Artigo - CAPS I 14-03-2010

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Reforma Psiquitrica no Estado do Amazonas: Desafios e Progressos Reforma Psiquitrica no Amazonas Psychiatric Reform in the State of Amazon: Progress and Challenges Reforma Psiquitrica en el Estado de Amazonas: Desafos e Progresos

Mara Stivaleti Colombarolli Graduao, Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Manaus Antonio Carlos Abtibol Alves Graduao, Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Manaus Adriana Caetano Soares Graduao, Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Manaus Jlio Csar Pinto de Souza Graduao, Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Manaus Maria Vitria Veslaquez da Silva Graduao, Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Manaus

Marilise Katsurayama Mestrado, Centro de Pesquisa Lenidas e Maria Deane (Fiocruz Amaznia)

Endereo para correspondncia: Marilise Katsurayama Fiocruz Amaznia - Centro de Pesquisa Lenidas e Maria DeaneAvenida Teresina 476 - Adrianpolis 69.057-070 - Manaus, AM, Brasil Telefones: (092) 3656-1991 / 3621-2323

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Reforma Psiquitrica no Estado do Amazonas: Desafios e Progressos Reforma Psiquitrica no Amazonas Psychiatric Reform in the State of Amazon: Progress and Challenges Reforma Psiquitrica en el Estado de Amazonas: Desafos e Progresos

RESUMO O presente artigo apresenta um panorama da situao do primeiro Centro de Ateno Psicossocial (CAPS) institudo na cidade de Manaus (AM) e a implantao dos princpios da Reforma Psiquitrica na cidade. A inteno da pesquisa foi trazer tona as condies que constituem empecilho para o adequado funcionamento do centro e para o xito da reforma psiquitrica, usando como objeto de investigao a viso dos prprios profissionais inseridos nesse servio de sade. Os resultados foram obtidos atravs de entrevistas semi-estruturadas com os profissionais, e detectando-se lacunas referentes implantao da rede de assistncia em sade mental na cidade, impedindo que o CAPS proporcione o servio especializado para o qual foi criado, sendo uma delas a falta de integrao da rede de sade municipal. Evidencia-se, portanto, a importncia da promoo de polticas pblicas para que haja uma maior integrao da rede de sade em Manaus. Palavras-chave: Sade mental; Reforma Psiquitrica; Servios de sade mental; CAPS; Polticas Pblicas.

ABSTRACT This article presents an overview of the first Center of Psychosocial Attention (CAPS) established in the city of Manaus (AM) and the deployment of the principles of Psychiatrist Reform in the city. The purpose of the research was to bring out the conditions that are obstacles to the proper functioning of the center and for the success of the psychiatrist reform, using as an object of investigation the view of the professionals working in this health service. Results were obtained through semistructured interviews with professionals, and detecting the lacks concerning the operation of the mental health support network in the city, preventing the CAPS to provide the specialized service for which it was created, one of which the lack of integration of the municipal health network. That way, is shown the significance of promoting public that further integration of the health network in Manaus. Keywords: Mental Health; Psychiatric Reform; Mental health services; CAPS; Public Politics.

RESUMEN El presente artculo presenta un panorama de la situacin del primer Centro de Atencin Psicosocial instituido en la ciudad de Manaus (AM) y la implantacin de los principios de la Reforma Psiquitrica en la ciudad. La intencin de la pesquisa fue traer a ms visibilidad las condiciones que constituyen problemas para el adecuado funcionamiento del centro e para el xito de la reforma psiquitrica, utilizando como objeto de investigacin la visin de los propios profesionales inseridos en ese servicio de salud. Los resultados fueron obtenidos por parte de entrevistas semi-estructuradas con los profesionales y la deteccin de las deficiencias que se refieren a la implantacin de la red de asistencia en salud mental en la ciudad, impidiendo que el CAPS proporcione el servicio especializado para lo cual fue creado, siendo una de ellas la falta de integracin de la red de salud municipal. Es evidente, por tanto, la importancia de la promocin de polticas pblicas para que haya una mayor integracin de la red de salud en Manaus. Palabras-clave: Salud mental; Reforma Psiquitrica; Servicios de salud mental; CAPS; Polticas Pblicas.

INTRODUO A Reforma Psiquitrica, de acordo com o Ministrio da Sade (2005), entendida como um processo poltico e social de grandiosa complexidade, pois considera a importncia de conceber o tratamento ao portador de transtorno psquico como fruto de um conjunto de transformaes de prticas, saberes, valores culturais e sociais (BRASIL, 2005, p. 6). A Luta Antimanicomial no Brasil foi instaurada em 1987, durante o Congresso de Trabalhadores de Sade Mental, em Bauru, So Paulo. O projeto de lei que propunha a reforma psiquitrica no Brasil, autoria do deputado Paulo Delgado, entrou em tramitao no Congresso Nacional em 1989. Em 6 de abril de 2001, foi sancionada a Lei Federal 10.216, Lei Paulo Delgado, que instituiu a reforma psiquitrica e a substituio dos modelos institucionalizados no tratamento do portador de sofrimento psquico (BRASIL, 2005). O resultado dos esforos por substituir o modelo hospitalocntrico foi o aparecimento de programas que objetivam em uma incluso social do doente mental atravs da criao de centros de tratamento que visassem no apenas a melhoria dos aspectos psicopatolgicos da doena mental, mas tambm dos aspectos psicossociais. Segundo Arantes (2007), as diretrizes que fundamentam a reforma no Brasil visam implantao e consolidao, no Sistema nico de Sade, do modelo de ateno comunitrio, totalmente substitutivo ao manicomial, que seja humano, eficaz, de amplo acesso, de qualidade, cidado, e com controle social. O Ministrio da Sade (2005) destaca que o processo de reduo de leitos em hospitais psiquitricos e de desinstitucionalizao de pessoas com longa permanncia nesses hospitais passa a tornar-se poltica pblica no Brasil a partir dos anos 1990, e impulsionada em 2002 com uma srie de postulados do Ministrio da Sade, que

tinham por intuito determinar mecanismos e estratgias para a reduo segura de leitos psiquitricos. Nos ltimos trs anos, essa luta avanou substancialmente, tendo por dados que, entre os anos de 2003 e 2005, foram reduzidos 6.227 leitos. Segundo a Portaria n 336/2002 do Ministrio da Sade, os Centros de Ateno Psicossocial (CAPS) servios abertos e comunitrios do Sistema nico de Sade (SUS) seriam os mais representativos desses servios, tendo por prioridade o atendimento de pacientes com transtornos mentais severos e persistentes em sua rea territorial, em regime de tratamento intensivo, semi-intensivo e no intensivo (Art.1, I), realizando o acompanhamento clnico e a reinsero social dos usurios pelo acesso ao trabalho, lazer, exerccios dos direitos civis e fortalecimento dos laos familiares e comunitrios. Cabe ao CAPS a administrao e a centralidade dos atendimentos em seus territrios, bem como capacitar e supervisionar as equipes de ateno bsica e outros servios de sade mental e contribuindo para a elaborao de programas nessa rea (FILHO; NBREGA, 2004). Dessa forma, de acordo com o Ministrio da Sade (2004), o CAPS pode promover a articulao entre os cuidados clnicos e programas de reabilitao psicossocial, atravs de trabalhos que visem a insero social, com a formao de vnculos e interao humana, sempre com respeito s potencialidades e limitaes individuais e aos princpios de cidadania, promovendo o protagonismo de cada usurio frente sua vida. O planejamento do servio oferecido pelo CAPS segue o critrio do perfil populacional, articulado s instncias de gesto do SUS a nvel municipal. Foram estabelecidos trs tipos de CAPS, dependendo da demanda populacional, que so destinados ateno de pessoas que apresentam sofrimento psquico, psicoses, neuroses graves e demais quadros; so eles CAPS I (destinado a territrios com populao entre

20.000 e 70.000 habitantes), CAPS II (para atendimento a municpios com populao entre 70.000 e 200.000 habitantes) e o CAPS III (para municpios com populao acima de 200.000 habitantes). Alm destes, existem o CAPSad (CAPS lcool e Drogas) e o CAPSi (CAPS Infantil), sendo destinados a usurios de drogas e para pessoas acometidas por algum transtorno mental decorrente do uso ou dependncia de substncias psicoativas, e ao tratamento de crianas e adolescentes com transtornos mentais, respectivamente. O CAPS tipo III, foco da pesquisa realizada em Manaus, o dispositivo de maior complexidade em toda a rede de ateno sade mental. Segundo sua idealizao, deve constituir-se de um servio ambulatorial de ateno contnua, durante 24h diariamente, incluindo feriados e finais de semana, com uma capacidade mnima para atendimento de 40 pacientes por turno, limitando-se ao atendimento de 60 pacientes/dia, em regime intensivo. A equipe mnima para atender a essa demanda no CAPS III, determinada pelo Ministrio da Sade, a seguinte: a) 2 (dois) mdicos psiquiatras; b) 1 (um) enfermeiro com formao em sade mental; c) 5 (cinco) profissionais de nvel superior entre as seguintes categorias: psiclogo, assistente social, enfermeiro, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessrio ao projeto teraputico; d) 8 (oito) profissionais de nvel mdio: tcnico e/ou auxiliar de enfermagem, tcnico administrativo, tcnico educacional e arteso. (BRASIL, 2004). A assistncia prestada em CAPS III inclui atendimentos individuais, atendimentos grupais, oficinas teraputicas, visitas e atendimentos domiciliares, atendimentos s famlias, acolhimento noturno limitado a 07 (sete) dias corridos ou 10 (dez) dias intercalados num perodo de 30 (trinta) dias, destinado a 05 (cinco) leitos no mximo, e oferecimento de refeies dirias (BRASIL apud ARANTES, 2007).

Atualmente no pas existem 1394 CAPS, entre os tipos I, II, III, CAPSi e CAPSad (BRASIL, 2009). O CAPS tipo III totaliza 41 unidades em todo o pas. A realidade no Estado do Amazonas a mais grave de todas: apenas um CAPS III e um CAPS II recm-inaugurado na capital, e mais dois CAPS II e um CAPS I em todo o territrio. Levando em conta que o CAPS III tomado como centro de ateno efetiva a 150.000 habitantes, pode-se prever que o servio est longe do padro aceitvel no estado. De acordo com os ltimos clculos do Ministrio da Sade (2009), no estado do Amazonas o ndice de 0,12 CAPS/100.000 habitantes, o que considerado insuficiente para o atendimento da demanda segundo os parmetros do prprio ministrio. A inaugurao do CAPS Silvrio Tundis, em 2006, pelo governador do estado do Amazonas Eduardo Braga, o primeiro CAPS III do estado, na cidade de Manaus, foi resultado da necessidade poltica que envolve a execuo da reforma psiquitrica, at ento no vigente no estado, uma vez que esses centros constituem a unidade estratgica de aplicao da reforma. Segundo Neto et. al (2009), o Amazonas ainda no cumpriu com a prtica preconizada pelo Ministrio da Sade. De acordo com dados, at 2008, apenas trs unidades do CAPS funcionavam no Estado, uma em Manaus (tipo III) e outras duas em Parintins e Tef (ambas do tipo II). Foi inaugurado em janeiro de 2010 uma nova unidade em Manaus de CAPS III. Entretanto, para a demanda populacional de 1,7 milho de habitantes, a quantidade de CAPS na cidade ainda considerada insuficiente. Com vistas ao funcionamento do CAPS Silvrio Tundis em Manaus, a realizao desta pesquisa se justifica pela importncia de analisar os problemas e dificuldades advindas da implantao desse Centro de Ateno, desejando conhecer os progressos que esta unidade conseguiu alcanar desde a sua criao, e evidenciar as dificuldades

que comprometem a expanso da Reforma Psiquitrica e do servio oferecido pelo CAPS em Manaus. MATERIAIS E MTODOS Esta pesquisa teve carter descritivo e analtico, com abordagem qualitativa e classificao temporal transversal. Nas pesquisas qualitativas, freqente que o pesquisador procure entender os fenmenos, segundo a perspectiva dos participantes da situao estudada e, a partir da, situe sua interpretao dos fenmenos estudados (NEVES, 1996), e esta foi a estratgia adotada nesta pesquisa. O local de realizao da pesquisa, como dito anteriormente, foi o Centro de Ateno Psicossocial Silvrio Tundis, sendo a amostra intencional constituda pelos 7 (sete) profissionais de nvel superior que trabalhavam no perodo diurno na rea de atendimento e tratamento ao pblico. O instrumento utilizado para consecuo dos objetivos da pesquisa foi um roteiro semi-estruturado contendo oito perguntas abertas aos profissionais abordando as condies estruturais do CAPS, o planejamento e execuo do servio oferecido pelo CAPS, o papel dos profissionais e do centro em relao Reforma Psiquitrica, bem como a viso desses profissionais acerca da adaptao dos pacientes s mudanas propostas pela reforma. Tambm foi utilizado o mtodo de observao participante, que se deu durante todo o perodo em que os pesquisadores entrarem em contato com a instituio a ser avaliada, visto que segundo Lakatos (1996:79, apud BONI; QUARESMA, 2005) a observao ajuda o pesquisador a identificar e obter provas a respeito de objetivos sobre os quais os indivduos no tm conscincia, mas que orientam seu comportamento (p.4). O procedimento de coleta foi dividido em dois momentos. Primeiramente foi realizada a observao participante da rotina no CAPS,

mtodo no qual o pesquisador entrou em contato direto com os atores e o contexto que os envolve, participando de sua rotina. A observao teve foco na observao do atendimento e tratamento dos pacientes, no detalhamento da estrutura tanto fsica quanto organizacional do centro, consistindo nas impresses de cada pesquisador, sendo registrada em um dirio de campo. O segundo momento compreendeu a realizao das entrevistas, realizadas nos meses de setembro e outubro de 2009 aps a assinatura do Termo de Consentimento pelos profissionais. Cabe pontuar que os participantes tiveram seu nome e formao profissional preservados a fim de cumprir com o princpio tico de sigilo da identidade do entrevistado. importante ressaltar que essa pesquisa, por se tratar de pesquisa com seres humanos, seguiu todos os aspectos ticos pertinentes a este tipo de pesquisa e foi realizada somente aps a aprovao pelo Comit de tica em Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas (CEP/UFAM) (Processo n 0232/2009). RESULTADOS E DISCUSSO Dos sete profissionais entrevistados, dois eram graduados em Medicina, dois em Psicologia, um em Enfermagem, um em Terapia Ocupacional e um em Servio Social. A maioria dos profissionais relatou uma experincia mdia de 3 anos com sade mental, excetuando-se alguns profissionais, com maior experincia. Os profissionais relataram especializaes em diversas reas, abrangendo a psiquiatria, o psicodrama, a psicologia hospitalar, sade mental e psicopedagogia. Todos os profissionais so empregados por vnculo com o estado, selecionados atravs de concurso pblico, com suas idades variando entre 27 e 51 anos. Os aspectos que exprimem a atual situao de funcionamento do CAPS e da rede de assistncia em sade mental em Manaus, bem como o andamento da Reforma

Psiquitrica na cidade, foram os pontos principais das entrevistas e os focos da observao. Um dos aspectos enfatizados foi a dificuldade em parear a realidade de trabalho com os preceitos terica propostos pela reforma, havendo uma falta de credibilidade por parte de alguns profissionais no tocante aplicabilidade da teoria no contexto pesquisado, como foi destacado pelo profissional A que afirma que a dificuldade a questo de sada dos manuais e ir pra prtica, a prtica um pouco mais complicada (...). O problema implementar essas coisas, fazer com essas coisas de fato cheguem ao cidado, ao indivduo que sofre, que necessita. Wetzel e Almeida (2001) ressaltam como os conflitos e tenses advindos da proposta de reformulao e implantao de um novo modelo de assistncia geram divergncias de opinies entre profissionais, governantes, e pessoas cujo interesse est sendo posto em jogo com tais mudanas, ocasionando muitas vezes dificuldades de implementao dentro dos espaos concretos onde ocorrem, atravs da anlise da articulao entre os atores responsveis pela aplicao dos novos conceitos. No tocante ao funcionamento do CAPS, os profissionais expuseram a realidade respeito de seu papel dentro da rede de sade em Manaus. Foi relatado que existe uma falta de estrutura para o acolhimento do doente com transtorno psquico, como expressa o profissional A que diz que Manaus no tem mais nada. Os servios esto desorganizados. Tambm percebeu-se que existe uma deficincia na quantidade de CAPS na cidade, limitando-se a um, atualmente, o que reflete diretamente na sobrecarga de trabalho deste profissional e conseqentemente na qualidade do tratamento, como afirma o profissional A: se a gente tivesse mais, em rede, a gente podia fazer muito mais. A verdade essa, a nica lgica que sobra da idia de CAPS, quanto mais, mais poder ser feito, o que evidencia a dificuldade de cobertura do servio na regio.

Alm dessa falta de estrutura, os profissionais vm o servio do CAPS isolado dos outros servios de referncia, evidenciando uma falta de integrao deste servio, o que prejudica o atendimento integral do paciente, o profissional C caracteriza essa situao como um problema de gesto mesmo, de ningum assumir as responsabilidades os seus deveres, nem Estado nem Municpio e isso compromete muito o aspecto fundamental da reforma. O profissional D ainda acrescenta que quando os usurios do CAPS necessitam de recursos que so oferecidos em outros servios, como exames, por exemplo, no existe uma integrao que permita que o paciente tenha acesso a eles atravs do CAPS, pontuando uma lacuna importante no sistema. A lgica do Sistema nico de Sade funciona baseada na idia de integrao entre os servios, para torn-lo um sistema funcional que responda a seus objetivos, de ser universal, atendendo o ser humano de forma integral. Essa conexo deveria funcionar tanto em termos do sistema como um servio no sentido macro, quanto nas micro-partes que o compem. Sendo assim, o SUS funciona a partir da idia de referncia e contra-referncia, tomando servios especializados como o grau de complexidade mxima na resoluo dos problemas de sade, e trabalhando principalmente com o carter preventivo nos centros de contra-referncia, que seriam locais de melhor acessibilidade ao cidado, a primeira instncia do sistema de sade (BRASIL, 2003). O CAPS seria o aparelho que deveria abrigar o maior grau de complexidade, o que significa que seu papel, a priori, constituiria em um centro de ltima instncia, a qual o doente mental recorreria caso nenhum outro servio pudesse atender sua necessidade (VECHIA; MARTINS, 2009). Porm, para atuar como centro de referncia na cidade, o CAPS sofre com determinados problemas internos a nvel estrutural e

administrativo, que limitam a efetividade do servio. O profissional F relatou que a nossa estrutura fsica e recursos materiais, financeiros ainda constituem o empecilho para que nosso trabalho seja realizado em sua plenitude. Ns precisamos de um espao que no tenha essa estrutura clnica, ele tem que ter uma estrutura mais acolhedora, de casa, de lar. O profissional E compartilha da mesma idia, de que falta de planejamento na estrutura onde hoje funciona o CAPS impede que este funcione como tipo III, conforme foi preconizado. Alm da estrutura fsica inadequada, a escassez de recursos materiais compromete o trabalho. Segundo um dos profissionais, um dos principais problemas referentes a recursos diz respeito aos medicamentos, porque, segundo o profissional A, o fluxo de medicamento fica comprometido em alguns perodos do ano, isso compromete o bem-estar do paciente. Os discursos revelam a frustrao desses profissionais em relao sua atuao no processo de reforma, uma vez que, apesar dos esforos em oferecer um servio adequado e que possa trazer resultados populao atingida, muitas vezes se vem incapacitados de atuar como gostariam, dada as barreiras que encontram em sua jornada profissional. Sobre isso, Bezerra e Dimenstein (2008) afirmam que a fragmentao do trabalho e os impasses polticos desmotivam o profissional, e faz com que se abstenham de suas responsabilidades em relao aos resultados finais, o que inviabiliza a prtica em sade. O que ocorre, entretanto, so problemas em cadeia, no qual a inexistncia de atividades de preveno e promoo no mbito da sade mental dentro da Ateno Bsica compromete toda a rede de assistncia a esse tipo de especialidade, indo contra as recomendaes da OMS segundo a qual a organizao das aes em sade mental no contexto comunitrio essencial para a formao de uma rede de ateno psicossocial (SILVEIRA; VIEIRA, 2009). Isso significa dizer que, mesmo com as dificuldades do

um nico CAPS da cidade em prover um servio de qualidade para a populao, o seu comprometimento revela uma situao que compreende deficincias desde as instncias bsicas e no somente a debilidade do centro em si. O pequeno nmero de profissionais habilitados para atuar em sade mental um dos problemas mais graves que a cidade enfrenta. Os recursos humanos insuficientes tambm tm implicaes na qualidade do servio oferecido pelo CAPS, uma vez que essa carncia inviabiliza determinados atendimentos e acolhimentos que deveriam ser especialidade deste centro, mas, segundo o profissional A, isso exigiria equipe, pessoas que se responsabilizassem por ela, um mdico, enfermeiro, um terapeuta ocupacional, um psiclogo, que ajudem, que fiquem trabalhando com ela durante todo esse tempo, aos finais de semana (...). Ento, no tem. Alm disso, muitos profissionais pertencentes ao CAPS atualmente tiveram pouca experincia com as propostas da reforma at comearem a sua atuao no local. Antes disso, no havia como pr a reforma em prtica, o que automaticamente desfaz a necessidade de sua prtica fosse conhecida por esses profissionais. Sobre isso, Bichaff (2006) aponta que a Reforma Psiquitrica, como um processo em curso, prescinde da reavaliao e reformulao dos conceitos e saberes por parte atores por ela responsveis, necessitando que novos profissionais sejam formados com a viso da alterao do modelo a fim de viabilizar novas prticas em sade mental. Os aspectos polticos que envolvem a criao do CAPS em Manaus, bem como sua manuteno, provavelmente constituem um grande obstculo para que esse centro funcione em toda sua capacidade. A falta de qualificao profissional esbarra, primariamente, nos aspectos da formao oferecida pela rede pblica de ensino e na deficincia da educao permanente. As carncias estruturais e administrativas que o CAPS enfrenta no prejudicam somente a parte do atendimento propriamente dito, mas

o funcionamento do centro como um todo, pois torna inexeqvel um planejamento adequado das aes propostas pela Reforma Psiquitrica. A recorrncia ao modelo clssico de tratamento, no hospital psiquitrico, como relatado pelos profissionais, surge da falta de capacidade de atendimento de pacientes num grau de sofrimento mais agravado, como dito pelo profissional A que muitos dos nossos pacientes, ns temos condio de atend-los. Quando esto numa crise muito grande, necessitamos de uma internao, porque eles esto muito agitados, eles esto agressivos, esto extremamente delirantes, no vo cooperar, e ento muitos vo pra l de novo. Maciel et. al. (2009) afirmam que no Brasil a desospitalizao ocorreu sem que a rede alternativa tivesse capacidade de atender suficientemente demanda, e sem o preparo da sociedade e da famlia para que a proposta de recuperao psicossocial fosse posta em prtica. Assim, ocorreu um desfalque da rede de suporte de portadores de transtorno mental com o descuidado de garantir que as instncias presentes conseguiriam suprir os usurios com os cuidados necessrios, gerando uma falha na praticidade da reforma psiquitrica a ser implantada em condies adversas. Com relao adaptao dos pacientes reforma, tomando como referncia o que foi alcanado na cidade, atravs do CAPS, os profissionais relataram uma fcil adeso dos pacientes a essa nova forma de tratamento, havendo uma clara preferncia pelo modelo substitutivo ao hospital, tendo sido observado pelo profissional B que houve uma melhora realmente importante em relao aos pacientes. Muitos pacientes crnicos que ficavam naquela situao de internar (...) do certa estabilizada que alm de ter uma assistncia mdica, um medicamento, que fundamental, ele aprende outras formas de lidar com a doena. Um ponto interessante relatado pelos profissionais diz respeito atitude dos usurios que j passaram por tratamento em centro hospitalar. Eles afirmam que

muitos acabam adotando o comportamento parecido com o comportamento de pessoas que estavam internadas. O profissional F ressalta que h uma certa resistncia por conta daqueles que tiveram alguma vivncia no Centro Psiquitrico Eduardo Ribeiro. Segundo esse profissional, os que iniciaram o tratamento no CAPS tm uma viso mais apurada da Reforma Psiquitrica. Devido a esse fato, os profissionais tentam manter uma relao de autonomia, estimulando o paciente a se desvincular do centro de tratamento a partir do momento em que j adquire uma habilidade maior de interagir com o meio social de forma saudvel. Isso justificado por Giovanella e Amarante (1994, apud Maciel et. al., 2009) como decorrente do modelo clssico de aparato manicomial que muitas vezes perdura em instituies nopsiquitricas atravs dos olhares e prticas psiquitricas que se fazem presentes nos novos centros de ateno, sendo necessrio que se desfaa da lgica excludente do manicmio e que ocorra, em oposio, a incluso scio-familiar, dando vazo reformulao do tratamento atravs dos novos dispositivos de ateno. Houve relatos de que um dos empecilhos para a efetiva melhora dos pacientes estava no fato de que a sociedade ainda v o doente mental com olhos preconceituosos, dificultando a interao e a reinsero no meio social, o que prejudica em demasia a recuperao psicossocial do sujeito, podendo ter como conseqncia o retorno ou agravamento de seu quadro nosolgico. O profissional A relata que alguns pacientes esto bem, poderiam ter uma vida melhor l fora, poderiam vir aqui ver as medicaes. Mas acabam, por fora dessas questes econmicas, esses preconceitos, questes de ordem social, acabam se institucionalizando. Batista e Silva (2009) ressaltam a importncia da comunidade nas novas polticas pblicas, e da necessidade do engajamento dos que cercam os egressos de internaes psiquitricas, atribuindo a eles o papel de cuidadores e parceiros na recuperao psicossocial desses indivduos.

A figura 1 apresenta a ilustrao que procura representar o efeito em cadeia dos diversos fatores que dificultam o funcionamento do CAPS e a implementao da reforma psiquitrica em Manaus.

Figura 1 O ciclo vicioso na estrutura de atendimento em Sade Mental Fonte: Pesquisa de campo

CONCLUSO Desde o final da dcada de 1980 acontece a Luta Antimanicomial no Brasil, que se prope a desinstitucionalizar o tratamento com o portador de transtorno psquico, retirando-os dos hospitais psiquitricos. Os mtodos propostos por essa nova concepo de tratamento loucura e a sade mental tm como meta principal humanizar o atendimento a esse grupo, bem como trat-los com mais cidadania. Os Centros de Ateno Psicossocial (CAPS) foram constitudos para atender a essa nova concepo. Porm, observou-se por meio desta pesquisa que existem bices quanto implementao do CAPS, causando dificuldades para aplicar o previsto na Lei n 10.216, aprovada em 2001 a lei da Reforma Psiquitrica. Diversos fatores foram levantados pelos profissionais de diversas reas, que trabalham no CAPS Silvrio Tundis, na zona Norte de Manaus, entrevistados nessa pesquisa de campo. Uma das problemticas presentes a falta de estrutura do CAPS. Esta unidade no dispe de espao e estrutura suficiente para a disponibilizao dos servios prestados. Mesmo sendo um centro de ateno relativamente recente, criado em 2006, o CAPS ainda no oferece alguns servios e outros ainda so oferecidos de forma precria. Conseqentemente, h um comprometimento no trabalho dos profissionais e qualidade do atendimento oferecido aos pacientes. Ainda assim, alguns profissionais ainda se empenham para que esses empecilhos no comprometam, significativamente, a eficincia dos servios prestados pelo CAPS, colocando, assim, em risco sua prpria sade mental com o desgaste profissional. Alm disso, a escassez de projetos que promovam a sade mental da populao talvez seja um dos problemas mais expoentes, pois comprometem o atendimento universal e integral ao portador de sofrimento psquico. Faltam polticas pblicas que interliguem os servios de assistncia sade do municpio ao CAPS em questo,

favorecendo um trabalho voltado para a prtica de promoo de sade e no mais uma prtica curativa, centrada na figura do mdico, na prescrio medicamentosa. Os resultados desse trabalho comprovam que ainda h muito para se fazer em termos de implantao de uma rede de atendimento realmente efetiva para acolhimento a pacientes psiquitricos. Entretanto, para que fossem tomadas decises de real impacto, necessrio muito mais do que o empenho e comprometimento desses profissionais, h a necessidade de um debate poltico amplo sobre as lacunas que impedem que a rede de ateno cresa e envolva toda a demanda para esse tipo de cuidado, alm do oferecimento de uma capacitao contnua que prepare adequadamente os profissionais para trabalharem nesse tipo de servio. A conscientizao da populao igualmente necessria para que o trabalho psicossocial proposto pela reforma possa ser realizado, trazendo uma melhora efetiva para os usurios da rede de ateno sade mental, e para que os princpios por ela apresentados sejam atendidos em sua totalidade. A contribuio dessa pesquisa para a cidade de Manaus tem o papel de despertar o interesse por novas aes voltadas para a ateno sade mental, tanto no mbito poltico quanto no cientfico, para que o atraso em que a cidade se encontra atualmente no quesito da sade mental possa ser explorado no meio acadmico estimulando novas pesquisas, a fim de estar continuamente identificando os progressos e questionando os pontos a serem melhorados para o oferecimento de um servio de sade de qualidade.

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