Artigo Sobre Cenografia de Angelo Lazary

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Com a morte de Hipolit Colomb, perdeu o nosso Teatro o seu maior cenógrafo O último cenário de Colomb: Mocinha, de Joracy Camargo, 1947 (Foto ilustrativa, em artigo do Boletim sbat) / Colomb’s last set: Mocinha, by Joracy Camargo, 1947 (Illustrative photo from the Boletim sbat article) Hipolit Colomb – ou, por vezes, Hipólito Colombo, Hipolit Colombo – é um dos nossos cenógrafos pouco lembrados, mas que teve repercussão enorme no início do século xix. Nunes (1956, p. 21) diz que “o ateliê de Colomb situa-se nas faldas do Morro de Santa Tereza e descortina belo trecho da Baía de Guanabara, que o inspira para realizar esses primores, que são suas cortinas e telões”. E isso em 1926! Afirma ainda que o cenógrafo era descendente de uma família francesa de Montpellier, filho de alto funcionário do Paço (entenderam o nome em francês de onde vem, já que ele era nascido em Portugal?). Pois a rainha D. Amélia e o rei D. Carlos, de Portugal, foram os facilitadores do seu estudo, já que eram apaixonados pela pintura. Engenheiro formado em Paris, Hipolit cursou Artes Plásticas na Alemanha, onde viveu por um período. O artigo a seguir foi publicado no Boletim SBAT de abril de 1947. Pintor consagrado em Portugal, seu país de origem,

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Transcript of Artigo Sobre Cenografia de Angelo Lazary

Com a morte de Hipolit Colomb, perdeu

o nosso Teatro o seu maior cengrafo

O ltimo cenrio de Colomb:

Mocinha, de Joracy Camargo,

1947 (Foto ilustrativa,

em artigo do Boletim

sbat) / Colombs last set:

Mocinha, by Joracy Camargo,

1947 (Illustrative photo from

the Boletim sbat article)

Hipolit Colomb ou, por vezes, Hiplito Colombo, Hipolit Colombo um dos nossos cengrafos pouco lembrados, mas que teve repercusso enorme no

incio do sculo xix. Nunes (1956, p. 21) diz que o ateli de Colomb situa-se

nas faldas do Morro de Santa Tereza e descortina belo trecho da Baa de

Guanabara, que o inspira para realizar esses primores, que so suas cortinas

e teles. E isso em 1926! Afirma ainda que o cengrafo era descendente

de uma famlia francesa de Montpellier, filho de alto funcionrio do Pao

(entenderam o nome em francs de onde vem, j que ele era nascido em

Portugal?). Pois a rainha D. Amlia e o rei D. Carlos, de Portugal, foram

os facilitadores do seu estudo, j que eram apaixonados pela pintura.

Engenheiro formado em Paris, Hipolit cursou Artes Plsticas na Alemanha,

onde viveu por um perodo. O artigo a seguir foi publicado no Boletim SBAT de abril de 1947.

Pintor consagrado em Portugal, seu pas de origem,

Colomb veio para o Brasil em 1919 e aqui se radicou, dedicando-se ao

desenvolvimento e melhoria das condies do nosso teatro, colaborando

com os empresrios e os autores no sentido de modificar os processos

cnicos at ento adotados, com a introduo da cenoplastia. Trabalhando

com denodo, sua vitria foi completa, conseguindo implantar entre ns essa

modalidade da cenografia aliada arquitetura.

Por vrias vezes Colomb foi chamado para fazer as companhias

francesas nas temporadas oficiais do Municipal, tendo os seus trabalhos

suscitado a admirao dos diretores daquelas troupes. Certa ocasio, Louis

Jouvet, o famoso ator e metteur-en-scne, lhe encomendou os cenrios para

a pea de Jules Romains Monsieur Le Trouhadec saisi par la Dbauche, e to

deslumbrado ficou com a obra apresentada por Colomb que no hesitou em

convid-lo a ir para Paris, onde tinha certeza de que se imporia como um

dos maiores cengrafos da atualidade.

Foi esse artista excepcional, a quem muito ficou devendo como o

renovador da sua cenografia, que o teatro brasileiro perdeu.

Ao ter conhecimento da morte de Hipolit Colomb, a sbat, em sesso da

diretoria e conselho, fez inserir em ata um voto de profundo e sincero pesar,

tendo-se feito apresentar nas cerimnias fnebres pelo seu presidente e

uma delegao de scios.

Dirio das Escolas - Cenografia PQ'11

Dirio das escolas: cenografia PQ'11. Fausto Viana (Org.); Rosane Muniz (Coord.); Mathew Rinaldi, Denise Tavares, Ana Paula e Severo Biasus (Trad.). Rio de Janeiro: FUNARTE , 2011. Acesso:

A cenografia antiga e a atual no cenrio brasileiroAngelo LazaryAngelo Lazary nasceu no Rio de Janeiro em 23 de setembro de 1887 e faleceu na mesma cidade em 1956. De acordo com Galante de Souza, estudou pintura e desenho com Heitor Malagutti e cursou o Liceu de Artes e Ofcios do Rio de Janeiro. Estreou em cenografia em 1909, como ele mesmo conta no artigo a seguir, com a revista Pega na chaleira, de Raul Pederneiras e Ataliba Reis, levada cena no Teatro Apolo. Pintou cenrios no Rio e em So Paulo, trabalhando para companhias importantes: Pascoal Segreto, Rangel & Cia, j. r. Stafa. Pintou tambm muitos panos de boca e fez inmeros carros alegricos para os clubes carnavalescos do Rio de Janeiro. O texto a seguir foi publicado originalmente na edio comemorativa do Vigsimo Aniversrio da Casa dos Artistas, publicado no Rio de Janeiro em 1938.A histria do Teatro no Brasil ainda est por ser escrita e, com ela, a da Arte Cenogrfica.

Percorrendo o passado, quase nenhuma documentao se encontra com que se possa fazer uma ideia segura do que era a Cenografia no teatro indgena.Desse modo, sem base firme nem documentao apropriada, tentarei, nestas despretensiosas notas, referir o que sei da nossa histria cenogrfica, recorrendo a reminiscncias prprias e a crnicas ligeiras que, tratando do Teatro, tratam, de escape, da Arte Cnica.

A Cenografia, sendo uma das modalidades da pintura, no poderia existir se no existisse o Teatro; uma conseqncia da outra. Sendo assim, s se pode fazer o histrico da cenografia acompanhando o desenvolvimento do Teatro no Brasil.A fundao do nosso teatro digamos nosso vem dos jesutas, com a representao por Anchieta de autos ou mistrios que eram representados com fins de propaganda religiosa, na catequizao dos nossos ndios. Mello Moraes, Sylvio Romero e outros informam que armavam, de improviso, nos ptios das igrejas, estrados de madeira e, com a verdura exuberante, adornavam o palco e formavam a boca de cena. s vezes, uma cortina de damasco era colocada guisa de pano de boca. Adornavam a cena com objetos nativos ou elementos decorativos retirados dos santurios. A iluminao era feita com achas de madeira untadas de resina. E s.Como se v, a mise-en-scne, por incipiente, prescindia da colaborao da pintura. Isso verificava-se em 1565, poca que se pode considerar como preparatria do Teatro Brasileiro. O perodo inicial do nosso Teatro tem lugar no sculo XVIII. Construiu-se, no Largo do Capim a pera dos Vivos de que no se tem notcias minudentes e mais tarde, em 1767, A Casa da pera, do padre Ventura. No logrou sucesso, pois o seu proprietrio, alm de padre, mestio, teve que se ver a braos com os preconceitos da poca. Tempos depois ardia a Casa da pera.

Surge, ento, mais tarde, a Nova pera, no Largo do Pao, propriedade de Manoel Luiz. Era o melhor teatro dessa poca: tinha platia ampla, duas ordens de camarins, boca de cena, palco, tribuna para o vice-rei etc. A iluminao era feita com arandelas de cristal. O pano de boca era pintado pelo clebre cengrafo brasileiro, o pardo Leandro Joaquim. Era o principal cengrafo da Nova pera. Esse artista era tambm um dos maiores decoradores. Foi quem executou as pinturas para a festa realizada no Passeio Pblico, em comemorao ao casamento de d. Joo com d.a Carlota Joaquina, sendo vice-rei d. Luiz de Vasconcellos. Aparece, assim, a notcia do primeiro cengrafo do nosso Teatro. Fechada a Nova pera, no governo do conde de Rezende, ficou o Rio sem teatro durante muito tempo.

Estamos no sculo XVIII. Com a invaso francesa, em 1808, d. Joo VI teve que transferir a sua corte de Portugal para o Rio de Janeiro. O teatro e todas as artes ressurgiram na nova corte com todo o esplendor. Precisava-se de um teatro condigno para receber a famlia imperial e d. Joo VI, acatando a ideia de Jos Fernandes de Almeida, concedeu-lhe um terreno no largo da Nova S (entre a Academia Real Militar, hoje Escola Politcnica, e a Igreja da Lampadosa), para a construo do novo teatro, sob o plano do marechal de campo, Joo Manoel da Silva. E, em 12 de outubro de 1813, era inaugurado o novo teatro, com o nome de Real Teatro de So Joo, solenizando o aniversrio do rei.

Eram cengrafos do teatro Jos Leandro de Carvalho e Manoel da Costa e Reis.A arte cenogrfica entre ns comeou a se desenvolver em 1816, com a chegada da misso artstica francesa, mandada vir por d. Joo VI para organizar a Escola Real de Belas Artes. Com a misso, veio Joo Baptista Debret, grande artista, pintor e notvel cengrafo. Trabalhou muitos anos conosco e fez vrios discpulos, alguns dos quais passaram depois a professores daquela Escola.Os trabalhos mais notveis de Debret para o nosso teatro foram: o pano de boca para o Teatro So Joo, em 1818; igual trabalho, para o mesmo teatro, em 1822, na coroao de Pedro I; os cenrios da pera Tancredo, com que se solenizou, no aludido teatro, o aniversrio da princesa d.a Maria Leopoldina, a 22 de janeiro de 1826, e que as crnicas de ento taxam como maravilhosos. Debret pintou para os teatros brasileiros at retornar Frana, em 1831.Entre os mais ilustres cengrafos antigos, podemos citar Manoel de Arajo Porto Alegre (Baro de Santo ngelo), nascido em Rio Pardo, Estado do R. G. do Sul, a 29 de novembro de 1806 e falecido em Lisboa, a 29 de dezembro de 1879. Foi professor de pintura histrica, diretor da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro, professor de arquitetura da Escola Militar e, por ltimo, membro do corpo consular. Foi discpulo dileto de Debret. De seus trabalhos, destacava-se o pano de boca do Teatro Constitucional Fluminense (Joo Caetano), em 1839, representando de um lado a entrada da barra do Rio de Janeiro e, do outro, a Ignorncia e a Rotina, afugentadas pelo anjo das Belas Artes. Foi tambm poeta, escritor e dramaturgo de vulto.Em 1823, j o Rio contava com mais um teatro: o Teatro do Plcido, no Rocio, entre as ruas do Ano e do Piolho (7 de Setembro e Carioca). Na rua dos Arcos, em 1826, funcionou um teatrinho, em que muitas vezes Em 1832, aparece o Teatro So Francisco, nas imediaes do largo de seu nome, que mais tarde passou a se chamar Teatro Ginsio Dramtico. Para o lado da Sade, em 1833, surge o Teatro do Valongo. Em 2 de agosto de 1834, inaugura-se o Teatro da Paria D. Manoel, que, em setembro de 1838, tomou o nome de Teatro So Janurio. Vrios outros teatros funcionaram no Rio. Pouco ou nada se conhece de sua histria. Entre esses: Santa Leopoldina, na Praia de Botafogo; Teatro Lrico Francs, Teatro do Comrcio, Teatro Francs de Variedades na rua da Ajuda; e Teatro Santa Carolina na rua da Harmonia.

A antiga (Foto publicada na edio comemorativa do Vigsimo Aniversrio da Casa dos Artistas, Rio de Janeiro, 1938)Com maior nmero de teatros, a Cenografia tomou outro incremento. Surge, em 1841, o cengrafo brasileiro Joo Caetano Ribeiro. Era segundo a crnica um dos mais inspirados e de maior e espontnea vocao. Era o primeiro cengrafo da poca. Foi discpulo do grande Vicente Bragaldi e pintou para os teatros S. Pedro, S. Janurio, S. Ginsio, Provisrio e Alcazar. Seu ltimo trabalho foi As ondinas do campo, que alcanou grande sucesso pela combinao das tintas. Era tambm um exmio pintor de quadros. As bodas de Cana, grande tela pintada a leo, que se consumiu no incndio de 27 de janeiro de 1856, no Teatro S. Pedro de Alcntara, era de sua autoria.Inaugurou-se, em 1853, o Teatro Provisrio, no Campo de Santana, com um baile de mscaras. Para ele, pintou os cenrios da pera Macbeth, representada em 25 de maro do mesmo ano, o cengrafo italiano Vicente Bragaldi, de proclamado talento e nomeada. Esse teatro, mais tarde denominado Teatro Lrico, deu ensejo para que os cengrafos de ento se desenvolvessem. Foi demolido, aps vinte e trs anos de funcionamento, quando o arquiteto paisagista dr. Augusto Francisco Maria Glaziou projetou o atual ajardinamento do campo de Santana. Realizou-se ento o ltimo espetculo em 30 de abril de 1875, com um drama extrado de O Guarany. Joaquim Lopes de Barros Cabral o brilhante cengrafo da pera Nacional sociedade particular que cultivava o bel canto e que, inaugurada em 17 de julho de 1858, desapareceu em 12 de maio de 1860. Funcionava no

Ginsio Dramtico, rua do Teatro (hoje Leopoldo Fres). Cabral foi outro discpulo de Debret que, como Porto Alegre, acabou professor da Academia Real de Belas Artes do Rio de Janeiro.Destacam-se de sua autoria os cenrios do drama lrico, em trs atos, Dois amores, de Manoel Antonio de Almeida, e msica da condessa Rafaela Rozwadowska. Tassani e Tenereli que pelo nome parecem italianos pintaram em 1869, para a Empresa Furtado Coelho, todo o cenrio da Baronesa de Cayap. Inaugura-se em 01 de janeiro de 1870 o Teatro So Luiz junto ao Ginsio Dramtico. Inauguram-se, nessa poca, os teatros: Alcazar Fluminenese na rua Uruguaiana; Fnix Dramtica na rua da Ajuda; Vaudeville na rua S. Jos; Tivoli no campo de Santana, esquina da rua dos Invlidos.

A arte cenogrfica est completamente desenvolvida entre ns. Firmase Huascar de Vergara, chileno, chegado ao Rio nessa ocasio. o sucesso do momento. Destacam-se, dos seus trabalhos: o pano de boca do Teatro Ginsio, representando uma apoteose a Joo Caetano (croquis de Pedro Amrico), estreado em 9 de setembro de 1871; cenrios da pea Miguel Strogoff, no Teatro S. Pedro; o terceiro ato de O meia azul, e de O prncipe Topzio, no Teatro Santana. Huascar, alm de exmio cengrafo, era tambm poeta.Em 1871, o cengrafo italiano Gicomo especialista em arquitetura pintou para o Teatro Fnix o cenrio de Princesa Flor de Maio. No mesmo ano, em agosto, chega ao Rio o cengrafo portugus Antnio Jos da Rocha, contratado especialmente para pintar os cenrios da mgica A pera de Satans, para a empresa Furtado Coelho. Pintou para todas as empresas de ento. Dentre os seus trabalhos, destacam-se: A orao dos nufragos, A coroa de Carlos Magno, A filha do ar, cenrio em que havia um cruzeiro pintado no pano de fundo, que parecia estar no meio da cena; o pano de boca e reguladores do Teatro de Vaudeville, representando um planejamento com grande perfeio; os trs atos de A mocidade de Fgaro, para o Teatro So Luiz, em 27 de julho de 1871, e da pea Pedro, em 22 de setembro de 1871. Era um forte paisagista. Deixou, entre outros discpulos: Cames, Jlio e Frederico de Barros. Voltando para Portugal, ali veio a falecer, cego.Transforma-se o Circo Olmpico da Guarda Velha, propriedade de Bartholomeu Correa da Silva, em 19 de fevereiro de 1871, em Teatro Pedro II e, pouco depois, em Teatro Lrico demolido em abril de 1934.

A moderna (Foto publicada na edio comemorativa do vigsimo aniversrio da Casa dos Artistas, Rio de

Janeiro, 1938) Esse teatro deu oportunidade de xito a vrios dos nossos cengrafos. Seus sales de pintura eram procurados e disputados. O cengrafo Pitaluga pinta para ele os cenrios da pera Fora do destino, e, como ele, diversos artistas se exibiram no Teatro Lrico.Inaugurando-se em 1877 o Variets depois Brazilian Garden e, mais tarde, Teatro Recreio Dramtico, nome que at hoje se conserva , ali na rua Pedro I, abre-se uma nova era para a cenografia brasileira. Nos seus sales de pintura tm pintado, pode-se dizer, todos os cengrafos que tm atuado no Rio, principalmente os contemporneos. Ali pintei, pela primeira vez, em 1909, todo o cenrio da revista Pega na chaleira, de Raul Pederneiras e do saudoso Joo Cludio, que subiu cena no Teatro Apolo, em 12 de novembro do mesmo ano. Foi a que ensaiei os meus passos como cengrafo.

Chega ao Rio, em 1879, o cengrafo francs Lon Chapelin, que, com Jlio de Abreu, pintou para o Fnix Dramtica os cenrios de Niniche. Chapelin ainda permaneceu na capital pintando vrios cenrios para os teatros da poca; um dia, porm, desapareceu sem que se tivesse mais notcias dele. Vale a pena mencionar o aparecimento de outros teatros como: Prncipe Real, que mais tarde tomou o nome de Variedades, Moulin Rouge e, por fim, S. Jos, que, ainda hoje, se mantm; o teatro Santana, mais tarde Carlos Gomes, na atual rua Pedro I; o Polytheama, o den e o Apolo na rua do Lavradio; o Lucinda e o Maison Moderne, na rua Pedro I e o Eldorado, no beco do Imprio, na Lapa. Todos esses teatros funcionavam regularmente, dando ocasio a que os cengrafos da poca aparecessem.

Encontra-se, nas crnicas da poca, o nome de Andr Cabofigue, que pintou para a empresa Heller, no Santana, o primeiro ato da pea O meia azul. Tambm na mesma poca, tivemos o pintor italiano Claudio Rossi, que fez, para a Empresa Furtado Coelho, todo o cenrio de Fdora e do Mestre de forjas, apresentados no Teatro Lucinda em 1884. Em 17 de julho do mesmo ano, pintou, com Frederico de Barros, para a Empresa Souza Bastos, do Teatro Prncipe Real, os cenrios da pea As trs rocas de cristal, em trs atos e dezoito quadros. Eu, que conheci vrios trabalhos desse artista, considero-o como o maior cengrafo vindo at ns. Foi uma notabilidade na sua poca.

Carneiro Vilela, um nome pouco conhecido, pintou os cenrios da pea de Frana Jnior, De Petrpolis a Paris, que foi representada no Teatro Recreio Dramtico em 25 de julho de 1884. Outro nome que no brilhou muito na Histria da Cenografia foi o de Jlio de Abreu que, com Huascar de Vergara, pintou os cenrios da pea Miguel Strogoff, e, com Chapelin, os de Niniche.Logramos cengrafos de todas as raas e cores. Justificavam qui o lema: A arte no tem ptria. Frederico de Barros, brasileiro, preto, foi um timo paisagista e pintor em quase todos os nossos teatros. Destacam-se dentre os seus trabalhos: As trs rocas de cristal, com Rossi, para o Prncipe Imperial; O prncipe Topzio, para o Teatro Santana; o pano de boca para o Teatro de Itabira, em So Paulo, representando um arraial na poca da fundao da cidade que era muito apreciado.Cames e Canellas foram dois bons cengrafos que no alcanaram nomeada. Observei alguns de seus cenrios que, no tendo colorido brilhante, possuam, no entanto, um desenho correto. Outro cengrafo de valor, que pintou para todos os teatros da poca: Orestes Coliva, italiano. Era muito forte em desenho de arquitetura. Creio que, ainda hoje, existem vrios cenrios desse artista sendo um deles de Mrtires do Calvrio que andam por a.

Gaetano Carrancini, tambm italiano e da mesma poca, mas com um estilo completamente diferente do anterior, era fantasista e os seus cenrios agradavam ao pblico pelo colorido alegre, s vezes berrante. Foi o pintor das mgicas e das apoteoses e no teve rival nos cenrios fantsticos, pois era de imaginao frtil e de uma perfeita execuo. Carrancini e Coliva foram rivais, no se podendo afirmar qual o melhor, pois ambos eram senhores de sua arte, cada qual no seu gnero.Enunciarei ainda os seguintes teatros: Parque Fluminense, mais tarde Politheama, no Largo do Machado; o Pavilho Internacional e o Teatro Municipal, na avenida Rio Branco; o Chantecler, rua Visconde do Rio Branco, algum tempo depois denominado Teatro Olmpia, inaugurado em 13 de maio de 1911 e devorado por um incndio em 31 de maio de 1938; o Teatro Politheama, rua Visconde de Itana, inaugurado em 4 de outubro de 1911, tendo o pano de boca e um cenrio da estria pintados por mim; o Trianon, demolido no ano passado; o Rio Branco, e o Teatro Repblica, avenida Gomes Freire; o Palace Teatro, na rua do Passeio, que, perdendo sua estrutura metlica, foi reformado e transformado em cinema; o Teatro Cassino, no Passeio Pblico, demolido pela Prefeitura

para alargamento da praa.

Citemos mais outros cengrafos que tiveram forte atuao no teatro brasileiro: Arthur Thimoteo da Costa, brasileiro, comeou a sua carreira artstica como discpulo de Orestes Coliva e, a conselho deste, matriculou-se na Escola Nacional de Belas Artes, onde completou o curso, dedicando-se depois pintura de telas. Foi, contudo, um timo cengrafo e muito pintou para os nossos teatros com pleno sucesso. Recordo-me ainda de um pano de boca que havia no Teatro So Jos, representando as Artes e um outro no Teatro Joo Caetano, com uma alegoria ao grande trgico Joo Caetano, este ltimo em colaborao com o seu irmo Joo Thimoteo. Suas especialidades eram a pintura arquitetnica e a de figuras. Thimoteo morreu muito moo. Registro com muita satisfao o nome do saudoso Chrispim do Amaral. Brasileiro, pintor, notvel caricaturista e grande cengrafo.Sentia a sua arte como s sabem sentir os verdadeiros artistas. Frequentando Paris, fez-se amigo do consagrado cengrafo francs Carpezar, e deste seguiu os conselhos. Contratando a decorao do Teatro Amazonas, em Manaus, levou consigo o artista italiano De Angelis, que sob sua direo executou aquele trabalho com maestria. Pintou tambm o pano de boca do Teatro Lucinda: uma festa entre as Artes, que era um bom trabalho. Perseguido por seus colegas de ento, Chrispim no esmoreceu: trabalhou sempre, foi sempre um brilhante cengrafo, pintando at o fim de sua vida, para os nossos teatros. Morreu nesta capital, em 18 de dezembro de 1911.J. Barros, brasileiro, era mais pintor do que cengrafo. Deixou pequena bagagem cenogrfica. Joaquim Francisco dos Santos, brasileiro, foi meu companheiro de ateli, durante longos anos, no Teatro Joo Caetano. Era muito esforado, tendo-se feito sua custa. No teve mestre. Existem ainda vrios cenrios seus que atestam seu inegvel valor.

Falei at aqui dos cengrafos desaparecidos. Sobre os que ainda lutam, para que falar? Ainda cedo para se falar dos trabalhos artsticos de: Emlio Silva, Jayme Silva, Hiplito Colomb, portugueses; Emlio Casalegno, italiano. Publio Marroig, Raul de Castro, Oscar Lopes, Deodoro de Abreu, brasileiros, no Rio de Janeiro; Henrique Manzo, Rmulo Lombardi, italianos, em So Paulo; Affonso Silva, brasileiro, em Porto Alegre; Mario Nunes e lvaro de Abreu, brasileiros, em Recife; Gerson Faria, brasileiro, no Cear; Armando Peixoto Magalhes, brasileiro, no Par; Branco Silva, no Amazonas, e muitos outros. Restringi estes meus apontamentos cenografia no Rio de Janeiro.

No entanto, nos estados existem cengrafos de valor que a exiguidade de tempo e a falta de dados me priva de referir.

A cenografia entre ns doloroso afirmar pouco tem evoludo. O apressado das montagens e o intuito utilitrio da maioria das empresas no querem o lado artstico da cenografia. Toleram-na porque no conseguiram ainda o meio de prescindir de seu concurso nos espetculos.

Os processos modernos usados nos teatros estrangeiros lerdamente chegam at ns quando chegam; pois, se um ou outro empresrio conhece o mtier, sua maior parte leiga ou simplesmente comerciante sem viso. No tentam apresentar ao pblico coisa nova, de maneira a encarreir-lo para o teatro. Prevalecem nas montagens a lei do menor esforo e o lema de gastar menos. Assim, oferecem vista do pblico sempre cioso de novidades cenrios antiquados, envelhecidos, por vezes at contrariando o enredo da pea. Conduzem, assim, monotonia.

Algumas novidades cenogrficas:Vrios tm sido os processos imaginados para que a cenografia se apresente de uma maneira mais adequada s necessidades da poca. Uns com xito e outros, redundando em fracassos. O processo do palco giratrio usado pela primeira vez em 1915, no Das Deutsche Theater, da Alemanha no logrou xito. Foi posto parte. Houve uma tentativa semelhante entre ns.Para substituir as horrveis bambolinas de ar, Mariano Fortony idealizou um processo muito complicado para representar a abbada celeste. Tal processo produz resultados satisfatrios, porm, dada a complexidade do aparelho e seu elevado custo, foi posto parte. Usa-se, para tanto, um fundo todo azul, em forma de semicrculo e com a altura a se perder de vista, o que consegue o efeito desejado. Outra inovao ainda no tentada no Brasil e que, a meu ver, o teatro moderno no deve abandonar de Jen Kemenny. Resolve o fator tempo na mudana dos cenrios e obtm efeitos surpreendentes na mise-en-scne.

Um grande erro vem sendo praticado em detrimento da cenografia: a fobia da imitao do cinema. Como se ignorassem que este se vale da arte fotogrfica, que lhe fornece inmeros truques e efeitos de luz. Como atingir no teatro tais truques e efeitos de luz?

O Teatro tem que ser teatro com suas possibilidades, com seus recursos e sem imitaes prejudiciais. Eis a o que, sem veleidades de escritor nem pretenses de intelectual, consegui rabiscar sobre a Cenografia.