Artigo Frida

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PUBLICAÇÃO NOS ANAIS DE TRABALHOS COMPLETOS DO XIV ENCONTRO NACIONAL DA ABRAPSO TITULO: ARTE PROFILÁTICA E SUBJETIVIDADE AUTORES: Maria Helena Camarinha Braz, psicóloga do Hospital da Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro; professora da Universidade Estácio de Sá e da Universidade Veiga de Almeida José Pedro Patrício Teixeira, médico e diretor médico do Hospital da Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro Ana Martha Wilson Maia, psicanalista, professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pesquisadora da Unidade de Prevenção, Pesquisas e Atendimentos- UPPA Email: [email protected] TEMA: SAÚDE 1

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  • PUBLICAO NOS ANAIS DE TRABALHOS COMPLETOS DO XIV ENCONTRO NACIONAL DA ABRAPSO

    TITULO: ARTE PROFILTICA E SUBJETIVIDADE AUTORES:

    Maria Helena Camarinha Braz, psicloga do Hospital da Beneficncia Portuguesa do Rio de Janeiro; professora da Universidade Estcio de S e da Universidade Veiga de Almeida Jos Pedro Patrcio Teixeira, mdico e diretor mdico do Hospital da Beneficncia Portuguesa do Rio de Janeiro Ana Martha Wilson Maia, psicanalista, professora da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro e pesquisadora da Unidade de Preveno, Pesquisas e Atendimentos-UPPA

    Email: [email protected] TEMA: SADE

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    mailto:[email protected]

  • Resumo: ARTE PROFILTICA E SUBJETIVIDADE Este estudo longitudinal apresenta a cronologia de uma histria de vida. Retratada em telas, desenhos, depoimentos, recortes biogrficos e autobiogrficos. Obra densa de cenas conscientes e inconscientes. Anncios, chamadas e marcaes de consulta. Arquivo vivo encontrado e narrado, sem div ou terapeuta. A vasta bibliografia assinada por diversas reas do conhecimento, o nmero de ttulos e documentos, arquivados e desarquivados para constantes pesquisas e, a Casa Azul de Coyoacn, atual Museu Frida Kahlo, justificam este estudo e outros desdobramentos. Pesquisa fundamentada na psicossomtica psicanaltica, alavanca recursos tericos e situaes da prtica clnica e social em seu percurso e trajetria. A coleta e anlise de dados teve sua maior inscrio in loco, atravs do registro de anos de estudo e pesquisa, junto ao programa de mestrado em psicologia social da Universidade Nacional Autnoma do Mxico, alm de outras instituies congneres. Afinal, os registros histricos da obra da referida artista esto mesclados aos de outros grandes pintores mexicanos em diversos museus, escolas de arte, colees particulares e arquivos nacionais. Documentos e relatos vivos de seus alunos e familiares consolidam argumentos e respaldam as anlises e a compreenso de uma obra que reflete dramas pessoais e coletivos, veiculando momentos polticos e sociais. Material to vasto sustenta e garante muitas premissas e propostas na continuidade deste projeto, apenas interrompido, de tempos em tempos, devido necessidade de organizao, catalogao e sistematizao de novos dados, entremeados pelas anlises, discusses e debates temticos. Sendo assim, constitumos um grupo de trabalho permanente que garimpa vestgios e promove parcerias e intercmbios, inclusive, com outras reas, a este tema conectadas, como os estudos literrios conduzidos por alguns pesquisadores na realidade brasileira. Os aspectos tericos e metodolgicos destacam como natureza dos dados uma metodologia de cunho qualitativo, atravs do procedimento etnogrfico, no que concerne as manifestaes culturais da atividade artstica. As fontes de informao inscrevem, primordialmente, a pesquisa documental e bibliogrfica. A anlise de contedo da vida e obra da artista percorre documentrios, pesquisas nacionais e internacionais, documentos polticos e histricos e, especialmente os registros do Museu Frida Kahlo na cidade do Mxico. A tcnica de coleta de dados pode ser nomeada como histria de vida, atravs do embasamento terico de leitura psicanaltica, envolvendo seus aspectos tericos, sua tcnica teraputica e sua prtica de pesquisa. Observao e anlise das expresses pictricas conscientes e inconscientes. Um mergulho no imaginrio e na fantasia fantasmtica social, refletindo, primordialmente, a vertente feminina presente em cada indivduo. Uma arte que conduz a fantasia da dualidade, entre o real e o irreal, polemizando sobre o possvel e o impossvel, tangenciando o humano e o desumano em tudo que representa a vida e a arte. A anlise e discusso dos dados percorre dcadas e est aberta a constantes e interminveis incluses. Este ensaio de metodologia qualitativa observa, documenta e demonstra as expresses artsticas e a linguagem do consciente e inconsciente numa perspectiva clnica, revelando os elos do continuo sade doena na escrita enigmtica e teraputica da arte. Os resultados da pesquisa quantitativa revelam indicadores expressivos no vnculo entre a vida e a obra da artista. Ou seja, a anlise dos contedos manifestos na obra de Frida Kahlo demonstram ndices na ordem de 91% de retratos e recortes da prpria histria de vida versus apenas 9% de outras temticas, incluindo todos os ttulos analisados. Sendo necessrio destacar que durante sua jornada de pintora de cavalete aceitou muitos trabalhos por encomenda, primordialmente, os nomeados e catalogados como votos mexicanos. Dados, estes, extrados, diretamente, da anlise de contedo da obra da artista, registros e outros

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  • documentos oficiais. Sua arte, suas telas recontam e pontuam sua histria de vida, falas e expresses no seu privilegiado e peculiar setting teraputico. Este estudo busca, portanto, analisar a linguagem pictrica como instrumento de avaliao e interveno psicolgica. Revela a primazia das estruturas, recursos e registros da subjetividade face aos encontros e desencontros cotidianos. Retrata retalhos biogrficos da artista mexicana Frida Kahlo destacando, portanto, o paralelismo, entre sua vida e sua obra. Alegrias, tenses, doenas, perdas, lutos e relacionamentos. Tudo narrado em vida e arte. Suportes ou baluartes que revelam a estruturao psquica. Cenas reais e problemas sublimados na arte. Traumas registrados pela fala dos pincis. Somatizaes pintadas em cores e gravadas em sofrimento. Cenrio e texto enigmtico para qualquer profissional. Essas so, apenas, algumas inscries, entre tantas, para estudar, decifrar e aprender. Talvez, uma escuta ampliada, percebida e demarcada por outros sensores. Transmitida e recontada por diversos instrumentos, tonalidades e sinais. Um campo e um espao a ser estudado e resignificado pela cincia. A psicologia tem sido uma arte tmida no uso da prpria arte. Arte autobiogrfica e profiltica. Instrumento de avaliao, preveno e interveno. Indicador de vida e registro de histria. Por no ser possvel efetuar um fechamento a uma pesquisa, devido ao seu aspecto de permanente indagao, este estudo opta por redigir uma nota conclusiva que define de modo mais claro, o relevante papel da arte como espao e expresso da cultura, mapeando um momento histrico e uma peculiar histria de vida. Una, particular e ao mesmo tempo retrato de tantas vidas nas mais diversas localidades. Uma arte atemporal, surpreendente, realista e surrealista. Mobiliza nos traos, nas cores, na fora de sua presena qualquer observador, esteja este atento ou no aos vieses da trajetria de vida, seja ele um estudioso da arte ou da psicologia, um cidado e antes de tudo uma experincia e existncia humana. Este ensaio trata de deslindar linguagens e procedimentos a serem demarcados e aprofundados na prtica psicolgica e, primordialmente, no campo da pesquisa interdisciplinar. Um convite, atravs da arte sobre a arte da vida e o estudo psicolgico que envolve o individuo e a coletividade. A obra de Frida Kahlo conta e reconta sua vida, suas crises, pedidos de ajuda, reconstrues e parcial elaborao. Esta e outras histrias expressam e comprovam a arte como linguagem da subjetividade e, primordialmente, instrumento teraputico. Imagens que narram fatos, histrias repletas de arte. Anamneses, catarses, sesses teraputicas se mesclam e se superam em pedaos de tela. A vida registrada em cenas e cores que pontuam uma histria. A vida finda e a arte enaltece e configura a identidade da eterna Frida.

    Eixo: SADE

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  • ARTE PROFILTICA E SUBJETIVIDADE Maria Helena Camarinha Braz, psicloga do Hospital da Beneficncia Portuguesa do Rio de Janeiro; professora da Universidade Estcio de S e da Universidade Veiga de Almeida Jos Pedro Patrcio Teixeira, mdico e diretor mdico do Hospital da Beneficncia Portuguesa do Rio de Janeiro Ana Martha Wilson Maia, psicanalista, professora da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro e pesquisadora da Unidade de Preveno, Pesquisas e Atendimentos-UPPA NOTA INTRODUTRIA

    Este estudo longitudinal apresenta a cronologia de uma histria de vida. Retratada em telas, desenhos, depoimentos, recortes biogrficos e autobiogrficos. Obra densa de cenas conscientes e inconscientes. Anncios, chamadas e marcaes de consulta. Arquivo vivo encontrado e narrado, sem div ou terapeuta. A vasta bibliografia assinada por diversas reas do conhecimento, o nmero de ttulos e documentos, arquivados e desarquivados para constantes pesquisas e, a Casa Azul de Coyoacn, atual Museu Frida Kahlo, justificam este estudo e outros desdobramentos. Pesquisa fundamentada na psicossomtica psicanaltica, alavanca recursos tericos e situaes da prtica clnica e social em seu percurso e trajetria. A coleta e anlise de dados tiveram sua maior inscrio in loco, atravs de anos de estudo e pesquisa, junto ao programa de mestrado em psicologia social da Universidade Nacional Autnoma do Mxico, alm de outras instituies congneres. Afinal, os registros histricos da obra da referida artista esto mesclados aos de outros grandes pintores mexicanos em diversos museus, escolas de arte, colees particulares e arquivos nacionais. Em destaque, sua proximidade aos grandes muralistas como Velasco, Orozco, Rivera, Siqueiros, Tamayo, Mndez, Camarena, Morado, entre outros.

    A luz do inicio do sculo XX a pintura mexicana surgiu como uma erupo revolucionria, fluindo do subsolo social do Mxico. A marca de um povo revolucionrio que carrega seus cantos, danas, comidas, bebidas, vestimentas, deuses, alm de seus dios e esperanas. Frida viveu um tempo, onde o povo mexicano descobriu que era filho de uma vigorosa tradio milenar. E Frida percebeu e absorveu as mltiplas facetas que integram o deslumbrante universo e a soberana linguagem das formas e cores, onde existe uma mensagem e uma fala comum aos mexicanos, pois nos lugares mais apartados homens, mulheres e crianas criam beleza com sua arte popular. Tanto os grandes como os modestos artistas modelam cada dia, de modo obstinado e amoroso o rosto do Mxico. O passado pr-colombiano e a arte colonial representam a matriz donde se formou a nao mexicana, influenciando poderosamente a personalidade de seu povo e gerando um movimento pictrico de ressonncia universal, no por um propsito acadmico ou poltico mas pela pujana do contedo plstico que revela a abrumada realidade mexicana.

    Documentos e relatos vivos dos alunos de Frida, os fridos da Escola de Arte Esmeralda na cidade do Mxico, e seus familiares consolidam argumentos e respaldam

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  • as anlises e a compreenso de uma obra que reflete dramas pessoais e coletivos, veiculando momentos polticos e sociais. Material to vasto sustenta e garante muitas premissas e propostas na continuidade deste projeto, apenas interrompido, de tempos em tempos, devido necessidade de organizao, catalogao e sistematizao de novos dados, entremeados pelas anlises, discusses e debates temticos. Sendo assim, este um grupo de trabalho permanente que garimpa vestgios e promove parcerias, inclusive, com outras reas como os estudos literrios conduzidos por alguns pesquisadores na realidade brasileira.

    ASPECTOS TERICOS E METODOLGICOS Natureza dos dados: Metodologia Qualitativa, atravs do procedimento etnogrfico, no que concerne as manifestaes culturais da atividade artstica. Fontes de informao: pesquisa documental e bibliogrfica. Anlise de contedo da vida e obra da artista, atravs de documentrios, pesquisas, documentos e registros do Museu Frida Kahlo na cidade do Mxico Tcnica de coleta de dados: Histria de vida Embasamento terico de leitura psicanaltica. Observao e anlise das expresses pictricas conscientes e inconscientes, atravs do modelo de Kubler Ross

    ANLISE E DISCUSSO DOS DADOS

    Esta pesquisa busca traar um recorte biogrfico de Frida Kahlo em paralelo a sua arte, percorrendo uma densa e pictogrfica histria de vida. Seu longo nome Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderon, devido a polemica em torno do mesmo durante o batizado marcou o inicio de uma vida repleta de textos, controvrsias e, sobretudo marcada pela genialidade. Segundo Guilhermo Kahlo, pai de Frida seu nome implica fora. Significa paz mas no quer dizer tranqilidade vegetativa, talvez, seja uma capacidade de se concentrar, um refgio, afinal, para uma excessiva vitalidade. Nome de ascendncia alem, espanhola e mexicana, onde cada composio conduz a um olhar ou identidade. Frida passa a histria com seu nome alemo to arraigado cultura mexicana que soa representar tal etnia, demarcando a mutao de uma cultura a outra numa integrao sem precedentes. Revela sua necessidade de unificao, onde nasce mexicana mas segue europia, atravs de seu pai e sua me. Sua histria pictrica mostra esse constante investimento para integrar sua ascendncia, entre sua famosa assinatura e tantos temas e cores que retratam o estado e o ser mexicano. Seu famoso quadro As duas Fridas sinaliza como nenhum outro, a Frida europia e a mexicana. A busca da identidade e a sntese de um embate dialtico e cultural. Penteada e trajando roupas dos mais distintos grupos culturais do pas, pontua sua vida mexicana. Caracterizada com a diversidade e riqueza artstica de seu pas, demonstra mergulhar e incorporar tudo que revela sua origem, inclusive, o vinculo profissional paterno. Na fotografia efetua seus primeiros encontros com a arte que aps alguns perodos de outras vivencias, acaba por absorver toda sua vida e histria. A fase turbulenta e poltica de seu pas dominado, por um tempo pela ditadura e, posteriormente por incurses revolucionrias, conduz a modificaes na esfera e estrutura familiar, demarcando sua conscincia e participao poltica, tangenciada em seus temas e na fora de sua presena e participao.

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  • Rauda (1992) narra em seu livro as palavras de Frida sobre um dos episdios que marca sua sade, e sua arte, desde a infncia. Meu pai me havia levado para caminhar com ele nas matas de Chapultepec. Em determinado momento do passeio enganchei os ps nas grossas razes salientes de uma rvore e me machuquei muito ao cair. No dia seguinte de manh, quando me quis levantar, tive a impresso de que flechas atravessavam minha coxa e minha perna direita. Era uma dor terrvel, eu no conseguia apoiar-me na perna. O medo de nunca mais poder andar logo me assaltou, minhas emoes muitas vezes me venceram. Dei um berro e minha me acorreu. Um mdico diagnosticou tumor benigno. Um outro foi categrico: poliomielite. Tive que enfrentar vrios meses de cama, compressas quentes, um p ligeiramente atrofiado, uma perna mais magra e mais curta do que a outra, botas ortopdicas. No faltou nada. Todos estes elementos esto presentes em futuras obras da artista mesclados com outros dados e fatos de diversas pocas. Depois da doena, ficara sendo alvo de zombaria das outras crianas. Frida Kahlo pata de palo, gritavam e depois se olhavam coniventes. Era preciso muita fora para enfrentar tais provaes.

    Na adolescncia o amor sobreveio a um colega de escola e companheiro

    chamado Alejandro Gmez Arias. E ela escreve: O amor chegou de mansinho. No o ouvi e nem o vi chegar. Invadiu-me aos poucos, instalou-se em mim, antes que eu tivesse tempo de perceber, identificar ou confessar sua presena, a mim mesma. Ele era meu melhor amigo. Estas palavras demonstram a narrativa e a arte de Frida mesmo antes de iniciar a pintar. Quando Frida pinta o seu primeiro quadro, presente de amor a Alejandro, tinha dezenove anos. A pintura nela no nasce de uma opo precoce. Surge depois do acidente de nibus que a deixa acamada por longo tempo e repercute em sua vida e sade para o resto da vida. Tema presente em parte de sua obra, portador de sofrimento e esperana. Pinta sobre suas internaes, seus sintomas e sua recuperao. s vezes, revela dor, desespero como no quadro intitulado Sem esperana, contudo, em outras ocasies o cenrio sublime e transmite beleza e altivez como na tela A coluna quebrada. Apesar de estarem presentes pregos que perfuram, uma barra de ferro como suporte da coluna vertebral e um provvel colete ortopdico, a figura bela e a arte enaltece e supera o sofrimento, a narrativa e qualquer dor. Segundo seus historiadores, Zamora, Leero, Fuentes, Agostinho e Winter a primeira pintura foi cuidadosamente executada. O auto-retrato faz dela a imagem de uma jovem bela, impassvel, presente que olha diretamente dentro dos olhos do espectador. Um convite ao noivo. E o quadro no pode passar ao largo da sensibilidade artstica do jovem. Aps um longo perodo de indiferena, embora talvez s aparente, a pintura serve para reatar a relao que depois acaba por terminar em funo da famlia de Alejandro, talvez do acidente ou por outro motivo qualquer. Sua obra segue assim, narrando sua vida, seus sentimentos, suas venturas e desventuras. E Rauda segue contando os detalhes da vida da pintora, Depois do seu primeiro auto-retrato, ela passara a fazer retratos das pessoas do seu crculo, dos seus amigos. Isso aconteceu sem que ela pensasse a esse respeito. Foi do fundo dela que veio a pintura. Escorria das suas guas mentais, da sua memria, do seu imaginrio interior, das imagens exteriores que a sua histria havia integrado. Do seu corpo, por suas chagas abertas, a pintura transbordava, saa de Frida. A obra da artista apresenta seu pice aps o encontro com o muralista Diego Rivera. No pela ajuda ou influencia dele, apesar da admirao e incentivo, mas principalmente em resposta ao amadurecimento e ao significado do vinculo entre ambos. Um encontro apaixonado no amor e na arte, tumultuado por crises de cime, desencontros, doenas, prestigio e aos fatos peculiares a cada um. Sempre amigos, nunca realmente separados,

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  • chegando a oficializar dois casamentos e tornando sua relao e companheirismo uma parceria, sem precedentes. O estado de sade da artista flutuava entre melhoras e pioras, respondendo aos fluxos e reflexos do matrimonio. Dados que concernem psicossomtica psicanaltica, oriundos de sua fala gravada em diversos documentrios e publicaes. Uma vida amorosa pintada em sangue e lagrimas misturada a outras vidas, revelando a condio humana e no uma vida mpar. Um crime foi tema para uma analogia sobre o luto e a traio. A morte sendo representada e significada na traio. A obra foi nomeada Alguns piquezinhos, um quadro considerado inquietante. Teve origem numa notcia de jornal: um homem tinha assassinado uma mulher a facadas. Diante dos juzes, ele dissera: S lhe dei alguns piquezinhos foi provavelmente sem m inteno! E Frida agrega: No meu quadro, o assassino de p e vestido, com a faca na mo sobre um leito branco. Sua vitima, nua e ensangentada, sangue por toda parte. Foi assim que representei a cena. Por que essa idia mrbida? Talvez uma defesa. Essa mulher assassinada no seria eu, que Diego assassinava a cada dia? Ou era a outra, a mulher com quem Diego podia se encontrar, que eu quis fazer desaparecer? Eu sentia dentro de mim uma boa dose de violncia, no posso negar, eu fazia o que podia.

    Parafraseando, a leitura psicanaltica de Kubler Ross, a obra de Frida percorre todo o eixo reacional desta abordagem, atravs das fases de negao, raiva, barganha, depresso, enfrentamento e esperana. O enfrentamento caracterizado pela presena da ao, objetivando um alvo, a elaborao e reconstruo, apesar de seguirem presentes com maior ou menor intensidade os outros estgios. Todo acervo pictrico demonstra o percurso das diversas fases e, sobretudo a ao prpria ao enfrentamento, pontuando a elaborao parcial das questes psquicas. Em alguns quadros demonstra um cenrio plcido e feliz como na tela Frida Kahlo em seu jardim, ou em Frida e Diego, onde caminham e conversam em harmonia. Nestes a negao assume o refgio ao enfrentamento, recortando momentos reais e manifestando o desejo de parar e mergulhar em tais fragmentos. A raiva escorre no sangue, na cor vibrante, nas flechas, pregos ou enredos como no tema Alguns piquezinhos. A barganha surge nas telas ao noivo Alejandro e ao marido Diego como Duplo retrato, Auto-retrato com Diego no pensamento ou Diego e eu. Est linda, sedutora, forte e suave. Talvez, para proporcionar um contrapeso sua vida afetiva e familiar atormentada, pintou uma espcie de rvore genealgica: Meus avs, meus pais e eu, onde o Mxico, sua famlia, sua casa, a fecundao esto nas mos da criana Frida ou a rodeiam. Tornar a fazer, uns anos depois, um outro quadro da sua famlia. A depresso registra a serie de abortos como em Frida e o aborto e o Hospital Henry Ford. Para desafiar esse tema, pinta uma espcie de morte tambm sua, Meu nascimento, e Rauda descreve: uma mulher deitada, com a parte de cima do corpo coberta com um lenol como os mortos, pernas abertas, d luz a uma criana, cuja cabea de olhos fechados como morto, sai do corpo sobre um leito manchado de sangue. O leito est no meio de um quarto vazio, pendurado na parede, apenas um retrato do rosto de uma mater dolorosa, apunhalada duas vezes no pescoo. O quadro choca pela prpria austeridade com que representada a violncia desse nascimento. Nascimento, parto, ou morte de Frida? Nascimento ou morte do seu filho? Ou renascimento. E aqui agregamos que ambas as coisas, ou seja, o luto e o renascimento. A passagem da depresso ao enfrentamento sem negao ou barganha, apenas a tristeza, vestgios de raiva, sofrimento e enfrentamento. E Frida fala: A pintura encheu minha vida. Perdi trs filhos e uma srie de coisas que teriam podido encher minha vida horrvel. Tudo isso foi substitudo pela pintura. Creio que no existe nada melhor do que o trabalho. Em todas as telas e falas est, portanto, presente o enfrentamento do momento vivido, sofrido e, sobretudo sublimado na arte e na vida.

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  • Os resultados da pesquisa quantitativa corroboram com indicadores expressivos

    no vnculo entre a vida e a obra da artista. Ou seja, a anlise dos contedos manifestos na obra de Frida Kahlo demonstram ndices na ordem de 91% de retratos e recortes da prpria histria de vida versus apenas 9% de outras temticas, incluindo todos os ttulos analisados. Sendo necessrio destacar que durante sua jornada de pintora de cavalete aceitou muitos trabalhos por encomenda, primordialmente, os nomeados e catalogados como votos mexicanos. Dados estes extrados, diretamente, da anlise de contedo da obra da artista, registros e outros documentos oficiais.

    Anlise dos contedos manifestos na obra de Frida Kahlo

    91%

    9%

    Retratos da prpriahistria de vidaTemticas diversas

    NOTA CONCLUSIVA

    Esta pesquisa mergulha no imaginrio e na fantasia fantasmtica social,

    refletindo, primordialmente, a vertente feminina presente em cada indivduo. Uma arte que conduz a fantasia da dualidade, entre o real e o irreal, polemizando sobre o possvel e o impossvel, tangenciando o humano e o desumano em tudo que representa a vida e a arte. A anlise e discusso dos dados percorre dcadas e est aberta a constantes e interminveis incluses. Este ensaio de metodologia primordialmente qualitativa observa, documenta e demonstra as expresses artsticas e a linguagem do consciente e inconsciente, numa perspectiva clnica, revelando os elos do cotidiano sade doena na escrita enigmtica e teraputica da arte. Comenta, ainda que Frida foi uma presena, alm do seu tempo no campo do trabalho e na repercusso e espao poltico feminino. Suas telas contam sua atividade no espao social e poltico como uma luta que atravessou sua biografia. Pintada por Rivera em seus murais como ativista e presena marcante em comcios, encontros ou frentes de repercusso popular. A figura e a histria de Frida no so apenas autobiogrficas ou artsticas. Sua vida aparece nos contos e na histria do Mxico. Na obra de vrios artistas e nos documentos, filmes e retratos oficiais. Numa poca, onde tais registros eram raros e prprios, apenas a um grupo seleto e dirigente. No entanto, inmeros documentrios apresentam cenas e retratos da vida e dos momentos vividos pela artista, seja em seu pas ou no exterior.

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  • Apesar, de ser primordial contextualizar a artista no seu tempo e espao, este

    estudo analisa a mensagem da arte, onde as telas recontam e pontuam a histria de vida, as falas e expresses neste privilegiado e peculiar setting teraputico, buscando analisar a linguagem pictrica como instrumento de avaliao e interveno psicolgica. Denota, a primazia das estruturas, recursos e registros da subjetividade face aos encontros e desencontros cotidianos. Retrata retalhos biogrficos destacando o paralelismo, entre vida e obra. Alegrias, tenses, doenas, perdas, lutos e relacionamentos. Tudo narrado em vida e arte. Suportes ou baluartes que revelam a estruturao psquica. Cenas reais e problemas sublimados na arte. Traumas registrados pela fala dos pincis. Somatizaes pintadas em cores e gravadas em sofrimento. Cenrio e texto enigmtico para qualquer profissional. Entre os fatos, a poliomielite na infncia, o grave acidente na juventude e o casamento com Rivera marcam o corpo, a alma e assinam uma grande parte das obras da artista. As telas de Frida falam, choram, fazem silncio e associaes livres, reportam beleza, alegria, fora, realidade ou fantasia. So catrticas e seguem verdadeiras sesses teraputicas. Ela, no entanto, no queria recorrer a nenhuma teoria para falar da sua pintura. Para execut-la, muito menos: ela era livre. Certa vez disse: No, eu no sou surrealista. Tudo isso conversa. Uma coisa posso dizer: eu pinto a minha prpria realidade.

    Essas so, apenas, algumas inscries, entre tantas, para estudar, decifrar e aprender. Talvez, uma escuta ampliada, percebida e demarcada por outros sensores. Transmitida e recontada por diversos instrumentos, tonalidades e sinais. Um campo e um espao a ser estudado e resignificado pela cincia. A psicologia tem sido uma arte tmida no uso da prpria arte, autobiogrfica e profiltica. Instrumento de avaliao, preveno e interveno subutilizado. Indicador de vida e raro registro de histria.

    Por no ser possvel efetuar um fechamento a uma pesquisa, devido ao seu aspecto de permanente indagao, este estudo opta por redigir esta nota conclusiva que define de modo mais claro, o relevante papel da arte como espao e expresso da cultura, mapeando um momento histrico e uma peculiar histria de vida. Una, particular e ao mesmo tempo retrato de tantas vidas nas mais diversas localidades. Uma arte atemporal, surpreendente, realista e surrealista. Mobiliza nos traos, nas cores, na fora de sua presena qualquer observador, esteja este atento ou no aos vieses da trajetria de vida, seja ele um estudioso da arte ou da psicologia, um cidado e antes de tudo uma experincia e existncia humana. O espao permitido a este artigo muito reduzido para falar desta artista. Assim, apenas alguns recortes comparecem e so comentados. A obra extensa, rica e no finda em qualquer pesquisa, apenas pontua algumas questes e convida a outros estudos.

    Em sntese, este ensaio trata de deslindar linguagens e procedimentos a serem demarcados e aprofundados na prtica psicolgica e, primordialmente, no campo da pesquisa interdisciplinar. Um convite, atravs da arte sobre a arte da vida e o estudo psicolgico que envolve o indivduo e a coletividade. A obra de Frida Kahlo conta e reconta sua vida, suas crises, pedidos de ajuda, reconstrues e parcial elaborao. Esta e outras histrias expressam e comprovam a arte como linguagem da subjetividade e, primordialmente, instrumento teraputico. Imagens que narram fatos, histrias repletas de arte. Anamneses, catarses, sesses teraputicas se mesclam e se superam em pedaos de tela. A vida registrada em cenas e cores que pontuam uma histria. A vida finda e a arte enaltece e configura a identidade da eterna Frida.

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    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS: AGOSTINHO, C. As duas Fridas. Belo Horizonte: Dimenso, 1996 CARRILLO, R. Pintura mural de Mxico. Mxico: Panorama, 2005. FUENTES, C. Dirio de Frida Kahlo. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1995. INSTITUTO NACIONAL DE BELLAS ARTES Y LITERATURA. Mxico, DF. KAHLO, F. O dirio de Frida Kahlo. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1995. KETTENMANN, A. Frida Kahlo. USA: Taschen, 1994. LEERO, C. Frida Kahlo. So Paulo: Callis, 2002. MAIA, A. Olhar ameaado _ fascnio e horror em texto e imagem. Tese (Doutorado em Letras). Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro- PUC/RJ, 2003. MUSEU DE ARTE MODERNA. Mxico, DF. MUSEU DIEGO RIVERA. Anahuacalli, Mxico. MUSEU FRIDA KAHLO. Coyoacn, Mxico. RANDA, J. Frida Kahlo. So Paulo: Martins Fontes, 2002. WINTER, J. Frida. So Paulo: Cosacnaify, 2004. ZAMORA, M. Cartas apaixonadas de Frida Kahlo. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 2002

    PUBLICAO NOS ANAIS DE TRABALHOS COMPLETOS DO XIV ENCONTRO NACIONAL DA ABRAPSO AUTORES: NOTA INTRODUTRIANOTA CONCLUSIVAREFERNCIAS BIBLIOGRFICAS: