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Faculdade de Direito de Lisboa
SLL - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO II/ NOITE 2ª ÉPOCA/ 2011
SUB-TURMAS 5 e 6
Esquema para aplicação do art. 12 nº2 do CC
1ª parte:
“…quando a lei dispõe sobre as condições de validade
substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus
efeitos, só visa os factos novos…”
Se só visa os factos novos significa que a que a lei nova (LN) aplica-
se aos factos novos, e a lei antiga (LA) aos factos antigos.
Ora, se tivermos um problema de sucessão de leis (se temos uma lei
antiga e uma lei nova sobre as condições de validade de factos),
colocando-se o problema de saber qual a lei que vai reger os factos
constitutivos ocorridos no passado (que é no fundo o que se discute
quando falamos de sucessão de leis), a resposta é que se aplica a LA.
Portanto de acordo com a 1ª parte do 12 nº2 aplica-se sempre a LEI ANTIGA
Resta saber agora em que circunstância tal ocorre:
Condições de validade:
Substancial – Ex: uma lei regula os requisitos de validade dum
negócio jurídico quanto à incapacidade/ erro / dolo/ coacção
Formal – Ex: lei exige que um negócio seja celebrado por escritura
pública
De factos ou efeitos
Factos: exemplos de factos – aquisição do direito de propriedade/
celebração de um negócio jurídico
1. Constitutivos: ex: lei exige que um negócio seja celebrado por
escritura pública
2. Extintivos: lei exige que denúncia (uma forma de extinção dos
contratos) seja feita não por documento particular, mas por
notificação judicial
Efeitos dos factos: ex – poderes que o proprietário tem
relativamente ao seu bem (âmbito do direito); conteúdo do negócio
jurídico (direitos e deveres das partes)
Efeitos que abstraem dos factos que lhe dão origem
Entende a doutrina que são só cabem na previsão do art. 12 nº2 1ª
parte os efeitos que não se podem abstrair dos factos que lhe
dão origem. Tem-se entendido que estes efeitos, são aqueles que
não podem ser desligados dos factos que os geram porque exprimem
uma valoração desses mesmos factos. 1
Por exemplo a lei que fixa uma obrigação de indemnizar no caso de
danos causados por animal de que certa pessoa estava encarregue
de vigiar (art. 493 do CC), exprime uma valoração do facto que lhe
deu origem, isto é o dano causado pelo animal (o facto constitutivo é
o dano causado pelo animal e o efeito é a obrigação de indemnizar da
1 Assim O A p .569
pessoa encarregue de vigiar o animal. (responsabilidade extra-
contratual).
Todavia a doutrina para melhor concretizar esta questão, de saber
quando é que os efeitos abstraem, ou não, dos factos que lhe deram
origem, criou regras relativamente às diferentes matérias de direito
civil (os Estatutos) que adiante vamos explicitar melhor.
2ª parte:
“…quando dispuser sobre o conteúdo de relações
jurídicas abstraindo dos factos que lhes deram origem,
entende-se que abrange as próprias relações já
constituídas, que subsistam à data da sua entrada em
vigor.”
Se abrange as relações jurídicas já constituídas que subsistam à data
da sua entrada em vigor, significa que a LN aplica-se a situações
passadas.
Portanto de acordo com a 2ª parte do 12 nº2 aplica-se sempre
a LEI NOVA
Resta saber agora em que circunstância tal ocorre, o que implica
saber quando é que se dispõe sobre o conteúdo de relações jurídicas
abstraindo dos factos que lhes deram origem:
Conteúdo das relações jurídicas:
É o âmbito das relações jurídicas ou os seus efeitos depois de
constituídas, por exemplo:
– Poderes que o proprietário tem relativamente ao seu bem (âmbito do direito);
direitos e deveres das partes no negocio jurídico.
Abstrair dos factos que lhe deram origem
Os efeitos que abstraem dos factos que lhe deram origem são
aqueles que são de tal modo autónomos do facto constitutivo, que
não implicam nenhuma valoração desse mesmo facto. De modo que
não faz sentido aplicar-se-lhes a lei que rege o facto constitutivo.
Ex:
Os poderes do proprietário de um terreno, são autónomos do modo de aquisição
desse direito de propriedade (se foi adquirido por contrato, ocupação ou
usucapião) – Ex: lei que regula o âmbito do direito de propriedade quanto à
plantação de árvores e arbustos (art. 1366 do CC). Não faria sentido que o Senhor
X que adquiriu um terreno em 1940, ainda estivesse sujeito à legislação dessa
época, (quanto aos seus poderes como proprietário) altura em que se verificou o
facto constitutivo.
Tal como já foi referido, a doutrina para melhor concretizar esta
questão, de saber quando é que os efeitos abstraem, ou não, dos
factos que lhe deram origem, criou regras relativamente às
diferentes matérias de direito civil (os Estatutos).
Em conclusão, quando uma lei regula os efeitos de uma situação
jurídica (os efeitos que resultam de um facto/ ou o conteúdo de uma
relação jurídica) importa saber se:
1. Não abstrai do facto: aplica-se o 12 nº2, 1ª parte
2. Abstrai do facto: aplica-se o 12 nº2, 2ª parte
Resposta a esta questão: estatutos
Os estatutos são um auxilio para concretizar a aplicação do
art. 12 nº2 do CC. Constituem apenas indícios de
concretização, não havendo unanimidade na doutrina quanto
ao seu teor.
Estatutos sobre sucessão de leis
1. Real (direitos reais ou das coisas – art. 1251 e ss do CC)
Aquisição de um direito real – aplica-se a lei vigente nesse momento
ou seja a LA – logo aplica-se o art. 12 nº2, 1ª parte (está em causa
um facto constitutivo).
Ex: - Lei que altera os modos de aquisição do direito de propriedade (art. 1316 e
ss do CC)
Conteúdo do direito real – aplica-se a LN se alterar esse conteúdo –
logo aplica-se o art. 12 nº2, 2ª parte (está em causa um efeito que
abstrai do facto que lhe dá origem).
Ex: - Lei que regula o âmbito do direito de propriedade por exemplo as relações
de vizinhança entre os proprietários de terrenos contíguos – ex : aproveitamento
das águas (art. 1389 e ss).
2. Responsabilidade extra-contratual (facto ilícito ou
licito/risco – 483 e ss CC)
Aplica-se a lei em vigor no tempo da ocorrência do facto que a gerou
– a LA – logo aplica-se o art. 12 nº2, 1ª parte (está em causa um facto
constitutivo).
Ex: A lei que fixa uma obrigação de indemnizar no caso de danos causados por
animal de que certa pessoa estava encarregue de vigiar (art. 493 do CC)
3. Sucessório (sucessão por morte – art. 2024 e ss do CC)
Sucessão legal (não testamento): ao regime da sucessão legal
previsto nos art. 2024 e ss do CC, aplica-se a lei do momento da
morte, ou lei da abertura da sucessão – a LA - logo aplica-se o art. 12
nº2, 1ª parte (está em causa um facto constitutivo: morte do de cujus
e consequente abertura da sucessão).
Ex: - Lei que rege a sucessão legitimaria (art. 2156 e ss do CC)
Sucessão voluntária (testamento – feito antes da morte do de cujus2):
a. Validade formal do testamento (2204 e ss) e capacidade para
testar (2188 do CC) – aplica-se a lei em vigor no momento da
sua feitura - a LA - logo aplica-se o art. 12 nº2, 1ª parte (está
em causa um facto constitutivo: feitura do testamento).
b. Validade substantiva do testamento – regulada pela lei
existente no momento da abertura da sucessão – a LN – pois
está em causa o conteúdo do testamento - logo aplica-se o art.
12 nº2, 2ª parte (entende-se, que está em causa um efeito que
abstrai do facto que lhe dá origem, isto por razões de defesa de
interesses da sociedade, visto no caso de o testamento ter sido
2 A pessoa que falece
feito há 50 anos, não se estar a por em causa na época da
morte do de cujus, a sucessão legal dos outros herdeiros, no
caso de a legislação ter mudado por feitos do decurso do
tempo).
4. Pessoal (estados pessoais – art. 66 e ss do CC)
Constituição de um estado pessoal - aplica-se a lei vigente nesse
momento ou seja a LA – logo aplica-se o art. 12 nº2, 1ª parte (está
em causa um facto constitutivo).
Ex: - Lei que altera as pessoas que podem ser inabilitadas (art.152 CC)
Conteúdo de um estado pessoal – aplica-se a LN se alterar esse
conteúdo – logo aplica-se o art. 12 nº2, 2ª parte (está em causa um
efeito que abstrai do facto que lhe dá origem).
Ex: -Lei que altera o regime de administração dos bens do inabilitado
5. Família (estados pessoais da família – art. 1576 e ss do
CC – casamento e filiação)
Constituição de um estado de família – quanto à sua existência,
validade, objecto e parte do conteúdo ligado à constituição - aplica-se
a lei vigente nesse momento ou seja a LA – logo aplica-se o art. 12
nº2, 1ª parte (está em causa um facto constitutivo ou um efeito que
não se pode abstrair do facto que lhe dá origem).
Ex:
- A lei que fixa os poderes dos que casam com menos de 18 anos, exprime uma
valoração do casamento nessas circunstâncias (o facto constitutivo é o casamento
de menores; o efeito: são os poderes dos menores casados). Há poderes especiais
para os menores casados, tais efeitos só existem relativamente a um tipo de
casamento, o casamento de menores. Logo há uma valoração do facto constitutivo
pelo efeito.
- Regime de bens 1717 do CC
Conteúdo de um estado de família – quanto à parte do conteúdo
autonomizado da existência os estado de família - aplica-se a LN –
logo aplica-se o art. 12 nº2, 2ª parte (está em causa um efeito que
abstrai do facto que lhe dá origem).
Ex:
- lei que rege a administração de bens do casal – 1678 e ss
- A forma das doações entre casados: art. 1763 do CC
6. Contratos
Constituição de um contrato e parte do conteúdo ligado à
constituição - aplica-se a lei vigente nesse momento ou seja a LA –
logo aplica-se o art. 12 nº2, 1ª parte (está em causa um facto
constitutivo ou um efeito que não se pode abstrair do facto que lhe
dá origem).
Ex: lei que altera forma de celebração de contrato de sociedade (art. 981 CC)
Conteúdo de um contrato – quanto à parte do conteúdo
autonomizado da constituição do contrato - aplica-se a LN – logo
aplica-se o art. 12 nº2, 2ª parte (está em causa um efeito que abstrai
do facto que lhe dá origem).
Ex: lei que altera o regime da distribuição dos lucros pelos sócios (art. 991 e ss
CC).
Esclarecimento quanto ao Estatuto da Família e Estatuto
dos Contratos
Aqui os estatutos parecem não adiantar muito mais que o art. 12 nº2
do CC, por isso urge estabelecer outro critério para saber quando o
conteúdo do contrato é autonomizado ou não da sua constituição
para sabermos se aplicamos a LN ou a LA.
Regra: LA (autonomia contratual)
Em regra, a lei a aplicar aos contratos, é a lei existente no momento
da sua celebração – a LA – isto justifica-se devido ao princípio da
autonomia contratual (as partes têm a liberdade para dispor sobre o
conteúdo dos contratos, e se por acaso não o fizeram, significa que
concordam com as regras supletivas previstas na lei). Se as partes
decidiram contratar com base na lei vigente, seria uma violência
aplicar a LN que altere equilíbrio no contrato por elas pretendido.
Excepção: LN (norma imperativa + defesa de interesses sociais
fundamentais)
Todavia, pode suceder que o legislador sinta necessidade de intervir,
sacrificando a autonomia das partes, para salvaguardar interesses
sociais fundamentais (tutelando a parte mais fraca e
estabelecendo uma certa ordem publica económica de direcção).
Nestes casos deve-se aplicar imediatamente a LN às relações
jurídicas já constituídas.
Para sabermos se a LN salvaguarda ou não interesses sociais
fundamentais, o carácter imperativo/ injuntivo ou não da norma
pode-nos dar um auxílio. Todavia não é simplesmente o carácter
formalmente injuntivo da norma que nos leva a concluir desse modo.
É necessários que, por interpretação da norma, possamos chegar
à conclusão de que está em causa uma questão de ordem pública
económica de protecção.
Exs:
- Casos de contratos de adesão (transportes/ seguros) onde a parte que adere tem
pouca liberdade de estipulação e muitas vezes as cláusulas são abusivas.
- Leis que tutelem a honra/ aspectos morais de uma parte no contrato.
- Condições de despejo no contrato de arrendamento
Esta argumentação do interesse social fundamental, está no
fundo subjacente aos critérios adoptados pelos restantes
estatutos.
Sandra Lopes Luís