Artigo Cynthia Siqueira e Isabel...
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O BRASIL E AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS: IMPLEMENTAÇÃO DE
ACORDOS INTERNACIONAIS1
Cynthia D. Siqueira2
Isabel Siqueira3
RESUMO: O presente artigo trata a importância da cooperação via configuração de um regime internacional no âmbito das negociações internacionais como recurso coletivo dos atores estatais na busca de soluções mitigatórias e adaptativas para uma problemática ambiental transfronteiriça: a questão da alteração climática global na contemporaneidade. O foco se encontra na análise das fases do regime, tendo o processo de implementação do regime no Brasil, em especial sua recepção jurídica nas fases de ratificação e rule-making, o objeto do estudo de caso. PALAVRAS-CHAVE: Instituições Internacionais. Mudanças Climáticas. Implementação. BRASIL Y EL CAMBIO CLIMÁTICO: LA APLICACIÓN DE LOS ACUERDOS INTERNACIONALES RESUMEN: En este artículo se discute la importancia de la cooperación mediante el establecimiento de un régimen internacional en el marco de las negociaciones internacionales como un medio colectivo de actores estatales en la búsqueda de soluciones para la mitigación y la adaptación de los problemas transfronterizosambientales: la cuestión del cambio climático global en la actualidad. El foco se encuentra en la fase de análisis del sistema y el proceso de aplicación del régimen en Brasil, especialmente en sus fases de recepción legal de la ratificación y la elaboración de normas, el objeto del estudio de caso. PALABRAS-CLAVES: Instituciones internacionales. Cambio Climático. Implementación.
1 Primeira versão deste artigo foi apresentada na annual meeting of the ISA-ABRI JOINT INTERNATIONAL MEETING, 2009, Rio de Janeiro. 2Pesquisadora da Universidade Técnica de Lisboa. Especialista em Estudos Diplomáticos, Mestre em Relações Internacionais e Doutoranda em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável. Contato: [email protected] 3 Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Contato: [email protected]
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Introdução
As demandas por soluções além do marco territorial das fronteiras nacionais
estão presentes diante da complexidade de questões concernentes à temática ambiental,
particularmente em relação às mudanças climáticas. O impacto da ação humana sobre o
meio ambiente tal como a escassez de recursos não renováveis, assim como a
degradação do meio ambiente e conflitos oriundos de tais fatores são questões em pauta
na agenda de ações governamentais que exigem soluções emergenciais e eficazes.
Entretanto, longe de serem preocupações distantes da realidade, os problemas
ambientais têm reflexo direto no cotidiano social, interferindo na qualidade de vida e
agravando as deficiências sócio-econômicas já existentes.
O período vivenciado pelo sistema internacional após a segunda guerra mundial
é marcado por inúmeras mudanças. A estrutura bipolar e a tensão da guerra fria
emergem em conjunto com o fortalecimento das instituições internacionais, fóruns
multilaterais de cooperação e novos temas na agenda internacional. Por mais
contraditórias que sejam as mudanças vivenciadas no período da guerra fria, elas
trouxeram importantes bases para a configuração do contexto mundial desde o seu fim.
Dentre as novas configurações observadas no sistema internacional desde o fim
da segunda guerra mundial, identifica-se a inserção crescente do tema ambiental na
agenda das relações internacionais, a partir da década de 1970, destacando-se a
Conferência Internacional Sobre Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo e
promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU). Apesar da estrutura política
internacional se refletir na conferência (o bloco soviético não compareceu em protesto,
já que a Alemanha oriental não podia participar), o evento fortaleceu a ação
institucional e multilateral de decisões entre os estados e serviu de precedente para um
debate até então marginalizado pelos atores estatais: o meio ambiente.
Desde Estocolmo, outras duas conferências foram convocadas pela ONU para
discutir as questões ambientais de modo amplo: uma na cidade do Rio de Janeiro em
1992 e outra no ano de 2002, em Joanesburgo. Apesar do envolvimento cada vez maior
dos atores internacionais, tanto estatais como não-estatais e do grande avanço
cooperativo no âmbito ambiental, tais conferências não conseguiram promover
cooperação plena dos Estados em todos os pontos levantados nesses fóruns multilaterais
e nas discussões acumuladas nos anos anteriores em aspectos específicos.
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Assim, no cenário internacional observa-se um crescente processo de
institucionalização da ordem ecológica4, considerando-se a criação de regimes na
coordenação de políticas de cooperação entre os atores envolvidos. Neste sentido, o
Regime Internacional de Mudanças Climáticas busca ações coordenadas entre os atores
estatais na redução das emissões dos gases do efeito estufa e na mitigação do impacto
das mudanças climáticas. Entretanto, a intensa barganha que se desenvolve no
processo de negociação multilateral dentro do regime não oferece resoluções e
consensos a curto prazo, e o tratado de 1997, conhecido por Protocolo de Kyoto, reflete
a diversidade de interesses envolvidos. O Protocolo de Kyoto ainda não encontrou
consenso entre Estados em vários pontos, atrasando mais o alcance das metas
estabelecidas e o andamento do acordo.
O Brasil desde a Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(ECO/92), ocorrida em 1992, vem se destacando com uma política externa ambiental
fundada na perspectiva do desenvolvimento sustentável. Para tanto, sua participação se
faz presente não só nas convenções internacionais, envolvendo atores de todo o globo,
como também em acordo bilaterais e regionais, como se verifica dentro do âmbito do
MERCOSUL5. A execução de tais acordos deve levar em consideração, dentre outros
pontos, o processo constitucional previsto para ratificação e as demandas internas do
país.
A percepção da interação entre os níveis doméstico e internacional nas
negociações institucionais faz-se relevante para compreender a influência entre os
diversos grupos de interesse que atuam nos dois níveis. Para atender aos objetivos deste
trabalho, chamamos a atenção para o processo de execução dos tratados no plano
interno dos Estados, que lida diretamente com esta dinâmica. O foco deste trabalho
direciona-se à perspectiva teórica jurídica que lida com a recepção da norma
internacional no direito interno. Mas também busca trazer alguns elementos relativos à
implementação abordados pelas relações internacionais (herdados da Ciência Política),
na qual considera a influência dos atores domésticos. Por motivo de escopo do trabalho,
este segundo item não será explorado com a profundidade que requer, mas sim será
4 Ver VILLA, Rafael D. Agenda ecológica global e os regimes internacionais de meio ambiente. In: SOUZA, Matilde de (Org.). A Agenda Social das Relações Internacionais. Belo Horizonte: Ed. PUCMinas. 2005. Coleção Estudos em Relações Internacionais, pp. 159-160. 5 Ver decreto n. 5.208 de 17 de setembro de 2004 que promulga o Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul.
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apresentado como uma tentativa de aliar duas áreas que se interligam nos estudos sobre
cooperação internacional: Direito e Relações Internacionais.
Na tentativa de identificar o compromisso brasileiro na execução dos tratados6
ambientais, o presente trabalho analisa as principais medidas realizadas pelo governo
brasileiro em relação ao aquecimento global que estejam em consonância com os
acordos ratificados pelo Brasil em relação às mudanças climáticas. Para tanto, parte da
análise do Protocolo de Kyoto, o Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do
MERCOSUL, assim como do Plano Nacional de Mudanças Climáticas.
1. Cooperação, Regimes Internacionais e Direito
1.1. Cooperação Internacional
A cooperação é um tema central na relação entre os Estados e assume cada vez
mais espaço na condução de questões transnacionais e nas dinâmicas do sistema
internacional. É um recurso de interação útil na busca pela resolução pacífica de litígios
latentes ou efetivos e abarca as mais diversas áreas que vão desde as questões de
segurança consideradas high politics até aquelas concernentes a temática mais social
como meio ambiente e direitos humanos, até então consideradas low politics7 , mas que
assume importância crescente na agenda das relações internacionais.
Keohane (1984) faz uma importante distinção entre cooperação e harmonia. A
harmonia trata da situação na quais as políticas dos atores facilitam atingir o objetivo do
outro. Aqui, a busca do interesse próprio não prejudica os interesses dos outros,
portanto, quando a harmonia impera, não há necessidade de cooperar. Já a cooperação
requer que ações dos atores sejam trazidas para algum entendimento por um processo de
negociação que é normalmente visto como um processo de policy coordinations. A
cooperação então irá acontecer quando os atores envolvidos ajustam seus
6 Quanto a denominação de tratados, tecnicamente não há diferenças entre as diferentes terminologias (protocolo, acordo, tratado, convenção), A prática é que mantém terminologias diferentes por causa dos costurmes. "Tratado significa um acordo internacional concluído entre Estados em forma escrita e regulado pelo Direito Internacional, consubstanciado em um único instrumento ou em dois ou mais instrumentos conexos qualquer que seja a sua designação específica (grifo nosso)". MELO, Celso Delmanto de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. Vol. I, 13ª edição. Rio de Janeiro. Ed. Renovar; 2001, p. 200. 7 High politics são temas considerados de maior importância pelos atores internacionais dentro da agenda internacional em relação as low politics. As primeira geralmente se associam a questões relativas à segurança e interesses estratégicos, enquanto que os temas sociais costumam ser designados pela segunda opção.
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comportamentos às preferências dos outros por meio desse processo de coordenação de
políticas.
Em consideração a tais definições, entende-se que na ausência de harmonia,
existem dois caminhos: a discórdia e a cooperação. A discórdia se configura na situação
em que um governo entende a política de outro(s) governo(s) como prejudicial à
obtenção de seus objetivos. Nestas circunstâncias, governo de um país que percebe as
ações e políticas dos outros enquanto obstáculo irá buscar fazer com que os interesses
que representa prevaleçam e assim, atinja seus objetivos. Isto irá configurar numa
situação de conflito onde freqüentes desacordos levam às tentativas de ajustes de
políticas que pode agravá-lo quando encontram resistência.
Por outro lado, na existência do conflito, a cooperação se configura como
recurso na sua resolução, na tentativa de superá-lo via processos de negociação e
barganha. Neste processo, a conquista e manutenção de acordos reforçam os
mecanismos de cooperação.
O termo utilizado por Keohane8, conflito, pode configurar, inicialmente, uma
ideia de embate direto de interesses entre os agentes. Entretanto, cabe ressaltar que em
determinadas circunstâncias o “conflito” não se dá diretamente entre os agentes que
buscam cooperação, mas podem estar ligados a uma dinâmica mais geral. Neste caso, os
agentes buscariam a cooperação como forma de prevenir problemas e aumentar seu
potencial.
Como exemplo, pode-se citar alguns acordos cooperativos na área econômica,
onde o objetivo é promover o desenvolvimento da exportação de determinados produtos
e o acesso a outros. Os atores buscam acordos que os favoreçam mutuamente,
aumentando as chances de crescimento econômico entre ambas.
Em nosso objeto de estudo, o aquecimento global decorrente das mudanças
climáticas identificadas pelos cientistas tem um impacto mundial, envolvendo questões
transfronteiriças e exigindo a coordenação de políticas comuns de mitigação dos efeitos
nocivos da ação antrópica a partir da cooperação entre os atores estatais. Quando os
agentes estatais resolvem cooperar, instituições internacionais são formadas para
promover o ajuste e a coordenação de políticas, assim como para estimular um
comportamento dos agentes comprometido com a efetivação das diretrizes negociadas.
8 Ver KEOHANE, R. After hegemony: cooperation and discord in the word economy. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1994.
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1.2. Instituições, Organizações Internacionais e Regimes
A abordagem institucionalista emerge como uma perspectiva mais significativa
do papel das instituições na viabilização da cooperação do que a abordagem realista
poderia proporcionar. As teorias institucionalistas consideram as instituições como
estrutura de cooperação voluntária que busca a resolução de problemas de ação coletiva
e a promoção de benefícios. A idéia de que as instituições configuram meios de
promoção da cooperação, realização de certa margem de previsibilidade e regularidade
sobre as ações dos indivíduos é trabalhada por diversos teóricos, através de diferentes
caminhos e conclusões.9
As instituições quando adquirem uma estrutura permanente se caracterizam
como organizações formais multilaterais para o alcance de determinados fins. As
organizações internacionais são tidas como “uma associação de Estados estabelecida mediante um acordo internacional
por três ou mais Estados, para a realização de objetivos comuns, dotada de
uma estrutura institucional e com órgãos permanentes, próprios e
independentes dos Estados-membros.” (BARBÉ, 1995, p. 154)
Nesta perspectiva, Oliveira (2007) destaca características específicas
delineadoras deste tipo de instituição que a diferenciam de outras entidades associativas.
São elas: composição essencialmente interestatal, base jurídica convencional, estrutura
orgânica permanente e a independente autonomia dos Estados-membros. Portanto, as
organizações internacionais são uma forma institucionalizada, com status permanente e
estrutura burocrática própria, tendo como objetivo a cooperação entre os atores estatais.
A partir do exposto, faz-se importante distinguir tais instituições de estruturas formais e
burocráticas próprias dos chamados regimes.
Os regimes se configuram como instituições que buscam, via estabelecimento de
princípios, normas e regras a cooperação internacional em áreas específicas, gerando a
percepção de novas condutas comportamentais pelos atores na busca de soluções.
9 Ver PETER, Guy. El Nuevo Institucionalismo: teoria institucional en ciencia politica. Barcelona: Editorial Gedisa, 1999. Ver também E. OSTROM, Elinor. Governing the commons: the evolution of institutions for colletive action. Cambridge: Cambridge University Press, 1999; REIS, F. Wanderley. Política e racionalidade. Belo Horizonte: UFMG/PROED/RBEP, 1984 e OFFE, Claus. Political Institutions and social power: conceptual explorations. In SHAPIRO et all. Rethinking Political Intitutions: the art of the State. New York: New York University Press, 2006.
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O conceito tradicional de regime é apresentado em 1975 por Ruggie10, tendo
regime como “um grupo de expectativas mútuas, regras e regulamentos, planos,
energias organizacionais e compromissos financeiros que são aceitos por um grupo de
Estados”. Krasner (1982) também apresenta sua definição como: “... um grupo de princípios implícitos ou explícitos, normas, regras e procedimentos de decisão em torno dos quais as expectativas dos atores convergem em uma determinada área de relações internacionais. Os princípios são crenças de fatos e causação. As normas são padrões de comportamento definidos em termos de direitos e obrigações. As regras são prescrições ou proscrições para as ações e os procedimentos de decisões, as práticas para fazer e implementar as escolhas coletivas.” (p. 2)
A observação superficial dos conceitos acima pode induzir uma perigosa
percepção de regimes enquanto estruturas estáticas, quase imutáveis. Entretanto, neste
trabalho opta-se por adotar a perspectiva de Zartman (2003), na qual um regime vai
além das regras, normas, princípios e padrões de conduta associada à ideia de rigidez e
estabilidade. Pelo contrário, entende-se aqui regimes como um processo político de
barganha continuado, envolvendo negociações posteriores às iniciais, na medida em que
se faça necessário para a governança do regime e de seus reajustes.
O Regime Internacional sobre Mudanças Climáticas configura a instituição
internacional em análise na busca da ação cooperativa da comunidade internacional na
resolução de problemas decorrentes do fenômeno do aquecimento global.
Spector (2003) parte da dinâmica do regime para descrever importantes etapas
que envolvem as negociações dentro de sua estrutura. Identifica duas etapas dentro do
regime: as negociações iniciais que ele denomina como pre-agreement e as negociações
subseqüentes, denominadas de post-agreement. Nas negociações iniciais a preocupação
é na identificação de acordos necessários e atores interessados. Concentra-se mais no
estabelecimento de princípios e normas mais gerais que dê base para a formação do
regime. Já no post-agreement o foco é na implementação do estabelecido no acordo
inicial, sua viabilidade, assim como no trato com atores subnacionais e não-
governamentais. Entende-se essa fase como um processo dinâmico de promoção de
diálogo diante de questões não resolvidas no acordo inicial. De Spector considera com
mais precisão as fases de interação durante as negociações de um regime entre o nível
doméstico e o nível internacional. Importante ressaltar que as fases não acontecem de
forma hierárquica, mas podem acontecer concomitante e concorrentemente. São elas:
10 Ver KEOHANE, R. Op. cit.
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PLANO INTERNACIONAL
PLANO DOMÉSTICO
Formação de Regime: esta fase compreende as negociações para a fixação de normas e processo de governança em uma determinada área objeto de cooperação.
Ratificação: aceitação formal dos atores domésticos de cada Estado (quando previsto na constituição do país). Momento de debate formal e informal com atores governamentais e não governamentais
Governança do Regime: fase ligada a operacionalização e governança do regime.
Rule-Making: fase de adequar a legislação interna às mudanças necessárias para implementação nacional do regime. Criação ou adaptação de leis domésticas. Envolvimento de debate formal e informal. Atores legislativos e dos grupos interessados.
Ajustamento do Regime: alargamento ou contração do regime. Fase em que se ajusta o regime às novas demandas, informações, questões problemas, entre outros itens que flexibilizem o regime para as mudanças necessárias.
Enforcement, Monitoring and Reporting Negotiations: mecanismos e negociações relacionados à implementação dos novos regulamentos e legislações. Mecanismos de monitoramento, coerção e de distribuição e produção de informação são usuais nesta fase.
Quadro 1: Fases do Regime Internacional Fonte: Adaptado de Spector (2003).
Esta percepção dinâmica dos regimes leva em consideração a interação, também
dinâmica, dos níveis doméstico e internacional, no qual os interesses dos grupos
envolvidos, sejam grupos domésticos privados/públicos ou grupos
internacionais/transnacionais estatais/não estatais, influenciam-se mutuamente conforme
as possibilidades das fases descritas11.
Na década de 1990, discutiu-se a necessidade de se proceder a uma integração
mais cautelosa do pensamento referente à política interna e à tomada de decisões no
âmbito da política externa12. Young (1994), ao propor seu modelo alternativo de análise
baseado na barganha institucional (a partir do mainstream utilitarista), destaca que os
Estados enquanto entidades coletivas envolvem vários grupos cujos interesses
frequentemente diferem em relação a algum assunto. Isto gera uma extensa barganha
intra-parte, assim como a barganha inter-partes. Ao se pensar sob essa perspectiva,
pode-se perceber então que há uma consideração teórica do Estado não como um ser
unitário, mas sim como o resultado da interação de complexos interesses e grupos
domésticos que o compõe. É com Moravicski (1997) que esta perspectiva fica mais
clara, ao destacar que o liberalismo entende que o comportamento dos atores no sistema
11 Para base mais aprofundada, ver PUTNAM, Robert D. Diplomacy and domestic politics: the logic of two-level games. International Organization, Summer 1988, v.42 n3, MIT Press. 12 Ver DOUGHERTY, James E. e PFALTZGRAFF Jr, Robert L. Relações Internacionais: as teorias em confronto. Lisboa, Gradiva; 2003.Página 763.
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internacional é reflexo da barganhas, interações e formação de preferências na esfera
doméstica. As preferências formadas no âmbito estatal são guias do comportamento dos
Estados no sistema internacional. Os Estados nada mais são do que instituições dentro
de certo território que reflete o processo de barganha institucional.
Neste sentido, Putnam (1998), descreve a tomada de decisão em política
externa. Através da análise fundamentada nos jogos de dois níveis, discute a interação
da diplomacia com a política doméstica, assim como a interação dos atores nos níveis
internacional e nacional. Destaca a importância de se considerar os diversos grupos de
pressão no âmbito interno, ou seja, grupos domésticos que procuram alcançar seus
interesses pressionando o governo a adotar políticas favoráveis no âmbito internacional.
O caminho diplomático a ser realizado deve ser adaptado àquilo que os outros Estados
acharão aceitável, mas também àquilo que os vários grupos domésticos podem ser
persuadidos a aceitar.
1.3. Execução de tratados e o direito internacional
A compreensão da cooperação a partir da formação e negociação nos regimes
internacionais se associa com as contribuições do direito internacional em relação a
importância dos tratados e na compreensão jurídica específica de cada estado signatário
do regime na fase de ratificação. Cada estado tem suas normas internas relativas à
incorporação de tratados internacionais na legislação doméstica. Além de identificar
quais são estas normas no caso brasileiro, faz-se necessário apresentar duas concepções
teóricas que informarão o tipo de procedimento adotado.
Quanto à incorporação dos tratados internacionais ao direito interno prevalecem
as teorias dualista e monista, que discutem a existência ou não de duas ordens, uma
internacional e outra interna. Para a corrente dualista, há uma inegável separação entre
estas ordens. Afirma também que é o aspecto internacional que regula as relações entre
os Estados, enquanto que a convivência civil entre os indivíduos de um determinado
Estado é intermediada pela ordem interna. A teoria Dualista, que preceitua a existência
de duas ordens jurídicas distintas, deixa claro que não existe conflito entre elas, tendo
em vista que não há qualquer tipo de relação entre ambas, fazendo com que estes dois
âmbitos jurídicos corram paralelamente.
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Já para a teoria monista, as ordens internacional e interna seriam uma só, fariam
parte de um sistema único que compõe o ordenamento jurídico. Tal teoria se dá em
função do argumento de que, no caso do estado obrigar-se na ordem internacional, ele
estaria utilizando-se de sua soberania, soberania esta reconhecida pela própria ordem
internacional.
É importante ressaltar que a Constituição Federal Brasileira de 1988 não faz
menção expressa a qualquer uma das correntes, mas predomina a idéia de que o Brasil
adota a corrente dualista, ou seja, para que um tratado ratificado produza efeitos no
ordenamento jurídico interno é necessário que o Presidente da República emita um
Decreto Legislativo, com a finalidade de conferir validade jurídica e cumprimento ao
tratado. Tal fato revela que, no caso brasileiro, a norma derivada de um tratado
internacional não é aplicada diretamente, devendo ser transformada em norma do
ordenamento jurídico interno.
2. Abordagem histórica: meio ambiente na agenda internacional
O homem tem direito fundamental à liberdade, à igualdade e a condições de vida adequadas em ambiente cuja qualidade lhe permita viver com dignidade e bem-estar, e cabe-lhe a solene responsabilidade de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações atuais e futuras. A esse respeito condenam-se e devem ser eliminadas as políticas que promovem ou fazem durar o apartheid, a segregação racial, a discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão ou dominação estrangeira. (Declaração de Estocolmo. Princípio I. 1972)
2.1 – Considerações iniciais
Até poucas décadas atrás, pensar que a ação do homem pudesse causar danos
irreversíveis ao meio ambiente, a ponto de colocar em risco a vida da própria espécie
humana, não era uma hipótese considerada fora do círculo acadêmico. Parecia algo
distante da realidade, mais próximo de um roteiro de ficção. O assunto, até então
limitado ao meio científico, ganhou gradualmente espaço na pauta governamental, bem
como conquistou especial atenção de organizações internacionais, imprensa e setores da
sociedade civil.
Apesar de presente desde o início do século XX nas preocupações entre governos,
a temática ambiental tinha um papel pontual, ligado em grande parte as questões
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econômicas13. Será principalmente a partir da Conferência Internacional sobre Meio
Ambiente Humano, realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1972, na
cidade de Estocolmo, que o meio ambiente começa a ganhar espaço de peso na agenda
internacional. A partir de então, ganha cada vez mais importância e atenção dos
diversos atores internacionais, mas não sem evidenciar conflitos entre os atores estatais.
2.2. Meio ambiente e sua ascensão na agenda internacional
Aspectos ambientais não são objetos recentes de tratados entre estados. Antes da
Guerra Fria, quando não se faziam tão presentes os impactos da revolução industrial, as
preocupações estavam voltadas aos aspectos comerciais e da livre navegação em áreas
comuns entre os Estados (SOARES, 2003). Posteriormente, apesar de danos
transfronteiriços já se mostrarem presentes, uma percepção de caráter mais sistêmico em
relação às questões ambientais e os efeitos da ação humana sobre o meio ambiente
pouco se desenvolveu entre os estados, envolvidos na tensão da Guerra Fria.
O meio ambiente entendido enquanto valor autônomo no direito internacional e
integrado a uma visão sistêmica14 como percebido na atualidade é um fenômeno
relativamente recente, se destacando a partir da década de 1970. Antes desse período, a
concepção que permeava as discussões governamentais na área estava atrelada a uma
lógica reducionista, em que o meio ambiente era entendido como natureza stricto sensu,
sem se considerar o impacto da ação do homem sobre o seu meio15. A preocupação em
torno da questão ambiental nas primeiras décadas do século passado, atrelava-se a
preocupações de ordem econômica e pontual. Exemplo disso são as leis relativas à
regulamentação da pesca. A respeito de tais leis, Soares (2003) argumenta: O caráter utilitário das raras convenções (...) nada mais eram do que arranjos administrativos de natureza comercial, com vista na preservação dos cardumes de peixes, pela via de uma regulamentação uniformizada entre as legislações nacionais (e menos com a instituição de entidades internacionais de controle e aplicação das normas acordadas entre os Estados). (P. 39)
13 Ver SOARES, Guido Fernando Silva. Direito internacional do meio ambiente : emergência, obrigações e responsabilidades. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 39-41. 14 A teoria sistêmica surge na biologia e se expande para outras áreas do conhecimento, em contraposição à teoria reducionista. Nela o organismo é visto como um sistema integrado dotado de organização e interdependência. Os elementos que compõe o todo não atuam isoladamente, mas em uma constante interação entre si. Na esfera ambiental, essa teoria proporciona um salto qualitativo na visão de meio ambiente, onde o seu conceito passa a defini-lo não como um conjunto de elementos naturais sem conexão, mas sim um sistema integrado de interação da flora e fauna, onde o homem se interrelaciona, afetando o meio ambiente e sendo afetado. 15 SOARES, Op. Cit; p. 39.
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A revolução industrial, ocorrida há mais de dois séculos, proporcionou inúmeros
avanços tecnológicos e uma significativa mudança nas estruturas sociais, bem como na
relação do indivíduo com o meio. Entretanto, a busca incessante pela obtenção do lucro,
tornou-se foco de um processo de industrialização desenfreada, à margem de qualquer
planejamento de seu avanço sobre o meio sócio-ambiental, observado pelo crescimento
urbano descontrolado e pelos problemas relativos aos impactos ambientais. As
conseqüências do processo de industrialização iniciado na Inglaterra e expandido
principalmente aos países do hemisfério norte, começaram a ganhar proporções
negativas de grande porte e difíceis de camuflar.
A geração de uma série de efeitos prejudiciais ao meio ambiente, inicialmente
em âmbito local, depois evoluindo para a esfera regional, nacional e global, assim como
inúmeros acidentes ecológicos que provocaram elevados danos ambientais
transfronteiriços, chamou a atenção não só de cientistas, mas de toda a comunidade
internacional para o assunto, além de servir de alvo para a crescente opinião pública.
O período conturbado do entre guerras, bem como da Guerra Fria, direcionava
as atenções estatais para as tensões políticas e econômicas instauradas nas relações
internacionais e influenciava nas dinâmicas cooperativas entre blocos oposicionistas.
Até mesmo a tentativa de fortalecimento de fóruns multilaterais de cooperação era
atingida pela estrutura bipolar do sistema internacional. Reflexo disso se deu no âmbito
das Nações Unidas através do sistema de veto no Conselho de Segurança que, neste
período, acabava por se configurar como empecilho na agilidade das decisões, já que
tanto Estados Unidos como a então União Soviética utilizavam o poder de veto para
barrar propostas feitas um pelo outro. Entretanto, a partir de 1960, outros enfoques
ganharam espaço à mercê da situação bipolar protagonizada pelos Estados Unidos e
pela União Soviética.
As sociedades capitalistas com avançado estágio de desenvolvimento industrial e
econômico, como os EUA e países da Europa Ocidental, viram emergir uma opinião
pública mais crítica, questionadora e exigente, que se preocupava não somente com a
promoção das políticas sociais básicas (já que as necessidades essenciais como saúde,
educação e infra-estrutura estavam supridas), mas se focavam em questões consideradas
marginais nas Hight Politics do polarizado sistema internacional. Aliado a isto,
acrescenta-se o fato de que o impacto da ação antrópica motivada pela produção
industrial, pelo crescimento demográfico e urbano torna-se cada vez mais visível. Neste
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contexto, surge de forma crescente o debate em torno da temática ambiental, mas sob
uma nova perspectiva. Surge sob a ótica da interação do homem com o seu meio, a
responsabilidade sobre os impactos de suas ações e sobre a necessidade de preservação
para as gerações futuras.
A interdependência de todo sistema mundial através das questões relacionadas
ao meio ambiente, ficava cada vez mais evidente e exigia a tomada de decisões e ações
comuns para garantir a qualidade de vida.
2.3- As principais conferências ambientais16
2.3.1- Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente Humano
O debate da temática ambiental ganha importante atenção institucional na
agenda internacional com Conferência Internacional sobre Meio Ambiente Humano,
realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em Estocolmo, no ano de 1972 e
seus resultados principais, quais sejam:
• Dia Mundial do Meio Ambiente: 05 de junho;
• Incorporação definitiva do meio ambiente nas agendas multilaterais;
• Ampliação da noção de meio ambiente: abandono da visão reducionista
em prol da sistêmica;
• Nova atividade: princípio da cooperação internacional no âmbito
ambiental;
• PNUMA: Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP
em inglês): com 58 países com um Fundo Internacional do Meio
Ambiente (FMA ou GEF). Os países ricos destinam parte do seu PIB que
será gerenciado pelo PNUMA;
• Estímulo à criação de órgãos ambientais nacionais em dezenas de países;
• Plano de ação: os dois principais tópicos são: 109 recomendações
ambientais aos países e o plano vigia que incorpora monitoramento por
satélite da situação global ambiental;
• A Declaração de Estocolmo: texto com 26 princípios. É o primeiro
documento internacional tratando do meio ambiente.
16 Ver LAGO, André Aranha C. do. Estocolmo, Rio e Joanesburgo: o Brasil e as três conferências ambientais das Nações Unidas. Brasília: IRBr/FUNAG, 2006.
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O mundo pós-Estocolmo fortaleceu o debate ambiental através da realização de
inúmeros tratados e conferências em diversas áreas ambientais específicas, com a
declaração em 1978 dos 15 princípios norteadores (Draft Principles), da Carta da
Natureza em 1982 (mais ambiental do que política) e principalmente com o Relatório
Brundltland (1987) que se desenvolveu em torno de três objetivos:
1. exame crítico da situação mundial;
2. propor novas formas de cooperação internacional;
3. compatibilizar desenvolvimento econômico e meio ambiente (pivô da
crise entre o eixo norte-sul, como se verá adiante).
O resultado foi a criação do amplo conceito de “desenvolvimento sustentável”.
No relatório da COMISSÃO MUNDIAL SOBRE O MEIO AMBIENTE E
DESENVOLVIMENTO (1988), desenvolvimento sustentável é entendido como aquele
que “satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras
gerações satisfazerem suas próprias necessidades”.
2.3.2 - Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
A questão ambiental ganhou maior intensidade e sistematização no debate a
partir do fim da guerra fria, constituindo grande marco a realização da Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO 92), realizada em 1992
na cidade do Rio de Janeiro. Apesar das grandes crises econômicas que invadiram a
década de 1970 com do choque do petróleo (1973 – 1979) e o aumento da dívida
externa dos países em desenvolvimento, seu salto qualitativo foi trazer a solução
apresentada pelo Relatório Brundtland, depois de anos de debate, sobre a então
incompatibilidade entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental. A saída é
dada pela adoção do desenvolvimento sustentável, onde o crescimento econômico é
realizado de modo a causar o menor impacto possível no meio ambiente, promovendo o
desenvolvimento sócio-ambiental. A ECO-92 é considerada a maior conferência sobre o
assunto, com 178 países representados (sendo que no período a ONU tinha 180 países
membros).
Após esta conferência, diversas medidas foram tomadas com o objetivo de
concretizar essa nova percepção na gestão ambiental mundial, que deveria envolver
todos os atores sociais e atuantes interna e externamente ao Estado na garantia da
qualidade de vida. Destacam-se:
15
15
• A adoção de documentos soft law, tal como a Declaração do Rio (com
27 princípios com foco no desenvolvimento sustentável), Declaração
sobre Florestas e a Agenda 21.
• A Agenda 21 é um texto global não obrigatório que estabelece metas de
ação para a promoção do desenvolvimento sustentável, onde cada país se
compromete a desenvolver sua própria Agenda 21 em cima dos 4 pontos
seguintes:
1. definição do problema;
2. possíveis soluções;
3. atores envolvidos;
4. meios de implementar as soluções apresentadas.
• A partir do impacto das pesquisas científicas divulgadas através do
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC/ONU), o
aumento do debate promovido pelos atores internacionais, especialmente
a mídia, Ong’s e Organizações Internacionais, atuou como forma de
pressão para ações mais efetivas e comprometidas por parte dos Estados,
responsáveis pela implantação nas políticas públicas internas deste novo
modelo de gestão.
• A Convenção-quadro que foi ratificada no ano de 1997 em Kyoto
(Protocolo de Kyoto) que traz compromissos mais concretos na ação
estatal. Apesar da adesão da imensa maioria dos Estados, países com alto
índice de poluição como os Estados Unidos, não ratificaram o
documento, iniciando novas rodadas de negociação.
2.3.3 – Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável (Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável)
Ao sucesso conferido a ECO-92 seria delineada uma perspectiva positiva no
processo de cooperação entre os Estados (e atores não-estatais) nos assuntos ambientais.
Entretanto, questão como a globalização é vista por estudiosos como um entrave a essa
dinâmica. Nesta linha, LAGO (2006) observa que: A perspectiva de que o desenvolvimento sustentável seria a base de um novo paradigma de cooperação internacional, no entanto, revelou-se ilusória, uma vez que o processo de globalização se sobrepôs. O desenvolvimento sustentável não é necessariamente incompatível com a globalização: para muitos, ao contrário, a preocupação com o meio ambiente é uma das
16
16
conseqüências da globalização. Entretanto, vários aspectos apontam para as dificuldades que a globalização representa para a tentativa de se impor o desenvolvimento sustentável como novo paradigma, como a incompatibilidade entre o crescimento das empresas transnacionais e a mudança dos padrões de produção e consumo.” (pp.85-86)
Portanto, apesar dos avanços jurídicos e técnicos que pudessem levar a um
contexto de cooperação, convivia-se com grande dificuldade de implementação dos
princípios levantados em 1992. Junto a isso, o fato de a década de 1990 ter constituído
um período de grande crescimento econômico, avanço tecnológico, expansão do modelo
capitalista de desenvolvimento (exemplo chinês), sem contar a dissolução da estrutura
bipolar com o fim da guerra fria; proporciona o avanço da globalização e com ela da
disseminação dos padrões ocidentais de consumo e de vida (a exemplo do norte-
americano), agravando ainda mais o progresso do desenvolvimento sustentável.
Foi dentro deste contexto que se realizou a Cúpula de Joanesburgo, na tentativa
de colocar em prática os princípios da ECO-92. De pouca expressão em relação às duas
conferências analisadas anteriormente, a conferência de Joanesburgo, realizada em
2002, objetivava implementar o Protocolo de Kyoto. Sobre análise da eficácia do
multilaterismo diante do contexto citado, LAGO observa “o sistema multilateral, que
parecia haver-se fortalecido no Rio, tornara-se referência de insucesso pela falta de
resultados.” (pg. 87).
Realizada poucos meses após as Conferências de Doha e de Monterrey, a Cúpula
de Joanesburgo demonstrou estreita relação com as agendas do comércio, financiamento
e meio ambiente.Recebendo mais críticas do que aplausos, seu mérito foi a afirmação de
pontos cruciais para o desenvolvimento, principalmente para os países em
desenvolvimento. Dentre eles podemos citar: erradicação da pobreza (com a decisão
política de criação do fundo mundial de solidariedade para erradicação da pobreza),
políticas de saneamento, água, saúde, produtos perigosos, pesca e biodiversidade.
Importante destacar que desde a ECO-92 importantes negociações se
desenvolveram, como se viu com o Protocolo de Kyoto e as reuniões das Conferências
das Partes, assim como o tema ganhou grande espaço na mídia internacional,
principalmente com a divulgação dos relatórios do IPCC, Painel Intergovernamental
sobre Mudanças do Clima, que realiza estudos ambientais feitos por cientistas de todo o
mundo sobre os impactos da ação humana no meio ambiente.
As principais causas de aceleração das mudanças climáticas se desenvolvem a
partir de três aspectos: o crescimento demográfico mundial, a expansão urbana e o
17
17
paradigma tecnológico-desenvolvimentista. (VILLA, 2005). O IPCC, na investigação
do impacto da ação humana sobre o meio, utiliza-se de recursos científicos a fim de
fornecer uma base teórica para entendê-lo.
O relatório do IPCC coloca a necessidade de diminuição entre 50% a 85% das
emissões de dióxido de carbono (CO2) até a metade deste século para que seja possível
preservação do planeta. Apesar de conter afirmativas alarmantes, os dados científicos
sustentam tais argumentos e já é possível sentir no dia-a-dia os efeitos do aquecimento
global desde as mudanças bruscas de temperatura, até a ocorrência além do normal de
vários desastres naturais. Em 2007, o IPCC publica o seu mais impactante relatório,
divulgado em diversas partes e concluído em novembro, provocando discussões
calorosas em todas as esferas de decisão.
O documento representa um grande avanço, pois atua como pressão para que
medidas governamentais eficazes sejam tomadas desde já, além de responsabilizar
também o indivíduo sobre os acontecimentos ambientais, o que estimula um senso de
responsabilidade social e ambiental, além da ação conjunta entre governo e sociedade.
Neste sentido, a Carta de Brasília, fruto do Seminário Internacional "Agenda 21 Local e
Desenvolvimento Sustentável nas Cidades do Mercosul"17 também constitui importante
documento de orientação dentro do Brasil, reafirmando as diretrizes de ação nacional
em prol do desenvolvimento sustentável e da responsabilidade ambiental. Alerta sobre a
crise ambiental que vivenciamos e mostra a amplitude de sua dimensão, que vai além
dos pontos estritamente ecológicos. Embora a questão ambiental seja hoje amplamente debatida e divulgada na comunidade internacional, assistimos, nos últimos anos, a um agravamento da crise ambiental planetária, com o modelo dominante de produção e consumo induzindo um estilo de vida insustentável e excludente, que ameaça a continuidade da vida no nosso planeta. (...) A crise ambiental não é uma crise somente ecológica é, também, social, política e cultural, cujo enfrentamento requer uma ação global em prol de um novo modelo civilizatório.
2.4. O Regime Internacional sobre Mudanças do Clima
Após a Convenção de Viena e o seu Protocolo de Montreal18, onde foi
estabelecido pelos Estados um importante mecanismo de cooperação na redução do
17 Realizado na cidade de Brasília nos dias 11 e 12 de dezembro de 2006 e organizado pelo Ministério do Meio Ambiente. 18 Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destróem a Camada de Ozônio, adotado em Montreal em 16 de setembro de 1987.
18
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buraco na camada de ozônio, outro tema ambiental demandou a cooperação dos
Estados, levando à criação de um regime: o problema da mudança climática no planeta.
A partir do alerta do IPCC criou-se a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre
Mudanças Climáticas, aberta à assinatura dos Estados durante a ECO 92. Entrou em
vigor em 1994 e no ano de 1997 adotou-se o Protocolo de Kyoto que estabelece metas
específicas à redução dos gases de efeito estufa que contribuem para o aquecimento
global. Em seu Anexo I, estabelece metas obrigatórias para os países desenvolvidos,
baseadas no princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada sem vinculação de
metas obrigatórias para os países em desenvolvimento. Entrou em vigor em 2005 e tem
nas sessões da Conferência das Partes sua instância de negociação e ajustamento de
implementação. Sobre a convenção quadro, Soares (2002) esclarece: Neste modelo, o que os estados fazem é estabelecer um tratado que é um quadro – na verdade quadro é uma expressão muito mal traduzida de cadre, em francês, framework, em inglês ou marco em espanhol, que deveria ter sido traduzida por moldura. O estado estabelece uma moldura normativa de direitos e deveres e deixa à conferência das partes, e a outras instâncias, o dever e o poder de pintar aquele quadro, ou seja, preencher aquele quadro sem sair da moldura. (Pág. 177)
Atualmente o Regime Internacional de Mudanças Climáticas – RIMC, vive uma
fase de ajustamento. O Protocolo de Kyoto estabelece metas iniciais a serem cumpridas
pelos Estados membros até 2012. Estava previsto um protocolo substitutivo ao fim deste
prazo. Para tanto, desde 2007 iniciou-se um processo de discussão no âmbito do RIMC
que tem por objetivo identificar os impasses de implementação doméstica e de
cumprimento das metas iniciais de modo a configurar uma nova fase da cooperação
através da elaboração de um protocolo substitutivo. Entretanto, até então, as
Conferências das Partes e as negociações ocorridas ao longo do ano têm se mostrado
insuficiente para a deliberação do tão esperado acordo para 2012. A expectiva estava na
COP 15, ocorrida em dezembro de 2009 na Dinamarca. Entretanto, após um exaustivo
ciclo de debates e negociações o êxito alcançado se limitou a um declaração de
intenções, sem compromissos obrigatórios assumidos e um forte clima de frustração
entre os atores estatais e entre os atores não estatais que acompanham as negociações. A
COP seguinte também não se configurou como o marco final das discussões, estando
ainda em aberta as expectativas por um acordo qualitativo, mesmo que em cima do
prazo, que possibilite metas mais ambiciosas, a ratificação pelos EUA e a solução para a
questão dos países emergentes.
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2.4.1. O Brasil e as negociações dentro do regime
A atuação brasileira dentro das negociações do Protocolo de Kyoto merece
destaque. Fruto da Convenção Quadro sobre Mudanças do Clima, o Protocolo foi
adotado 1997, mas só entrou em vigor em 2005. Ele prevê metas específicas para a
redução dos gases do efeito estufa para os países constantes do Anexo I ao protocolo. O
Brasil participou ativamente desde a formulação da Convenção do Clima, na ECO 92
lançando alguns pressupostos que marcariam o Protocolo. Desde a ECO 92, o Brasil
trouxe a defesa do princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada que atribui
aos países desenvolvidos maior atuação para fazer frente ao problema da elevação da
temperatura média da Terra. Tal princípio resultou na figura do controvertido Anexo I
no Protocolo de Kyoto, onde lista os países que ficaram com a obrigação de reduzir as
suas emissões de gases do efeito estufa, com a estipulação de metas de redução
constante no protocolo.
O Brasil é um árduo defensor de tal princípio, por entender em sua política
externa que os países desenvolvidos são os grandes responsáveis pelo atual estágio de
degradação ambiental, já que eles iniciaram e desenvolveram-se com base no processo
industrial de crescimento econômico, altamente nocivo para o meio ambiente por, entre
outros fatores, explorar exaustivamente os recursos naturais e utilizar tecnologia
poluente. O argumento se materializa na idéia de que os países em desenvolvimento,
por terem começado tardiamente seu processo de industrialização, não podem ser
responsabilizados de igual maneira pela degradação ambiental. Além do mais, a
imposição de metas aos países desenvolvidos, além de ser considerado um acerto
histórico, é também viável, já que os mesmos possuem recursos e tecnologia limpa para
alcançar a proposta do desenvolvimento sustentável. Sobre o assunto, Vargas (2004)
esclarece: As assimetrias que marcam o sistema internacional requerem que os esforços que buscam lidar com as mudanças ambientais, em particular aquelas de caráter global, levem em consideração as distintas responsabilidades históricas, especialmente das sociedades mais avançadas, pela deterioração do meio ambiente global, bem como as diferentes capacidades das nações de responderem aos desafios colocados por aquelas mudanças. (VARGAS, pág. 120)
A posição brasileira dentro das negociações no Regime Internacional sobre
Mudanças Climáticas engloba a transferência de recursos e tecnologia limpa dos países
desenvolvidos para os em desenvolvimento, assim como defende os Mecanismos de
20
20
Desenvolvimento Limpo (MDL), no qual foi inicialmente proposto como criação de um
fundo de recursos para que os países em desenvolvimento pudessem investir em
práticas de desenvolvimento sustentável.
2.4.1.1. Vantagens e desvantagens brasileiras nas negociações
Com uma rica biodiversidade e importantes reservas de recursos naturais, o país
se destaca por sua matriz energética relativamente limpa, com emissão de gás carbônico
(per capita) reduzida. Entretanto, grande quantidade de gás carbônico emitido pelo
desmatamento das florestas tropicais brasileiras, a exploração indiscriminada dos
recursos naturais, assim como a falta de políticas públicas ambientais eficazes mostram
o longo caminho a ser percorrido.
Um importante aspecto ressaltado pela posição brasileira é a de que o princípio
da responsabilidade comum, porém diferenciada também se justifica pelas diferentes
fontes poluentes utilizadas. Aponta que o uso de combustíveis fósseis, utilizados em
grande escala nos países industrializados, emite maior quantidade de gases do efeito
estufa. Dentro deste argumento é possível apresentar as vantagens que o Brasil possui
dentro das negociações, justamente por sua matriz energética.
Gráfico 1. Oferta Interna de Energia – Brasil 2007 (%)
* Fonte: Plano Nacional de Mudança do Clima a partir de dados do Balanço Energético Nacional – 2008.
O país tem como principal vantagem sua matriz energética e os investimentos
crescentes na produção da mesma. Ele conta hoje com uma das matrizes mais limpas do
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21
planeta, com 46% de sua energia vinda de fontes renováveis, de natureza limpa e
diversificada, números que revelam que a emissão global nacional é pequena em relação
aos demais países do globo e, portanto não refletem a tendência mundial, que possui
grande parte de sua energia produzida a partir de fontes não-renováveis, conforme
salienta o Plano Nacional de Mudança do Clima (PNMC): O setor energético brasileiro, relativamente aos demais países, é extremamente limpo e, um dos maiores desafios é sustentar esta condição, considerando a crescente demanda de energia elétrica. Atualmente, a matriz energética conta com uma participação de 45,8% de renováveis enquanto a média mundial é de 12,9 %.
Os investimentos brasileiros no desenvolvimento e produção das matrizes
energéticas se dão através do estímulo à disseminação e ao uso de energia limpa e
oferecem ao país uma grande vantagem comparativa como produtores de energia
limpa19.
Diferentemente do que ocorre nos países desenvolvidos, a maior parte das
emissões de CO2 no Brasil é proveniente da mudança no uso da terra, os desmatamentos
e as queimadas que respondem por cerca de 75% do dióxido de carbono produzido no
Brasil. Desse total, 59% são provenientes da Amazônia.
Gráfico 2. Emissões de CO2 por setor - 1994
* Fonte: Plano Nacional de Mudança do Clima.
19 Segundo o Plano Nacional de Mudança do Clima: Os biocombustíveis brasileiros como o etanol, e em menor escala o biodiesel, são fontes de riqueza inconteste para o País. Sua produção gera renda no campo e sua utilização desloca fontes fósseis que tanto impactam no clima, quanto na qualidade do ar que se respira. O fomento à crescente substituição de fontes fósseis no setor de transportes brasileiro poderá permitir um aumento médio anual do uso de etanol de 11% nos próximos anos.
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Conforme verificado no gráfico acima, o Brasil tem encontrado problemas no
enfrentamento do desmatamento e do mau uso da terra, principalmente no que concerne
à conversão de florestas para uso agropecuário. É importante ressaltar que grande
porcentagem do desmatamento ocorre na região amazônica, demandando do governo
brasileiro políticas públicas intersetoriais que possam atuar na prevenção e mitigação
deste problema.
Gráfico 3. Evolução das Taxas de Desmatamento na Amazônia
*Fonte: Plano Nacional de Mudança do Clima
A diplomacia brasileira, no âmbito das negociações do Regime Internacional de
Mudanças Climáticas, reconhece a necessidade de políticas mais efetivas no combate ao
desmatamento, entretanto aponta a necessidade de transferência de recursos e tecnologia
limpa aos países em desenvolvimento, assim como destaca o papel das matrizes
energéticas renováveis: "Conscientes de que nossa principal fonte de emissões é o desmatamento, propusemos, no âmbito da Convenção Quadro, um sistema de incentivos positivos pelo qual os países desenvolvidos, que - pela letra da Convenção - têm a obrigação de fornecer ou facilitar recursos financeiros e tecnologia para combater a mudança do clima em países em desenvolvimento, possam complementar nossos esforços de reduzir as emissões por desmatamento.(...) Ainda assim, é bom que se diga que se, por hipótese, acabássemos com o desmatamento, no Brasil e no mundo inteiro, não solucionaremos os problemas apresentados pela mudança do clima. A única forma de fazê-lo efetivamente é mudar progressivamente a matriz energética mundial, introduzindo fontes renováveis e limpas” (SERRA, 9).
Entretanto, é importante destacar que o país adota medidas domésticas que
visam fortalecer sua posição de interlocutor ativo no âmbito das negociações do RIMC.
Neste sentido, o anúncio de metas de redução para o país entre 36% e 39% a serem
alcançadas até 2020 veio fortalecer esse papel. Entretanto, o grande desafio de controle
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dos desmatamentos ilegais em território nacional, especialmente na Amazônia, podem
comprometer tal compromisso no âmbito das metas voluntárias. Por outro lado, ao
tomar a iniciativa de estabelecer tais metas, o Brasil atenua a tensão dentro do RIMC no
qual países industrializados pressionam os países não Anexo I, principalmente os países
emergentes, a assumirem metas. Deste modo também, o país avança mais um passo em
sua legitimação de interlocutor, estimulando a adoção de metas voluntárias por outros
países fora do Anexo I. Porém, apesar da iniciativa, o estatus de metas voluntárias ainda
não satisfazem as posições de países como os Estados Unidos no cumprimento das
responsabilidades a encargo dos países com metas obrigatórias.
3. Incorporação de tratados internacionais no direito brasileiro e as fases de
ratificação e rule-making do Regime Internacional de Mudanças Climáticas
Acordos internacionais multilaterais, como é o caso do tratado proveniente da
CQNUMC têm seu momento inicial na realização da própria convenção internacional,
onde ele será publicado mundialmente. Os países interessados em participar
comparecem e dão início, conforme já exposto, a fase da negociação, que se dá por
votação e na qual serão decididos quais os temas que farão parte do conteúdo do tratado.
Ao término da votação, os Estados que desejarem realiza a assinatura do mesmo. Essa
assinatura atesta sua concordância com o texto e as resoluções do tratado que uma vez
assinado, entretanto a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969) prevê a
ratificação interna aos Estados para validar seu compromisso, através de um ato
discricionário manifestando a vontade estatal de se submeter ao tratado sendo assim
considerada a importância do âmbito doméstico na negociação internacional.
Nesta fase, após a assinatura, o tratado será transformado em projeto de lei e
submetido ao Congresso Nacional, que emite sua aprovação através de um decreto
legislativo para que posteriormente o Presidente da República possa ratificá-lo. Fato que
demonstra que o poder executivo depende, para comprometer externamente o Estado,
de algo mais que sua própria vontade. Antes de tudo, um comprometimento estatal
internacional envolve uma gama de interesses domésticos e de grupos de pressão
internos que afetam o posicionamento durante as negociações, que por sua vez são
afetados também pelos interesses internacionais presentes durante a barganha
institucional. Após a promulgação e publicação pelo presidente, o tratado adquire
vigência no ordenamento jurídico interno com hierarquia de lei federal ordinária.
24
24
Regra geral, as normas previstas nos tratados internacionais ingressam no direito
nacional como atos normativos infraconstitucionais. Em nossa Constituição não há
disposição que mencione exatamente seu lugar no ordenamento, ou seja, se estes
tratados estariam abaixo das leis ou a elas se sobreporiam em caso de conflito, se as
revogariam ou se seriam por elas revogadas.
No caso da ratificação da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre
Mudanças do Clima o governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação da
Convenção Quadro das Nações Unidas, em 28 de fevereiro de 1994, passando a mesma
a vigorar, para o Brasil, em 29 de maio de 1994 a partir da aprovação do texto da
Convenção pelo Decreto n.01, de 03 de fevereiro de 1994. O decreto n.2.652, de 1º de
julho de 1998 promulgou a convenção no território brasileiro, que fora assinada pelos
países em 9 de maio de 1992.
O protocolo de Kyoto, que compõe a Convenção (vinculada ao regime jurídico
internacional sobre mudança do clima), foi adotado em dezembro de 1997. O Decreto
n.144, de 20 de junho de 2002 aprovou o texto e em 23 de agosto de 2002 o governo
brasileiro ratificou o protocolo após as discussões iniciadas um ano antes no Congresso
Nacional. O Decreto n. 5445, de 12 de maio de 2005 promulgou o documento após a
sua entrada em vigor internacional a partir de 16 de fevereiro de 2005.
Após a ratificação do protocolo, o governo brasileiro aprovou por via do Decreto
Legislativo n. 333, de 24 de julho de 2003, o texto do Acordo-Quadro sobre Meio
Ambiente do Mercosul, celebrado em Assunção em 22 de junho de 2001. O governo
brasileiro depositou seu instrumento de ratificação em 9 de outubro de 2003 e o referido
acordo entrou em vigor internacional em 23 de junho de 2004. Por fim, o Decreto n.
5.208, de 17 de setembro de 1994.
3.1. Fase rule-making
A ratificação dos tratados internacionais referentes à mudança climática por si só
não demonstra o comprometimento brasileiro na implementação do regime. Apesar de
serem essenciais a correlação de todas as fases descritas por Spector, no presente artigo
direcionaremos maior atenção para o processo de produção de normas que contemple os
princípios e compromissos assumidos pelo Brasil no regime.
Em conseqüência da proposta brasileira que incorpora o princípio da
responsabilidade comum, mas diferenciada no âmbito das negociações do regime, os
25
25
países ausentes do Anexo I não possuem metas de redução. Apesar do Brasil não
possuir obrigações quantificadas de redução, o país não está isento de responsabilidade
frente à Convenção.
Uma das principais obrigações brasileiras como país signatário da CQNUMC é a
elaboração e atualização periódica do Inventário Nacional de Emissões e Remoções
Antrópicas de Gases do Efeito Estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal. O
Brasil apresentou seu primeiro inventário em dezembro de 2004. O inventário é feito a
partir das diretrizes do IPCC e das diretrizes designadas para a elaboração das
comunicações nacionais das partes não incluídas no Anexo I da Convenção do Clima e
inclui apenas as emissões e remoções de gases de efeito estufa causados pela ação
humana (antrópica). Para tanto, as emissões foram estimadas a partir dos seguintes
setores: energia, processos industriais, uso de solventes e outros produtos, agropecuária,
mudança no uso da terra e florestas, e tratamento de resíduos. Assim como o país realiza
seus inventários, algumas iniciativas estaduais são destacadas como a produção de
inventários no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.
Outras obrigações remetem à cooperação científica, técnica e educação no
âmbito da temática ambiental; comunicações nacionais com informações sobre
programas nacionais e atividades empreendidas em conformidade com o artigo 10 do
protocolo e de acordo com as decisões pertinentes da Conferência das Partes; assim
como na elaboração e elaboração de programas nacionais que contenham medidas para
mitigar os impactos sobre o meio e para facilitar uma adaptação adequada à mudança do
clima.
No âmbito do MERCOSUL, o Brasil também se direciona pelos princípios da
Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvido (1992) presentes no
Acordo-Quadro de Meio Ambiente do MERCOSUL. Os compromissos assumidos
pelos Estados Parte, dentre outros, reforçam a diretriz do desenvolvimento sustentável20,
da pesquisa científica, da cooperação tecnológica e busca, dentro da realidade
apresentada, uniformizar as legislações internas para a promoção do equilíbrio
ambiental.
20 Art. 4º O presente Acordo tem como objetivo o desenvolvimento sustentável e a proteção do meio ambiente mediante a articulação entre as dimensões econômica, social e ambiental, contribuindo para uma melhor qualidade do meio ambiente e de vida das populações.
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Dentre as questões de redução obrigatória, o governo brasileiro promove
medidas nacionais para o combate ao desmatamento21 e uso de combustíveis fósseis.
Quanto às de caráter voluntário, o Estado Brasileiro investe, dentre outros, na promoção
de Mecanismos e Desenvolvimento Limpo (MDL)22, no incentivo à eficiência
energética, na gestão de resíduos, na produção limpa, nos sistemas agro-silvo-pastoris e
plantio direto na agricultura.
As responsabilidades ambientais assumidas no âmbito do Regime Internacional
e do MERCOSUL ganham atenção crescente no contexto brasileiro com o lançamento,
em primeiro de dezembro de 2008, do Plano Nacional das Mudanças do Clima, fruto do
Programa Nacional de Mudanças do Clima, onde é apresentado um diagnóstico interno
das fontes poluentes nacionais, assim como meios e metas internas para fazer frente a
elas. O objetivo é “incentivar o desenvolvimento das ações do Brasil colaborativas ao
esforço mundial de combate ao problema (ambiental) e criar as soluções internas para o
enfrentamento de suas conseqüências”. (PNMC, p. 7). Nele são identificadas duas
vertentes principais de atuação: aumentar a eficiência no uso dos recursos naturais do
país e equacionar as mudanças no uso da terra com suas implicações nas emissões
brasileiras de gases do efeito estufa. “Neste contexto, mesmo não tendo obrigações quantificadas de reduções de emissões no âmbito do CQNUMC, por não ter responsabilidade histórica significativa pelo acúmulo de gases do efeito estufa na atmosfera, o Brasil vem buscando encontrar um caminho onde o esforço de mitigação da mudança do clima seja efetivo e a garantia do bem-estar de seus cidadãos a principal variável”. (PNMC, p. 8)
É importante destacar que os compromissos assumidos pelo Brasil e os demais
países em desenvolvimento estão condicionados ao financiamento e transferência de
tecnologias por parte dos países desenvolvidos (CQNUMC, p. 4.7).
O direito interno brasileiro é receptivo às diretrizes no âmbito do Protocolo de
Kyoto e do Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do MERCOSUL23, seja pela própria
Constituição Federal de 1988 que logrou importante papel à proteção ambiental, como
pela Lei n. 6938, de 31 de agosto de 1981 que dispõe sobre a Política Nacional do Meio
Ambiente. São inúmeras as iniciativas legislativas ocorridas desde a entrada do país na 21 Exemplo disto é o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM) que resultou na diminuição de 59% da taxa anual de desmatamento neste bioma entre os anos de 2004 e 2007. 22 Os MDLs possuem grande destaque nas diretrizes brasileiras de implementação, explorando o potencial energético país, assim como territorial e a disponibilidade de recursos naturais presentes no Brasil. 23 Na condição de tratado internacional, tanto a CQNUMC, o Protocolo de Kyoto e o Acordo-Quadro Sobre Meio Ambiente do MERCOSUL foram recepcionados pelo ordenamento jurídico brasileiro com base nos artigos 49 e 84 da Constituição Federal de 1988.
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CQNUMC, sendo importante destacar o favorecimento de princípios do MDL na
produção legislativa24. Entretanto, atuando diretamente sobre o objeto do Regime
Internacional de Mudanças Climáticas, o governo brasileiro apresentou ao Congresso
Nacional, em 5 de junho de 2008, o projeto de lei n. 3.535 que propõe a Política
Nacional sobre Mudança do Clima e fixa seus objetivos, princípios, diretrizes e
instrumentos, assim como orientará a elaboração de planos, programas e ações
nacionais e estaduais.
Identificar a produção legislativa com vistas à implementação do regime requer
destacar também iniciativas para o envolvimento dos outros atores no processo de rule-
making. Neste sentido, destaca-se o envolvimento de uma estrutura burocrática
diversificada para implementação através da criação do Fórum Brasileiro de Mudanças
Climáticas25 e o Comitê Interministerial de Mudança do Clima26.
O primeiro é presidido pelo Presidente da República e é composto por
representantes do setor empresarial, da sociedade civil, da academia, Organizações Não-
Governamentais, ministros de estado, presidentes de agências reguladoras, além de
secretários estaduais de meio ambiente. É, portanto, um espaço institucional de atuação
dos diversos grupos de interesses domésticos e tem por objetivo “(...) conscientizar e
mobilizar a sociedade para discussão e tomada de posição sobre os problemas
decorrentes da mudança do clima por gases de efeito estufa, bem como sobre o
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo” (Decreto n. 3.515/00).
O Comitê Interministerial de Mudança do Clima é coordenado pela Casa Civil
da Presidência da República e é composto por órgãos federais mais o Fórum Brasileiro
de Mudanças Climáticas. Contabiliza-se o envolvimento de quinze ministérios, além da
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, sendo os outros de
interesse não-estatais representados pelo Fórum. O objetivo do comitê é elaborar a
Política e o Plano Nacional de Mudança do Clima com a colaboração das contribuições
dos atores estatais, da sociedade civil, grupos privados e do legislativo.
Em relação ao legislativo destaca-se a criação da Comissão Mista Especial de
Mudanças Climáticas do Congresso Nacional, por meio do Ato Conjunto n. 01/2007,
24 Alguns exemplos de legislações que favorecem o MDL: Lei 10.438/02 que cria o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA); a lei 11.097, de 14 de janeiro de 2005 que inclui o biodiesel na matriz energética brasileira. Em 2004 o poder executivo publicou os Decretos 5.297 e 5.298, os quais referem-se a redução dos tributos PIS/PASEP e COFINS na comercialização e produção do biodiesel e redução do IPI sobre o mesmo produto, respectivamente. 25 Através do Decreto n. 3.515, de 20 de junho de 2000. 26 Através do Decreto n.6.263, de novembro de 2007.
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com o objetivo de acompanhar, monitorar e fiscalizar as ações relativas às mudanças do
clima no país. O relatório final foi encaminhado para apreciação nos ministérios e inclui
algumas proposições legislativas em tramitação no Senado Federal e na Câmara dos
Deputados relativas à matéria (ver item IV.3.2 do relatório final da comissão).
Por fim, cabe expor a abertura de alguns espaços institucionais para o
envolvimento de outros atores doméstico na implementação do Protocolo de Kyoto
através do Decreto n. 6.263/2007 que estabelece processos de consulta pública visando
à transparência do processo de elaboração do Plano Nacional de Mudança do Clima e à
participação popular. Neste processo ocorreram consultas públicas como a III
Conferência Nacional de Meio Ambiente e os “Diálogos Setoriais” que constituíram em
reuniões do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas.
Considerações Finais
A dimensão transfronteiriça relacionada ao tema da mudança climática global,
demanda esforços de cooperação entre os Estados e a aplicação doméstica das normas,
princípios e regras do regime na legislação e nas políticas públicas nacionais.
Entretanto, a implementação dos tratados internacionais requer a observância das
especificidades de cada país, atuando sobre suas desvantagens e desenvolvendo as
potencialidades locais que contribuam com a mitigação e resolução do aquecimento
global. Demanda também a abertura de espaços institucionais para participação dos
atores domésticos na incorporação das diretrizes do regime.
Neste sentido, as disposições constitucionais que orientam o processo de
ratificação no Brasil adotam um sistema predominantemente dualista para a
incorporação dos tratados internacionais no direito interno. Isto quer dizer que,
considerando-se a interação constante entre os níveis doméstico e internacional, as
prerrogativas constitucionais brasileiras de incorporação da norma internacional no
direito interno contempla os jogos de interesses e grupos de pressão existentes
internamente que, atuando sobre o processo de ratificação e de rule-making informarão
ao governo as demandas e interesses dos grupos domésticos envolvidos. Isto fica
perceptível tanto pela necessidade de ratificação via processo legislativo, que permite a
atuação dos grupos de interesses privados e públicos do país, como pela abertura de
espaços institucionais promovidos em razão da implementação do Protocolo de Kyoto e
das diretrizes do Regime Internacional de Mudanças Climáticas. A criação do Fórum
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Brasileiro de Mudanças Climáticas, do Comitê Interministerial, da III Conferência
Nacional de Meio Ambiente e dos diálogos setoriais, assim como da produção
legislativa relacionada à mudança climática, posteriormente à entrada do país na
CQNUMC, são exemplos de abertura à participação de grupos domésticos no processo
de implementação nacional.
Além destes aspectos é importante destacar que o Brasil, apesar de não ter
obrigações quantificadas dentro do regime, apresenta medidas em direção ao
cumprimento das responsabilidades obrigatórias e não obrigatórias estabelecidas no
âmbito das negociações internacionais, enfatizando o desenvolvimento do Mecanismo
de Desenvolvimento Limpo e da eficiência energética, assim como o combate ao
desmatamento. Exemplo de maior destaque é o lançamento do Plano Nacional de
Mudanças Climáticas e as metas voluntárias assumidas em Dezembro de 2009 para a
COP 15 de redução das emissões domésticas entre 36% e 38% até 2020. Por sua vez,
enfatiza a necessidade de financiamento e de transferências de recursos dos países
industrializados aos países em desenvolvimento, conforme o princípio da
responsabilidade comum, mas diferenciada.
A partir do exposto, conclui-se que há a presença de diversos elementos
(produção legislativa, abertura de espaços institucionais, políticas e planos de ação)
direcionados à implementação dos tratados internacionais de mudança climática no
cenário brasileiro, incluindo o cumprimento de responsabilidades obrigatórias e não
obrigatórias. Entretanto, tais iniciativas ao se mostrarem atreladas ao princípio da
responsabilidade comum, mas diferenciada e às transferências de recursos e tecnologias
podem encontrar barreiras à implementação do regime na medida em que o
estabelecimento de metas não é obrigatório e, portanto, não é passível de cobrança, o
que pode prejudicar futuramente o comprometimento efetivo aos princípios do regime.
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