Artigo - Procedimentalismo e Substancialismo
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Ano 2 (2013), n 8, 8665-8678 / http://www.idb-fdul.com/ ISSN: 2182-7567
INTERPRETAO CONSTITUCIONAL: NOTAS
SOBRE PROCEDIMENTALISMO E
SUBSTANCIALISMO
Caio Henrique Lopes Ramiro1
Luiz Henrique Martim Herrera2
Resumo: Neste artigo nos ocuparemos basicamente de investi-
gar a possvel relao entre procedimentalismo e substancia-
lismo como eixos analticos de interpretao constitucional.
Para tanto, leva-se em considerao o confronto entre as cor-
rentes com a tentativa de se expor seus argumentos. Com efei-
to, no se pretende esgotar o tema nesta breve reflexo, nota-
damente em razo da amplitude e complexidade. O objetivo
especfico ao final tentar alinhavar tais eixos analticos e con-
ceb-los, frente Constituio Federal de 1988, como concep-
es que se complementam. Importa dizer, de como a dicoto-
mia de aludidas correntes de interpretao filosfica implicam
numa dialtica possvel e salutar frente uma leitura hermeneu-
ticamente correta da norma constitucional.
Palavras-chave: Filosofia do direito, Interpretao Constitucio-
nal, Procedimentalismo, Substancialismo.
1 Mestrando em Teoria do Direito e do Estado pelo UNIVEM/ Marlia - SP. Possui
especializao em Filosofia Poltica e Jurdica pela Universidade Estadual de Lon-
drina UEL/Pr. Integrante dos grupo de pesquisa Biotica e Direitos Humanos UNIVEM/CNPq. Bolsista CAPES. Advogado. 2 Mestre em Teoria do Direito e do Estado pelo UNIVEM/Marlia SP. Ps-graduado em Filosofia Moderna e Contempornea e Ps-graduado em Filosofia
Poltica e Jurdica ambos pela Universidade Estadual de Londrina UEL/Pr. Ex-bolsista da FUNADESP. Professor de Direito Constitucional. Integrante do grupo de
pesquisa Biotica e Direitos Humanos UNIVEM/CNPq. Advogado.
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Abstract: In this article we will deal basically to investigate the
possible relationship between proceduralism and substantialism
as analytical axes of constitutional interpretation. To do so, it
takes into account the confrontation between the chains with
trying to expose their arguments. Indeed, it is not intended to
exhaust the subject in this brief reflection, mainly because of
the breadth and complexity. The specific objective is to try to
end basting such analytical axes and conceive them, facing the
Federal Constitution of 1988, as concepts that complement
each other. It is, of how the dichotomy alluded currents imply a
dialectical philosophical interpretation possible and salutary
front hermeneutically correct reading of constitutional rule.
Keywords: Philosophy of law, Constitutional Interpretation,
proceduralism, Substantialism..
I. INTRODUO
debate acerca de procedimentalismo e substacia-
lismo ou entre procedimentalistas e substancialis-
tas se encontra, atualmente, no centro das aten-
es dos tericos da Constituio, sobretudo
acerca das concepes contemporneas sobre o
valor da constituio e a atividade jurisdicional no Estado De-
mocrtico de Direito. Importa ressaltar, entretanto, que o estu-
do de aludidos eixos analticos no original do Direito, sendo
antes correntes de interpretao filosfica protagonizadas por
pensadores como Hegel (encarado como substancialista) e
Kant (visto como um procedimentalista), o que demonstra que
ambas as linhas de pensamento irradiam acuidade e relevncia
acadmica.
Em outras palavras, quando discutimos a maneira de in-
terpretar a Constituio temos de um lado, os chamados subs-
tancialistas que trabalham sob a tica de jurisdio constituci-
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onal como instrumento de defesa dos direitos fundamentais e, do outro, os procedimentalistas, segundo a qual teramos a ju-risdio constitucional como instrumento de defesa do proce-
dimento democrtico3. A teoria substancialista defende, enquanto funo da
Constituio, a adoo de determinados valores/princpios re-
putados relevantes para sociedade e, por conseguinte, a sua
retirada do mbito decisrio popular. Na fileira dos substancia-
listas destacam-se nomes como Mauro Cappelleti, Ronald
Dworkin,, Laurence Tribe, Ingo Wolfgang Sarlet, Paulo Bona-
vides, Eros Roberto Grau, Fbio Konder Comparato, Jacinto
Nelson de Miranda Coutinho, Clmerson Merlin Clve, Lenio
Luiz Streck, dentre outros. Em sentido oposto temos o proce-
dimentalismo. De acordo com esta teoria, a Constituio se
encontra desprovida de derivaes valorativas. Defensores des-
ta corrente destacam-se Marcelo Cattoni, Rogrio Gesta Leal,
Gisele Cittadino, Cludio Pereira de Souza, Jrgen Habermas e
John Hart Ely.
O desdobramento da discusso entre procedimentalismo
e substancialismo enorme4. Com efeito, no se pretende esgo-
tar o tema nesta breve reflexo, notadamente em razo da am-
plitude e complexidade. O objetivo demonstrar os fundamen-
tos de cada uma das correntes, para ao final alinhavar tais eixos
3 Cf. BINEMBOJM, Gustavo. A nova jurisdio constitucional Legitimidade democrtica e instrumentos de realizao. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. 4 Sobre o tema: CAPPELLETTI, Mauro. Juzes Legisladores? Porto Alegre, Fa-
bris,1988. CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justia Distributiva. Elemen-
tos da Filosofia Constitucional Contempornea. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 1999.
HABERMAS, Jrgen. Direito e democracia entre facticidade e validade. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1997. VILHENA, Oscar. A constituio e sua reserva de
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2006. BONAVIDES, Paulo. A Constituio Aberta. Belo Horizonte, livraria Del
Rey, 1993.
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analticos e conceb-las, frente a Constituio Federal de 1988,
como concepes que se complementam. Importa dizer, de
como a dicotomia de aludidas correntes de interpretao filos-
fica implicam numa dialtica possvel e salutar frente uma lei-
tura hermeneuticamente correta da norma constitucional.
II. AS DIMENSES SUBSTANCIALISTA E PROCE-DIMENTALISTA DA CONSTITUIO
O procedimentalismo pode ser encarado como um mto-
do ou forma de anlise e fundamentao de pretenses norma-
tivas, sendo que tais procedimentos so totalmente isentos de
contedo axiolgico. Segundo Andr Ramos Tavares, ao ar-
gumentar a par de um procedimentalismo ligado ao jurdico,
aduz o seguinte:
De acordo com esta teoria, a Constituio se
encontra desprovida de derivaes valorativas. A
Constituio, nestes termos, no possui qualquer
contedo ideolgico, predisposio ao humano, ao
social ou ao econmico. Sua preocupao central
seria apenas estabelecer procedimentos formais de
composio de interesses, quaisquer que sejam es-
tes. (TAVARES, 2007, p. 338-339)
A anlise procedimental do direito defende a idia de que
o direito depende de uma fundamentao moral de princpios, o
que caracteriza esta teoria como crtica do positivismo jurdico,
inclusive sendo nominada por alguns autores como ps-
positivismo.
Habermas (2003, p.213) argumenta que somente as teori-
as da justia e da moral ancoradas no procedimento prometem
um processo imparcial para a fundamentao e a avaliao de
princpios. Ainda, o autor de Direito e Democracia esclarece:
[...] o direito procedimentalista depende de
uma fundamentao moral de princpios, e vice-
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versa, no mera suposio sem fundamentos. A
legalidade s pode produzir legitimidade na medida
em que a ordem jurdica reagir necessidade de
fundamentao resultante da positivao do direito,
a saber, na medida em que forem institucionaliza-
dos processos de deciso jurdica permeveis a dis-
cursos morais [...]. Os procedimentos oferecidos
pelas teorias da justia para explicar como poss-
vel julgar algo sob o ponto de vista moral s tm
em comum, o fato de que a racionalidade dos pro-
cedimentos deve garantir a validade dos resulta-dos obtidos conforme o processo. (HABERMAS,
2003, p. 215-216)
Neste sentido, a fundamentao moral de princpios no
encarada como um contedo que deve ser dado ao direito,
principalmente a Constituio, uma vez que baseada em Kant,
esta teoria que encara a moralidade como procedimental signi-
fica dizer o estabelecimento de procedimentos para anlise das
aes humanas conforme a lei moral.
Desse modo, o que pretende a teoria procedural definir
procedimentos para que sejam institucionalizados processos de
deciso jurdica que carregam consigo debates acerca de prin-
cpios, sejam estes morais ou polticos que j esto ou podem
ser positivados.
A corrente conhecida hoje como ps-positivismo, que
tem em Robert Alexy5, talvez, seu principal expoente, debate,
inclusive, as possveis distines entre princpios e regras, ca-
racterizando estes ltimos como espcies do gnero norma ju-
rdica. Assim, o procedimentalismo o ponto de vista moral,
de mtodo ou formal, que est ligado s questes de justia,
defendendo a tese de que preciso um procedimento para de-
terminar a validade das normas, inclusive as Constitucionais.
5 Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virglio Afonso da
Silva. So Paulo: Malheiros, 2008.
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Habermas, nesse ponto prope um modelo de democracia
constitucional que no tem como condio prvia fundamentar-
se nem em valores compartilhados, nem em contedos substan-
tivos, mas em procedimentos que asseguram a formao demo-
crtica da opinio e da vontade e que exige uma identidade
poltica no mais ancorada em uma nao de cultura, mas, sim, em uma nao de cidados.
A Constituio um instrumento de garantia de compe-
tncias e procedimentos bem aos moldes do Estado mnimo de
ideologia liberal. A segurana jurdica assume um vis formal,
tolerando que os direitos e garantias preconizados no texto
constitucional possam vir a ser, de fato, um elenco esvaziado
de contedo.
Por outro lado o substancialismo liga-se teoria material
da constituio. Seria olharmos a jurisdio constitucional co-
mo instrumento de defesa dos direitos fundamentais. Nessa, a
democracia vai alm do respeito s regras do jogo, de cunho procedimental: vem coligada idia de maior efetividade da
jurisdio constitucional.
A Constituio da Repblica Federativa do Brasil de
1988 inaugurou o paradigma do Estado Democrtico de Direi-
to, que veio agregar o Estado Liberal de Direito com o Estado
Social de Direito, fazendo com que o Direito passasse a ser
transformador. Significa dizer que o texto constitucional pas-
sou a deter as condies de possibilidade para o resgate das
promessas da modernidade (STRECK, 2002, p. 75).
Nesse sentido, preciso entender a Constituio do Bra-
sil como algo substantivo, uma vez que contm valores (direi-
tos sociais, fundamentais etc.) que o pacto constituinte estabe-
leceu como passveis de realizao. Por isso de se deixar as-
sentado que em seu texto h um "ncleo essencial", no-
cumprido, contendo um conjunto de promessas da modernida-
de, que necessita ser resgatado (STRECK, 2001, p. 115).
a Constituio, pois, este texto que consagra direitos
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fundamentais, princpios e fins pblicos que realizam relevan-
tes valores de uma sociedade (justia, liberdade e igualdade), e
que os juzes e tribunais podem implementar tais aspiraes
constitucionais para que tais valores no se transformem em
promessas esquecidas.
[...] mais do que equilibrar e harmonizar os
demais poderes, o Judicirio deveria assumir o pa-
pel de um intrprete que pe em evidencia, inclusi-
ve contra maiorias eventuais, a vontade geral im-
plcita no direito positivo, especialmente nos textos
constitucionais, e nos princpios selecionados como
de valor permanente na sua cultura de origem e na
do Ocidente. O modelo substancialista que, em grande parte aqui subscrevo trabalha na perspec-tiva de que a Constituio estabelece as condies
do agir poltico estatal, a partir do pressuposto de que a Constituio a explicitao do contrato so-
cial. [...] Na perspectiva substancialista, concebe-se
ao Poder Judicirio uma nova insero no mbito
das relaes dos poderes de Estado, levando-o a
transcender as funes de checks and balances.
(STRECK, 2000, p. 40)
Gilberto Bercovici bem pondera que a constituio no fixa apenas os meios, sem se comprometer com os fins (BERCOVICI, 2002, p. 280). Corrobora-se a isso o prescrito
no art. 3 do texto constitucional que estabelece os objetivos
fundamentais da Repblica Federativa do Brasil, que direcio-
nam todo o agir dos poderes pblicos e tambm dos particula-
res.
Em outras palavras, a teoria substancialista defende, en-
quanto funo da Constituio, a adoo de determinados valo-
res/princpios reputados relevantes para sociedade e, por con-
seguinte, a sua retirada do mbito decisrio popular. Integra
uma pauta de valores previamente estabelecidos, especialmente
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por se tratar da realizao, pelo Direito, de princpios jurdicos
j admitidos socialmente.
Com efeito, as posturas substancialistas tm valorizado a
Constituio como instrumento vinculante e programtico,
argumentativo da conservao do Estado Democrtico de Di-
reito que ainda resguarda a ordem e a liberdade nos pases de
modernidade tardia, no olvidando a politicizao do Direito.
Pretende conciliar a idia de constituio com
duas exigncia fundamentais do estado democrti-
co constitucional: 1) a legitimidade material, o que
aponta para a necessidade de a lei fundamental
transportar os princpios materiais informadores do
estado e da sociedade, 2) a abertura constitucional:
pois a constituio deve possibilitar o confronto e a
luta poltica dos partidos e das foras polticas por-
tadores de projectos alternativos para a concretiza-
o dos fins constitucionais. (Canotilho, 2003, p.
1336)
A postura substancialista revela, pois, que a jurisdio
constitucional deve proteger a primazia da Constituio, sendo
o meio do Estado contemporneo para a realizao dos valores
superiores e fundamentais que os homens reconhecem como
tais, por exemplo, dignidade humana, liberdade, igualdade etc.
O Intervencionismo substancialista, alberga, assim, o cumpri-
mento dos preceitos e princpios nsitos aos Direitos Funda-
mentais sociais e ao referencial de Estado Social.
Em suma, para os substancialistas, uma Constituio de-
ve consagrar direitos fundamentais, princpios e fins pblicos
que realizem relevantes valores de uma sociedade: justia, li-
berdade e igualdade. Para que tais valores no se transformem
em promessas esquecidas, os juzes e tribunais podem imple-
mentar tais aspiraes constitucionais.
J os procedimentalistas no vem no intrprete constitu-
cional a possibilidade de s-lo um aplicador de princpios de
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justia. Seria ele um fiscal do correto funcionamento do pro-
cesso poltico. S extrairia da Constituio "condies proce-
dimentais da democracia", cabendo jurisdio constitucional
proteg-las.
III. DA DICOTOMIA COMPLEMENTARIDADE: PROCEDIMENTALISMO E SUBSTANCIALISMO CO-
MO EIXOS ANALTICOS DA CONSTITUIO
No desenvolvemos o presente trabalho com o objetivo
de defender uma teoria constitucional adequada que permita
equacionar as dimenses procedimentais e substancias da
Constituio de 1988, vistas, possivelmente por conta do deba-
te entre procedimentalismo e substancialismo, como antagni-
cas.
Entendemos, de outra ordem, ser necessrio revitalizar a
autonomia do direito, superando a velha dicotomia do proce-
dimentalismo e substancialismo, para evoluir a uma nova etapa
de anlise onde as duas concepes possam ser reunidas, do-
tando a jurisdio constitucional de um novo olhar, mesmo
sendo da compreenso dos tericos que, no Brasil, longe esta-
mos de identificar a aplicao de qualquer das correntes.
[...] na esteira das teses substancialistas, en-
tendo que o Poder Judicirio (especialmente a jus-
tia constitucional) deve assumir uma postura in-
tervencionista, longe da postura absentesta, prpria
do modelo liberal-individualista-normativista que
permeia a dogmtica jurdica brasileira. Importa
ressaltar, entretanto, que, no plano do agir cotidiano
dos juristas no Brasil, nenhuma das duas teses
(procedimentalismo e substancialismo) percept-
vel. (STRECK, 2009, p. 48).
Para tanto, buscamos a confrontao das concepes
substancialistas e procedimentalistas, para compreender-se que
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a construo da legitimidade do judicirio implica num dilogo
com dois caminhos de legitimao: a aceitao de valores for-
mal-procedimentais abertos na constituio, com a processu-alizao de seus contedos, e a concretizao de direito funda-
mentais por uma atividade hermenutica concretizante da nor-
matividade constitucional.
As teorias procedimentalistas, segundo Robert Alexy, ca-
racterizam-se pela plasticidade, ou seja, nelas cabe tudo. Em-
bora se deva reconhecer a importncia do procedimento na
concretizao constitucional, a adoo de uma teoria procedi-
mental no ser a soluo para todos os procedimentos consti-
tucionais (BERCOVICI, 2002, p. 278).
Nessa altura, no difcil sustentar que a defesa de um
substancialismo material-constitucional no prescinde e no pretende prescindir , do papel fundamental que deve ser exer-cido pelo procedimento. Na verdade, o problema exatamente
o oposto, ou seja, o problema est na pretenso de autonomiza-
o das teorias processuais. Ora, a Constituio no pode ser
meramente procedimental a dispor sobre regras de formao de
vontade poltica exclusivamente. Entretanto, aduz, tambm no
poder ser uma ordem dura de valores. sim, uma simbiose que
assume as formas jurdicas e se limita s suas contigncias, ao
seu tempo e a ao seu povo (SAMPAIO, 2002, p. 19).
Nesse sentido, Leurence Tribe (apud, STRECK, 2006, p.
20) corrobora a crtica dos valores adjetivos ou procedimenta-
listas, para as quais a constituio somente garante o acesso aos
mecanismos de participao democrtica no sistema. Nesse
sentido, afirma que o procedimento deve complementar-se com
uma teoria dos direitos e valores substantivos.
Com efeito, a perspectiva procedimentalista no deve ser
completamente descartada, at porque denuncia eventuais ex-
cessos e vicissitudes de uma viso substancialista menos ape-
gada s dificuldades concretas na busca de efetivao dos an-
seios constitucionais. Contudo, o procedimentalismo tambm
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tem seus perigos.
Ser que as bandeiras procedimentalistas tais como liber-
dade de participao, a no violncia e a fora do melhor ar-
gumento sempre sero preservadas? Ser que a exagerada plas-
ticidade dos procedimentos no permitiria a incluso de lgicas
egosticas e manipulaes de vontade distantes do bem co-
mum? Quem domina os contedos a serem aferidos no discur-
so estritamente procedimental? Os afetados pela via procedi-
mental sempre estaro satisfeitos com os resultados alcana-
dos? As escolhas feitas to somente pela via procedimental
refletiro sempre a vontade dos atingidos pelo procedimento?
Finalmente, ainda que os procedimentos sejam democrticos,
srios, bem intencionados e despidos de coero, ser que
sempre a vontade da maioria est escorreita? E os interesses de
minorias hipossuficientes? E se as escolhas procedimentais
aparentemente democrticas violarem clusulas ptreas? A
propsito:
Como ter cidados plenamente autnomos,
como Habermas propugna, se o problema da exclu-
so scia no foi resolvido? Como ter cidados
plenamente autnomos se suas relaes esto colo-
nizadas pela tradio que lhes conforma o mundo
da vida? (STRECK, 2002, p. 174).
Para procedimentalistas de vulto necessrio solidificar
um processo de complicada desjuridificao, mecanismo que aparentemente favorecia o racionalismo e o pluralismo jurdi-
co, ampliando espaos de participao e elevando, conseqen-
temente, a cidadania. Em sntese, os procedimentalistas no
tem pudor de dizer que a Constituio no seria capaz de disci-
plinar as sociedades atuais e suas complexidades, devendo di-
minuir sua amplitude. Atacando, com virulncia, a tese de des-
juridificao no constitucionalismo brasileiro, Gilberto Berco-
vici aponta o seguinte:
Os adeptos dessas teorias entre ns esque-
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cem-se de que a desjuridificao, no Brasil, deve
ser entendida de modo distinto do que nos pases
europeus ou nos Estados Unidos. Como muito bem
afirmou Marcelo Neves, o nosso problema no de
juridificao, mas de desjuridificao da realidade
constitucional. Aqui, a desjuridificao, bem como
a inconstitucionalizao, favorecem a manuteno
dos privilgios e desigualdades (BERCOVICI,
2002, p. 18)
Cumpre ainda dizer que muitas das orientaes procedi-
mentalistas, principalmente as regras das cartilhas de Alexy e
Habermas, ao tentarem aquilo que se chama de reabilitao da razo prtica, servem primordialmente como instrumento de fundamentao de valores.
O procedimento s se justifica, portanto, se tiver como
horizonte que seu aperfeioamento e cumprimento escorreito
resultar em escolhas notadamente axiolgicas, substanciais,
principiolgicas. Portanto, parece que a razo de ser do proce-
dimento o encontro de assertivas materiais.
IV. CONSIDERAES CONCLUSIVAS
importante tambm revelar que at alguns axiomas nas
regras iniciais do discurso procedimental so notoriamente
materiais. Toda vez que forem expressas, por exemplo, termi-
nologias clssicas como ausncia de violncia, no limita-o para a participao de todos no procedimento, seriedade e fora do melhor argumento, em verdade, estas pretensas bandeiras procedimentais so sinnimos de diretrizes substan-
ciais como liberdade, igualdade, tolerncia e justia. Desta
forma, aquilo que se considera como estritamente procedimen-
tal tem um contedo mnimo substancial dirigente.
Por fim, cabe ainda lembrar que procedimentalistas de
destaque (Habermas e Alexy) tambm so capazes de indicar
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que as premissas meramente procedimentais nem sempre so
facilmente reproduzveis na prtica, de maneira que seriam
reputadas como contrafticas. Ora, se se reconhece que at
mesmo o procedimentalismo incapaz de integral adoo con-
creta, no producente menosprezar o vis substancialista ape-
nas porque ele tambm enfrenta problemas de tornar efetivas as
promessas constitucionais. O fato de dizermos que deve haver
uma constituio procedimental no significa que o texto se
reduza a apenas um esqueleto normativo, sem sustncia, sem
verbo, sem esprito, sem matria.
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