Artigo Sobre Direito Penal Tributario - o Final Do Pta e Acao Penal (1)

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  • Prvio exaurimento da via administrativa e crimes tributrios

    Luiz Flvio Gomes

    Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito pela USP e

    Diretor-Presidente da Rede de Ensino Luiz Flvio Gomes (www.lfg.com.br).

    Alice Bianchini

    Doutora em Direito Penal pela PUC/SP Mestre em Direito pela UFSC

    Especialista em Teoria e Anlise Econmica pela UNISUL e em Direito Penal Econmico Europeu pela Universidade de Coimbra/IBCCRIM

    Sumrio. Introduo. 1. O tratamento da questo antes da Lei 9.430/96. 2. Os posicionamentos doutrinrios e jurisprudenciais. 3. As quatro dimenses da questo: penal, tributria, processual e constitucional. 3.1. Aspectos penais e tributrios. a) da classificao quanto ao resultado: crime material. b) o tributo devido. 3.2. Conseqncias de natureza processual. a) o prvio exaurimento da via administrativa representa uma causa objetiva de punibilidade? b) a remessa para o art. 93 do CPP (questo prejudicial). c) Inexistncia de elementos tpicos e condio objetiva de punibilidade. 3.3. Consideraes de ordem constitucional. Concluses finais.

    Introduo

    Em dezembro de 2003 o Supremo Tribunal Federal ps fim a uma

    discusso que j se arrastava h muito e que se refere ao grau de importncia do

    prvio exaurimento da via administrativa nos crimes tributrios.1

    Tal assunto, que j habitava o mundo jurdico fazia tempo, passou a ser

    mais amide debatido com a edio da Lei 9.430/90. Seu art. 83 dispe que:

    1 STF, HC 81.611-DF, Rel. Min. SEPLVEDA PERTENCE, j. 10.12.03.

  • 2

    A representao fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributria definidos nos arts. 1 e 2 da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, ser encaminhada ao Ministrio Pblico aps proferida deciso final, na esfera administrativa, sobre a exigncia fiscal do crdito tributrio correspondente.

    Desde ento se busca a correta interpretao e o alcance de tal

    dispositivo, o que deu ensejo a diversos posicionamentos tanto doutrinrios quanto

    jurisprudenciais.

    1. O tratamento da questo antes da Lei 9.430/96

    Com o advento da Lei 4.357/64, tem-se incio, em nosso pas, mais uma, dentre tantas acirradas discusses jurdicas: a importncia do prvio exaurimento da

    via administrativa nos crimes tributrios.

    O artigo 11, 3 do dispositivo legal antes mencionado dispunha que: nos casos previstos neste artigo, a ao penal ser iniciada por meio de representao da Procuradoria da Repblica, qual a autoridade julgadora de primeira instncia obrigada a encaminhar as peas principais do feito, destinadas a comprovar a existncia do crime, logo aps a deciso final condenatria proferida na esfera administrativa.

    MANOEL PEDRO PIMENTEL j entendia que tal dispositivo condicionava a

    ao penal representao da Procuradoria da Repblica.2

    Entretanto, antes mesmo que os tribunais pudessem se manifestar sobre o

    assunto, entrou em vigor a Lei 4.729 (em 14 de julho de 1965), que definiu os crimes de sonegao fiscal. Seu artigo 7 determinava que

    as autoridades administrativas que tiverem conhecimento de crime previsto nesta Lei, inclusive em autos e papis que conhecerem, sob pena de responsabilidade, remetero ao Ministrio Pblico os elementos comprobatrios da infrao, para instruo do procedimento criminal cabvel.

    Seus dois pargrafos estavam assim redigidos:

    2 Direito penal econmico. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1973, p. 232.

  • 3

    1. Se os elementos comprobatrios forem suficientes, o Ministrio Pblico oferecer, desde logo, denncia. 2. Sendo necessrios esclarecimentos, documentos ou diligncias complementares, o Ministrio Pblico os requisitar, na forma estabelecida no Cdigo de Processo Penal.

    Sob a gide de tal dispositivo legal, em 17 de outubro de 1984 foi editada

    a Smula 609 do STF, a qual consigna que pblica incondicionada a ao penal por crime de sonegao fiscal.

    O Decreto-Lei 326/67, que dispunha acerca de recolhimento do imposto sobre produtos industrializados, previa, no pargrafo nico de seu art. 2, que:

    A ao penal ser iniciada por meio de representao da Procuradoria da Repblica qual a autoridade de primeira instncia obrigada a encaminhar as peas principais do feito, destinada a comprovar a existncia do crime, logo aps deciso final condenatria proferida na esfera administrativa.

    Anos mais tarde, agora em 1995, nova legislao editada (Lei 9.249), a qual, entretanto, teve vetado o artigo que ensejava a representao fiscal somente

    aps decorrido o processo administrativo fiscal no qual se vislumbrasse a existncia,

    em tese, de crime ( 1, do art. 34). Consta nas razes do veto:

    Esse dispositivo contrrio ao interesse pblico por impedir atuao rpida do Ministrio Pblico visando instaurao do processo penal, pois prev que os rgos fazendrios s podem comunicar-lhe ocorrncia de crime fiscal aps o trmino do correspondente processo administrativo, o que, pelo espao de tempo demandado em sua tramitao, terminaria por constituir elemento altamente estimulador do inadimplemento de obrigaes tributrias e da prtica de delitos em espcie.

    Tal situao no demorou a ser alterada, posto que no ano seguinte se

    restabelece a discusso, em face da entrada em vigor da Lei 9.430/96, cujo polmico artigo 83 dispe que:

    A representao fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributria definidos nos arts. 1 e 2 da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, ser encaminhada ao Ministrio Pblico aps proferida deciso final, na esfera administrativa, sobre a exigncia fiscal do crdito tributrio correspondente.

    A norma acima citada foi regulamentada pelo Decreto 2.730/98, o

  • 4

    qual j em seu primeiro artigo tratou das formalidades relativas representao

    fiscal a que o dispositivo faz aluso, nos seguintes termos:

    O Auditor Fiscal do Tesouro Nacional formalizar representao fiscal, para os fins do artigo 83 da Lei n. 9.430, de 27 de dezembro de 1996, em autos separados e protocolizada na mesma data da lavratura do auto de infrao de exigncia de crdito de tributos e contribuies administrados pela Secretaria da Receita Federal do Ministrio da Fazenda ou decorrentes de apreenso de bens sujeitos pena de perdimento, constatar fato que configure, em tese: I crime contra a ordem tributria, tipificado nos artigos 1 ou 2 da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990; II crime de contrabando ou descaminho.

    Em seu artigo 2, o Decreto estabelece que os autos da representao

    devem ser encaminhados para o Ministrio Pblico aps o encerramento do

    processo administrativo-fiscal. Condiciona, tambm, as situaes em que tal deve

    ocorrer:

    I mantida a imputao de multa agravada, o crdito de tributos e contribuies, inclusive acessrios, no for extinto pelo pagamento; II aplicada, administrativamente, a pena de perdimento de bens, estiver configurado, em tese, crime de contrabando ou descaminho. O 4. do art. 1. da proposta de emenda constitucional (PEC n. 175/95)3 sobre a reforma tributria em discusso no Congresso Nacional cuida do assunto. Nele ficou consignado que ningum ser processado por crime contra a ordem tributria antes de encerrado, na via administrativa, o processo respectivo.

    2. Os posicionamentos doutrinrios e jurisprudenciais

    Com a entrada em vigor da Lei 9.430/96 logo surgiram duas interpretaes

    acerca do alcance do j mencionado art. 83. Uma entendia que o dispositivo

    estabelecia uma relao de interdependncia entre as instncias (acatado pela

    maioria dos doutrinadores) e outra (predominante nos tribunais) rechaava por

    completo tal posicionamento, mantendo a convico de que a nova Lei no teve o

    condo de alterar a natureza da ao penal dos crimes previstos nos arts. 1 e 2 da

    Lei 8.137/90, cuja ao, ento, permanecia pblica incondicionada, de acordo com o

    estatudo no seu art. 15.

    3 A PEC 175 foi, em 13/8/2003, retirada do plenrio a pedido do presidente Lula, por meio da mensagem MSC 199/2003.

  • 5

    Ainda sobre o primeiro posicionamento, surgiram, inicialmente, duas

    interpretaes: (a) trata-se de condio objetiva de punibilidade (ANTNIO CARLOS DA GAMA BARANDIER. Condio objetiva de punibilidade e crimes contra o sistema

    tributrio, Boletim do Instituto Brasileiro de Cincias Criminais, n. 57, p. 13.); (b)

    representa condio de procedibilidade por faltar justa causa para a ao penal (ROSIER B. CUSTDIO e JANANA C. PASCHOAL. O trmino do procedimento

    administrativo como pressuposto da ao penal nos crimes tributrios. Boletim do

    Instituto Brasileiro de Cincias Criminais, n. 45, p. 10; ALBERTO Z. TORON e EDSON J.

    TORIHARA. Crimes tributrios e condio de procedibilidade. Boletim do Instituto

    Brasileiro de Cincias Criminais, n. 51, fev. 1997, p. 51; DAVID TEIXEIRA DE AZEVEDO.

    A representao penal e os crimes tributrios. RT 739, p. 486 e ss., ano 86, mai. 97.

    E ainda, Reflexo sobre o art. 83 da Lei 9.430/96. Boletim do Instituto Brasileiro de

    Cincias Criminais, n. 53, abr. 1997, p. 7; LUIZ FERNANDO G. PELLEGRINI. Crimes

    contra a ordem tributria. Tribuna do Direito, jun. 1997, p. 16).

    Em sentido contrrio, tem-se o entendimento dos seguintes autores: LUIZ

    FERNANDO RODRIGUES PINTO JNIOR. O artigo 83 da Lei 9.430/96 e sua extenso

    aplicativa. O esgotamento da esfera administrativa (Fazenda Pblica) como

    condio para a investigao do Ministrio Pblico e respectiva ao penal. Boletim

    do Instituto Brasileiro de Cincias Criminais, n. 53, abr. 1997, p. 3; LUIZ VICENTE

    CERNICCHIARO. Lei 9.430/96. Boletim do Instituto Brasileiro de Cincias Criminais, n.

    54, maio 1997, p. 5; ALFONSO PRESTI e ARTHUR MEDEIROS. A ao penal nos delitos

    contra a ordem tributria e o art. 83 da Lei 9.430/96. Boletim do Instituto Brasileiro de

    Cincias Criminais, n. 54, maio 1997, p. 4-5; ANDR DE CARVALHO RAMOS. A tentativa

    de subordinao do Poder Judicirio ao Executivo. Boletim do Instituto Brasileiro de

    Cincias Criminais, n. 55, jun. 1997, p. 2; EUGNIO PACELLI DE OLIVEIRA. Ainda a

    propsito da Lei 9.430/96. Boletim do Instituto Brasileiro de Cincias Criminais, n. 55,

    jun. 1997, p. 3; FRANCISCO BISSOLI FILHO e GUSTAVO WIGGERS. A

    inconstitucionalidade do encerramento do processo administrativo fiscal como

    condio de procedibilidade para o exerccio da ao penal, Boletim do Instituto

    Brasileiro de Cincias Criminais, n. 93, p. 13.

    Vrios dos autores que defendem a existncia de interdependncia entre

    as instncias sustentam estar-se diante de hiptese prevista pelo art. 93 do CPP

  • 6

    (questo prejudicial), o que levaria a que, alm da suspenso do processo, o curso

    da prescrio fosse suspenso, por fora do disposto no art. 116 do CP.

    Tambm o STF j chegou a admitir a tese da prejudicialidade: STF, HC

    71.755-1, relator Ministro PAULO BROSSARD, DJU 04.11.94.

    Na doutrina, posiciona-se pela necessidade de ser aplicado o art. 93 do

    CPP: EDUARDO REALE FERRARI. A prejudicialidade e os crimes tributrios. Boletim do

    Instituto Brasileiro de Cincias Criminais, n. 50, jan. 1997, p. 06; ALBERTO Z. TORON e

    EDSON J. TORIHARA. Crimes tributrios e condio de procedibilidade. Boletim do

    Instituto Brasileiro de Cincias Criminais, n. 51, fev. 1997, p. 8; SRGIO ROSENTHAL. A

    Lei 9.430/96 e os crimes tributrios. Boletim do Instituto Brasileiro de Cincias

    Criminais, n. 52, mar. 1997 p. 8; ANTONIO CLUDIO MARIZ DE OLIVEIRA. Reflexes

    sobre os crimes econmicos. Revista Brasileira de Cincias Criminais, n. 11, v. 3,

    jun-set. 1995, p. 100; KIYOSHI HARADA. Crimes tributrios. Notcias forenses, fev.

    1996, p. 45; NELSON BERNARDES DE SOUZA. Crimes contra a ordem tributria e

    processo administrativo. Revista Brasileira de Cincias Criminais, v. 5, n. 18, abr.-

    jun. 1997, p. 93-101; FBIO MACHADO DE ALMEIDA DELMANTO. O trmino do processo

    administrativo-fiscal como condio da ao penal nos crimes contra a ordem

    tributria. Revista Brasileira de Cincias Criminais, v. 6, n. 22. abr.-jun. 1998; HUGO

    DE BRITO MACHADO. Prvio esgotamento da via administrativa e ao penal nos

    crimes contra a ordem tributria. Revista Brasileira de Cincias Criminais, v. 4, n. 15,

    jul.-set., 1996. p. 231-239; ANDREI ZENKNER SCHMIDT. Excluso da punibilidade em

    crimes de sonegao fiscal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 173.

    O Plenrio do Supremo Tribunal Federal, manifestando-se sobre o pedido

    de concesso de liminar postulado na ADIn 1.571, a qual versava sobre a

    constitucionalidade do j mencionado art. 83, por maioria de votos, em 20.03.1997,

    relator Ministro NRI DA SILVEIRA, j havia proclamado que:

    (a) o art. 83 da Lei 9.430/96 no estipulou uma condio de procedibilidade da

    ao penal por delito tributrio;

    (b) tal dispositivo dirige-se a atos da administrao fazendria, prevendo o

    momento em que a notitia criminis acerca de delitos contra a ordem tributria

  • 7

    descritos nos arts. 1. e 2. da Lei 8.137/90 deve ser encaminhada ao

    Ministrio Pblico;

    (c) o Ministrio Pblico no se encontra impedido de agir antes da deciso final no

    procedimento administrativo (Informativo STF n. 64, 17-28 mar. 97, p. 1 e 4).

    Em 10.12.03 foi concludo o julgamento da ao acima mencionada,

    confirmando o j decidido liminarmente.

    No concernente tal discusso, tambm em 10 de dezembro de 2003 e

    antes da deciso da ADIn, o Supremo firmou o entendimento acerca do tema,

    decidindo, com acerto, que, no que tange os delitos previstos no art. 1 da Lei

    8.130/90, h necessidade de se aguardar a deciso administrativa, para somente

    ento poder ser intentada a ao penal (HC 81.611-DF, rel. Min. Seplveda

    Pertence). Mais recentemente, outras decises foram proferidas no mesmo sentido:

    HC 84.345-PR, Rel. Min. Joaquim Barbosa; HC 85.185-SP, Min. Rel. Cezar Peluso;

    MCHC 89.113-6, Min. Celso de Mello.

    As decises do STF partem da premissa de que os delitos previstos no

    dispositivo legal mencionado so materiais, assunto a ser abordado no prximo item.

    3. As quatro dimenses da questo: penal, tributria, processual e constitucional 3.1. Aspectos penais e tributrios a) da classificao quanto ao resultado: crime material

    Prev o caput do art. 1 da Lei 8.137/90: Constitui crime contra a ordem tributria suprimir ou reduzir tributo, ou contribuio social e qualquer acessrio, mediante as seguintes condutas:

    Uma das primeiras discusses que foram realizadas em torno do art. 1 da

    Lei 8.137/90 refere-se classificao quanto ao resultado, sendo que doutrina e

    jurisprudncia majoritrias inclinam-se no sentido de se tratar de crime material, j que a prpria descrio legal apresenta o resultado a ser alcanado pelo agente,

  • 8

    qual seja, supresso ou reduo de tributo, ou contribuio social e qualquer

    acessrio. Na doutrina, dentre tantos outros: RUI STOCO, Leis penais e sua

    interpretao jurisprudencial. 7 ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. v. 2. p.

    87; ARISTIDES JUNQUEIRA, GILBERTO ULHA CANTO, CELSO RIBEIRO DE BASTOS, HUGO

    DE BRITO MACHADO et al. Pesquisas tributrias: crimes contra a ordem tributria. So

    Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. Em sede pretoriana, ganhou destaque a deciso

    relatada pelo Ministro SEPLVEDA PERTENCE, cuja ementa se transcreve:

    Crime contra a ordem tributria (Lei n. 8.137/90, art. 1, I): infrao material ao contrrio do que sucedia no tipo similar da Lei n. 4.729/65 , consumao da qual essencial que, da omisso da informao devida ou da prestao da informao falsa, haja resultado efetiva supresso ou reduo do tributo: circunstncia elementar, entretanto, em cuja verificao, duvidosa no caso, no se detiveram as decises condenatrias: nulidade.4

    Destarte, sem se verificar o efetivo dano fiscal, no resulta perfectibilizado

    o crime.5 O resultado naturalstico exigido (supresso ou reduo patrimonial do

    errio pblico), portanto, parte integrante do tipo. Sem ele no h que se falar em

    delito fiscal consumado.

    No que concerne supresso, impe-se que o tributo seja devido. No

    segundo caso (reduo), alm de devido, h que se conhecer o valor pago e aquele

    que deveria ter sido recolhido pelo contribuinte, ou seja, o valor devido, sem o que

    no se pode concluir tenha havido recolhimento a menor, questes que, por

    expressa disposio legal, so de competncia da instncia administrativo-fiscal. o

    que determina o art. 142, caput, do CTN:

    Compete privativamente autoridade administrativa constituir o crdito tributrio pelo lanamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrncia do fato gerador da obrigao correspondente, determinar a matria tributvel, calcular o montante do

    4 STF, HC 75.945-2/DF, j. em 02.12.97, DJU de 13.2.98, p. 4. 5 MELO, JOS EDUARDO SOARES DE. Crimes contra a ordem tributria. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 195; MACHADO, HUGO DE BRITO. Prvio esgotamento da via administrativa e ao penal nos crimes contra a ordem tributria. Revista Brasileira de Cincias Criminais, v. 4, n. 15, jul.-set., 1996. p. 235; SOUZA, NELSON BERNARDES DE. Crimes contra a ordem tributria e processo administrativo. Revista Brasileira de Cincias Criminais, v. 5, n. 18, abr.-jun. 1997, p. 93; SALVADOR CNDIDO BRANDO apud DELMANTO, FBIO MACHADO DE ALMEIDA. O trmino do processo administrativo-fiscal como condio da ao penal nos crimes contra a ordem tributria. Revista Brasileira de Cincias Criminais, v. 6, n. 22. abr.-jun. 1998, p. 73; ALCIO ADO LOVATTO apud SCHMIDT, ANDREI ZENKNER. Excluso da punibilidade em crimes de sonegao fiscal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 64.

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    tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor aplicao da penalidade cabvel.

    Ainda sobre a classificao em relao ao resultado, traz-se a lio do

    Ministro EDSON VIDIGAL: importante no perder de vista essa distino entre crimes de mera conduta e crimes de dano por causa de suas repercusses intensas no sistema jurdico-penal. Ou seja, a supresso ou reduo de tributos, por exemplo, de que trata a Lei 8.137/90, somente se realiza com o proveito do agente, com a obteno do resultado. Ora, isso depende de aferio do setor fazendrio, na via administrativa. S na concluso do processo administrativo, assegurada a ampla defesa ao acusado, que se poder falar, em regra, em leso ordem tributria, mediante a supresso ou reduo de tributos.6

    Sendo os crimes fiscais do art. 1 da Lei 8.137/90 materiais, no se pode

    afastar a idia de que em algumas situaes h ntida e irrefutvel interdependncia

    entre a esfera administrativa e a penal. Nesse sentido, recorde-se o magistrio de

    RODRIGO SNCHEZ RIOS: entendido que as disposies presentes no art. 1 da Lei

    8.137 tipificam um crime de dano, no h como se admitir irrestritamente que o

    resultado da instncia administrativa no possa ter influncia na deciso do juzo

    criminal.7

    E em forma de concluso afirma ANDREI ZENKNER SCHMIDT: Com efeito, sabido que os crimes de sonegao fiscal, principalmente os materiais (art. 1 da Lei 8.137/90 e art. 337-A do CP), encontram seu momento consumativo no instante em que se verifica a supresso ou reduo do tributo, ou seja, no instante em que a exao era exigvel e no fora devidamente recolhida, desde que satisfeitas as exigncias da conduta vinculada no tipo penal.8

    A falta de demonstrao desses requisitos (tpicos), j na denncia,

    inviabiliza a anlise acerca, inclusive, da existncia de indcios de que o delito fiscal descrito no art. 1 da Lei 8.137/90 tenha sido praticado, ou seja, indcios de

    materialidade, que condio de recebimento da pea acusatria.

    No se trata, aqui, de negar a prerrogativa que dada ao rgo acusador

    6 Revista da FESMPDFT, Braslia, v. 7, n. 14, jul.-dez. 1999, p. 34. 7 O crime fiscal. Porto Alegre: Fabris Editor, 1998, p. 72. 8 SCHMIDT, 1998, p. 63 - grifou-se.

  • 10

    de provar o alegado na pea acusatria durante a instruo criminal, por todos os

    meios legalmente permitidos. O que se tem a certeza de ausncia de materialidade do delito, pois somente se pode dizer tenha o agente suprimido ou reduzido tributo, ou contribuio social e qualquer acessrio quando o dbito se

    torna devidamente reconhecido.

    Na esteira desse raciocnio, decidiu o Supremo, no habeas corpus antes

    referido (n. 81.611-DF), que a consumao dos crimes previstos no art. 1 da Lei

    8.137/90 ocorre somente com a constituio definitiva do lanamento.

    b) o tributo devido

    A questo que gira em torno da existncia, ou no, de um tributo devido,

    bem como do seu quantum debeatur, pertence ao direito tributrio, e para l que

    devem ser remetidas todas as discusses sobre o tema. Consoante lio de JOS

    ALVES PAULINO [...] no cabe jurisdio processual penal apurar, na ao

    penal, se o tributo devido ou no. Somente a autoridade administrativa que

    poder diz-lo, privativamente art. 142 do CTN.9

    A pretenso punitiva do Estado (leia-se: o ius puniendi em concreto) nasce

    de modo inequvoco quando no paira dvida sobre o tributo devido.

    Quando se discute no mbito administrativo se o tributo devido, ou no,

    tem inteira aplicao o entendimento do MINISTRO CARLOS VELLOSO, que diz: somente com a deciso final no procedimento administrativo que se tem como apurado o crdito fiscal; somente com a deciso final no procedimento administrativo que o crdito fiscal torna-se exigvel. que somente a que se tem realizado o lanamento (CTN, arts. 142 e ss). Ora, se ainda no se tem crdito fiscal apurado, em carter definitivo, no se sabe se o crdito na verdade existe, nem se tem, ainda, o seu exato quantum.10

    Antiga jurisprudncia trilhava o entendimento de que o crime tributrio

    dependia da constituio regular do crdito tributrio. Nesse sentido manifestou-se o

    9 Crimes contra a ordem tributria. Braslia: Braslia Jurdica, 1999, p. 120 grifou-se. 10 Voto vencido, ADIn 1.571-1-DF, Rel. Min. NRI DA SILVEIRA.

  • 11

    Tribunal Federal de Recursos: isto importa afirmar que o crdito tributrio ainda no

    est constitudo, ainda no foi declarado, ainda no existe e, assim, no exigvel.

    Enquanto no aperfeioado o lanamento, sequer se poder pretender ocorrido o

    fato gerador e nascida a obrigao tributria.11 Na verdade, o fundamental para o

    direito penal no a constituio do crdito tributrio, seno o reconhecimento

    inequvoco do dbito tributrio. O essencial sempre saber se o tributo devido (ou

    no).

    Na seara dos delitos fiscais os tipos penais contam necessariamente com

    requisitos normativos. o que ocorre com o dispositivo legal que se est analisando.

    Nele, o legislador fez uso de dados descritivos trazidos do direito tributrio. S no

    caput podemos exemplificar com tributo, contribuio social, qualquer acessrio.

    Isso nos conduz a concluir que o significado de tais vocbulos devem ser

    revelados a partir do direito tributrio.

    A jurisprudncia predominante, como sabemos, vem sublinhando a regra

    de que no necessrio o prvio exaurimento da via administrativa (nos crimes

    tributrios) para se instaurar a ao penal. Em outras palavras, a existncia de

    procedimento administrativo-fiscal no impede a instaurao da ao penal pelo

    Ministrio Pblico, at porque se cuida de ao penal pblica incondicionada

    (Smula 609 do STF).

    Esse majoritrio entendimento, entretanto, no leva em conta que muitas

    vezes o que se discute no mbito fiscal o prprio reconhecimento do tributo. Nesse

    caso, enquanto no proferida a deciso final da instncia administrativa, no se

    pode afirmar a presena de tipicidade.

    Como ento conciliar a processabilidade do contribuinte em face dos

    delitos previstos no art. 1 da Lei 8.170/90, isto , a instaurao da ao penal que

    hoje amplamente admitida pelo STF (ADIn 1.571), com a inexistncia de um dbito

    tributrio reconhecido?

    11 HC 2.652-CE, Rel. JARBAS NOBRE, 2 Turma, DJU 02.05.72 apud RT 700/456.

  • 12

    lio corrente que apenas aps a efetivao de todas as fases do

    procedimento fiscal (primeira instncia, segunda instncia e, eventualmente,

    instncia especial) que o contribuinte ter como devido o tributo ou indevido o

    tributo. Enquanto no so esgotadas todas essas fases, no se tem o tributo

    devido, que a materialidade do delito previsto no caput do art. 1. da Lei

    8.137/90.12 No mesmo sentido: EDUARDO REALE FERRARI. A prejudicialidade e os

    crimes tributrios. Boletim do Instituto Brasileiro de Cincias Criminais, n. 50, jan.

    1997, p. 6.

    No direito tributrio sabe-se que a obrigao (respectiva) nasce quando

    ocorre o fato gerador (CTN, art. 113). Surge o crdito tributrio quando a obrigao

    (no cumprida) se torna conhecida do Fisco (CTN, art. 139). Com o lanamento

    constitui-se o crdito tributrio (CTN, art. 142) e, a partir da, ele exigvel. Mas se

    houver recurso, resulta suspensa essa exigibilidade (CTN, art. 151, III). Somente a

    deciso final constitui o crdito definitivamente (CTN, art. 174). Em suma: enquanto

    a deciso administrativa encontra-se pendente de deciso final, no h crdito tributrio definitivo.13

    No se pode olvidar que, lavrado o auto de infrao, o contribuinte ser

    intimado a cumprir a exigncia tributria ou impugn-la, dando-se por encerrada a fase inicial do procedimento fiscal. Apresentada a impugnao pelo contribuinte,

    principia-se a fase da defesa no procedimento, seguida pela fase da instruo, na

    qual so realizadas as provas (percias, juntada de documentos, etc.). Aps o julgamento em primeira, segunda e em instncia especial, que o contribuinte ter como devido o tributo ou indevido o tributo.14 Como assevera

    IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, a suspenso da exigibilidade retira do Fisco toda e

    qualquer fora na exigncia tributria.15

    por isso que enquanto pendente recurso administrativo, no h que se

    12 PAULINO, 1999, p. 104 grifou-se. 13 Ibid., p. 104. 14 Ibid., p. 117 grifou-se. 15 O ilcito tributrio e o ilcito penal tributrio, Revista dos Tribunais, So Paulo, v. 83, n. 700, p. 451, fev. 94.

  • 13

    falar em fato tpico (isto , em crime fiscal).

    Importa ainda esclarecer que havendo recurso pendente no comea a

    correr o prazo prescricional da ao cvel e nem h exigncia imediata do prprio

    crdito.16

    Quando se discute no mbito tributrio se o tributo devido ou no,

    somente aps a concluso final do procedimento administrativo que se dissipa a

    dvida sobre esse ponto. Nesses casos concretos no se justifica, de modo algum, a

    existncia de processo penal.

    Ora, se a administrao fiscal nem sequer definiu se o tributo devido ou

    no, como poderiam, no juzo penal, ser elaboradas discusses acerca de eventual

    leso fiscal? Enquanto pendente de deciso administrativa a conduta do contribuinte

    no passa de possibilidade de que se constitua em um ilcito fiscal. Nada mais. Mera e vaga possibilidade. Por isso que no se justifica o processo penal.

    No se trata (propriamente) de independncia (ou interdependncia) de

    instncias. O que ocorre que, como j dito, inexiste a figura jurdica do tributo devido (elementar dos crimes previstos no art. 1 da Lei 8.137/90), situao que somente resultar modificada com a deciso final acerca da matria levada a

    discusso no procedimento administrativo.

    Como afirma BELISRIO DOS SANTOS JNIOR, a norma penal no campo

    tributrio dever considerar no apenas comportamentos e fatos, mas

    comportamentos e fatos regulados pelo direito tributrio.17 No mesmo sentido,

    MISABEL ABREU MACHADO DERZI, para quem, a compreenso do injusto penal depende da compreenso do injusto tributrio. A lei penal que descreve delitos de fundo tributrio, como a sonegao fiscal, no pode ser aplicada sem apoio no Direito Tributrio porque as espcies penais nela estabelecidas so complementadas pelas

    16 BELLO FILHO, NEY DE BARROS. Anotaes ao crime de no recolhimento de contribuies previdencirias, Revista dos Tribunais, ano 85, n. 732, out. 96, p. 484. 17 Prvio esgotamento da via administrativa e ao penal contra a ordem tributria. Boletim do Instituto Brasileiro de Cincias Criminais, n. 47, out. 1996, p. 5.

  • 14

    normas tributrias.18

    Serve como sntese de toda essa questo a perplexidade manifestada em

    deciso judicial, nestes termos: como algum pode ser denunciado por um dbito

    que no existe?.19

    Sendo assim, quando se discute no mbito administrativo a prpria

    existncia do tributo (sua constituio), o melhor caminho o trancamento de eventual ao penal instaurada ante tempus, at que o dbito tributrio seja reconhecido se vier a s-lo (hiptese de deciso desfavorvel ao contribuinte) ,

    convertendo-se em tributo devido, o qual, como j tido, constitui requisito dos tipos

    penais albergados no art. 1 da Lei 8.170/90.

    A impertinncia da ao penal nesses casos especficos parece

    incontestvel, j que o dbito tributrio no est reconhecido definitivamente. Logo, no se sabe se devido ou no. E mais do que isso, sublinhe-se, com

    segurana s se sabe que ainda no devido. Nesse sentido, a 2 Cmara de Coordenao e Reviso do Ministrio Pblico Federal:

    Sonegao fiscal. Art. 1, I, e art. 2, I, da Lei 8.137/90. Condio de procedibilidade. Processo administrativo. Tempo do lanamento do crdito tributrio. A Lei 8.137/90 no estipula condies especficas de procedibilidade para a propositura da ao penal, no entanto, sendo o delito descrito no art. 1 da Lei, delito de resultado, h que existir tributo devido. O tributo devido apurado pela Administrao Pblica, que, aps processo administrativo em que se discute a prpria existncia do crdito tributrio, poder manifestar-se acerca da subsistncia do tributo. Parecer pela ratificao do pedido de arquivamento.20

    A falta de reconhecimento do dbito nem ao menos leva presena de

    indcios de materialidade, j que a eventualidade de que o crdito seja constitudo no pode ser tomada como indcio da sua certeza, nem futura e menos ainda atual.

    inconcebvel possa o incerto servir de sustentculo da denncia.

    18 Crimes contra a ordem tributria. Normas penais em branco e legalidade rgida. Repertrio IOB de jurisprudncia. 1 quinzena de jul. 85, n. 13, p. 216. 19 TRF 1 Reg., ACr n. 96.01.07283-7-DF, Rel. Juiz CNDIDO RIBEIRO, vencido o Revisor, in DJU de 19.9.97, Seo 2 apud PAULINO, 1999, p. 128. 20 Apud PAULINO, 1999, p. 271.

  • 15

    Mesmo antes da edio da Lei 9.430/96, JOS EDUARDO SOARES

    proclamava que o simples fato do fisco haver dado incio ao processo no significa,

    de modo algum, que se esteja diante de um ilcito tributrio, de natureza criminal,

    com perfeita caracterizao de responsabilidade penal da pessoa do infrator

    (criminoso).21

    S se pode falar de indcio quando haja fundada suspeita da materialidade

    delitiva, a qual se pretende, no curso do processo penal, provar. Alis, visto sob o

    aspecto da acusao, serve o processo penal exatamente para buscar prova da

    materialidade e da autoria anteriormente descritas na exordial.

    Mas quando se discute, na esfera fiscal, se o tributo ou no devido,

    como se pode dizer que o processo servir para elaborao de prova se tudo que se

    fizer em relao conduta imputada est pendente de apreciao na instncia que a

    processa?

    O juzo penal deve ser tido como uma outra esfera decisria em que o

    cidado ainda poderia buscar comprovar inocncia, nunca um foro apropriado para,

    em bases precrias, pressupor e adiantar (eventual) culpa.

    SYLVIA STEINER, relatando o HC 96.03.058815-622, cujo julgamento se deu

    em 01.04.97, deu um desfechado muito adequado questo quando afirmou:

    Ora, nos crimes fiscais, o pressuposto de quaisquer dos tipos que os definem , exatamente, a existncia de um tributo devido. Sem a constatao de existncia de um tributo devido, no h como se falar em supresso, reduo, ou na omisso de seu pagamento ou recolhimento. O pressuposto diz com a materialidade delitiva, elemento essencial para configurao da justa causa para a ao penal.

    Ainda sob a gide da Lei 4.729/65, HELENO CLUDIO FRAGOSO entendia

    que o crime de sonegao fiscal consiste em fraudar o pagamento de tributos

    devidos, envolvendo necessariamente um ilcito fiscal. O ilcito penal constitui um

    21 Crimes contra a ordem tributria. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 195. 22 TRF 3 Regio, 2 Turma, deciso unnime - grifou-se.

  • 16

    plus em relao a este, mas no pode subsistir sem ele.23

    Os tipos penais institudos no art. 1 albergam, como j dito, conceitos

    normativos, cujas definies so encontradas fora do ramo do direito penal, so lhe

    anteriores e dele so pressupostos. Consoante PAULO JOS DA COSTA JNIOR e

    SELMO DENARI, se a norma penal tributria, para tipificar uma conduta, se utiliza de conceitos normativos hauridos do Direito Tributrio, esta disciplina que dever ser consultada para precisar o alcance da norma. Em suma, o Direito Tributrio que dever explicar e definir o que tributo, e contribuio social ou sujeito passivo de obrigao, com vistas tipificao do crime contra a ordem tributria.24

    Sempre se reitera que no existe, desde logo, ilcito tributrio, pois, ao

    menos at que o dbito seja reconhecido, a conduta do contribuinte deve ser reputada como totalmente lcita. E por uma conduta aprioristicamente lcita, no se pode conceber a abertura de um processo penal.

    3.2. Conseqncias de natureza processual

    Antes de se prosseguir na anlise dos aspectos materiais que o tema

    encerra, importa, para uma melhor compreenso da real dimenso do problema, que

    sejam apresentadas (ainda que no todas) as repercusses advindas da deciso a

    ser proferida na esfera administrativa, nos casos em que o processo penal j tenha

    iniciado.

    Havendo pronunciamento favorvel ao contribuinte, restaria sem objeto a

    ao penal, pois se no se vislumbra o mnimo (que o ilcito tributrio) no se pode

    chegar situao mais gravosa (consubstanciada pelo ilcito penal tributrio). No h dvida que ocorrendo tal hiptese o processo penal dever ser trancado, pois

    estaria o agente respondendo por uma ao que no pode ser subsumida em

    nenhum tipo penal (atpica, portanto). Tendo o processo penal se findado com

    decreto condenatrio sido proferido, no obstante o cabimento de ao revisional, as

    23 Jurisprudncia criminal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982, v. 1, p. 562 -grifou-se. 24 Infraes tributrias e delitos fiscais. So Paulo: Saraiva, 1995, p. 101.

  • 17

    conseqncias nefastas j se teriam operado (condenao), podendo, ainda, j ter

    se dado o incio da execuo, o que seria ainda mais grave.

    As seqelas, entretanto, no param por a. Veja-se que, salvo se o

    Ministrio Pblico aguardar que as provas sejam feitas na instncia administrativa

    para, ento, junt-las ao processo penal, haveria necessidade de que elas (percia,

    ouvida de testemunha, juntada de documentos etc.) fossem realizadas duplamente:

    uma na instncia administrativa e outra na penal, o que, por certo, estaria onerando

    desnecessariamente o Estado, os rus e aqueles que so chamados a contribuir

    com a Justia. Neste sentido: ROSIER B. CUSTDIO E JANANA C. PASCHOAL. O trmino

    do procedimento administrativo como pressuposto da ao penal nos crimes

    tributrios. Boletim do Instituto Brasileiro de Cincias Criminais, n. 45, p. 10.

    Mesmo que a prova tenha sido elaborada novamente no juzo penal, ou

    em tendo o rgo acusador se valido dos elementos probatrios constantes do

    processo administrativo-fiscal, sem que tenha ocorrido uma deciso final sobre a

    existncia ou no do dbito tributrio e/ou sobre o valor devido, no poder o

    magistrado prolatar a sentena, sob pena de quebrar a independncia entre os

    poderes, no caso, Executivo e Judicirio. Tal se d pelo fato de que, como j aludido

    e inconteste, para encontrar o tributo devido, o CTN e o procedimento fiscal ditam o

    rito a ser percorrido pela autoridade administrativa competente, ato privativo seu, o

    qual ato vinculado ou regrado constituio de crdito tributrio ou tributo

    devido25. De forma enftica, afirma IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, fazendo

    referncia ao art. 142 do CNT: a clareza do dispositivo espanca qualquer dvida,

    visto que apenas, to somente, exclusivamente e unicamente a autoridade

    administrativa, na modalidade de ofcio, pode constituir o crdito tributrio.26

    Em deciso datada de 26.12.03, o Ministro CEZAR PELUSO, analisando

    pedido de liminar em habeas corpus em que o paciente encontrava-se sendo

    processado criminalmente por suposta prtica de delito capitulado no art. 1, I, da Lei

    8.137/90, manifestou-se no sentido de que

    25 PAULINO, 1999, p. 115 grifou-se. 26 MARTINS, 1994, p. 449.

  • 18

    no havendo Auto de Infrao vlido e/ou definitivo, no se pode dar, em tese, por caracterizado o crime, nem sequer excogitar sua materialidade, pois o artigo 142 do CTN estatui ser competncia privativa da autoridade administrativa a constituio do crdito tributrio pelo lanamento.27

    Consoante EDMAR OLIVEIRA ANDRADE FILHO, a consumao dos crimes

    contra a ordem tributria s pode ser afirmada [quando se discute se o tributo

    devido ou no] depois de esgotadas todas as instncias administrativas de que

    dispe o sujeito passivo para discutir a exao.28

    A apurao do dbito tributrio, repete-se, ato privativo da autoridade

    administrativa fiscal competente. ato, portanto, privativo do Poder Executivo, no

    podendo ser substitudo pelo Judicirio, sob pena de se violar o princpio da

    separao dos poderes. A atividade judiciria quando chamada a intervir limita-se a

    proceder reviso do ato administrativo que apurou o dbito fiscal, j que o controle

    da legalidade dos atos da administrao de sua atribuio. Tal, entretanto, no

    significa que dada ao Poder Judicirio a condio de, em primeiro lugar,

    reconhecer o dbito fiscal ou mesmo constituir o crdito tributrio.

    A deciso judiciria no mbito penal haver de limitar-se a afirmar

    existirem prova da materialidade e da autoria do crime. No que se refere primeira,

    no poder concluir ter o crime ocorrido enquanto o dbito no for devidamente reconhecido em razo de recurso apresentado nos termos das leis que regulam o processo tributrio administrativo (art. 151, inciso II, do CTN).

    Decidiu o TRF da 2 Regio: CRIME TRIBUTRIO. LEI 8.137/90, ART. 1. LEI 9.430/96, ART. 83. O ncleo do tipo descrito no art. 1 da Lei 8.137/90 consiste na supresso ou reduo do tributo. Da consubstanciar-se em crime de dano, no se contentando a lei com a fraude pura e simples para caracterizar o crime ali previsto. No h justa causa para a propositura de ao penal quando para uma parte do dbito foi concedido parcelamento e a outra parte est sendo discutida na esfera administrativa, considerando que no se presta a ao penal para cobrana de crditos tributrios.29

    27 HC n. 81.321-6-SP. 28 Direito Penal Tributrio. So Paulo: Atlas, 1995. p. 96. 29 HC 11.064/5, Rel. Des. Fed. VALMIR PEANHA, j. 18.06.97, DJ 23.10.97 apud SNCHEZ RIOS, 1998, p. 77 - grifou-se.

  • 19

    O TRF da 4 Regio, por ocasio do julgamento do habeas corpus n

    2001.04.01.075360-0/RS, entendeu que:

    HABEAS CORPUS. DELITOS CONTRA A ORDEM TRIBUTRIA. LEI N 8.137/90. INDEPENDNCIA DAS ESFERAS CVEL E CRIMINAL. ART. 93 DO CPP. SUSPENSO DA AO PENAL E DA PRESCRIO. ART. 116 DO CP. 1. Em que pese o entendimento de que o Ministrio Pblico, para oferecer denncia por crime contra a ordem tributria, no precisa aguardar o trmino do procedimento administrativo, no se mostra razovel a condenao do agente por sonegao de tributos enquanto pendente deciso definitiva acerca da exigibilidade do crdito fiscal. 2. No caso dos autos, o ru foi denunciado por no recolher o Imposto sobre Produtos Industrializados. Contudo, h deciso judicial (ainda no transitada em julgado) na esfera cvel concluindo pelo direito do contribuinte compensao dos valores do IPI objeto da presente ao penal. 3. Nessa hiptese, revela-se adequada a suspenso do processo criminal, com apoio no art. 93 do CPP, bem como da prescrio, forte no artigo 116 do Estatuto Repressivo, at que sobrevenha deciso imutvel sobre a exigibilidade ou no do guerreado tributo.30

    Nos casos em que inexiste o reconhecimento definitivo do dbito

    tributrio, j se disse, seria uma temeridade propor a ao penal, pois tanto o crdito

    pode ser reconhecido, como existe a possibilidade de sua no ocorrncia. Falta,

    assim, a prova da materialidade do delito.

    Os Tribunais j tiveram a oportunidade de se manifestar inmeras vezes

    no sentido da ausncia de justa causa, cabendo destacar os seguintes julgados, ambos com votao unnime, sendo que, no primeiro, nem mesmo se admitiu

    pudesse o inqurito penal ter prosseguimento.

    Ora, esta 2 Cmara, no habeas corpus 269/96-01, j decidiu o seguinte: A instaurao de ao penal antes de constitudo definitivamente o crdito tributrio constitui constrangimento ilegal por ausncia de justa causa. A prudncia, o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana e at razes de economia processual recomendam que se aguarde, nos delitos fiscais, o exaurimento da instncia administrativa para, s ento, desencadear-se o procedimento penal'. Argumentou-se, naquela oportunidade, que, embora o C. Superior Tribunal de Justia tenha entendido, no Recurso de Habeas corpus 4.118-8-SP, relatado pelo Eminente Min. PEDRO ACIOLI, que, ocorrendo em tese o delito de sonegao fiscal, no indispensvel o prvio exaurimento da via administrativa, para o prosseguimento da persecutio criminis, aquela Corte reconheceu, no mesmo acrdo, que a instncia penal e a administrativa se intercomunicam. [...] Isto posto, pelo meu voto, considerando que no existe, por ora, justa causa

    30 Rel. Des. Fed. LCIO PINHEIRO DE CASTRO, DJU 07.03.02, Seo 2, p. 594, j. 25.02.02.

  • 20

    para o prosseguimento do inqurito, concedo a ordem para tranc-lo.31 HABEAS CORPUS - TRANCAMENTO DE AO PENAL - FALTA DE JUSTA CAUSA - AO PENAL POR CRIME FISCAL INSTAURADA NA PENDNCIA DE RECURSO NA ESFERA ADMINISTRATIVA - INEXISTNCIA DA CERTEZA DO ILCITO TRIBUTRIO - QUESTO PREJUDICIAL ABSOLUTA - ORDEM CONCEDIDA. 1. A certeza da existncia de tributo devido e no pago pressuposto para a instaurao da ao penal, pois diz com a prova da materialidade delitiva, que condio da ao penal. 2. O art. 83 da Lei n 9.430/96 no criou hiptese de condio de procedibilidade, destinando-se apenas a derrogar normas contidas no Decreto n 982/93, que previam a representao da autoridade fiscal ao Ministrio Pblico to logo lavrada a notificao fiscal de lanamento de dbito. 3. Compete privativamente autoridade fiscal dizer da existncia de tributo devido (art. 142 do CTN). Antes de apurada a existncia de ilcito tributrio, no se pode falar em ilcito penal. Precedentes. 4. Ordem concedida, para trancar-se a ao penal por falta de justa causa.32

    No voto acima transcrito foram trazidos os seguintes precedentes: TRF

    da 3 Regio, 2 Turma, HC 96.03.060711-8, rel. Juza SYLVIA STEINER, j. 17.9.96,

    DJU 9.10.96, p. 76292; TRF da 1 Regio, 4 Turma, rel. Juza ELIANA CALMON, j.

    20.03.95, DJU 17.4.95, p. 21581; TRF da 5 Regio, 1 Turma, in Revista de Direito

    Tributrio do TRF da 5 Regio, 1, 1995, p. 171.

    No mesmo sentido tem-se: TRF da 3 Regio, 2 Turma, HC

    97.03.001571-9, rel. Juza SYLVIA STEINER, j. 6.5.97, v.u., DJU 21.5.97; HC

    96.03.019171-0, j. 25.03.97, v.u., DJU 15.4.97; HC 96.03.021354-3, j. 11.3.97, v.u.,

    DJU 25.3.97; HC 96.03.021515-5, j. 25.3.97, v.u., DJU 15.4.97.

    De conformidade com o decidido no j tantas vezes mencionado remdio

    herico de n. 81.611, o Ministrio Pblico deve aguardar o julgamento do recurso

    que impugnou o lanamento do tributo para, s ento, e dependendo do seu

    resultado, propor a ao penal que verse sobre uma das condutas descritas no art.

    1 da Lei 7.613/90.

    Tal deciso teria fora para encerrar o tema, no fosse uma importante

    31 2 Cmara do Tribunal de Alada Criminal de So Paulo, HC 283.226/4, j. 23.11.95, v.u., Rel. Juiz RICARDO LEWANDOWSKI, RT 728/551-2, Ano 85, jun. 96 - grifou-se. 32 TRF 3 Regio, 2 Turma, HC 96.03.058815-6, j. 01.04.97, Rel. SYLVIA STEINER - grifou-se.

  • 21

    discusso que se pode fazer a partir de uma das fundamentaes trazidas para

    embasar o julgamento: a de que a deciso definitiva do processo administrativo

    consubstancia uma condio objetiva de punibilidade, assunto que ser desenvolvido a seguir.

    a) O prvio exaurimento da via administrativa representa uma condio objetiva de punibilidade?

    O tema que envolve a importncia do exaurimento da via administrativa

    em sede de crimes tributrios, em verdade, objeto de quatro principais posicionamentos:

    (a) nenhuma importncia possui, j que o Ministrio Pblico tem total liberdade para

    propor a ao penal, mesmo que o processo administrativo no tivesse chegado a

    termo;

    (b) trata-se de uma questo prejudicial, aplicando-se, subsidiaria e analogicamente o

    art. 93 do CPP;

    (c) tem-se uma condio objetiva de punibilidade (tese adotada no remdio herico

    antes mencionado);

    (d) repercute diretamente na materialidade do fato.

    Concernentemente primeira das posies mencionadas, tudo o que se

    mencionou nos itens anteriores j se encarregou de demonstrar a sua total

    improcedncia, de forma que se passa, in continenti, anlise das demais.

    b) A remessa para o art. 93 do CPP (questo prejudicial)

    Quando se trata de fato atpico, indiscutivelmente atpico, h que ser

    afastada a hiptese contemplada no art. 93 do CPP, por no se tratar de questo

    prejudicial mas, sim, de conduta reconhecidamente atpica, que conduz liminar rejeio da pea acusatria. O mbito de incidncia do art. 93 do CPP, destarte, diz

  • 22

    respeito a situaes em que a atipicidade no seja patente, inequvoca e indubitvel.

    Dispe o dispositivo legal mencionado:

    Art. 93. Se o reconhecimento da existncia da infrao penal depender de deciso sobre questo diversa da prevista no artigo anterior, da competncia do juzo cvel, e se neste houver sido proposta ao para resolv-la, o juiz criminal poder, desde que essa questo seja de difcil soluo e no verse sobre direito cuja prova a lei civil limite, suspender o curso do processo, aps a inquirio das testemunhas e realizao das outras provas de natureza urgente.

    O diploma legal em questo vale para o exemplo clssico da suspenso

    da ao penal em que se apura a prtica do crime de bigamia enquanto se discute a

    validade de um dos casamentos. Nesse caso, ocorre de, em princpio e

    formalmente, as certides de casamento que instruram o processo serem tidas por

    legalmente vlidas, tudo levando a crer que inexiste qualquer vcio em relao aos

    matrimnios contrados pelo agente. Caso a defesa comprove, por exemplo, que h

    uma ao em curso na qual se pretende a anulao de um daqueles atos, deve o

    magistrado suspender o processo enquanto aguarda o seu deslinde. A denncia,

    entretanto, quando proposta e quando recebida, encontrava-se alicerada em

    indcios suficientes de autoria e de materialidade, sendo vlida, portanto.

    V-se, ainda, que o prprio Cdigo Penal, expressamente, determina que

    a ao penal por bigamia no pode ser intentada seno depois de transitar em

    julgado a sentena que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento.

    (art. 236, pargrafo nico)

    No , em princpio, o que ocorre em relao aos crimes tributrios

    quando pendente o recurso administrativo, Falta, nestes casos, o reconhecimento de

    um dos elementos constitutivos do injusto penal, qual seja, dbito fiscal devidamente

    constitudo, vlido e exigvel (tributo devido, portanto).

    Considerando-se que o dbito ainda no foi reconhecido definitivamente

    pelo Fisco, no h que se falar em conduta tpica por falta de materialidade da

    infrao penal. Isso conduz ao reconhecimento da falta de justa causa para ao

    penal. Nessa situao jamais deveria haver denncia. Em havendo, jamais deveria

    ser recebida. Se recebida deve ser trancada a ao penal.

  • 23

    c) Inexistncia de elementos tpicos e condio objetiva de punibilidade

    oportuno que se relembre a devida distino entre conduta atpica e ausncia de condio objetiva de punibilidade, j que bastante comum deparar-se com uma certa confuso acerca do real alcance de cada uma delas.

    A condio objetiva de punibilidade relaciona-se com uma condio

    exigida pelo legislador para que o fato se torne punvel e que est fora do injusto

    penal (logo, fora do dolo do agente). Chama-se condio objetiva justamente porque

    independe do dolo ou da culpa do agente. Exemplo: no art. 7, 2, b do CP est

    previsto que a lei penal brasileira aplica-se para fato ocorrido no exterior se descrito

    como crime no pas em que aconteceu. Estar o fato descrito como crime no pas que

    foi palco do cometimento condio objetiva de punibilidade. Se ausente, o fato

    deixa de ser punvel (no Brasil).

    A condio objetiva de punibilidade no altera a configurao tpica: o

    ilcito penal continua existindo, porm, em razo da existncia de uma tal causa,

    passa a no ser passvel de punio. No afeta, portanto, nem o desvalor da ao,

    nem o do resultado.

    Ela exterior conduta e ao resultado e fundamenta-se em razes

    poltico-criminais (necessidade, oportunidade ou convenincia da cominao penal).

    Consoante HELENO CLUDIO FRAGOSO, a causa objetiva de punibilidade

    somente pode ser um acontecimento futuro ou concomitante e incerto, pois de outra

    forma no teria sentido a sua disciplina jurdica. As condies anteriores ao ou

    omisso devem ser consideradas pressupostos do crime.33

    No rara a assertiva de que a sentena declaratria da falncia, por

    exemplo, representa uma condio objetiva de punibilidade em relao aos crimes

    falimentares. Tal equvoco possivelmente decorre da (m) interpretao dada ao art.

    507 do CPP, o qual exige, para o incio da ao penal, tenha a falncia sido

    33 Lies de Direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 217.

  • 24

    declarada.

    Faz-se necessrio que se verifique o delito falimentar em questo, pois h

    aqueles para cuja consecuo a declarao de falncia prescindvel (crimes pr-

    falimentares) e outros nos quais tal declarao constitui-se pressuposto (so os

    crimes ps-falimentares).

    A declarao de falncia no representa uma condio objetiva de

    punibilidade, pois a existncia da situao falimentar constitui uma elementar dos

    delitos previstos no Decreto-lei 7.661/45 (Lei de falncia). Bem esclarece ANDREI

    ZENKNER SCHMIDT: como antes da declarao da falncia somente existe a condio

    de insolvente, os crimes falimentares s podero ocorrer quando uma sentena

    judicial preencha a elementar requerida pelo tipo.34 Que fique bem entendido:

    enquanto a insolvncia do credor constitui um estado econmico, a declarao

    judicial da quebra faz nascer um estado de direito. Somente com ela (declarao

    judicial da falncia) que surge o estado de falncia. O estado de falncia ,

    evidentemente, anterior a sua declarao, porm sem ela tal estado no se constitui

    em um fato jurdico. Tambm vale destacar que somente o juzo da falncia que

    poder declarar a insolvncia, no se podendo fazer substituir pelo juzo penal.

    Novamente oportuno observar que a existncia de sentena declaratria

    de falncia constitui uma elementar do crime, como tambm o a existncia de uma

    substncia considerada pela Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria - ANVISA

    como entorpecente, em relao aos crimes previstos na Lei de Txico.

    Ningum contesta que a determinao das substncias consideradas

    entorpecente da competncia da ANVISA, sendo que, na ocorrncia de dvida

    acerca de determinada substncia, no ser o magistrado quem decidir se ela

    entorpecente, ou no, e sim a prpria Agncia, e tal declarao, inclusive, somente

    vincular as condutas praticadas posteriormente. certo que a substncia no

    passou a deter a natureza de entorpecente porque declarada pela Agncia (tal

    caracterstica j lhe era anterior), mas com a declarao jurdica que surgir uma

    34 SCHMIDT, 2003, p. 57.

  • 25

    srie de proibies em relao a ela.

    Retomando o tema que pertine ao assunto tratado no presente artigo,

    convm assinalar que, tal qual ocorre em relao ao declaratria de falncia e

    indicao pela ANVISA das substncias consideradas entorpecentes, tambm a

    declarao de existncia de tributo devido, o qual possa ter sido suprimido ou reduzido, nos termos previstos no art. 1 da Lei 8.137/90, depende de consideraes

    a serem expendidas em sede que no a criminal. Isso no afasta a possibilidade de

    ser revista, na seara judicial, a deciso acerca de qualquer das situaes antes

    referidas. O que ocorre que a primeira palavra, no caso referente a tributos, da

    administrao; a ltima, esta sim, pertence ao judicirio, que, caso seja instado, se

    pronunciar.

    De tudo que foi dito, verifica-se que enquanto no ocorrer o julgamento na

    via administrativa acerca da existncia do dbito tributrio exigvel ausente se

    encontra uma das condies da ao, qual seja, a justa causa, uma vez que a existncia material do delito encontra-se atrelada deciso administrativa. Essa

    viabilidade no pode ser presumida nem postergada para o momento da sentena,

    havendo, assim, falta de justa causa (ou do fumus boni juris) para a ao penal.35

    No se pode admitir uma denncia por expectativa. Os indcios de autoria

    e de materialidade ho que se fazer presentes no momento da propositura da ao

    penal, sob conseqncia de rejeio da pea acusatria.

    por tal motivo que, no obstante o acerto no julgamento do j

    mencionado HC 81.611, data mxima vnia, ousa-se discordar do fundamento que o

    embasou, j que, sem a deciso final do processo administrativo falta um dos

    elementos tpicos do delito, qual seja tributo devido e exigvel.

    Considerando-se, como j se afirmou, que o reconhecimento da licitude de

    determinado comportamento por um dos ramos do direito, no pode ser negado por

    outro, sob pena de se quebrar a to necessria e imprescindvel harmonia do

    35 DELMANTO, 1998, p. 74.

  • 26

    ordenamento jurdico, enquanto o contribuinte estiver, legalmente, exercendo seu

    direito de impugnar o lanamento, deve ser afastada a possibilidade de oferecimento

    de denncia que verse sobre as condutas previstas no art. 1 da Lei 8.137/90.

    Convm esclarecer que um tal entendimento em nada contraria o decidido

    na ADIn 1.571, pois permanece o Ministrio Pblico com plena autonomia para

    propor a ao penal, desde que (a) a discusso que esteja sendo elaborada na instncia administrativa no recaia sobre a constituio do dbito ou sobre seu montante; (b) a pea acusatria venha lastreada em indcios suficientes de autoria e materialidade.

    3.3. Consideraes de ordem constitucional

    O Ministro NELSON JOBIM, ao votar no julgamento do j mencionado HC

    77.002-RJ, chama a ateno para o fato de que o contribuinte, por fora

    constitucional, e por fora de lei infraconstitucional, tem direito a um contraditrio no

    processo administrativo tanto que consta dos autos a intimao para recolher

    ou impugnar (fls. 1008).

    no artigo 5 inciso LV da Constituio Federal que se encontra

    insculpido o direito do contribuinte ao processo administrativo fiscal com o

    contraditrio e a ampla defesa:

    LV aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral so assegurados o contraditrio e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

    O direito de impugnao, por sua vez, est previsto no Decreto 70.235/72,

    alterado pela Lei 8.748/93 (Processo Administrativo Fiscal).

    Sendo, como dito, um direito, seu exerccio no pode gerar qualquer

    prejuzo ao contribuinte. por isso que admitir-se a denncia criminal antes da

    deciso definitiva da autoridade da Administrao, forma clara de negao da

  • 27

    supremacia constitucional.36 Ou como dizem ROSIER B. CUSTDIO e JANANA C.

    PASCHOAL: se o Estado outorga ao contribuinte meios legais prprios para questionar a legalidade ou legitimidade do lanamento ou da autuao fiscal e at mesmo para contestar a constitucionalidade do tributo, no parece razovel que simultaneamente use a sano penal como meio de coagi-lo ao pagamento do que se lhe afigura indevido.37

    Ademais disso, importa tambm trazer discusso o disposto no art. 34

    da Lei 9.249/95, cujo teor o seguinte:

    Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei n 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei n 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuio social, inclusive acessrios, antes do recebimento da denncia.

    A perspectiva de punio penal, na prtica, revoga o artigo citado, pois

    retira (por ameaa) ao contribuinte o direito de levar suas razes discusso, s se

    vendo como devedor se encontr-las derrotadas, o que nem sempre ocorre,

    conforme se exemplificou com a referncia ao HC 77.002-RJ.

    Consoante FBIO DE ALMEIDA MACHADO DELMANTO, tal dispositivo no retirou o direito de o contribuinte de contestar o auto de infrao. Se o contribuinte preferir pagar, sem contestar, a punibilidade est extinta; mas, se quiser contestar, a ao penal no poder ter incio, sob pena de violao de nossa Lei Maior. O exerccio de um direito constitucional (o da impugnao administrativa) no pode acarretar conseqncias to danosas como a instaurao de ao penal.38

    Como assevera HUGO DE BRITO MACHADO, suprimir o direito ampla

    defesa, no concernente prpria sano penal, porque neste se inclui,

    induvidosamente, o direito de demonstrar a inexistncia da relao de tributao,

    perante a Administrao Tributria, sem ser coagido pela ameaa de sano

    penal.39 Prossegue o autor citando deciso proferida pelo Tribunal Regional Federal

    da 5 Regio:

    36 MACHADO, 1996, p. 237. 37 O trmino do procedimento administrativo como pressuposto da ao penal nos crimes tributrios. Boletim do Instituto Brasileiro de Cincias Criminais, n. 45, p.10. 38 DELMANTO, 1998, p. 70. 39 MACHADO, 1996, p. 238.

  • 28

    Para a efetividade das garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditrio e da ampla defesa, impe-se que o incio da ao penal, nos crimes contra a ordem tributria, seja condicionado regular apurao, pelas autoridades administrativas competentes, da ocorrncia do ilcito tributrio. Admitir o incio da ao penal antes da manifestao definitiva da autoridade administrativa sobre a ocorrncia da supresso, ou reduo do tributo, resultado que integra o tipo definitivo no art. 1, da Lei 8.170/90, implica maus tratos garantia constitucional da ampla defesa no processo administrativo.40

    J dizia FRANCIS DAVIS, nos idos de 1973, que: [...] pouco adiantar o direito de Recurso ao contribuinte, ou estar desobrigado de garantir a instncia, se ficar sujeito, por outro lado, antes do julgamento de seu apelo, aos nus, limitaes, percalos e humilhaes de uma ao penal por sonegao fiscal. Essa eventualidade de processo penal, conjugada com a possibilidade de extino de punibilidade, exclusivamente pelo pagamento imediato (ensejada pelo art. 5, do Decreto-Lei 1.060, de 21.10.1969), significar, em ltima anlise, uma cobrana fiscal atravs de sanes, vedadas como meio de arrecadao pela Constituio Federal (art. 153, 4) e pela jurisprudncia (Smula 70 [ inadmissvel a interdio de estabelecimento como meio coercitivo para cobrana de tributo], 323 [ inadmissvel a apreenso de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos] e 547 [No e lcito a autoridade proibir que o contribuinte em debito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfndegas e exera suas atividades profissionais], do Supremo Tribunal Federal). Obviamente, no poucos, com o sacrifcio de legtimo inconformismo ante a imputao fiscal, para no serem processados criminalmente, optaro pelo recolhimento de impostos que reputam indevidos ou em demasia.41

    Como manifestou o Ministro CARLOS VELLOSO (na ADIn 1.571), depois de

    constitudo referido crdito definitivamente, o devedor tem todo direito de pag-lo

    com a pretenso de extinguir a punibilidade, caso algum delito tenha sido

    vislumbrado.

    Tambm expressou sua preocupao com o assunto o Ministro MARCO

    AURLIO, na mesma Ao antes referida. No entendimento do Ministro, a norma

    prevista no art. 83 da Lei 9.430/96, viabiliza o exerccio amplo do direito de defesa na fase administrativa, evitando-se aodamentos por parte do fisco e at mesmo, na hiptese de sonegao fiscal, pendente recurso administrativo com efeito suspensivo, e no se tendo, portanto, a exigibilidade do valor apontado, venha-se a caminhar, mesmo assim, de forma paradoxal, para a notcia do que seria o crime de sonegao. Isso s levaria o Ministrio Pblico a uma atuao que, sob os meus olhos, pelo menos, exsurgiria como pouco cautelosa, como se o Ministrio Pblico estivesse sem matrias para tratar, sem processos para

    40 TRF 5 R., 1 Turma, Rel. HUGO DE BRITO MACHADO, HC 591-CE. j. 28.03.96. 41 TACRIM-SP, HC 37.638-SP, RTJ 65/64.

  • 29

    acompanhar, sem aes para propor, visando persecuo criminal. O quadro autorizaria a concluso sobre a inexistncia de justa causa. Inexigvel, embora momentaneamente, o tributo, a sonegao fica em suspenso e, a, tem-se o prejuzo do prprio tipo penal, deixando de haver base para a atuao do Estado acusador, ou seja, do Ministrio Pblico.

    Aguardando-se o exaurimento da via administrativa ficam satisfeitos os

    interesses do contribuinte (a quem se assegura a possibilidade de petio e de

    defesa inclusive na esfera administrativa CF, art. 5., inc. XXXIV, a) assim como

    os do Estado (que objetiva sempre antes de tudo arrecadar o imposto apurado e que

    no foi pago, extinguindo-se a punibilidade).

    Recorrentemente, v-se que vrios autores, quase que em forma de

    apelo, tm chamado a ateno para o fato de que o aguardar a deciso final da

    instncia administrativa conduz, quase que inevitavelmente, ao evento da

    prescrio, e, por via de conseqncia, sempre to censurada impunidade. o

    que se pode encontrar, a guisa de exemplo, no seguinte trecho:

    Conhecidos os efeitos nefastos da prescrio retroativa (art. 110, 2 do CP), a concluso bvia que tal disposio gerar a impunidade em muitos casos, pelo reconhecimento dessa causa de extino da punibilidade, pois como se sabe, o procedimento administrativo demorado e agora se encontra incentivo para que todos os sonegadores faam uso dele, para retardar a remessa da representao fiscal ao Ministrio Pblico.42

    DAVID TEIXEIRA DE AZEVEDO elenca, dentre outros problemas, o fato de que

    a Lei 9.430/96 no dispe sobre causas suspensivas ou interruptivas da prescrio,

    a propiciar eventual impunidade pelo decurso de prazo, dado que, sabidamente, nas

    instncias administrativas, prolongam-se nos anos o julgamento pelos rgos

    competentes.43

    Tal circunstncia, entretanto, no pode ser tomada em considerao para

    o fim de fundamentar ou mesmo de influenciar quaisquer das solues que se

    busque sobre o tema. Pode e deve , sim, levar a que se almeje uma resoluo

    por meio de alterao legislativa. Nada mais.

    42 PRESTI, AFONSO; MEDEIROS, ARTHUR. A ao penal nos delitos contra a ordem tributria e o art. 83 da Lei 9.430/96. Boletim do Instituto Brasileiro de Cincias Criminais, n. 54, maio. 1997, p. 4-5. 43 A representao penal e os crimes tributrios. RT 739, p. 486 e ss., ano 86, maio 1997, p. 7.

  • 30

    Alis, em sede de extino da punibilidade, tal preocupao esteve

    presente quando o legislador estabeleceu, no artigo 9, 1 da Lei 10.684/03 (Novo

    Refis) que: 1 A prescrio criminal no corre durante o perodo de suspenso da pretenso punitiva.

    Tal preocupao vem estampada no j mencionado voto proferido pelo

    Ministro CEZAR PELUSO quando afirma: O artigo 5, inciso LV, da Constituio Federal, garante, ademais, a todo e qualquer contribuinte o direito de impugnar o auto de infrao, e o artigo 34 da Lei n. 9.249/95 d-lhe a prerrogativa de pagar o tributo e os acessrios, obviamente os que sejam devidos, antes da denncia, para ver extinta a punibilidade dos crimes descritos nos artigos 1 e 2 da Lei n. 8.137/90.44

    Convm que se esclarea que o preceito contido no art. 34 da Lei

    9.249/95 tem sua razo de existir vinculada a uma questo de poltica criminal.

    Busca-se a satisfao do dbito tributrio, ainda que para tal tenha, o Estado, que

    lanar mo de punir aquele que praticou a infrao penal. Como diz JOS ALVES

    PAULINO, [...] a opo mais recente foi a da extino da punibilidade, pondo em evidncia que o interesse pblico est na satisfao da dvida. Apenas tipificou o crime para intimidar o contribuinte, impondo-lhe uma pena caso sonegasse. A sano penal invocada pela norma tributria para fortalecer a idia de cumprir a obrigao fiscal, to-somente. A par disso, conclui-se que o interesse do Estado est em que se efetue o pagamento do dbito. A inteno do agente de sonegar imposto pouco importa. Satisfazendo ele o interesse do Estado, que a quitao do tributo, a sua conduta perde o valor.45

    Tambm no se deve olvidar tenha o princpio da presuno de inocncia

    sido ofendido no processo que se analisa. De conformidade com EDSON VIDIGAL o

    dbito tributrio vincula-se estreitamente tipicidade penal. Questiona o Ministro: Como processar algum, criminalmente, por sonegao fiscal, quando no se tem, ainda, evidente o que foi sonegado? A discusso na via administrativa resulta como nico recurso diante do direito constitucional do contribuinte presuno da inocncia. A prudncia do legislador mais recente (Lei n. 9.430/96, Art. 83) estanca a iniciativa do Ministrio Pblico, titular da ao penal, at que se conclua o processo

    44 HC 81.321-6-SP. 45 PAULINO, 1999, p. 128-129.

  • 31

    administrativo.46

    O Ministro CARLOS VELLOSO (ADIn 1.571) manifesta-se no sentido da no

    possibilidade de o Ministrio Pblico oferecer a denncia quando o contribuinte

    esteja discutindo o dbito junto ao Fisco, sob pena de, caso outro seja o

    entendimento, no poder exercer o seu direito de efetuar o pagamento at antes do

    oferecimento da denncia.

    Como j referido, uma das drsticas conseqncias da denncia

    prematura ou precipitada ou ante tempus consiste na pretenso de se impedir que o

    pagamento do tributo devido, aps o encerramento do processo administrativo e

    dentro do prazo legal, venha a extinguir a punibilidade (porque nesta altura a

    denncia j fora recebida).

    Se se considera que sem que o crdito tributrio seja definitivamente

    reconhecido no se pode fazer o pagamento, especialmente porque nem mesmo se

    tem conhecimento do quantum debeatur, no h dvida de que desde a perspectiva

    de uma interpretao teleolgica esse pagamento a posteriori, derivado da

    impossibilidade jurdica de ser efetuado antes do encerramento do processo

    administrativo, deve conduzir tambm extino da punibilidade, comprovando-se

    que o tributo, antes da denncia, no se encontrava devidamente reconhecido, em

    razo de recurso administrativo.

    Nesse sentido, alis, o Superior Tribunal de Justia j teve a oportunidade

    de se posicionar, afirmando que, excepcionalmente, o pagamento aps o

    recebimento da denncia, sendo o quantum conhecido em poca posterior, pode

    gerar a extino da punibilidade, sendo o ru intimado para o recolhimento

    respectivo (STJ, RHC n 7155/SP). este o entendimento de JOS ALVES PAULINO,

    quando afirma: sendo a deciso definitiva desfavorvel ao contribuinte, o mesmo

    ter um prazo para pagamento amigvel.47

    46 Revista da FESMPDFT, Braslia, v. 7, n. 14, jul.-dez. 1999, p. 38 - grifou-se. 47 PAULINO, 1999, p. 104; ver ainda p. 113 e ss., em que so mencionados vrios acrdos nesse sentido.

  • 32

    O direito um sistema. Logo, na esteira da teoria da tipicidade

    conglobante de EUGNIO RAL ZAFFARONI, no pode estar proibido por uma norma o

    que vem permitido em outra. Sendo assim, o pagamento do tributo devido, depois de

    encerrado o processo administrativo-fiscal (a posteriori, portanto) e dentro do prazo

    legal, deve tambm extinguir a punibilidade nos termos do art. 34 da Lei 9.249/95,

    aplicado analogicamente. De se considerar que o recebimento da denncia como

    limite mximo do pagamento extintivo no tem nenhuma razo cientfico-processual

    como suporte. Nada mais que um momento fixado pelo legislador para arrecadar o

    mais pronto possvel o tributo. preceito vlido, assim, para a generalidade dos

    casos. Porm, quando esse tributo foi submetido a discusso e tornou-se inexigvel

    (CTN, art. 151), nada mais correto que criar uma exceo, para contemplar

    analogicamente o pagamento a posteriori nas condies e limites acima referidos.

    Trata-se de um imperativo de razoabilidade.

    Concluses finais

    (a) As condutas contidas nos incisos do art. 1 da Lei 8.137/90 somente se

    consumam com a ocorrncia da supresso ou da reduo do tributo, da contribuio

    social ou de qualquer de seus acessrios (crime material). Assim sendo, para a

    perfectibilizao do delito, h que se aguardar que o contribuinte, a partir do

    momento em que o dbito reconhecido como devido, recuse-se a honr-lo ou o

    faa em valor inferior;

    (b) No se trata de condicionar a ao representao fiscal de que fala o art.

    83 da Lei 9.430/96, pois tendo o Ministrio Pblico indcios de materialidade e de

    autoria, poder, perfeitamente, intentar a ao penal. o que ocorre no caso de

    processo administrativo em que se discute a falsificao material de documento, j

    existindo laudo pericial comprobatrio da ocorrncia do falso (nota fiscal espelhada,

    por exemplo). Ademais disso, ainda que ausente a representao fiscal, nada

    impede possa, mesmo com base no processo administrativo findo, ser elaborada,

    pelo Ministrio Pblico, a denncia contra o contribuinte.

    (c) Inexiste indcio de ilicitude no mbito penal enquanto a ao imputada

    permanecer sendo havida como lcita na seara administrativa;

  • 33

    (d) a autoridade administrativa quem tem o poder de exarar deciso acerca de

    ser, ou no, o tributo devido, muito embora a sua deciso possa ser revista em sede

    do poder judicirio. O que no se autoriza, entretanto, , antes da deliberao final

    da autoridade competente, venha a faz-lo o judicirio, sob pena de (grave) ofensa

    ao princpio da separao de poderes;

    (e) Enquanto tramita o processo (ou recurso) administrativo, o dbito tributrio

    ainda no est devidamente reconhecido (a materialidade da relao tributria no

    est constituda), levando a que se ressinta de um dos requisitos constitutivos do

    delito imputado aos rus, qual seja, tributo, contribuio social, ou qualquer

    acessrio devido. Inexiste, assim, prova inequvoca da tipicidade, o que resulta na

    falta de justa causa para a propositura da ao penal;

    (f) Diversamente do sustentado pela doutrina majoritria, e como

    acertadamente decidiu o STF (HC 81.611) no o caso de se vislumbrar uma

    questo heterognea facultativa (relativa), com a aplicao do disposto no art. 93 do

    CPP. Perceba-se que h ausncia de materialidade (existncia) do delito tributrio, o que leva a que a denncia no possa nem mesmo ser recebida: no pode haver condenao (nem pedido) se no existe materialidade (crime). Descabe falar, portanto, de suspenso do curso do processo enquanto se aguarda o

    deslinde da questo administrativa, aps a ouvida das testemunhas e a elaborao

    das provas consideradas de carter urgente, como determina o art. 93, pois o

    recebimento de denncia por fato atpico constitui constrangimento ilegal, devendo o

    magistrado rejeit-la. O correto, portanto, o trancamento da ao penal;

    (g) Tambm no se trata de condio objetiva de punibilidade, j que esta se caracteriza por no alterar a configurao tpica, ser exterior conduta e

    fundamentar-se em razes de poltica criminal. A constatao, ou no, de existncia

    de tributo devido constitui o cerne do delito de sonegao fiscal, tema que se

    vincula, como j mencionado, com a tipicidade.

    (h) Ademais, h que se distinguir a possibilidade de que o dbito venha a ser

    devido (hiptese de no atendimento, pelo Fisco, do pleito elaborado pelo

  • 34

    contribuinte) com a existncia de indcios de materialidade. Subsiste, ressalte-se, at

    que a deciso final seja proferida, to somente uma possibilidade de que o tributo seja devido. Mas isso incapaz de constituir justa causa para a ao penal.

    Portanto, enquanto no decidido definitivamente (pelo fisco) se o tributo devido ou

    no, em jogo est a prpria existncia (materialidade) do crime. Nessas situaes

    jamais se justifica a propositura imediata de ao penal. Alis, quando intentada,

    mister se faz tranc-la.

    (i) Deve-se reconhecer a nulidade de todo processo em curso que se iniciou mesmo

    estando em andamento processo administrativo versando sobre a exigibilidade ou

    existncia do tributo (cf. STF, no HC 82.390, rel. Seplveda Pertence).

    (j) At mesmo a instaurao de inqurito policial mostra-se arbitrrio, enquanto no

    exaurida a via administrativa fiscal. Por fato atpico no se pode instaurar inqurito

    policial.

    (l) So nulas as sentenas criminais condenatrias j proferidas, caso o Fisco no

    tenha ainda reconhecido o tributo definitivamente.

    (m) Sentenas definitivas j proferidas, caso o contribuinte tenha conseguido xito

    em seu recurso administrativo (afastando a exigncia do tributo), devem se submeter

    a reviso criminal ou, mais celeremente, ser reconhecidas nulas em habeas corpus.

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