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    23Revista da EMERJ, v.4, n.16, 2001

    PBLICO EPRIVADO NOPROCESSOCIVIL NAITLIA*

    ANDREAPROTOPISANIProfessor da Universidade de Florena - Itlia

    1.Os institutos de direito material esto destinados, diria que naturalmente,a mudar de acordo com o surgimento e a diferente avaliao dos interesses em

    conflito em relao fruio dos bens materiais e imateriais. Diferentemente dosinstitutos materiais, os institutos de direito processual, a disciplina dos processos(cveis) que visam garantir a tutela jurisdicional dos direitos nasce, por assimdizer, no apenas com o selo terreno, mas com aquele da eternidade, que lhe aposto por seu prprio destino de garantir a realizao da justia.

    Apesar da substancial exatido desta afirmao icstica de SalvatoreSatta1, a histria do direito tambm a histria dos processos, a questo dareforma uma questo perene, por assim dizer, no estudo do processo.

    Limitando propositadamente a anlise apenas ao processo civil, deve-se observar que ele normalmente tem por objetivo a tutela dos direitos dis-ponveis: objeto do processo so direitos privados disponveis, onde o instru-mento processo, enquanto exerccio da jurisdio estatal, tem carter e na-tureza pblica. Enquanto o direito objeto do processo normalmente est su-jeito autonomia privada, liberdade do privado em relao ao exerccio ouno do direito2, o instrumento processo no que concerne a sua natureza

    * Palestra proferida na EMERJ em 20/08/2001, em Aula Magna. Traduo de Myriam Filippis.1 S. SATTA. Guida pratica per il nuovo Processo Civile Italiano, Pdua, 1941, p. 42 Sobre a distino direitos disponveis, direitos indisponveis, distino que surge com base nosartigos 1966 (transao), 2733, 3 par. (eficcia da prova legal da confisso), 2738 (admissibilidadeda prova legal), 2113 (renncias e transaes em matria de trabalho) do cdigo civil, e 114(admissibilidade da deciso segundo eqidade) e 806 (controvrsias que podem ser objeto de compro-misso) do cdigo de processo civil, assim como do artigo 4, lei 218/1995 (sobre a derogabilidadeda jurisdio italiana), ver entre outros, DE RUGGIERO, Istituzioni di diritto civile, 5 ed.Messina 1929, I, p. 205 e II p. 826 ss.; NICOLO, Istituzioni di diritto privato, Milo 1962, I,p.16 ss., 59 ss.; F. SANTORO PASSARELLI, La transazione, 2 ed. Npoles 1975, p. 121 ss.;DE LUCA TAMAIO, La norma inderogabile nel diritto del lavoro, Npoles 1976.

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    pblica pode ser disciplinado pelo legislador de acordo com a variao doponto de equilbrio identificado por ele entre o componente privatista e ocomponente publicista do processo: da a histria dos processos que sesucederam no tempo, da o problema sempre atual da reforma do processo.

    De realmente eterno no processo eu diria que existe apenas a exi-gncia de imparcialidade do juiz, exigncia sobre a qual se funda o princpioda demanda (segundo o qual o processo deve ser iniciado por instncia deum sujeito, no importa se pblico ou privado, mas diverso da pessoa dojuiz), e seu artifcio da extino do processo por renncia aos atos ou porinrcia das partes, bem como o princpio do veto de utilizao do saberprivado por parte do juiz no que diz respeito alegao dos fatos ou dasfontes materiais das provas3.

    O carter privado disponvel do direito objeto do processo civil, poroutro lado, fundamenta o princpio da normal correlao entre titularidadedo direito material e titularidade do direito ou poder de ao, aexcepcionalidade das hipteses de legitimao extraordinria dos sujeitosprivados no titulares do direito substancial, assim como a excepcionalidadedo poder de ao e da obrigatoriedade da interveno do Ministrio Pbli-co4. Ademais, o direito privado disponvel do direito objeto do processo tido como fundamento de institutos tais como a conciliao judicial, o defe-

    rimento e a referncia ao compromisso legal, a eficcia da prova legal daconfisso, da admissibilidade do recurso ao juzo arbitral etc., institutos estesque podem ser previstos ou no em cada ordenamento positivo.

    A natureza (tendencialmente excepcional no atual estado de evolu-o das relaes pblico-privado) indisponvel (ou semi-disponvel) do direi-to aplicado no processo fundamenta ao contrrio o recurso a institutos taiscomo a legitimao extraordinria, a legitimao para o Ministrio Pblicoagir ou intervir obrigatoriamente, a no vinculao para o juiz das afirma-

    es mesmo contra se das partes privadas, a tendncia a reduzir o valor dosistema da prova legal com a nica exceo da prova documental, a tendn-cia inadmissibilidade da arbitragem e da conciliao5.3 Ver minhas Lezioni di diritto Processuale civile, 3 ed., Npoles 1999, p. 204 ss. e, nomesmo, indicaes bibliogrficas essenciais.4 Ver minhas Lezioni cit., p. 207 s., 311 ss.5 Ver minhas Lezioni cit., 220 s., 311 ss., 314 s., 434 s., 440, 449, 473, 476 s., 747 ss., assimcomo o sempre atual estudo de CALAMANDREI, Linee fondamentali del processo civileinquisitorio, in Studi in onore di Giuseppe Chiovenda , Pdua 1927, p. 131 ss., publicadonovamente in Opere Giuridiche, I, Npoles 1965, p. 145 ss.

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    Excetuando-se estes poucos dados, que eu definiria firmes e imut-veis, toda a disciplina do processo civil relativo a direitos disponveis reme-te a escolhas de oportunidade, escolhas influenciadas no apenas pelo cos-tume, pelos hbitos dos operadores prticos (juizes e advogados) concreta-

    mente convocados a gerenci-lo, mas tambm, e eu diria principalmente,pela variao do ponto de equilbrio identificado a cada vez entre compo-nente privatista e componente publicista do processo.

    Pode-se iniciar com questes (apenas) aparentemente tericas: o di-reito ou poder de ao tem natureza privada ou pblica, tem por objeto aaspirao a um provimento de mrito ou a um provimento qualquer, dirigi-do contra o demandado ou contra o Estado Juiz? O escopo do processo, afuno da jurisdio a aplicao do direito objetivo e apenas indiretamente

    a tutela dos direitos subjetivos ou vice-versa? Os fatos dispensveis para aindividuao do direito material, ou que no justifiquem excees relevveissomente por instncia da parte, podem ser alegados ao juzo apenas pelaparte a que interessam, apenas pelas partes, ou tambm como resultado deinstruo probatria (incluindo-se as que resultam da percia tcnica), coma conseqncia de que o juiz sublinhada a vedao da utilizao do seusaber privado - como regra geral pode salientar de ofcio sua eficciaconstitutiva, impeditiva, modificativa, extintiva. As partes, no caso em que

    sejam beneficiadas pela interveno de terceiros interessados e do Minist-rio Pblico, tm ou no o monoplio em relao produo e demanda deadmisso de meios de prova; e, na segunda hiptese, em que medida soatribudos poderes instrutrios tambm ao juiz? Em que limites, fora da pro-va documental, devem ser previstas regras de prova legal, ou deve ser intro-duzido o instituto do compromisso legal da parte livremente avalivel pelojuiz? Qual a disciplina a ser adotada em relao admisso da prova teste-munhal? Que conseqncias podem derivar da recusa da parte ou do ter-

    ceiro de obedecer ordem de exibio ou de inspeo? Deve-se atribuir ouno ao juiz o poder de firmar elementos de conhecimento baseado no com-portamento processual das partes? Que conseqncias podem ser atribu-das inrcia das partes, se for o caso fazendo uma distino segundo asfases e a espcie do processo? Que conseqncias devem ser atribudas contumcia do demandado? Devem ou no ser introduzidos processos dife-renciados de cognio plena em considerao da particularidade de deter-minadas controvrsias em razo da matria e no, ou no apenas, do valor?

    Que estrutura dar ao processo ou aos processos de cognio plena e prin-

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    cipalmente dentro de que limites oportuno apontar para o juiz e para acolaborao entre juiz, parte e defensores para a delimitao do themadecidendum e do thema probandum; dentro de que limites devem serprevistas precluses em tema de perguntas, excees, provas; e, quando

    previstas, as violaes do regime de precluses (ou dos limites deadmissibilidade ou das regras de produo de cada prova) so suscitveisde ofcio ou somente mediante provocao da parte? O demandado tem ouno direito deciso imediata sobre questes prejudiciais processuais quesejam abstratamente aptas competncia do juzo, que impeam o examedo mrito, ou esta deciso subordinada a uma prvia deliberao a reque-rimento do juiz; a mesma disciplina deve ser adotada em relao s ques-tes prejudiciais de mrito? Devem ser introduzidos controles imediatos so-

    bre juzos de admissibilidade dos meios de prova? O juzo de apelao deveser estruturado como novum iudiciumou comorevisio prioris instantiae,e qual a funo a ser atribuda Corte Suprema? Dentro de que limitesdeve ser prevista a resciso da sentena transitada em julgado? Quais de-vem ser os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada e a conseqentedisciplina da conexo e da suspenso? Qual deve ser o mbito do litisconsrcionecessrio ou da convocao do terceiro por determinao do juiz? Dentrode que limites dar-se- a par condicio creditorumpor meio da interven-

    o na expropriao forada? Devem ser introduzidos instrumentos para aindividualizao dos bens do devedor inadimplente? Que espcie de medi-das coercitivas devem ser introduzidas para garantir a aplicao concretadas condenaes em provimento inibitrio, ou o cumprimento de obrigaesinfungveis, e com que limites para a tutela da liberdade da pessoa? Paragarantir a eficcia (evitar desperdcios de atividade processual) do sistemaprocessual como um todo, dentro de que limites devem ser introduzidosprocedimentos de tipo monitrio capazes de deslocar sobre o demandado a

    escolha de desenvolver o processo nas formas da cognio plena, ou for-mas de encerramento simplificado do processo no caso do reconhecimentoda demanda? A fim de reprimir abusos do direito de defesa por parte dodemandado, dentro de que limites devem ser introduzidos provimentosantecipatrios de condenao, ou deve ser prevista a condenao com re-serva nos casos de excees protelatrias? Para garantir a efetividade datutela jurisdicional, dentro de que limites devem ser previstos procedimentossumrios cautelares ou no cautelares propriamente ditos, considerando a

    necessidade da previso de uma medida cautelar atpica para fechar o sis-

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    tema? Dentro de que limites deve ser prevista a possibilidade de reclama-o imediata frente a um juzo colegiado de provimentos sumrios (cautelarese no cautelares) que tenham eficcia extraprocessual? Que regime deinstrumentalidade deve ser previsto para os provimentos cautelares? Que

    procedimento deve ser utilizado em matria de jurisdio voluntria e, espe-cialmente, como deve ser garantida a tutela dos direitos sancionados porprovimentos de jurisdio voluntria? A disciplina das nulidades por vciosformais ou extra-formais deve prever quando possvel mecanismos desanatria com carter retroativo, e isto apenas para o juzo de primeira ins-tncia ou tambm em fase de recurso? De um modo mais geral, as formase os termos do processo devem ser predeterminados pelo legislador, entre-gues discricionariedade do juiz no todo ou em parte; na primeira hiptese

    devem ser previstos momentos de discricionariedade no que diz respeito deciso imediata com sentena de questes prejudiciais processuais abstra-tamente aptas a definir o juzo, de questes prejudiciais de mrito instrudoou que no necessitem de instruo (ver art. 187, alneas 2 e 3); ou emrelao avaliao do carter suprfluo de mais uma instruo probatriana hiptese de demanda de admisso de provas que visem mudar o resulta-do da prova j produzida (v. art. 209); ou em relao modificao dasdemandas ou das excees (v. art. 420, alnea 1).

    A discusso poderia continuar, mas o elenco aqui apresentado meparece mais do que suficiente para mostrar como a soluo de cada um dosproblemas apontados depende do diferente ponto de equilbrio que se queiradar s motivaes contrapostas derivadas do componente privatista ou docomponente publicista do processo.

    Por exemplo, a prevalncia do componente privatista, da liberdadensita no direito subjetivo aplicado em juzo, induzir a atribuir natureza pri-vada ao direito ou poder de ao e a individuar seu contedo na aspirao a

    um provimento de mrito (ou at a um provimento de mrito favorvel aoautor); a individuar na tutela dos direitos subjetivos o escopo imediato doprocesso ou da jurisdio; a afirmar o monoplio das partes no que concerneos fatos a serem alegados e os meios de prova a serem produzidos em juzo;a excluir o compromisso legal da parte livremente avalivel pelo juiz; a intro-duzir regras de prova legal ligadas em sentido lato autonomia privada, taiscomo os limites prova para as testemunhas dos contratos; a exaltar opoder das partes na admisso da prova testemunhal; a limitar as conseqn-

    cias desfavorveis parte ou ao terceiro no caso de desobedincia ordem

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    de exibio ou inspeo do juiz; a limitar ao mximo, ou at a excluir que ojuiz possa deduzir elementos de conhecimento pelo comportamento proces-sual das partes; a reduzir ao mnimo as conseqncias da inrcia das partes;a considerar completamente neutro o comportamento do demandado,

    consubstanciado em sua contumcia; a reconduzir a previso de processosdiferenciados de cognio plena unicamente ao critrio do valor; a preverum processo de cognio plena no qual a determinao do themadecidendume dothema probandum seja remetida exclusivamente s par-tes sem poder algum de direo ou de colaborao por parte do juiz; a adiaro mximo possvel, at o momento da deciso, o amadurecimento dasprecluses ineliminveis em tema de demandas, excees e provas; a acharque a violao das precluses eventualmente resultantes, ou dos limites de

    admissibilidade ou das regras de admisso das provas, seja subordinada aexcees de parte; a atribuir ao demandado o direito deciso imediatasobre questes prejudiciais processuais que impeam o exame do mrito, ousobre as questes prejudiciais de mrito; a prever controles imediatos sobrejuzos de admissibilidade ou levantamento dos meios de prova; a estruturar ojuzo de apelao comonovum iudiciume dar prevalncia ao ius litigatorisno juzo da Corte Suprema; a limitar os motivos de revogao extraordin-ria; a restringir ao mximo os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada

    e conseqentemente a limitar as hipteses de conexo e de suspenso; alimitar ao mximo o mbito de aplicao do litisconsrcio necessrio e aexcluir a interveno forada sob instncia do juiz; a limitar a aplicao dapar condicio creditorum no caso da expropriao forada somente nashipteses de credores munidos de direitos de prelao sobre os bens amea-ados; a introduzir um sistema de medidas coercitivas caracterizado porpenas pecunirias aplicadas ao credor; a permanecer neutros em relao sescolhas motivadas pela exigncia de eficincia; a excluir a introduo de

    instrumentos particulares para reprimir o abuso do direito de defesa do de-mandado; a garantir a efetividade da tutela jurisdicional por meio de proce-dimentos sumrios cautelares ou no cautelares tpicos, reafirmada a exi-gncia de uma medida cautelar atpica de encerramento; a prever a possibi-lidade de reclamao imediata frente a um juzo colegiado dos provimentossumrios que tenham eficcia extra-processual; a permanecer neutros frente espcie de instrumentalidade dos provimentos cautelares; a tutelar aomximo os direitos oriundos dos procedimentos de jurisdio voluntria; a

    permanecer neutros e insensveis frente disciplina da sanatria das nulida-

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    des por vcios formais e extra-formais; a predeterminar por lei na medidamais ampla possvel as formas e os termos do processo; a excluir momentosde discricionariedade do juiz que possam limitar o direito do demandado auma deciso imediata com sentena sobre as questes prejudiciais proces-

    suais, abstratamente aptas a definir o juzo, que impeam o desenvolvimentodo mrito, e sobre as questes prejudiciais de mrito instrudas ou que nonecessitem de instruo, isto , em matria de avaliao de superfluidadede mais uma instruo probatria na hiptese de demanda de admisso deprovas que visem mudar o resultado da prova j produzida, isto , em mat-ria de modificao das demandas ou das excees etc.

    Em considerao e respeito aos ouvintes evito indicar analiticamentecomo a soluo de cada problema em grande parte oposta quela ora

    apontada no caso em que se faa prevalecer o componente publicista doprocesso, nsito no carter pblico da jurisdio ou do instrumento processo. oportuno observar que nenhum ordenamento adota um sistema pro-

    cessual integralmente inspirado na prevalncia de um ou outro componente.A histria do processo a histria dos diferentes pontos de equilbrio

    alcanados em referncia a cada instituto entre os dois componentes emeterno conflito, dois componentes que refletem os eternos valores contra-postos liberdade-autoridade, certeza-justia.

    2.Ao aproximar-me do tema especfico desta exposio, devo dizerque o c.p.c. de 1865 (em sua verso original, mas tambm aps a reformado procedimento sumrio de 1901) era um cdigo claramente inspirado naprevalncia do componente privatista em relao ao publicista6. Como bvio, as partes detinham no apenas o monoplio em relao proposioda demanda (e das excees arguveis apenas por iniciativa da parte), mastambm poderes praticamente exclusivos em relao determinao dos

    prazos do processo, em relao s provas, em relao provocao dedecises imediatas com sentenas imediatamente impugnveis sobre qual-quer questo prejudicial de processo ou de mrito, bem como em matria deprova; eram desconhecidos institutos, como a possibilidade de deduzir ele-mentos de conhecimento baseando-se no comportamento processual das

    6 Sobre o cdigo de processo civil de 1865 ver TARUFFO, La giustizia civile in Italia dal 700a oggi, Bolonha 1980, p. 107 ss., 151 ss.; CIPRIANI, Il processo civile in Italia dal codicenapoleonico al 1942, Riv. dir. civ., 1966, I , p. 67 ss., publicado novamente in Ideologie emodelli del processo civile, Npoles 1997, p. 3 ss., 8 ss.

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    partes; o juiz era desprovido de qualquer poder de colaborao com as par-tes para a determinao dothema decidendum e dothema probandum,ou seja, no tinha nenhum dos poderes discricionrios supracitados etc.

    O grande significado da obra de Giuseppe Chiovenda consiste em ter

    tentado, sob a influncia da doutrina e da legislao alem da segunda me-tade do sculo XIX, deslocar o eixo do sistema processual civil da prevalnciado componente privatista para a prevalncia do componente publicista7.

    Sob este aspecto, Chiovenda parece realmente um mestre a anos-luzde distncia de Ludovico Mortara. Este, mesmo tendo sublinhado energica-mente no primeiro volume de seu comentrio a centralidade da jurisdioestatal, em suas propostas de reforma de 19238, mesmo tentando atribuir aojuiz poderes de direo do processo, e prevendo que sobre as provas pudes-

    se decidir o juiz delegado, mediante disposio irrevogvel, impugnvel ape-nas com a sentena que define o juzo, continuava prevendo a disciplina deum processo marcado pela prevalncia do carter privatista, caracterizadapela ausncia de precluses e pela ausncia de poderes discricionrios atri-budos ao juiz em funo da presteza ou no da deciso com sentena ime-diatamente impugnvel das questes prejudiciais de processo ou de mrito,ou em matria de encerramento da instruo por questes suprfluas9.

    Completamente diferente apresenta-se a obra de Giuseppe Chiovenda:

    a partir da afirmao do carter pblico da ao e da jurisdio ele deduz oprincpio da mxima instrumentalidade possvel do processo em relao aodireito material, princpio este por sua vez traduzido nas clebres mximassegundo as quais o processo praticamente deve dar, na medida do possvel,a quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tem direitode obter, todas as formas de aplicao da lei (e todos os meios executivos)que sejam possveis na prtica e no sejam contrrias a uma norma geral ouespecial de direito devem se considerar admissveis, e finalmente segundo

    as quais a durao do processo no deve prejudicar o autor que tem razo.

    7 Ver CALAMANDREI, Gli studi di diritto processuale in Italia nel ventennio fascista(1941), hoje publicados novamente com outro ttulo em Opere giuridiche, I, p. 523 ss.; S.SATTA, Dalla procedura civile al diritto processuale civile, Riv. trim. dir. e proc. civ., 1964,publicado novamente in Soliloqui e colloqui di un giurista, Pdua 1968, p. 100 ss.; CIPRIANI,Storie di processualisti ed oligarchi, Milo 1991.8 Publicadas in Giur. it. 1923 e 1924 e em volume autnomo em 1924.9Sobre a figura de Mortara ver os escritos citados na precedente nota 7, e o que escreve S. SATTAin Attualit di Lodovico Mortara, in Soliloqui e colloqui cit., p. 459 ss.

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    Com base nestes princpios ele tenta reconstruir aps conduzir pesquisasde carter histrico e comparativo um sistema que eu definiria dinmicovisando ampliar a tutela jurisdicional dos direitos: consideremos sobretudo atentativa de introduzir num vis interpretativo institutos como a sentena

    constitutiva que, na hiptese de inadimplncia do contrato preliminar, produ-za os mesmos efeitos do contrato definitivo no concludo, ou a aoasseguradora geral10. Ao meu ver, sob a tica da tutela jurisdicional dosdireitos, a obra de Chiovenda guarda praticamente intacto todo seu frescore atualidade11.

    Muito mais delicada a avaliao das propostas de reforma deChiovenda, propostas que, como sabido, resultaram num projeto muitoparcial redigido em 191912. O cerne da proposta a adoo de um processo

    oral concentrado e imediato, a ser desenvolvido integralmente frente cor-te, todo caracterizado pela atribuio ao juiz de uma posio central dergo pblico interessado em fazer justia da maneira melhor e mais rpidapossvel13. Da a atribuio ao juiz de poderes amplos de colaborao comas partes na determinao tendencialmente definitiva dothema decidendume dothema probandum, a previso de amplos poderes instrutrios atribu-dos ao juiz para esclarecer a verdade dos fatos e para garantir causauma deciso conforme a justia14, a introduo de um sistema de precluses,

    ainda que limitado, a deciso mediante sentena, na hiptese das partes noterem celebrado um acordo, das questes relativas s provas, a decisotambm mediante sentena das questes que impedem o exame do mritomas com a atribuio ao juiz do poder discricionrio de decidi-las imediata-mente ou na concluso da instruo, a impugnao necessariamente diferidadas sentenas no definitivas.

    difcil avaliar o conjunto da obra de Chiovenda. De fato, se seusistema se baseia todo no carter pblico da ao e da jurisdio, tais pre-

    missas servem a Chiovenda principalmente para ampliar ao mximo a tutelajurisdicional dos direitos, a instrumentalidade do processo em relao ao

    10Ver meu Chiovenda e la tutela cautelare, Riv. dir. proc. 1988, p. 16 ss. e in Studi in onoredi Mario Nigro.11 Quase todos meus estudos publicados novamente in Appunti sulla giustizia civile, Bari1982, seguem esta linha. Ver meu Attualit di Giuseppe Chiovenda, Foro it. 1995, V, 1 ss.12Publicado novamente in Saggi di diritto processuale civile, II, Roma, 1931, p. 1 ss.13Assim CHIOVENDA na Relao ao projeto cit. na nota acima, p. 38.14Assim no art. 29 do projeto.

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    direito material e a suas necessidades de tutela: ou seja, os pressupostospublicistas levam a uma ampliao da tutela dos direitos privados. Ademais,os pressupostos claramente publicistas em matria de ao e jurisdio noinduzem de maneira alguma Chiovenda a ampliar os limites objetivos ou

    subjetivos da coisa julgada, e isto em considerao ao respeito liberdadedo autor ou ao direito de defesa dos terceiros15. diferente, porm, a ava-liao que se deduz de suas propostas de reforma: nelas os pressupostospublicistas da ao e da jurisdio, junto com a exigncia de realizar umprocesso rpido, induzem Chiovenda a ampliar provavelmente alm da me-dida os poderes discricionrios lato sensudo juiz e a reduzir os poderes daspartes principalmente sob a dupla tica de obter imediatamente uma senten-a da corte e de poder reagir imediatamente a sentenas no definitivas16.

    O sistema e o projeto de reforma de Chiovenda exerceram uma grandeinfluncia sobre a doutrina surgida a partir dos anos vinte: nos anais daRevista de Direito Processuala partir de 1924, ou nas monografias dosjovens Liebman, Costa, Andrioli, Carnacini, Allorio, Micheli, Garbagnati etc.,a tnica publicista de Chiovenda (levada at a exasperao na verso acei-ta por Carnelutti) constitui o eixo de tudo o que foi escrito na poca, salvouma nica voz contrria, a de Salvatore Satta, voz essa que parece todaviadeter-se pelo menos naqueles anos nos pressupostos tericos da ao e

    do escopo do processo, mais do que na anlise de cada instituto17

    .O ncleo principal colocado por essa tnica, isto , a oposio liber-dade da parte-poder do juiz, no desenvolvido: principalmente na vignciade um cdigo que permitia o controle imediato da parte sobre qualquer pro-vimento do juiz e que limitava ao mximo os poderes discricionrios do mes-mo, o problema das garantias das partes frente aos poderes do juiz noconstituiu objeto especfico de anlise.

    A nica discusso forte sobre as garantias constitudas pela

    predeterminao das formas e dos termos em matria processual foi aqueladesenvolvida, embora muito sucintamente, por Calamandrei e Allorio contra

    15 Ver CHIOVENDA, Istituzioni di diritto processuale civile, 2 ed., Npoles 1935, especial-mente nmeros 124 e 133.16 Ver particularmente os artigos 28 e 85.17Ver S. SATTA, Gli orientamenti pubblicistici della scienza del processo, Riv. dir. proc., I,1937, p. 32 ss. publicado novamente in Soliloqui e colloqui, p. 177 ss. Para indicaesbibliogrficas sobre a polmica levantada por esta obra, ver TARUFFO, La giustizia civile inItalia dal 700 a oggi, p. 247 s.

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    as tendncias nacional-socialistas que visavam aumentar sem limites ospoderes discricionrios do juiz na gesto do processo18.

    3.Neste contexto chega-se emanao do novo cdigo de processo

    civil de 194019

    .Ao contrrio do c.p.c. de 1865, o novo cdigo inspira-se claramentena prevalncia do componente publicista sobre o privatista. As partes con-servam o monoplio em relao proposio da demanda (e das exceesarguveis somente por instncia das partes), mas perdem todo o poder sobrea determinao dos tempos do processo, poder este que transferido parao juiz, e vem pesadamente sancionada com a extino imediata qualquerhiptese de inrcia; os poderes instrutrios de ofcio so ampliados, mas o

    princpio geral permanece o da disponibilidade das provas; so conferidosao juiz no apenas amplos poderes de colaborao com as partes na deter-minao do thema decidendum e do thema probandum (alm disso, introduzido o instituto da livre oitiva das partes, do qual o juiz pode dispor emqualquer momento), mas tambm o poder discricionrio definitivo de decidirse, frente a uma questo prejudicial processual, abstratamente apta a definiro processo, que impea o desenvolvimento do mrito ou de uma questoprejudicial de mrito, entregar logo a causa ao colegiado a fim de provocar

    imediatamente uma sentena sobre tal questo, ou ento proceder instru-o e deixar que a questo seja decidida quando do trmino da instruo; assentenas pronunciadas sobre as questes sem definir o juzo nunca soimediatamente impugnveis; todos os provimentos relativos s provas soemanados pelo juiz instrutor na forma da deciso revogvel e nunca imedi-atamente apelvel ou reclamvel; atribui-se ao juiz o poder de declarar en-cerrada a instruo quando considerar suprfluas, dados os resultados jalcanados, outras admisses de provas, independentemente de as provas

    a serem acrescentadas visarem mudar ou confirmar o resultado da prova jproduzida; introduzido um sistema de precluses aparentemente rgido

    18 Ver CALAMANDREI, Abolizione del processo civile, Riv. dir. proc. 1938, I, p. 336 ss.,publicado novamente in Opere giuridiche I, p. 386 ss.; id. La relativit del concetto diazione, Riv. dir. proc. 1939, I, p. 22 ss. publicado novamente in Opere giuridiche, I, p. 427ss., 447 ss.; ALLORIO, Giustizia e processo nel momento presente, Riv. dir. proc. 1939, I,p. 220 ss., publicado novamente in Problemi di diritto, Milo 1957, III, p. 151 ss.19Pode-se ler hoje a histria da gestao do cdigo de 1940 inCIPRIANI, Il codice di proceduracivile tra gerarchi e processualisti , Npoles 1992, contendo uma rica publicao de docu-mentos. Ver tambm TARUFFO, La giustizia civile in Italia, p. 253 ss.

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    ancorado concluso da fase preparatria, precluses porm que so supe-rveis tambm na fase da apelao em conseqncia do exerccio de umpoder substancialmente discricionrio do juiz; ademais, quando a causa forde competncia do tribunal, todos estes poderes discricionrios so conferi-

    dos nova figura do juiz instrutor, isto , um rgo judicirio desprovido dopoder decisrio em relao demanda. No quarto livro introduzida umadisciplina bem pouco garantista dos seqestros, diferentemente do que estprevisto para as denncias e principalmente para os novos provimentos deurgncia; a disciplina comum aos procedimentos na cmara do conselhocontinua sendo referida quase que exclusivamente discricionariedade dojuiz, mesmo podendo incidir de maneira irreversvel sobre direitos verdadei-ramente subjetivos.

    No plano da arquitetura deve-se tambm notar que o primeiro livrodo cdigo no comea mais com o princpio da demanda, mas com a disci-plina da jurisdio e da competncia.

    O cdigo acompanhado por uma erudita relao barroca com refe-rncias ao autoritarismo do estado fascista, que serve para justificar o au-mento dos poderes do juiz e a substituio do princpio de autoridade pelo deliberdade20, embora num pargrafo equvocado se defenda o princpio dis-positivo, projeo do direito subjetivo21e em outro o princpio da legalidade

    das formas processuais, princpio porm cuja rigidez abrandada pelo prin-cpio da adaptabilidade referido sensibilidade das partes e sabedoria dojuiz22.

    O novo cdigo acolhido triunfalmente pela doutrina, que se dedicaimediatamente ao seu comentrio23.

    Entra em vigor em 21 de abril de 1942, e o fracasso do processoordinrio de cognio quase imediato. Talvez devido s infelizes disposi-

    20Ver particularmente os nmeros 2, 3, 5, 12.21 Assim o ttulo do n. 13 da relao, a cujo respeito ver ANDRIOLI, Commento al codice diprocedura civile, I, Npoles 1941, part. p. 290 ss.; id. Diritto processuale civile, Npoles1979, I, p. 234 ss.; CARNACINI, Tutela giurisdizionale e tecnica del processo, in Studi inonore di Redenti, Milo 1951, II, p. 693 ss.22Ver n 16 da Relao.23 Ver as obras de DAmelio, Conforti, Redenti, Carnelutti e Calamandrei publicadas no primeirofascculo da Rivista di diritto processuale civile de 1941. Ver tambm os primeiros comen-trios constitudos pela Guida Pratica de Satta j citada, pelas Istituzioni de Carnelutti, asIstituzioni de Calamandrei e o Commento de Andrioli. Sobre o assunto ver CIPRIANI, Il codicedi procedura civile tra gerarchi e processualisti, p. 53.

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    es transitrias que previam a aplicao imediata do novo rito a todos osprocessos pendentes, mesmo que cancelados do registro de distribuio,certamente tambm devido trgica situao de guerra que a Itlia estavavivendo, com um grande nmero de magistrados, secretrios, oficiais con-

    vocados pelas foras armadas, o novo processo tem muita dificuldade emdecolar no seu primeiro ano de vida24. Com a chegada de 25 de julho e 8 desetembro de 1943, a reao principalmente dos advogados comea a cres-cer, o cdigo rotulado de fascista, de mussoliniano, de autoritrio, e prova-velmente tambm porque sua aplicao exigia pesadas mudanas de costu-me que no podiam ser exigidas naquele particularssimo momento histri-co, pede-se sua imediata ab-rogao com o retorno ao velho cdigo liberalde 1865 e ao procedimento sumrio de 190125.

    A reao dos processualistas imediata e absolutamente compacta.Para dar uma idia basta citar um ensaio clssico de 194426de Andrioli eMicheli: No h dvida e seria hipcrita neg-lo de que, enquanto noque diz respeito ao exerccio da ao o cdigo de 1940 no menos demo-crtico do que seu antecessor, no plano propriamente processual o fiel dabalana decididamente deslocou-se da faculdade das partes para os pode-res do juiz: numa palavra, pelo menos tendencialmente, passou-se do impul-so de parte para o impulso de ofcio; mas os autores tm o cuidado de

    acrescentar imediatamente, antecipando os resultados da pesquisa politi-camente o impulso de ofcio to pouco autoritrio quanto o impulso departe democrtico, porque os critrios do modus procedendi soapolticos. O perfil publicista do processo civil no um achado dosregimes totalitrios; na Itlia foi evidenciado por Chiovenda, de cujos senti-mentos liberais ningum podia duvidar, e no exterior teve amplo desenvolvi-mento legislativo e doutrinrio.... A elaborao doutrinria na Itlia do cdi-go de 1865, ademais, comeando por Mortara e continuando com Chiovenda,

    Calamandrei, Segni, inspirou-se completamente no carter pblico da fun-o jurisdicional, mesmo na construo de um sistema baseado no cdigode 1865: to preponderante era a exigncia acusada pela cincia de que

    24 Sobre o assunto ver CIPRIANI, ltima obra cit., p. 66 ss., 80 ss.25 Sobre o assunto ver CIPRIANI, obra cit., p. 80 ss.26 Ver ANDRIOLI-MICHELI, Riforma del codice di procedura civile, Caderno dedicado Defascistizzazione e riforma dei codici e dellordinamento giudiziario, Ann. dir. comp. XVIII,1946, p. 199 ss. de cujas pginas 201, 202, 203 e 204 foram extradas as citaes deste texto.

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    nosso processo acompanhasse no apenas os progressos alcanados noexterior, mas a inegvel evoluo do prprio Estado Italiano, de cujoordenamento fazia parte o processo civil de 1865. Pelas observaes aquiexpostas, relativas principalmente ao ordenamento ingls, parece claro que

    a evoluo dos juzos cveis no sentido de reforar os poderes do juiz no condicionada, nem lgica nem cronologicamente, pela instaurao de umestado totalitrio, mas responde ao progresso das condies tcnicas e pro-cessuais em curso h mais de dez lustros e que tambm os pases maisdemocrticos acolheram considerando-o perfeitamente concilivel com aspremissas polticas e constitucionais nas quais se inspiram. O cerne destaevoluo no deve, portanto, ser reconduzido a um princpio poltico deexaltao do Estado, mas exigncia que o Estado moderno sente cada

    vez mais de utilizar a atividade jurisdicional da melhor maneira possvel.Em outras palavras, se verdade que a concepo autoritria do Estadofavoreceu a introduo de um processo, no qual so conferidos ao juiz am-plos poderes quanto conduo do procedimento, tambm verdade queeste tipo de processo havia sido auspiciado pela prtica e pela cinciaprocessualstica italiana em nome daquelas exigncias tcnicas que j havi-am se imposto em todos os pases e que nascem no de consideraesextrnsecas, de ordem poltica ou ocasional, mas sim surgem do prprio inte-

    rior do processo, digamos da lgica do processo civil27

    .A evoluo do caso 28 conhecida: evitada a ab-rogao, osprocessualistas conseguiram, por meio de uma mirade de intervenes, diluira reforma do cdigo, que desembocou enfim na Lei n 581 de 14 de julho de1950.

    Substancialmente, com a novidade de 1950, a cultura processualistaganhou sua batalha em defesa do novo cdigo, embora fosse obrigada aceder em alguns pontos, principalmente no que diz respeito impugnao

    imediata das sentenas no definitivas e extino (entre os processualistasnunca houve acordo sobre o regime das precluses, e o prprio cdigo de1940 acolhia uma soluo de compromisso): o cdigo de 1940 era o fruto,ainda que imperfeito, da escola processualista italiana que, a partir de

    27 Com o mesmo objetivo ver tambm S. SATTA, In difesa del codice di procedura civile, inForo it. 1947, 4, 45.28 Amplamente tratada por CIPRIANI, il codice di procedura civile tra gerarchi eprocessualisti, p. 80 ss.; TARUFFO, La giustizia civile in Italia dal 700 a oggi, p. 389 ss.;ver tambm meu Il processo di cognizione a trentanni dal codice, Riv. dir. proc. 1972, p. 35 ss.

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    Giuseppe Chiovenda (e para alguns a partir de Lodovico Mortara), acentu-ara o componente publicista em detrimento do privatista.

    A polmica em torno do carter fascista ou no, autoritrio ou no,do cdigo de 1940 foi perdendo fora progressivamente e os processualistas,

    recuperada sua tranqilidade, puderam voltar a dedicar-se ao estudo doprocesso acentuando seu componente publicista.Em 1955, intervindo num aceso encontro entre magistrados, docen-

    tes universitrios e advogados sobre o juiz instrutor29, Piero Calamandrei,com sua habitual clareza, capta mais do que o problema, o modo pelo qualos processualistas o enfrentavam e continuaram a enfrent-lo h at bempouco tempo. Na preveno de uma parte dos advogados contra o cdigovigente existe como precisamente apontou o colega Andrioli tambm

    uma razo de carter mais geral, que toca a noo mesma do processo e osfins da justia civil. Trata-se do choque entre duas concepes do processocivil, a publicista e a privatista. Na concepo privatista, que alguns continu-am considerando prefervel, o juiz tem a posio de rbitro num jogo. Aspartes trocam golpes e quando o jogo acaba o juiz calcula os pontos e deter-mina o resultado. O cdigo de 1942, embora no possa ser considerado umcdigo integralmente chiovendiano (por faltar-lhe a aplicao integral doprincpio da oralidade, segundo o qual todas as provas deveriam ser produ-

    zidas, assim como no debate penal, frente ao colegiado), inspira-se contudona concepo publicista, segundo a qual o processo civil tambm persegueum objetivo de interesse pblico. Esta concepo publicista tem seu rgono juiz instrutor: para no destruir sua prpria razo de ser, a funo do juizinstrutor no pode ser a de assistir passivamente troca das peties, dei-xando as partes esgotarem seus argumentos como melhor lhes convier, ouexponham, como outros preferem dizer, suas baterias, para depois intervirno ltimo momento, sem nenhuma finalidade a no ser receber os autos. O

    juiz instrutor, a fim de responder ao escopo para o qual foi institudo, deveser um estimulador das partes, um pesquisador ativo da verdade, mesmoquando as partes no sabem ou no querem descobri-la. A funo que ocdigo quis dar ao juiz instrutor (que agrade ou no outra questo) foi aseguinte: que, quando as partes se apresentam diante dele aps a trocapreliminar das peties preparatrias (ato de citao e oferta de resposta),ele se empenhe no apenas por meio do estudo de tais peties, mas sobre-

    29 Ver Autos do encontro in Il giudice istruttore nel processo civile, Milo 1955.

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    tudo atravs do contato direto com as partes, no sentido de trazer tona asquestes essenciais da causa30.

    Como resposta aos advogados31que se queixavam do poder substan-cialmente discricionrio, e de qualquer forma no susceptvel de um contro-

    le imediato, do juiz instrutor no sentido de escolher o momento em que fazerdecidir (por meio de sentena imediatamente impugnvel) as questes pre-judiciais impeditivas do exame do mrito ou as questes prejudiciais de m-rito, os processualistas punham um verdadeirofin de non recevoire base-ado no carter pblico do processo.

    A concepo agora resumida por Calamandrei continuou preva-lecendo pelo menos nos estudiosos mais atentos aos problemas da re-forma do processo de cognio. Nela basearam-se a reforma de 1973

    do processo do trabalho (que previa, porm, a introduo de um rgidosistema de precluses e a anlise do processo por parte de um juizmonocrtico, sem a infausta contraposio juiz instrutor-colegiado) e osnumerosos estudos que apoiaram sua entrada em vigor e sua aplica-o32; nesta mesma concepo baseou-se ainda a reforma que resultouna Lei 353/1990 (que tambm previa, porm, o estudo do processo nor-malmente por parte de um juiz monocrtico e a introduo de um articu-lado sistema de precluses).

    Diria que a prevalncia do elemento publicista sobre o privatista afir-mada por Chiovenda no incio do sculo continuou permeando todos os es-tudos sobre a reforma do processo, assim como a partir dos anos 70, odiscurso de Chiovenda foi retomado e desenvolvido no mbito da tutelajurisdicional dos direitos e da efetividade da tutela33.

    30 Ver interveno no encontro citado nota acima, Autos, p. 242 ss.

    31 Ver no decorrer do mesmo encontro citado acima a interveno de CASTELLET, p.302, 303. Ver tambm, para informaes mais amplas, as obras de CIPRIANI, la ribellionedegli avvocati al c.p.c. del 1942 e il silenzio del Consiglio nazionale forense, Rass. for.1992, p. 71 ss. e Gli avvocati italiani e l esperienza fallita, Rass. for. 1997, p. 179ss., publicados novamente in Ideologie e modelli del processo civile , Npoles 1997, p.75 ss., 103 ss.32 Para a compreenso do clima cultural desses anos vejam-se os estudos de M. CAPPELLETTI,Processo e ideologie, Bolonha 1969; id. Giustizia e societ, Milo 1977; V. DENTI, Pro-cesso civile e giustizia sociale, Milo 1971.33 Ver nota 11. Consultar tambm MONTESANO, La tutela giurisdizionale dei diritti, 2ed., Turim 1994; A. DI MAJO, La tutela civile dei diritti, 3 ed., Milo 2001.

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    4.Apenas nestes ltimos anos34foi explicitamente retomado na Itliao debate pblico-privado no processo civil35.

    Fruto desta renovada reflexo foi principalmente o tema das garantias.4.1.Em primeiro lugar, pareceu a alguns36que o ncleo essencial das

    garantias do processo civil de cognio plena dado pela predeterminaolegal das formas e dos termos. Principalmente no processo de cognioplena (ou nos processos de cognio plena), a fase introdutria e preparat-ria, a fase instrutria e a fase decisria, devem ser predeterminadas demaneira tendencialmente exaustiva pelo legislador, e sua determinao nodeve ser remetida ao poder discricionrio do juiz.

    O juiz, ademais, deve ser dotado de poderes diretivos em relao aodesenvolvimento do processo, deve ao mesmo tempo ser destitudo de po-

    deres processuais discricionrios susceptveis de influir no contedo da de-ciso.Em 1985 Giovanni Fabbrini conclua seu brilhante verbete sobre os

    poderes do juiz nos processos de cognio plena37observando: a conclu-so final pode ser esta: a regularidade do processo como nica possvelgarantia positiva da justia do resultado, e o juiz como senhor do processo;mas senhor de um processo que no uma trama da commedia dellarte(e apesar de todas as intervenes da Corte Constitucional assim permane-

    ce o processo ex viart. 737 ss. quando utilizado para a tutela dos direitos);senhor de um processo que um tecido rgido de ns, de ns entrelaa-dos com poderes capazes de produzir efeitos e com poderes capazes de

    34 Tambm no aprofundamento dos estudos histricos de Franco Cipriani, ver principalmente amonografia Il codice di procedura civile tra gerarchi e processualisti, Npoles 1992 e os estudospublicados em vrias revistas e reunidos in Ideologie e modelli del processo civile, Npoles1997. Em 1991 Cipriani havia publicado sua primeira monografia de carter histrico Storie diprocessualisti ed oligarchi.Ver tambm os estudos reunidos in Avvocatura e diritto di difesa,Npoles 1999.35

    Ver meus estudos Il codice di procedura civile del 1940 fra pubblico e privato: una continuitnella cultura processualcivilistica rotta con cinquanta anni di ritardo, in Quaderni fiorentini1999, p. 713 ss. e Il codice di procedura civile del 1940 fra pubblico e privato Foro It. 2000,V, 73 ss. Inspirei-me amplamente a esses estudos na redao da primeira parte dessa relao.36 Ver principalmente, no rastro de Fabbrini, A. PROTO PISANI, Usi e abusi della proceduracamerale ex art. 737 ss c.p.c., in Riv. dir. proc., p. 393, ss. id. Lezioni, p. 582 ss.; S.MENCHINI voz Regiudicata civile Digesto IV ed. disc. priv. vol. XVI Turim 1998; id.,Processo amministrativo e tutele giurisdizionali differenziate, in Dir. proc. amm. 1999, p.921 ss.37 G. FABBRINI voz Potere del giudice (Dir. Proc. Civ.), Enciclopedia del Diritto, Milo1985, v. XXXIV, p. 721 ss.

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    controlar os efeitos produzidos: at o limite do julgado formal, isto , at omomento em que o ordenamento considera encerrado, segundo o desenvol-vimento correto, todo o curso processual.

    Em seu verbete, Fabbrini distinguiu os poderes do juiz no processo de

    cognio plena em duasgrandes categorias, os que dizem respeito apenas conduo do processo e os que so capazes de influir no contedo dadeciso do juiz.

    Escrevia o autor: Na estrutura do processo fcil colher a existn-cia de poderes do juiz cujo exerccio no surte efeito algum sobre o conte-do da deciso; e no mbito destes poderes ele colocava expressamente opoder de marcar a data das audincias.

    Poderes desta espcie mesmo devendo ser sempre previstos pela

    lei podem (e muitas vezes devem) ter contedo discricionrio e seremdeterminados em considerao tanto da carga de trabalho de cada juiz,quanto das caractersticas concretas de cada controvrsia. Nesta hiptese, ou deveria ser, suficiente que a lei se limite a prever o poder, deixando discricionariedade do juiz a individuao de seu contedo.

    Completamente diferente a situao no que diz respeito segundaespcie de poderes do juiz, os poderes que podem incidir sobre o contedoda deciso, como por ex. os poderes de conhecer de ofcio do defeito de

    pressupostos processuais, ou seja, o poder de relevar de ofcio questes defato ou de direito relativas ao mrito da controvrsia, ou ainda os poderesinstrutrios de ofcio etc. Em todas estas hipteses, o legislador devepredeterminar de maneira clara tanto os pressupostos, o parmetro de exer-ccio de tais poderes, quanto seu contedo e o momento do processo em quepodem ser exercidos. Em relao a esta segunda espcie de poderes poderes capazes de incidir sobre o contedo da deciso no deve nempode ser deixada ao juiz nenhuma discricionariedade, e o valor do processo

    justo exige sua rgida predeterminao legal: caso isto no acontea, sermisterou remeter a norma que os prev Corte Constitucional, ou, emtermos de interpretao adequada, acolher uma interpretao que de ma-neira sistemtica reconduza o exerccio e o contedo destes poderes a pres-supostos rgidos (pensemos, a esse respeito, nos esforos enfrentados peladoutrina para individuar um parmetro de exerccio rgido dos poderesinstrutrios de ofcio previstos pelo art. 421, alnea 2, ou pelo art. 437, alnea2 do c.p.c., ou nas grandes perplexidades suscitadas pelo poder atribudo ao

    juiz pelo art. 209 de declarar encerrada por superfluidade a instruo, ainda

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    que os meios de prova declarados suprfluos visem contestar o resultadodas provas j produzidas).

    A determinao das formas, dos termos e do contedo dos poderesdas partes (em tema de demandas, excees, provas etc.) deve portanto

    necessariamente ocorrer com base na lei e no pode ser deixada pelolegislador ao poder discricionrio do juiz: pena a transformao daquele di-reito de ao e de defesa de que fala o art. 24 de direito em interesse cujaproteo subordinada ao poder discricionrio do juiz.

    Obviamente isto no significa que deva existir um nico modelo deprocesso de cognio plena, nem muito menos que no seja oportuno preverde maneira atpica um modelo ou vrios modelos de processo simplificado.

    4.2.Recentemente foi apresentada na Itlia a proposta38de introdu-

    zir, ao lado do processo atpico ordinrio de cognio, um processo atpicosimplificado que deveria permitir ao autor iniciar um processo segundo for-mas e termos simplificados, com possibilidade de encerramento do proces-so em primeira audincia com sentena redigida de forma simplificada,apelvel, em que o demandado no conteste ou reconhea a demanda (ou,em hiptese a ser predeterminada, no comparea), ou seja, a controvrsiase refira apenas determinao do quantumde compensao, ou ento(quando no se verifique nenhuma destas eventualidades e/ou seja neces-

    sria uma atividade instrutria) com prosseguimento nas formas processu-ais ordinrias mediante disposio de mudana de procedimento.4.3.Na Itlia, nestes ltimos quinze anos foi amadurecendo a con-

    vico de que, frente irreprimvel necessidade e oportunidade de preverprovimentos sumrios, cautelares ou genericamente antecipatrios, provi-mentos capazes de incidir sobre a realidade extra-processual, deve-se atri-buir parte sucumbente o poder de provocar um controle imediato do pro-vimento por parte de um rgo colegiado do qual no faa parte o juiz que

    emanou o provimento impugnado. Isto j foi previsto em relao aos provi-mentos cautelares do art. 669-terdecies introduzido pela reforma de 1990,mas cada vez mais amplos so os consensos sobre a oportunidade de esten-der tal previso tambm a todos os provimentos sumrios no cautelaressusceptveis de incidir sobre a realidade extra-processual39.

    38Ver enfim F. CIPRIANI M.G.CIVININI - A. PROTO PISANI Una strategia per la giustiziacivile nella XIV legislatura, in Foro it. 2001, V, 81 ss.39 Ver meu Il nuovo art. 111 Cost. e il giusto processo civile, in Foro it. 2000, V, 241 ss.

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    40Ver meu Per lattuazione ragionevole della garanzia del giudice naturale, Foro it. 2000, V,241 ss.

    4.4.Enfim, na Itlia apresentou-se a oportunidade40, para garantir odireito da parte de ser julgada por um juiz natural pr-constitudo por lei, deintroduzir uma disciplina que permita um controle preventivo e imediato noapenas das questes relativas competncia, mas tambm daquelas relati-

    vas individuao do juiz pessoa fsica designado para o exame de cadacontrovrsia.4.5 Gostaria de concluir com uma observao final. Pblico e pri-

    vado constituem os componentes intrnsecos de todo o processo civil: por-tanto inevitvel que qualquer proposta de reforma parta do diverso ponto deequilbrio que, em relao aos inmeros ns do processo, se pretende alcan-ar para a composio deste eterno contraste.