Artigo - Valor, Essência e Aparência e o Conceito Da Mais-Valia Extraordinária

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Valor, essência e aparência e o conceito da mais-valia extraordinária

ECONOMIA, Niterói (RJ), v.5, n. 1, p. 67-97, jan./jun. 2004 67

 Valor, essência e aparência

e o conceito da mais-valia extraordinária

Rogério Antonio Lagoeiro de Magalhães

Referindo-se àdiscussão sobre a natureza da ma is-valia extrao rdinaria, levanta- 

da por Francisco Paulo Cipoll a em art igo publicado na revista da Sociedade Brasi- 

leira de Economia Polít ica ( junho de 2003) , este art igo propõe uma ar t iculação 

dos conceitos devalor e preço, de Marx, dent ro de uma ambient ação do sistema- 

padrão de Sraffa em um sistema econômico em equi líbrio dinâmico, assim ent endi- 

do o equi líbrio definido em torno da diversidade das taxas de lucro ent re as suas 

di ferent es produções, que se configuram ao longo do processo da competição capita- 

lista. Retoma-se, nesse contexto, a questão do padrão imaginado por Ricardo, no 

sent ido de permi t ir a t ransformação dos valores expressos em preços para o valor 

expresso em trabalho, dentro da premissa de que se na economia circula o trabalho,

só em termos de trabalho o processo econômico pode ser compreendido. De fato,

posta a resposta de Sraf fa a Ricardo nesse novo contexto, todo o valor gerado no 

sistema vai poder ser expresso em unidades objet ivas de trabalho, o que faz o 

fenômeno do lucro capitalista t ransparecer na expressão dos diferenciais de produ- t ividade do trabalho, que o processo sem fim da compet ição capitalista int roduz e 

mantém ent re as unidades de produção do sistema econômico. Dessa forma, a 

esquemat ização vai sugerir uma revisão do própr io conceito marxista da mais-

valia, que passaria a referir-se aos di ferenciais de produt ividade não pagos dos 

extratos de produção superiores, em relação àprodutividade-padrão do sistema 

econômico de cada momento. Cria-se, assim, o que seria uma possibi lidade de ex- 

pressão não cont radi tória do fenômeno do lucro, no contexto de uma dinâmica geral 

capitalista estabelecida em torno do tr ipédo desenvolviment o tecnológico

continua do / lucro-investim ento / aum ento h istórico do sa lário real. Em 

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suma, não obstante se reconheça a mais-valia absoluta como uma das mui tas 

formas pelas quais, na prática histórica, o capital se apropria indevidamente de 

rendimentos funcionalmente devidos ao trabalho, ret ira-se dela, em favor das suas qual ificações como ma is-valia extraordiná ria emais-valia relativa , uma maior 

aproximação àestruturação de uma expl icação sistêmica do lucro, no que seria 

uma possibilidade não inteiramente explorada, mas não ignorada por Marx, ao 

int roduzi r esses conceitos.

Classificação JEL: O1

In the context of t he discussion about the concept of extraordinary surplus-value,

within the Brazilian Society of Economic Policy, raised by Francisco Paulo Cipolla 

(UFPR) in an art icle publi shed by the enti ty’s publi cati on ( june 2003) , this 

art icle proposes an art iculation of t he value and price concepts from wich the 

extraordinary surplus-value results as the only possibility of functional expression 

of the profi t phenomenon. In this rereading of Marx, in a moderne perspect ive,

although the concept of absolute-surplus-value is recognized as pert inent and as 

one of many ways through wich, hi storically, capital unduly misappropriates the 

surplus wich is funct ionally owned to labor, and deprivies it – in behalf of the 

extraordinary surplus-value – of the function of structuring a theoret ical explanation 

of profi t , in a modern perspect ive.

Introdução

O renascimento , entre os marxistas brasileiros, da discussão sobre a nat u-

reza do conceito da mais-valia extraordinária   é assinalado por Francisco

Paulo C ipolla em artigo publicado no n úmero 12 (junho 2003) da revis-

ta da SEP - Sociedade Brasileira de Economia Política (“ Valor de mercado,

preço de mercado e o conceito de mais-valia extraordinária ” ). Toma mo s, como

referências expressas desse debat e, além do já referido artigo, os seguin-

tes trabalhos, t odos apresentados em eventos da entidade: i) o art igo “So- 

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bre o conceito de mais-val ia extra em Marx ” , de Reinaldo C arcanholo, apre-

sentado no V Encontro Na cional de Econom ia Política (2000) ii) o artigo

“Processo de gravitação, concorrência e preço de produção: uma perspect iva dinâ- mica ”, apresentado por Alain Herscovici também no V Encontro (2000)

iii) o artigo de Borges Neto, “ Mais-valia extra, produção e transferência de 

valor ”, do VI Encontro (2001) iv) novamente de Carcanholo, o artigo

“Oferta e demanda e a determinação do valor de mercado / Tentat iva de interpre- 

tação do cap. X do l ivro III – Versão Preliminar ”, apresentado no VIII Encon-

tro da entidade (2003).

Pretend endo inscrever-se entre essas int ervenções, a cont ribuição que

aq ui trazemos propõe uma articulação dos conceitos de valor, preço e mais- valia extraordinária , nos termos de uma recontextualização da lógica do

sistema-padrão de Sraffa (Produção de mercadorias por meio de mercadorias ,

1960), t al como im plícita numa particular formulação do processo de de-

senvolvimento capitalista q ue desde longe vimos desenvolvendo. Acredi-

tam os q ue essa formulação possa ajudar no desdobrament o desse debate

crucial.

O cerne do debate

Nos t ermos em q ue Cipolla a resume, pretende-se uma resposta à seguin-

te q uestão: “ Seria esse ganho extraordinário (a mais-valia extraordinária)

um valor produzido pelos trabalhadores empregados pelos capitais mais

eficientes, posição esta defendida por Borges Neto (2001), ou const itui-

ria esse ganho uma transferência de valor no interior de uma indústria, ta lcomo entendido por Carcanholo (2000)?” Cipolla perfila sua opinião,

grosso modo , à de Carcanholo, enquanto pende-se aqui, não necessaria-

mente pelas mesmas razões, para o que pensa Borges Neto. A matéria é

mesmo controversa, como reconhece Ca rcanholo (2000): “ (...) a explica-

ção que nos legou Marx sobre a ma is-valia extra e o mecanism o q ue a faz

possível não está isenta d e dificuldades. Assim duas alterna tivas de expli-

cação são possíveis: a do trabalho complexo ou a da transferência de va-

lor”. Certo, duas explicações são possíveis, mas sempre se pode esperar

que uma esteja m ais correta do q ue a outra. A “ prova dos nove” , dentro

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da melhor aproximação possível da economia política ao espírito das ci-

ências experimentais, seria a de qual melhor se ajustasse à explicação

econôm ica do desenvolviment o capitalista, t al como se passou, da Revo-

lução Indust rial aos nossos dias. Nesse sentido, uma preliminar da q ual

parece não se poder duvidar é que se Marx vivesse em nossos tempos,

certamente, reveria em profundidade o livro III, não só porque para o

conjunto do texto pode se estender a avaliação que Carcanholo (2003)

faz especificamente do capítulo X – “trata-se de um capítulo fragmentá-

rio, pouco elaborado, insuficiente e não isento de dificuldades teóricas”

–, ma s principalmente porque não lhe escapariam as sugestões de novos

enfoques, proporcionados pela experiência empírica document ada , e tam -bém por novas cont ribuições t eóricas relevant es. No q ue se refere à expe-

riência empírica, desta camos o processo de desenvolvimento t ecnológico

continuado como o traço do desenvolvimento capitalista que se afigura

ma is patente ao longo desses últimos dois séculos. D e fato, esse processo

de desenvolvimento tecnológico t em sido t ão a brangente (abarcando t o-

das a s produções) e continua do (desde a Revolução Industrial at é os dias

de hoje), que se pode pensá-lo como inerente à dinâmica do sistema,

como se a própria lógica de estruturação do sistema de preços relativos

configurasse uma verdadeira “ compulsão m acroeconômica para o aumen-

to da produt ividade de todas as produções” , em torno da qual se

estruturasse o sistema de preços relativos e toda a lógica do desenvolvi-

mento capitalista. Nesse sentido, dentre os novos aportes teóricos, não

poderia ser ignorada a cont ribuição de Pierro Sraffa sobre a estruturação

do sist ema de preços. Nossa proposta é, pois, de uma releitura de Marx,

numa perspectiva de unificação da essência e da aparência do valor, nalinha da busca (frustrada) d e Ricardo, retomada por Sraffa e aqui t rans-

posta para o ambiente de um sistema econômico em equilíbrio dinâmico.

Preço e valor 

Num sobrevôo l igeiro da l i teratura , registram-se as seguintes es-

pecificações para os conceitos de preço e valor: preço, preço de produção

individual, preço de cust o, valor, valor de m ercado, preços de produção

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médios, preço de mercado, valor produzido, valor apropriado, valor

social . Assim como se deve advertir que, tratando-se aqui de uma

esquemat ização fundada na divisão funcional do produto entre os

rendimentos do t rabalho e todos os t ipos de rendimentos d o capita l ,

não dist inguimos entre os conceitos de mais-valia extraordinária e

mais-valia relat iva – nivelados ambos como rendas de uma mesma

natureza , ambas in tegradas dent re os rendimentos do capi t a l do

s is tema – , convém também precisar que t raba lhamos aqui com a

relação preço-valor, no sentido em q ue a d efine com precisão B orges

Neto (2001): “O preço-valor é o preço que expressa diretamente o

valor (de mercado), ou seja, um preço q ue não se desvia d o valor. É opróprio valor (social ou de mercado), expresso em dinheiro” . E com-

plementa, em nota de rodapé: “Anwar Shaikh cunhou a expressão

preços diretos (direct prices ) (Shaikh, 1977) para designar o mesmo

conceito. R einaldo C arcanholo usa um termos m enos sintético “ preços

correspondent es aos valores” . Em torn o do preço-valor se acom odaria m

as pressões da oferta e procura que, no nível da realidade objetiva,

determinam os preços, conforme diz o próprio Marx, na citação de

Carcanholo (2003): “(. . .) se a oferta e a procura regulam o preço de

mercado, ou an tes, os desvios que os preços de mercado t êm do valor

de mercado, por out ro lado, o valor de mercado rege a relação entre a

oferta e a procura ou constitui o centro em torno d o q ual as flutuações

da o ferta e procura fazem girar os preços de m ercado ” (Marx, 1981 –

livro III, v. 4, capítulo X – p. 205). Em sum a, n o cont exto dest e nosso

trab alho, t oma mos o preço como s endo a expressão fina nceira do valor,

medida em q uant idades monetárias, e o valor como a expressão eco-nômica dos preços, medida em quantidade de trabalho, as duas ex-

pressões entendidas como mútua e diretamente correspondentes. O

preço representa a aparência visível e o valor a essência oculta, na

junção das duas definindo -se o fenômeno econômico. Como diz C ar-

canholo (2000), “(Para a dialét ica marxista) a realidade é a unidade

de duas dim ensões, essência e aparência, e nenhum a delas é mais im-

portan te q ue a outra. A diferença entre elas está no fat o de q ue se só a

aparência é diretamente observável, a essência é a única que permite

entender os nexos íntimos da realidade” .

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Rogério Antonio Lagoeiro de Magalhães

 A estruturação do universo econômico de Marx 

Tudo começa pela cons ideração da estruturação d o sist ema econômico

q ue Marx t inha na cabeça. A esse respeito, observa-se q ue, entre o Livro

I e o livro III de O capital , passa-se uma not ável transição. Nas palavras de

Carcanholo (2000), “ durante o primeiro l ivro d’ O capital Marx supôs, para 

maior simpl icidade, que as diferentes empresas do mesmo ramo (setor) produti vo 

(produtoras de uma mesma espécie de mercadoria homogênea) trabalha- 

vam todas com a mesma tecnologia e que, por isso, todas produziam uma unidade 

de mercadoria com a mesma quantidade de trabalho socialment e necessário”. Já no

livro III, Marx passa a idéia de um sistema econômico em que, num pri-meiro mom ento, coexistem unidades de produção (empresas) de um m esmo

ramo produtivo, estruturadas, a cada momento, segundo diferentes tecno -

logias, vale dizer, segundo diferentes equações de produção , nas quais os

meios de produção   (nas denominações t rabalho incorporado   ou t rabalho ma- 

terializado   ou t rabalho indireto   ou capital ) e o trabalho   (nas denominações

t rabalho vivo  ou t rabalho direto ) int eragem em d iferentes proporções. Nes-

sas diferentes proporções entre trabalho direto e trabalho indireto, defi-

nem-se as diferentes composições orgânicas do capital / diferentes condições de 

produção, que vigoram dentro do universo de produção de cada mercado-

ria, naq uele determinado mom ento. Em função dessas diferentes compo-

sições orgâ nicas do capita l/diferentes condições de produção, obtêm-se,

a cada m omento, diferentes produti vidades do trabalho , nas respectivas uni-

dades de produção de cada espécie de mercadoria. A definição de produ-

tividade não é, naturalmente, a m esma da taxa de lucro, mas d iferentes

produtividades do trabalho vão corresponder sempre a diferentes taxasde lucro, dada a relação econômica entre elas, até mesmo porq ue nenhum

produtor capitalista estará interessado n a produtividade pela produt ividade ,

mas sim como meio de aumenta r seus lucros (Marx); assim, produtivida-

de e taxa de lucro se põem como função direta uma da outra, de forma

q ue podemo s relacionar os dois conceitos, na form a da expressão produti- 

vidade/ taxa de lucro.

A partir dessa diferenciação geral da produtividade/taxa de lucro ent re

empresas e setores produtivos, Marx supõe que, embora a diferenciação

prevaleça entre as empresas (unidades de produção) de cada ramo produ-

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tivo, entre os diferentes ramos produtivos a competição capitalista o pera-

ria de forma a conduzir a uma re-igualação: “ (...) originalmente diferem mui- 

to as taxas de lucro reinantes nos di ferentes ramos de produção. A s taxas diferen- tes de lucro, por força da concorrência, igualam-se a uma taxa geral , que éa média 

de todas elas ” (capítulo IX de O capital ). C omo observa Herscovici (2000):

“A tendência àigualação das taxas de lucro, para Marx, diz respeito às taxas de 

lucro intersetoriais, ou seja, às médias intersetoriais. No âmbito de uma perspect i- 

va dialética, o processo de igualação assim concebido étotalmente compatível com 

a manutenção e/ou a ampl iação do diferencial int ra-setorial das taxas de lucro”.

Em sum a, para Marx, movido pela competição capitalista, o sistema econô-

mico evoluiria de uma situação de generalizada di ferenciação da produt ivida- de/ taxa de lucro  (entre empresas do mesmo ram o produtivo e entre ramos

produtivos) para uma posição de l imitada diferenciação da produt ividade/ 

taxa de lucro  (diferente entre as empresas de cada ram o produtivo e igual

entre os d iferentes ram os/setores produtivos).

Equilíbrio estático x equilíbrio dinâmico

Pelo ângulo t écnico, a d iferenciação geral da produtividade/ta xa de lucro

é motivada pelas diferenças de gradação na absorção do processo de de-

senvolvimento tecnológico pelas diferentes unidades de produção . A cada

mom ento, por múltiplas razões, algumas unidades d e produção avançam

mais do q ue outras, dentro de um processo geral que podemos imaginar

como uma corrida de fundo; tam bém na m araton a sem fim da competição

capitalista, as primeiras posições serão daq ueles sempre poucos q ue reú-nem cond ições para ocupar a liderança, engrossa ndo -se os escalões pro-

gressivamente, da frente para a retaguarda, onde, depois de um nível de

concentração máxima, inicia-se a zona de dispersão , na qual vão entrando

aq ueles q ue pouco a pouco vão perdendo a condição de competição, para

acabar parando à beira da pista . Traduz-se aí a idéia de q ue o moviment o

de aumento da produtividade em todas as produções, embora seja con-

junto, não é linear, no sentido de que a própria forma como o progresso

tecnológico é absorvido pelas diferentes unidades de produção leva a que,

embora todas avancem num mesmo sentido ascendente, umas adiant em-

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se a outra s, criand o -se, permanentemente, diferenciais de produtividade/

taxa de lucro entre elas. De fato, uma das evidências empíricas mais pa-

tent eadas pelo processo de desenvolviment o capitalista , desde a Revolu-

ção Indust rial até os nossos dias, t em sido a da evolução tecnológica con-

tinuada (embora não uniforme) e mais ou menos conjunta (embora não

simult ânea) de tod as a s produções. Três hipóteses sobre o desenrolar do

processo, grosso modo compatíveis com o aumento histórico da produti-

vidade do conjunt o do sist ema, sã o possíveis: i) a partir da d iferenciação

episódica   introduzida pelo desenvolvimento tecnológico, vista como uma

perturbação do equilíbrio do sistema, produz-se, no momento seguinte,

uma volta ao estado normal de equilíbr io estático , pela re-igualação da produ-tividade/taxa de lucro, tal como supõe Marx para os diferentes ramos

produtivos; ii) apesar da n atureza contínua (nã o-episódica) do desenvol-

vimento tecnológico, a diferenciação permanente da produtividade/taxa

de lucro a ele associada se passa no contexto de uma tendência  constant e

para a igualação da produtividade em todas as produções, projetando

uma situação teórica-l imite  tam bém de equilíbrio está tico em torno da igual-

dade geral da taxa de lucro, mesmo q ue essa situação nunca venha a ser

alcançada ; com essa visão também poderia concordar Marx; iii) a diferen-

ciação geral da produt ividad e entre unidades de produção e setores, sem

nenhuma tendência q ue não seja a d e continuidade do aum ento da pro-

dutividade em todas as produções, como propomos, seria o estado nor-

ma l no q ual define-se o equi líbrio dinâmico  do sistema, em t orno da perma-

nente diferenciação geral da taxa de lucro, com o que Marx, no es-

tado da arte do livro III, jamais concordaria.

De fato, Marx é enfático quanto à igualação intersetorial da taxa delucro: “não há a menor dúvida de que, na realidade, excluídas diferenças

não essenciais, fortuita s e que se compensam, nã o existe diversidade das

taxas médias de lucro relativas aos diferentes ramos produt ivos, nem po -

deria existir sem pôr abaixo todo o sistema de produção capitalista” . (ca-

pítulo X, p. 173).

É esse o ponto q ue distingue nossa formulação da de Marx, como t am-

bém, em certa medida, da de Sraffa: a questão da igualdade, de fato ou

em tese, da taxa de lucro, que eles adotam como própria à definição do

equilíbrio (estát ico) do sistema, e que nós repudiamos com a m esma ên-

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fase que Marx a defende; de fato, vemos na perman ente diferenciação da

taxa de lucro – sem qua lquer tendência, a n ão ser a d a continuidade de

sua realimenta ção – a verdadeira representação do estado norm al do sis-

tema, em relação à q ual vamos deduzir a sua condição de equilíbrio dinâ-

mico, sem pôr abaixo , mas, ao contrário, assegurando a continuidade do

sistema d e produção capitalista.

Em Marx e Sraffa, o cânon e da igualdade da t axa de lucro mais parece

um contra-senso, já que os dois definem suas problemáticas da relação

preço-valor em fun ção de sistema s descritos em termos da diferenciação

geral da produtividade. O bserve-se, a propósito, o ceticismo de Marx q uant o

à eficácia do m ecanism o a q ue ele mesmo a tribui a responsab ilidade pelaigualação intersetorial das taxas de lucro, o da transferência dos capitais

entre os setores, a cada momento menos e mais lucrativos, como se os

capitais pudessem transitar entre eles com a facilidade de líquidos em

vasos comunicantes: “Em todos os ramos de produção propriament e di tos – in- 

dústria, agricul tura, mineração, etc – a transferência de capital de um ramo para 

outro oferece dificuldades consideráveis, especialmente em vi rtude do capital fixo 

empregado. A lém disso, a experiência mostra que um ramo industrial, digamos, o 

têxti l algodoeiro, proporciona, numa época, lucros excepcionalmente altos e nout ra 

lucros mui to baixos ou mesmo prejuízo, de modo que, tomando certo ciclo de anos, o 

lucro médio éaproximadamente o mesmo dos demais ramos, e o capi tal logo aprende 

a levar em conta essa experiência”  (Marx, capítulo XII de O capit al ).

Condições predominantes de produção e preço da mercadoria

Conforme Rubin (Cipola, 2003), o problema é que: “A indústria (um

ramo produtivo de uma det erminada m ercadoria hom ogênea) cont a com

produtores em dist intos níveis de produtividade. Qua l desses níveis de

produtividade irá determinar o valor de mercado da mercadoria?”. Em

outras palavras , na relação preço-valor , a qual das quant idades de

trabalho, utilizadas nas diferentes unidad es de produção d a mercadoria,

deverá corresponder o seu preço, dado que a mesma mercadoria

hom ogênea deverá ter um só preço, independent emente das q uant idades

específicas de trabalho despendidas em suas diferentes unidades de

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produção? Claro que a resposta só pode ser dada pelas condições

predominantes de produção, em um momento dado. Essas condições

predominantes de produção deverão ser encontradas numa ponderação

entre essas diferent es produtividades (diferentes q uant idades de trabalho

por unidade de produto) e suas respectivas participações no total da

pro dução da mercado r i a . Quanto ao s t e rmo s dessa po nderação ,

estabelece-se, desde logo, uma controvérsia: se deve dizer respeito à

moda ( f igura matemát ica que d iz respei to à observação de maior

freqüência em um a distribuição) ou à m édia das produtividades. Cipolla,

por exemplo, conclui pela m édia: “o valor de m ercado é uma média d os

v a l o r e s i n d i v i d u a i s . E s s a m é d i a é o b v i a m e n t e p o n d e r a d a p e l a sco nt r ibu içõ es de cada méto do de pro dução pa ra o lo te t o t a l de

mercadorias produzida s pela indúst ria” . Já para o próprio Marx, a coisa

não parece tão decidida, embora ele nunca se refira explicitamen-

te ao conceito de moda: “Marx define o valor de mercado como o valor

médio das m ercadorias produzidas numa determinada indústria, ou, al-

ternat ivamente, como o valor individual das mercadorias produzida s sob

condições médias de produtividade e que formam a maior partedas mer-

cadorias produzidas n aq uela indúst ria” (Cipolla, 2003). E t amb ém é Marx

(C arcanh olo, 2003) q uem diz: “Ao contrário, ad mit am os q ue, sem variar

a tot alidade das mercadorias trazidas ao mercado, o valor das mercado-

rias produzida s na s condições mais desfavoráveis não se compense com

o valor das produzidas nas melhores condições, de modo que a porção

produzida nas condições mais desfavoráveis constitua magnitude de

maior peso tanto em relação à massa intermediária quanto ao outro

extremo; nessas condições, a massa produzida nas condições maisdesfavoráveis rege o valor de mercado ou o valor social. Suponhamos

finalmente que a m assa de m ercadorias produzidas nas condições mais

favoráveis ultrapass e a das produzida s nas ma is desfavoráveis e por

isso constitua magni tude de maior peso q ue a da s produzidas nas condições

in te rmédias ; en t ão , a massa das p ro duz idas nas co nd içõ es ma is

favoráveis rege o valor de mercado”. (Marx – livro III, v. 4, capítulo X –

p. 20). Quer dizer, ao mesmo tempo em que nomina a média, Marx

define a moda, a o se referir “ dentre aq uelas que constit uem as condições

ma is favoráveis ou mais desfavoráveis” (uma ou outra, nã o a média entre

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elas) àq uela q ue “ constitua a grande massa da produção” (a observação

de maior freqüência), como sendo aquela a que o preço da mercadoria

deverá correspon der.

O padrão específico de valor-trabalho/trabalho socialmente necessário,

da mercadoria

Abordando a questã o por um prisma conceitual, e não a penas m atemát i-

co, pode-se esperar que as q uan tida des de traba lho a q ue deverão corres-

ponder os respectivos preços das m ercadorias h omo gêneas de cada ramoprodutivo deverão representa r padrões  para essas produções, em cada es-

tágio de desenvolviment o tecnológico do sistem a. Esses padrões, como é

próprio do significado da palavra, devem represent ar a q uan tida de de tra-

balho q ue naquele mom ento se mostre a mais usual , a mais freqüente , a mais 

normal   para a obtenção da unidade da mercador ia , dessa maneira

correspondendo ao conceito de “ t rabalho socialment e necessário ”. Nos ter-

mos em q ue Marx coloca a questão, esse padrão (preço) indicaria a “ con- 

dição predominante de produção ” da mercadoria naquele determinado mo-

mento. O u seja, dentre o t otal da mercadoria levada ao m ercado, aq uela

qua ntidad e de trabalho correspondente à condição em que estaria sendo

obt ida a ma ior porção da mercadoria. Essa definição corresponde ao con-

ceito ma temát ico de “moda ” (ocorrência m ais freqüent e de uma d istribui-

ção), caracterizando-se a produtividade modal como aquela em que, num

dado m omento, é obtida a m aior porção da m ercadoria levada ao m erca-

do. Seria, portanto, a moda das produtividades a referência do preço damercadoria.

Esquemat icament e, a distribuição da s unidades de produção do con-

junto do sistema, ao longo da corrida sem fim da competição capitalista,

vai assumir, da liderança à concentração na retaguarda , uma forma q ue

se poderia dizer piramidal , tal como refletido no exemplo numérico a

seguir, no q ual se supõe levada a o mercado a produção to ta l de 17.000

ton eladas de uma hipotética m ercadoria “A” , obtid a em diferentes uni-

dades de produção, nas quais vigoram diferentes produtividades do

trabalho:

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Condições de produção da mercadoria A 

Qde. da mercadoria (ton.) Homens/Hora por toneladas Ganho extra

1.000 2 homens/hora 4 homens/hora6.000 3 homens/hora 3 homens/hora

10.000 6 homens/hora -

Total 17.000

Toma da a mod a das produt ividad es como referência de preço (a condi-

ção de produção das 10.000 toneladas, ou seja 6, homens/hora por to-

nelada), ocorrerá que as unidades de produção dos níveis de produtivi-dade superiores a esta obt erão um ganh o extraordinário, na medida das

diferenças entre a quant idade de traba lho tom ada como referência do preço

e as quantidades de trabalho efetivamente despendidas nas suas condi-

ções superiores de produção. Pela mesma razão, abaixo do padrão não

poderiam existir unidades de produção da mercadoria, simplesmente por-

que receberiam pela mercadoria menos do que o custo efetivo em traba-

lho q ue teriam, o q ue, esq uematicamente, as t ornaria inviáveis economi-camente. Dessa forma, a produtividade do padrão define, a cada m omen-

to, a produtividade mínima (limite de ingresso) admitida no universo da

produção da mercadoria. Nessas condições, se a produtividade modal não

tivesse que ser a referência de preço da mercadoria, m as, admita mos, q ual-

q uer outra produtividade superior a essa pudesse sê-lo, incorreríamos no

paradoxo de que justamente a maior quantidade da mercadoria que estari a sen- 

do levada ao mercado naquele momento não poderia estar sendo produzida . Se,

por outro lado, o padrão pudesse ser qualquer nível de produtividadeinferior à produtividade mod al (de definição, portan to, independent e das

condições predomina ntes de produção), ent ão poderia vir a ser um nível

de produtividade q ualquer, torna ndo -se indeterminado. Em sum a, o me-

nor nível de produtividade em que a mercadoria pode estar sendo produ-

zida em condições de viabilidade econômica será sempre correspondent e

à produtividade mo dal, vale dizer ao padrão vigente no mom ento, corres-

pondendo ao seu preço de mercado. D o mesmo modo, a propósito d a

discussão ent re a média e a m oda , vê-se, no exemplo numérico, q ue se o

preço fosse referido à média pond erada d as produt ividad es (no exemplo

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igual a 4,7 homens/hora por tonelada), novamente a maior porção

da produção levada a o mercado (as 10.000 ton eladas produzida s à pro-

dutividade de 6 homens/hora por tonelada) não poderia estar sendo

produzida.

Cham emos de padrões específicos de valor-t rabalho  os valores modais q ue,

nos termos do exemplo, encontramos no universo de produção de cada

mercadoria específica.

 A necessidade de um padrão geral de valor-trabalho

Aparentemente, tendo nos acertado em relação a qual das quantidades

de traba lho tom ar como referência de preço das mercadorias hom ogêneas

(se a moda ou a média), já estaríamos em condições de determinar os

preços relativos das diferentes mercadorias, simplesmente comparando

os seus respectivos padrões específicos de valor-trabalho. Se assim pu-

desse ser, tod o o problema da estruturação do s istema de preços relat ivos

teria sido resolvido com a opção pela moda.

O complicador é que, como colocado desde o início, nos termos da

“ prova dos nove” q ue nos propusemos, a lógica de estruturação do siste-

ma de preços relativos deverá explicar a dinâmica do desenvolvimento

capitalista (Benett i, 1976) e, por conseguinte, deverá explicar a sua d ire-

triz que identificamos como a evidência empírica mais patente, a da

compulsão macroeconômica para o aumento da produt ividade em todas as produ- 

ções . Nessas condições, se tomássemos, tão-só e diretamente, os padrões

específicos das diferentes mercadorias como suas referências de preçosrelativos, isso acarretaria que se todas as unidades de produção de um

mesmo ramo produtivo – de uma suposta mercadoria A, por exemplo –

resolvessem permanecer, ao longo do tempo, estagna das n o mesmo nível

de produtividade (mantivessem o t rabalho socialment e necessário   para sua

obtenção num mesmo nível), ou seja, se a produção da mercadoria A

continuasse demandando sempre uma mesma quantidade de trabalho,

enquant o as produções de t odas a s demais m ercadorias evoluíssem conti-

nuamente em produtividade, ou seja, requeressem uma quantidade de

trabalho cada vez menor por unidade de produto, o valor de A cresceria

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continuamente em relação ao das demais mercadorias. Assim, fazer dos

padrões específicos d e valor-trab alho a referência dos preços relativos da s

diferentes mercadorias contraria a nossa diretriz de elaboração teórica

sobre o desenrolar do desenvolvimento capitalista e, dessa forma, não

pode ser aceito.  Realmente, a mera possibilidade teórica de ocorrência

desse paradoxo não asseguraria a explicação da dinâmica do sistema em

torno d o princípio m estre da “ compulsão m acroeconômica para o aumen-

to da produtividade” , nã o importando se a ocorrência efetiva dessa possi-

bilidade (exigindo a concordância de todas as unidades de produção de

um mesmo ramo produtivo) fosse considerada remota, pouco provável,

ou mesmo quase que  impossível.D ado q ue a determinação dos preços relat ivos não poderá refletir ape-

nas as relações entre os padrões específicos de valor-trab alho das diferen-

tes mercadorias , encontrados em seus respectivos universos de produção,

surge a necessidade de uma referência que, ao mesmo tempo que diga

respeito às condições de produção do conjunto das mercadorias, não fi-

q ue presa a nenhum a delas em particular, na forma de um padrão geral de 

valor-trabalho . Os preços relativos das diferentes mercadorias resultariam,

dessa form a, d as produt ividades ent re seus respectivos padrões específi-

cos e esse padrão geral. Ou seja, os preços relat ivos das m ercadorias A e B

não se estabeleceriam segundo as relações diretas ent re seus respectivos

padrões específicos, mas, antes, refletiriam as relações entre estes e o

padrão geral de valor-trabalho do sistema. Uma vez que o padrão geral

marca o m ínimo de produtividade admitido pelo sistema, à m edida que o

padrão evolui em sentido ascendente, todas as demais produções terão

que fazê-lo; de fato, o padrão de valor-trabalho significa o que a própriaexpressão diz, ou seja, o que o trabalhador recebe como salário. Produ-

ções de níveis de produtividade inferiores ao padrão n ão poderão, dessa

forma , pagar pelo trabalho empregado, t ornan do -se inviáveis econom ica-

mente, impedindo que qualquer produção específica pudesse deixar-se

ficar estagnada ao longo do processo.

D o estrito ponto d e vista da estruturação do sistema d e preços relati-

vos, o que ocorre é que qua ndo consideramos os pad rões específicos das

mercadorias ta is como os determinamos, levamos em conta , para deter-

minar a produtividade modal dentro do seu universo de produção, ape-

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nas as quantidades de trabalho direto envolvidas nas diferentes condi-

ções de produção da mercadoria, deixando de fora o trabalho indireto,

que t ambém integraria o valor da mercadoria. Para os fins q ue nos inte-

ressam, podemos abstrair as quantidades absolutas de trabalho indireto

(que não t ínhamos m esmo como conhecer), uma vez que tratan do -se de

uma mesma espécie de mercadoria, podemos supor que a s q uant idades

relat ivas de traba lho indireto ficam im plícitas na s próprias diferenças de

produtividade (uma unidad e de produção de uma m esma espécie de mer-

cadoria q ue exija o dobro de traba lho direto por ton elada de uma outra

utiliza a meta de de capita l daq uela). Todavia, a transposição do raciocí-

nio para o âmbito das diferentes espécies de mercadorias implicaria asuposição de que as produções de todas as espécies de mercadorias em-

pregariam uma mesma relação capital/trabalho básica (uma mesma rela-

ção trabalho indireto/trabalho direto, no nível dos seus respectivos pa-

drões de valor). Em outras palavras, implicaria a suposição de que todas

as produções seriam obtidas dentro de uma só condição de produção,

para todas vigorando um a só produtividade, uma só taxa de lucro. Essa,

aliás, é a única hipótese que, mesmo que absurda no plano prático, se

mostra lógica, quando se abstrai a necessidade de um padrão geral de

valor-trabalho. Só na hipótese de que todas as mercadorias geradas no

sistema econômico fossem produzidas d entro da mesma relação capital/

trab alho poderíamos fa zer suas relações de preços proporcionais às q uan-

tidades de traba lho direto empregado em cada um a; se, ao contrário, acei-

tamos q ue essas relações tenha m q ue ser diferenciadas entre as diferentes

espécies de m ercado rias, como se verifica no plano empírico, então t emos

que arranjar uma forma de conhecer as quan tidades absolutas de traba lhoindireto empregadas em cada um a, de m aneira a poder somá-las ao t raba-

lho direto, este último sempre um dado técnico objetivamente conheci-

do, uma vez que redutível ao número de trabalhadores empregados na

produção. Em sum a, a consideração de um a só t axa de lucro para toda s as

produções do sistema (e não apenas a consideração dessa possibilidade

como uma tendência , ou como um a posição teórica-limite , a jama is se reali-

zar) traz implícita a hipótese absurda de que todas as mercadorias, da

goiabada ao computador, sejam sempre produzidas dentro da mesma re-

lação básica trabalho d ireto/trabalho ind ireto. Marx pagou um alto preço

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à lógica matemática, quando se viu na contingência de ter que aceitar   o

mecanismo fantasioso da transferência dos capitais entre os setores (em

relação ao q ual ele mesmo se most rou cético) para chegar à igualação das

taxas de lucro intersetoriais, caindo n a a rmadilha do absurdo prático da

igualdade das condições de produção para todas as mercadorias, tudo

para fugir do problema da determinação de um padrão geral de valor-

trabalho, o q ue, de resto, só t eria um a primeira formulação com Sraffa.

O padrão de Sraffa

Co mo vimos, a estruturação do sist ema de preços relativos exige a defini-

ção de um padrão geral de valor-trabalho. Isso d e imediato n os remete à

frustrada busca de Ricardo por uma mercadoria q ue se pudesse saber, ao

longo do tempo, sempre produzida com uma mesma q uant idade de tra-

balho. Se tivéssemos um a mercadoria como essa, poderíamos sempre sa-

ber, mesmo com todos os preços variando ao longo do tempo, as q uanti-

dades relativas de trabalho contidas nas diferentes mercadorias, a cada

mom ento, apenas comparand o os preços de tod as elas com o preço dessa

mercadoria-padrão. Mas n ão só Ricardo não encontrou q ualquer merca-

doria com essa característica, como sua existência constituiria mesmo,

diante de nossa d iretriz de elaboração teórica (a do aum ento continuado

da produtividade em todas as produções), uma impossibilidade.

Só perto d e um século ma is ta rde (1960) Sraffa chegou a os t ermos em

que o problema de Ricardo poderia ser equacionado, o que não quer di-

zer que tenha chegado exatamente à solução buscada por Ricardo, masao que poderia substituí-la, guardada a lógica essencial de sua busca.

Para colocar sua proposição em t ermos gerais, Sraffa utiliza um s iste-

ma do seguinte tipo, onde se supõem produzidas as mercadorias “a”,

“b”, (...), “k”, nas quantidades anuais respectivas A, B, (...), K. Desses

totais produzidos entram, umas nas outras, como meios de produção,

respectivamente, as quantidades (Aa, Ba, (...), Ka) em A, (Ab, Bb, (...),

Kb) em B e (Ak, Bk, Kk) em K. O tra balho empregado (núm ero de traba-

lhadores) na produção de cada uma dessas mercadorias é representado

por La, Lb, (...), Lk; o salário, q ue como pag am ento d o trab alho sim ples

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é o mesmo para todos os trabalhadores, está representado por w, e a

taxa de lucro r tam bém é uma só para toda s as produções. Os preços das

k mercadorias do sistema são representados como pa, pb, (...), pk, de-

vendo ser ta is qu e permitam a verificação do sist ema d e eq uações, vale

dizer a troca de todas as mercadorias produzidas no sistema, um as pe-

las outras.

 A igualdade da taxa de lucro é uma suposição clássica do equilíbrio,

que Sraffa, surpreendentement e, assume, uma vez que todo o seu raciocí-

nio tem por base a diversidade das produtividades nas unidades de pro-

dução das mercadorias (“a chave para o movimento dos preços relat ivos que se 

segue a uma mudança no salário está na desigualdade das proporções em que o trabalho e os meios de produção são empregados nas várias indústrias”) . Ou seja,

Sraffa coloca sua problemát ica em relação a um sist ema econômico estru-

turado segundo d iferentes produtividades/diferent es taxas d e lucro, mas

equaciona-a, formalmente, num sistema com um a só taxa de lucro.

(Aapa + Bapb + (...) + Kapk) (1+r) + Law = Apa

(Abpa + Bbpb + (...) + Kbpk) (1+r) +Lbw = Bpb

(Akpa + Bkpb + (...) + Kkpk) (1+r) + Lkw = Kpk

Todas as q uan tida des desse sistema (q uantida des produzidas de cada

mercadoria, as q uantidad es de cada uma q ue entram como meios de pro-

dução, umas nas outras, e as qua ntidades de trabalho utilizadas em cada

uma) podem ser tomadas como conhecidas, como dados técnicos que

são. Assim, as incógnita s são os k preços (pa, pb, (...), pk), o salário w e

a t axa d e lucro r. Em princípio, poderíamo s to mar um dos k preços parapadrão e em termos dele expressarmos todos os demais preços, assim

como a t axa de lucro e o salário. O problema é q ue – sem q ue nos interes-

se compreendê-lo propriamente em sua natureza matemática – como os

preços, a taxa de lucro e o salário se interdetermina m, “ a taxa de lucro não 

pode ser determinada antes de conhecermos os preços dos bens ” (Sraffa). Se o

salário e a t axa de lucro (a repartição do produto) mudam , tam bém mu-

dam os k preços e o próprio valor do produto total do sistema; nessas

condições, como diz Benetti (1976), “ devemos, então, admit ir que se aqui lo 

que deve ser repart ido muda quando só o que se altera éa maneira de repart i-lo,

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não se sabe mai s o que está sendo repart ido ” . E é o mesmo C arlo Benetti q uem

completa, dizendo q ue “ (essa indeterminação) coloca a economia polít ica na 

incapacidade de reproduzir teoricamente a racional idade do capitalismo tal como se expressa pelo sistema de preços de produção, uma vez que a relação ent re preços 

e repart ição da renda fica indeterminada”.

É esse o problema que Sraffa resolve, investigando as condições a

q ue deveria obedecer a const rução de uma mercadoria cuja t axa d e lucro

não se alt erasse por ma is que se alterassem os preços de seus meios de

produção. Para chegar a essa mercadoria, Sraffa parte da propriedade

matemática que diz que “ se a par t i r de um sistema de equações – que cha- 

maremos de sistema original – construi rmos um sistema auxi l iar reduzi do (cons- t ituído de frações das equações originais), desde que esse sistema aux il iar contenha 

todas as equações do sistema original , pode-se af i rmar que as relações que se 

evidenciarem nesse sistema auxil iar serão automat icament e válidas para o sistema 

original ” . É nesse sentido que Sraffa diz que “ sistemas auxi l iares podem dar 

t ransparência a um sistema e tornar vi sível o que estava oculto ” . Claro que a

const rução de sistemas auxiliares obedecerá a regras concebidas de mo do

a conduzir ao resultado almejado. Ou seja, aquilo que vai transparecer

em cada sistema auxiliar dependerá da regra que se eleja para sua

construção. Sraffa nos dá um exemplo de como chega ao seu sistema

auxiliar, a que dá o nome de sistema-padrão   (no sentido de que a mer-

cadoria-composta nele produzida vem a ser a mercadoria-padrão, em

que a taxa d e lucro não se altera, qua isquer q ue sejam o s preços), partindo

de um sistema original hipotético (obviamente simplificado) em que

são produzidas três mercadorias – ferro, carvão e trigo – dentro das

seguintes cond ições:

90 t ferro + 120 t carvão + 60 arr. trigo + 3/16 trabalho = 180 t ferro

50 t ferro + 125 t carvão + 150 arr. trigo + 5/16 trabalho = 450 t carvão

40 t ferro + 40 t carvão + 200 arr. trigo + 8/16 trabalho = 480 arr. trigo

180 t ferro + 285 t carvão + 410 arr. trigo + 1 trabalho

Para chegar ao sistema auxiliar que pretende, Sraffa diz q ue “devemos

tom ar, junto com toda a indústria d e ferro, 3/5  da indústria de carvão e ¾

da q ue cultiva t rigo” . O sistema resultante será:

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90 t ferro + 120 t carvão + 60 arr. trigo + 3/16 trabalho = 180 t ferro

30t ferro + 75 t carvão + 90 arr. trigo + 3/16 trabalho = 270 t carvão

30 t ferro + 30 t carvão + 150 arr. trigo + 6/16 trabalho = 360 arr trigo

150 t ferro 225 t carvão 300 arr. trigo 12/16 trabalho

E conclui : “As proporções em q ue as t rês mercadorias são produzidas

nesse novo sistema (180:270:360) são iguais àquelas em que elas tam-

bém ent ram no a gregado d os m eios de produção (150:225:300). A mer-

cadoria-composta que procurávamos (mercadoria-padrão) é, por conse-

guinte, formada pelas proporções:

1 t ferro: 1 t carvão: 2 arr. trigo

Sraffa observa: “A possibilidade de falar de uma razão entre duas cole-

ções de mercadorias q ue são uma miscelânea, sem a necessidade de reduzi-

las à medida comum do preço, surge, é claro, da circunst ância de que ambas

as coleções são formadas das mesmas proporções – que elas são de fato

quantidades da m esma mercadoria composta” (da mercadoria q ue poderí-

amos cham ar de “fecatri”, composta de uma mistura nas proporções de 1

tonelada de ferro, ma is 1,5 tonelada de carvão, mais 2 arrobas de t rigo). A

taxa de lucro da mercadoria “ fecat ri” será sempre de 20 % (relação produ-

to/meios de produção) q uaisq uer que sejam os preços individuais do ferro,

do carvão e do trigo. Sraffa mostra que para cada sistema de preços existe

sempre um sistema-padrão embut ido, que pode ser explicitado achando-se

os multiplicadores próprios para cada eq uação de produção.

Os limites da solução de Sraffa

Existem cont rovérsias sobre em que medida Sraffa t eria resolvido o pro-

blema posto por Ricardo. Para começar, o padrão de Sraffa não se apre-

senta imut ável ao longo do tempo, como Ricardo q ueria. Mas, como vi-

mos, mantida a premissa de Ricardo, não se poderia mesmo chegar a

lugar nenhum. A mercadoria-padrão invariável revela-se uma impos-

sibilidad e. De fato, a conclusão de Sraffa é de que cada sistema de preços

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traz embut ido o seu próprio sist ema-padrão. Vale dizer que se os preços

variam ao longo do processo de desenvolvimento, o padrão de Sraffa tam -

bém varia e, portanto, não é imut ável. Como tam bém não o é o conceito

de “ trabalho socialmente necessário” de Marx, que só pode ser visto como

um parâm etro histó rico, q ue varia com a evolução da s tecnologias de pro-

dução. De resto, um padrão de valor-trabalho estável não faz o menor

sentido lógico: se, através da história, “ o trabalho de um homem ” será sem-

pre “o trabalho de um homem” , no entan to o produto d esse trabalho se al-

tera ao longo do processo de desenvolvimento, no ritm o em q ue se altera

o “ trabalho socialmente necessário” para obtenção das mercadorias; des-

sa forma, o “ padrão de valor-trabalho” , justam ente significando o “ valor do t rabalho a cada dado estágio de desenvolvimento do sistema de produção ” (o

salário), tem, naturalmente, que seguir o aumento histórico da produ-

tividade básica (padrão) da economia.

Ademais, pode-se mesmo arriscar q ue Ricardo só considerou o prin-

cípio da invariabilidade como essencial por razões mais operacionais

do q ue conceituais. D e fato, part indo do pressuposto de q ue seria im-

possível exprimir o padrão em termos de quantidades absolutas de

trabalho, at é porque não punha ta nta fé em que o fundamento do valor

fosse o trabalho, entendido como algo de mensurabilidade prévia aos

preços (no sentido da observação de Alain H erscovici (2000), em q ue

“ a antecedência lógica do valor em relação ao preço não signi f ica que quan- 

t i tat ivament e o preço tem que ser igual ao val or, mas simpl esment e que o preço 

tem por or igem o valor ” ), mas, por outro lado, acredita ndo q ue o processo

econômico só poderia ser entendido em termos de trabalho, o que

Ricardo procurava era um padrão representado pelo preço de umamercadoria imut ável, q ue pudesse operar essa tran sforma ção de preços

para trabalho.

D essa forma, n a m edida em q ue se mostre possível determinar, a

cada momento, a quantidade absoluta de trabalho do padrão, ele po-

deria igualment e cumprir esse papel operaciona l buscado por R icardo,

sem q ue precisasse ser invariável. E como d iz Sraffa a propósito do seu

padrão, “ tão logo fixemos a taxa de lucro, e sem necessidade de conhecer os 

preços das mercador ias, estabelece-se uma par idade ent re o produt o líqui do 

padrão e uma quant idade de t rabalho que depende apenas da taxa de lucro 

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ECONOMIA, Niterói (RJ), v.5, n. 1, p. 67-97, jan./jun. 2004 87

( .. .) Assim, todas as propriedades de uma medida invar iável de valor são 

encont radas em uma quant idade var iável de t rabalho ” . Em suma, o fa to de

Sraffa não ter chegado ao padrão invariável de Ricardo apresenta-se

como um falso problema. O problema mesmo da solução de Sraffa é

que tendo q ue adotar a igualdade da taxa de lucro como uma exigência

da solução matemá tica dentro dos termos em que equacionou a cons-

trução d o seu sistema -auxiliar-padrão, isso o levou a um a solução for-

malm ente correta, porém desprovida de significado econômico. Q uant o

ao significado econôm ico, realment e não poderia ser diferent e: a ver-

dade é que a igualdade da t axa de lucro traduz um a situação de equi líbr io 

estát ico , em torno da qual cessa o desenvolvimento, cessa o própriosentido de processo econômico enquanto ligado à acumulação e ao

aum ento da produt ividade; na sit uação de equilíbrio está tico, o sistema

entra em estagnação, as mercadorias, ciclo após ciclo, passando a ser

produzidas sempre as mesmas, da m esma forma e nas mesmas q uant i-

dades, trocando-se umas pelas outras segundo suas quantidades de

trabalho direto, apenas para se reproduzirem monotonamente. Uma

pedra em equilíbrio estát ico, no topo de uma ladeira, só entrará em

movimento, rolando ladeira ab aixo, se for introduzido um fator de de-

sequilíbrio no sistema ; esse fat or de deseq uilíbrio é a desigualdade da

taxa de lucro, permanentement e mant ida pela continuidade do desen-

volviment o t ecnológico.

Do ponto de vista formal, a solução de Sraffa é perfeita e, talvez por

isso mesmo, depois de uma demora de perto de dez anos para que a

nat ureza e o alcance de sua solução fossem inteiramente compreendido s,

na década de 1970 a sua contribuição foi saudada entusiasticamente pe-los meios acadêmicos do mun do inteiro como uma verdadeira “revolução

teórica em m archa” . Todavia, esse ent usiasm o m ost ra-se hoje arrefecido,

porque não se conseguiu estabelecer o significado propriamente econô-

mico do padrão para o qual a solução de Sraffa apontava. A igualação da

taxa de lucro em todas as produções é uma situa ção teórica-limite, nunca

alcançada, on de o desenvolvimento do sistema cessa de todo. D essa for-

ma, referida a essa única situação, a construção d e Sraffa, embora formal-

mente correta, ficou impedida de explicar a dinâm ica econômica d o desen-

volvimento.

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Rogério Antonio Lagoeiro de Magalhães

 A transposição do sistema de Sraffa para o ambiente da diferenciação geral

da taxa de lucro

Sistemas auxiliares formad os dentro dos m esmos condicionant es gerais,

mas segundo regras de formação diferentes, revelarão, naturalmente, fe-

nômenos d iferentes. Nesse sentido, a transposição d a mesma lógica de

Sraffa para o am biente da diferenciação geral da taxa de lucro vai dar lugar

a um novo sistema -auxiliar, constit uído pela redução do s istema original

aos seus segmentos de produtividade, assim definidos os agregados de

unidades de produção do sist ema econômico dos diferentes setores, para

as q uais se verifica um mesmo coeficiente de produt ividade (Pe).Nesse sentido, partamos da consideração de q ue a situação cotidiana

de fato do sistema econôm ico é a de permanente diferenciação da produ-

tividade/taxa de lucro entre as d iferentes unida des de produção de merca-

dorias de um mesmo sistema , como dos d iferentes gêneros/setores, sem

tender para qua lquer forma de igualação. O objeto de nossa pesquisa são

as relações funcionais q ue conform am o equilíbrio dinâm ico do processo

de desenvolvimento, o q ue, diga-se, não poderia ser feito a ntes de Marx e

de Sraffa. Realmente, enqua nto Ricardo intuiu a necessidade de um pa-

drão geral de valor capaz de instrumentar a transformação do valor em

preços para o valor em traba lho, Marx apontou o contexto no qua l a solu-

ção teria q ue ser buscada (o da d iversidade das condições de produção de

cada mercadoria, embora tentando elidir a necessidade do padrão geral,

pela hipótese, pouco plausível, segundo ele mesmo, da igualação das ta-

xas de lucro intersetoriais via competição capitalista) enquanto Sraffa

equacionou, formalmente, como esse padrão geral poderia ser encontra-do, se bem que, supondo a igualdade da taxa de lucro/igualdade da pro-

dutividade em todas as produções do sistema, recaiu no irrealismo da

solução de Marx. Todavia, Sraffa colocou sua contribuição d entro d e uma

lógica formalment e correta e passível de transposição para o am biente da

diferenciação geral da t axa d e lucro. Essa operação permite q ue se defina

um novo padrão geral de valor-trabalho, capaz de conciliar as exigências

da consistência mat emática com a significação econômica da solução.

Nesse sentido, tomado o sistema de equações do qual Sraffa partiu,

observemos, de início, q ue a d iferenciação geral da taxa de lucro exigirá

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ECONOMIA, Niterói (RJ), v.5, n. 1, p. 67-97, jan./jun. 2004 89

que em lugar de considerarmos a penas um a eq uação de produção para a

produção tota l de cada gênero de mercadoria (por exemplo [Aapa + Bapb

+ ( . ..) + Kapk)(1 + r)+ Law ] para a mercadoria A), consideremos tan-

tas equações quan to a s diferentes produtividades com q ue as diferentes

porções da mercadoria A (A1, A2, (...), An) são produzidas, nas suas

diferentes unidades de produção, o mesmo se passando para todas as

demais mercadorias.

U m sistema como esse dificulta a solução mat emática nos termos da

determinação dos preços de equilíbrio, mas podemos ter essa solução

implícita numa outra forma de representação da condição de equilíbrio.

Para isso, devemos, inicialmente, introduzir o conceito de “ produtividade econômica do trabalho ”. A produtividade econômica do trabalho, nos ter-

mos em que a definimos, se expressa na relação “ valor da produção em 

termos financeiros/quantidade de trabalhadores empregados – VP/L”, verificada

para cada un idade de produção do sistema. Além de essa conceituação da

produtividade ser ma is expressiva do que a simples produt ividad e física

(quantidade de produto/trabalhador), a natureza da competição capita-

lista (nenhum empresário capitalista busca a produt ividade pela produt ividade  –

a produt ividad e física –, mas sim como meio para alcançar uma maior taxa de 

lucro  – uma m aior produt ividade econôm ica – Marx, livro III de O capital )

nos permite comparar a produtividade entre ramos diferentes, enq uant o

a produtividade física nos restringia às comparações entre as unidades de

produção de um mesmo ramo de mercadoria. Dessa forma, podemos agora

agregar as equa ções de produção correspondentes às unida des de produ-

ção de todos os gêneros de mercadorias para as quais se verifique um

mesmo coeficiente de produtividade econômica do trabalho, conforman-do, a partir do sistema o riginal, um sistema a uxiliar reduzido aos segmen-

tos de produtividade (condições de produção) do sistema original. Em

cada um desses segmentos de produtividade (em que se m isturam produ-

ções de diferentes espécies de mercado rias) esta rá sendo produzida uma

mercadoria-compost a, de valor igual à soma dos valores das mercadorias

componentes e com uma quantidade de trabalho igual à soma de traba-

lhadores de suas respectivas unida des de produção.

Sabemos q ue num sistema em equilíbrio todas as m ercadorias devem

se trocar inteirament e, nas proporções e qua lidades exigidas por sua pro -

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dução conjunta, umas entrando nas outras como meios de produção (a

produção de mercadorias por meio de mercadorias ). Nos termos do nosso siste-

ma auxiliar, essa troca un iversal das d iferentes produções do sistema ori-

ginal vai ficar reduzida às trocas mútua s das mercadorias-composta s pro-

duzidas nos diferentes segmentos de produtividade do novo sistema-au-

xiliar. Dessa maneira, suponhamos q ue no nosso sistema auxiliar reduzi-

do existam três segmentos, ou seja, três mercadorias compost as, A, B e C.

As trocas mútuas entre elas, representando todas as trocas possíveis do

sistema original, serão expressas na combinação, sem repetição, dessas

três toma das dua s a dua s, a saber AB, AC e BC . Sabemos q ue o pressu-

posto de t oda troca é a igualdade dos valores financeiros trocados, donde,para q ue essas trocas possam ocorrer, temos q ue ter:

Valor financeiro de A = (Apa)=Valor financeiro de B= (Bpb) = Valor financeiro

de C= (Cpc)

Sabemos, por outro lado, q ue a produtividade econômica do trabalho

(Pe) de cada segmento define-se pela relação entre o valor financeiro da s

produções nele agregadas e a quant idade de traba lhado res nele emprega-

dos, de forma q ue teremos

Pea= Apa/La; Peb= Bpb/Lb; e Pec= Cpc/Lc

Assim, se tivermos

Pea  Peb  Pec

teremos, necessariament e,

La  Lb  Lc

Assim, dado que tudo o que venha a se tornar explícito no sistema

auxiliar será válido para o sistema efetivo, podemos dizer que a condição 

de equi líbrio de todo sistema econômico éque a força de trabalho total nele empre- 

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ECONOMIA, Niterói (RJ), v.5, n. 1, p. 67-97, jan./jun. 2004 91

gada se dist ribua, quantitativamente, de maneira inversamente proporcional aos 

níveis de produt ivi dade em que está empregada.

Para dar um exemplo gráfico dessa distribuição, suponhamos o valor

financeiro (VP) produzido em cada segmento (como vimos, o equilíbrio

do sistema exige que em t odos os seus segmentos se produza um mesmo

valor) de $ 3.000 (três mil unidades monetárias), e as quantidades de

trabalhadores (L) indicadas na tabela a seguir:

Produtividade (Pe) Emprego (L) VP = PexL

VP/L Qtes. de trabalhadores (em $)

30 100 3.000

25 120 3.000

20 150 3.000

15 200 3.000

10 300 3.000

5 600 3.000

Dispondo essas quantidades de trabalhadores em um gráfico de bar-

ras, vamos ter a distribuição de eq uilíbrio da força de trab alho do sistema

econôm ico como a seguir representada:

Distribuição de equilíbrio da força de trabalho por segmentos de produtivi-

dade (número de trabalhadores por segmentos de produtividade)

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Rogério Antonio Lagoeiro de Magalhães

Por uma injunção ma temát ica, da do o fato de o equilíbrio do sistema

exigir a produção de um mesmo valor em t odos os seus segmentos d e

produtividade, o segmento de menor produtividade relativa do sistema

será sempre aquele em q ue se concentra a m aior quan tidade de traba-

lhadores da distribuição da força de traba lho por níveis de produtividade,

ou seja, a moda   da distribuição dos trabalhadores pelos segmentos de

produtividade. Essa moda vai representar o valor mais normalmente

produzido por trabalhador naquele estágio de desenvolvimento do sis-

tema econômico, vale dizer, o valor do t rabalho , ou seja, vai represent ar o

padrão geral de valor-t rabalho   do sistema. O padrão geral de valor-traba-

lho do sistema econômico t ransparece, assim, determinado em termosde um dado nível de produtividade econômica e de uma quantidade

definida de t rabalho.

Distribuição do produto entre trabalho e capital

Na repartição funcional do produto entre trabalho e capital, devemos,

considerar, inicialmente, que o rendimento do trabalhador específico

compõe-se de duas parcelas distintas: o salário   (igual para todos, na

q ualidade de pagamento do trabalho simples), mais um adicional de qua- 

li f icação , teoricamente proporcional ao capital humano  q ue cada um car-

rega. D essa forma, como rendimentos do fator t rabalho  propriament e dito,

devemos computar apenas os salários, a parte correspondente às dife-

rentes qualificações dos trabalhadores específicos transferindo-se para

os rendimentos do capital .Em t ermos gráficos, se tomarmos a distribuição da força de t rabalho

de equ ilíbrio do exemplo an terior e expressarm os os coeficientes de pro-

dutividade dos diversos segmentos em relação à produtividade-padrão

(para isso fazendo a produt ividad e-padrão igual a 1, ou seja, $5/trab .= 1),

expressaremos as demais como $10/trab.= 2; $15/trab.= 3 etc. Expres-

sando a produtividade dos segmentos em termos relativos (Per), elimi-

namos a expressão financeira do contexto do nosso sistema auxiliar, re-

duzindo as 3.000 unidades monetárias (Pe x L = 5 x 600 = 3.000) gera-

das no segmento-padrão às 600 unidades de trabalho ali empregadas

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(Per x L = 1 x 600 = 600). Com o em todos os segmentos deve ser gerado

um m esmo valor, em todos os segmentos será gerada uma mesma q uan-

tidade de valor, correspondent e às 600 unidades de t rabalho do segmen-

to -padrão. C onsiderado s os seis segment os do exemplo numérico, pode-

mos dizer, dessa forma, q ue o valor tot al gerado no sistema, em t ermos

de trabalho, será correspondente a 6 x 600 = 3.600 unidades de trabalho.

Desse total, corresponderá aos rendimentos do trabalho o número de

trabalhadores efetivament e empregados nos seis segmentos d o sistema,

vale dizer, 600+ 300+ 150+ 120+ 100= 1.270 unidades de trabalho; aos

rendimentos de capital corresponderão a s dema is 2.330 unidades de tra-

balho (valor total gerado – menos rendimentos do trabalho= 3.600-1.270= 2.330) aí incluídos os rendimentos d as q ualificações diferenciadas dos

trabalhadores.

Na representação gráfica a seguir, os rendimentos do trabalho são in-

dicados pelas barras correspondentes às quantidades de trabalhadores

empregados nos diferentes segment os de produt ividade, enquant o os ren-

dimentos de capital são representados pela área confrontante (em bran-

co) à que foi assinalada.

Naturalmente, a distribuição dos trabalhadores aí apresentada, para

efeito de maior clareza do exemplo em termos discretos (segmento por

segmento), numa distribuição efetiva se faria nos termos contínuos de

uma curva, na forma de uma parábola.

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Rogério Antonio Lagoeiro de Magalhães

O lucro funcional capitalista

Os rendimentos do capital do item ant erior representam o lucro bruto do

sistema, no q ual estará incluído o lucro líquido (lucro liq uido = lucro

bruto – valor dos insumos empregados n a produção). Dessa forma , a re-

presentação gráfica permite dar uma resposta eficaz à questão central da

articulação entre lucro e valor de troca, nos termos do seguint e paradoxo:

em concebendo-se o lucro como um plus em valor, resul tant e do processo de trocas 

das mercadorias ent re si, como expl icá-lo se toda troca tem por pressuposto a igual- 

dade dos valores trocados ? De fato, de dois valores iguais que se trocam,

nada poderia sobrar. Mas, como diz Sraffa, “sistemas auxiliares podem reve- lar o que estava oculto”. D e fato, a estruturação do nosso sistema a uxiliar,

em termos da redução do sist ema econômico a seus segmentos d e produti-

vidade, deixa t ransparecer a explicação com facilidade. O bservemos , nes-

se sentido, q ue, quand o se trocam duas m ercadorias produzidas em um

mesmo segmento, vale dizer, em um mesmo nível de produtividade

(P1= VP1/L1= P2= VP2/L2), aos valores necessariamente iguais troca-

dos (“ o pressuposto de toda t roca éa igualdade dos valores   trocados ”), vale

dizer, VP1= VP2, vão corresponder iguais q uantidades de trabalho L1= L2.

D essa man eira, da troca de duas mercadorias de igual produtividade eco-

nômica, nada resta que possa ser apropriado como lucro. Quando, po-

rém, trocamos duas mercadorias produzidas em segmentos de níveis de

produtividade diferentes (P1= VP1/L1 = /= P2= VP2/L2), aos valores

necessariamente iguais trocados (“ o pressuposto de toda t roca éa igualdade 

dos valores trocados ” ), vale dizer, VP1= VP2, irão corresponder diferentes

quant idades de trabalho (L1= /= L2). D essa forma, o lucro do sistema(lucro bruto, dentro do qual estará o lucro líquido) representa o somatório

dos diferenciais em trabalho resultantes das trocas das mercadorias produzi-

das em diferentes níveis de produtividade, representados pela área clara da

ilustração anterior. Concebido o lucro dessa forma, fica claro que sistemas

econômicos nos quais vigesse uma mesma taxa de lucro em todas as suas

produções estariam em estagnação. D e fato, em sistemas como esses, todas

as produções apareceriam agregadas no segmento da base (o sistema teria

um só segmento) e, não havendo os diferenciais de produtividade entre os

segmentos, o lucro se reduziria a zero, cessando o desenvolvimento .

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 A definição implícita de capital

Para lá da acepção corrente de capital, no sentido técnico, como máqui-

nas, equipamentos e insumos necessários ao exercício do trabalho, fica

implícita na formulação uma definição econômico-funcional do capital

como sendo tudo aquil o   ( tangível ou intangível) que, se reflet indo no valor de 

mercado da produção, aumenta a produt ividade econômica do trabalho, acima da 

produt ividade padrão do sistema . D essa forma, a produtividade dos segmen-

tos superiores presume a aplicação mais intensa de capital, enquanto no

nível da produtividade-padrão (produtividade do segmento-padrão),

embora existindo capital no sentido t écnico, por conseguinte, não existecapital, no sentido econômico-funcional, todo o valor ali gerado sendo

apropriado pelo traba lho. Assim, embo ra as produções que se façam nes-

se nível da produtividade-padrão necessitem, como todas as outras, de

capital, no sentido t écnico das má q uinas, equipamentos e insumos, ocor-

re q ue a produt ividad e nesse nível tendo se tornado a m oda da produtivi-

dade do sistema, é assimilada ao que, nos termos da nossa proposição,

seria a q uant idade de trabalho correspondente ao “ trabalho socialmente

necessário” , de Marx, colocado no plano ma cro. Ou seja, o capital t écnico

aí existente perde a conotação econômico-funcional de acrescentar pro-

dutividade ao trabalho, sendo por este assimilado.

Conclusão

Voltando à questão-síntese do debate, tal como colocada por Cipolla –“ Seria esse ganh o extra (ma is-valia extraordinária/mais-valia relat iva) um

valor produzido pelos trabalhadores empregados pelos capitais mais efi-

cientes, posição esta defendida por Borges Neto (2001), ou constituiria

esse ganho uma transferência de valor no interior de uma indústria, t al

como entendido por Carcanholo (2000)?” –, nossa esquematização não

deixa dúvida q uant o a sua caracterização como “ um valor produzido pe-

los traba lhado res empregados pelos capitais mais eficientes” . Realmente,

na ún ica possibilidade de se entender o capitalismo, em sua essência lógi-

ca e não t ant o em sua prática, como um sistema ha rmônico (vale dizer,

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Rogério Antonio Lagoeiro de Magalhães

não contraditório), só poderíamos concebê-lo como apoiado no tripé do

desenvolvimento tecnológico continuado / lucro – invest imento / aumento histórico 

do salário real . Nesse contexto harmôn ico, o conceito da m ais-valia extraor-

dinária, nos termos em que o tomamos (assimilado à mais-vali a relati va,

como rendas derivada s do processo de desenvolviment o tecnológico), se

q ualificaria como o conceito marxist a ma is próximo da verdadeira e única

expressão funcional do lucro capita lista. Só q ue numa conota ção de legi-

timidade, porquanto derivada da maior produtividade do trabalho em

relação à produtividade-padrão daquele momento, propiciada por uma

aplicação mais intensa do capital. Veja-se que não se trata de negar a

validade do conceito da mais-vali a absoluta , como elemento de acumula-ção histórica do capital, presente ainda hoje na prática capitalista, com

tanto maior intensidade quanto mais a trasada a sociedade, mas de

reconhecê-lo mais como elemento de perturbação do funciona ment o ha r-

mônico do sistema, porqua nto apropriação indébita do devido ao t raba-

lho, e não como a m elhor explicação do lucro funcional capitalista . Nesse

contexto de idéias, o desenvolvimento tecnológico continuado é que se-

ria a verdadeira explicação do lucro, ao mesmo tempo em que seria por

ele explicado: é da diferenciação da produtividade, introduzida pelo desen-

volvimento tecnológico continuado, que resulta o lucro, e é da busca do

lucro que resulta a cont inuidade do desenvolvimento t ecnológico.

Com o se most ra na esquem at ização, se o desenvolvimento tecnológico

cessa, a cont inuidad e da competição capita lista acaba realizando a proje-

tada igualação da produtividade em t odas as produções, mat ando a gera-

ção do lucro e impedindo o investim ento (q uem financia o investim ento é

o lucro, resultant e da troca integral de tod as as m ercadorias so bre o mer-cado, e não a poupança, na a cepção de adiam ento do consumo). Em ou-

tras palavras, na relação lucro-valor sobre a q ual se estrut ura o sistema de

preços, o lucro é sancionado funcionalmente como correspondendo ao

trabalho q ue o progresso tecnológico permitiu poupar, no ciclo presente,

em relação ao “ trabalho socialmente necessário” vigente, que, na forma

de um “ crédito em t rabalho” , se torna disponível para financiar o investi-

ment o nos ciclos vindouros.

Mas, sobretudo, importa destacar a importância do debate em torno

da m ais-valia extrao rdinária q ue Francisco Paulo C ipolla levant ou no seio

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7/17/2019 Artigo - Valor, Essência e Aparência e o Conceito Da Mais-Valia Extraordinária

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Valor, essência e aparência e o conceito da mais-valia extraordinária

da Sociedade Brasileira de Economia Política, como um convite a todos

para a conformação de um n ovo enfoque do processo econômico, de vas-

ta s implicações t eóricas e políticas.

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