Artigo Sobre a Tradução Árabe Do Relato- Maged- 8-04-2012

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5/18/2018 ArtigoSobreaTraduoÁrabeDoRelato-Maged-8-04-2012-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/artigo-sobre-a-traducao-arabe-do-relato-maged-8-04-2012 Reflexões sobre a tradução árabe de  Relato de um certo oriente MAGED EL GEBALY Introdução  Na década de 1970, entra na moda a perspectiva cognitiva e pragmática da ing!agem, os est!dos "ocaram mais no !so e na recep#$o da ing!agem como disc!rso e como te%to& A vis$o  pragmática disc!rsiva a'rirá o camin(o para o est!do da semi)tica da trad!#$o& *om as teorias do disc!rso, +atim e Mason 1990- passam a anaisar as trad!#.es de te%tos com!nicativos com  'ase em tr/s "atores o te%to, o a!toro trad!tor e o eitor o conte%to de recep#$o-& Mais tarde, a trad!toogia passa do est!do do te%to trad!2ido para anáise socio)gica do destinatário da trad!#$o& 3en!ti 4000- est!da a recep#$o iterária, socia e c!t!ra das trad!#.es como "en5meno editoria e sociopo6tico na c!t!ra avo& 3en!ti tam'ém "a2 distin#$o entre as teorias instr!mentaistas, !e red!2em a trad!#$o a aspectos meramente "ormais e as teorias (ermen/!ticas !e est!dam a trad!#$o como !m "en5meno socia& Assim, o "oco da pes!isa em est!dos de trad!#$o m!do! cronoogicamente da a'ordagem te%t!a, passando peos est!dos da recep#$o e c(egando, "inamente, aos est!dos do trad!tor& +o8e em dia, a trad!#$o está inscrita no conte%to das mo'iidades transc!t!rais como !m tra'a(o arg!mentativo de imagina#$o epistemo)gica e de imagina#$o democrática presente nas re"e%.es e preoc!pa#.es de todas a!eas perspectivas, movimentos e práticas !e prop.e o o'8etivo de constr!ir novas e p!rais "ormas de emancipa#$o socia&: ;o!sa, 400<1=>-& De acordo com ?iiams @ *(esterman 4004-, os est!dos da trad!#$o pes!isam tr/s processos 1& +ermen/!tica do trad!tor, o! se8a, a semntica das !nidades do te%to trad!2ido,  prod!2ida a partir de eit!ras, interpreta#$o e compreens$o& a! Cicoe!r 400- critica a aparente oposi#$o entre interpreta#$o e com!nica#$o no modeo de ;teiner 197<-, por!e para ee, s$o  processos inseparáveis, traduzir é compreender & *ompreender passa através do c(o!e da compara#$o do incomparáve& rataFse de !m diáogo interc!t!ra internoF dentro da mesma c!t!ra e e%ternoF entre s!a c!t!ra e a c!t!ra do te%to a trad!2ir-& Cicoe!r aponta para !ma trad!#$o interc!t!ra !e diaoga entre as em'ran#as da mem)ria (ist)rica e a tomada de conci/ncia das di"eren#as o estrangeiro- e das seme(an#as o pr)prio-& ara ee, o trad!tor tem !e ter a coragem e a (ospitaidade ing!6stica de atravessar a "ase de resist/ncia do te%to origina

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Trata das estratégias de tradução literária do português ao árabe.

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UNIVERSIDAD DE AIN SHAMS

Reflexes sobre a traduo rabe de Relato de um certo oriente

MAGED EL GEBALYIntroduoNa dcada de 1970, entra na moda a perspectiva cognitiva e pragmtica da linguagem, os estudos focaram mais no uso e na recepo da linguagem como discurso e como texto. A viso pragmtica discursiva abrir o caminho para o estudo da semitica da traduo. Com as teorias do discurso, Hatim e Mason (1990) passam a analisar as tradues de textos comunicativos com base em trs fatores: o texto, o autor/o tradutor e o leitor (o contexto de recepo).

Mais tarde, a tradutologia passa do estudo do texto traduzido para anlise sociolgica do destinatrio da traduo. Venuti (2000) estuda a recepo literria, social e cultural das tradues como fenmeno editorial e sociopoltico na cultura alvo. Venuti tambm faz distino entre as teorias instrumentalistas, que reduzem a traduo a aspectos meramente formais e as teorias hermenuticas que estudam a traduo como um fenmeno social. Assim, o foco da pesquisa em estudos de traduo mudou cronologicamente da abordagem textual, passando pelos estudos da recepo e chegando, finalmente, aos estudos do tradutor. Hoje em dia, a traduo est inscrita no contexto das mobilidades transculturais como um trabalho argumentativo de imaginao epistemolgica e de imaginao democrtica presente nas reflexes e preocupaes de todas aquelas perspectivas, movimentos e prticas que prope o objetivo de construir novas e plurais formas de emancipao social. (Sousa, 2005:168). De acordo com Williams & Chesterman (2002), os estudos da traduo pesquisam trs processos:1. Hermenutica do tradutor, ou seja, a semntica das unidades do texto traduzido, produzida a partir de leituras, interpretao e compreenso. Paul Ricoeur (2004) critica a aparente oposio entre interpretao e comunicao no modelo de Steiner (1975), porque para ele, so processos inseparveis, traduzir compreender. Compreender passa atravs do choque da comparao do incomparvel. Trata-se de um dilogo intercultural (interno- dentro da mesma cultura e externo- entre sua cultura e a cultura do texto a traduzir). Ricoeur aponta para uma traduo intercultural que dialoga entre as lembranas da memria histrica e a tomada de concincia das diferenas (o estrangeiro) e das semelhanas (o prprio). Para ele, o tradutor tem que ter a coragem e a hospitalidade lingustica de atravessar a fase de resistncia do texto original at a traduo para o alargamento do horizonte da sua prpria lngua. Ricoeur explica que h um terceiro texto universal inexistente que se retraduz em duas formas lingusticas (texto de partida e de chegada). Para ele, traduzir dizer a mesma coisa de outro modo.

2. Retrica do tradutor, ou seja, a estilstica do discurso traduzido, produzido por meio da recriao e a reexpresso. Nesta mesma linha se pesquisa a traduzibilidade que se refere s mudanas que pode sofrer o texto-fonte durante a traduo e a relao indeterminada da equivalncia entre as duas lnguas e a interpretao contextual do sentido. O estudo da traduzibilidade analisa tambm o grau da significao entre uma lngua e outra e da dificuldade da traduo. Esse grau vai depender do tema e seus aspectos lingusticos (sintticos e lxicos) e extralingusticos (idiossincrsticos e realidades distintas); da situao comunicativa, e da perspectiva espacial com suas trs dimenses (geografia, flora e fauna). (PYM, In BAKER, 1998). Assim, podemos pensar na traduzibilidade em dois planos: o texto a ser traduzido e o texto que resultar da traduo (PALUMBO, 2009). 3. Sociologia do tradutor ou pragmtica da traduo: publicao da traduo e sua recepo. A literatura brasileira e a rabe, apesar de sua riqueza e das muitas semelhanas entre as duas culturas, ainda carecem de contato e conhecimento mtuo. Um meio de sanar esse hiato so as tradues e os estudos interculturais. Pensando na proximidade entre tais mundos lingusticos, decidimos estudar lngua portuguesa e literatura brasileira. Atravessamos os obstculos lingusticos para poder traduzir para o rabe Relato de um certo oriente, de Milton Hatoum.

Desambiguao da polifonia A narrativa em primeira pessoa foi adequada construo da memria, da identidade e da alteridade. Mas o leitor enfrenta o problema da identificao das vozes narrativas. O relato composto por captulos nos quais se alternam as vozes narrativas. H uma narradora principal que participa da histria e, que no primeiro e no ltimo captulo, fala em primeira pessoa - mas ao longo dos captulos a narrao feita por outras personagens que compem a histria. Esses narradores tambm narram o livro em primeira pessoa. Deste modo, o texto fica composto por mltiplas perspectivas e diversos eus que descrevem seus orientes. Cada personagem-narrador, por sua vez, tambm um eu cindido pela experincia hbrida da identidade mista a convivncia dentro de uma casa simultaneamente rabe e brasileira, muulmana e crist. (IEGELSKI, 2006).

O escritor constri o Relato a partir de dez histrias. So oito entradas de texto com numerao marcando o incio de cada relato e h mais duas que no esto numeradas. Ao estilo da heternimia de Fernando Pessoa, Milton Hatoum democratiza a narrao com o movimento narrativo da voz feminina da narradora num mosaico polifnico circular de cinco narradores (GOMES, 2005 e TOLEDO, 2006):Essa organizao polifnica circular o meio do escritor para construir a subjetividade da narradora, cuja identidade inominada se vislumbra vagamente nos entrelugares das narrativas de vrios narradores. A construo das vozes narrativas se d no Relato tambm atravs da dualidade: cada personagem se dirige a um segundo personagem, o que torna a narrao mais complexa, pois preciso buscar o narrador e o seu interlocutor. Hatoum reivindica o relativismo cultural com a narrao das diferentes perspectivas das lembranas da mesma cena de ritos culturais, esparcidos e evocados em vrias passagens do Relato. (KANZEPOLSKY, 2008)A narrao em voz feminina no incio do livro ressalta o aspecto da alteridade da voz masculina do autor que deseja que sua histria seja narrada por essa personagem. curioso que essa voz feminina que cabe em portugus e em rabe, no cabe na lngua inglesa. Por isso a poetisa americana tradutora do Relato, Ellen Watson, no encontra outra soluo alm de assinalar essa feminilidade ao incio da traduo do primeiro captulo do Relato com a frase A woman speaks.Para Hatoum, a memria viva quando ela cria um espao de dvida. A escrita da memria sempre mediada por uma outra voz, construo textual ambiguamente prpria e alheia, pessoal e comunitria. A narradora que abre e fecha o romance quem reconstri o mosaico de lembranas atravs das cartas que so a voz das outras personagens, pois ela sozinha no daria conta dessa reconstruo, uma vez que era muito pequena quando presencia os fatos e depois que viaja perde a continuidade da histria. Exemplo disso quando Hatoum usa tcnicas narrativas como a epstola de Dorner- o imigrante alemo que viaja para Alemanha em 1955- enviada para Hakim, o filho de Emilie, que morava no sudeste do Brasil.

Na nossa entrevista com Milton Hatoum (2010), o autor nos adverte do problema da ambiguidade que encontrou a tradutora alem do Relato:

A minha tradutora alem Karin von Schweder-Schreiner me disse uma coisa interessante : por trs dessas frases lmpidas, aparentemente simples que voc constri, h uma dificuldade imensa. Eu encontro uma dificuldade para traduzir o livro porque, s vezes, para um tradutor alemo, a falta de preciso do portugus do Brasil pode confundir um pouco e dificultar a traduo . Por exemplo, quando no se usa no comeo da frase o pronome pessoal (ela via, ele disse") o tradutor pode confundir o sujeito da frase.

Exemplo:Na p. 33 do segundo captulo, Quando apontava para o cu escuro e dizia a luz da noite, enfrentamos o problema da ambiguidade do sujeito do verbo (apontava... e dizia quem? Ele ou eu?). Na traduo rabe marcamos o sujeito como eu eu apontava.... e eu dizia....Identificao e codificao de vozes misturadas Os jovens descendentes de rabes (caso de Hakim, de Hatoum e Andr, de Raduan Nassar) formaram uma cultura dupla, entre a cultura de famlias rabes reunidas muitas vezes ao redor de clubes tradicionais, organizaes sociais de caridade, as mesquitas, as igrejas, e entre a cultura da sociedade ocidental na qual recebem a sua educao e estabelecem as suas amizades e envolvem-se suas vidas profissionais. Essa vida dupla entre os valores das tradies culturais "patriarcais" rabes e os valores ocidentais liberais resultou em uma tenso na formao cultural dos descendentes.

O autor narra essa melancolia do ser duplo na convivncia entre duas lnguas, duas culturas (a libanesa e a do Norte do Brasil) e duas religiosidades (catlica e islmica). Esse aspecto biogrfico hbrido e o literrio de Milton Hatoum se encontram no silncio e nas reflexes de Hakim, ao dizer: Aquele silncio insinuava tanta coisa, e nos incomodava tanto... Como se para revelar algo fosse necessrio silenciar p.92. Hakim vive um exlio psicolgico, por isso ele constri a memria familiar atravs de um monlogo dialogante com os objetos guardados do passado de sua me Emilie (FRANCISCO, 2007)

Outro exemplo dessa vivncia dupla pode ser observado nas descries das datas comemorativas religiosas. Por parte da matriarca Emilie, h as festas crists como a Pscoa e o Natal e por parte de seu marido, h as festas muulmanas como a Comemorao do fim do ms de jejum no Ramad e da Festa do Sacrifcio.

As relaes familiares mostram essa complexidade multicultural. Milton Hatoum trilha no Relato de um certo oriente as relaes interculturais da alteridade dentro da famlia hbrida, lbano-brasileira, especialmente a relao inter-religiosa entre Emilie (catlica) e o seu marido (muulmano):

Emilie e o marido praticavam a religio com fervor. Antes do casamento haviam feito um pacto para respeitar a religio do outro, cabendo aos filhos optarem por uma das duas ou por nenhuma. p.69O Relato aborda ainda as interaes entre os membros da famlia com as personagens de diversas identidades culturais, de vrios fluxos migratrios em Manaus: o curandeiro indgena Lobato, os sefarditas Shalom e Sara Benemou, os portugueses Amrico e Comendador, a empregada Anastcia Socorro e o fotografo alemo Gustav Dorner. possvel notar tambm que as interaes podem variar entre o etnocentrismo (voltar-se para a cultura da origem) como o caso do pai, que tende ao silncio e irritao no convvio com as diferenas culturais e a hibridao entre a cultura de origem e a cultura de chegada como o caso de Emilie e de seu filho Hakim. O Relato aponta essa experincia dinmica dos imigrantes e dos seus descendentes como Emilie e Hakim, que se adaptam s fronteiras flutuantes das realidades novas e criam sua linguagem hbrida a partir da heterogeneidade das diferentes perspectivas interculturais dos vrios fluxos migratrios. Por isso, o tradutor como Emilie tem que navegar entre todas as vozes misturadas para poder recri-las no texto traduzido. Idenificao

Identificao de uma voz no monlogo narrativo (quem fala e como fala) e distingui-la das outras vozes por meio das aspas do discurso direto e tambm das implicaes da situao implcita da condio surda-muda da personagem Soraya ngela, assim como nas pp. 16 e 17 do primeiro captulo o sujeito da frase no podia falar refere-se ao pronome eu e no ao ele/ela. Exemplo: Na mesa, hora das refeies, tu e Soraya eram servidos pelas mos de Emilie, sempre em movimento: descascando frutas, separando os alimentos para cada um de vocs, mas tu j podias negar ou aceitar a comida com poucas palavras, como monosslabos, enquanto Soraya resignava-se a afastar o prato, negacear com a cabea ou curv-la em direo ao prato, s vezes olhando para ti, para tua boca, talvez pensando: Quando me faltou a palavra?, ou pensando: Em que momento descobri que no podia falar..., talvez vexada porque tu, com a tua pouca idade, j eras capaz de construir frases mal acabadas, fracionadas, desconexas, verdade, mas com um movimento dos teus lbios, algum reagia, algum movia os lbios, o mundo ao teu redor existia.Codificao Na codificao terminamos desenvolvendo um olhar contrastivo entre a escrita em rabe e em portugus. Exemplo: A tendncia discursiva do portugus a usar muitas vrgulas, em comparao com o rabe, que tem s vezes frases longas entrelaadas com conectores. Outro exemplo: Na p. 64 do terceiro captulo: At Emilie e o teu tio Emlio notaram o meu assombro. Senti no rosto um vazio, como se tivessem vendado meus olhos.... O tradutor tem que estar atento conjugao verbal rabe dos verbos notaram e tivessem vendado com o sujeito dual marcado na lngua-alvo. Porque em portugus no tem marca da dualidade dos sujeitos Emilie e o teu tio Emlio.Decifrao dos modos verbais das vozes narrativas O lugar da memria recriado lacunamente pela mediao de vozes fragmentrias, imprecisas, e conscientes da impossibilidade de recuperao do vivido. Como explica Huyssen: O modo de memria a busca, no a recuperao. Por isso, no Relato de memria de Milton Hatoum busca-se uma estrutura narrativa hbrida de vozes e tempos. A memria humana encontra-se intimamente ligada s maneiras como uma cultura constri seu imaginrio e sua temporalidade vertical.

Como afirma Cury (apud CRISTO, 2007, pp. 84 e 85) que no relato de Hatoum mesclamse as vozes das memrias da infncia. A epgrafe de W. H. Auden Shall the memory restore/ the steps and the shore/ the face and the meeting place remete possibilidade de um tempo restaurado pela mediao de muitas vozes. A rememorao extrai a experincia do passado para reorganiz-la e devolv-la vida da linguagem. Mas s pode faz-lo enquanto runa, enquanto linguagem em pedaos, numa lngua migrante exilada. Como na decifrao da escritura do antigo egpcio, tentamos extrair o sentido de uma escrita ininteligvel, a partir de vrias leituras e inferncias de significados contextuais. Exemplo: Na p. 34 do segundo captulo: Emilie ajoelhou-se a seus ps e a Irm Superirora intercedeu: que partisse com o irmo, Deus a receberia em qualquer lugar do mundo se a sua vocao fosse servir ao Senhor.. Para a traduo rabe, recorremos tcnica da descifrao para compreender o modo verbal da narrativa: a voz do Hakim Emilie ajoelhou-se... e a voz da Irm Superiora em que partisse....Especificao semntica Compreender o contexto narrativo permite especificao semntica obrigatria na traduo do lxico ao rabe. Exemplos: Na p. 9 do primeiro captulo, criana uma palavra feminina em portugus que se refere aos dois gneros. Em rabe, h masculino menino e feminino menina para a palavra criana. Por isso, optamos por "", definio do sentido adequado ao contexto narrativo da palavra criana, que remete lembrana da narradora da sua infncia. Na p. 71 do quarto captulo Um tio meu, Hanna e mais adiante na p.73 do mesmo captulo O mais imaginoso entre os irmos do meu pai;..., o escritor define que Hanna o tio do pai do narrador.". Na traduo rabe tem que especificar semanticamente se o tio paterno ou materno. Da situao narrativa inferimos que faz referncia aos irmos do pai, tios do lado do pai, e se diz em rabe em uma palavra s . Alteridades e traduo das referncias culturaisAubert (2006) reflete sobre a dificuldade da delimitao da referncia cultural, porque no perceptvel na expresso lingustica tomada em isolamento, nem se encontra confinado dentro do seu universo discursivo original. Segundo o autor, o marcador cultural se torna visvel (e, portanto, se atualiza) se esse discurso original (a) incorporar em si uma diferenciao ou (b) for colocado em uma situao que faa sobressair diferenciao das alteridades (AUBERT, 2006, p. 32-33). Na proposta, Aubert (2006) classifica os marcadores culturais em quatro domnios: 1) o ecolgico, que designa seres, objetos e eventos da natureza 2) o da cultura material, que designa objetos criados pelo homem, 3) o da cultura social, que designa o prprio homem, bem como as atividades e eventos que estabelecem, 4) o da cultura ideolgica: que designa crenas. Para poder traduzir essas marcas culturais no Relato, nos valemos das seguintes tcnicas:Visualizao

A visualizao a representao mental de imagens das informaes narradas para poder traduzir as referncias que no constam em dicionrios bilngues. A memria no Relato uma juno frgil de fragmentos, processo que mimetiza as sendas imprecisas da memria, misturando cidade de Manaus, o Lbano, a casa, os espaos pblicos e privados (CURY, 2009). Hatoum escapa do esteretipo da floresta amaznica como personagem em primeiro plano e recria um oriente a partir das misturas culturais, que circulavam ao redor de um sobrado em Manaus e da loja Parisiense. Tradicionalmente, os imigrantes libaneses no Brasil costumavam morar em sobrados. curioso que em Al Andaluz (711-1492), no sul da Pennsula Ibrica (Espanha e Portugal), a casa rabe costumava ser um sobrado: No segundo andar era o lar, no primeiro andar era a loja e em frente ao sobrado havia um ptio que tinha jardim e fonte de gua. (FREITAS, 2001). No Relato, a casa libanesa, reconstruda pela memria, expande-se, ergue-se como marca espaial da terra natal indissociado dos ares e flora tropicais.Exemplos:-A visualizao de casaro, marca cultural material na p. 19, e a busca do equivalente da palavra que dista de palavras do mesmo campo semntico usado no texto de Hatoum como sobrado, casa, casaro e palafita; - A visualizao da imagem da fonte Jorros d`gua da boca de pedra dos anjos na p. 24 do primeiro captulo;- A visualizao das imagens de gruta e de caramancho na p. 9 do primeiro captulo: Ingressado numa espcie de gruta vegetal, entre o globo de luz e o caramancho que d acesso aos fundos da casa... continuou imvel, com o olhar perdido na escurido da gruta...

Explicitao discursivaUma das diferenas culturais apontadas por Darcy Ribeiro (1999) em seu ensaio entre cidade e campo (no Relato, Manaus versus Interior/Paris versus Marselha e Beirut). Diferena que tem que ser muitas vezes explicitada na traduo rabe.Exemplos:- A partir da visualizao do contexto narrativo, conseguimos na traduo rabe a explicitao discursiva da referncia implcita ao sul do Lbano. Na p. 71 do quarto captulo Nas cidades litorneas do sul. - Na p. 15 do primeiro captulo, a partir da visualizao do contexto implcita do ambiente natural de Manaus, conseguimos explicitao discursiva na traduo rabe da humidade do ar do sereno pelo calor para distingu-lo do sereno frio de outras regies. - Na p. 62 do terceiro captulo ... falava uma algaravia.... Algaravia se refere em portugus estranheza, referncia metafrica a qualquer lngua estranha. A lngua rabe o para Dorner. Numa nota explicitamos a tendncia estlistica do autor a usar palavras de origem rabe como Algaravia, uma referncia implcita regio Algarve em Portugal que significa, em rabe, Oeste de Al Andaluz no sul Portugal, governado pelos rabes desde 715 at 1492.- Na traduo rabe da frase caboclos recm-chegados do interior. na p. 35 do segundo captulo, recorremos a uma explicitao discursiva do sentido local de interior, que refere em Manaus s partes altas do Rio Amazonas. -Na p. 62 do terceiro captulo, o escritor usou igarap, marca cultural ecolgica, que significa em tup percurso da barca ou rio pequeno, recorremos a uma explicitao pragmtica na traduo rabe da referncia natural Igarap de Educandos com a adio do sentido local para que seja em rabe percurso aqutico de Educandos. Transliterao

A transliterao uma tcnica da transferncia ortogrfica literal da escitura. Um exemplo: Nas pp. 12 Praa do Diamante e 28 Nossa Senhora dos Remdios do primeiro captulo, recorremos transliterao dos nomes prprios para o rabe, para preservar as marcas espaciais fixadas no Relato. Outro exemplo: Na p. 28, tivemos que fazer transliterao de mascate com uma nota que explica a carga cultural histrica da palavra, que vem originalmente da capital de Om, pas rabe que foi colonizado pelos portugueses em duas pocas (1507- 1580) e (1640-1650). Mascatear, verbo derivado de mascate se refere atividade de vendedor ambulante que bate nas portas das famlias para vender toda sorte de coisas, muito comum entre os imigrantes de origem rabe que vieram ao Brasil. um imigrante que chegou cansado ao Porto de Manaus e a outros portos do Brasil, fugindo das sequelas da colonizao do seu lugar de origem, da misria, e da falta de oportunidades de trabalho e estudo. Aqui comearam os percursos da mascateao, fenmeno herdado das tradies mediterrneas, viajando pelos rios e mares trocando artigos, produtos, mercadorias e tambm saberes e conhecimentos. Essa mascateao d sentido de integrao cultural entre o campo e a cidade. Assim como o Rio Nilo uniu o Egito, os rios e as estradas do Brasil uniram suas extensas terras com a circulao das narrativas orais dos mascates, que promoveram o conhecimento mtuo entre um brasileiro e outro (PORTO, In: BERND, 2007, p. 421). Teceiro exemplo: fizemos uma transliterao da marca cultural social caboclo na p. 35, e colocamos uma nota que explica que uma palavra de origem tupi que se refere mistura de indgena com europeu. (DENIZ, In: BERND, 2007, p. 63)Entre a traduo literal de uma marca cultural social e o seu emprstimoNa p. 13 do primeiro captulo, temos duas tradues rabes possveis para a data festiva Natal - - literalmente em rabe Festa do Nacimento, que ambiguamente pode significar aniversrio e pode referir-se ao nascimento de Jesus. Ainda que essa escolha represente resistncia traduo , emprstimo por meio da transliterao da palavra inglesa, Christmas, que no deixa de ser um anglicismo incorporado de modo natural nas cerimnias de celebrao do Natal em alguns pases rabes como o Egito.Consideraes finaisComeamos o presente trabalho com a complexidade que envolve o processo da traduo e propomos como objetivo expor alguns dos problemas encontrados durante a traduo para o rabe do Relato de um certo oriente. Por um lado, danamos com a polifonia narrativa e a mistura de vozes, tentando passos como desambiguao, identificao, codificao e a especificao semntica das palavras no seu contexto narrativo. Para dialogar com as alteridades ressaltadas por diferentes marcas culturais, usamos tcnicas como a visualizao, a explicitao discursiva, a translitrao e o emprstimo. Tentamos produzir uma traduo intercultural que dialogasse com o leitor e mantivesse traos especficos do texto fonte. Finalmente, tendo em vista que o campo da traduo literria do portugus ao rabe ainda incipiente, continuamos tentando desenvolver uma traduo intercultural que dialoga com os outros dentro do texto e os outros fora do texto no campo literrio rabe ps-colonial, que est tendo um crescente interesse editorial na publicao da literatura brasileira.

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Professor na Universidade de Ain Shams, Egito. Doutor em Histria da Traduo rabe de Literatura latino-americana na Universidade de Ain Shams, Egito (2011). Doutorando em Estudos Comparados de Literaturas de Lngua Portuguesa, Universidade de So Paulo. Bolsista PEC-PG (2008-2012). Mestrado em Lingustica Aplicada pelo Instituto Caro y Cuervo, Clombia, (2005). Especializao em Didticas de Leituras e Escrituras, na Universidade de San Buenaventura, Colmbia (2005).