Artigo Sobre Nicole Claude Mathieu

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Por uma anatomia das classes de sexo: Nicole-Claude Mathieu ou a consciência das oprimidas 1 Jules Falquet 2 (tradução Maíra Kubík T. Mano, revisada pela autora) Palavras-chave: relações sociais de sexo; antropologia; epistemologia; feminismo; opressão. É difícil apresentar em algumas páginas a obra de uma intelectual tão importante como Nicole- Claude Mathieu 3 , uma das teóricas mais estimulantes do movimento feminista francês da segunda onda 4 . No entanto, diante da irrupção de “perspectivas de gênero”, por vezes pouco teorizadas e mal dominadas, e da confusão crescente sobre o que é ou deveria ser o feminismo, esta perspectiva colocada por Mathieu é hoje muito necessária. Os trabalhos de Mathieu, pioneiros e afiados, relativamente pouco numerosos mas particularmente densos – testemunhos de uma época em que a qualidade primava sobre a quantidade bibliométrica – constituem um exemplo de rigor, mas também de audácia intelectual. Essa capacidade de questionar sem cessar as bases dominantes do pensamento, permitida também pelo clima intelectual de todo um movimento que ajudou a desafiar até as teorias mais sedimentadas, é ainda mais notável quando se conhece a falta de abertura ou mesmo a agressividade da intelligentsia francesa no que diz respeito à teoria feminista. Antes de nos lançarmos a uma das travessias possíveis de sua obra, convém apresentar alguns pontos de referência para balizar a viagem. Três balizas para uma navegação de curso longo 1 Jules Falquet é Maîtresse de conférences HDR em Sociologia na Universidade Paris 7 - Diderot. Email: [email protected] 2 Artigo publicado com a gentil autorização da Cahiers du Genre e de Jules Falquet. Publicação original em francês: FALQUET, Jules. ”Pour une anatomie des classes de sexe : Nicole-Claude Mathieu ou la conscience des opprimé·e·s" [Lecture d'une œuvre], Cahiers du Genre, n° 50, p. 193-217, 2011. 3 Nicole-Claude Mathieu faleceu em Paris em 9 de março de 2014 (N.T.) 4 Agradeço à Nasima Moujoud por nossas conversas sobre esse texto

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  • Por uma anatomia das classes de sexo: Nicole-Claude Mathieu ou a conscincia das oprimidas1

    Jules Falquet2

    (traduo Mara Kubk T. Mano, revisada pela autora)

    Palavras-chave: relaes sociais de sexo; antropologia; epistemologia; feminismo; opresso.

    difcil apresentar em algumas pginas a obra de uma intelectual to importante como Nicole-Claude Mathieu3, uma das tericas mais estimulantes do movimento feminista francs da segunda

    onda4. No entanto, diante da irrupo de perspectivas de gnero, por vezes pouco teorizadas e mal

    dominadas, e da confuso crescente sobre o que ou deveria ser o feminismo, esta perspectiva colocada por Mathieu hoje muito necessria.

    Os trabalhos de Mathieu, pioneiros e afiados, relativamente pouco numerosos mas particularmente

    densos testemunhos de uma poca em que a qualidade primava sobre a quantidade bibliomtrica constituem um exemplo de rigor, mas tambm de audcia intelectual. Essa capacidade de questionar

    sem cessar as bases dominantes do pensamento, permitida tambm pelo clima intelectual de todo

    um movimento que ajudou a desafiar at as teorias mais sedimentadas, ainda mais notvel quando se conhece a falta de abertura ou mesmo a agressividade da intelligentsia francesa no que diz

    respeito teoria feminista.

    Antes de nos lanarmos a uma das travessias possveis de sua obra, convm apresentar alguns

    pontos de referncia para balizar a viagem.

    Trs balizas para uma navegao de curso longo

    1 Jules Falquet Matresse de confrences HDR em Sociologia na Universidade Paris 7 - Diderot. Email: [email protected] 2 Artigo publicado com a gentil autorizao da Cahiers du Genre e de Jules Falquet. Publicao original em francs: FALQUET, Jules. Pour une anatomie des classes de sexe : Nicole-Claude Mathieu ou la conscience des opprimes" [Lecture d'une uvre], Cahiers du Genre, n 50, p. 193-217, 2011. 3 Nicole-Claude Mathieu faleceu em Paris em 9 de maro de 2014 (N.T.) 4 Agradeo Nasima Moujoud por nossas conversas sobre esse texto

  • Lembremos de partida que Nicole-Claude Mathieu possui uma dupla ancoragem disciplinar, na

    Antropologia e na Sociologia, o que faz dela uma espcie de duplo esprito com capacidades de percepo ampliadas se possvel transpor assim a concepo relativa aos berdaches de certas populaes indgenas da Amrica do Norte. Ou, para retomar os termos de sua cmplice Paola

    Tabet, Nicole-Claude Mathieu uma mulher excepcionalmente bem armada, que apreendeu as ferramentas das duas disciplinas, o que lhe permite desenvolver anlises com perspetivas globais,

    incluindo tanto as sociedades que qualificamos de no-ocidentais quanto as ocidentais, sem

    estabelecer um corte a priori nem exclusivo.

    Raramente adotada, essa posio muitas vezes mal usada. No entanto, Mathieu consegue tirar o melhor dela. Em primeiro lugar, ela no dessas pessoas que ignoram soberbamente o que se passa fora do Ocidente sua vontade de expandir seu campo de viso mais interessante ainda se lembramos que o trabalho de Mathieu precede amplamente a globalizao triunfante, com sua

    presso de pensar o mundo como uma aldeia global e suas facilidades tecnolgicas de acesso informao. Mas Mathieu tambm no dessas pessoas que estabelecem paralelos ou oposies apressadas, muito menos de perspectivas evolucionistas. Ela de forma alguma ignora as relaes

    Sul-Norte:

    Que a antropologia seja a filha do imperialismo ocidental, no apenas historicamente mais na ideologia mesma que ela tem em grande parte transmitido por meio de suas descries cientficas, agora um ponto bastante estabelecido. (1985a, p. 132)

    Ela portanto bastante circunspecta diante de certos impulsos sbitos de retificadoras/es dos erros:

    Atualmente, muitos etnlogos adotam opes abertamente de defesa (e no apenas de ilustrao) de culturas minoritrias: denncia do imperialismo, de genocdios, do fator neocolonial ou da colonizao interior de certas minorias por novas (ou antigas) culturas nacionais, denncias de etnocdio a nfase sendo colocada (o que j fazia parte da etnologia tradicional) sobre os valores, as organizaes socio-polticas e/ou as racionalidades econmicas, julgadas melhores que as nossas, que produziram certas culturas em vias de desaparecimento por nossa culpa. (id., p. 133)

    Voltaremos a isso.

    Lembremos a seguir que Mathieu uma das fundadoras e das principais tericas de uma das correntes de pensamento mais ricas do fim do sculo XX, o feminismo materialista (e mais

  • particularmente sua componente francfona5), fruto de uma prtica poltica coletiva bem mais

    ampla, que se cristaliza em torno das revistas Questions fministes, na Frana, da qual ela era uma

    das organizadoras desde 1977 at a ruptura de 19806, e da Feminist Issues, em Berkeley. Sua definio do feminismo constitui um ponto de orientao til:

    Eu darei [] palavra feminismo o sentido corrente e mnimo de: anlise feita pelas mulheres (ou seja, a partir da experincia minoritria) dos mecanismos de opresso das mulheres enquanto grupo ou classe pelos homens enquanto grupo ou classe, nas diversas sociedades, e a vontade de agir pela sua abolio. Acho que no aqui o lugar para expor os debates polticos internos aos movimentos de mulheres no que diz respeito s definies ou tticas. Mas til apontar agora que as mesmas divergncias entre polticas feministas podem ser encontradas de pas em pas, sejam eles desenvolvidos ou no, capitalistas ou no. (1985a, p. 172)7.

    Assim, no h sujeito nico nem essencializado do feminismo, mas um conjunto de posies sciopolticas (o que, junto com Colette Guillaumin e Danielle Juteau, ela chama de

    experincia minoritria cf. Guillaumin, 1981; Juteau, 1981) a partir das quais elabora as anlises e lutas, lutas que no so em nenhum caso monolticas. Longe de toda sororidade universal,

    Mathieu ressalta que a classe das mulheres e suas organizaes so atravessadas por conflitos, nos

    quais ela sempre situou-se claramente, e que no separam o Sul do Norte, nem o capitalismo do

    socialismo, mas so o fruto de dinmicas e de lutas no seio da classe de mulheres e no exterior dela,

    para definir as orientaes do movimento. Para as feministas materialistas, nem identitarismo, nem

    naturalismo, nem irrealismo. No se trata de defender todas as mulheres ou qualquer mulher, nem

    de obter a igualdade ou a paridade, nem de fazer a revoluo num lar somente ou num pas apenas.

    O objetivo bem mais radical e, sobretudo, radicalmente diferente: como escreveu Monique Wittig (1969), citada por Mathieu na epgrafe de A anatomia poltica (Lanatomie politique): cada

    palavra deve passar pelo crivo da crtica para acabar com a ideologia da diferena dos sexos e, simultaneamente, com os rapports8 sociais de poder e a diviso sexual do trabalho que constituem

    as pessoas em mulheres ou homens.

    5 Uma das principais caractersticas dessa corrente afirmar que as mulheres no so uma categoria biolgica, mas uma classe social definida por rapports [ver nota 7] sociais de sexo, historicamente e geograficamente variveis, centralmente organizados em torno da apropriao individual e coletiva da classe de mulheres por aquela dos homens, por meio do que Colette Guillaumin (1978, 1992) denominou sexage (sexagem). Esses rapports so solidamente apoiados no que ela chamou de ideologia da Natureza na qual esto subjacentes tambm os rapports sociais de raa. 6 Sobre esse ponto, destacamos Duchen (1986), Fougeyrollas-Schwebel (2005), Bourcier (2007). 7 Grifo meu. 8 A traduo usual de rapports para o portugus relaes (de classe, raa, sexo etc.), mas optamos aqui por deixar o termo em francs por compreender que ela no seria suficiente para explicar o pensamento

  • Terceira baliza: o relativo desconhecimento sobre o trabalho de Mathieu, mesmo tratando-se de

    reflexes fundadoras, que conduzam a uma renovao completa do pensamento, e mesmo que ela

    tenha sido a primeira a discutir com seriedade os trabalhos de um certo nmero de grandes

    homens respeito dos rapports sociais de sexo. Assim, ela metodicamente debateu os trabalhos de Bernard Saladin dAnglure (sobre o sentido da existncia de um terceiro sexo nos Inuits 1992) e de Maurice Godelier (sua teoria do consentimento das mulheres dominao 1982), mas tambm de Pierre Bourdieu (sua descoberta da dominao masculina e seu conceito de violncia simblica 1998) e de Claude Lvi-Strauss (sua interpretao da diviso sexual do trabalho, mas sobretudo da relatividade de seus resultados sobre a troca das mulheres em funo, principalmente, de seu enfoque redutor sobre as sociedades patrilineares e virilocais 1949). Ela tambm esteve entre as primeiras na Frana a reagir as reflexes de Judith Butler sobre o gnero (Butler 1990).

    De fato, seu trabalho no desconhecido das especialistas, pelo contrrio. Seu primeiro artigo, uma contribuio ao VII Congresso mundial de Sociologia, foi publicado em francs e em ingls em inmeras revistas, entre elas a International Journal of Sociology. Durante sua carreira, Mathieu

    escreveu principalmente no LHomme, no Bulletin de lAssociation franaise des anthropologues,

    no Journal des anthropologues, publicou nas Presses universitaires de France, nas editoras da

    EHESS (cole des Hautes tudes en Sciences Sociales) e na Maison des sciences de lHomme, e

    contribui com diversos dicionrios. No que diz respeito ao campo feminista, ela co-fundou a

    Questions fministes, e seus principais trabalhos foram rapidamente publicados em ingls, nada

    menos que seis deles na Feminist Issues. De maneira geral, Mathieu foi traduzida em sete lnguas

    (espanhol, ingls, alemo, japons, srvio-croata, italiano e grego) e foi Doutora honoris causa em

    Cincias Sociais na Universidade de Laval, no Quebec (Canad).

    No entanto, suas anlises continuam amplamente ignoradas na Frana, assim como pela grande

    maioria das/os autoras/os anglo-saxs/es, incluindo-se aquelas e aqueles que se reivindicam da

    french theory e do french feminism9. irnico assistir a vinda (ou a volta) dos Estados Unidos, simplificados e enfraquecidos por uma ou duas tradues, dos debates de fundo j abordados pelas materialistas, e aos quais Mathieu tinha contribudo com respostas completas e rigorosas. Essa

    constatao questiona as lgicas cientficas da Antropologia e da Sociologia, bem como os

    da autora. Em francs, rapports trata das ligaes estruturais da sociedade, em nvel macro, enquanto a expresso relations, que tambm traduzida relaes diz respeito s relaes cotidianas, em nvel micro (N.T.). 9 Sobre a inveno de um French Feminism nos departamentos de literatura das universidades anglo-norte-americanas, particularmente distante do que so de fato as teorias feministas na Frana, destacamos Varikas (1993), Delphy (1996), Jackson (1996).

  • mecanismos de difuso, transmisso e discusso das teorias feministas. Em todo caso, os trabalhos

    de Mathieu constituem uma base historicamente pioneira e particularmente slida para teorizar as

    relaes sociais de sexo e para continuar a pensar mais alm delas.

    Uma epistemologia pioneira

    Rapports sociaux de sexe: antes do conceito de gnero e alm

    A epistemologia sem dvida um dos assuntos sobre o qual Mathieu mais trabalhou e de maneira fundadora ao menos em trs pontos.

    Seu primeiro artigo, Notas para uma definio sociolgica das categorias de sexo (Notes pour une dfinition sociologique des catgories de sexe, 1971), coincide com o comeo da segunda

    onda do feminismo francs e merece permanecer nos anais como guia programtico de Sociologia

    aplicada aos rapports sociais de sexo e como exemplo de como o feminismo poderia contribuir para

    a Sociologia. Mathieu traa nele um paralelo entre a classe ou a categoria scio-profissional, uma varivel sociologicamente reconhecida porque historicamente desnaturalizada depois de muitas

    lutas coletivas; a idade, ainda com frequncia naturalizada mas tratada de maneira cada vez mais

    sria medida em que a terceira idade e a juventude tem causado um certo nmero de problemas sociais; e por fim, o sexo. Mathieu mostra como essa ltima categoria, uma das mais

    naturalizadas que existe, comea poca a poder ser concebida de maneira sociolgica/cientfica graas apario do movimento de mulheres. Ela insiste igualmente sobre a importncia de pensar as mulheres (at ento quase invisibilizadas aos olhos de inmeros pesquisadores), mas tambm os homens (at ento tomados como normalidade e modelo neutro da humanidade) como categorias sociais, e sobretudo sobre a necessidade de estudar essas duas categorias de maneira relacional,

    dialtica.

    O segundo golpe de mestra vem na continuidade do anterior: a partir de seu artigo seguinte,

    publicado em 1973, Mathieu coloca os sexos como produtos de um rapport social (Mathieu, 1991, p. 43). Ao permitir pensar que o sexo no tem nada de biolgico, ela faz com que uma parte

    das francfonas se distancie das perspectivas anglo-saxs que estavam em desenvolvimento na

    linha de Margaret Mead (que tinha mostrado a relatividade cultural dos papis sociais de sexo) e da britnica Ann Oakley, que prope, em 1972, reagrupar esses papeis arbitrrios no conceito

    gnero, para diferenciar-lhes do natural, o sexo. No h nada disso em Mathieu, para quem o conceito de rapports sociais de sexo permite fazer tanto a economia do sexo como do gnero dois conceitos intrincados e com a vantagem de nomear claramente os rapports sociais e, portanto, de

  • colocar a questo do poder. Essas propriedades notveis do conceito de rapports sociais de sexo

    explicam porque o de gnero se imps tardia e parcialmente na Frana. Paralelamente, se o conceito

    de rapports sociais de sexo no foi exportado, apesar de suas qualidades, porque existe em ingls, espanhol ou portugus um s termo em vez de dois, para designar de uma vez os rapports sociais e as relaes sociais, o que leva confundir os nveis micro (relaes sociais, interaes entre indivduos, mais facilmente negociveis e modificveis) e macro (rapports sociais, invisveis olho nu e muito estveis fora das lutas coletivas). Pode ser isso que explique a dificuldade de certas/os

    tericas/os do continente americano de aproveitar plenamente a perspectiva feminista materialista

    francfona.

    Antropologia das mulheres, antropologia feminista e ponto de vista situado

    Em 1985, um vasto trabalho de sntese sobre a mulheres e a Antropologia feito por Mathieu para a

    Unesco oferece referncias epistemolgicas importantes (Mathieu, 1985b). Ela traa os primrdios da Antropologia das mulheres e da Antropologia feminista, mostrando suas continuidades e suas

    profundas diferenas: como na Histria ou na Sociologia, preciso fazer com que as mulheres apaream, mas acrescent-las amplamente insuficiente se no estudamos, dialticamente, os rapports sociais entre mulheres e homens. Acima de tudo, como ela disse ao retomar Edholm,

    Harris e Young (1977) e preocupando-se sempre com os dois lados da relao antropolgica:

    No se trata realmente de procurar as mulheres atrs das formas sociais manifestas, mas de ver nas estruturas sociais estudadas o significado de sua ausncia (acrescentarei que preciso ver tambm as estruturas das sociedades que produzem a etnologia). (Mathieu, 1985b, p. 126)

    Nesse texto particularmente pedaggico, ela apresenta sistematicamente os grandes antroplogos estruturalistas, funcionalistas e marxistas, para logo apresentar as contribuies crticas das antroplogas feministas sobre os mesmos debates. Como vimos, esse dilogo com os trabalhos de

    seus pares uma constante em Mathieu, que refletiu muito sobre o que ela chama de a conscincia10 e que outros mais recentemente denominaram ponto de vista situado. Para

    Mathieu, trata-se de contribuir para a construo da cincia das/os oprimidas/os anunciada por Wittig, Guillaumin e Juteau. Assim, para uma plena compreenso dos rapports sociais de sexo, ela

    recomenda ler e escutar as mulheres, que por ter uma experincia direta de dominao so as 10 No sentido marxiano e coletivo mais que psicolgico e individual, mesmo se ela no descarte analisar os sonhos das mulheres (Mathieu 1985c).

  • melhores conhecedoras de seus efeitos o que bell hooks no desmentiu (1981). Contudo, ela preconiza tambm uma leitura atenta dos homens, mesmo que os textos deles sejam impregnados de

    um vis androcntrico, j que enquanto dominantes eles so suscetveis de oferecer uma melhor compreenso dos mecanismos que lhes permitem dominar uma posio no separatista que Barbara Smith poderia aprovar (1983).

    Androcentrismo e etnocentrismo: a crtica das sociedades ocidentais

    Bem antes dos debates sobre sexismo e racismo que acompanharam a lei de 2004 sobre a interdio

    dos smbolos religiosos na escola11, ao lanar um olhar crtico sobre as posies da antropologia

    francesa diante da exciso, Mathieu props, em diversos artigos12, reflexes agudas no somente

    sobre o etnocentrismo e suas ligaes estreitas com o androcentrismo, mas tambm sobre o que

    essas duas atitudes, juntas, mascaram nas sociedades estudadas, mas tambm e sobre tudo nas

    sociedades ocidentais.

    Em um texto com o belo ttulo de Mulheres do Eu, mulheres do Outro (Femmes du Soi, femmes de lAutre), Mathieu ressalta que:

    Com frequncia, as mulheres ocidentais (etnlogas ou no) que insistem sobre a opresso fsica, econmica e mental das mulheres de um grande nmero de sociedades so acusadas de se meter em assuntos interiores de outros grupos ou povos; elas so acusadas de etnocentrismo, de imperialismo e at mesmo de racismo. (Mathieu, 1987, p. 606)

    Mas em realidade:

    a) Tem mulheres nas sociedades em questo, por exemplo africanas, que se opem s mutilaes e opresso [] e no se trata apenas de valores modernos [] b) as feministas primeiro denunciaram a barbrie do Ocidente em relao s suas prprias mulheres (entre outras a cliteridectomia do sculo XIX e a episiotomia do sculo XX, a escravido sexual etc.) contrariamente aos colonialistas e aos racistas que s denunciam a barbrie dos outros. (id., p. 606)

    Depois dessa til recordao, ela acrescenta:

    11 Na Frana, em 2004, foi aprovada uma lei que probe o uso, inclusive em vestimentas, de smbolos religiosos nas escolas pblicas do pas. (N.T.) 12 Cf. Mathieu (1985b), (1987), (1993), (1995a).

  • Dissociar a noo de minoritria da noo de mulher nas outras culturas permite (pela acusao de etnocentrismo) negar um problema do qual os/as etnlogos/as fazem parte em sua prpria sociedade: o androcentrismo resultando dos rapports de poder entre os sexos. [] Em breve, falar de ingerncia nos assuntos interiores de outras sociedades consiste, no que diz respeito aos sexos, de uma parte a se recusar em pensar em nossas questes internas; de outra parte e correlativamente, a continuar dissimulando uma realidade fundamental das sociedades estudadas (id., p. 607).

    Enfim, sem falsa culpabilidade, ela especifica em um outro texto:

    Eu acredito que as acusaes de etnocentrismo feitas contra aquelas que insistem sobre a opresso das mulheres pelos homens em sociedades outras so justamente um novo avatar, culpabilizado, do prprio etnocentrismo: considerar as sociedades ocidentais como parte sob o pretexto que oprimem as outras (1991, p. 125)

    Acusa-se muito hoje as feministas brancas de julgar tudo em termos de valores ocidentais ou burgueses e de querer universalizar umas categorias ou experincias muito especficas. Isso est claro no feminismo liberal dentro do qual esto as instituies internacionais e muitas organizaes no-governamentais e ainda observvel com frequncia nas correntes socialistas e radical (que de resto esto longe de serem compostas unicamente de brancas, ocidentais ou de burguesas). No entanto, Mathieu est em outra parte. No seu trabalho, no se trata de universalizar, nem de guiar quem quer que seja, mas de pensar as diferenas e as semelhanas entre

    as sociedades ditas no ocidentais e aquelas ditas ocidentais:

    Parece mais esclarecedor reconhecer que, na maioria dos casos, existe, no que concerne o poder dos homens sobre as mulheres, o viriarcado13, uma similitude estrutural entre nossas sociedades e as outras para alm de contedos especficos []. Esse carter de proximidade quanto aos rapports de sexo entre sociedades ocidentais e outras sociedades especialmente patrilineares, patrivirilocais e fortemente viriarcais (que representam mais de 80% das sociedades conhecidas e sobre as quais so baseadas a maior parte das teorizaes etnolgicas) produz por vezes cegueiras e empatias entre as/os pesquisadoras/as e as/os etnlogos. (id., p. 125-126).

    graas essa compreenso que Mathieu nos prope suas anlises mais apaixonantes.

    Uma anlise global mas no universalizante das ligaes entre anatomia e economia poltica

    Corpos que importam: a anatomia poltica

    13 Trata-se de um conceito forjado por Mathieu para fazer referncia ao poder dos homens enquanto pessoas do sexo masculino, mais que como pais ou patriarcas o conceito de patriarcado parecia-lhe insuficiente.

  • Depois de Larraisonnement des femmes14 (que ela coordena em 1985), o livro que rene apenas

    artigos de Mathieu tem sido publicado graas editora Ct-femmes, na coleo Recherches (1991), que tambm publicou uma seleo muito til de trabalhos de Colette Guillaumin (1992). O

    ttulo da obra de Mathieu um programa por si mesmo: A anatomia poltica. Categorizaes e ideologias do sexo (Lanatomie politique. Catgorisations et idologies du sexe). Prova de que as

    materialistas no ignoram, de maneira nenhuma, o corpo, que h muito tempo importa para Mathieu e que , para ela, um construto social (modificvel e modificado). Mas a originalidade de Mathieu

    em relao quelas que vm depois que ela constata muito claramente que, apesar de todas as transformaes do corpo, desvios [dviations] ou resistncias, como ela conclui na penltima

    pgina de seu livro, na base e embaixo da escala dos gneros achamos sim as fmeas: o sexo social mulher (id., p. 266). Mathieu no tem, no entanto, nada de vitimista: a ltima pgina de A anatomia poltica apresenta a foto de uma mulher de 90 anos que carrega nas mos duas armas com

    as quais ela capturou um ladro que quis roub-la na sua casa (id., p. 267). Assim as mulheres, mesmo na vulnerabilidade de uma idade avanada, podem resistir s agresses de maneira concreta,

    direta, violenta e no unicamente simblica. Entre as ferramentas para a transformao dos rapports

    sociais de sexo, Mathieu nos mostra bem mais a arma de fogo do que a gravata.

    Diversidade nas maneiras de conceber a articulao sexo, gnero e sexualidade

    Para Mathieu ento, a anatomia (construda) importa muito. No entanto, o mais importante a diversidade sociocultural e histrica das interpretaes que so feitas dessa anatomia, como ela

    demonstra em seu artigo magistral Identidade sexual/sexuada/de sexo? Trs modos de

    conceitualizao do rapport entre sexo e gnero15. Nele, ela responde a Saladin dAnglure,

    segundo quem a existncia de um terceiro sexo na sociedade inuit invalidaria a binariedade dos gneros e dos sexos enfraquecendo a teoria da opresso das mulheres. Mathieu analisa essa descoberta a partir do anlises de numerosas outras prticas desviantes, individuais ou coletivas, permanentes ou ocasionais, que dizem respeito sexualidade, ao gnero ou ao sexo que um pensamento um pouco ingnuo ou ocidentalocntrico qualificaria hoje, despreocupadamente,

    sem contextualizao suficiente, de queer. Ela demonstra ento que numerosos casos de 14 Ttulo de difcil traduo. Arraisonnement" pode ser tanto no sentido ser voltada razovel, como de prender, de amarrar, ancorar. Seria algo como O aprisonamento das mulheres. (N.T.) 15 a partir de 1982, durante o X Congresso Mundial de Sociologia, no Mxico, que Nicole-Claude Mathieu apresenta os fundamentos desse trabalho. Ele foi publicado em 1989 em Daune-Richard, Hurtig e Pichevin, e depois em A anatomia poltica (Lanatomie politique, 1991).

  • transgresso so, na realidade, mecanismos institucionalizados de adequao que no colocam em

    questo a norma e, sobretudo, que no existe uma s maneira de conceber a articulao entre sexo, gnero e sexualidade (a concepo ocidental dominante atualmente), mas trs:

    - Modo I: Identidade sexual, baseada sobre uma conscincia individualista do sexo. Correspondncia homolgica entre sexo e gnero: o gnero traduz o sexo;

    - Modo II: Identidade sexuada, baseada sobre uma conscincia de grupo. Correspondncia analgica entre sexo e gnero: o gnero simboliza o sexo (e vice-versa);

    - Modo III: Identidade de sexo, baseada sobre uma conscincia de classe. Correspondncia sociolgica entre sexo e gnero: o gnero constri o sexo (Mathieu, 1991 [1989]. p. 231).

    Dessa maneira, Mathieu permite analisar trs pontos cruciais. O primeiro que nesse caso tambm, as clivagens no passam entre sociedades ocidentais e no ocidentais, mas no prprio seio de cada

    sociedade. Por exemplo, se o modo II mais caracterstico das sociedades ditas tradicionais, alinham-se nele tambm certas correntes lsbicas ou feministas ocidentais (certas feministas

    socialistas na Gr-Bretanha, a tendncia luta de classes na Frana). As lsbicas polticas como Wittig e as feministas materialistas como Tabet esto, por sua vez, convencidas do modo III, ao

    qual aderem igualmente grupos de mulheres em luta na China ou em Serra Leoa. J toda uma parte dos movimentos homossexuais e lsbicos, mas tambm queer e trans, so fundados sobre uma

    adeso inconsciente ao modo I, que o mais naturalista e o mais frequente nas sociedades ocidentais. Enfim, as transgresses (reais ou supostas) do sexo, do gnero ou da sexualidade no

    resolvem o problema de fundo, a saber, que as fmeas so em todo caso quase sempre colocadas

    embaixo na escala social16. por isso que os movimentos homossexuais, sob hegemonia masculina, no so naturalmente aliados dos movimentos feministas e lsbicos, que lutam em primeiro lugar

    pelos interesses da classe de mulheres. Mathieu tambm nos lembra que o problema da classe de

    mulheres no tanto a definio arbitrria dos gneros ou a obrigao s prticas sexuais heterossexuais (consequncias sociais da apropriao), mas sua inferioridade proclamada em

    relao classe dos homens, a obrigao maternidade social e, sobretudo, a negao quase total do acesso aos recursos.

    16 Mathieu destaca especialmente o exemplo de berdaches de sexo feminino, que mesmo que consideradas socialmente como homens, podem ser estupradas e so, com frequncia, vistas como tendo menos tcnica e menos poderes espirituais que os berdaches de sexo masculino (1991, p. 263-264).

  • Eu prefiro problematizar a economia poltica do gnero em vez de simplemente turvar-lo [Je prfre clarifier lconomie politique du genre que le troubler lconomie"]17

    Mathieu tambm escreveu sobre a cultura popular ocidental, publicando em 1994 um artigo sobre

    Madonna, Derivas do gnero/estabilidade dos sexos (Drives du genre/stabilit des sexes, 1994). Em um momento de grande debilidade do movimento feminista na Frana, ela critica o

    psmodernismo que est em desenvolvimento no outro lado do Atlntico, sua linguagem abstrusa e,

    sobretudo, seu projeto de atrapalhar o gnero18 notadamente os trabalhos de Judith Butler, ento praticamente desconhecida na Frana. De fato, o que comeava a retornar Frana, impregnado da glria e da consagrao do establishment universitrio norte-americano, sob o nome de french

    feminism e french theory, e que alimentar uma parte da terceira onda e principalmente o movimento queer, no outra coisa que o que sempre foi criticado pelo feminismo materialista, a saber, um discurso filosfico-psicanaltico apoiado, do lado masculino, sobre Jacques Lacan,

    Jacques Derrida e Michel Foucault, e do lado feminino, sobre a trade muito pouco feminista, Julia

    Kristeva, Hlne Cixous e Luce Irigaray19.

    Nesse artigo, Mathieu se mostra respeitosa das palavras da artista uma mulher, de origem popular citando uma passagem de uma entrevista de Madonna (em que esta afirma que nada conhece do movimento das mulheres mas que luta por ser reconhecida como ser humano). Contudo,

    ela no se mostra loucamente entusiasta com o travestimento da cantora nem com suas

    performances cnicas plurirraciais e bissexuais, as quais, se fascinam certas/os universitrias/os,

    dificilmente enganam as jovens dos meios populares, assim como o explica Mathieu. Essas, com

    efeito, observam atentamente os espetculos para saber o que agrada aos homens, mas sabem,

    pertinentes, que na sua vida real essas fantasias fariam com que elas fossem imediatamente tratadas

    como putas. Em sua anlise, Mathieu no apenas demostra sua reflexo feminista materialista,

    mas tambm uma slida conscincia de classe social: no nos esqueamos que para Alice Cartier, operria aos 13 anos (sua av) a quem est dedicado A anatomia poltica. E isso a que Mathieu conclama obstinadamente, muito mais que perturbar individualmente o gnero, preciso

    17 Mathieu (1994, p. 67). Mathieu faz um jogo de palavras com a traduo francesa do titulo do livro de Butler Trouble dans le genre ( Problemas de gnero/Gender trouble ). Em francs, trouble significa menos problematizar e mais turbar, atrapalhar. 18 De novo, Mathieu joga com os vrios sentidos de Gender trouble (NT). 19 Como sabemos, apenas a ltima se reivindica do feminismo. Sobre a crtica do feminismo da diferena, sugerimos, por exemplo, o editorial do primeiro nmero da revista Questions fministes (1977).

  • esclarecer coletivamente a economia poltica do sexo, um projeto que ela estabelece em linha

    direta com a anlise inicial de Gayle Rubin20.

    As ferramentas e as armas contra o arraisonnement

    A conscincia das/s dominadas/os: uma esquizofrenia constitutiva e potencialmente poltica?

    Um dos textos mais conhecidos de Mathieu , provavelmente, Quando ceder no consentir (Quand cder nest pas consentir)21, em que ela analisa magistralmente os determinantes materiais da conscincia das/os dominadas/os a fim de contestar a ideia de

    Godelier segundo a qual as mulheres consentiriam sua situao. Ela tambm critica com vivacidade o termo dominao, utilizado pelos majoritrios que no deixam de se sentir

    lisonjeados por serem dominantes, e descartado pelas/os minoritrias/os, para quem esse

    termo confunde a compreenso:

    A palavra dominao chama ateno para os aspectos relativamente estticos, de posio acima, tal como a montanha que domina; de autoridade e de maior importncia. Enquanto que o termo opresso implica e insiste sobre a ideia de violncia exercida, de excesso, de sufocamento []. (1991 [1985], p. 236).

    Vejamos trs pontos importantes desse artigo. O primeiro, o peso dos determinantes

    materiais, corporais da conscincia, e mais particularmente do esgotamento fsico crnico das

    mulheres, aliado desnutrio generalizada, sobre o qual Mathieu uma das raras a ressaltar. A segunda evidncia a ser notada acaba sendo frequentemente silenciada: a diviso desigual da

    cultura segundo o sexo. Mathieu nos faz lembrar em alto e bom tom que as mulheres geralmente no tem acesso s mesmas informao sobre a sua cultura que os homens seja no acesso alfabetizao, educao cientfica ou sexual, ou aos conhecimentos religiosos, filosficos ou esotricos. Uma lembrana fundamental diante do crescimento dos nacionalismos, sejam

    majoritrios ou minoritrios: Mathieu nos permite pensar que as mulheres no teriam que ser

    20 A traduo de Mathieu do artigo de Rubin The traffic in women: Notes on the political economy of sex de 1975 publicada em 1998 sob o ttulo de A economia poltica do sexo: transaes sobre as mulheres e sistemas de sexo/gnero ("Lconomie politique du sexe : transactions sur les femmes et systmes de sexe/genre"). Cahiers du CEDREF, n 7. Mathieu tambm traduziu Gail Pheterson (Le prisme de la prostitution, Paris, LHarmattan, 2001). 21 Publicado em 1985 em O aprisionamento das mulheres (1985a) e reproduzido em A anatomia poltica (1991).

  • obrigadas a se alinhar a um campo ou a outro, j que seus prprios homens lhes excluem em geral da definio, da plena participao e da possibilidade de encarnar a verso mais legtima de sua cultura. Terceiro elemento importante: a explicao, no caso das mulheres, daquilo que outras

    pessoas comearam a teorizar simultaneamente para raa ou na perspectiva da imbricao entre sexo e raa, e que eu proponho chamar de esquizofrenia legtima e poltica das minorias. Mathieu traz o exemplo das expectativas sociais diferentes sobre mulheres e homens durante certas

    cerimnias de escarificao nas quais tem que se demonstrar coragem diante da dor (o ideal

    cultural : aguentar). Ora, se os homens tem que provar uma resistncia mxima, as mulheres devem se autolimitar, porque se elas demonstrarem demasiada coragem, elas sero consideradas como futuras esposas ms (se aguentam a dor, os golpes no tero efeito sobre elas). Em outros

    termos, as mulheres devem aderir aos valores dominantes de sua sociedade, sabendo ao mesmo tempo ficar em seu lugar, ou inclusive incarnando simultaneamente o contrrio de tudo o que considerado como masculino e que constitui geralmente o ideal cultural. Ser e no ser: o problema complexo. Para solucion-lo, muitas minorias desenvolvem uma espcie de esquizofrenia,

    emocionalmente extenuante, por vezes patgena, mas que pode levar a uma lucidez individual

    particularmente acentuada e tornar-se uma verdadeira base epistemolgica para a luta coletiva,

    como bem ressalta a terica chicana Gloria Anzalda em sua anlise da conscincia da Mestia,

    assim como mulheres e feministas negras como, bell hooks e Patricia Hill Collins a propsito do

    privilgio epistmico das mulheres e das feministas negras, ou ainda Paul Gilroy em sua anlise da dupla conscincia enraizada na experincia da escravido22.

    Bourdieu: riso e raiva com os grandes homens

    Quinze anos depois da brilhante refutao, por Mathieu, do conceito de dominao, a qual ele

    parece totalmente ignorar, Pierre Bordieu faz um grande sucesso com seu fino livreto A

    dominao masculina (La domination masculine, 1998), que retoma um artigo j publicado muito antes, em 1990, nos Actes de la recherche en sciences sociales. Se o sucesso desse livro

    explica-se facilmente por sua brevidade, sua benignidade para com os dominantes e a

    notoriedade do autor, trata-se, como demonstra Mathieu em um artigo publicado no ano

    seguinte na revista Temps modernes (1999), de um trabalho de uma insustentvel leviandade

    22 Cf. Anzalda (1999 [1987]), hooks (1981, 1984), Hill Collins (1990), Gilroy (2003 [1993]).

  • cientfica. Com um humor corrosivo, Mathieu salienta a que ponto a publicao do grande

    homem escapa s regras mnimas do trabalho cientfico23.

    Sabemos que, para alm da fragilidade do conceito de dominao, sobretudo o conceito de violncia simblica desenvolvido por Bourdieu que problemtico. Como sociloga bem informada, Mathieu no pode deixar de destacar o imenso peso da violncia real, material,

    exercida contra as mulheres pelos homens, analisada durante j muitas dcadas pelas feministas e que a pesquisa nacional oficial ENVEFF (nquete nationale sur les violence

    envers les femmes en France / Pesquisa nacional sobre as violncias contra as mulheres na

    Frana) confirmar em 2002 (cf. Jaspard et al. 2003). E enquanto Bourdieu apresentava o amor como possvel remdio dominao masculina, com uma ingenuidade e uma ignorncia impressionantes para um cientista da sua idade e da sua categoria, a pesquisa ENVEFF

    lembrar tambm que a violncia contra as mulheres exercida com mais frequncia na famlia, por pessoas que teoricamente as amam.

    Enfim, lembremos as oito crticas dirigidas por Mathieu ao aluno Bourdieu, que seria

    imediatamente reprovado se aplicssemos a seu trabalho os critrios cientficos clssicos. 1)

    No citao de autoras importantes que tem trabalhado sobre o tema (como Franoise

    Hritier, sua colega no Collge de France, mas tambm Christine Delphy, Colette Guillaumin,

    Paola Tabet); 2) Referncia rpida a certos grandes autores, deformando sua teoria (Claude

    Lvi-Strauss); 3) Referncia a certas autoras com aluses distorcidas s suas teorizaes ou

    sem aluso terica e acerca de um detalhe (Gayle Rubin, Gail Pheterson); 4) Aluso, sem

    citao do autor, a certas teorias diretamente relacionadas ao sujeito (Maurice Godelier); 5)

    Polvilhar de referncias (anglo-saxs, principalmente); 6) Ter recorrido provavelmente a

    notas de segunda mo (confundindo e misturando a Jeanne Favret-Saada com Nicole-Claude

    Mathieu); 7) Utilizar um ttulo abusivo e enganador para sua obra (A parte simblica

    incorporada da dominao masculina teria sido mais exato); e, por fim, 8) ao trabalho do candidato falta rigor tcnico, metodolgico e deontolgico. Ele peca pelo pensamento, pela

    ao, pela omisso e pela distoro. O conjunto para ser interpretado como uma recusa a dar lugar confrontao entre diferentes anlises, o que d sua tese um estatuto de assero, e no de demonstrao (Mathieu, 1999, p. 298). Agrega essa observao, que poderia se aplicar a numerosos outros trabalhos: "Podemos nos perguntar se no se trata []

    de uma demonstrao particularmente chamativa da dominao masculina, que redobra a

    opresso das mulheres pela supresso ou a distoro das suas experincias e de suas anlises (id.). 23 Podemos tambm aproveitar a leitura de Fougeyrollas-Schwebel (1993), Louis (1999), Devreux (2010).

  • Longe do viriarcado e do matriarcado: quando as filhas so uma beno

    Nos ltimos anos, Mathieu publicou principalmente artigos de sntese e de esclarecimento

    conceitual. Entre eles, assinalamos uma clara crtica ao conceito de matriarcado (2004),

    particularmente til para encurtar discusses inteis sobre o poder oculto das mulheres e o espectro da inverso de papis. Mathieu deplora a instrumentalizao de um conjunto de

    prticas supostamente matriarcais em certas sociedades para fins ideolgicos ou mesmo tursticos. Sobretudo, ela se volta para dois pontos-chave: o primeiro, que ns no

    conhecemos sociedades matriarcais onde os homens seriam tratados como as mulheres o so nas sociedades viriarcais. Em nenhum lugar no tempo e no espao existe uma simetria na

    brutalidade da opresso a que uns/umas submetem as/os outras/os. Segundo, essa simetria

    no de maneira nenhuma, nem o passado glorioso, nem o futuro radiante que reivindica o feminismo materialista, para o qual o objetivo no inverter a opresso, seno abolir os rapports sociais de sexo viriarcais.

    Esse texto constitui tambm uma espcie de introduo grande obra a qual Mathieu se dedicou durante a ltima dcada, co-editada com a jovem antroploga Martine Gestin: Uma

    casa sem filha uma casa morta. A pessoa e o gnero nas sociedades matrilineares e/ou uxorilocais (Une maison sans fille est une maison morte. La personne et le genre en socits

    matrilinaires et/ou uxorilocales, 2007).

    Esperada h muito tempo, essa obra constitui uma luz na cegueira da Antropologia clssica (de mais de 500 pginas): por mais surpreendente que possa parecer, alm de Alice Schlegel

    (1972), que havia trabalhado com 66 sociedades matrilineares, ningum tinha ainda analisado

    sistematicamente e de maneira comparativa as sociedades uxorilocais24. Estas representam

    7% das 565 sociedades reconhecidas na World ethnographic sample de 1957 mas elas constituem 20% das sociedades na frica, um quarto no Pacfico e chegam a um tero na

    Amrica do Norte. Quais so as razes para tal cegueira? Notaremos que, justamente, sem

    constiturem matriarcados, essas sociedades so menos desiguais que as outras do ponto de

    vista dos rapports sociais de sexo, ao tempo que so historicamente anteriores ao modo de

    24 Sociedade onde os recm-casados se instalam na casa da famlia da esposa ou prximos dela. Do latim: uxor=esposa

  • produo capitalista e que se situam fora do mundo ocidental quem adora tanto acreditar estar na dianteira dos avanos da igualdade dos sexos.

    A obra rene 15 autoras/es analisando 14 sociedades extremamente diversas com matrilinearidade ou uxorilocalidade mais ou menos forte, variaes no grau de envolvimento

    na sociedade nacional e pesos demogrficos variados25. Uma boa metade so ainda vigorosas e

    uma delas, a sociedade Ngada da Indonsia, constitui um dos raros casos conhecidos de

    passagem da patriniliaridade virilocal matrinilearidade uxorilocal (o inverso geralmente apresentado como a evoluo natural das sociedades). As sociedades matrilinares e sobretudo uxorilocais so particularmente interessantes por pelo menos quatro razes:

    A matrilinearidade coloca estruturalmente a produo das filhas na continuidade do grupo

    que funda a identidade individual da sociedade;

    o poder masculino mais fraco que nas sociedades patrilineares;

    eventualmente, a matrilocalidade refora a matrilinearidade;

    enfim, a uxori-matrilocalidade reforaria a conscincia de grupo sexuado entre as mulheres

    graas sua estabilidade territorial.

    As aberturas tericas contidas nessa obra so apaixonantes e impossveis de serem resumidas

    aqui. Contudo, ressaltaremos quatro. A primeira, sobre os fundamentos da opresso.

    Geralmente se pensa que as religies, em especial as monotestas, reforam o poder dos

    homens sobre as mulheres. Mas no livro, achamos informaes sobre populaes

    cristianizadas ou islamizadas, em que o destino das mulheres parece bastante invejvel. Por

    outro lado, constatamos que religies e mitos podem de fato constituir uma importante fonte

    de poder para as mulheres sempre e quando elas se organizam para ficar com o monoplio sobre a religies. o caso (muito raro, verdade) da populao Kavalan (Taiwan), onde por muito tempo os homens foram rigorosamente excludos do contato com as foras do alm,

    sendo que as prticas xamnicas eram estritamente um privilgio das mulheres. Nos mitos de

    origem Kavalan ou naqueles das populaes prximas, um pai mata seu filho por indolncia, e

    tambem dois irmos matam seu pai: a morte do pai no o pilar da exogamia que funda o lao social, mas a negao da transmisso do poder e dos objetos materiais ou das riquezas

    entre um pai e seus filhos (p. 394). Assim:

    25 A sociedade Minangkabau, em Sumatra, conta com cerca de 3 milhes de pessoas.

  • O grupo de homens privado da apropriao e da acumulao das riquezas. Alm disso, no so nem uma unidade de produo, nem uma unidade de consumo. Eles no caam nem pescam coletivamente no mbito das classes de idade (p. 395)

    Essas observaes ajudam a compreender: 1) que mitos e religies no tem sistematicamente

    um impacto negativo sobre as mulheres; mas 2) que combinados com outros elementos de

    organizao de uma sociedade, tm um papel importante para privar de poder certos grupos

    sociais.

    A segunda pergunta terica que o livro coloca tem a ver com o que esta em jogo na opresso:

    ser realmente e unicamente a obteno de um sobretrabalho por parte dos grupos dominados, para o lucro dos grupos dominantes? Diversos artigos demonstram que mesmo

    nas sociedades em que seu estatuto bem melhor que em outras, a quantidade de trabalho que as mulheres tm que realizar considervel como na sociedade Na, na China, onde a ociosidade dos homens notria. Trata-se aqui de uma pista contra-intuitiva, a ser explorada.

    A terceira pista aquela do questionamento dos fundamentos da Antropologia, nesse caso a troca das mulheres, qual Martine Gestin consagrou um longo posfcio. Em primeiro lugar, essa troca est longe de ser universal, como havia pensado Lvi-Strauss. Chantal Collard j tinha demonstrado que as mulheres podem ser trocadoras ativas, mesmo em sociedades patrilineares (Collard, 2000). Mas as sociedades analisadas na obra abrem

    horizontes ainda mais vastos. No apenas as mulheres podem serem trocadoras ativas, mas sobretudo, o papel sociocultural fundamental atribudo pela Antropologia troca matrimonial merece ser relativizado. Assim, na populao Kavalan, a circulao de riquezas

    durante as trocas matrimoniais tem um papel menor comparado s trocas anuais de

    alimentos durante a festa de iniciao xamnica das mulheres. O que significativo nesse caso para os rapports sociais de sexo, que as mulheres sejam operadoras nessas duas redes de troca.

    Enfim, Uma casa sem filha lana uma nova luz sobre a articulao dos rapports sociais de sexo,

    raa e classe (ainda que este no seja seu propsito central). Por exemplo: que que acontece com as unies mistas entre mulheres de sociedades matrilineares ou uxorilocais (geralmente dominadas na sociedade global) e homens de sociedades patrilineares e virilocais

    (geralmente dominantes)? Como funcionam tais alianas matrimoniais onde, estruturalmente,

    as desigualdades de raa e sexo no caminham na mesma direo? Uma outra questo quente aquela da co-extensividade (ou no) dos rapports de sexo e de classe. Vide os

  • Minangkabau, de Sumatra, onde as linhagens socialmente dominantes s vezes fazem unies

    assimtricas (entre um homem de categoria superior e uma mulher de linhagem inferior).

    Nesse caso:

    Para pagar o preo elevado do noivo, as mulheres de posio mediana estabelecem uma relao de servio com as mes ou as irms de seu marido de categoria superior, constituindo uma reserva de mo-de-obra (mais frequentemente sob o modo de parceria). [Aqui, no entanto] a matrilinearidade e a matrilocalidade, que colocam claramente as mulheres do lado das riquezas, impedem que se imponha na troca matrimonial a coextenso dos rapports de gnero e dos rapports de classe. (2007, p. 461).

    Esse exemplo de institucionalizao de um tipo de unio matrimonial em que as desigualdades de

    linhagem vo em sentido inverso das desigualdades de sexo abre muitas possibilidades de reflexo.

    No final de nossa travessia, constatamos que a obra pioneira de Nicole-Claude Mathieu vai nos

    alimentar por muito tempo ainda. A partir de 1973, a sua afirmao que os sexos so uma

    construo social permite sair do impasse ao qual as correntes dominantes do gnero parecem ter-nos conduzido, onde, reagindo ideia de que feminino e masculino seriam essncias ou identidades naturais, chegamos a analis-los como pura fico. A perspectiva dos rapports sociais de sexo

    revela-se, nesse sentido, muito mais heurstica que a do gnero. Falta, certamente, aprofund-la, em

    especial no domnio da co-formao dos rapports sociais de poder (de raa e classe especialmente). Tomara que isso seja feito, na perspectiva aberta por Mathieu, partindo das/os

    oprimidas/os elas/eles mesmas/os, a fim de estabelecer, a partir da sua conscincia, uma verdadeira

    cincia, no tanto sobre as/os oprimidas/os mas para colocar fim opresso.

    Publicaes de Nicole-Claude Mathieu citadas no artigo

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