Artigo equina 28 mar abr-2010

2
Roberto Arruda de Souza Lima Engenheiro agrônomo, Doutor em Economia Aplicada, Prof. da ESALQ/USP, Pesquisador do CEPEA [email protected] Por um turismo Equestre forte e sustentável Dados atuais (2010) do World Travel & Tourism Council apontam o turismo no Brasil ocupando a 13ª posição no ranking dos maiores PIBs do setor do turis- mo no mundo. No entanto, em termos relativos, com- parando o quanto representa o turismo no PIB total do país, o Brasil ocupa posição mais modesta, a 143ª posi- ção, sendo que só na América Latina, 14 países estão à nossa frente. Observa-se que apesar de nosso grande potencial e vocação, o turismo é uma atividade ainda pouco explorada. É verdade que a entrada de turistas estrangeiros aumentou significativamente nos últimos anos (Figura 1), atingindo um volume de cerca de 5 milhões turistas. Em 2009, o Banco Central registrou a entrada de U$ 5,3 bilhões de dólares por meio dos gas- tos desses turistas estrangeiros no Brasil. Mas muito ainda pode ser feito. Um dos segmentos que tem apresentado cresci- mento nas últimas décadas é o Turismo no Espaço Rural, que compreende diversas atividades, conforme apresentado na Figura 2. Uma dessas subdivisões, o Turismo Rural, apresenta características particulares que a distinguem de outras atividades turísticas. Há um intenso contato com a natureza, com atividades realizadas ao ar livre. Em geral, os empreendimentos turísticos rurais surgiram de adaptações de estruturas que já existiam nas propriedades rurais, o que impli- cou, mesmo para os empreendimentos mais recentes, no estreito contato com os proprietários e acomoda- ções (hospedagem e restaurantes) de pequeno porte, preservando a aptidão de cada propriedade e a riqueza do patrimônio cultural. A cavalgada destaca-se entre as atividades do Tu- rismo no Espaço Rural, de acordo com levantamento realizado pela OMT (Organização Mundial do Turis- mo) na América Latina (Figura 3). A cavalgada é um passeio a cavalo, ao longo de um trajeto pré-estabele- cido. Este passeio pode levar algumas horas, dias ou até semanas, atravessando grandes extensões de ter- ra e parando para um descanso de forma rústica em um estilo de acampamento. O sub-aproveitamento do tu- rismo rural, em especial o equestre, fica evidenciado quando se observa que, somente na França, a Associ- ação Nacional de Turismo Eqüestre conta com mais de 200 mil associados. No chamado Turismo Equestre, no qual o Brasil tem dado seus primeiros galopes, mais de 50 paises atuam firmemente, dentre os quais cinco países da América do Sul organizam cavalgadas de forma profissional. No Brasil, somente em novembro de 2004 entrou em operação a primeira operadora tu- rística especializada em cavalgadas. Até então o Bra- sil, ao contrário de Argentina, Chile e Uruguai, não constava nos roteiros equestres das agências interna- cionais. O Estudo do Agronegócio do Cavalo, da CNA e CEPEA/ESALQ, estima que em 2006 existiam 100 mil usuários das atividades de cavalgadas, utilizando cer- ca 500 empreendimentos, a maior parte sem a estrutura adequada. Os turistas rurais em suas atividades relaci- onadas ao cavalo, proporcionavam, na época, R$ 21 milhões de movimentação econômica e 1.500 postos de trabalho no segmento. É interessante observar como a caracterização des- sa atividade apresentada recentemente pela Turismo de Portugal (a entidade similar à EMBRATUR do Go- verno de Portugal), no Congresso Internacional de Tu- rismo Equestre em 2008, são perfeitamente válidos para o Brasil de hoje, como se pode verificar nas observa- ções a seguir: • O Turisno Equestre registra uma tendência de cresci- mento; • Atrai turistas de praticamente todos os grupos etári- os; • A exemplo do golfe, é um produto off-season, com procura durante todo o ano, podendo funcionar como um complemento muito importante na oferta de outras opções turísticas; 0 1.000.000 2.000.000 3.000.000 4.000.000 5.000.000 6.000.000 1970 1972 1974 1976 1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 Figura 1: Brasil - evolução do número de turistas estrangeiros ingressantes anualmente no país, 1970 a 2008 Figura 2: Modalidades das atividades de turismo no espaço rural Fonte: Roque (2001) Figura 3: América Latina - atividades mais requisitadas pelos turistas em espaço rural Fonte: Santo (2004) FONTE: MINISTÉRIO DO TURISMO

Transcript of Artigo equina 28 mar abr-2010

Page 1: Artigo equina 28 mar abr-2010

Roberto Arruda deSouza Lima

Engenheiro agrônomo,Doutor em

Economia Aplicada,Prof. da ESALQ/USP,

Pesquisador do [email protected]

Por um turismo Equestre forte e sustentávelDados atuais (2010) do World Travel & Tourism

Council apontam o turismo no Brasil ocupando a 13ªposição no ranking dos maiores PIBs do setor do turis-mo no mundo. No entanto, em termos relativos, com-parando o quanto representa o turismo no PIB total dopaís, o Brasil ocupa posição mais modesta, a 143ª posi-ção, sendo que só na América Latina, 14 países estão ànossa frente. Observa-se que apesar de nosso grandepotencial e vocação, o turismo é uma atividade aindapouco explorada. É verdade que a entrada de turistasestrangeiros aumentou significativamente nos últimosanos (Figura 1), atingindo um volume de cerca de 5milhões turistas. Em 2009, o Banco Central registrou aentrada de U$ 5,3 bilhões de dólares por meio dos gas-tos desses turistas estrangeiros no Brasil. Mas muitoainda pode ser feito.

Um dos segmentos que tem apresentado cresci-mento nas últimas décadas é o Turismo no Espaço

Rural, que compreende diversas atividades, conformeapresentado na Figura 2. Uma dessas subdivisões, oTurismo Rural, apresenta características particularesque a distinguem de outras atividades turísticas. Háum intenso contato com a natureza, com atividadesrealizadas ao ar livre. Em geral, os empreendimentosturísticos rurais surgiram de adaptações de estruturasque já existiam nas propriedades rurais, o que impli-cou, mesmo para os empreendimentos mais recentes,no estreito contato com os proprietários e acomoda-ções (hospedagem e restaurantes) de pequeno porte,preservando a aptidão de cada propriedade e a riquezado patrimônio cultural.

A cavalgada destaca-se entre as atividades do Tu-rismo no Espaço Rural, de acordo com levantamentorealizado pela OMT (Organização Mundial do Turis-mo) na América Latina (Figura 3). A cavalgada é umpasseio a cavalo, ao longo de um trajeto pré-estabele-cido. Este passeio pode levar algumas horas, dias ouaté semanas, atravessando grandes extensões de ter-ra e parando para um descanso de forma rústica em umestilo de acampamento. O sub-aproveitamento do tu-rismo rural, em especial o equestre, fica evidenciadoquando se observa que, somente na França, a Associ-ação Nacional de Turismo Eqüestre conta com mais de200 mil associados. No chamado Turismo Equestre,no qual o Brasil tem dado seus primeiros galopes, maisde 50 paises atuam firmemente, dentre os quais cincopaíses da América do Sul organizam cavalgadas deforma profissional. No Brasil, somente em novembrode 2004 entrou em operação a primeira operadora tu-rística especializada em cavalgadas. Até então o Bra-sil, ao contrário de Argentina, Chile e Uruguai, nãoconstava nos roteiros equestres das agências interna-cionais. O Estudo do Agronegócio do Cavalo, da CNAe CEPEA/ESALQ, estima que em 2006 existiam 100 milusuários das atividades de cavalgadas, utilizando cer-ca 500 empreendimentos, a maior parte sem a estruturaadequada. Os turistas rurais em suas atividades relaci-onadas ao cavalo, proporcionavam, na época, R$ 21milhões de movimentação econômica e 1.500 postosde trabalho no segmento.

É interessante observar como a caracterização des-sa atividade apresentada recentemente pela Turismode Portugal (a entidade similar à EMBRATUR do Go-verno de Portugal), no Congresso Internacional de Tu-rismo Equestre em 2008, são perfeitamente válidos parao Brasil de hoje, como se pode verificar nas observa-ções a seguir:• O Turisno Equestre registra uma tendência de cresci-mento;• Atrai turistas de praticamente todos os grupos etári-os;• A exemplo do golfe, é um produto off-season, comprocura durante todo o ano, podendo funcionar comoum complemento muito importante na oferta de outrasopções turísticas;

01.000.0002.000.0003.000.0004.000.000

5.000.0006.000.000

1970

1972

1974

1976

1978

1980

1982

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

2004

2006

2008

Figura 1: Brasil - evolução do número de turistas estrangeirosingressantes anualmente no país, 1970 a 2008

Figura 2: Modalidades das atividades de turismo no espaço rural

Font

e: R

oque

(200

1)

Figura 3: América Latina - atividades mais requisitadaspelos turistas em espaço rural Fo

nte:

San

to (2

004)

FON

TE: M

INIS

TÉR

IO D

O T

UR

ISM

O

Page 2: Artigo equina 28 mar abr-2010

• Capta um tipo de turista que estabeleceuma relação particular com a natureza, peloque está sensibilizado para desenvolveruma postura ambientalmente responsável;• É um segmento em que a demanda podederivar para outros tipos de atividades (nãoeqüestres), relacionadas com o patrimôniocultural e paisagístico dos destinos, o quepermite articular o turismo equestre comoutros tipos de produtos turísticos.

Para o bom desempenho do TurismoEquestre no Brasil há necessidade de am-pliação na disponibilidade e acesso à infor-mação, facilidade de acesso, preços e ambi-entes agradáveis aos turistas. Para tanto,convém relembrar algumas observações deHofstee (2008), apresentadas no Quadro 1.

Para aproveitar os pontos fortes e opor-tunidades existentes no Turismo Equestre,diversos novos negócios deverão ser gera-

dos. Em todos eles, há amplo campo paraatuação de veterinários e outros profissio-nais especializados, de modo a assegurar odesenvolvimento sustentável desta moda-lidade turística. Estudo elaborado para oSEBRAE Paraná pela Diferencial (2006) apon-tou importantes novos negócios geradospelo Turismo Equestre:- Curso de Instrução de Guias de Montaria- Empresa de Guias de Montaria- Profissionais da Área Clínica Veterinária- Comércio de Equipamentos para Montaria- Pousada Rural para Turismo Equestre- Restaurante voltado para o Turista Eques-tre

A Organização Mundial do Turismo,conforme destacado por Lombello Jr (2007),ressalta que o desenvolvimento do turismosustentável só é possível se houver sus-tentabilidade econômica, social, cultural e

Pontos Fortes e Oportunidades

• Os benefícios de saúde• Incrementa o turismo internacional e interno• Aumento da renda para as zonas rurais• Baixa barreira de entrada fazendo

equitação acessível a um maior setorda sociedade

• Maior conhecimento da realidade dasáreas rurais

• Eleva as ligações sociais (capital social)regionais e locais

• Turismo responsável é cada vez maisimportante

• As pessoas querem sentir-se envolvidascom outras pessoas e o ambiente

• Bem-estar dos animais é uma preocupaçãoessencial na atualidade.

Pontos Fracos e Ameaças

• A falta de acesso à escolas de equitação• Concorrência de outras formas de lazer• Acesso nem sempre fácil às

propriedades rurais• Percepção de que equitação requer

grandes orçamentos e despesas• Ocorrências de problemas sanitários.

Quadro 1: Pontos Fortes e Fracos, Ameaças e Oportunidades ao Turismo Equestre

política. É importante destacar que o Turis-mo Equestre enquadra-se no Turismo deAventura – definido como aquele que “com-preende os movimentos turísticos decorren-tes da prática de atividades de aventura decaráter recreativo e não competitivo” (Mi-nistério do Turismo, 2008) – e, como tal,apresenta riscos controláveis. Desta forma,é essencial ocorra o respeito às normas daABNT; tanto com referência à habilidade doturista ao cavalgar (quadro 2) quanto em rela-ção à classificação do percurso (quadro 3).

O futuro do Turismo Equestre no Brasilé muito promissor, mas para que se traduzaem realidade, em geração de renda e empre-go, é importante que haja forte comprometi-mento e seriedade de todos interessados,não só com o respeito às normas e demaisaspectos anteriormente citados. É necessá-rio ir mais além, com forte engajamento polí-tico, seja para que efetivamente haja umapolítica de sanidade animal (com dotaçãoorçamentária e execução efetiva de despe-sas compatível com a dimensão da equino-cultura nacional) e debate técnico com au-toridades para que sejam removidos obstá-culos desnecessários ao desenvolvimentoda atividade. Neste sentido, é urgente a ade-quação e modernização de normas, comono caso da legislação fiscal tributária da pres-tação de serviços em propriedades rurais eno uso de Parques Nacionais para roteirosde cavalgadas. A proibição no Brasil des-toa, sem argumentos tecnicamente susten-táveis, do que ocorre na Europa e EstadosUnidos e outros lugares do mundo, onde oTurismo Equestre ocorre normalmente emParques Nacionais.

FON

TE: A

BN

T N

BR

155

07-1

(200

8)

Quadro 2: Habilidades do cliente de turismo equestre ao cavalgar

Classificação Características

Principiante Cliente com limitada ou nenhuma experiência, ainda não capaz de mantero cavalo no andamento escolhido e que apresenta acentuado estressedecorrente de medo e ansiedade.

Iniciado Cliente capaz de montar e desmontar sem assistência, capaz de se mantercom pouco ou nenhum estresse durante a atividade, com bom controlesobre o cavalo, familiarizado com arreios e a amarração do animal ao parar,com capacidade para mantê-lo na marcha e no trote, apto a experimentare se manter em equilíbrio no galope curto ou controlado.

Mediano Cliente com controle em todos os andamentos, inclusive marcha rápida,trote e galope curto ou controlado, completamente familiarizado com oarreamento e com noções sobre embocaduras, capaz de abrir porteirassem que seja necessário desmontar, confiante e firme no assento emsituações de algum estresse, mas que não cavalga com regularidade.

Mediano forte Cliente mediano que cavalga com regularidade, em qualquer terreno,sentindo-se confortável na sela por longos períodos (várias horas) duranteo percurso.

Avançado Cliente com independência na condução, maior sensibilidade ao manejaras rédeas, capacidade de cavalgar animal fogoso em campo aberto ou emáreas com obstáculos de maior complexidade. FO

NTE

: AB

NT

NB

R 1

5507

-2 (2

008)

Grau de severidade do meio 1 ) Pouco severo2 ) Moderadamente severo3 ) Severo4 ) Bastante severo5 ) Muito severo

Orientação no percurso 1 ) Caminhos e cruzamentos bemdefinidos

2 ) Caminho ou sinalização que indicaa continuidade

3 ) Exige a identificação de acidentesgeográficos e de pontos cardeais

4 ) Exige navegação fora do traçado5 ) Exige navegação para utilizar

trajetos alternativos e nãoconhecidos previamente

Grau técnico do percurso 1) Percursos com piso regular2) Percursos com piso irregular3) Percursos com obstáculos4) Percursos com transposição de

cursos ou espelhos d’água5) Percursos com superfície lisa

Quadro 3: Referência de classificação de percursos