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Esquecimentos possveis: a hermenutica da memria de Paul
Ricoeur Emerson Dionsio Gomes de Oliveira*
Resumo: O presente trabalho analisa as consideraes do filsofo francs Paul
Ricoeur sobre o Esquecimento, as quais so resultantes de uma hermenutica
da memria e de uma epistemologia da histria Ricoeur sugere que, na cultura
ocidental, desde !escartes, h" uma empatia pelo #esquecimento metdico$,
cu%o sentido e articulao e&pem a condio pol'tica das representaes e
das formulaes da memria coleti(a, para al)m de uma retrica da perda e do
apagamento !a' a tenso estabelecida pelo pensador entre o esquecimento
definiti(o e o esquecimento de reser(a, caros *s especulaes operadas dentro
dos conceitos de histria e de arqui(o
Pala(ras+cha(e: memria, teoria da histria, esquecimento
bstract: Possible -ortgetfulness: the hermeneutic memor. of Paul Ricoeur
/his 0or1 anal.2es the considerations of the -rench Philosopher Paul Ricoeur
about the -orgetfulness resulting from a hermeneutic memor. and histor.
epistemolog. Ricoeur suggests that in the occidental culture, since !escartes,
that there is empath. for the #methodic forgetfulness$, the sense and articulationof 0hich sho0 the political condition of the representations and formulations of
the collecti(e memor. to farther than rhetoric of loss and e&tinction 3ence, the
tension established b. the philosopher bet0een the definite forgetfulness and
the reser(e forgetfulness, dear to the speculations operated 0ithin the concepts
of histor. and archi(e 4e.0ords: memor., theor. of histor., forgetfulness
Em /empo de 3istrias + Publicao do Programa de Ps+5raduao em
3istria da 6ni(ersidade de 7ras'lia + PP5+389, n ;, 7ras'lia, %an>? @
O filosofo francs Paul Ricoeur ofereceu aos historiadores, em meados dos
anos A> , uma importante discusso sobre a narrati(a em histria, tornando+
se fundamental para as discusses sobre a narrati(idade nos Bltimos C> anos
O pensador transformou a narrati(a no modo pri(ilegiado, temporal e lgico, de
organi2ao do tempo humano D por meio dela que a intriga para al)m de
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ristteles que a concebia como atemporal organi2a o (i(ido, dando os
contornos da e&perincia do (i(er no mundo Em sua longa argumentao,
Ricoeur nos condu2 a uma tese circular onde temporalidade e narrati(idade
organi2am+se reciprocamente Reis aponta o que ) (ital na compreenso da
proposio da narrati(a ricoeuriana: Ricoeur defende o car"ter intrinsecamente
narrati(o do conhecimento histrico, pois ) essa a forma que oferece
inteligibilidade ao (i(ido, ao articular tempo e ordem lgica /oda escrita
histrica que pri(ilegie o (i(ido contra o lgico ou o lgico contra o (i(ido, para
ele, ) insatisfatria FRE89, =>>G: CGH Iesse tocante, a histria, (ista como um
dos gneros que compem o campo narrati(o, (+se tomada na correlao
entre temporalidade da e&perincia humana e o modo de narr"+la ssim,
compreender a narrati(a em Ricoeur torna+se uma necessidade premente para
empreender o entendimento da narrati(a histrica, igualmente crucial para o
tratamento de outro tema caro ao autor: a memria O autor esmiBa o
problema com mais ateno na obra # memria, a histria, o esquecimento$,
publicada na -rana em =>>>, na qual afasta as possibilidades de
subordinao da memria * histria ntes, ele prefere propor a memria como
uma das matri2es da histria 6ma matri2 pri(ilegiada por sua ambio de
#(eracidade$ Jas o problema apenas est" posto, uma (e2 que, embora
compartilhem da mesma ambio de #(erdade$, pontificada pela narrati(a de
um passado tang'(el, a articulao entre memria sobretudo a social , por
meio do relato+testemunho, e histria, por meio da operao historiogr"fica,
oferece+nos processos di(ersos Io cerne desses diferentes processos h" um
complicador Em um esforo )tico de compreender os abusos operados pela
obsesso da memria na segunda metade do s)culo KK, o pensador enfati2a
os problemas da memria e seus usos, ao questionar+se: #Por que os abusosda memria so, de sa'da, abusos do esquecimentoL$ FR8MOE6R, =>>@: ;GGH
s respostas, como (eremos a frente, introdu2em na relao entre memria
Em /empo de 3istrias + Publicao do Programa de Ps+5raduao em
3istria da 6ni(ersidade de 7ras'lia + PP5+389, n ;, 7ras'lia, %an>? A
e histria um componente que a princ'pio est" configurado como ant'poda,
mesmo em teorias ou po)ticas conciliadoras E ) %ustamente dele que
trataremos mais demoradamente nesse trabalho ntes ) preciso compreenderque em # memria, a histria, o esquecimento$, (emos uma #apologia da
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memria como matri2 de histria, na medida em que ela continua sendo uma
guardi da problem"tica da relao representati(a do presente com o passado$
Fidem, ibidem: >>H Jas no h" nessa obra uma rei(indicao da memria
contra a histria Iesse sentido, Ricoeur tornou+se um empenhado cr'tico dos
estudos que tomam a memria apenas como ob%eto da histria, negando sua
funo matricial Para aprofundar essa defesa e as cr'ticas dessas correntes, o
pensador francs debate as contribuies, aparentemente inconcili"(eis, de
3enri 7ergson, 9igmund -reud, Jaurice 3alb0achs e Nerushalmi Jemria e
histria 9e o debate da memria passa pela ambiguidade da imaginao e do
reconhecimento, para Ricoeur, 7ergson ) #o filsofo que mais se apro&imou do
entendimento do ('nculo estreito que e&iste entre o que chama sobre(i(ncia
das imagens e o fenQmeno cha(e do reconhecimento$ Fidem, ibidem: ;CAH
partir de #Jat)ria e Jemria$, publicado em A?, 7ergson empreende uma
cr'tica ao reducionismo cient'fico da )poca, personificado pelos trabalhos de
/h)odulo Ribot, autor de #!oenas da Jemria$, de AA, e adepto do
positi(ismo psicologista e fundador da re(ista Re(ue philosophique de la
-rance et de lS)tranger em A@ Ribot acredita(a que as cincias cogniti(as
eram capa2es de indicar no c)rebro a geografia das lembranas = , algo
impro("(el para 7ergson Preocupado em demonstrar que o passado
sobre(i(e tanto nos mecanismos motores quando nas lembranas autQnomas,
7ergson, no li(ro de A?, apresenta+nos duas formas de memria: h"bito e
representao primeira pertence ao hemisf)rio da ao, pois se nutre da
repetio, na conscincia de todo um passado de esforos arma2enados para
e&primir+se no presente 7ergson salienta que tal memria no cont)m e no
re(ela suas origens, pois #ela %" no nos representa nosso passado, ela o
encenaT e se ela merece ainda o nome de memria, %" no ) porque conser(eimagens antigas, mas porque prolonga seu efeito Btil at) o momento presente$
F7ER59OI, ??>: CH U" a segunda memria remete * conser(ao de
imagens Bnicas, a memria propriamente dita, que remete a uma
representao, pela imagem+lembrana, do passado no presente Para
Ricoeur, a dicotomia entre as duas memrias funda a dicotomia que perpassa
toda a obra de 7ergson: c)rebro e memria #O reconhecimento ) o modelo
desses mistos reconstru'dos, e o entrelaamento das duas memrias, oe&emplo do misto mais f"cil de se decompor e recompor$ FR8MOE6R, =>>@:
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;;>H 9e o reconhecimento ) cha(e da dial)tica entre as duas formas de
memria em 7ergson, na psican"lise, para Ricoeur, as Vncoras so os
conceitos de #recalque$ e #luto$ freudianos, por meio dos quais o historiador
opera como um analista, um mediador entre o #no+dito$ e aquilo que permite
di2er+se Iuma acepo freudiana, o luto torna+se um rito de renBncia e de
resignao que terminaria com a reconciliao com a perda F-RE6!, ?@GH
6m dos elementos marcantes do luto nesse tocante ) sua disposio em
operar com a repetio da lembrana O tempo do luto ) marcado pela
rememorao repetiti(a daquilo que se perde, um #esquecimento$ que se opera
no desprendimento de um ob%eto perdido Wuando h" o recalque, o
impedimento da compulso repetiti(a de um traumatismo ) feito por meio de
uma lembrana, cu%a #cura$ se d" pelo ato de transferncia Essa contribuio
bipolar da psican"lise freudiana do luto e do recalque abre para o
pensamento de Ricoeur a possibilidade de pensar tanto nos #traumatismos
coleti(os$ quanto nos esquecimentos #manipulados$ ssim, as #feridas da
memria coleti(a$ so tribut"rias da noo de ob%eto perdido, que #encontra
uma aplicao direta nas perdas que afetam igualmente o poder, o territrio,
as populaes que constituem a substVncias de um Estado$ FR8MOE6R, =>>@:
?=H s deri(aes psicanal'ticas mostram+se, por meio das reconciliaes
e&ibidas nas comemoraes pBblicas, e&celentes e&emplos das relaes
cru2adas entre a e&presso pri(ada e a e&presso pBblica do ob%eto perdido,
esquecido Para a discusso sobre o lugar pBblico da memria, as teses do
socilogo Jaurice 3alb0achs tornaram+se fundamentais Ricoeur aponta para
a prima2ia do socilogo dur1heiminiano em destacar o problema da #memria
coleti(a$ s memrias coleti(a e indi(idual dobram+se em analogias que
acabam por torn"+las esp)cies que se interpenetram mbas esto alimentadaspelo passado histrico, transformado Em /empo de 3istrias + Publicao do
Programa de Ps+5raduao em 3istria da 6ni(ersidade de 7ras'lia + PP5+
389, n ;, 7ras'lia, %an>? > paulatinamente em nosso Iessa
relao, toda(ia, a memria indi(idual subordina+se * coleti(a, porque )
domesticada pelos grupos sociais U" para a histria, 3alb0achs produ2 uma
leitura e&terior, dotando+a de uma did"tica morta, cu%a perspecti(a pode ser
apenas apreendida e no (i(ida, como o ) na mensura da memria histrias comearia onde termina a tradio, no momento em que a memria coleti(a
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dei&a de funcionar de modo autQnomo, por suas prprias regras e limites
3alb0achs praticamente transforma histria e memria em ant'teses,
colocando do lado da memria tudo o que flutua, o concreto, o (i(ido, o
mBltiplo, o sagrado, a imagem, o afeto, o m"gico, enquanto a histria
caracteri2a(a+se por seu car"ter e&clusi(amente cr'tico, conceitual,
problem"tico, quantitati(o e est"tico 6ma distino to radical le(aria * (iso
de que a histria s comearia quando terminasse a memria Essa distino
foi, para 3alb0achs o ponto de partida de uma refle&o sobre a maneira pela
qual uma memria coleti(a enra'2a+se e se fi&a em comunidades sociais Jas
ele parte do postulado de uma histria que ainda configura(a+se como um ente
que prima pelo resumo e pela macro+estrutura narrati(a Para ele enquanto a
memria era o trVnsito concreto do passado, a histria encontra(a+se na
(ertente da separao terica disciplina histrica encarna, portanto, um
saber abstrato indispens"(el para restituir um passado fora da dimenso do
(i(ido: Para que nossa memria se beneficie da dos outros, no basta que eles
nos tragam seus testemunhos: ) preciso tamb)m que ela no tenha dei&ado de
concordar com suas memrias e que ha%a suficientes pontos de contato entre
ela e as outras para que a lembrana que os outros nos tra2em possa ser
reconstitu'da sobre uma base comum F3X7YM39, =>>;: CH histria, ou
melhor, a memria histrica nada mais ) que o lugar do conhecimento ob%eti(o,
agindo como unit"ria, a partir de uma ideia de Iao, e conferindo um car"ter
descont'nuo ao conhecimento sobre o passado FR8MOE6R, =>>@: ;>@H O
relacionamento lim'trofe entre memrias indi(idual, coleti(a e histrica,
percorrido num sentido unidirecional, num encadeamento casual, confere a tais
teses o dese%o de uma memria integral Estrat)gia que no se ocupa nem
admite o esquecimento, negando+o como elemento formador O esquecimento) um ant'poda tamb)m para o historiador %udeu Nerushalmi, autor de Za1hor C ,
que argumenta que #querer sal(ar tudo do passado ) um pro%eto Em /empo de
3istrias + Publicao do Programa de Ps+5raduao em 3istria da
6ni(ersidade de 7ras'lia + PP5+389, n ;, 7ras'lia, %an>? ra2o"(el$
FR8MOE6R, =>>@: ;H Nerushalmi entra na argumentao de Ricoeur na
inteno de demonstrar que as relaes #necess"rias$ entre memria e
histrica defendidas desde 3alb0achs e por, conseguinte, os limites entre elas,no so constituintes uni(ersais Iesse tocante, a memria do po(o %udeu
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ser(e como e&emplo essencial, na medida em que a cultura %udaica cont)m em
seu cerne um forte sentido do histrico, ao mesmo tempo em que a
historiografia, compreendida como a tarefa dos historiadores, te(e pouco ou
quase nenhuma influncia na manuteno da memria do passado %udeu
Iessa direo, Ricoeur, a partir da leitura de Nerushalmi, conclui que, sob o
controle do olhar retrospecti(o, nem o sentido da histria nem o da memria do
passado dependem da historiografia Essa desnaturali2ao do ('nculo
necess"rio entre memria, histria e historiografia ) Btil para compreender
como a retrica contra o esquecimento de(e ser tomada fora dos ei&os que
problemati2am a memria a partir de suas e&cees, de seus des(ios e
patologias Ricoeur prope um trabalho que priori2a a memria, enquanto
matri2, sem com isso negar sua intimidade e pro&imidade com a memria
histrica e com o pro%eto historiogr"fico + na acepo dada por Jichel !e
Merteau ; +, esses dois Bltimos, para Ricoeur, so essenciais para #corrigir$ os
abusos de memria Esquecimento: a memria patolgica O esquecimento
est" no cerne da discusso platQnica da problem"tica da ei1[n Fimagens,
refle&osH sob o signo da met"fora da impresso no bloco de cera, onde o
des(io ) (erificado pelo apagamento das marcas impressasT apagamento to
gra(e quanto algu)m que tenta encai&ar o ob%eto nas marcas erradas Ricoeur
%" l em Plato o problema do esquecimento em seu duplo sentido: #como
apagamento dos rastros e como falta de a%ustamento da imagem presente *
impresso dei&ada como quer por um anel na cera$ FR8MOE6R, =>>@: =@H G
Entretanto o debate ganhou contornos mais utilit"rios desde ento ars
memoriae, cultuada at) o s)culo K\88 e in(estigada por -rances Nates F=>>AH,
surgiu como uma forma demasiadamente otimista e como uma recusa
e&agerada do esquecimento, ao mesmo tempo em que demonstra, a partir da',as #fraque2as inerentes tanto * preser(ao dos rastros quanto * sua
e(ocao$ Fidem, ibidem: A>H Em sua lgica, foram criados marcadores de
memria, um con%unto de t)cnicas internas que Em /empo de 3istrias +
Publicao do Programa de Ps+5raduao em 3istria da 6ni(ersidade de
7ras'lia + PP5+389, n ;, 7ras'lia, %an>? = lentamente foram
ganhando o espao e&terior: o te&to escrito, a bandeira, iconografia, recibos,
lembretes etc /ais marcadores (isa(am * proteo contra o esquecimento Iainterioridade, encontramos tais marcadores no esforo de recordao,
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sobretudo a partir da forma fi&a da associao repetiti(a, mais ou menos
mecVnica, da recordao de uma coisa por uma outra que lhe foi associada na
aprendi2agem Em sua e&terioridade, os marcadores foram adquirindo cada
(e2 mais espaos sociais, entendidos primeiramente como pontos de apoio
e&teriores * recordao, e depois, confundidos ou tomados como #lugares de
memria$ como defendeu o historiador francs Pierre Iora FMf ??C: >@+ =AH
Jas os sinais indicadores que tentam nos proteger do esquecimento no futuro
deparam+se com o problema a que 9anto gostinho %" aludia Ele aponta(a um
problema retrico para a questo do esquecimento O esquecimento, enquanto
apagamento, s pode ser alcanado pelo signo da lembrana do prprio
esquecimento Ia eminncia da lembrana, lembramos tamb)m que
esquecemos, como e&plica Ricoeur: 6m enigma, porque no sabemos, de
saber fenomenolgico, se o esquecimento ) apenas impedimento para e(ocar
e para encontrar o #tempo perdido$, ou se resulta do inelut"(el desgaste, #pelo$
tempo, dos rastros que em ns dei&aram, sob forma de afeces origin"rias, os
acontecimentos super(enientes Para resol(er o enigma, seria necess"rio no
s desimpedir e liberar o fundo de esquecimento absoluto sobre o qual se
destacam as lembranas #preser(adas do esquecimento$, mas tamb)m
articular aquele no+saber relati(o ao fundo de esquecimento absoluto ao saber
e&terior particularmente o das neurocincias e das cincias cogniti(as
concernentes aos rastros mn)sicos Io dei&aremos de e(ocar, no de(ido
momento, essa dif'cil correlao entre saber fenomenolgico e saber cient'fico
FR8MOE6R, op cit: ;A+;?H Iessa correlao entre uma fenomenologia da
memria e o saber cient'fico, especialmente as cincias cogniti(as, no se
de(e permitir que a problem"tica do esquecimento se%a condu2ida pelo sentido
e&clusi(o da deficincia, sentido predominante nas formulaes das formaspatolgicas da memria Para as cincias cogniti(as, o uso das disfunes da
memria foi demasiadamente Btil para construir mapas amn)sicos, mas, para a
compreenso da memria em seus usos e abusos @ para Em /empo de
3istrias + Publicao do Programa de Ps+5raduao em 3istria da
6ni(ersidade de 7ras'lia + PP5+389, n ;, 7ras'lia, %an>? C usar a
terminologia de /odoro( A ) preciso corte%ar aquilo que Ricoeur bem define
como #memria feli2$ ou memria comum 9e, para compreender aproblem"tica do esquecimento, ) preciso destitu'+la dos preceitos da patologia
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da memria, tamb)m ) necess"rio enquadr"+la na e&pectati(a da fidelidade
para com o passado que, em seu limite Bltimo, guarda na #rememorao pura$
o seu (alor de negociao utpico Jas a' surge um problema para os
historiadores no momento em que Ricoeur trata do esquecimento detida e
e&clusi(amente: suas refle&es partem, sobretudo, de uma hermenutica da
memria indi(idual, e&igindo de ns a compreenso da dial)tica proposta com
a memria coleti(a, enquanto cBmplice e concorrente da memria histrica
Io chega a ser um trabalho "rduo na medida em que as questes que o autor
nos coloca so, em Bltima an"lise, facilmente intercambi"(eis entre as
disciplinas que as disputam: O esquecimento no seria, portanto, sob todos os
aspectos, o inimigo da memria, e a memria de(eria negociar com o
esquecimento para achar, *s cegas, a medida e&ata de seu equil'brio com eleL
E essa %usta memria teria alguma coisa em comum com a renuncia * refle&o
totalL 6ma memria sem esquecimento seria o Bltimo fantasma, a Bltima
representao dessa refle&o total que combatemos obstinadamente em todos
os registros de hermenutica da condio histricaL FR8MOE6R, op cit: ;=;H
9e o primeiro passo ) distanciar da memria enquanto afeco, ) preciso e(itar
o entendimento do esquecimento como disfuno entre o normal e o
patolgico Essa (iso, compartilhada pelas neurocincias e pelas disciplinas
neuro+cogniti(as, apenas nos interessa tangencialmente, uma (e2 que #para
o fenomenlogo, essa relao ) especificada pela problem"tica central da
imagem+lembrana, ou se%a, a dial)tica de presena, de ausncia e de
distVncia que inaugurou, acompanhou e atormentou nossa pesquisa$ Fidem,
ibidem: ;=AH /anto a memria quanto o esquecimento no podem ser
comparados partindo de discursos diferentes neural e hermenutico + no
plano do questionamento e dos m)todos de abordagem Essa distVncia )enfati2ada em di(ersos momentos do trabalho refle&i(o do filsofo, numa clara
necessidade de limpar o caminho das interferncias desse discurso recorrente
na pr"tica cotidiana Para ele ) crucial que se entenda que: aH os discursos das
neurocincias e da fenomenologia deri(am de perspecti(as diferentes, portanto
no Em /empo de 3istrias + Publicao do Programa de Ps+5raduao em
3istria da 6ni(ersidade de 7ras'lia + PP5+389, n ;, 7ras'lia, %an>?
; podem abraar um sistema de comparaes e sim, de correspondnciasIesse tocante, ele descarta as tipologias usadas para tipificar a memria:
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memria bre(e, memria permanente, etcT bH o saber das neurocincias no
interfere no conhecimento e desen(ol(imento do discurso )tico e pol'tico da
memria, pois a ta&inomia originada da cl'nica sobre a memria, segundo ele,
est" #na maioria das (e2es, muito distanciadas da (ida cotidiana$ Fidem,
ibidem: ;CCH final, #a tarefa das neurocincias ) di2er no o que me fa2
pensar, ou se%a, essa dial)tica que d" tanto o que pensar, mas o que pensar,
mas o que fa2 com que eu pense, ou se%a, a estrutura neuronal sem a qual eu
no pensaria U" ) alguma coisa, mas no ) tudo$ Fidem, ibidem: ;CGHT cH ele
concorda, em parte que o esquecimento ) uma esp)cie de disfuno,
patologia, mas apenas quando se fala do esquecimento definiti(o, aquele
estaria em aliana com o en(elhecimento e a morte: #) uma das faces do
inelut"(el, do irremedi"(el$ Fidem, ibidemH U" o esquecimento comum no Ele
) a pa2 da memria comum, feli2, da qual as neurocincias tm pouco a di2er
Iesse sentido, ele se afasta da mn)sia, pois o esquecimento comum pode
estar to intimamente confundido com a memria, que pode ser considerado
como uma das suas condies de reali2ao E nessa fronteira, a neurocincia
tem pouco a di2er Esquecimento: rastros e reser(as ntes de prosseguir na
tentati(a de dar mais especificidade a esses questionamentos, lembremos do
que Elenice Rodrigues 9il(a alerta ao pesquisar as distines entre
comemorao e rememorao no pensamento de Ricoeur: Entender, na
opinio de Ricoeur, a especificidade da memria Fa sua fragilidade e os seus
abusosH, pressupe le(ar em conta a sua dupla dimenso do pri(ado e do
pBblico tribu'da * noo da ]e&perincia interior], a memria, na tradio
filosfica conotou, desde os tempos remotos, a ideia mesma de imaginao
memria (isaria, nesse sentido, o passado constru'do e transmitido por
imagens e representaes !essa percepo de uma memria influenciadapelo imagin"rio resultaria, segundo Ricoeur, a (ulnerabilidade mesma desse
conceito Em outras pala(ras, a memria, (isando unicamente * interioridade,
torna+se ob%eto de dB(idas e de suspeitas F98X\, =>>=H Em /empo de
3istrias + Publicao do Programa de Ps+5raduao em 3istria da
6ni(ersidade de 7ras'lia + PP5+389, n ;, 7ras'lia, %an>? G ps
percorrer # memria, a histria, o esquecimento$, ) f"cil concordar com a
posio da autora de que os questionamentos impostos ao esquecimento, sobas formas de an"lises cuidadosas das contribuies das disciplinas cogniti(as
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e da psican"lise, s podem estar alicerados nos %ogos e&teriores e nas trocas
sociais, historicamente institu'das 6ma fenomenologia da memria precisa
assim e&primir as diferentes etapas e contribuies sobre o esquecimento a fim
de no recair na met"fora da distVncia, do apagamento enquanto afastamento
e profundidade O que est" posto ) a prpria semVntica do esquecimento, (isto
de forma (ertical 9eu campo de produo fa2+se perceber por estrat)gias
antagQnicas, em que a constituio do #lembrar$ %" o det)m como inteligncia
negati(a de si mesma Io ) tarefa f"cil O esquecimento ), num sentido
hori2ontal, o desafio * confiabilidade da memria que ), por conseguinte, a
prpria representao do passado como imagem fiel do (i(ido+narrado ? Ou
se%a, o esquecimento (isto como um negati(o no combate pela rememorao
pe em &eque mesmo a dial)tica de presena e ausncia da representao do
passado, to bem e&plorada por Xouis Jarin e apropriada por Roger Mhartier
F=>>=: C+A>H Montudo, Ricoeur pede mais ateno para a questo, uma
(e2 que o esquecimento protagoni2a a mais importante operao da memria:
o reconhecimento Para e&plicitar essa dimenso %unto ao reconhecimento, o
pensador cunhou duas esp)cies de esquecimento: o esquecimento por
apagamento dos rastros e o esquecimento de reser(a Para compor essa
di(iso dentro do dif'cil conceito de #esquecimento$ e a lgica da persistncia
dos rastros, o pensador apela para a compreenso da
permannciamanuteno dos rastros por meio de quatro pressupostos: H o
prprio das inscriesafeces Frastros para lembrana, num sentido (ulgarH )
permanecer, sobre(i(er, durarT =H por outro lado, o acesso, o saber as
inscries+afeces nos ) mascarado pelos obst"culos * recordaoT CH aberta
essa contradio, ele a(isa que no h" contradio entre a capacidade das
inscries+afeces e o saber sobre os rastros corticais, pois so dois saberesheterogneos Fcortical e o ps'quicoH sobre o esquecimento Jais uma (e2 ele
opera a distVncia das formulaes das neurocincias sobre o assunto eT ;H a
sobre(i(ncia das imagens Finscries+afecesH no acessadas constitui uma
forma fundamental de esquecimento: o Esquecimento de Reser(a Em /empo
de 3istrias + Publicao do Programa de Ps+5raduao em 3istria da
6ni(ersidade de 7ras'lia + PP5+389, n ;, 7ras'lia, %an>? cha(e
para a compreenso desses pressupostos est" na dif'cil compreenso doreconhecimento: #O Reconhecimento ) ato mnemQnico por e&celncia$ di2+nos
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Ricoeur Fop cit: ;CAH Ium comple&o %ogo, raramente mensur"(el, ele a%usta e
reBne o reaparecer ao aparecer por meio do desaparecer Para que a%a o
reconhecimento, ) necess"rio crer na permanncia das inscries+afeces E
o reconhecimento parte sempre de um pressuposto a posteriori: #foi preciso
que algo permanecesse da primeira impresso para que dela me lembre agora$
Fidem, ibidemH 7ergson, em #Jat)ria e Jemria$, torna+se fundamental naquilo
que Ricoeur define como sobre(i(ncia das imagens e o reconhecimento Iele,
o questionamento incide, inicialmente como (imos, sobre a memria+h"bito,
onde o reconhecimento no ) e&plicito e a memria+rememorao, cu%o
reconhecimento ) declarado mbas so duas formas de conser(ao dos
#rastros$, uma pela memria que repete e outra pela memria que re( !essa
dicotomia, surge a problem"tica da memria+representao, resultado do
reconhecimento que para 7ergson ) #o ato concreto pelo qual reaprendemos o
passado no presente$ Fapud R8MOE6R, op cit: ;;H Para que ha%a o
reconhecimento, ) preciso pressupor a e&istncia da #lembrana pura$ Fem sua
condio (irtualH colocada no estado de latncia FinconscinciaH e mais, para a
sobre(i(ncia da primeira impresso em estado de latncia das imagens do
passado ) preciso abrir+se para a hiptese, atestada por !eleu2e, em sua
leitura de 7ergson, de que um presente se%a qual for, desde seu surgimento, %"
) seu prprio passado final, em um questionamento ontolgico, como se
tornaria passado se no ti(esse se constitu'do ao mesmo tempo em que era
presenteL Ou se%a, o paradigma pe sobre a premissa de que o passado )
contemporVneo do presente que ele foi !eleu2e completa: #O passado nunca
se constituiria, se no coe&istisse com o presente do qual ele ) passado$ Fapud
R8MOE6R, op cit: ;;=H Para 7ergson a latncia s ) poss'(el por que o
passado no mais ageT est" sob o signo da impotncia > Essa re(isofundamental do tempo est" em sintonia com o problema de 7ergson que ):
como reconhecer a lembrana como lembrana, eis todo o enigma resumido
Iesse tocante crucial para bali2ar o limite entre o lembrar e o esquecer, esse
questionamento permanece na ordem do pressuposto de que e&iste a
#lembrana pura$, conhecida pela retrospeco #Io percebemos a
sobre(i(ncia, ns a pressupomos e nela acreditamos E ) o reconhecimento
que nos autori2a a acreditar:: aquilo que uma Em /empo de 3istrias +Publicao do Programa de Ps+5raduao em 3istria da 6ni(ersidade de
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7ras'lia + PP5+389, n ;, 7ras'lia, %an>? @ (e2 (imos, ou(imos,
sentimos, aprendemos no est" definiti(amente perdido, mas sobre(i(e, pois
podemos record"+lo e reconhec+lo$ Fidem, ibidem: ;;CH !os pressupostos
le(antados, o mais importante para nossa refle&o ) o quarto: aquele que
considera a sobre(i(ncia das imagens do presente
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as manifestaes indi(iduais do esquecimento esto ine&trica(elmente
misturadas em suas formas coleti(as, a ponto de que as e&perincias mais
perturbadoras do esquecimento + a obsesso ) o melhor e&emplo + somente
desen(ol(em seus efeitos mais danosos na escala das memrias coleti(as,
%ustamente onde as negociaes do rememorar esto mais intimamente
implicadas no Vmbito do pol'tico Momo modo de esboar quais problemas
essas dimenses sobrepostas do esquecimento, Ricoeur oferece trs
coment"rios bre(es sobre os usos e abusos do esquecimento Ia primeira
incurso, por meio da interpretao de dois te&tos de -reud F#Rememorao,
repetio, perlaborao$ de ?; e #Xuto e Jelancolia$ de ?@H, ele lembra+
nos da memria impedida freudiana, que ) de fato uma memria esquecidia
qui se retoma * ideia do recalque freudiano, mas sob a tica do esquecimento
enquanto operao que impede a rememorao do acontecimento traum"tico
O esquecimento aparece como pista secund"ria, uma (e2 que o trauma
permanece o mesmo, s que substitu'do por outros sintomas O segundo
coment"rio sobre os usos e abusos da memria est" focado no esquecimento
e na memria manipulada Iesse ponto, retomamos o questionamento do inicio
desse artigo, Ricoeur se questiona: #Por que os abusos da memria so, de
sa'da, abusos do esquecimentoL$ FR8MOE6R, op cit: ;GGH resposta reside
no fato de que antes do abuso h" o uso !a mesma maneira que no )
poss'(el lembrar+se de tudo, no ) poss'(el narrar tudo, o que torna cada
narrati(a um ato de seleo #lcanamos, aqui, a relao estrita entre
memria declarati(a, narrati(idade, testemunho, representao figurada do
passado histrico$ Fidem, ibidemH, pois, em cada ato de seleo, h" a presena
das estrat)gias de esquecimento, uma (e2 que, para narrar algo de alguma
forma, ) preciso no narrar de tantas outras !a' o esquecimento pode sertanto ati(o, quando acarreta um d)ficit de memria ideologicamente definido,
quanto passi(o, quando a manifestao do esquecimento no delibera sobre
os agentes do narrado Iesse ponto, o da memria manipulada, Ricoeur
aponta #a histria do tempo presente$ como palco pri(ilegiado para * discusso
historiogr"fica do esquecimento, tendo em (ista as dimenses tanto
psicopatolgicas da (ida cotidiana, ofertadas pelas discusso de memria
impedida, quanto de uma sociologia da ideologia, a partir dos recursos danarrati(a !e fato, h" um paradigma que lhe ser(e de e&emplo: o estudo de Em
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/empo de 3istrias + Publicao do Programa de Ps+5raduao em 3istria
da 6ni(ersidade de 7ras'lia + PP5+389, n ;, 7ras'lia, %an>? ? 3enr.
Rousso sobre as repercusses histricas do regime de \ich. F?;>+?;GH na
-rana, que se mostra ob%eto pri(ilegiado para colocar frente * frente, numa
pro(ocao mBtua, os relatos das testemunhas ainda (i(as e a escrita %"
produ2ida como rastros document"rios dos acontecimentos considerados =
Esse caso abre+se para questionar como se deu a organi2ao do
esquecimento FRousso institui para seu trabalho quatro fases: luto, recalque,
retorno e obsessoH ancorado na premissa anterior de que a obsesso por #um
passado que no passa$ pode ser compreendida dentro da lgica de que
#Iarrar um drama ) esquecer outro$ Fidem, ibidem: ;G?H /al assero retoma
para tese de Ricoeur sobre o esquecimento, e portanto, sobre a memria, o
peso que a narrati(idade possui em suas formulaes nos anos A> Esse
mesmo (alor pode ser medido no sentido contr"rio da questo, quando se
nega a narrao dos momentos traum"ticos do passado qui, como bem
demonstraram Pollac1 C e !osse F??AH sobre a 9hoah Fgenoc'dio dos
%udeusH, estamos no campo do silncio, onde est" menos em %ogo o
apagamento dos rastros, que a manipulao tempor"ria do esquecimento de
reser(a Iesse tocante, num campo enunciati(o especifico e mo(edio: narrar
significa calar+se O terceiro coment"rio (incula+se ao esquecimento
comandado, aquele institu'do no Vmbito pol'tico e social da anistia D o
momento em que diferentes agentes negociam abertamente o que esquecer e
como /oda relao entre memria e esquecimento ) institu'da por
negociaes, geralmente t"citas Iesse caso, a diferena est" no fato de que a
negociao ) dirigida, comandada, sobre um solo de regras mais ou menos
estipulado a priori Iesse caso, trata+se de uma pro%eo para o futuro de ummodo imperati(o que tenta determinar as consequncias tanto da memria
quanto do esquecimentoT tal imperati(o equi(ale, para Ricoeur, a uma mn)sia
comandada O pensador (, nessa modalidade, uma impossibilidade
duradoura, uma (e2 que seu efeito possui um sentido de apa2iguar conflitos,
uma (erdadeira #terapia social emergencial, sob o signo da utilidade e no da
(erdade$ FR8MOE6R, op cit: ;=H possibilidade de conciliar anistia e
amn)sia ) um trabalho negociado pela relao esquecer+lembrar,complementado pelo luto e norteado pelo perdo, dimenso que no trato
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nesse trabalho, mas que adquire papel essencial para o sentido do
esquecimento #%usto$, consentido e dese%ado Em /empo de 3istrias +
Publicao do Programa de Ps+5raduao em 3istria da 6ni(ersidade de
7ras'lia + PP5+389, n ;, 7ras'lia, %an>? => Esses trs coment"rios
sobre usos e abusos do esquecimento alinham+se ao #de(er de memria$ e aos
questionamentos suscitados por ele, e sobre os quais o trabalho do historiador
por (e2es parece esquecer de problemati2ar final: #!i2er (oc se lembrar",
tamb)m significa di2er (oc no esquecer" $ Fidem, ibidem: >>H, imperati(o
que no pode se dei&ar de suscitar inBmeras ressal(as do trabalho
historiogr"fico s memrias impedidas, manipuladas e comandadas, ocupam,
toda(ia, um lugar e&pl'cito no %ogo onde as instituies do esquecimento + a
anistia ) apenas a mais (is'(el + que fortalecem os abusos do esquecimento
Os instrumentos dessas instituies esto (is'(eis para obser(adores
interessados, segundo Ricoeur Ieles, uma certa )tica democr"tica corrente
que afeta no s o direito * memria como seu de(er, pressupe e impe uma
leitura negati(a, que os identifica com uma certa omisso, negligencia ou
cegueira /oda(ia, Ricoeur termina suas especulaes num tour apor)tico,
perguntandose: #se ) poss'(el falar em memria feli2, e&iste algo como um
esquecimento feli2L$ Fidem, ibidem: G>AH Para ele no h" correlao poss'(el,
porque enquanto uma #lembrana$ ) um acontecimento, o esquecimento no o
) Io h" uma correlao sim)trica em termo de &ito ou reali2ao Enquanto
acontecimento, pode+se mensurar o alcance de uma rememorao e de uma
comemoraoT no sentido in(erso, no se pode calcular a dimenso do
esquecido, uma (e2 que ele apenas se re(ela a posteriori, enquanto uma
lembrana daquilo que esquecemos Ou antes, enquanto (irtualidade de
reser(a, o esquecimento no se dei&a medir Ele esclarece: enquanto amemria lida com acontecimentos at) nas trocas que do lugar a retribuio,
reparao, absol(io, o esquecimento desen(ol(e situaes duradouras e
que, nesse sentido, podem ser chamadas de histricas, pois so constituti(as
do tr"gico da ao ssim, o esquecimento impede a ao de continuar, quer
por confuses de pap)is imposs'(eis de desemaranhar, quer por conflitos
insuper"(eis nos quais a disputa ) insolB(el, instranspon'(el, quer ainda por
danos irrepar"(eis que costumam remontar a )pocas recuadas Fidem, ibidem:G>?H O signo ausente do trecho acima ) o do Perdo Ele ) o teste que
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demonstra a assimetria entre memria e esquecimento D por isso que no
podemos compreender da mesma forma uma ars memoriae ; uma recusa
e&agerada do esquecimento +, e uma Em /empo de 3istrias + Publicao do
Programa de Ps+5raduao em 3istria da 6ni(ersidade de 7ras'lia + PP5+
389, n ;, 7ras'lia, %an>? = ars obli(ionis, pois uma e outra esto em
campos operati(os di(ersos Mom isso Ricoeur cessa sua especulao no
e&ato ponto onde ela era mais fr"gil: o esquecimento feli2, enquanto
possibilidade histrica, seria um legitimador das instituies do esquecimentoL
Io aqui Para legitimar os abusos do esquecimento, as instituies,
feli2mente, no foram acolhidas nessa hermenutica da memria
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Paul Ricoeur e o lugar da memria na historiografia
contempornea * !"R#" RE$"%" D" &R'( D'R"$**
'niversidade Estadual de )ondrina ')#O +E$%#,OG)#O***
'niversidade -ederal do Esprito .anto
Resumo: O presente te&to (isa tecer bre(es consideraes sobre as relaes
entre memria e narrati(a na historiografia da segunda metade do s)culo KK
tendo a obra de Paul Ricoeur como referncia central O ob%eti(o ) discutir
alguns aspectos e questes mais frequentemente apontadas por diferentes
int)rpretes que se referem ao estatuto da narrati(a e ao lugar da memria e nahistoriografia recente, locali2ando seus aportes tericos fundamentais e
sugerindo alguns caminhos de refle&o 9itua a contribuio de /empo e
narrati(a como decisi(a para se pensar um no(o olhar sobre a relao entre
histria e memria
Pala(ras+cha(e: JemriaT Iarrati(aT Paul Ricoeur bstract: /his paper aims to
brief considerations about the relationship bet0een memor. and narrati(e in the
second half of the t0entieth centur. historiograph. and the 0or1 of Paul Ricoeur
as a central reference /he purpose is to discuss issues and some aspects
most often highlighted b. different interpreters that refer to the status of the
narrati(e and the place of memor. and recent historiograph., locating their
fundamental theoretical contributions and suggesting some paths of reflection 8t
points the contribution of /ime and narrati(e as critical to thin1 a ne0 approach
at the relationship bet0een histor. and memor. 4e.0ords: Jemor.T Iarrati(eT
Paul Ricoeur
Onl. through time time is conquered Momo a histria ) nossa histria, o
sentido da histria ) nosso sentido=
6ma das inquietaes mais prementes nos debates da historiografia atual ) o
lugar da memria nos estudos histricos bem da (erdade ) pro("(el que tal
questo nunca tenha sa'do, efeti(amente, da pauta de refle&es
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historiogr"ficas, pois, embora tendo conhecido debate mais e&austi(o
sobretudo na -rana a partir do final dos anos ?A> em torno de nomes como
os de Pierre Iora e Paul Ricoeur, por e&emplo, no so poucos os estudiosos
que refletiram sobre o lugar da memria no interior dos estudos histricos ao
longo do tempo Ieste te&to, procuraremos sinteti2ar algumas preocupaes a
partir do seguinte questionamento: qual ) e como se coloca a relao entre
memria, histria e narrati(a para os
historiadores a partir da segunda metade do s)culo KKL D pro("(el que Paul
Ricoeur Fnascido em ?C e morto em =>>GH tenha sido, de longe, aquele que
teceu consideraes mais (igorosas em relao as estes questionamentos
ssim, ainda que este artigo no esgote os problemas acima le(antados, ele
procura reunir um con%unto de refle&es acerca da relao entre memria e
histria, tomando a obra do professor em)rito de filosofia da 9orbonne, Paul
Ricoeur, como ei&o articulador !esde o final da 9egunda 5uerra Jundial tem
se e(idenciado, em muitas an"lises histricas, uma no(a ordem de relaes
estabelecidas entre a histria e a memria partir de ?;G, com efeito,
obser(ou+se um momento bastante f)rtil de no(as contribuies produ2idas
pela historiografia europ)ia, nas quais se identificam respostas diferentes para
a relao entre memria e histria, e, conforme estas respostas, abordagens e
ob%eti(os di(ersos foram propostos por diferentes historiadores, conferindo a
esta problem"tica uma di(ersificao de posicionamentos e estudos at) ento
no e&perimentada Iaquela altura, a memria passou a ser questionada em
seu estatuto, %ustificati(a e formas de apresentaoC Entend+la passou, no
s)culo KK, a ser um e&erc'cio que cabia a muitas disciplinas, pois en(ol(ia asmBltiplas facetas assumidas pelo homem e pela sociedade, frente *s
mudanas tecnolgicas, aos desdobramentos das guerras mundiais e,
posteriormente, * ameaa nuclearT enfim, com tudo aquilo que permitiu ao
homem uma percepo mais (ariada de si mesmo e do legado que lhe
impunha o passado, coleti(o e indi(idual /al di(ersificao sublinhou a
urgncia no homem contemporVneo de compreender o fardo e o trabalho da
memria como uma dimenso fundamental da e&istncia, identificada nacrescente obsesso peloreconhecimento da identidade e da diferena a fim de
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pensar maneiras de assimilar e apreender o outro; Io por acaso, um
profundo interesse pelas questes do trauma e do ressentimento emergiram
naquele conte&toG Uustificadas pela noo de que, para al)m das ra2es,
aquilo que costumamos chamar de sentimentos tamb)m poderia assinalar uma
maneira de (er e de se posicionar no mundo Iesta trilha, emergiu uma histria
configurada pelas manifestaes do inconsciente, como dese%aram
historiadores do quilate de Peter 5a. F?A?H Jas tamb)m, e no em
contraposio, uma histria caracteri2ada por uma memria dos sentimentos e
uma narrati(a de ressentimentos Para !ominic1 XaMapra, o trauma teria se
instalado desde o final da 9egunda 5uerra Jundial como um aspecto decisi(o
para se pensar a possibilidade de narrati(as sobre o passado, produ2indo
(erdadeira cicatri2 constituidora da escrita da 3istria contemporVnea ssim, o
fa2er histrico passou a indicar, sobremaneira, que lugar e modo configura(am,
respecti(amente, para muitos historiadores, um papel de postura e de m)todo,
de modo que era urgente compreender a escrita da histria como uma escrita
de si 6rgia pensar como a e&perincia indi(idual e coleti(a, locali2ada nas
memrias e nos lugares de memria produ2idos refletia este homem do s)culo
KK e do s)culo KK8 Em outras pala(ras, remetia+se * uma problemati2ao
das relaes entre memria e narrati(a que seriam poss'(eis nos s)culos KK e
KK8, a fim de que alguns questionamentos dos historiadores pudessem ser
compreendidos O que conferiria sentido * sociedade contemporVneaL ^
Re(oluo -rancesaL ^ Re(oluo RussaL o holocaustoL O que nos torna o
que somos ho%e e como compreender aqueles que (i(eram e narraram antes
de nsL Para alguns historiadores, naquele momento, os e(entos mencionados
eram tratados no apenas como ob%etos para a narrati(a, mas tamb)m para
uma refle&o:
Io me interessa(a narrar o fato Ele %" o foi muito adequadamente, no in'cio
do s)culo_` O que eu pretendia era ser(ir+me do fato, como de um elemento
re(elador, utili2ando todas as falas que seu ad(ento suscitara Pois ) nisto que
o acidente factual pode nos interessar, a ns historiadores das estruturas O
fato e&plode 9eu choque repercute no mais profundo, e cabe esperar que
(enha * tona, emanando na penumbra onde costuma estar encoberta, uma
quantidade de fenQmenos que no falamos em (o2 alta no decorrer habitual da
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(ida Ora, enquanto falamos, do fato, em muito ao ru'do que fa2 e * inslita
inflao do discurso, fa2+se aluso a que ali h" certas coisas to simples e
banais que ningu)m pensa em not"+las e que por esse moti(o nos escapam, a
ns, historiadores l)m disso, quando o fato ) importante, fala+se dele, e o que
a seu respeito se di2 (ai sendo aos poucos transformado, no comple&o %ogo da
memria e do esquecimento /ais modificaes ainda so re(eladoras, para
ns, dessas foras obscuras que atuam sobre a memria ao longo das
geraes F!67N, ??C, p >H Para -reud, em O mal estar da ci(ili2ao, no
s)culo KK ha(eria uma ausncia nos indi('duos, acometidos de um mal+estar
freqente, seno de uma inadequao, um isolamento, uma solido, ou outra
sensao que, in(aria(elmente, le(ariam a mati2es desses sentimentos e a
frmulas que se apresentaram para e&plicar o t)dio, o desespero, a euforia ou
o entusiasmo coleti(o crescente massificao apontada por alguns autores,
sobretudo (inculados * teoria cr'tica FMf 5IE78I, ??=H, acrescida * nfase
na singulari2ao dos indi('duos, passou a ser compreendida como a
rei(indicao de um direito ao sentido da (ida, como e&pressa Iorbert Elias a
partir das tentati(as de indi(iduali2ao, mencionadas, sobretudo, em O
processo ci(ili2ador ^ escrita desse processo, seno en(olto por ele,
dedicaramse muitos historiadores contemporVneos Para a transformao
dessa no(a narrati(a, sublinha o filsofo alemo Jartin 3eidegger duas
d)cadas antes, concorreu um processo de refle&o sobre a linguagem de uma
maneira mais ampla Io limite, uma compreenso de que a linguagem, ela
prpria, est" submetida ao tempo e *s diferentes temporalidades que o
compe Monsoante, para 3eidegger: transformao no se d" mediante a
criao de no(as pala(ras e frases transformao di2 respeito * nossa
relao com a linguagem 9omente um destino histrico pode determinar se ecomo o (igor da linguagem, enquanto mensagem arcaica do acontecimento
apropriador, pode nos manter nesse (igor propriando, mantendo,
sustentando+se, o acontecimento apropriador ) a relao de todas as relaes
Por isso, enquanto resposta, nosso di2er permanece sempre um di2er da
relao re+lao est" sendo aqui pensada sempre a partir do acontecimento
apropriador e no mais representada na forma de um mero relacionamento
Iossa relao com a linguagem determina+se pelo modo em que ns _`pertencemos ao acontecimento apropriador F3E8!!E55ER, =>>, p =GH Por
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conseguinte, 9em alterar a linguagem no tocante aos seus sons e ainda menos
*s suas formas e leis, o tempo, pelo desen(ol(imento das id)ias, pela fora
crescente de pensamento e pelo aprofundamento e penetrao da
sensibilidade, introdu2 com freqncia na linguagem o que ela antes no
possu'a Ia mesma morada coloca+se um outro sentido, na mesma
configurao estabelece+se algo di(erso, nas mesmas leis de associao
instaura+se um passo mais elaborado de id)ias Esse ) o fruto consistente da
literatura de um po(o e, pri(ilegiadamente, da poesia e da filosofia
F3E8!!E55ER, =>>, =H !estarte, a histria ) uma "rea de conhecimento
que di2 respeito ao homem e seu tempo, em toda a e&tenso de comple&idade
e fle&ibilidade que isso significa final, #as lembranas dos homens se
adaptam a suas (icissitudes$ F5IE578I, ??=, p ==H Entre seus ob%eti(os %"
constaram pro%etos, prescries, an"lises e e&plicaes e, na maior parte das
(e2es, essasoperaes ocorrem simultaneamente Para Paul \e.ne: #O
homem delibera, a nature2a noT a histria humana tornar+se+ia sem sentido se
negligenci"ssemos o fato de os homens terem ob%eti(os, fins, intenes$
F\e.ne apud XE 5O--, ?A, p =CH /ais prerrogati(as le(am a considerar a
3istria, para al)m de um saber acerca do homem, como um campo articulador
de conhecimentos ssim, quais seriam os fins que os historiadores do s)culo
KK ou KK8 poderiam conferir * 3istriaL E, para que estes fins se efeti(em,
quais so seus meiosL /ais questes nos condu2em ao problema das
narrati(as, tema central na obra de Paul Ricoeur 9egundo -ranois !osse, a
originalidade de Ricoeur se estabelece porque Recusando tanto o con(ite a
fechar+se numa ontologia fundamental, * maneira heideggeriana, quanto a
encerrarse num discurso puramente epistemolgico, Ricoeur pe em cena
mediaes imperfeitas , fontes de elaborao de uma dial)ctica inacabada
D nesse espao intermedi"rio entre do&a e episteme que se situa o dom'nio do
do&a2ein, que em ristteles corresponde %ustamente * dial)tica e e&prime a
esfera da %usta opinio, que no se confunde com a do&a nem com a episteme,
mas com o pro("(el e o (erossimilhante F!O99E, =>>, p ??H Uac. l(es
9ei&as, para quem ) imposs'(el assinalar uma Bnica asserti(a * questo
colocada, afirma que um dos aspectos dessa problem"tica ) que: histria,
in(estida ho%e em detentora arrogante do monoplio da memria coleti(a,recriando+a a sua imagem e semelhana, permanece, em grande medida,
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carente de teori2ao sobre o conteBdo, o estatuto e os mecanismos de
FreHproduo da chamada memria histrica O espantoso ) o que imp)rio da
memria e>G, p H ssim constru'da desde o holocausto, a
memria do s)culo KK seria herdeira da noo patrimonial decorrente da
Re(oluo -rancesa, tal como assinala -ranois Mhoa., em alegoria do
patrimQnio Ela teria assimilado os direitos e de(eres desse e(ento tanto numa
memria coleti(a, quanto indi(idual Mom isso a memria passou a assumir um
papel pol'tico, configurando um discurso orientador ao lado da histria Io por
acaso, diferentes historiadores insistiram na distino entre memria e histria
Para Uac. l(es 9ei&as, esta distino no s ) dif'cil de empreender, como )
tamb)m perigosa, pois, a memria possui dupla residncia: habita
ine&trinca(elmente o mundo r'gido e inst"(el da mat)ria, tanto quanto reside,
como el"stica faculdade, em nosso esp'rito /oda percepo, por mais bre(e
que se%a, supe uma durao e est", por isso, impregnada de lembranas, de
memria F9E8K9, =>>G, p ;H ssim, embora Pierre Iora afirme uma
distVncia grande entre memria e histria, h" que se notar que ) na memria
que se efeti(a uma reconciliao do instante com a durao, que a memria
recria o real e o (i(ido Io obstante, esse encontro do passado com o
presente se d" de modo espec'fico, pois, Xembramos menos para conhecer do
que para agir, sublinharam os autores modernos Iessa perspecti(a a memria
) menos um entender o passado do que um agirT impossibilidade, portanto, de
se cogitar uma memria desinteressada, (oltada para o conhecimento puro edescompromissado do passado F9E8K9, p GCH Ia medida em que essa
recriao da memria pode ser afirmada como histria ) que reside o que Uac.
l(es 9ei&as chamou de memria (olunt"ria # memria (olunt"ria ) uma
memria uniforme e, em grandemedida, enganadora, pois opera com imagens
que, apesar de representarem a (ida, no #guardam$ nada dela$F9E8K9, p
;H Ou se%a, a 3istria se constri por uma operao similar * da memria
(olunt"ria e, de certa maneira, padece dos mesmos problemas, tais como ofalseamento in(olunt"rio< inconsciente da (erdade Este problema ) antigo,
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Iiets2che, 7ergson e Proust %" o identificaram e tamb)m se esforaram por
apresentar o car"ter ob%eti(o da memria na 3istria, segundo 9ei&as D
apenas considerando a funo prospecti(a e pro%eti(a da memria Fressaltada
tanto por 7ergson como por ProustH, portadora a um s tempo passado e
futuro, que podemos estabelecer este ('nculo instigante com a utopia e com a
histria Pois a memria compartilha com a utopia de certos predicados
distinguidores: a dimenso do tempo futuro, a designao dos lugares Este
Bltimo, precisamente, aponta para a e&presso ho%e dominante para se
designar o contato memria+histria, os estudos histricos da memria, os
lugares de memria F9E8K9, p GGH apresentao desses lugares de
memria obedeceu a um registro que em cada tempo te(e seu (ocabul"rio,
lgica de articulao e ob%eti(os prprios ssim, a uniformidade da memria
(olunt"ria, ob%eti(a ou racional ho%e e&perimentada obedeceu inicialmente a
uma lgica Oitocentista, apresentada em narrati(as lineares e paisagens
descritas !igamos, para resumir, que a histria, em sua forma tradicional, se
dispunha a #memori2ar$ os monumentos do passado, transform"+los em
documentos e fa2er falarem esses rastros que, por si mesmos, raramente so
(erbais, ou que di2em em silncio coisa di(ersa do que di2emT em nossos dias,
a histria ) o que transforma os documentos em monumentos e que desdobra,
onde se decifra(am rastros dei&ados pelos homens, onde se tenta(am
reconhecer em profundidade o que tinham sido, uma massa de elementos que
de(em ser isolados, agrupados, tornados pertinentes, inter+relacionados,
organi2ados em con%untos 3a(ia um tempo em que a arqueologia, como
disciplina dos monumentos mudos, dos rastros inertes, dos ob%etos sem
conte&to e das coisas dei&adas pelo passado, se (olta(a para a histria e s
toma(a sentido pelo restabelecimento de um discurso histricoT poder'amosdi2er, %ogando um pouco com as pala(ras, que a histria, em nossos dias, se
(olta para a arqueologia para a descrio intr'nseca do monumento
F-O6M6X/, =>>G, p AH Monsoante, se procurarmos refletir acerca dos
romances atuais iremos notar que a memria (olunt"ria ) ho%e muito mais
fragmentada /eria a memria mudadoL Os lugares de memria teriam sido
recriadosL !e certa forma, a narrati(a linear permaneceu, embora tenha
intensificado suas caracter'sticas fragment"rias ou fuga2es Yalter 7en%amin )um dos principais defensores da preser(ao dessa narrati(a fundadora e
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compartilhada Uamais esquecer, eis a tQnica do Za1hor %udaico, um imperati(o
)tico e pol'tico F7EIUJ8I, ??GH !e qualquer modo, o resultado dessa
mudana na ordem do discurso, para Uacques Xe 5off foi uma con(erso do
olhar histrico: Pesquisa, sal(amento, e&altao da memria coleti(a no mais
nos acontecimentos, mas ao longo do tempo, busca dessa memria menos nos
te&tos do que nas pala(ras, nas imagens, nos gestos, nos ritos e nas festasT )
uma con(erso do olhar histrico Mon(erso partilhada pelo grande pBblico,
obcecado pelo medo de uma memria, de uma amn)sia coleti(a, que se
e&prime desa%eitadamente na moda retrQ, e&plorada sem (ergonha pelos
mercadores de memria desde que a memria se tornou um dos ob%etos da
sociedade de consumo que se (endem bem FXE 5O--, ??=, p ;@=H
con(erso de Xe 5off se configura como uma educao do olhar e do discurso
sobre a 3istria 9aber perguntar, saber contar, saber procurar, eis os
mecanismos disseminados pela historiografia dos nnales que, por fim,
contribu'ram Fsendo mutuamente alimentados por elaH para umainterpretao
e, ao mesmo tempo, uma rein(eno da memria 9e a memria ser(ia como
uma maneira de %ustificar o modo de ser dos homens, saber condu2ir sua
construo foi tamb)m uma forma de orientar uma determinada construo do
ser Para Xe 5off, a 3istria este(e en(ol(ida nesse processo de construo do
homemT cr'tica, toda(ia, em relao * sua prpria mat)ria+prima: a memria
Monstru'da como documento, a memria tamb)m se fi&ou de maneira
ritual'stica e cotidiana, pois, memria situa+se, inicialmente, no presente, nos
ob%etos cotidianos, na percepo destes ob%etos, na sensao que eles nos
pro(ocam Jas em Proust a memria ), genealogicamente, ritual'stica e m'tica:
ela guardar" esta nature2a encantada, que lhe permite subitamente mostrar+se
ou definiti(amente ocultar+se, segundo uma dinVmica que lhe ) prpria 8sto )colocado logo no in'cio de Em busca do tempo perdido, quando o narrador,
para falar dos caminhos fortuitos trilhados pela memria para se manifestar
e(oca o mito F9E8K9, =>>=, p @H Por meio da literatura de Proust e da
psican"lise de -reud, a banalidade de certas lembranas passou a temati2ar+
se na importVncia de determinados e(entos
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os preconceitos de amanh, %" que os mais profundos e os mais desagrad"(eis
preconceitos de ho%e ti(eram um instante de no(idade em que a moda
emprestou+lhes seu encanto fr"gil FPRO69/, =>>;, =H Para o historiador, o
cronista ou o literato que registra tais e(entos, a pena de(e ser le(e O padro
de qualidade, segundo Proust, transformou+se e #os mais perfeitos retratistas
deste tempo no as retrataro _as mulheres, nocaso de Proust`, suponho, com
nada muito fi&o, nem muito r'gido$FProust, =>>;, CH Passou+se, pois, a
considerar que a seleo dos e(entos e id)ias como ob%etos de estudo de(eria
se ampliar e que o trauma ou o ressentimento poderiam ser considerados
elementos+cha(e, tanto para a historiografia, quanto para as cincias sociais
uma (e2 que eles legitimam parte consider"(el dos discursos sobre a (iolncia
que acomete a contemporaneidade Xe 5off F?AH, entretanto, ressalta: #O
quotidiano s tem (alor histrico e cient'fico no seio de uma an"lise dos
sistemas histricos, que contribuem para e&plicar o seu funcionamento$ FXE
5O--, ?A, p @?H Para 9eligman+9il(a, o ressentimento teria se tornado um
ponto de infle&o determinante, no qual a historiografia se passou a se colocar
em um momento destacado e multidisciplinar
Iele ), antes, preser(ado o elemento fragment"rio da temporalidade, t'pico doregistro pessoal ou coleti(o da memria Para 3alb0achs, por e&emplo, a
3istria entra em cena com o fim da tradio, no #momento em que se apaga
ou se decompe a memria social$ Enquanto o tempo da memria coleti(a )
#uma corrente de pensamento$, a 3istria precisa das esquemati2aes
did"ticas, ela di(ide o tempo para domin"+lo e compreend+lo U" 7en%amin
refletiu tanto sobre a nossa moderna incapacidade de narrar estrias em um
mundo urbano onde o perigo espreita a cada segundo como tamb)m
descre(eu, e de certo modo incorporou no seu procedimento historiogr"fico, o
princ'pio proustiano da memire in(olontaire, que se dei&a guiar no pela
continuidade do tempo abstrato (a2io, mas sim pelas associaes dominadas
pelo acaso F9EX85JI+98X\, =>>;, p @>H Momo e&emplo dessa no(a
3istria, Para Jartin 7ros2at, historici2ar significa submeter o per'odo na2ista
e com ele o genoc'dio * compreenso histrica, sendo que compreenso,
\erstehen, tem para ele o seu significado iluminista, de entendimento com base
em sua atitude cr'tica Ele ope essa atitude, que denomina de cient'fica, a
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uma #memria m'tica$ Fque primeiro atribui aos %udeus e, em uma carta
posterior, tanto aos %udeus quanto aos alemesH O que importa ) que para
7ros2at a \ergangenheitsbe0altigung, ou se%a, o dom'nio entre passado
na2ista, passa pela separao entre a historiografia cient'fica e a memria
#m'tica$ Fapesar de ele notar #generosamente$ que modalidades mitolgicas da
memria, como a encontrada na literatura, contribu'am com os insights
#inteligentes$H F9EX85JI98X\, =>>;, p @CH
Para 9eligman+9il(a, ), pois, imprescind'(el lembrar que essa discusso sobre
a memria circunda os problemas que en(ol(eram a construo de uma
memria+%ustificati(a para o holocausto, recorrente de uma histria mais
tradicional, nacionalista e teleolgica, como grande parte daquela histriaescrita no s)culo K8K Io s)culo KK, mantm+se, seno retorna+se a uma
histria que pontua o cotidiano e a freqncia dos h"bitos como afirmao de
perfis que identificam essa ou aquela cultura, mas, entre suas ressal(as de
escrita o historiador de(e e(itar a (isuali2ao e a descrio Essa ) a FantiH
est)tica da narrati(a historiogr"fica que de(er" introdu2ir um #ne0 st.le$ ainda
no encontrado: haurido a partir da )tica da representao Ressaltar a
normalidade como 7ros2art o quer implicaria numa falsa total presentatione, mais ainda, imporia uma continuidade: o que (ai contra o focus das ('timas
F9EX85JI+98X\, =>>;, p @GH Referncia para muitos historiadores
brasileiros, Uacques Xe 5off corrobora a compreenso de que, a partir de
ento, a histria de(eria #renunciar, portanto, * falsa problem"tica da infra+
estrutura e da superestrutura$ FXE 5O--, ??=, p =H e tomar para si uma
no(a est)tica narrati(a, como, tamb)m, supor que o saber ) um problema que,
na "rea de 3istria, implica em uma re(iso cont'nua do modo de ser e de
fa2er+se @ , que abarca uma tnue linha de sombra entre a opo por pri(ilegiar
a continuidade ou optar pela peculiaridadeA Para Uacques Xe 5off,
Esta concepo da histria humana con(ida muitos historiadores a pensarem
que a parte central e essencial da histria ) a histria social Mharles+Edmond
Perrin escre(eu sobre Jarc 7loch: #^ histria ele atribui como ob%eto o estudo
do homem, enquanto integrado num grupo social$ _em Xabrousse, ?@, p C`T e
Xucien -eb(re acrescenta: #Io o homem, mais uma (e2, no o homem, nuncao homem s sociedades humanas, os grupos organi2ados$ _ibid` Em seguida,
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Jarc 7loch pensa(a nas relaes que o passado e o presente entretecem ao
longo da histria Monsidera(a que a histria no s de(e permitir compreender
o #presente pelo passado$ atitude tradicional mas tamb)m compreender o
#passado pelo presente$ _?;, p ;;+G>` Monfirmando resolutamente o car"ter
cient'fico e abstrato do trabalho histrico, Jarc 7loch no aceita(a que esse
trabalho fosse estritamente tribut"rio da cronologiaT seria um erro gra(e pensar
que a ordem adotada pelos historiadores nas suas in(estigaes de(esse
necessariamente modelar+se pela dos acontecimentos$ FXE 5O--, ??=, p
=CH !essa percepo, nota+se que a histria ), ainda, um discurso produ2ido
sob as ameaas de um tempo determinado que, segundo Ueanne Jarie
5anegbin, pode ser ilustrado a partir de 3erdoto, que em #("rias partes da
sua obra, no usa a pala(ra histria, mas, a pala(ra logos FdiscursoH para
identific"+las$T ou se%a, #que diferencia a sua pesquisa de outras formas
narrati(as no ) o seu ob%eto, mas o processo de aquisio destes
conhecimentos$ F5IE578I, ??=, p >+H Em outras pala(ras, mais do que
o ob%eto, o fa2er+se da 3istria ) o que define a "rea ou a disciplina Ium
tempo em que a memria ) politicamente alada ao posto de 3istria, defender
a 3istria significa mais do que distingui+la da memria (olunt"ria, ) tamb)m
identificar e dar a conhecer os moti(os pelos quais essa memria ) e(ocada e
as maneiras como ela ) apresentada
Embora esse combate parea remoto nos anos =>>>, ter em mente que ele
inaugurou no(os rumos para a historiografia, ainda no totalmente superados,
redirecionados ou atuali2ados, pode a%udar o historiador de ho%e a
compreender os caminhos que trou&eram a disciplina ao est"gio em que se
encontra, bem como a ler, criticamente, a historiografia produ2ida prender,
pois, a reconhecer a opo historiogr"fica dos pares como uma atitude
narrati(a pode constituir um importante passo no sentido da politi2ao da
disciplina, problema fulcral para a gerao de ?> a ?A> 9egundo Ricoeur,
citado por Uacques Xe 5off, em 3istria e Jemria: histria s ) histria na
medida em que no consente nem no discurso absoluto, nem na singularidade
absoluta, na medida em que o seu sentido se mantem confuso, misturado
histria ) essencialmente equ'(oca, no sentido de que ) (irtualmente
e()nementielle e (irtualmente estrutural histria ) na (erdade o reino do
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ine&ato Esta descoberta no ) inBtilT %ustifica o historiador Uustifica todas as
incerte2as O m)todo histrico s pode ser um m)todo ine&ato histria quer
ser ob%eti(a e no pode s+lo Wuer fa2er re(i(er e s pode reconstruir Ela quer
tornar as coisas contemporVneas, mas ao mesmo tempo tem de reconstruir a
distVncia e a profundidade da lon%ura histrica -inalmente, esta refle&o
procura %ustificar todas as aporias do of'cio do historiador, as que Jarc 7loch
tinha assinalado na sua apologia da histria e do of'cio de historiador Estas
dificuldades no so ('cios do m)todo, so equ'(ocos bem fundamentados
FR8MOE6R, ?, p == apud XE 5O--, ??=, p =H Esse quadro condu2 a
outro questionamento Monquanto o trabalho do historiador no s)culo KK %unto
* memria apresenta inBmeras linhas, todas elas estaro, pelo pacto em que
se apresentam o discurso intrinsecamente ligadas * narrati(a, ao tempo, ao
problema, enfim, * presena de seu autor, mas o que ) e como se apresenta
essa presenaL Operati(o poderia ser nesse aspecto, acompanhar o
desen(ol(imento do conceito de de(er de memria, surgido na -rana nos
anos de ?G> e(inculado a celebrao da memria dos deportados e
combatentes franceses que morreram nos combates durante a 9egunda
5uerra Jundial FXX8E6, =>>: AC+?;H e que, no final da d)cada de ?>
passou a ser relacionado com a memria do holocausto de milhares de %udeus
que (i(iam na -rana$ F3ENJII, =>>@, p A+?H !e subsidi"ria, a memria
teria sido potenciali2ada como um dos su%eitos da histria e a amplificao de
sua importVncia teria condu2ido, em alguns casos, a e&cessos nesse de(er de
memria, pois ela poderia ser utili2ada com finalidades di(ersas 8gualmente,
os abusos da memria acabaram pro(ocando seu an(erso, o esquecimento,
tanto espontVneo quanto orquestrado por determinados grupos e instituies
no intuito de manipular o conhecimento sobre o passado Io casoespecificamente brasileiro, o de(er de memria, atualmente, est" relacionado,
sobretudo, com as memrias e e&perincias (i(idas durante a !itadura Jilitar,
basta acompanhar seus desdobramentos recentes na formao das
Momisses da \erdade ? Ou se%a, no 7rasil, o de(er da memria surge como
um trabalho que obriga certos setores da sociedade e do Estado em
#reconhecer o sofrimento imposto a certos grupos da populao, sobretudo
quando o Estado tem responsabilidade por esse sofrimento$ F3ENJII, =>>@,p =H ssim, aqueles indi('duos que padeceram sob o Regime Jilitar
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perseguidos, torturados ou mortos, surgem como e&presso de (erdade, como
protagonistas e&clusi(os de e&perincias traum"ticas ssim, seus
testemunhos passam a ter, conforme sublinha 7eatri2 9arlo, a funo de #cura
identit"ria$, pois, apresentam+se #por um lado como direitos reprimidos que
de(em se libertar$ e, por outro, #como instrumentos da (erdade$ F9RXO, =>>@,
p C?H Io interior das uni(ersidades, sobretudo no interior dos cursos de
3istria, o de(er e os abusos de memria assumiram, no por acaso, maior
importVncia F3ENJII, =>>@, p =?H Em relao aos analistas desta questo,
destaca+se /2(etan /odoro( que em seu Xos abusos de la memria, identifica
um (erdadeiro culto atual *memria, em especial nestas memrias traum"ticas
F/O!ORO\, =>>>, p GH /odoro( distingue os usos da memria em duas
formas: literal ou e&emplar Ia primeira, o e(ento ) lembrado em sua
literalidade #no le(ando mais al)m de si mesmo$ F/O!ORO\, =>>>, p C>H Ia
segunda, o acontecimento ) generali2ado e sinteti2ado em um e&emplum, de
modo que o #passado transforma+se, portanto, em princ'pio de ao para o
presente$ F/O!ORO\, =>>>, p CH Rei(indicatria de %ustia, a memria teria,
portanto, um papel de lutar contra toda forma de esquecimento Ieste sentido,
Jarieta de Joraes -erreira sublinha que nos dois casos, so reforados os
rtulos de heri, ('tima ou de morali2adores F-ERRE8R, =>>, p =>>H 7eatri2
9arlo, em /empo Passado cultura da memria e guinada sub%eti(a, analisa os
discursos e as retricas memoriais e indica que os testemunhos passaram a
impor um no(o desafio * histria, restringindo a cr'tica e criando enormes
dificuldades para o trabalho dos historiadores F9RXO, =>>@, p ;@H Para ela
#o discurso da memria e as narraes em primeira pessoa se mo(em pelo
impulso de bloquear os sentidos que escapam$ F9RXO, =>>@, p G>H,
pro(ocando encolhimento da histria pela memria, transformando oshistoriadores em guardies da memria /al impasse le(a 9abina Xoriga a
afirmar que #) preciso restabelecer a confiana no testemunho e na
possibilidade de acreditar no relato histrico$, mas sem nunca renunciar *
cr'tica ou * dB(ida sobre seus enunciados FXOR85, =>>?, p AH /al
imperati(o tem condu2ido, ine(ita(elmente, a usos abusi(os da memria o
analis"+los, Paul Ricoeur identifica trs tipos de memria Ia memria
impedida que se repete e se reelabora como uma ati(idade de luto, como umacompulso, cu%o #trabalho ) a pala(ra repetida ("rias (e2es, e simetricamente
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oposta * compulso: trabalho de rememorao contra compulso de repetio$
FR8MOE6R, =>>@, p AGH Ia memria manipulada #o trabalho de luto ) o custo
do trabalho da lembranaT mas o trabalho da lembrana ) o benef'cio do
trabalho de luto$ FR8MOE6R, =>>@, p AH, ou se%a, ele se relaciona com o
trabalho de libertar+se da perda Ieste segundo tipo encontram+se as
modificaes feitas no passado pelos regimes autorit"rios, relacionadas com o
negacionismo e o relati(ismo, em outraspala(ras, com os #assassinos da
memria$ Ia memria obrigada, encontramos o de(er de memria que (isa
curar as feridas do corpo pol'tico, de apa2iguar um passado que %amais seria
esquecido FR8MOE6R, =>>@, p ??+ >>H ssim a memria surge como uma
obrigao, como uma imposio O de(er de memria no se limita a guardar o
rastro material, escrito ou outro, dos fatos acabados, mas entret)m o
sentimento de de(er a outros, dos quais diremos mais adiante que no so
mais, mas %" foram Pagar a d'(ida, diremos, mas tamb)m submeter a herana
a in(ent"rio FR8MOE6R, =>>@, p >H Essas no(as demandas, no por acaso,
tem le(ado alguns especialistas a falarem em (irada sub%eti(a ou ainda em
(irada )tica Ricoeur distingue a memria da histria Para ele, a histria de(e
#afirmar uma outra representao do passado$, e&ercendo a cr'tica para frisar
sua funo de #coordenao, _` de Ss'ntese do heterogneoS, a histria mede e
corrige a memria ou, mais e&atamente, as memrias, no plural a partir do
princ'pio de eqidade$, como sublinha 9abina Xoriga FXOR85, =>>?, p =H
Para Ricoeur o historiador de(e ser algo como um m)dico e um sacerdote da
memria e coad%u(ar no equacionamento cr'tico de situaes lim'trofes e
traum"ticas 9ua meta #no de(e ser a constituio de uma histria ob%eti(a,
mas de uma histria alimentada por uma boa sub%eti(idade$ arremata aquela
autora FXOR85, =>>?, p C>H Para Paul Ricoeur, em /empo e narrati(a, ahistria di2 respeito ao homem, em s'ntese, #a definio ordin"ria da histria
como conhecimento das aes de homens do passado procede desta restrio
do interesse * esfera dos acontecimentos assinal"(eis a agentes humanos$
FR8MOE6R, ??;, p C?H l)m disso, ela ) narrati(a, quer quando
historiografia quer quando narrati(a de ficoT pois, se a 3istria des(incular+se
das operaes cogniti(as da compreenso narrati(a dei&ar" de ser 3istria
9ua proposta, portanto, foi a de #estudar, como filsofo, as di(ersasconfiguraes da narrati(a histrica como lugares de efeti(ao da identidade
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narrati(a, fonte mediada do conhecimento de si$ F!O99E, =>>, p @;H Ieste
sentido, Paul Ricoeur pretende uma hermenutica de si social, antropolgica,
filosfica, psicolgica e, ainda, narrati(a: Jinha tese est", pois, igualmente
afastada de duas outras: a que concluiria pelo recuo da histria narrati(a *
negao de qualquer lao entre histria e narrati(a e faria do tempo histrico
uma construo sem apoio no tempo da narrati(a e no tempo da ao, e a que
estabeleceria entre histria e narrati(a uma relao to direta como aquela, por
e&emplo, da esp)cie ao gnero e uma continuidade diretamente leg'(el entre o
tempo da ao e o tempo histrico Jinha tese repousa na assero de um
lao indireto de deri(ao pelo qual o saber histrico procede da compreenso
narrati(a sem nada perder de sua ambio cient'fica Iesse sentido no ) uma
tese do meio+termo FR8MOE6R, ??;, p C;H O homem, a narrati(a e o
problema esse lao indireto de deri(ao sustentam, pois, para Ricoeur, a
escrita da histria no s)culo KK Em outras pala(ras,, #reconstituir os laos
indiretos da histria com a narrati(a ) finalmente tra2er * lu2 a intencionalidade
do pensamento histrico pela qual a histria continua a (isar obliquamente ao
campo da ao humana e * sua temporalidade de base$ FR8MOE6R, ??;, p
C;H ssim, a histria de Xanglois e 9eignobos ser(iria como referncia inicial
no estudo da narrati(a, dos personagens e do acontecimento partir do s)culo
KK, contudo, no(os problemas foram sendo colocados, demandando para
Ricoeur duas proposies de base: aH a de que o tempo histrico se sustenta
no tempo da narrati(a Ftempo pBblico, escrita destinada * compreensoH e, bH a
de que se de(e admitir a intencionalidade de todo pensamento histrico Ia
admisso dessas duas teses, os historiadores do s)culo KK de(eriam ter em
mente que seu of'cio ) feito de uma narrati(a e de um problema Primeiro
porque #no sentido ontolgico, entende+se por acontecimento histrico o que seprodu2iu efeti(amente no passado$ FR8MOE6R, ??;, p C?H, assim, a histria
) passado e ) irre(ers'(el > !epois, porque esse passado ) composto por
uma s)rie de referncias comuns, por #uma histria de acontecimentos, uma
histria factual, que s pode ser uma histria+narrati(a$ FR8MOE6R, ??;, p
;@H E, finalmente, porque #na medida em que o historiador est" implicado na
compreenso e na e&plicao dos acontecimentos passados, um
acontecimento absoluto no pode ser atestado pelo discurso histrico$FR8MOE6R, ??;, p ;>H Ieste sentido, o autor esclarece que, Primeiro, a
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histria s ) conhecimento pela relao que estabelece entre o passado (i(ido
pelos homens de outrora e o historiador de ho%e O con%unto dos procedimentos
da histria fe2 parte da equao do conhecimento !a' resulta que o passado
realmente (i(ido pela humanidade s pode ser postulado, tal como o nBmero
1antiano, na origem do fenQmeno empiricamente conhecido demais, se o
(i(ido passado fosse+nos acess'(el, no seria ob%eto de conhecimento porque,
quando era presente, esse passado era como nosso presente, confuso,
multiforme, inintelig'(el Ora, a histria (isa a um saber, a uma (iso ordenada,
estabelecida sobre cadeias de relaes causais ou finalistas, sobre significados
e (alores FR8MOE6R, ??;, p ;=H 9endo assim, seu fa2er+se ) de ordem da
narrati(a, pois e&plora Fe&plicando, analisando ou descre(endoH essas cadeias
de relaes sem as quais a histria no se daria Io obstante, Paul Ricoeur
sublinha dois caminhos pelos quais essa (iso ordenada foi alme%ada: aH o da
historiografia francesa, no qual o fato social total foi considerado, e, bH o do
positi(ismo lgico, em que hou(e uma separao entre a e&plicao histrica e
a compreenso narrati(a 9egundo o filsofo: historiografia de l'ngua
francesa e a epistemologia neopositi(ista pertencem a dois uni(ersos de
discurso muito diferentes primeira ) tradicionalmente de uma desconfiana
sem tr)guas quanto * filosofia, que identifica de bom grado com a filosofia da
histria de estilo hegeliano, confundida por comodidade, com as especulaes
de 9pengler ou de /o.nbee Wuanto * filosofia cr'tica da histria, herdada de
!ilthe., Ric1ert, 9immel, Ja& Yeber e continuada por Ra.mond ron e 3enri
Jarrou, nunca foi realmente a corrente principal da historiografia francesa D a
ra2o pela qual no encontramos, nas obras mais preocupadas com
metodologia, uma refle&o compar"(el * da escola alem do in'cio do s)culo e
* do atual positi(ismo lgico ou de seus ad(ers"rios de l'ngua inglesa sobre aestrutura epistemolgica da e&plicao em histria 9ua fora est" alhures: na
estrita aderncia ao of'cio de historiador FR8MOE6R, ??;, p C@H Para
Ricoeur, o elo dessas duas correntes ) a defesa da 3istria como disciplina e
do discurso como sua for%a O manuseio da ferramenta, contudo, e os ob%eti(os
que guiam esse manuseio, so o moti(o da discrdia 3", para Ricoeur, um
corte epistemolgico entre as propostas e ele teria sido polari2ado por Ja&
Yeber e Dmile !ur1heim Para o filsofo, ambas as correntes negam anarrati(a como ponto de (ista e pressupem o passado como um ter+sido
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absoluto Elas tamb)m admitem uma redao desse passado comple&a e
multifacetada que, toda(ia, considere a ao humana passada como uma
alteridade absoluta, de propriedade absoluta do passado Ou se%a, para ambos,
na leitura de Ricoeur, o passado dei&a ra'2es no presente, mas no pode ser
restitu'do nele, nem como narrati(a absoluta, nem como ressentimento Io
modelo alemo, contudo, o passado ) rea(i(ado pelas perguntas que se fa2 ao
presente construo presente da memria resgata o passado, restituindo
sua importVncia e conferindo (alor ao trabalho do historiador, mas, ao mesmo
tempo, selecionando o que e como lembrar Momo referncias desses modelos
foram afirmadas as propostas idiogr"fica e nomot)tica Ia proposta
nomot)tica, pre(alecia o modelo da pesquisa naturalista, %" na idiogr"fica, o da
pesquisa histrica Para Ricoeur, superioridade dos trabalhos nascidos do
neopositi(ismo de(e+se, ao contr"rio, * sua preocupao constante de adequar
a e&plicao em histria aos modelos que supostamente definem o saber
cient'fico, a unidade profunda de seu pro%eto e de seus resultados FR8MOE6R,
??;, p CAH !e um modo geral, segundo Ricoeur, a histria, para autores
como 3eidegger, Yeber, Uaspers, Massirer, 9immel, Janheim, 5ramsci, ron,
Xu1"cs, 9artre, 5adamer e 3abermas te(e como mote a questo: como
abordar de forma compreensi(a o outroL Iessa proposta, chamada de
idiogr"fica, para al)m das diferenas tem"ticas, os homens, por seus planos e
intenes particulares, dariam sentido * histria segundo uma narrati(a que
tamb)m de(eria ser questionada em si Em sua historicidade, (i(ida no tempo
FdaseinH, o homem representaria re(i(endo a (ida por meio da
compreenso do outro, de seu di2er sobre o outro E para elaborar essa
narrati(a os homens de(eriam, necessariamente, recorrer * e&perincia Ou
se%a, a tradio germVnica de pensamento pouco se refere * memria nessequadro Enunciador dessa tese, !itlhe. dedicou+se * compreenso dos outros
e das suas manifestaes de (ida que estariam prenhes de e&perincias
comuns e relacionadas * (ida interior que, uma (e2 apresentadas, dariam
forma a comple&os de (ida, cu%a transposio, recriao e< ou re(erncia
seriam respons"(eis pela indicao de permanncias ou rupturas na histria
Para o filsofo alemo, #o esp'rito ob%eti(o cont)m uma ordem que lhe ) prpria
_` assim, e&iste como que uma esp)cie de sistema ordenador nahumanidade,que liga a regularidade e a estrutura do uni(ersalmente humano *s categorias
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pelas quais a compreenso apreende o indi('duo$ F!8X/3EN, p =@H histria,
para !ilthe., consistia, portanto, numa compreenso sistem"tica das maneiras
de (i(er, ela seria quase uma e&egese, uma #interpretao dos (est'gios da
e&istncia humana contidos em escritos$ F!8X/3EN, p =@>H, sua ferramenta
principal seria, pois, a prpria l'ngua Ricoeur comunga da tese de !ilthe. e (ai
al)m, ao assinalar que a linguagem pela qual o historiador efeti(a sua arte tem
na met"fora sua principal nuance 9egundo !ominic1 Xacapra, que estudou
Ricoeur em Yho rules metaphorL e sustenta a hiptese apresentada, ainda
que distinguida entre semitica Fno n'(el da pala(raH, semVntica Fno n'(el da
sentenaH e hermenutica Fno n'(el do discurso te&to e interpretaoH, a
compreenso da met"fora ) o desafio para quem pretende estudar os
historiadores e seu trabalho, bem como desses historiadores ao tentar
entender e e&plicar o passado= !e(e+se lembrar que, a seu modo, 3a.den
Yhite tem proposta na mesma direoC Para Ricoeur, a 3istria no
estabelece leis, ela as emprega por meio de um dispositi(o Fregra, preceito,
artigo de lei, mecanismo ou con%unto de meios dispostos para um fimH, atra()s
da narrati(a 9urgindo da' uma questo: nesse tipo de trabalho, a narrati(a
teria um papel essencial ou apenas preencheria as lacunas da pesquisaL Esse
car"ter ling'stico e narrati(o, no foi ignorado por Ra.mond ron para o qual a
histria ) uma a(entura espiritual em que a personalidade do historiador
compromete+se inteiraT para di2er tudo numa pala(ra, ela ) dotada para ele de
um (alor e&istencial, e ) da' que ele recebe a sua seriedade, seu significado e
sua importVncia FR8MOE6R, ??;, p ;=H presena do historiador ), pois,
uma marca basilar nessa (ertente historiogr"fica, bem como seu conhecimento
sobre a 3istria, seu olhar acerca da (erdade, a prpria id)ia de (erdade Para
Xacapra, #the problem of Ricoeur faces is 0hether philosoph. ma. appearautonomous onl. to the e&tent that it brea1s the spirit of language and deals in
domesticated or e(en dead metaphors$ FXMPR, ?AC, p C=H ; 9egundo
Xacapra, para Ricoeur, trabalhar %unto * filosofia ) essencial para todo
historiador que este%a preocupado com os limites de sua compreenso e ciente
de que at) mesmo a metaf'sica e&iste sob as regras da met"fora, uma (e2 que,
desde a retrica proposta por ristteles, nota+se uma supremacia da funo
po)tica sobre a funo referencial dos discursos Paralelamente, /al como opassado no ) a histria, mas o seu ob%eto, tamb)m a memria no ) a
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histria, mas um dos seus ob%etos e simultaneamente um n'(el elementar da
elaborao histrica _ /al como as relaes entre memria e histria,
tamb)m as relaes entre passado e presente no de(em le(ar * confuso e
ao ceticismo 9abemos agora que o passado depende parcialmente do
presente /oda histria ) bem contemporVnea, na medida em que o passado )
apreendido no presente e responde, portanto, aos seus interesses, o que no )
s ine(it"(el, como leg'timo Pois que a histria ) durao, o passado ) ao
mesmo tempo passado e presente Mompete ao historiador fa2er um estudo
ob%eti(o do passado sob a sua dupla forma Momprometido na histria, no
atingir" certamente a (erdadeira #ob%eti(idade, mas nenhuma outra histria )
poss'(el O historiador far" ainda progressos na compreenso da histria,
esforando+se para por em causa, no seu processo de an"lise, tal como um
obser(ador cient'fico tem em conta as modificaes que e(entualmente
introdu2 no seu ob%eto de obser(ao$ FXE 5O--, ??=, p ;?+GH Jetafrico
ou po)tico, o registro de memria e o discurso historiogr"fico procuraram,
segundo Ricoeur, atender, seno con(encer o leitor s armas de que lanam
mo para tal, em geral, esto relacionadas com a pressuposio do que poder"
ter &ito ou no Embora indi(idual esse discurso ) marcado pela maneira
como o historiador ( seu interlocutor !o olhar desse historiador tratou 3enri+
8ren)e Jarrou, em ?G;, na obra !o conhecimento histrico, que segundo
Ricoeur indica que: compreenso ) assim incorporada * (erdade da
histria FMap'tulo 8KH, isto ), * (erdade de que a histria ) capa2 Ela no ) o
lado ob%eti(o de que a e&plicao seria o lado sub%eti(o sub%eti(idade no )
uma priso e a ob%eti(idade no ) a liberao dessa priso Xonge de se
combaterem, sub%eti(idade e ob%eti(idade somam+se #Mom efeito, na (erdade
da histria _) o t'tulo do penBltimo cap'tulo do li(ro`, quando a histria )(erdadeira, sua (erdade ) dupla, sendo feita, ao mesmo tempo, da (erdade a
respeito do passado e do testemunho sobre o historiador FR8MO6ER, ??;, p
;=H Ia busca dessa (erdade elementar, -ernand 7raudel, no interior da
historiografia francesa, afirma ser necess"rio entender que que o indi('duo ) o
portador Bltimo da mudana histrica e que as mudanas mais significati(as
so as mudanas pontuais, as mesmas que afetam a (ida dos indi('duos em
(irtude de sua bre(idade e instantaneidade D a estas que 7raudel reser(a ot'tulo de acontecimentos FR8MOE6R, ??;, p ;@H contecimentos que se
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dispe numa histria factual, segundo a e&presso for%ada por Paul Xacombe e
retomada por -ranois 9imiand e 3enri 7err, que, para 7raudel, #com
oscilaes bre(es, r"pidas, ner(osasT ) a mais rica em humanidade, mas a
mais perigosa 9ob essa histria e seu tempo indi(idual, desenrola+se uma
histria lentamente ritmada e seu longo pra2o :) a histria social, a dos
grupos e das tendncias profundas$ FR8MOE6R, ??;, p ;?H 6ma histria na
qual a #sobreposio de duraes ) uma das contribuies mais not"(eis da
historiografia francesa * epistemologia da histria na falta de uma discusso
mais refinada das id)ias de causa e de lei$ FR8MOE6R, ??;, p ;?H Resta
saber em que essa histria, que %" no fala de um passado distante,
permanece histrica Para Ricoeur, a questo ) que o pra2o permanece pra2o
e o discurso historiogr"fico, seu fa2er+se, garantindo a temporalidade como
elemento central e distinti(o !estarte, #na (erdade o que interessa ao
historiador so no somente os sistemas de (alor e suas resis