho-rizontedesentido,participanaesferapúblicanaqualidadedeagente,paraa apresentação de seus argumentos, pontos de vista, opiniões, demandas e defesas.Assim,concomitantementeàquestãodoensinoreligiosonaedu-caçãopública,coloca-seapergunta(quenãoadmiterespostasfáceis)pelotipo de laicidade que se quer sustentar. Ou seria o caso de entendermos que arepulsaàreligiãotraduz-semelhoremrepulsaàpluralidadedereligiõesque,historicamente,seexplicanaorigemdoEstado.Portanto,paraalémdebuscar aplicar adequadamente certa compreensão de laicidade (tida como paradigmática)aonossocontexto,seriatalvezmaisprofícuaainvestigaçãodaformaçãodoEstadoeemquesentidoareligiãoestevepresenteemsuaimplementação.

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Submetidoem:1-4-2014Aceito:12-10-2014