Artigo Cynthia Siqueira e Isabel...

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1 1 O BRASIL E AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS: IMPLEMENTAÇÃO DE ACORDOS INTERNACIONAIS 1 Cynthia D. Siqueira 2 Isabel Siqueira 3 RESUMO: O presente artigo trata a importância da cooperação via configuração de um regime internacional no âmbito das negociações internacionais como recurso coletivo dos atores estatais na busca de soluções mitigatórias e adaptativas para uma problemática ambiental transfronteiriça: a questão da alteração climática global na contemporaneidade. O foco se encontra na análise das fases do regime, tendo o processo de implementação do regime no Brasil, em especial sua recepção jurídica nas fases de ratificação e rule-making, o objeto do estudo de caso. PALAVRAS-CHAVE: Instituições Internacionais. Mudanças Climáticas. Implementação. BRASIL Y EL CAMBIO CLIMÁTICO: LA APLICACIÓN DE LOS ACUERDOS INTERNACIONALES RESUMEN: En este artículo se discute la importancia de la cooperación mediante el establecimiento de un régimen internacional en el marco de las negociaciones internacionales como un medio colectivo de actores estatales en la búsqueda de soluciones para la mitigación y la adaptación de los problemas transfronterizosambientales: la cuestión del cambio climático global en la actualidad. El foco se encuentra en la fase de análisis del sistema y el proceso de aplicación del régimen en Brasil, especialmente en sus fases de recepción legal de la ratificación y la elaboración de normas, el objeto del estudio de caso. PALABRAS-CLAVES: Instituciones internacionales. Cambio Climático. Implementación. 1 Primeira versão deste artigo foi apresentada na annual meeting of the ISA-ABRI JOINT INTERNATIONAL MEETING, 2009, Rio de Janeiro. 2 Pesquisadora da Universidade Técnica de Lisboa. Especialista em Estudos Diplomáticos, Mestre em Relações Internacionais e Doutoranda em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável. Contato: [email protected] 3 Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Contato: [email protected]

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O BRASIL E AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS: IMPLEMENTAÇÃO DE

ACORDOS INTERNACIONAIS1

Cynthia D. Siqueira2

Isabel Siqueira3

RESUMO: O presente artigo trata a importância da cooperação via configuração de um regime internacional no âmbito das negociações internacionais como recurso coletivo dos atores estatais na busca de soluções mitigatórias e adaptativas para uma problemática ambiental transfronteiriça: a questão da alteração climática global na contemporaneidade. O foco se encontra na análise das fases do regime, tendo o processo de implementação do regime no Brasil, em especial sua recepção jurídica nas fases de ratificação e rule-making, o objeto do estudo de caso. PALAVRAS-CHAVE: Instituições Internacionais. Mudanças Climáticas. Implementação. BRASIL Y EL CAMBIO CLIMÁTICO: LA APLICACIÓN DE LOS ACUERDOS INTERNACIONALES RESUMEN: En este artículo se discute la importancia de la cooperación mediante el establecimiento de un régimen internacional en el marco de las negociaciones internacionales como un medio colectivo de actores estatales en la búsqueda de soluciones para la mitigación y la adaptación de los problemas transfronterizosambientales: la cuestión del cambio climático global en la actualidad. El foco se encuentra en la fase de análisis del sistema y el proceso de aplicación del régimen en Brasil, especialmente en sus fases de recepción legal de la ratificación y la elaboración de normas, el objeto del estudio de caso. PALABRAS-CLAVES: Instituciones internacionales. Cambio Climático. Implementación.

1 Primeira versão deste artigo foi apresentada na annual meeting of the ISA-ABRI JOINT INTERNATIONAL MEETING, 2009, Rio de Janeiro. 2Pesquisadora da Universidade Técnica de Lisboa. Especialista em Estudos Diplomáticos, Mestre em Relações Internacionais e Doutoranda em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável. Contato: [email protected] 3 Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Contato: [email protected]

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Introdução

As demandas por soluções além do marco territorial das fronteiras nacionais

estão presentes diante da complexidade de questões concernentes à temática ambiental,

particularmente em relação às mudanças climáticas. O impacto da ação humana sobre o

meio ambiente tal como a escassez de recursos não renováveis, assim como a

degradação do meio ambiente e conflitos oriundos de tais fatores são questões em pauta

na agenda de ações governamentais que exigem soluções emergenciais e eficazes.

Entretanto, longe de serem preocupações distantes da realidade, os problemas

ambientais têm reflexo direto no cotidiano social, interferindo na qualidade de vida e

agravando as deficiências sócio-econômicas já existentes.

O período vivenciado pelo sistema internacional após a segunda guerra mundial

é marcado por inúmeras mudanças. A estrutura bipolar e a tensão da guerra fria

emergem em conjunto com o fortalecimento das instituições internacionais, fóruns

multilaterais de cooperação e novos temas na agenda internacional. Por mais

contraditórias que sejam as mudanças vivenciadas no período da guerra fria, elas

trouxeram importantes bases para a configuração do contexto mundial desde o seu fim.

Dentre as novas configurações observadas no sistema internacional desde o fim

da segunda guerra mundial, identifica-se a inserção crescente do tema ambiental na

agenda das relações internacionais, a partir da década de 1970, destacando-se a

Conferência Internacional Sobre Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo e

promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU). Apesar da estrutura política

internacional se refletir na conferência (o bloco soviético não compareceu em protesto,

já que a Alemanha oriental não podia participar), o evento fortaleceu a ação

institucional e multilateral de decisões entre os estados e serviu de precedente para um

debate até então marginalizado pelos atores estatais: o meio ambiente.

Desde Estocolmo, outras duas conferências foram convocadas pela ONU para

discutir as questões ambientais de modo amplo: uma na cidade do Rio de Janeiro em

1992 e outra no ano de 2002, em Joanesburgo. Apesar do envolvimento cada vez maior

dos atores internacionais, tanto estatais como não-estatais e do grande avanço

cooperativo no âmbito ambiental, tais conferências não conseguiram promover

cooperação plena dos Estados em todos os pontos levantados nesses fóruns multilaterais

e nas discussões acumuladas nos anos anteriores em aspectos específicos.

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Assim, no cenário internacional observa-se um crescente processo de

institucionalização da ordem ecológica4, considerando-se a criação de regimes na

coordenação de políticas de cooperação entre os atores envolvidos. Neste sentido, o

Regime Internacional de Mudanças Climáticas busca ações coordenadas entre os atores

estatais na redução das emissões dos gases do efeito estufa e na mitigação do impacto

das mudanças climáticas. Entretanto, a intensa barganha que se desenvolve no

processo de negociação multilateral dentro do regime não oferece resoluções e

consensos a curto prazo, e o tratado de 1997, conhecido por Protocolo de Kyoto, reflete

a diversidade de interesses envolvidos. O Protocolo de Kyoto ainda não encontrou

consenso entre Estados em vários pontos, atrasando mais o alcance das metas

estabelecidas e o andamento do acordo.

O Brasil desde a Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

(ECO/92), ocorrida em 1992, vem se destacando com uma política externa ambiental

fundada na perspectiva do desenvolvimento sustentável. Para tanto, sua participação se

faz presente não só nas convenções internacionais, envolvendo atores de todo o globo,

como também em acordo bilaterais e regionais, como se verifica dentro do âmbito do

MERCOSUL5. A execução de tais acordos deve levar em consideração, dentre outros

pontos, o processo constitucional previsto para ratificação e as demandas internas do

país.

A percepção da interação entre os níveis doméstico e internacional nas

negociações institucionais faz-se relevante para compreender a influência entre os

diversos grupos de interesse que atuam nos dois níveis. Para atender aos objetivos deste

trabalho, chamamos a atenção para o processo de execução dos tratados no plano

interno dos Estados, que lida diretamente com esta dinâmica. O foco deste trabalho

direciona-se à perspectiva teórica jurídica que lida com a recepção da norma

internacional no direito interno. Mas também busca trazer alguns elementos relativos à

implementação abordados pelas relações internacionais (herdados da Ciência Política),

na qual considera a influência dos atores domésticos. Por motivo de escopo do trabalho,

este segundo item não será explorado com a profundidade que requer, mas sim será

4 Ver VILLA, Rafael D. Agenda ecológica global e os regimes internacionais de meio ambiente. In: SOUZA, Matilde de (Org.). A Agenda Social das Relações Internacionais. Belo Horizonte: Ed. PUCMinas. 2005. Coleção Estudos em Relações Internacionais, pp. 159-160. 5 Ver decreto n. 5.208 de 17 de setembro de 2004 que promulga o Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul.

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apresentado como uma tentativa de aliar duas áreas que se interligam nos estudos sobre

cooperação internacional: Direito e Relações Internacionais.

Na tentativa de identificar o compromisso brasileiro na execução dos tratados6

ambientais, o presente trabalho analisa as principais medidas realizadas pelo governo

brasileiro em relação ao aquecimento global que estejam em consonância com os

acordos ratificados pelo Brasil em relação às mudanças climáticas. Para tanto, parte da

análise do Protocolo de Kyoto, o Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do

MERCOSUL, assim como do Plano Nacional de Mudanças Climáticas.

1. Cooperação, Regimes Internacionais e Direito

1.1. Cooperação Internacional

A cooperação é um tema central na relação entre os Estados e assume cada vez

mais espaço na condução de questões transnacionais e nas dinâmicas do sistema

internacional. É um recurso de interação útil na busca pela resolução pacífica de litígios

latentes ou efetivos e abarca as mais diversas áreas que vão desde as questões de

segurança consideradas high politics até aquelas concernentes a temática mais social

como meio ambiente e direitos humanos, até então consideradas low politics7 , mas que

assume importância crescente na agenda das relações internacionais.

Keohane (1984) faz uma importante distinção entre cooperação e harmonia. A

harmonia trata da situação na quais as políticas dos atores facilitam atingir o objetivo do

outro. Aqui, a busca do interesse próprio não prejudica os interesses dos outros,

portanto, quando a harmonia impera, não há necessidade de cooperar. Já a cooperação

requer que ações dos atores sejam trazidas para algum entendimento por um processo de

negociação que é normalmente visto como um processo de policy coordinations. A

cooperação então irá acontecer quando os atores envolvidos ajustam seus

6 Quanto a denominação de tratados, tecnicamente não há diferenças entre as diferentes terminologias (protocolo, acordo, tratado, convenção), A prática é que mantém terminologias diferentes por causa dos costurmes. "Tratado significa um acordo internacional concluído entre Estados em forma escrita e regulado pelo Direito Internacional, consubstanciado em um único instrumento ou em dois ou mais instrumentos conexos qualquer que seja a sua designação específica (grifo nosso)". MELO, Celso Delmanto de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. Vol. I, 13ª edição. Rio de Janeiro. Ed. Renovar; 2001, p. 200. 7 High politics são temas considerados de maior importância pelos atores internacionais dentro da agenda internacional em relação as low politics. As primeira geralmente se associam a questões relativas à segurança e interesses estratégicos, enquanto que os temas sociais costumam ser designados pela segunda opção.

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comportamentos às preferências dos outros por meio desse processo de coordenação de

políticas.

Em consideração a tais definições, entende-se que na ausência de harmonia,

existem dois caminhos: a discórdia e a cooperação. A discórdia se configura na situação

em que um governo entende a política de outro(s) governo(s) como prejudicial à

obtenção de seus objetivos. Nestas circunstâncias, governo de um país que percebe as

ações e políticas dos outros enquanto obstáculo irá buscar fazer com que os interesses

que representa prevaleçam e assim, atinja seus objetivos. Isto irá configurar numa

situação de conflito onde freqüentes desacordos levam às tentativas de ajustes de

políticas que pode agravá-lo quando encontram resistência.

Por outro lado, na existência do conflito, a cooperação se configura como

recurso na sua resolução, na tentativa de superá-lo via processos de negociação e

barganha. Neste processo, a conquista e manutenção de acordos reforçam os

mecanismos de cooperação.

O termo utilizado por Keohane8, conflito, pode configurar, inicialmente, uma

ideia de embate direto de interesses entre os agentes. Entretanto, cabe ressaltar que em

determinadas circunstâncias o “conflito” não se dá diretamente entre os agentes que

buscam cooperação, mas podem estar ligados a uma dinâmica mais geral. Neste caso, os

agentes buscariam a cooperação como forma de prevenir problemas e aumentar seu

potencial.

Como exemplo, pode-se citar alguns acordos cooperativos na área econômica,

onde o objetivo é promover o desenvolvimento da exportação de determinados produtos

e o acesso a outros. Os atores buscam acordos que os favoreçam mutuamente,

aumentando as chances de crescimento econômico entre ambas.

Em nosso objeto de estudo, o aquecimento global decorrente das mudanças

climáticas identificadas pelos cientistas tem um impacto mundial, envolvendo questões

transfronteiriças e exigindo a coordenação de políticas comuns de mitigação dos efeitos

nocivos da ação antrópica a partir da cooperação entre os atores estatais. Quando os

agentes estatais resolvem cooperar, instituições internacionais são formadas para

promover o ajuste e a coordenação de políticas, assim como para estimular um

comportamento dos agentes comprometido com a efetivação das diretrizes negociadas.

8 Ver KEOHANE, R. After hegemony: cooperation and discord in the word economy. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1994.

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1.2. Instituições, Organizações Internacionais e Regimes

A abordagem institucionalista emerge como uma perspectiva mais significativa

do papel das instituições na viabilização da cooperação do que a abordagem realista

poderia proporcionar. As teorias institucionalistas consideram as instituições como

estrutura de cooperação voluntária que busca a resolução de problemas de ação coletiva

e a promoção de benefícios. A idéia de que as instituições configuram meios de

promoção da cooperação, realização de certa margem de previsibilidade e regularidade

sobre as ações dos indivíduos é trabalhada por diversos teóricos, através de diferentes

caminhos e conclusões.9

As instituições quando adquirem uma estrutura permanente se caracterizam

como organizações formais multilaterais para o alcance de determinados fins. As

organizações internacionais são tidas como “uma associação de Estados estabelecida mediante um acordo internacional

por três ou mais Estados, para a realização de objetivos comuns, dotada de

uma estrutura institucional e com órgãos permanentes, próprios e

independentes dos Estados-membros.” (BARBÉ, 1995, p. 154)

Nesta perspectiva, Oliveira (2007) destaca características específicas

delineadoras deste tipo de instituição que a diferenciam de outras entidades associativas.

São elas: composição essencialmente interestatal, base jurídica convencional, estrutura

orgânica permanente e a independente autonomia dos Estados-membros. Portanto, as

organizações internacionais são uma forma institucionalizada, com status permanente e

estrutura burocrática própria, tendo como objetivo a cooperação entre os atores estatais.

A partir do exposto, faz-se importante distinguir tais instituições de estruturas formais e

burocráticas próprias dos chamados regimes.

Os regimes se configuram como instituições que buscam, via estabelecimento de

princípios, normas e regras a cooperação internacional em áreas específicas, gerando a

percepção de novas condutas comportamentais pelos atores na busca de soluções.

9 Ver PETER, Guy. El Nuevo Institucionalismo: teoria institucional en ciencia politica. Barcelona: Editorial Gedisa, 1999. Ver também E. OSTROM, Elinor. Governing the commons: the evolution of institutions for colletive action. Cambridge: Cambridge University Press, 1999; REIS, F. Wanderley. Política e racionalidade. Belo Horizonte: UFMG/PROED/RBEP, 1984 e OFFE, Claus. Political Institutions and social power: conceptual explorations. In SHAPIRO et all. Rethinking Political Intitutions: the art of the State. New York: New York University Press, 2006.

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O conceito tradicional de regime é apresentado em 1975 por Ruggie10, tendo

regime como “um grupo de expectativas mútuas, regras e regulamentos, planos,

energias organizacionais e compromissos financeiros que são aceitos por um grupo de

Estados”. Krasner (1982) também apresenta sua definição como: “... um grupo de princípios implícitos ou explícitos, normas, regras e procedimentos de decisão em torno dos quais as expectativas dos atores convergem em uma determinada área de relações internacionais. Os princípios são crenças de fatos e causação. As normas são padrões de comportamento definidos em termos de direitos e obrigações. As regras são prescrições ou proscrições para as ações e os procedimentos de decisões, as práticas para fazer e implementar as escolhas coletivas.” (p. 2)

A observação superficial dos conceitos acima pode induzir uma perigosa

percepção de regimes enquanto estruturas estáticas, quase imutáveis. Entretanto, neste

trabalho opta-se por adotar a perspectiva de Zartman (2003), na qual um regime vai

além das regras, normas, princípios e padrões de conduta associada à ideia de rigidez e

estabilidade. Pelo contrário, entende-se aqui regimes como um processo político de

barganha continuado, envolvendo negociações posteriores às iniciais, na medida em que

se faça necessário para a governança do regime e de seus reajustes.

O Regime Internacional sobre Mudanças Climáticas configura a instituição

internacional em análise na busca da ação cooperativa da comunidade internacional na

resolução de problemas decorrentes do fenômeno do aquecimento global.

Spector (2003) parte da dinâmica do regime para descrever importantes etapas

que envolvem as negociações dentro de sua estrutura. Identifica duas etapas dentro do

regime: as negociações iniciais que ele denomina como pre-agreement e as negociações

subseqüentes, denominadas de post-agreement. Nas negociações iniciais a preocupação

é na identificação de acordos necessários e atores interessados. Concentra-se mais no

estabelecimento de princípios e normas mais gerais que dê base para a formação do

regime. Já no post-agreement o foco é na implementação do estabelecido no acordo

inicial, sua viabilidade, assim como no trato com atores subnacionais e não-

governamentais. Entende-se essa fase como um processo dinâmico de promoção de

diálogo diante de questões não resolvidas no acordo inicial. De Spector considera com

mais precisão as fases de interação durante as negociações de um regime entre o nível

doméstico e o nível internacional. Importante ressaltar que as fases não acontecem de

forma hierárquica, mas podem acontecer concomitante e concorrentemente. São elas:

10 Ver KEOHANE, R. Op. cit.

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PLANO INTERNACIONAL

PLANO DOMÉSTICO

Formação de Regime: esta fase compreende as negociações para a fixação de normas e processo de governança em uma determinada área objeto de cooperação.

Ratificação: aceitação formal dos atores domésticos de cada Estado (quando previsto na constituição do país). Momento de debate formal e informal com atores governamentais e não governamentais

Governança do Regime: fase ligada a operacionalização e governança do regime.

Rule-Making: fase de adequar a legislação interna às mudanças necessárias para implementação nacional do regime. Criação ou adaptação de leis domésticas. Envolvimento de debate formal e informal. Atores legislativos e dos grupos interessados.

Ajustamento do Regime: alargamento ou contração do regime. Fase em que se ajusta o regime às novas demandas, informações, questões problemas, entre outros itens que flexibilizem o regime para as mudanças necessárias.

Enforcement, Monitoring and Reporting Negotiations: mecanismos e negociações relacionados à implementação dos novos regulamentos e legislações. Mecanismos de monitoramento, coerção e de distribuição e produção de informação são usuais nesta fase.

Quadro 1: Fases do Regime Internacional Fonte: Adaptado de Spector (2003).

Esta percepção dinâmica dos regimes leva em consideração a interação, também

dinâmica, dos níveis doméstico e internacional, no qual os interesses dos grupos

envolvidos, sejam grupos domésticos privados/públicos ou grupos

internacionais/transnacionais estatais/não estatais, influenciam-se mutuamente conforme

as possibilidades das fases descritas11.

Na década de 1990, discutiu-se a necessidade de se proceder a uma integração

mais cautelosa do pensamento referente à política interna e à tomada de decisões no

âmbito da política externa12. Young (1994), ao propor seu modelo alternativo de análise

baseado na barganha institucional (a partir do mainstream utilitarista), destaca que os

Estados enquanto entidades coletivas envolvem vários grupos cujos interesses

frequentemente diferem em relação a algum assunto. Isto gera uma extensa barganha

intra-parte, assim como a barganha inter-partes. Ao se pensar sob essa perspectiva,

pode-se perceber então que há uma consideração teórica do Estado não como um ser

unitário, mas sim como o resultado da interação de complexos interesses e grupos

domésticos que o compõe. É com Moravicski (1997) que esta perspectiva fica mais

clara, ao destacar que o liberalismo entende que o comportamento dos atores no sistema

11 Para base mais aprofundada, ver PUTNAM, Robert D. Diplomacy and domestic politics: the logic of two-level games. International Organization, Summer 1988, v.42 n3, MIT Press. 12 Ver DOUGHERTY, James E. e PFALTZGRAFF Jr, Robert L. Relações Internacionais: as teorias em confronto. Lisboa, Gradiva; 2003.Página 763.

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internacional é reflexo da barganhas, interações e formação de preferências na esfera

doméstica. As preferências formadas no âmbito estatal são guias do comportamento dos

Estados no sistema internacional. Os Estados nada mais são do que instituições dentro

de certo território que reflete o processo de barganha institucional.

Neste sentido, Putnam (1998), descreve a tomada de decisão em política

externa. Através da análise fundamentada nos jogos de dois níveis, discute a interação

da diplomacia com a política doméstica, assim como a interação dos atores nos níveis

internacional e nacional. Destaca a importância de se considerar os diversos grupos de

pressão no âmbito interno, ou seja, grupos domésticos que procuram alcançar seus

interesses pressionando o governo a adotar políticas favoráveis no âmbito internacional.

O caminho diplomático a ser realizado deve ser adaptado àquilo que os outros Estados

acharão aceitável, mas também àquilo que os vários grupos domésticos podem ser

persuadidos a aceitar.

1.3. Execução de tratados e o direito internacional

A compreensão da cooperação a partir da formação e negociação nos regimes

internacionais se associa com as contribuições do direito internacional em relação a

importância dos tratados e na compreensão jurídica específica de cada estado signatário

do regime na fase de ratificação. Cada estado tem suas normas internas relativas à

incorporação de tratados internacionais na legislação doméstica. Além de identificar

quais são estas normas no caso brasileiro, faz-se necessário apresentar duas concepções

teóricas que informarão o tipo de procedimento adotado.

Quanto à incorporação dos tratados internacionais ao direito interno prevalecem

as teorias dualista e monista, que discutem a existência ou não de duas ordens, uma

internacional e outra interna. Para a corrente dualista, há uma inegável separação entre

estas ordens. Afirma também que é o aspecto internacional que regula as relações entre

os Estados, enquanto que a convivência civil entre os indivíduos de um determinado

Estado é intermediada pela ordem interna. A teoria Dualista, que preceitua a existência

de duas ordens jurídicas distintas, deixa claro que não existe conflito entre elas, tendo

em vista que não há qualquer tipo de relação entre ambas, fazendo com que estes dois

âmbitos jurídicos corram paralelamente.

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Já para a teoria monista, as ordens internacional e interna seriam uma só, fariam

parte de um sistema único que compõe o ordenamento jurídico. Tal teoria se dá em

função do argumento de que, no caso do estado obrigar-se na ordem internacional, ele

estaria utilizando-se de sua soberania, soberania esta reconhecida pela própria ordem

internacional.

É importante ressaltar que a Constituição Federal Brasileira de 1988 não faz

menção expressa a qualquer uma das correntes, mas predomina a idéia de que o Brasil

adota a corrente dualista, ou seja, para que um tratado ratificado produza efeitos no

ordenamento jurídico interno é necessário que o Presidente da República emita um

Decreto Legislativo, com a finalidade de conferir validade jurídica e cumprimento ao

tratado. Tal fato revela que, no caso brasileiro, a norma derivada de um tratado

internacional não é aplicada diretamente, devendo ser transformada em norma do

ordenamento jurídico interno.

2. Abordagem histórica: meio ambiente na agenda internacional

O homem tem direito fundamental à liberdade, à igualdade e a condições de vida adequadas em ambiente cuja qualidade lhe permita viver com dignidade e bem-estar, e cabe-lhe a solene responsabilidade de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações atuais e futuras. A esse respeito condenam-se e devem ser eliminadas as políticas que promovem ou fazem durar o apartheid, a segregação racial, a discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão ou dominação estrangeira. (Declaração de Estocolmo. Princípio I. 1972)

2.1 – Considerações iniciais

Até poucas décadas atrás, pensar que a ação do homem pudesse causar danos

irreversíveis ao meio ambiente, a ponto de colocar em risco a vida da própria espécie

humana, não era uma hipótese considerada fora do círculo acadêmico. Parecia algo

distante da realidade, mais próximo de um roteiro de ficção. O assunto, até então

limitado ao meio científico, ganhou gradualmente espaço na pauta governamental, bem

como conquistou especial atenção de organizações internacionais, imprensa e setores da

sociedade civil.

Apesar de presente desde o início do século XX nas preocupações entre governos,

a temática ambiental tinha um papel pontual, ligado em grande parte as questões

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econômicas13. Será principalmente a partir da Conferência Internacional sobre Meio

Ambiente Humano, realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1972, na

cidade de Estocolmo, que o meio ambiente começa a ganhar espaço de peso na agenda

internacional. A partir de então, ganha cada vez mais importância e atenção dos

diversos atores internacionais, mas não sem evidenciar conflitos entre os atores estatais.

2.2. Meio ambiente e sua ascensão na agenda internacional

Aspectos ambientais não são objetos recentes de tratados entre estados. Antes da

Guerra Fria, quando não se faziam tão presentes os impactos da revolução industrial, as

preocupações estavam voltadas aos aspectos comerciais e da livre navegação em áreas

comuns entre os Estados (SOARES, 2003). Posteriormente, apesar de danos

transfronteiriços já se mostrarem presentes, uma percepção de caráter mais sistêmico em

relação às questões ambientais e os efeitos da ação humana sobre o meio ambiente

pouco se desenvolveu entre os estados, envolvidos na tensão da Guerra Fria.

O meio ambiente entendido enquanto valor autônomo no direito internacional e

integrado a uma visão sistêmica14 como percebido na atualidade é um fenômeno

relativamente recente, se destacando a partir da década de 1970. Antes desse período, a

concepção que permeava as discussões governamentais na área estava atrelada a uma

lógica reducionista, em que o meio ambiente era entendido como natureza stricto sensu,

sem se considerar o impacto da ação do homem sobre o seu meio15. A preocupação em

torno da questão ambiental nas primeiras décadas do século passado, atrelava-se a

preocupações de ordem econômica e pontual. Exemplo disso são as leis relativas à

regulamentação da pesca. A respeito de tais leis, Soares (2003) argumenta: O caráter utilitário das raras convenções (...) nada mais eram do que arranjos administrativos de natureza comercial, com vista na preservação dos cardumes de peixes, pela via de uma regulamentação uniformizada entre as legislações nacionais (e menos com a instituição de entidades internacionais de controle e aplicação das normas acordadas entre os Estados). (P. 39)

13 Ver SOARES, Guido Fernando Silva. Direito internacional do meio ambiente : emergência, obrigações e responsabilidades. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 39-41. 14 A teoria sistêmica surge na biologia e se expande para outras áreas do conhecimento, em contraposição à teoria reducionista. Nela o organismo é visto como um sistema integrado dotado de organização e interdependência. Os elementos que compõe o todo não atuam isoladamente, mas em uma constante interação entre si. Na esfera ambiental, essa teoria proporciona um salto qualitativo na visão de meio ambiente, onde o seu conceito passa a defini-lo não como um conjunto de elementos naturais sem conexão, mas sim um sistema integrado de interação da flora e fauna, onde o homem se interrelaciona, afetando o meio ambiente e sendo afetado. 15 SOARES, Op. Cit; p. 39.

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A revolução industrial, ocorrida há mais de dois séculos, proporcionou inúmeros

avanços tecnológicos e uma significativa mudança nas estruturas sociais, bem como na

relação do indivíduo com o meio. Entretanto, a busca incessante pela obtenção do lucro,

tornou-se foco de um processo de industrialização desenfreada, à margem de qualquer

planejamento de seu avanço sobre o meio sócio-ambiental, observado pelo crescimento

urbano descontrolado e pelos problemas relativos aos impactos ambientais. As

conseqüências do processo de industrialização iniciado na Inglaterra e expandido

principalmente aos países do hemisfério norte, começaram a ganhar proporções

negativas de grande porte e difíceis de camuflar.

A geração de uma série de efeitos prejudiciais ao meio ambiente, inicialmente

em âmbito local, depois evoluindo para a esfera regional, nacional e global, assim como

inúmeros acidentes ecológicos que provocaram elevados danos ambientais

transfronteiriços, chamou a atenção não só de cientistas, mas de toda a comunidade

internacional para o assunto, além de servir de alvo para a crescente opinião pública.

O período conturbado do entre guerras, bem como da Guerra Fria, direcionava

as atenções estatais para as tensões políticas e econômicas instauradas nas relações

internacionais e influenciava nas dinâmicas cooperativas entre blocos oposicionistas.

Até mesmo a tentativa de fortalecimento de fóruns multilaterais de cooperação era

atingida pela estrutura bipolar do sistema internacional. Reflexo disso se deu no âmbito

das Nações Unidas através do sistema de veto no Conselho de Segurança que, neste

período, acabava por se configurar como empecilho na agilidade das decisões, já que

tanto Estados Unidos como a então União Soviética utilizavam o poder de veto para

barrar propostas feitas um pelo outro. Entretanto, a partir de 1960, outros enfoques

ganharam espaço à mercê da situação bipolar protagonizada pelos Estados Unidos e

pela União Soviética.

As sociedades capitalistas com avançado estágio de desenvolvimento industrial e

econômico, como os EUA e países da Europa Ocidental, viram emergir uma opinião

pública mais crítica, questionadora e exigente, que se preocupava não somente com a

promoção das políticas sociais básicas (já que as necessidades essenciais como saúde,

educação e infra-estrutura estavam supridas), mas se focavam em questões consideradas

marginais nas Hight Politics do polarizado sistema internacional. Aliado a isto,

acrescenta-se o fato de que o impacto da ação antrópica motivada pela produção

industrial, pelo crescimento demográfico e urbano torna-se cada vez mais visível. Neste

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contexto, surge de forma crescente o debate em torno da temática ambiental, mas sob

uma nova perspectiva. Surge sob a ótica da interação do homem com o seu meio, a

responsabilidade sobre os impactos de suas ações e sobre a necessidade de preservação

para as gerações futuras.

A interdependência de todo sistema mundial através das questões relacionadas

ao meio ambiente, ficava cada vez mais evidente e exigia a tomada de decisões e ações

comuns para garantir a qualidade de vida.

2.3- As principais conferências ambientais16

2.3.1- Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente Humano

O debate da temática ambiental ganha importante atenção institucional na

agenda internacional com Conferência Internacional sobre Meio Ambiente Humano,

realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em Estocolmo, no ano de 1972 e

seus resultados principais, quais sejam:

• Dia Mundial do Meio Ambiente: 05 de junho;

• Incorporação definitiva do meio ambiente nas agendas multilaterais;

• Ampliação da noção de meio ambiente: abandono da visão reducionista

em prol da sistêmica;

• Nova atividade: princípio da cooperação internacional no âmbito

ambiental;

• PNUMA: Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP

em inglês): com 58 países com um Fundo Internacional do Meio

Ambiente (FMA ou GEF). Os países ricos destinam parte do seu PIB que

será gerenciado pelo PNUMA;

• Estímulo à criação de órgãos ambientais nacionais em dezenas de países;

• Plano de ação: os dois principais tópicos são: 109 recomendações

ambientais aos países e o plano vigia que incorpora monitoramento por

satélite da situação global ambiental;

• A Declaração de Estocolmo: texto com 26 princípios. É o primeiro

documento internacional tratando do meio ambiente.

16 Ver LAGO, André Aranha C. do. Estocolmo, Rio e Joanesburgo: o Brasil e as três conferências ambientais das Nações Unidas. Brasília: IRBr/FUNAG, 2006.

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O mundo pós-Estocolmo fortaleceu o debate ambiental através da realização de

inúmeros tratados e conferências em diversas áreas ambientais específicas, com a

declaração em 1978 dos 15 princípios norteadores (Draft Principles), da Carta da

Natureza em 1982 (mais ambiental do que política) e principalmente com o Relatório

Brundltland (1987) que se desenvolveu em torno de três objetivos:

1. exame crítico da situação mundial;

2. propor novas formas de cooperação internacional;

3. compatibilizar desenvolvimento econômico e meio ambiente (pivô da

crise entre o eixo norte-sul, como se verá adiante).

O resultado foi a criação do amplo conceito de “desenvolvimento sustentável”.

No relatório da COMISSÃO MUNDIAL SOBRE O MEIO AMBIENTE E

DESENVOLVIMENTO (1988), desenvolvimento sustentável é entendido como aquele

que “satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras

gerações satisfazerem suas próprias necessidades”.

2.3.2 - Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

A questão ambiental ganhou maior intensidade e sistematização no debate a

partir do fim da guerra fria, constituindo grande marco a realização da Conferência das

Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO 92), realizada em 1992

na cidade do Rio de Janeiro. Apesar das grandes crises econômicas que invadiram a

década de 1970 com do choque do petróleo (1973 – 1979) e o aumento da dívida

externa dos países em desenvolvimento, seu salto qualitativo foi trazer a solução

apresentada pelo Relatório Brundtland, depois de anos de debate, sobre a então

incompatibilidade entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental. A saída é

dada pela adoção do desenvolvimento sustentável, onde o crescimento econômico é

realizado de modo a causar o menor impacto possível no meio ambiente, promovendo o

desenvolvimento sócio-ambiental. A ECO-92 é considerada a maior conferência sobre o

assunto, com 178 países representados (sendo que no período a ONU tinha 180 países

membros).

Após esta conferência, diversas medidas foram tomadas com o objetivo de

concretizar essa nova percepção na gestão ambiental mundial, que deveria envolver

todos os atores sociais e atuantes interna e externamente ao Estado na garantia da

qualidade de vida. Destacam-se:

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• A adoção de documentos soft law, tal como a Declaração do Rio (com

27 princípios com foco no desenvolvimento sustentável), Declaração

sobre Florestas e a Agenda 21.

• A Agenda 21 é um texto global não obrigatório que estabelece metas de

ação para a promoção do desenvolvimento sustentável, onde cada país se

compromete a desenvolver sua própria Agenda 21 em cima dos 4 pontos

seguintes:

1. definição do problema;

2. possíveis soluções;

3. atores envolvidos;

4. meios de implementar as soluções apresentadas.

• A partir do impacto das pesquisas científicas divulgadas através do

Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC/ONU), o

aumento do debate promovido pelos atores internacionais, especialmente

a mídia, Ong’s e Organizações Internacionais, atuou como forma de

pressão para ações mais efetivas e comprometidas por parte dos Estados,

responsáveis pela implantação nas políticas públicas internas deste novo

modelo de gestão.

• A Convenção-quadro que foi ratificada no ano de 1997 em Kyoto

(Protocolo de Kyoto) que traz compromissos mais concretos na ação

estatal. Apesar da adesão da imensa maioria dos Estados, países com alto

índice de poluição como os Estados Unidos, não ratificaram o

documento, iniciando novas rodadas de negociação.

2.3.3 – Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

Sustentável (Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável)

Ao sucesso conferido a ECO-92 seria delineada uma perspectiva positiva no

processo de cooperação entre os Estados (e atores não-estatais) nos assuntos ambientais.

Entretanto, questão como a globalização é vista por estudiosos como um entrave a essa

dinâmica. Nesta linha, LAGO (2006) observa que: A perspectiva de que o desenvolvimento sustentável seria a base de um novo paradigma de cooperação internacional, no entanto, revelou-se ilusória, uma vez que o processo de globalização se sobrepôs. O desenvolvimento sustentável não é necessariamente incompatível com a globalização: para muitos, ao contrário, a preocupação com o meio ambiente é uma das

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conseqüências da globalização. Entretanto, vários aspectos apontam para as dificuldades que a globalização representa para a tentativa de se impor o desenvolvimento sustentável como novo paradigma, como a incompatibilidade entre o crescimento das empresas transnacionais e a mudança dos padrões de produção e consumo.” (pp.85-86)

Portanto, apesar dos avanços jurídicos e técnicos que pudessem levar a um

contexto de cooperação, convivia-se com grande dificuldade de implementação dos

princípios levantados em 1992. Junto a isso, o fato de a década de 1990 ter constituído

um período de grande crescimento econômico, avanço tecnológico, expansão do modelo

capitalista de desenvolvimento (exemplo chinês), sem contar a dissolução da estrutura

bipolar com o fim da guerra fria; proporciona o avanço da globalização e com ela da

disseminação dos padrões ocidentais de consumo e de vida (a exemplo do norte-

americano), agravando ainda mais o progresso do desenvolvimento sustentável.

Foi dentro deste contexto que se realizou a Cúpula de Joanesburgo, na tentativa

de colocar em prática os princípios da ECO-92. De pouca expressão em relação às duas

conferências analisadas anteriormente, a conferência de Joanesburgo, realizada em

2002, objetivava implementar o Protocolo de Kyoto. Sobre análise da eficácia do

multilaterismo diante do contexto citado, LAGO observa “o sistema multilateral, que

parecia haver-se fortalecido no Rio, tornara-se referência de insucesso pela falta de

resultados.” (pg. 87).

Realizada poucos meses após as Conferências de Doha e de Monterrey, a Cúpula

de Joanesburgo demonstrou estreita relação com as agendas do comércio, financiamento

e meio ambiente.Recebendo mais críticas do que aplausos, seu mérito foi a afirmação de

pontos cruciais para o desenvolvimento, principalmente para os países em

desenvolvimento. Dentre eles podemos citar: erradicação da pobreza (com a decisão

política de criação do fundo mundial de solidariedade para erradicação da pobreza),

políticas de saneamento, água, saúde, produtos perigosos, pesca e biodiversidade.

Importante destacar que desde a ECO-92 importantes negociações se

desenvolveram, como se viu com o Protocolo de Kyoto e as reuniões das Conferências

das Partes, assim como o tema ganhou grande espaço na mídia internacional,

principalmente com a divulgação dos relatórios do IPCC, Painel Intergovernamental

sobre Mudanças do Clima, que realiza estudos ambientais feitos por cientistas de todo o

mundo sobre os impactos da ação humana no meio ambiente.

As principais causas de aceleração das mudanças climáticas se desenvolvem a

partir de três aspectos: o crescimento demográfico mundial, a expansão urbana e o

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paradigma tecnológico-desenvolvimentista. (VILLA, 2005). O IPCC, na investigação

do impacto da ação humana sobre o meio, utiliza-se de recursos científicos a fim de

fornecer uma base teórica para entendê-lo.

O relatório do IPCC coloca a necessidade de diminuição entre 50% a 85% das

emissões de dióxido de carbono (CO2) até a metade deste século para que seja possível

preservação do planeta. Apesar de conter afirmativas alarmantes, os dados científicos

sustentam tais argumentos e já é possível sentir no dia-a-dia os efeitos do aquecimento

global desde as mudanças bruscas de temperatura, até a ocorrência além do normal de

vários desastres naturais. Em 2007, o IPCC publica o seu mais impactante relatório,

divulgado em diversas partes e concluído em novembro, provocando discussões

calorosas em todas as esferas de decisão.

O documento representa um grande avanço, pois atua como pressão para que

medidas governamentais eficazes sejam tomadas desde já, além de responsabilizar

também o indivíduo sobre os acontecimentos ambientais, o que estimula um senso de

responsabilidade social e ambiental, além da ação conjunta entre governo e sociedade.

Neste sentido, a Carta de Brasília, fruto do Seminário Internacional "Agenda 21 Local e

Desenvolvimento Sustentável nas Cidades do Mercosul"17 também constitui importante

documento de orientação dentro do Brasil, reafirmando as diretrizes de ação nacional

em prol do desenvolvimento sustentável e da responsabilidade ambiental. Alerta sobre a

crise ambiental que vivenciamos e mostra a amplitude de sua dimensão, que vai além

dos pontos estritamente ecológicos. Embora a questão ambiental seja hoje amplamente debatida e divulgada na comunidade internacional, assistimos, nos últimos anos, a um agravamento da crise ambiental planetária, com o modelo dominante de produção e consumo induzindo um estilo de vida insustentável e excludente, que ameaça a continuidade da vida no nosso planeta. (...) A crise ambiental não é uma crise somente ecológica é, também, social, política e cultural, cujo enfrentamento requer uma ação global em prol de um novo modelo civilizatório.

2.4. O Regime Internacional sobre Mudanças do Clima

Após a Convenção de Viena e o seu Protocolo de Montreal18, onde foi

estabelecido pelos Estados um importante mecanismo de cooperação na redução do

17 Realizado na cidade de Brasília nos dias 11 e 12 de dezembro de 2006 e organizado pelo Ministério do Meio Ambiente. 18 Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destróem a Camada de Ozônio, adotado em Montreal em 16 de setembro de 1987.

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buraco na camada de ozônio, outro tema ambiental demandou a cooperação dos

Estados, levando à criação de um regime: o problema da mudança climática no planeta.

A partir do alerta do IPCC criou-se a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre

Mudanças Climáticas, aberta à assinatura dos Estados durante a ECO 92. Entrou em

vigor em 1994 e no ano de 1997 adotou-se o Protocolo de Kyoto que estabelece metas

específicas à redução dos gases de efeito estufa que contribuem para o aquecimento

global. Em seu Anexo I, estabelece metas obrigatórias para os países desenvolvidos,

baseadas no princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada sem vinculação de

metas obrigatórias para os países em desenvolvimento. Entrou em vigor em 2005 e tem

nas sessões da Conferência das Partes sua instância de negociação e ajustamento de

implementação. Sobre a convenção quadro, Soares (2002) esclarece: Neste modelo, o que os estados fazem é estabelecer um tratado que é um quadro – na verdade quadro é uma expressão muito mal traduzida de cadre, em francês, framework, em inglês ou marco em espanhol, que deveria ter sido traduzida por moldura. O estado estabelece uma moldura normativa de direitos e deveres e deixa à conferência das partes, e a outras instâncias, o dever e o poder de pintar aquele quadro, ou seja, preencher aquele quadro sem sair da moldura. (Pág. 177)

Atualmente o Regime Internacional de Mudanças Climáticas – RIMC, vive uma

fase de ajustamento. O Protocolo de Kyoto estabelece metas iniciais a serem cumpridas

pelos Estados membros até 2012. Estava previsto um protocolo substitutivo ao fim deste

prazo. Para tanto, desde 2007 iniciou-se um processo de discussão no âmbito do RIMC

que tem por objetivo identificar os impasses de implementação doméstica e de

cumprimento das metas iniciais de modo a configurar uma nova fase da cooperação

através da elaboração de um protocolo substitutivo. Entretanto, até então, as

Conferências das Partes e as negociações ocorridas ao longo do ano têm se mostrado

insuficiente para a deliberação do tão esperado acordo para 2012. A expectiva estava na

COP 15, ocorrida em dezembro de 2009 na Dinamarca. Entretanto, após um exaustivo

ciclo de debates e negociações o êxito alcançado se limitou a um declaração de

intenções, sem compromissos obrigatórios assumidos e um forte clima de frustração

entre os atores estatais e entre os atores não estatais que acompanham as negociações. A

COP seguinte também não se configurou como o marco final das discussões, estando

ainda em aberta as expectativas por um acordo qualitativo, mesmo que em cima do

prazo, que possibilite metas mais ambiciosas, a ratificação pelos EUA e a solução para a

questão dos países emergentes.

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2.4.1. O Brasil e as negociações dentro do regime

A atuação brasileira dentro das negociações do Protocolo de Kyoto merece

destaque. Fruto da Convenção Quadro sobre Mudanças do Clima, o Protocolo foi

adotado 1997, mas só entrou em vigor em 2005. Ele prevê metas específicas para a

redução dos gases do efeito estufa para os países constantes do Anexo I ao protocolo. O

Brasil participou ativamente desde a formulação da Convenção do Clima, na ECO 92

lançando alguns pressupostos que marcariam o Protocolo. Desde a ECO 92, o Brasil

trouxe a defesa do princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada que atribui

aos países desenvolvidos maior atuação para fazer frente ao problema da elevação da

temperatura média da Terra. Tal princípio resultou na figura do controvertido Anexo I

no Protocolo de Kyoto, onde lista os países que ficaram com a obrigação de reduzir as

suas emissões de gases do efeito estufa, com a estipulação de metas de redução

constante no protocolo.

O Brasil é um árduo defensor de tal princípio, por entender em sua política

externa que os países desenvolvidos são os grandes responsáveis pelo atual estágio de

degradação ambiental, já que eles iniciaram e desenvolveram-se com base no processo

industrial de crescimento econômico, altamente nocivo para o meio ambiente por, entre

outros fatores, explorar exaustivamente os recursos naturais e utilizar tecnologia

poluente. O argumento se materializa na idéia de que os países em desenvolvimento,

por terem começado tardiamente seu processo de industrialização, não podem ser

responsabilizados de igual maneira pela degradação ambiental. Além do mais, a

imposição de metas aos países desenvolvidos, além de ser considerado um acerto

histórico, é também viável, já que os mesmos possuem recursos e tecnologia limpa para

alcançar a proposta do desenvolvimento sustentável. Sobre o assunto, Vargas (2004)

esclarece: As assimetrias que marcam o sistema internacional requerem que os esforços que buscam lidar com as mudanças ambientais, em particular aquelas de caráter global, levem em consideração as distintas responsabilidades históricas, especialmente das sociedades mais avançadas, pela deterioração do meio ambiente global, bem como as diferentes capacidades das nações de responderem aos desafios colocados por aquelas mudanças. (VARGAS, pág. 120)

A posição brasileira dentro das negociações no Regime Internacional sobre

Mudanças Climáticas engloba a transferência de recursos e tecnologia limpa dos países

desenvolvidos para os em desenvolvimento, assim como defende os Mecanismos de

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Desenvolvimento Limpo (MDL), no qual foi inicialmente proposto como criação de um

fundo de recursos para que os países em desenvolvimento pudessem investir em

práticas de desenvolvimento sustentável.

2.4.1.1. Vantagens e desvantagens brasileiras nas negociações

Com uma rica biodiversidade e importantes reservas de recursos naturais, o país

se destaca por sua matriz energética relativamente limpa, com emissão de gás carbônico

(per capita) reduzida. Entretanto, grande quantidade de gás carbônico emitido pelo

desmatamento das florestas tropicais brasileiras, a exploração indiscriminada dos

recursos naturais, assim como a falta de políticas públicas ambientais eficazes mostram

o longo caminho a ser percorrido.

Um importante aspecto ressaltado pela posição brasileira é a de que o princípio

da responsabilidade comum, porém diferenciada também se justifica pelas diferentes

fontes poluentes utilizadas. Aponta que o uso de combustíveis fósseis, utilizados em

grande escala nos países industrializados, emite maior quantidade de gases do efeito

estufa. Dentro deste argumento é possível apresentar as vantagens que o Brasil possui

dentro das negociações, justamente por sua matriz energética.

Gráfico 1. Oferta Interna de Energia – Brasil 2007 (%)

* Fonte: Plano Nacional de Mudança do Clima a partir de dados do Balanço Energético Nacional – 2008.

O país tem como principal vantagem sua matriz energética e os investimentos

crescentes na produção da mesma. Ele conta hoje com uma das matrizes mais limpas do

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planeta, com 46% de sua energia vinda de fontes renováveis, de natureza limpa e

diversificada, números que revelam que a emissão global nacional é pequena em relação

aos demais países do globo e, portanto não refletem a tendência mundial, que possui

grande parte de sua energia produzida a partir de fontes não-renováveis, conforme

salienta o Plano Nacional de Mudança do Clima (PNMC): O setor energético brasileiro, relativamente aos demais países, é extremamente limpo e, um dos maiores desafios é sustentar esta condição, considerando a crescente demanda de energia elétrica. Atualmente, a matriz energética conta com uma participação de 45,8% de renováveis enquanto a média mundial é de 12,9 %.

Os investimentos brasileiros no desenvolvimento e produção das matrizes

energéticas se dão através do estímulo à disseminação e ao uso de energia limpa e

oferecem ao país uma grande vantagem comparativa como produtores de energia

limpa19.

Diferentemente do que ocorre nos países desenvolvidos, a maior parte das

emissões de CO2 no Brasil é proveniente da mudança no uso da terra, os desmatamentos

e as queimadas que respondem por cerca de 75% do dióxido de carbono produzido no

Brasil. Desse total, 59% são provenientes da Amazônia.

Gráfico 2. Emissões de CO2 por setor - 1994

* Fonte: Plano Nacional de Mudança do Clima.

19 Segundo o Plano Nacional de Mudança do Clima: Os biocombustíveis brasileiros como o etanol, e em menor escala o biodiesel, são fontes de riqueza inconteste para o País. Sua produção gera renda no campo e sua utilização desloca fontes fósseis que tanto impactam no clima, quanto na qualidade do ar que se respira. O fomento à crescente substituição de fontes fósseis no setor de transportes brasileiro poderá permitir um aumento médio anual do uso de etanol de 11% nos próximos anos.

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Conforme verificado no gráfico acima, o Brasil tem encontrado problemas no

enfrentamento do desmatamento e do mau uso da terra, principalmente no que concerne

à conversão de florestas para uso agropecuário. É importante ressaltar que grande

porcentagem do desmatamento ocorre na região amazônica, demandando do governo

brasileiro políticas públicas intersetoriais que possam atuar na prevenção e mitigação

deste problema.

Gráfico 3. Evolução das Taxas de Desmatamento na Amazônia

*Fonte: Plano Nacional de Mudança do Clima

A diplomacia brasileira, no âmbito das negociações do Regime Internacional de

Mudanças Climáticas, reconhece a necessidade de políticas mais efetivas no combate ao

desmatamento, entretanto aponta a necessidade de transferência de recursos e tecnologia

limpa aos países em desenvolvimento, assim como destaca o papel das matrizes

energéticas renováveis: "Conscientes de que nossa principal fonte de emissões é o desmatamento, propusemos, no âmbito da Convenção Quadro, um sistema de incentivos positivos pelo qual os países desenvolvidos, que - pela letra da Convenção - têm a obrigação de fornecer ou facilitar recursos financeiros e tecnologia para combater a mudança do clima em países em desenvolvimento, possam complementar nossos esforços de reduzir as emissões por desmatamento.(...) Ainda assim, é bom que se diga que se, por hipótese, acabássemos com o desmatamento, no Brasil e no mundo inteiro, não solucionaremos os problemas apresentados pela mudança do clima. A única forma de fazê-lo efetivamente é mudar progressivamente a matriz energética mundial, introduzindo fontes renováveis e limpas” (SERRA, 9).

Entretanto, é importante destacar que o país adota medidas domésticas que

visam fortalecer sua posição de interlocutor ativo no âmbito das negociações do RIMC.

Neste sentido, o anúncio de metas de redução para o país entre 36% e 39% a serem

alcançadas até 2020 veio fortalecer esse papel. Entretanto, o grande desafio de controle

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dos desmatamentos ilegais em território nacional, especialmente na Amazônia, podem

comprometer tal compromisso no âmbito das metas voluntárias. Por outro lado, ao

tomar a iniciativa de estabelecer tais metas, o Brasil atenua a tensão dentro do RIMC no

qual países industrializados pressionam os países não Anexo I, principalmente os países

emergentes, a assumirem metas. Deste modo também, o país avança mais um passo em

sua legitimação de interlocutor, estimulando a adoção de metas voluntárias por outros

países fora do Anexo I. Porém, apesar da iniciativa, o estatus de metas voluntárias ainda

não satisfazem as posições de países como os Estados Unidos no cumprimento das

responsabilidades a encargo dos países com metas obrigatórias.

3. Incorporação de tratados internacionais no direito brasileiro e as fases de

ratificação e rule-making do Regime Internacional de Mudanças Climáticas

Acordos internacionais multilaterais, como é o caso do tratado proveniente da

CQNUMC têm seu momento inicial na realização da própria convenção internacional,

onde ele será publicado mundialmente. Os países interessados em participar

comparecem e dão início, conforme já exposto, a fase da negociação, que se dá por

votação e na qual serão decididos quais os temas que farão parte do conteúdo do tratado.

Ao término da votação, os Estados que desejarem realiza a assinatura do mesmo. Essa

assinatura atesta sua concordância com o texto e as resoluções do tratado que uma vez

assinado, entretanto a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969) prevê a

ratificação interna aos Estados para validar seu compromisso, através de um ato

discricionário manifestando a vontade estatal de se submeter ao tratado sendo assim

considerada a importância do âmbito doméstico na negociação internacional.

Nesta fase, após a assinatura, o tratado será transformado em projeto de lei e

submetido ao Congresso Nacional, que emite sua aprovação através de um decreto

legislativo para que posteriormente o Presidente da República possa ratificá-lo. Fato que

demonstra que o poder executivo depende, para comprometer externamente o Estado,

de algo mais que sua própria vontade. Antes de tudo, um comprometimento estatal

internacional envolve uma gama de interesses domésticos e de grupos de pressão

internos que afetam o posicionamento durante as negociações, que por sua vez são

afetados também pelos interesses internacionais presentes durante a barganha

institucional. Após a promulgação e publicação pelo presidente, o tratado adquire

vigência no ordenamento jurídico interno com hierarquia de lei federal ordinária.

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Regra geral, as normas previstas nos tratados internacionais ingressam no direito

nacional como atos normativos infraconstitucionais. Em nossa Constituição não há

disposição que mencione exatamente seu lugar no ordenamento, ou seja, se estes

tratados estariam abaixo das leis ou a elas se sobreporiam em caso de conflito, se as

revogariam ou se seriam por elas revogadas.

No caso da ratificação da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre

Mudanças do Clima o governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação da

Convenção Quadro das Nações Unidas, em 28 de fevereiro de 1994, passando a mesma

a vigorar, para o Brasil, em 29 de maio de 1994 a partir da aprovação do texto da

Convenção pelo Decreto n.01, de 03 de fevereiro de 1994. O decreto n.2.652, de 1º de

julho de 1998 promulgou a convenção no território brasileiro, que fora assinada pelos

países em 9 de maio de 1992.

O protocolo de Kyoto, que compõe a Convenção (vinculada ao regime jurídico

internacional sobre mudança do clima), foi adotado em dezembro de 1997. O Decreto

n.144, de 20 de junho de 2002 aprovou o texto e em 23 de agosto de 2002 o governo

brasileiro ratificou o protocolo após as discussões iniciadas um ano antes no Congresso

Nacional. O Decreto n. 5445, de 12 de maio de 2005 promulgou o documento após a

sua entrada em vigor internacional a partir de 16 de fevereiro de 2005.

Após a ratificação do protocolo, o governo brasileiro aprovou por via do Decreto

Legislativo n. 333, de 24 de julho de 2003, o texto do Acordo-Quadro sobre Meio

Ambiente do Mercosul, celebrado em Assunção em 22 de junho de 2001. O governo

brasileiro depositou seu instrumento de ratificação em 9 de outubro de 2003 e o referido

acordo entrou em vigor internacional em 23 de junho de 2004. Por fim, o Decreto n.

5.208, de 17 de setembro de 1994.

3.1. Fase rule-making

A ratificação dos tratados internacionais referentes à mudança climática por si só

não demonstra o comprometimento brasileiro na implementação do regime. Apesar de

serem essenciais a correlação de todas as fases descritas por Spector, no presente artigo

direcionaremos maior atenção para o processo de produção de normas que contemple os

princípios e compromissos assumidos pelo Brasil no regime.

Em conseqüência da proposta brasileira que incorpora o princípio da

responsabilidade comum, mas diferenciada no âmbito das negociações do regime, os

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países ausentes do Anexo I não possuem metas de redução. Apesar do Brasil não

possuir obrigações quantificadas de redução, o país não está isento de responsabilidade

frente à Convenção.

Uma das principais obrigações brasileiras como país signatário da CQNUMC é a

elaboração e atualização periódica do Inventário Nacional de Emissões e Remoções

Antrópicas de Gases do Efeito Estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal. O

Brasil apresentou seu primeiro inventário em dezembro de 2004. O inventário é feito a

partir das diretrizes do IPCC e das diretrizes designadas para a elaboração das

comunicações nacionais das partes não incluídas no Anexo I da Convenção do Clima e

inclui apenas as emissões e remoções de gases de efeito estufa causados pela ação

humana (antrópica). Para tanto, as emissões foram estimadas a partir dos seguintes

setores: energia, processos industriais, uso de solventes e outros produtos, agropecuária,

mudança no uso da terra e florestas, e tratamento de resíduos. Assim como o país realiza

seus inventários, algumas iniciativas estaduais são destacadas como a produção de

inventários no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.

Outras obrigações remetem à cooperação científica, técnica e educação no

âmbito da temática ambiental; comunicações nacionais com informações sobre

programas nacionais e atividades empreendidas em conformidade com o artigo 10 do

protocolo e de acordo com as decisões pertinentes da Conferência das Partes; assim

como na elaboração e elaboração de programas nacionais que contenham medidas para

mitigar os impactos sobre o meio e para facilitar uma adaptação adequada à mudança do

clima.

No âmbito do MERCOSUL, o Brasil também se direciona pelos princípios da

Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvido (1992) presentes no

Acordo-Quadro de Meio Ambiente do MERCOSUL. Os compromissos assumidos

pelos Estados Parte, dentre outros, reforçam a diretriz do desenvolvimento sustentável20,

da pesquisa científica, da cooperação tecnológica e busca, dentro da realidade

apresentada, uniformizar as legislações internas para a promoção do equilíbrio

ambiental.

20 Art. 4º O presente Acordo tem como objetivo o desenvolvimento sustentável e a proteção do meio ambiente mediante a articulação entre as dimensões econômica, social e ambiental, contribuindo para uma melhor qualidade do meio ambiente e de vida das populações.

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Dentre as questões de redução obrigatória, o governo brasileiro promove

medidas nacionais para o combate ao desmatamento21 e uso de combustíveis fósseis.

Quanto às de caráter voluntário, o Estado Brasileiro investe, dentre outros, na promoção

de Mecanismos e Desenvolvimento Limpo (MDL)22, no incentivo à eficiência

energética, na gestão de resíduos, na produção limpa, nos sistemas agro-silvo-pastoris e

plantio direto na agricultura.

As responsabilidades ambientais assumidas no âmbito do Regime Internacional

e do MERCOSUL ganham atenção crescente no contexto brasileiro com o lançamento,

em primeiro de dezembro de 2008, do Plano Nacional das Mudanças do Clima, fruto do

Programa Nacional de Mudanças do Clima, onde é apresentado um diagnóstico interno

das fontes poluentes nacionais, assim como meios e metas internas para fazer frente a

elas. O objetivo é “incentivar o desenvolvimento das ações do Brasil colaborativas ao

esforço mundial de combate ao problema (ambiental) e criar as soluções internas para o

enfrentamento de suas conseqüências”. (PNMC, p. 7). Nele são identificadas duas

vertentes principais de atuação: aumentar a eficiência no uso dos recursos naturais do

país e equacionar as mudanças no uso da terra com suas implicações nas emissões

brasileiras de gases do efeito estufa. “Neste contexto, mesmo não tendo obrigações quantificadas de reduções de emissões no âmbito do CQNUMC, por não ter responsabilidade histórica significativa pelo acúmulo de gases do efeito estufa na atmosfera, o Brasil vem buscando encontrar um caminho onde o esforço de mitigação da mudança do clima seja efetivo e a garantia do bem-estar de seus cidadãos a principal variável”. (PNMC, p. 8)

É importante destacar que os compromissos assumidos pelo Brasil e os demais

países em desenvolvimento estão condicionados ao financiamento e transferência de

tecnologias por parte dos países desenvolvidos (CQNUMC, p. 4.7).

O direito interno brasileiro é receptivo às diretrizes no âmbito do Protocolo de

Kyoto e do Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do MERCOSUL23, seja pela própria

Constituição Federal de 1988 que logrou importante papel à proteção ambiental, como

pela Lei n. 6938, de 31 de agosto de 1981 que dispõe sobre a Política Nacional do Meio

Ambiente. São inúmeras as iniciativas legislativas ocorridas desde a entrada do país na 21 Exemplo disto é o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM) que resultou na diminuição de 59% da taxa anual de desmatamento neste bioma entre os anos de 2004 e 2007. 22 Os MDLs possuem grande destaque nas diretrizes brasileiras de implementação, explorando o potencial energético país, assim como territorial e a disponibilidade de recursos naturais presentes no Brasil. 23 Na condição de tratado internacional, tanto a CQNUMC, o Protocolo de Kyoto e o Acordo-Quadro Sobre Meio Ambiente do MERCOSUL foram recepcionados pelo ordenamento jurídico brasileiro com base nos artigos 49 e 84 da Constituição Federal de 1988.

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CQNUMC, sendo importante destacar o favorecimento de princípios do MDL na

produção legislativa24. Entretanto, atuando diretamente sobre o objeto do Regime

Internacional de Mudanças Climáticas, o governo brasileiro apresentou ao Congresso

Nacional, em 5 de junho de 2008, o projeto de lei n. 3.535 que propõe a Política

Nacional sobre Mudança do Clima e fixa seus objetivos, princípios, diretrizes e

instrumentos, assim como orientará a elaboração de planos, programas e ações

nacionais e estaduais.

Identificar a produção legislativa com vistas à implementação do regime requer

destacar também iniciativas para o envolvimento dos outros atores no processo de rule-

making. Neste sentido, destaca-se o envolvimento de uma estrutura burocrática

diversificada para implementação através da criação do Fórum Brasileiro de Mudanças

Climáticas25 e o Comitê Interministerial de Mudança do Clima26.

O primeiro é presidido pelo Presidente da República e é composto por

representantes do setor empresarial, da sociedade civil, da academia, Organizações Não-

Governamentais, ministros de estado, presidentes de agências reguladoras, além de

secretários estaduais de meio ambiente. É, portanto, um espaço institucional de atuação

dos diversos grupos de interesses domésticos e tem por objetivo “(...) conscientizar e

mobilizar a sociedade para discussão e tomada de posição sobre os problemas

decorrentes da mudança do clima por gases de efeito estufa, bem como sobre o

Mecanismo de Desenvolvimento Limpo” (Decreto n. 3.515/00).

O Comitê Interministerial de Mudança do Clima é coordenado pela Casa Civil

da Presidência da República e é composto por órgãos federais mais o Fórum Brasileiro

de Mudanças Climáticas. Contabiliza-se o envolvimento de quinze ministérios, além da

Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, sendo os outros de

interesse não-estatais representados pelo Fórum. O objetivo do comitê é elaborar a

Política e o Plano Nacional de Mudança do Clima com a colaboração das contribuições

dos atores estatais, da sociedade civil, grupos privados e do legislativo.

Em relação ao legislativo destaca-se a criação da Comissão Mista Especial de

Mudanças Climáticas do Congresso Nacional, por meio do Ato Conjunto n. 01/2007,

24 Alguns exemplos de legislações que favorecem o MDL: Lei 10.438/02 que cria o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA); a lei 11.097, de 14 de janeiro de 2005 que inclui o biodiesel na matriz energética brasileira. Em 2004 o poder executivo publicou os Decretos 5.297 e 5.298, os quais referem-se a redução dos tributos PIS/PASEP e COFINS na comercialização e produção do biodiesel e redução do IPI sobre o mesmo produto, respectivamente. 25 Através do Decreto n. 3.515, de 20 de junho de 2000. 26 Através do Decreto n.6.263, de novembro de 2007.

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com o objetivo de acompanhar, monitorar e fiscalizar as ações relativas às mudanças do

clima no país. O relatório final foi encaminhado para apreciação nos ministérios e inclui

algumas proposições legislativas em tramitação no Senado Federal e na Câmara dos

Deputados relativas à matéria (ver item IV.3.2 do relatório final da comissão).

Por fim, cabe expor a abertura de alguns espaços institucionais para o

envolvimento de outros atores doméstico na implementação do Protocolo de Kyoto

através do Decreto n. 6.263/2007 que estabelece processos de consulta pública visando

à transparência do processo de elaboração do Plano Nacional de Mudança do Clima e à

participação popular. Neste processo ocorreram consultas públicas como a III

Conferência Nacional de Meio Ambiente e os “Diálogos Setoriais” que constituíram em

reuniões do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas.

Considerações Finais

A dimensão transfronteiriça relacionada ao tema da mudança climática global,

demanda esforços de cooperação entre os Estados e a aplicação doméstica das normas,

princípios e regras do regime na legislação e nas políticas públicas nacionais.

Entretanto, a implementação dos tratados internacionais requer a observância das

especificidades de cada país, atuando sobre suas desvantagens e desenvolvendo as

potencialidades locais que contribuam com a mitigação e resolução do aquecimento

global. Demanda também a abertura de espaços institucionais para participação dos

atores domésticos na incorporação das diretrizes do regime.

Neste sentido, as disposições constitucionais que orientam o processo de

ratificação no Brasil adotam um sistema predominantemente dualista para a

incorporação dos tratados internacionais no direito interno. Isto quer dizer que,

considerando-se a interação constante entre os níveis doméstico e internacional, as

prerrogativas constitucionais brasileiras de incorporação da norma internacional no

direito interno contempla os jogos de interesses e grupos de pressão existentes

internamente que, atuando sobre o processo de ratificação e de rule-making informarão

ao governo as demandas e interesses dos grupos domésticos envolvidos. Isto fica

perceptível tanto pela necessidade de ratificação via processo legislativo, que permite a

atuação dos grupos de interesses privados e públicos do país, como pela abertura de

espaços institucionais promovidos em razão da implementação do Protocolo de Kyoto e

das diretrizes do Regime Internacional de Mudanças Climáticas. A criação do Fórum

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Brasileiro de Mudanças Climáticas, do Comitê Interministerial, da III Conferência

Nacional de Meio Ambiente e dos diálogos setoriais, assim como da produção

legislativa relacionada à mudança climática, posteriormente à entrada do país na

CQNUMC, são exemplos de abertura à participação de grupos domésticos no processo

de implementação nacional.

Além destes aspectos é importante destacar que o Brasil, apesar de não ter

obrigações quantificadas dentro do regime, apresenta medidas em direção ao

cumprimento das responsabilidades obrigatórias e não obrigatórias estabelecidas no

âmbito das negociações internacionais, enfatizando o desenvolvimento do Mecanismo

de Desenvolvimento Limpo e da eficiência energética, assim como o combate ao

desmatamento. Exemplo de maior destaque é o lançamento do Plano Nacional de

Mudanças Climáticas e as metas voluntárias assumidas em Dezembro de 2009 para a

COP 15 de redução das emissões domésticas entre 36% e 38% até 2020. Por sua vez,

enfatiza a necessidade de financiamento e de transferências de recursos dos países

industrializados aos países em desenvolvimento, conforme o princípio da

responsabilidade comum, mas diferenciada.

A partir do exposto, conclui-se que há a presença de diversos elementos

(produção legislativa, abertura de espaços institucionais, políticas e planos de ação)

direcionados à implementação dos tratados internacionais de mudança climática no

cenário brasileiro, incluindo o cumprimento de responsabilidades obrigatórias e não

obrigatórias. Entretanto, tais iniciativas ao se mostrarem atreladas ao princípio da

responsabilidade comum, mas diferenciada e às transferências de recursos e tecnologias

podem encontrar barreiras à implementação do regime na medida em que o

estabelecimento de metas não é obrigatório e, portanto, não é passível de cobrança, o

que pode prejudicar futuramente o comprometimento efetivo aos princípios do regime.

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