Artigo de Opinião - Síndrome de Gabriela

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Nasci, cresci e vou ser sempre assim. “Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci, e poder me orgulhar, e ter a consciência que o pobre tem seu lugar”, já dizia o trecho da música Rap da Felicidade. Existe hoje um discurso de que ser pobre, morar na favela e depender de auxílios do governo é legal, que as pessoas devem ser orgulhar desta condição e não fazer nada para ter uma vida melhor, digna. Entenda-se ‘vida melhor’ não se tratando de sair da comunidade, ir para um bairro considerado nobre, mas de melhorias estruturais, como planejamento familiar, educação, moradia. Há nas favelas, casas com televisões de LED de quarenta e duas polegadas, internet a cabo, tv por assinatura, tablets, smatphones, geladeira duplex; mas dormem todos da família num mesmo cômodo, em que as paredes não são rebocadas e as fiações estão expostas, com contas de luz e água atrasadas. Recentemente a mídia divulgou uma reportagem sobre uma mãe, diarista, moradora de certa comunidade carente de São Paulo, que não conseguia comprar um apartamento, pois precisava bancar os luxos da filha adolescente. Há mais preocupação em ostentar marcas e objetos do que ter uma boa educação, reformar a casa, arrumar o bairro.

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Exemplo de um artigo de opinião.

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Nasci, cresci e vou ser sempre assim.

“Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci, e

poder me orgulhar, e ter a consciência que o pobre tem seu lugar”, já dizia o trecho

da música Rap da Felicidade. Existe hoje um discurso de que ser pobre, morar na

favela e depender de auxílios do governo é legal, que as pessoas devem ser

orgulhar desta condição e não fazer nada para ter uma vida melhor, digna.

Entenda-se ‘vida melhor’ não se tratando de sair da comunidade, ir para um

bairro considerado nobre, mas de melhorias estruturais, como planejamento familiar,

educação, moradia. Há nas favelas, casas com televisões de LED de quarenta e

duas polegadas, internet a cabo, tv por assinatura, tablets, smatphones, geladeira

duplex; mas dormem todos da família num mesmo cômodo, em que as paredes não

são rebocadas e as fiações estão expostas, com contas de luz e água atrasadas.

Recentemente a mídia divulgou uma reportagem sobre uma mãe, diarista, moradora

de certa comunidade carente de São Paulo, que não conseguia comprar um

apartamento, pois precisava bancar os luxos da filha adolescente. Há mais

preocupação em ostentar marcas e objetos do que ter uma boa educação, reformar

a casa, arrumar o bairro.

Essa mesma mídia que espalha esse tipo de realidade é a mesma que

reforça a inércia dessas pessoas, que afirma que o legal é acordar às quatro da

manhã, pegar um metrô, três ônibus, trabalhar até às dezoito horas, chegar em casa

às onze da noite e ganhar pouco mais de mil reais; pra que pensar em educação e

melhorias individuais e coletivas se com esta rotina é possível comprar uma

geladeira duplex dividida em suaves prestações?

Programas televisivos como o Esquenta da Regina Casé servem de exemplo:

mostram o dia a dia dos trabalhadores, que sofrem com a rotina puxada, mas que

apesar das dificuldades, estão sempre alegres, felizes, contentes com o “que a vida

deu”. Fazem chacotas, ridicularizam o povo. Não há incentivo para que o público

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que os assistem busque por meios próprios melhorar; não há incentivo para que

estudem, para que conheçam os métodos contraceptivos, que entendam um pouco

de política, que cuidem da fachada e do passeio de suas casas, que façam coleta

seletiva. Não há nenhum esforço para que essas pessoas se insiram no mundo e

contribuam com a sociedade.

É evidente que a falta de educação aliena essas pessoas, que tem como

referência apenas o que dizem a televisão, o jornal sensacionalista, o pastor

interessado no dízimo e a patroa que não que não quer dar os direitos trabalhistas a

sua empregada doméstica. Se dependermos da mídia e do governo atual, só será

reforçada a ideia de que essas pessoas devem continuar onde estão e serem gratas

pelo que tem e podem ter, já que agora pertencem a nova classe média brasileira,

detentora do crédito e do poder de compra. Afinal, o que mais alguém poderia

querer?