artigo bomateriais metálicos

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Luiz Sérgio Marcelino Gomes - Mestre e Doutor em Ortopedia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da U.S.P. - Chefe do Serviço de Cirurgia e Reabilitação Ortopédico-Traumatológica de Batatais (SECROT-SP) - Chefe do Grupo de Quadril do Hospital e Maternidade Celso Pierro PUC-Campinas (SP) I. INTRODUÇÃO II. BIOMATERIAIS UTILIZADOS EM SUBSTITUIÇÕES ARTICULARES PROTÉTICAS A. Propriedades Mecânicas 1. Conceitos Gerais 2. Propriedades Mecânicas e Modelo Protético 3. Avaliação Experimental dos Esforços Periprotéticos. B. Estrutura e Composição 1. Materiais Metálicos : a) Aço Inoxidável b) Ligas de Cromo-Cobalto c) Ligas de Titânio d) Tântalo e outros materiais Metálicos 2. Materiais Poliméricos: a) Polietileno de Peso Molecular Ultra-alto b) Polimetacrilato de Metila (PMMA) 3. Materiais Cerâmicos 4. Compósitos C. Propriedades Tribológicas dos Implantes Protéticos II. RESPOSTA ORGÂNICA AOS BIOMATERIAIS I. INTRODUÇÃO Considera-se como Biomaterial toda substância (à exceção de drogas) ou combinação de substâncias, de origem sintética ou natural, que durante um período de tempo indeterminado é empregada como um todo, ou parte integrante de um sistema para tratamento, ampliação ou substituição de quaisquer tecidos, órgãos ou funções corporais 1 . De uma forma mais ampla, como a sugerida por Park 2 , os biomateriais podem ser entendidos como tudo aquilo que de modo contínuo ou intermitente, entra em contato com fluidos corpóreos, mesmo que esteja localizado fora do organismo. Quanto à sua interação com os tecidos adja- centes, podemos distinguir os materiais biotoleráveis como os que provocam uma reação orgânica de encapsulamento fibroso, onde pode se notar a presença de numerosos macrófagos e células fagocitárias, que dominam o quadro histológico; os bioinertes que têm uma interação biológica mínima com os tecidos adjacentes e assim a presença do encapsulamento fibroso é, muitas vezes, bastante reduzida; os materiais bioativos que interagem ativamente com o organismo incorporando-se aos tecidos adjacentes sem a formação de membrana de interface, através de verdadeiras ligações químicas; e os materiais bioabsorvíveis ou reabsorvíveis que, após um tempo variável em serviço, são degradados, solubilizados ou fagocitados pelo organismo. Especificamente na área ortopédica, os biomateriais foram responsáveis pelo grande avanço na cirurgia reconstrutora das articulações. Se considerar- mos a substituição articular protética do quadril, os implantes utilizados neste procedimento devem supor- tar os esforços oriundos da contração muscular, de forças inerciais, do suporte de carga estática e cíclica e ainda resistir ao desgaste das diversas interfaces, assim como não devem provocar reações adversas ao organismo 3-5 . Porém não há até o momento um material que atenda, simultaneamente, a todas as exigências mecânicas, metalúrgicas, funcionais e biológicas necessárias para um implante protético perfeito. Cada biomaterial apresenta uma combinação de propriedades particulares, determinadas por sua estrutura, composição e processamento, benéficas em algumas situações, porém com possíveis limitações em outras condições específicas. Estas limitações torna- ram-se patentes com a realização da artroplastia em pacientes mais jovens, nos quais as situações de maior solicitação funcional e maior tempo em serviço dos implantes são requeridas. A evolução tecnológica, desde a década de 60, permitiu a introdução de novos materiais e modelos protéticos, que aliados aos refinamentos da técnica cirúrgica buscavam maior longevidade da reconstrução articular protética. Embora grandes progressos tenham sido observados, como os conceitos de fixação bioló- gica e de superfícies articulares alternativas, muitas inovações, longe de representar avanços, resultaram em falhas precoces e resultados desalentadores. Tais insucessos foram ocasionados, em grande parte, pela não compreensão da cinemática e da biomecânica articular, assim como pelo restrito conhecimento dos mecanismos de falhas in vivo dos implantes e de suas implicações na concepção e utilização racional de novos modelos protéticos e biomateriais. Biomateriais em Artroplastia de Quadril: Propriedades, Estrutura e Composição CAPÍTULO 13

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Luiz Sérgio Marcelino Gomes

- Mestre e Doutor em Ortopedia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da U.S.P.

- Chefe do Serviço de Cirurgia e Reabilitação Ortopédico-Traumatológica de Batatais (SECROT-SP)

- Chefe do Grupo de Quadril do Hospital e Maternidade Celso Pierro – PUC-Campinas (SP) I. INTRODUÇÃO

II. BIOMATERIAIS UTILIZADOS EM SUBSTITUIÇÕES ARTICULARES PROTÉTICAS

A. Propriedades Mecânicas

1. Conceitos Gerais 2. Propriedades Mecânicas e Modelo Protético

3. Avaliação Experimental dos Esforços Periprotéticos.

B. Estrutura e Composição

1. Materiais Metálicos : a) Aço Inoxidável b) Ligas de Cromo-Cobalto c) Ligas de Titânio

d) Tântalo e outros materiais Metálicos

2. Materiais Poliméricos: a) Polietileno de Peso Molecular Ultra-alto b) Polimetacrilato de

Metila (PMMA)

3. Materiais Cerâmicos

4. Compósitos

C. Propriedades Tribológicas dos Implantes Protéticos

II. RESPOSTA ORGÂNICA AOS BIOMATERIAIS

I. INTRODUÇÃO

Considera-se como Biomaterial toda substância

(à exceção de drogas) ou combinação de substâncias,

de origem sintética ou natural, que durante um período

de tempo indeterminado é empregada como um todo,

ou parte integrante de um sistema para tratamento,

ampliação ou substituição de quaisquer tecidos, órgãos

ou funções corporais1. De uma forma mais ampla,

como a sugerida por Park2, os biomateriais podem ser

entendidos como tudo aquilo que de modo contínuo ou

intermitente, entra em contato com fluidos corpóreos,

mesmo que esteja localizado fora do organismo.

Quanto à sua interação com os tecidos adja-

centes, podemos distinguir os materiais biotoleráveis

como os que provocam uma reação orgânica de

encapsulamento fibroso, onde pode se notar a

presença de numerosos macrófagos e células

fagocitárias, que dominam o quadro histológico; os

bioinertes que têm uma interação biológica mínima

com os tecidos adjacentes e assim a presença do

encapsulamento fibroso é, muitas vezes, bastante

reduzida; os materiais bioativos que interagem

ativamente com o organismo incorporando-se aos

tecidos adjacentes sem a formação de membrana de

interface, através de verdadeiras ligações químicas; e

os materiais bioabsorvíveis ou reabsorvíveis que, após

um tempo variável em serviço, são degradados,

solubilizados ou fagocitados pelo organismo.

Especificamente na área ortopédica, os

biomateriais foram responsáveis pelo grande avanço na

cirurgia reconstrutora das articulações. Se considerar-

mos a substituição articular protética do quadril, os

implantes utilizados neste procedimento devem supor-

tar os esforços oriundos da contração muscular, de

forças inerciais, do suporte de carga estática e cíclica e

ainda resistir ao desgaste das diversas interfaces,

assim como não devem provocar reações adversas ao

organismo3-5

. Porém não há até o momento um

material que atenda, simultaneamente, a todas as

exigências mecânicas, metalúrgicas, funcionais e

biológicas necessárias para um implante protético

perfeito.

Cada biomaterial apresenta uma combinação

de propriedades particulares, determinadas por sua

estrutura, composição e processamento, benéficas em

algumas situações, porém com possíveis limitações em

outras condições específicas. Estas limitações torna-

ram-se patentes com a realização da artroplastia em

pacientes mais jovens, nos quais as situações de maior

solicitação funcional e maior tempo em serviço dos

implantes são requeridas.

A evolução tecnológica, desde a década de 60,

permitiu a introdução de novos materiais e modelos

protéticos, que aliados aos refinamentos da técnica

cirúrgica buscavam maior longevidade da reconstrução

articular protética. Embora grandes progressos tenham

sido observados, como os conceitos de fixação bioló-

gica e de superfícies articulares alternativas, muitas

inovações, longe de representar avanços, resultaram

em falhas precoces e resultados desalentadores. Tais

insucessos foram ocasionados, em grande parte, pela

não compreensão da cinemática e da biomecânica

articular, assim como pelo restrito conhecimento dos

mecanismos de falhas in vivo dos implantes e de suas

implicações na concepção e utilização racional de

novos modelos protéticos e biomateriais.

Biomateriais em Artroplastia de Quadril:

Propriedades, Estrutura e Composição

CAPÍTULO 13

II. BIOMATERIAIS UTILIZADOS EM

SUBSTITUIÇÕES ARTICULARES PROTÉTICAS

A utilização de novos biomateriais permitiu a

introdução de novos conceitos e designs em subs-

tituições articulares protéticas, procurando adequar as

propriedades dos materiais às solicitações in vivo. Os

biomateriais mais frequentemente utilizados em recons-

truções osteoarticulares podem ser agrupados em:

metálicos, poliméricos, cerâmicos e compósitos.

A opção por um determinado tipo de material é

feita de acordo com sua resistência à corrosão e bio-

compatibilidade, propriedades mecânicas e metalúr-

gicas assim como pelo comportamento do material

durante o processamento e uso, custo e disponibili-

dade. De grande importância são as propriedades me-

cânicas, representadas principalmente pela resistência

(Tensão de Escoamento, Tensão Máxima, Tensão de

Ruptura), ductilidade, rigidez, tenacidade, dureza,

fluência e fadiga6. Embora estes termos da ciência dos

materiais sejam de uso diário dos engenheiros, sua

aplicação cada vez mais freqüente no design e na

avaliação de falhas dos implantes, resultou na neces-

sidade de compreensão de alguns conceitos mecâ-

nicos básicos por parte dos médicos e outros profis-

sionais que se dedicam a esta área do conhecimento.

A. PROPRIEDADES MECÂNICAS

A1. Conceitos Gerais

As forças externas, que agem sobre os

implantes e tecidos adjacentes, podem ser aplicadas

perpendicularmente à estrutura (forças normais)

ocasionando seu alongamento (força de tração) ou sua

compactação (força de compressão). Essas duas

forças tendem a alterar o volume do corpo, enquanto a

força que age tangencialmente à superfície (força de

cisalhamento ou força cortante) tende a alterar sua

forma. Observe-se que quando um determinado esforço

é aplicado a um corpo, os três componentes estão

presentes simultaneamente e, em qualquer ponto deste

corpo, a tração e compressão são máximas em planos

perpendiculares ou ortogonais (esforços principais).

No mesmo ponto, a força cortante ou de cisalhamento é

nula na direção dos esforços principais e máxima em

um plano situado a 45º destes planos ortogonais

(Fig.13.1A-E).

À alteração de volume gerada pelo movimento

molecular em resposta às forças normais (tração e

compressão) e pelo deslizamento molecular que altera

a forma (cisalhamento), chamamos de deformação.

A deformação (ε ou strain) é o deslocamento relativo de

um ponto no material, por unidade de comprimento,

e pode ser expressa em partes por milhão (micro-

deformação, microstrain ou µε), ou valores percentuais,

em que ε = Δℓ/ℓ .100 , onde ℓ é o comprimento inicial

do corpo e Δℓ sua variação após a aplicação do

esforço6,7

.

Para um corpo submetido a uma força normal,

o quociente entre a deformação em direção per-

pendicular à deformação longitudinal é chamado

Coeficiente de Poisson que pode, para diferentes

materiais, apresentar valores entre 0 (material

totalmente compressível) e 0.5 (material não com-

pressível, que apresenta volume constante durante a

deformação). Valores maiores que 0.5 implicam na

expansão de volume durante a deformação8.

Para se comparar corpos de diferentes áreas

de secção, introduz-se a grandeza Tensão (δ) como

sendo a força aplicada (F) por unidade de área (A), ou

seja, δ= F/A. A tensão (δ) é dada em Pascal (Pa=

1N/m2), ou seus múltiplos, kPa (kilo Pascal: 10

3 Pa),

MPa (Mega Pascal:106

Pa) ou GPa (Giga Pascal:

109Pa).

Um erro comum é a tradução de tension da

língua inglesa por tensão, quando o correto seria

tração. O termo tensão (equivalente a Stress na língua

Inglesa e representado por δ) se refere à força aplicada

em uma determinada área.

As propriedades mecânicas dos materiais

podem ser entendidas a partir do diagrama tensão-

deformação como o observado na figura 13.2, que

apresenta em abscissa a deformação relativa ε sofrida

por um material (hipotético) quando submetido a uma

determinada tensão δ. Do ponto de origem do gráfico

(0) até o ponto A existe proporcionalidade entre a

tensão e a deformação relativa, de modo que ao

retirarmos a força aplicada o corpo retorna ao seu

estado inicial indicando uma deformação reversível, na

qual os átomos constituintes do material mantêm sua

posição relativa (deformação elástica). Nesta região,

chamada região elástica, a proporcionalidade entre

tensão e deformação, permite a aplicação da equação

da reta e assim teremos δ = K. ε, ou seja, a tensão é

proporcional à deformação. Conhecida como Lei de

Hooke, K representa uma constante de proporcio-

nalidade denominada Módulo de Elasticidade (E) ou

Módulo de Young.Atente que K=E=δ/ε, ou seja, o mó-

dulo de elasticidade é numericamente igual ao

quociente entre a tensão aplicada e a deformação

Fig.13.1- Alterações na estrutura de um corpo (A) quando submetido à força de compressão (B), de tração (C) e cisalhamento (D). As forças normais (tração e compressão) são máximas em planos ortogonais (esforços principais), enquanto a força cortante é nula nestes planos, e máxima em um plano situado a 45º dos esforços principais (E). T:tração, C:compressão e Ci: Cisalhamento

resultante e assim, quanto menos um material se

deforma quando submetido a uma determinada tensão

na zona elástica, maior será seu módulo de elasti-

cidade. O ângulo Ө representa o grau de inclinação

da reta na zona elástica e assim a sua tangente será

numericamente igual ao Módulo de Elasticidade, ou

seja TgӨ = E=δ/ε.

É possível fazer um paralelo entre módulo de

elasticidade e rigidez do material, observando, porém

que este último conceito é definido em relação à

deformação absoluta frente a uma força F e, portanto

varia com o design do material. Considerada esta

observação podemos dizer que, para corpos de mesma

geometria, quanto mais rígido o material (menor

deformação), maior será seu módulo de elasticidade.

Observe que o módulo de elasticidade não interfere na

resistência à ruptura do material, e assim o baixo

módulo de elasticidade de um material pode coexistir

com uma elevada tensão de ruptura (ex. titânio) ou o

inverso, como o aço inoxidável.

O valor do módulo de elasticidade pode variar

dentro de um mesmo material em função de sua

estrutura, como nos materiais Anisotrópicos em que

as propriedades são diferentes em todas as direções,

em qualquer ponto. Porém alguns materiais podem

apresentar simetria em relação a planos ortogonais e,

de acordo com o número de planos necessários para o

estabelecimento desta simetria podem-se reconhecer

os materiais ortotrópicos ou ainda transversalmente

isotrópicos. Este artifício é bastante conveniente, pois

permite matematicamente uma diminuição no número

de constantes independentes em simulações mecâ-

nicas por elementos finitos, uma vez que a maioria das

estruturas biológicas tem um comportamento ortotró-

pico ou isotrópico transversal6.

Os materiais metálicos geralmente apre-

sentam módulo de elasticidade constante mediante a

aplicação de tensões crescentes. Contudo muitos

materiais podem apresentar uma relação não linear

com a tensão, como os materiais biológicos (tendões e

ligamentos) que se tornam mais rígidos à medida que

são progressivamente deformados.

Na zona elástica, a área sob a curva corres-

ponde numericamente à energia absorvida pelo mate-

rial durante o carregamento, e é chamada Resiliência.

Desta forma, para materiais submetidos à mesma

deformação, quanto maior seu módulo de elasticidade

(maior inclinação da reta ou o ângulo Ө), maior será a

energia absorvida pelo material. A relação entre

Módulo de Elasticidade e energia absorvida pelo

material é importante, pois influencia a transmissão dos

esforços até os tecidos adjacentes ao implante6.

Para implantes de mesmo design, aquele

constituído por um material de maior módulo de

elasticidade será mais resiliente e assim irá restringir a

magnitude das tensões transmitidas ao osso adjacente.

Este fenômeno de diminuição dos esforços transmitidos

ao tecido ósseo, como a decorrente da presença de um

implante, denomina-se blindagem (stress shielding na

língua inglesa), e assim pode resultar na reabsorção

óssea adaptativa.

Ainda na Figura 13.2 observamos que a partir

do ponto A, se a tensão é removida, o material não

retorna ao seu estado original, indicando assim que

houve deformação definitiva (ou plástica), resultado de

um deslocamento permanente dos átomos que

constituem o material7. O ponto B delimita, portanto, a

região na qual o material sofre deformação permanente

e é chamado de ponto de escoamento. A tensão

associada a este ponto, chamada tensão de escoa-

mento,representa a capacidade do material resistir à

deformação permanente. Observe que nesta região o

material sofre uma grande deformação sem acréscimo

significativo da tensão. Contudo nos Biomateriais não

ocorre um escoamento típico sendo necessário definir-

se um limite convencional de escoamento como, por

exemplo, a tensão necessária para provocar uma defor-

mação permanente de 0.2 por cento. A figura 13.3 nos

apresenta um desenho da curva tensão-deformação

aproximada para os principais biomateriais utilizados

em cirurgia ortopédica (materiais cerâmicos, metálicos,

compósitos e poliméricos). Observe a diferença de

comportamento mecânico entre os diferentes materiais.

De volta à figura 13.2, após o escoamento (B),

observa-se um aumento progressivo da resistência do

material (por encruamento), até que a tensão atinja um

ponto máximo (ponto C) chamado limite de resis-

tência, após o que a ruptura pode ocorrer sem aumen-

to expressivo da tensão (limite de ruptura). A tensão

associada a este ponto é chamada de tensão de

ruptura (ponto D).

Fig. 13.2. Diagrama Tensão/Deformação. A zona elástica se estende da origem (0) ao ponto A. Nesta região a energia absorvida pelo material, chamada resiliência, é numericamente igual a área da região sob esta curva. No ponto B o material se deforma permanentemente (região de escoamento), onde se inicia a zona plástica. O ponto C representa a tensão e deformação máximas suportadas pelo material, enquanto o ponto D representa o ponto de ruptura do material. A tenacidade representa a energia absorvida pelo material desde a origem até a ruptura e é numericamente igual à área sob toda a extensão da curva..

Observe que no material em questão, no ponto B

(escoamento), pequena variação da tensão provoca

grande deformação do material, característica esta dos

materiais dúcteis (ex. biomateriais metálicos, polietile-

no). A ductilidade se refere, portanto à deformação

plástica total até o ponto de ruptura. A energia total

absorvida pelo material até sua ruptura é chamada de

tenacidade. Representada pela área sob a curva do

diagrama tensão-deformação até a tensão de ruptura,

indica a energia necessária para romper o material. De

modo mais simples e prático podemos entender a

tenacidade como a capacidade do material em resistir

ao impacto.

Por outro lado, materiais que sofrem ruptura,

sem deformação prévia significativa, são chamados de

materiais frágeis (como os materiais cerâmicos e o

cimento ósseo). Os materiais podem ser, portanto

tenazes (dúcteis quando se refere aos metais) ou

frágeis ou ainda alguma combinação dos dois, depen-

dendo da deformação que podem suportar previamente

à ruptura (Fig.13.4).

Algumas resinas, como o cimento ósseo,

quando aquecidas podem alterar seu comportamento

frágil para um comportamento mais tenaz, passando a

apresentar uma região plástica definida, desde que

ultrapassada uma determinada temperatura crítica

chamada Temperatura de Transição Vítrea (Tgs).

A dureza é uma propriedade que indica a

resistência do material à penetração. Os materiais de

maior dureza são mais difíceis de serem riscados e

mantém por tempo mais longo o polimento que lhes é

aplicado, sendo por isto mais frequentemente indica-

dos para o uso em superfícies articulares (cromo-

cobalto, materiais cerâmicos).

Materiais biológicos (como o tecido ósteo-

ligamentar) e alguns biomateriais (polietileno e cimento

acrílico) têm suas propriedades mecânicas governadas

pela sua característica viscoelástica, que lhes

conferem uma curva tensão-deformação particular, e

que se altera com a velocidade de aplicação do

esforço.

Esta característica se deve ao fato que estes

materiais não se comportam como uma mola simples,

mas sim continuam a se deformar mesmo quando

submetidos à tensão constante (Fig.13.5 A1 e A2).

Esta deformação plástica e progressiva dos

materiais em condições de tensão constante é

denominada fluência (creep ou cold-flow na língua

inglesa). O entendimento desta propriedade é

importante, por exemplo, para se avaliar o desgaste do

polietileno em substituições articulares protéticas.

Quando calculamos o desgaste da superfície

articular protética através de medidas radiográficas, na

verdade estamos considerando não só o desgaste real

do polietileno assim como sua deformação por fluência

(maior no primeiro ano após a artroplastia).

A fluência é grandemente influenciada pela

temperatura de modo que o cimento acrílico, por

exemplo, pode fluir em meio líquido à temperatura de

37ºC. Os metais, por sua vez somente apresentam

fluência importante a elevadas temperaturas.

Fig. 13.4. Diagrama Tensão/Deformação. O material frágil (1) não apresenta deformação plástica significativa e apresenta baixa tenacidade ou resistência ao impacto. O material dúctil (2) se deforma plasticamente antes de se romper e, principalmente nos metais, apresenta maior tenacidade.

Fig. 13.5. Em relação ao material elástico (A-1), o material viscoelástico continua a se deformar mesmo sem aumento da tensão (A-2). Para estes materiais, ao se remover a tensão, parte da energia é perdida (histerese- B).

Fig. 13.3. Diagrama Tensão/Deformação esquemático compa-rando o comportamento mecânico aproximado dos diferentes biomateriais utilizados em cirurgia ortopédica (materiais cerâ-micos, metálicos, compósitos e poliméricos).

A viscoelasticidade origina também a

propriedade de Relaxação de Tensão que se refere à

diminuição do esforço necessário para manter um

determinado estado de deformação em um corpo. A

curva tensão-deformação de materiais visco-elásticos

evidencia que ao se remover a tensão nem toda a

energia que foi aplicada ao corpo é recuperada. Esta

perda de energia quando da remoção da tensão é

denominada histerese (Fig.13.5B).

O diagrama tensão-deformação avalia o

comportamento mecânico de um material quando

submetido ao carregamento estático, condição esta que

difere do carregamento funcional cíclico em que a

resistência do material é freqüentemente muito menor.

Esta propriedade, de grande interesse para os

implantes protéticos, em que ocorre a diminuição na

carga máxima possível sob aplicação cíclica é

denominada fadiga, e é atribuída ao fato do material

não ser um sólido idealmente homogêneo.

A fadiga pode ser entendida a partir do

Diagrama S-N (Tensão/Nociclos ou diagrama de

Whöler) que relaciona a tensão com o número de ciclos

aplicados, em escala logarítmica (Fig.13.6). Neste

diagrama a tensão abaixo da qual o material não se

rompe por fadiga é chamada de limite de resistência à

fadiga. Implantes submetidos a tensões cíclicas abaixo

deste valor podem suportar um número infinitos de

ciclos.

A2. Propriedades Mecânicas e Modelo

Protético

Se por um lado a composição e estrutura de

um material determinam suas propriedades mecânicas

e podem habilitá-lo para a utilização como implante

protético, é preciso considerar que a rigidez de um

implante depende não somente dos esforços a que

está submetido (ambiente mecânico) como também de

suas propriedades geométricas (modelo protético).

Como exemplo, o ambiente mecânico a que está

sujeita uma haste femoral, promove deformações de

translação (linear), como também origina esforços

angulares e torcionais e, portanto deformações

transversais. A força que origina o movimento ao redor

de um centro de rotação é denominada Momento, e

atua através do braço de momento que é determinado

pela distância perpendicular do ponto onde a força é

aplicada, até o centro de rotação.

Desta forma o carregamento da haste gera um

momento fletor que ocasiona tensões de tração na

superfície convexa e tensões compressivas na

superfície côncava. A resistência de um corpo ao

momento fletor pode ser avaliada numericamente pela

equação Rf = E . I onde E representa o Módulo de

Elasticidade e I o Momento de Inércia que,

conceitualmente, é uma medida de como o material

está distribuído na seção transversa de um corpo, em

relação à força aplicada.

Seja uma haste femoral como a representada

na figura 13.7. Observe que sua resistência ao momen-

to fletor será diferente nas duas circunstâncias de car-

regamento apresentadas (Fig.13.7A e B).

Para uma estrutura de área de seção

transversa retangular o momento de inércia é dado por

I = base . altura3 /12. Note-se que a altura tem uma

relação cúbica com o momento de inércia e assim na

situação A (flexão no plano frontal) o momento de

inércia é maior e associado à maior resistência à flexão

que na situação B (plano sagital). Portanto a região de

um implante com menor momento inércia (I) está

sujeita a maiores deformações. Para hastes cilíndricas,

e portanto área de seção transversa circular, I = π.r4/4,

onde r representa o raio do círculo.

Fig.13.6. Diagrama S-N típico para ligas de titânio, molibdênio e metais ferrosos em geral.. Observe que para elevadas tensões (δ) um pequeno número de ciclos (N) é suportado pelo material. Para tensões menores um maior número de ciclos é possível, até que, para uma tensão crítica (tensão de fadiga- δf) define-se o limite de fadiga como a tensão abaixo da qual o material suporta um numero infinito de ciclos.

Fig.13.7. (A) o momento de inércia no plano frontal é maior que no plano sagital (B), uma vez que tem relação cúbica com a altura em áreas de seção retangulares. h= altura, b= base, I= momento de inércia.

O carregamento fisiológico impõe ainda um

momento torsional na haste, que resulta em tensões de

cisalhamento em toda a área de seção transversa do

implante. A resistência de um corpo ao momento de

torção pode ser avaliada pelo Momento Polar de

Inércia (J, Fig.13.8).

Para uma haste cilíndrica o momento polar de

Inércia será J = π.r4/2 e assim uma haste cujo raio é o

dobro de outra do mesmo material, terá um momento

de Inércia 16 vezes maior. Caso as hastes tenham o

mesmo comprimento, a mais grossa será 16 vezes

mais resistente à torção que a haste mais fina.

O conceito clássico de Tensão se fundamenta na

condição em que o esforço é aplicado em uma ampla

área da estrutura (e não em um ponto localizado), e que

a área de seção transversa seja constante em toda a

estrutura, de modo que a distribuição das tensões seja

uniforme. Caso a área de seção transversa seja

perturbada pela presença de orifícios, trincas, sulcos,

riscos, ou ainda o esforço seja aplicado sobre uma área

restrita da estrutura, a distribuição da tensão não será

uniforme, concentrando-se no local onde a descon-

tinuidade esteja presente, ou na região ao redor do

ponto de aplicação da força. Esta situação caracteriza o

fenômeno de concentração de tensões, e explica o

fato de que uma estrutura, ainda que submetida a

tensões em níveis abaixo da resistência à fratura, na

condição de área de seção uniforme, possa falhar de

modo inesperado. Este efeito tem grande importância

no tecido ósseo e nos implantes osteoarticulares uma

vez que detalhes do design e do acabamento da

superfície podem determinar o aparecimento de regiões

em que a concentração de tensões seja responsável

pela falência da estrutura.

A avaliação das tensões em uma determinada

estrutura (ossos ou implantes) é bastante complexa,

pois envolve o conhecimento dos esforços principais e

de cisalhamento em um determinado ponto.

Na prática frequentemente se utiliza o método de von

Mises que descreve o estado de tensões em um ponto

com um único valor (tensão equivalente ou tensão de

von Mises), cuja magnitude pode indicar a possibilidade

de escoamento, quando comparado aos valores de

testes simples de tração uniaxial9.

A3. Avaliação Experimental dos Esforços

Periprotéticos

A longevidade da reconstrução protética está

associada à sobrevivência dos implantes e suas

interfaces. Durante a substituição articular protética, o

osso é transformado em um compósito constituído por

metal, osso e eventualmente por cimento acrílico,

materiais estes que do ponto de vista mecânico

apresentam propriedades bastante distintas. A

diferença de rigidez e ductilidade destes materiais faz

com que a micromovimentação entre as diferentes

interfaces seja inevitável uma vez que o carregamento

irá ocasionar deformações diferentes em cada um

destes elementos. A alteração do padrão de transmis-

são de carga promove a remodelação óssea, já reco-

nhecida por Wolff10

, que descreveu a adaptação

funcional do osso às solicitações mecânicas. A intromis-

são de um elemento com maior rigidez no interior do

osso pode causar a blindagem (stress shielding), e

assim ocasionar a remodelação óssea adaptativa.

Desta forma a estabilidade e sobrevivência dos

implantes irão depender, em grande parte, da

resistência destes materiais e como os esforços serão

transferidos da haste ao manto de cimento e/ou ao

tecido ósseo adjacente. A avaliação da mudança do

padrão de carregamento ósseo, estabilidade e

comportamento dos implantes protéticos e suas

interfaces pode ser feito por diferentes métodos.

Fig. 13.8. (A): momento de inércia, (B):momento polar de inércia. (C e D): distribuição das tensões de cisalhamento em corpos de área de seção transversa circular quando submetido ao momento torsor.

Fig.13.9.(A):Haste femoral submetida à análise laboratorial. Observa-se a fratura na altura na transição dos 2/3 proximais com 1/3 distal. (B): Plano de fratura coincidente com a marcação de identificação. (C): Aspecto geral da fratura apresentando um intenso amassamento (seta). (D): Estrias de fadiga observadas em MEV. (E): Micro trinca cuja origem coincide com a alteração micro-estrutural devida à marcação a laser. A marcação a laser impôs transformação da microestrutura austenítica em alta temperatura, ocasionando a concentração de tensões neste local.

Diagrama de Corpo Livre: As forças que atuam em

uma determinada articulação podem ser represen-

tadas matematicamente pela força resultante (R), cuja

intensidade pode ser calculada indiretamente através

dos diagramas de corpo livre, em que se isola mate-

maticamente uma articulação e a avaliamos como se

estivesse em condições de equilíbrio estático. Nesta

condição a somatória dos momentos que estão atuan-

do deve ser igual a zero e assim podemos calcular a

magnitude das forças envolvidas. No exemplo da

articulação do quadril quando avaliada no plano frontal

em condições de apoio monopodal, as forças atuantes

são a força peso que considera a massa acima do

centro de rotação do quadril, (Fp, de módulo cerca de

5/6 do peso corporal) a qual impõe um momento

adutor ao quadril mediante um braço de momento dp.

Este momento (Mp) deve ser contra-balanceado pelo

momento abdutor (Ma) gerado pela força abdutora

(Fa) atuando através do braço de momento da. Em

condições de equilíbrio os momentos são iguais e,

nestas condições, a força abdutora deve ser aproxi-

madamente 2.5 vezes o peso corporal11

(Fig. 13.9).

Durante a artroplastia a relação entre os braços de

momento pode ser alterada. Caso ocorra diminuição

do braço de momento abdutor (offset femoral), o

equilíbrio irá requerer maior força da musculatura

abdutora e assim aumentar a resultante e a força de

contato articular, predispondo, desta forma, ao maior

desgaste dos componentes articulares protéticos.

Embora os valores obtidos pelo diagrama de corpo

livre sejam aproximados e desconsiderem algumas

variáveis inerciais, seu valor é muito próximo do obtido

por métodos clínicos por telemetria que utiliza

implantes instrumentados com sensores específicos,

e, portanto de utilização restrita3.

Elemento Finito: Utiliza-se de uma técnica computa-

dorizada de análise de tensões em que, a partir da

definição geométrica (design do implante), o modelo é

dividido em várias seções (elementos), conectadas

entre si através de nós que estarão sujeitos a

aplicação de forças (Fig 13.10 A e B).

Uma vez definida a rigidez do material na

direção avaliada, o programa soluciona automática-

mente um grande numero de equações que governam

o deslocamento nodal no modelo, a partir do que se

podem calcular as tensões e deformações associadas.

Estas informações podem ser utilizadas, por exemplo,

para a predição do remodelamento ósseo, falha nas

interfaces, trincas no manto de cimento e falha

mecânica do implante (Fig 13.10C-F).

Nas Simulações Mecânicas são realizados implantes

experimentais em ossos sintéticos (plásticos) ou

cadavéricos que são submetidos ao carregamento

cíclico em máquinas de ensaios mecânicos. Objetivam

avaliar deformações e calcular tensões nas diferentes

regiões do osso e implante assim como nas interfaces,

através de sensores mecânicos de resistência elétrica

(strain gauges).

A migração e micromovimentação também

podem ser avaliadas através de extensômetros já

acoplados diretamente à maquina de ensaios

mecânicos, ou ainda através de sensores mecânicos

tipo LVDTs ( Linear Variable Differential Transformer),

que não utilizam sensores mecânicos de resistência

elétrica, mas sim se baseiam no efeito de indução

metálica cuja excitação é feita por corrente alternada.

Embora sejam bastante precisos (décimos de

micrômetros), os LVDTs são bem mais onerosos que

os dispositivos que se utilizam de sensores mecânicos

de resistência elétrica (Fig 13.11 A-F)12

.

Fig 13.9 Diagrama de corpo livre para o quadril, no plano frontal, em condições de apoio monopodal. Ver descrição detalhada no texto.

Fig 13.10. (A,B e C) Modelagem computacional por elementos finitos do fêmur proximal (comparado à radiografia no plano frontal). Cortesia DallaCosta D. U.F. Santa Catarina.( D,E,F): Modelagem de bandeja tibial mostrando a região de concentração de tensões (seta), que promoviam a ruptura deste dispositivo metálico em artroplastia total de joelho.

Um tipo especial de ensaio é feito através de

simuladores articulares, com o objetivo de se avaliar o

desgaste dos componentes protéticos, mediante a

simulação dos movimentos articulares principais

(Fig.13.12). Estes simuladores substituíram testes

mais simples como o pino em disco em protocolos

para estudos de desgaste.

B. ESTRUTURA E COMPOSIÇÃO DOS

BIOMATERIAIS

B1. Materiais Metálicos

Os metais e algumas ligas metálicas são

materiais adequados à utilização como implantes

protéticos graças à sua resistência ao carregamento

cíclico e grande ductilidade. As propriedades como

biocompatibilidade, resistência à corrosão, resistência

mecânica e ao desgaste são, contudo bastante de-

pendentes da estrutura, composição e processa-

mento da liga, do design protético e do ambiente

mecânico a que o implante está sujeito. Estrutural-

mente são materiais cristalinos, em que cada cristal

individual, denominado grão, contém no seu interior

átomos arranjados segundo um único modelo e

orientação.Contudo, o fato de grãos adjacentes apre-

sentarem orientação cristalina distinta, resulta na

formação de uma zona de transição entre eles,

chamada contorno de grão, onde existe o empaco-

tamento de átomos com energia mais elevada que

em seu interior. O tamanho dos grãos tem grande

influência nas propriedades dos metais e pode ser

alterado por vários processos químicos e

metalúrgicos. Com raras exceções, podemos dizer

que maiores grãos implicam em menor resistência à

tração e à fadiga da liga metálica. Algumas

propriedades mecânicas das principais ligas

metálicas comparadas ao osso cortical e esponjoso

são mostradas na Tabela 13.1.

A composição química e a presença de

inclusões podem alterar não só as propriedades

mecânicas como a resistência à corrosão e assim a

biocompatibilidade das ligas metálicas. A resistência

à corrosão depende em grande parte da presença de

uma camada natural de óxido estável e bem aderente

ao substrato, chamada camada de passivação, que

protege a superfície do implante da ação dos fluidos

biológicos adjacentes. Durante o processo de

fabricação, os implantes são ainda submetidos à

deposição adicional de óxidos em sua superfície. A

camada de passivação pode ser removida por ação

biológica ou mecânica como a micro-movimentação

in vivo do implante (denominada fretagem, por

contaminação do termo na língua inglesa fretting).

A composição da liga pode incluir elementos

que quando do rompimento desta camada, auxiliam

na formação de uma nova camada protetora (auto-

passivação). O teor adequado de Cromo, Níquel e

Molibdênio, aumenta a resistência à corrosão,

enquanto o Manganês e o Nitrogênio dão estabilida-

de à estrutura austenítica do aço Inox, e o Enxofre e

Selênio facilitam o processo de fabricação (usinabili-

dade). A presença de maior teor de carbono pode

aumentar a dureza e resistência do material em

prejuízo da ductilidade e, em caso de precipitação de

carbonetos, pode predispor à sensitização (ou

corrosão intergranular). Os materiais metálicos mais

utilizados como implantes protéticos são as ligas de

Aço Inoxidável, ligas a base de Cobalto, Titânio e

suas ligas, e o Tântalo.

Fig.13.11. Simulação mecânica em ossos sintéticos (A) de Artroplastia de quadril (B) , avaliada em máquina de testes materiais (C) quanto as tensões no manto de cimento e na superfície do modelo através de extensômetros (D) e LVDTs (E). Detalhe do sensor mecânico de resistência elétrica (F)12

Fig.13.12. Desenho esquemático de um simulador de quadril desenvolvido no Laboratório de Engenharia Biomecânica da Universidade Federal de Santa Catarina. Cortesia Engenheira Daniela Águida Bento, M.Sc.

a) Aço Inoxidável:

As ligas de aço inoxidável (metais ferrosos),

introduzidas para uso como implantes ortopédicos

(Grupo III ou série austenítica – 316), sofreram

adequações em sua composição para melhor

desempenho em meio biológico. Utiliza-se baixo teor

de carbono (316L: L referente à Low carbon) uma vez

que os átomos de carbono podem segregar-se dos

cristais reagindo com o cromo formando assim preci-

pitados de carboneto de cromo, que se acumulam

nos contornos de grãos. Este fato resulta na dimi-

nuição da concentração de cromo nesta região

predispondo à corrosão intergranular, que pode

promover a falha dramática do metal quando exposto

ao meio corrosivo.

No sentido de diminuir as inclusões que

podem predispor à falência mecânica por fadiga, o

processamento de fusão à vácuo deu origem ao aço

316LVM (Low carbon, Vacuum Melting). Esta liga

apresenta maior resistência à fadiga por produzir um

material com menor teor e menor tamanho de

inclusões. Alterações em sua constituição objetivando

maior resistência à corrosão resultaram em norma-

lizações específicas para sua composição química

principalmente no que diz respeito à relação entre os

teores de Cromo e Molibdênio (ISO 5832-1 ou ASTM

F138-92), no maior conteúdo de Nitrogênio e Nióbio

(ISO 5832-9 ou ASTM 1586-95) ou menor conteúdo

de Níquel (F2229). Embora as ligas de aço Inox

tenham sido bastante utilizadas como implantes

protéticos até uma década atrás nos EUA, e ainda o

são na Europa e no Brasil, a ocorrência de diferentes

processos corrosivos, e a introdução de novas ligas

metálicas não ferrosas, limitaram seu uso como

implante permanente. O baixo custo de produção, as

propriedades mecânicas e a resistência à corrosão

galvânica, contudo habilitam certas ligas (ASTM

F138-92, F1586-95) para utilização como implantes

osteoarticulares. O papel de novas ligas de Inox com

diferentes teores de nitrogênio, nióbio e Níquel na

confecção de implantes protéticos, como as descritas

acima, ainda não está determinado.

b) Ligas de Cromo-Cobalto:

Nas ligas de Cromo-Cobalto (ASTM F75, F90,

F562, F563 e outras) o maior teor de Cromo promove

maior resistência à corrosão, e o Molibdênio produz

grãos mais finos. Diferentemente das ligas de aço

Inox, sua microestrutura permite maior concentração

de carbono cujos carbonetos resultantes encontram-se

dispersos no interior dos grãos e em seus contornos, e

assim sua precipitação pode resulta em maior

resistência e maior dureza da liga. Desta forma estas

ligas são caracterizadas por elevada resistência

mecânica e à corrosão, o que as credenciam para o

uso em implantes protéticos. Sua elevada dureza

permite seu uso como superfície articular constituindo

assim o par tribológico com o polietileno ou com a

própria liga metálica (articulação metal-metal).

Apresentam como desvantagem a grande

dificuldade para serem usinados. Sua elevada rigidez

e portanto maior resiliência pode produzir grande

remodelação óssea adaptativa por blindagem, de

conseqüências mais observadas em implantes não

cimentados.

c) Ligas de Titânio:

Os grandes atrativos das ligas de titânio como

implante protético, são sua alta resistência e seu baixo

módulo de elasticidade (E= 110 GPa) que resultam em

flexibilidade 2 vezes maior e resistência à fadiga no

mínimo 30% maior que as ligas de aço Inox. A grande

afinidade do titânio pelo oxigênio permite a auto-

passivação e assim grande resistência à corrosão.

Contudo altos teores de oxigênio, como constituinte da

liga, comprometem a resistência à fadiga e sua

ductilidade tornando-a mais frágil.

Estas características habilitam as ligas de

titânio (Ti-6Al-4V, ou Ti-6Al-7Nb) para utilização em

implantes destinados a fixação biológica (não

cimentados). Eventualmente em uma determinada

região do implante se aplicam superfícies micro-

porosas constituídas por titânio comercialmente puro

(ASTM F67) com o objetivo de facilitar o processo de

osteointegração.

Sua utilização como hastes cimentadas está

associada a um elevado grau de corrosão, pelo baixo

teor de oxigênio na interface haste/cimento, o que

ocasiona uma pilha de aeração diferencial, e

consequentemente a corrosão em frestas13

.

Novas ligas e novos processamentos estão

sendo recentemente introduzidos, como o caso das

Ligas de Titânio β que apresentam módulo de

elasticidade ainda mais baixo (cerca de 80 GPa) como

a liga Ti-13Nb-13Zr.

Uma grande desvantagem das ligas de titânio

é sua baixa resistência ao desgaste, inviabilizando sua

utilização como superfície articular. Mesmo a

micromovimentação em caso de instabilidade do

implante é suficiente para ocasionar desgaste por

fretagem (fretting) e assim produzir e depositar óxido

de titânio que ao impregnar os tecidos adjacentes

denomina-se metalose. Esta baixa resistência ao

desgaste tem levado alguns cirurgiões a proscreverem

sua utilização como implantes cimentados, nas

situações em que um ambiente pobre em oxigênio

pode ocasionar uma pilha de aeração diferencial

(corrosão em frestas ou crevice corrosion) 13

.

Novos processamentos do titânio como a

expansão a vácuo, pode produzir uma estrutura

metálica com grande porosidade que se assemelha ao

osso esponjoso (Fig.13.13) e por isto denominada

metal trabecular (termo descrito inicialmente em

relação ao tântalo – ver seção abaixo)8.

Ao contrário do tântalo, de utilização clínica já

estabelecida, o metal trabecular de titânio ainda está

restrito à produção experimental.

d) Tântalo e outros Materiais Metálicos.

O tântalo processado de maneira a constituir

uma estrutura trabecular (por isto denominado metal

trabecular) semelhante à observada na figura 13.13,

vem ganhando utilização crescente devido ao seu

módulo de elasticidade que se situa entre o do osso

esponjoso e do osso cortical (1-16 GPa). Sua bio-

compatibilidade manifesta através do crescimento

osteoblástico, que chega a preencher 40-50% das

cavidades porosas em cerca de 4 semanas, habilita

sua aplicação em inúmeras circunstâncias osteo-

articulares em que se necessita de preenchimento

ósseo. Mais freqüentemente é utilizado em cirurgias

reconstrutoras do quadril e joelho e notadamente em

deficiências acetabulares em artroplastia de revisão de

quadril.

O processamento deste metal trabecular en-

volve a produção de um esqueleto poroso de carbono

(cerca de 75-80% de poros em volume) sobre o qual é

depositado o tântalo comercialmente puro. O elevado

coeficiente de atrito sobre a superfície do implante de

tântalo agrega estabilidade inicial e melhor fixação

mecânica ao osso adjacente. Seu uso em revisão

acetabular, muito embora os resultados iniciais sejam

adequados, necessita maior tempo de seguimento,

uma vez que é conhecida a deterioração dos resulta-

dos com os métodos usuais, quando avaliados com

mais de 10 anos de acompanhamento. É também

motivo de preocupação a indicação de cimentação do

inserto de polietileno, uma vez que o baixo módulo de

elasticidade do tântalo pode gerar maior deformação

do manto de cimento, que é muito sensível às defor-

mações. O elevado custo constitui também limitação

adicional de sua utilização.

Cabe mencionar ainda outras ligas que

utilizam Zircônio (Zr-Nb) e apresentam propriedades

mecânicas muito próximas às ligas de titânio. Sua

passivação quando do aquecimento controlado, é feita

pela formação de óxido de zircônio que é altamente

resistente ao desgaste e à corrosão.

B2. Materiais Poliméricos

a. Polietileno de Ultra Alto Peso Molecular

(PEUAPM). Na artroplastia de quadril, este polímero surgiu

como superfície articular protética em substituição ao

politetrafluoretileno ou fluon (Teflon®) o qual, inicial-

mente utilizado por apresentar baixo coeficiente de

atrito, mostrou-se muito pouco resistente ao desgaste.

Esta característica se manifestou por inúmeras e preco-

ces lesões osteolíticas, resultado da reação orgânica ao

grande número de partículas produzidas14

. Por outro

lado o polietileno constituído por longas cadeias carbô-

nicas saturadas de ultra alto peso molecular

(PEUAPM), quando comparado ao flúon, apresenta

maior resistência ao desgaste (cerca de 1000 vezes). É

preciso diferenciar o PEUAPM utilizado como super-

fície articular (PM maior que 1 milhão) do polietileno de

alta densidade (PEAD - PM entre 50 a 100 mil daltons),

por vezes erroneamente usados como sinônimos, uma

vez que este último apresenta menor resistência ao

impacto, ou seja, menor tenacidade, assim como menor

resistência à fadiga e, portanto inapropriado para o uso

biológico em superfícies protéticas.

Este polímero termoplástico é obtido pela poli-

merização do etileno, que resulta na formação de um

pó com partículas entre 100 e 200 m, sendo que cada

partícula é formada por esferas menores que 1 m, ou

seja, partículas submicrômicas (Fig.13.14). Estas esfe-

ras têm a mesma dimensão e morfologia dos debris

detectados nos tecidos como resultado do desgaste do

polietileno.

A partir deste pó de polietileno o processo de

conformação em uma estrutura sólida, seja na forma de

tarugos (por extrusão), placas (por moldagem) ou até

mesmo no implante diretamente (moldagem por com-

pressão), é chamado de fusão ou consolidação.

Fig.13.14. Obtenção do polietileno (PE) a partir da polimerização do etileno.

Fig. 13.13. Aspecto trabecular do titânio expandido a vácuo. Cortesia Dr Carlos S. Lambert. Departamento de Física da Universidade Estadual de Campinas –Unicamp, SP

Mesmo com toda a técnica atual de processamento, a

consolidação pode ser difícil devido ao seu elevado PM,

o que pode ocasionar a fusão incompleta ou defeitos de

consolidação. Estes defeitos agem como concentrado-

res de tensões enfraquecendo assim o PE, o que pre-

dispõe ao aparecimento de trincas que ao se propa-

garem podem causar sua delaminação e falência em

serviço. Os defeitos de fusão são mais comuns no

processo de moldagem em placas e menos freqüentes

na extrusão e na moldagem por compressão.

Do ponto de vista estrutural o PE apresenta

uma morfologia semicristalina e, portanto duas fases

distintas (Fig.13.15). A fase cristalina esta constituída

por cadeias dobradas que estão dispersas ao acaso em

uma fase amorfa constituída por cadeias não ramifica-

das de polietileno.

Assim como as propriedades mecânicas, o

percentual de região cristalina depende fundamental-

mente do PM e do processamento para a obtenção do

pó (polimerização, consolidação e esterilização), porém

o grau cirúrgico utilizado apresenta cristalinidade

frequentemente na faixa entre 58-75 por cento. Após o

processo de consolidação, dependendo da técnica

empregada, a cristalinidade flutua entre 50-55 por

cento. Consideradas estas variações pode-se dizer,

contudo que o PE é um material dúctil, tenaz e que

apresenta uma grande fluência.

O aumento da resistência ao desgaste do

polietileno tem sido obtido pela elevação do seu peso

molecular, decorrente da formação de ligações

cruzadas (cross-linking) entre as cadeias, resultantes

da formação de radicais livres produzidos, mais

freqüentemente, por irradiação Gama15

.

b) Polimetacrilato de Metila (PMMA)

O cimento ósseo (PMMA), utilizado desde há

cerca de 50 anos com o objetivo de acoplar implantes

artroplásticos ao tecido ósseo adjacente, é uma resina

acrílica resultante da polimerização do metacrilato de

metila (MMA)14.

Embora este monômero (MMA) possa sofrer

autopolimerização, o processo é muito lento, produz

substancial elevação da temperatura e grande com-

tração volumétrica (ao redor de 27%) devido à dife-

rença de densidade entre monômero e polímero. As

formulações comerciais atuais, pouco modificadas

desde a década de 60, constam basicamente de um

pré-polimerizado (pó) que misturado ao monômero

(líquido) resulta na polimerização em poucos minutos,

na dependência de sua composição química. A

utilização do pré-polimerizado reduz a quantidade de

monômero necessária à polimerização e assim diminui

a contração para cerca de 7%, além de auxiliar na

dissipação do calor produzido. Este processo

acelerado de polimerização necessita da atuação de

iniciadores de reação acrescentados ao pó (Peróxido

de dibenzoilo) e ao líquido (N, N Dimetil paratoluidina).

A presença de estabilizadores (Hidro-quinona ou Ácido

Ascórbico) adicionados ao monômero é necessária

para que não haja auto-polimerização durante o

período de armazenamento e transporte. Para uma

adequada visualização radiográfica do manto de

cimento, acrescenta-se ao pó substâncias radiopacas

como o Sulfato de Bário ou o Óxido de Zircônio

(Fig.13.16).

O processo químico da polimerização se inicia

pela mistura do monômero (líquido) ao pré-polimerizado

(pó), ocasião em que a decomposição do peróxido de

dibenzoilo pela N,N dimetil paratoluidina produz radicais

(benzoílos), que atacam a insaturação carbônica do

metacrilato de metila, gerando assim radicais livres na

molécula do monômero. A ligação entre átomos de

carbonos de moléculas adjacentes, por meio dos

radicais livres, promove a formação de longas cadeias

cujos pesos moleculares variam entre 250 mil a

800.000 daltons. Com o progresso da polimerização as

cadeias crescem e originam um material duro de

Fig.13.16 Obtenção do cimento acrílico (PMMA) a partir do metacrilato de metila na presença de aditivos. A formulação dos cimentos disponíveis comercialmente é bastante variada e assim nem todos os cimentos de PMMA são iguais.

Fig.13.15. Estrutura semi-cristalina do polietileno. As ligações cruzadas obtidas por irradiação gama ocorrem na fase amorfa que apresenta maior mobilidade das cadeias carbônicas.

características vítreas o que dificulta a difusão

subseqüente do monômero e a propagação da cadeia.

Assim o processo de polimerização apresenta

uma fase inicial de contração de volume (ao redor de

7%), seguida por uma fase de expansão térmica pelo

aumento da temperatura (cerca de 80ºC) e finalmente

uma fase de contração volumétrica e térmica

ocasionada pelo resfriamento16

.

Do ponto de vista mecânico o PMMA é um

sólido com característica viscoelástica, de baixa rigidez

(E= 2.3 GPa, comparado ao Eosso cortical:16 GPa, ECr-Co:

250 GPa). Porém quando comparado a outros

polímeros (como por exemplo, o polietileno) apresenta

grande rigidez e baixa ductilidade, e, portanto um

comportamento frágil17

. Estas propriedades devem ser

consideradas perante sua utilização em artroplastias

que requer uma atuação como transmissor de esforços

do implante aos tecidos adjacentes18,19.

Com características viscoelásticas o cimento

pode fluir, e assim permitir a migração de implantes,

muito embora a fluência no manto de cimento seja de

pequena magnitude frente ao que se observa em

situações clinicas20

. Em artroplastias experimentais in

vitro o cimento ósseo esta sujeito a tensões muito

próximas do seu limite de resistência quando em

carregamento cíclico, circunstância em que a fluência,

após um período de aumento rápido, tende a

permanecer constante nos ciclos subseqüentes12,16

.

Saliente-se, contudo que a resistência mecânica do

cimento é dependente de vários fatores como o peso

molecular, proporção e constituição do monômero,

características e concentração dos aditivos, tempe-

ratura, métodos de esterilização e técnica de manejo.

Desta forma a utilização do cimento ósseo requer uma

técnica adequada e racional dentro dos preceitos

recomendados pelo fabricante, assim como do

conhecimento dos fatores que possam alterar seu

comportamento mecânico18,21.

B3. Materiais Cerâmicos

Os biomateriais cerâmicos se referem a um

grupo de materiais quimicamente compostos pela

ligação iônica de um ou mais íons metálicos com um

íon não metálico, frequentemente o oxigênio. Sua

estrutura molecular é bastante variável podendo se

apresentar sob a forma policristalina ou amorfa. A

potente ligação iônica confere aos materiais cerâmicos

grande estabilidade, elevado ponto de fusão, grande

dureza e resistência às alterações químicas sendo,

portanto inerte nos fluidos biológicos uma vez que

liberam quantidade desprezível de produtos de

degradação. Representam uma variada classe de

biomateriais cujos principais representantes são a

alumina (Al2O3), zircônia (ZrO2),e a hidroxiapatita

(Ca10(PO4)6(OH)2,

A utilização da alumina cerâmica (Al2O3) há

cerca de 30 anos como superfície articular confirmam

suas excelentes propriedades tribólogicas22

oriundas de

sua elevada dureza (Dureza Vickers >2000 HV), baixo

ângulo de contato (maior molhamento – Ver seção de

propriedades tribológicas).

A zircônia (ZrO2) introduzida como opção de

superfície articular com o polietileno na década de 80, é

um composto cerâmico que pode se apresentar sob

diferentes fases de acordo com a temperatura. Por este

motivo, estabilizadores de fase devem ser adicionados

durante a fabricação23

. Ainda que apresente maior

resistência mecânica que a alumina, a possibilidade de

transformação de fase limita sua produção a fornos

específicos e impede sua esterilização em vapor úmido

(autoclave), uma vez que nestas condições a incidência

de fratura de cabeças cerâmicas podem se aproximar

de 9 por cento. A adição de zircônia estabilizada em

ítria ao substrato de alumina tem obtido excelentes

resultados quanto a sua resistência à fratura em

cabeças femorais protéticas22

.

A Hidroxiapatita inclui um grupo de cerâmicas

policristalinas de fosfato de cálcio, com estrutura

semelhante à apatita óssea, seja de origem mineral

(fosfato de cálcio tribásico) ou sintética (fosfato

tricálcico).Tem função predominantemente osteocon-

dutiva e por isto na sua forma granular ou maciça é

usado em enxertia óssea de defeitos ósseos

cavitários. Sua resistência à fadiga é baixa e, portanto

não adequada à ambientes de grande solicitação

mecânica.

Muito embora, a biocerâmica de hidroxiapatita

e fosfato tricálcico maciça tenha sua comercialização

liberada, consideramos que seu uso como substituto

ósseo, sob a forma de enxerto estrutural, em defeitos

segmentares deva ser avaliado clinicamente em

seguimentos mais tardios, antes de sua incorporação

rotineira à prática médica (Fig.13.17).

Fig.13.17. Radiografia de pelve no plano frontal (A) e fêmur esquerdo no plano sagital (B) de uma paciente com 38 anos em que se observa extensa perda óssea femoral e acetabular. Foi feita a cor-reção com enxerto femoral maciço de biocerâmica no acetábulo (C –superior) e no fêmur proximal (C-inferior e D). Dezoito meses após o ato cirúrgico observa-se o posicionamento adequado dos implantes, e uma nuvem de calo ósseo adjacente à porção medial e posterior da transição entre o enxerto e o osso femoral (E e F – setas), sem contu-do observarmos o fechamento da fenda entre os dois elementos.

A hidroxiapatita pode ser utilizada também

como um pré-revestimento em implantes permanentes

ou até temporários, no sentido de agregar ao efeito

osteocondutor uma real ligação química entre esta

camada e o substrato ósseo adjacente favorecendo

assim a osteointegração.

B4. Compósitos

Referem-se à combinação de materiais de

modo que as propriedades mecânicas resultantes

sejam superiores a dos componentes isoladamente.

Frequentemente agregam um elemento constituído por

fibras a um elemento matricial, como as fibras de

carbono adicionadas a uma matriz polimérica. Sob este

prisma o osso é per se um material compósito que

apresenta fibras colágenas imersas em uma matriz

inorgânica.

Várias tentativas de aumentar a tenacidade do

cimento ósseo foram feitas através da produção de um

compósito que incorporava outros elementos como a

fibra de carbono, polietileno, titânio, grafite e aço entre

outras substâncias. Contudo, a biocompatibilidade e

complicações do processamento destes materiais

comprometeram a implementação do processo de

manufatura.

Dentre os compósitos utilizados em cirurgia

ortopédica, destacam-se a polissulfona, a fibra de

carbono (ambos por sua importância histórica), os

compósitos cerâmicos e o poliéter-éter-cetona (ou

PEEK), este de utilização mais ampla. Nova superfície

articular a base PEEK tem sido testada experimen-

talmente e clinicamente, porém os resultados em longo

prazo devem ser aguardados.

C. PROPRIEDADES TRIBOLÓGICAS DOS

IMPLANTES PROTÉTICOS.

O termo tribologia se refere à ciência que

estuda a interação de superfícies em movimento

relativo e, portanto considera suas determinantes

principais que são o atrito, a lubrificação e o desgaste.

Atrito: O conceito de atrito diz respeito à obstrução

(atrito estático) ou à restrição (atrito cinético) ao movi-

mento relativo entre as superfícies de corpos em

contato, quando sujeitos a uma força externa. A força

de atrito é gerada pela deformação na superfície de

contato entre os materiais, e pela adesão entre os

átomos e moléculas das superfícies opostas. Age

tangencialmente à superfície e seu módulo independe

da área de contato aparente entre os corpos, porem é

função direta do valor da força normal24

.

Desta forma define-se coeficiente de atrito (µ),

como a relação entre a força de atrito (Fa) e a força

normal (Fn), que por este fato é uma grandeza

adimensional (Fig.13.18A).

Fig.13.18. (A): O coeficiente de atrito é uma grandeza adimensional, resultado da relação entre a força de atrito e força normal. (B): Superfície de cabeça metálica polida e aparentemente lisa a olho nu apresenta (C): à microsocopia, irregularidades ou asperezas em sua superfície cujo (D): perfil pode ser determinado e mensurado (em Ra- rugosidade media) por aparelhos como o rugosímetro.Fonte Gomes LSM25 Mesmo em implantes polidos e aparentemente

lisos, o atrito pode ocorrer pelas irregularidades

superficiais (rugosidade) em nível microscópico, cujo

perfil pode ser avaliado por aparelhos como o

rugosímetro25

(Fig.13.18B,C e D).

Diferentemente das propriedades mecânicas

como o módulo de elasticidade e tenacidade, o coefi-

ciente de atrito não é uma propriedade do material e,

assim pode ter diferentes valores em função do par

tribológico (Fig. 13.19A), da configuração de contato

(Fig. 13.19B) e do ambiente e regime de lubrificação

(Fig.13.19C)26

.

Os biomateriais constituintes do par tribológico,

o design e a tecnologia de fabricação influenciam

grandemente na intensidade do atrito, uma vez que sua

origem está ligada à deformação na superfície de

contato entre os materiais, e pela adesão entre os

átomos e moléculas das superfícies opostas. Assim, a

rugosidade e a deformação das superfícies em contato

impõem certa restrição ao movimento.

Fig.13.19. Fatores que interferem no coeficiente de atrito. (A) Os biomateriais que constituem o par tribológico, (B) e sua confi-guração de contato, (C) assim como o ambiente adjacente e o re-gime de lubrificação (Fonte Gomes, LSM25 Modificado de Mischler 26)

É evidente que quanto maior a dureza dos

materiais que compõe o par tribológico, mais fácil a

manutenção do polimento e mais difícil riscar a cabeça,

restringindo assim as asperezas de superfície. Por este

motivo as superfícies mais duras (Cerâmica/Cerâmica,

Metal/ Metal e Cerâmica/Metal) apresentam melhor

desempenho tribológico27-29

. Outro mecanismo de atrito

dependente do par tribológico ocorre pela adesão

(ligações químicas) entre as superfícies protéticas, em

muito semelhante ao mecanismo de fusão a frio.

O atrito gerado pela força de atração entre as

moléculas das superfícies opostas, chamadas forças

de adesão, ocorre em regiões de contatos localizados,

como alterações de esfericidade da cabeça ou

imperfeições decorrentes da usinagem. Desta forma,

as ligações químicas entre as moléculas de superfícies

opostas, podem se opor ao início do movimento (atrito

estático), e assim o movimento ulterior só será possível

pela ruptura destas ligações, resultando na remoção de

material da superfície articular. Este mecanismo ocorre

mais intensamente quanto maior for a força de atração

entre as superfícies e é bastante evidente na articula-

ção metal/metal durante o período inicial de atividade

(run-in), pela intensidade da atração decorrente da

ligação metálica. Com a perda progressiva de material

ocorre o polimento nas zonas de contato e assim o

atrito adesivo diminui com o tempo em serviço do

implante. O atrito que ocorre entre os pares tribológicos

mais utilizados pode ser observado na Tabela 2.

Como resultado do atrito entre as superfícies, o

movimento irá gerar um torque (de atrito) na interface

entre o componente acetabular e o osso, que é tanto

maior quanto maior o diâmetro da cabeça, porém em

módulo sempre muito inferior ao torque experimental

necessário para soltar o componente. Desta forma,

embora o atrito tenha grande contribuição no desgaste

articular, seu papel para a soltura dos implantes parece

não ser tão significativo.

Tabela 2. Coeficiente de Atrito (µ) para Diferen- tes Pares Tribológicos e Articulação Sinovial.

Par Tribológico Coeficiente de Atrito (µ)

Metal/Metal* 0.40 Art. Sinovial s/ Lubrificação 0.20 Metal/PE Convencional 0.10 Cerâmica/Metal 0.05 Cerâmica/Cerâmica** 0.04 Art. Sinovial c/ Lubrificação 0.005- 0.02

*Liga de Cromo-Cobalto. PE: Polietileno ** Alumina (Al2O3)

Lubrificação: Para que o atrito seja diminuído é impor-

tante que não haja contato direto entre as superfícies

articulares durante o movimento e o suporte de carga,

papel este que pode ser exercido pela interposição de

um filme líquido.

Na superfície articular natural do quadril, a

grande congruência articular, distribui as tensões em

uma área extensa, dentro de uma cavidade estanque e

preenchida pelo líquido sinovial, permitindo assim que

a flutuação de pressão do liquido, neste compar-

timento, contrabalance os esforços externos. Desta

forma a pressão hidrostática do filme fluido separa as

duas superfícies e impede o seu contato direto durante

o carregamento, através da manutenção de uma fenda

(clearance) articular (Fig.13.20A).

Este mecanismo hidrostático é auxiliado pelo aumento

da velocidade de deslocamento entre as superfícies

(efeito hidrodinâmico, Fig.13.20B) e, durante o

carregamento pelo aumento de volume de liquido na

articulação, oriundo da expulsão de substâncias

adsorvidas na cartilagem (Wheeping) que, por este

motivo, não depende de movimento entre as

superfícies, mas sim da carga aplicada.

Durante a movimentação, a lubrificação é

dependente da velocidade entre as superfícies

articulares que origina a lubrificação hidrodinâmica .

Quanto maior a velocidade relativa (que chega a atingir

40 mm/s) mais se aumenta a pressão do fluido que

mantém as superfícies afastadas e garantindo um

coeficiente de atrito da ordem de 10-3.

Caso uma

espessura adequada do filme não seja possível, em

algumas circunstâncias a pressão do filme pode ser

capaz de deformar as irregularidades das superfícies,

dificultando o contato direto, e originando assim um

regime de lubrificação chamado elastohidro-dinamico.26

Por outro lado no caso de baixa velocidade entre as

superfícies, o menor volume fluido permite que

esforços de alta magnitude (cerca de 8 vezes o peso

corporal) tendam a promover o contato direto entre as

superfícies articulares, aumentando assim o atrito.

Nesta circunstância é importante a presença de

moléculas de tribonectinas, que se ligam às superfícies

opostas atuando como um sabão e diminuindo portanto

o atrito. Este mecanismo de lubrificação é chamado de

marginal, de contorno ou de superfície (Fig.14.20C).

Fig.13.20. Regimes de lubrificação da articulação sinovial. (A) O

regime hidrostático ocorre durante o suporte de carga sem

movimento significativo, enquanto o hidrodinâmico (B) aumenta

com a velocidade entre as superfícies. (C) Quando o carregamento

tende a aproximar as superfícies articulares, as tribonectinas tem um

papel importante na lubrificação marginal ou de superfície.

Quando substituímos a articulação natural pela

articulação protética, devemos reconhecer algumas

desvantagens principalmente no que diz respeito à

lubrificação. Primeiramente a fenda articular

(clearance) deve ser o suficiente para permitir a

formação de um filme fluido que impeça o contato

direto entre as superfícies, e assim possa proporcionar

uma lubrificação hidrodinâmica25

.

Neste caso a espessura do filme fluido deve

ser maior que a rugosidade das superfícies. Contudo,

quando a espessura do filme é menor que a altura da

rugosidade e o contato direto é inevitável, a presença

das tribonectinas adsorvidas pelas superfícies protéti-

cas pode diminuir o atrito, pela baixa resistência destas

proteínas ao cisalhamento

Entre as superfícies protéticas o regime de

lubrificação pode ser hidrodinâmico, marginal ou misto

(intermediário entre os 2 regimes citados), na depen-

dência da espessura do filme fluido. Esta espessura,

que depende não só das propriedades dos biomateriais

constituintes do par tribológico, mas também de seu

design e tecnologia de fabricação, pode ser expressa

em função da viscosidade do liquido, da velocidade

relativa entre as superfícies e de sua rugosidade.

O simples fato de umedecer a superfície protética

pode diminuir o atrito, e assim materiais que permitam

um maior molhamento (medido pelo ângulo de contato)

de sua superfície têm melhor desempenho tribológico,

como a cerâmica, pois a maior dispersão do liquido

promove melhor lubrificação (Fig.13.21A,B)28,29

.

Fig.13.21. A propriedade do líquido se distribuir sobre a superfície de um material, chamada de molhamento, é medida pelo ângulo de contato (A). Quanto menor o ângulo de contato, melhor a distribuição do líquido na superfície e, portanto melhor a lubrificação. (B) Dentre os materiais utilizados em superfícies protéticas, a cerâmica apresenta o menor ângulo de contato.

Para que a espessura de um filme fluido seja

mantida é necessária uma dimensão de fenda articular

adequada para garantir um equilíbrio entre o contato

polar e equatorial, que em condições ideais promove

um regime hidrodinâmico de lubrificação. Nos casos

em que se utiliza o Polietileno, ainda que uma fenda

articular adequada seja obtida inicialmente, a

possibilidade de deformação do polímero tende a

produzir um contato equatorial (Fig.13.22A,B), de maior

atrito, e assim o principal regime de lubrificação passa

a ser o marginal ou de superfície. Materiais mais

rígidos como as ligas de cromo-cobalto e a cerâmica

deformam-se muito pouco e permitem a manutenção

da fenda articular e o contato polar, favorecendo o

regime de lubrificação hidrodinâmico ou misto.

Desgaste: A conseqüência inevitável do movimento

entre duas superfícies opostas é a remoção de material

devido à ação mecânica (desgaste), que pode gerar

milhares de partículas nos tecidos adjacentes a cada

ciclo de marcha5.

Na articulação protética o desgaste é

determinado por diferentes mecanismos, em função do

atrito, da lubrificação e do meio adjacente.

Fig.13.22. Regimes de lubrificação de superfícies articulares protéticas. (A) Materiais mais rígidos não se deformam com o carregamento, permitindo o contato polar, e assim que se man-tenha uma fenda articular adequada (setas brancas) à lubrificação hidrodinâmica. (B): Materiais mais dúcteis e elásticos (como o polietileno) permitem a deformação que ocasiona um contato equatorial, sem fenda articular. (Fonte Gomes, LSM25 Modificado de Mischler26 )

O mecanismo mais freqüente de desgaste é a

abrasão, em que as asperezas superficiais funcionam

como uma lixa ao contato com o elemento oposto. A

abrasão, ocasionada pela rugosidade das superfícies

do par tribológico, pode ser agravada pela presença de

contaminantes no interior da articulação como

fragmentos metálicos, ósseos ou de cimento ósseo

(chamados de terceiro corpo), que irão promover

maiores danos à superfície articular e assim ocasionar

um desgaste rápido e progressivo. Este mecanismo

(abrasão por terceiro corpo) é constatado em explantes

pela presença de ranhuras e riscos na superfície

articular protética (Fig.13.23A e B)25

.

A abrasão é grandemente influenciada pelos

biomateriais constituintes do par tribológico, uma vez

que materiais mais duros, e com menor ductilidade

mostram-se mais resistentes à abrasão por apresen-

tarem menor desgaste e maior resistência ao dano

superficial, como a articulação cerâmica/ cerâmica.

No desgaste por adesão as ligações entre as

superfícies opostas em pontos localizados, são rompi-

das pela ação mecânica do movimento, gerando

fragmentos que são transferidos para a superfície

oposta ou diretamente liberados para o interior da

articulação.

Fig. 13.23. (A) Explante de cabeça femoral protética mostrando inúmeros sulcos e riscos oriundos da abrasão por terceiro corpo, com profundas repercussões sobre a (B) estrutura do componente acetabular de polietileno que apresenta sinais de falência catastrófica. Fonte Gomes, LSM25.

Neste mecanismo, a intensidade da força de

ligação entre átomos e moléculas das superfícies

opostas tem grande influência, e pode ser uma

importante fonte de partículas, como na articulação

metal/metal, quando a alta ductilidade promove maior

adesão. A medida que o material é progressivamente

removido dos pontos de maior contato, o conseqüente

auto-polimento da superfície diminui a intensidade do

desgaste adesivo.

A movimentação e o carregamento cíclicos

entre as superfícies articulares podem iniciar a fadiga

do material através de microtrincas que ao se

propagarem promovem a delaminação de fragmentos

para o interior do espaço articular. Este desgaste por

fadiga gera, portanto partículas maiores que podem

atuar como terceiro corpo ou mesmo ocasionar

bloqueio articular. O polietileno é particularmente

susceptível a este mecanismo quando da sua

oxidação, uma vez que a conseqüente alteração de

suas propriedades mecânicas diminui sua resistência à

fadiga30

.

O desgaste pode ocorrer ainda por fenômenos

triboquímicos conseqüentes a reações químicas entre o

meio adjacente às superfícies em contato. Na

articulação Metal/Metal a remoção e formação

alternadas da camada de óxido sobre as superfícies

articulares (camada de passivação), liberam partículas

no interior da articulação resultantes do desgaste

oxidativo ou triboquímico. 27,28,29

As partículas ou debris formados pelos

diferentes mecanismos de desgaste podem, por

mecanismos mecânicos e /ou biológicos, levar à soltura

e destruição óssea progressiva e assim não só

comprometer a longevidade da artroplastia, como

dificultar os procedimentos reconstrutivos futuros.

O impacto do desgaste na gênese da osteólise e/

ou soltura é dependente não só do número de

partículas como também de sua morfologia,

dimensões, atividade biológica e citotoxicidade5 .

Embora cabeças protéticas de maior diâmetro

possam apresentar o mesmo desgaste linear, o des-

gaste volumétrico e, portanto o número de partículas é

também significativamente maior4,31

(Tabela 3).

Observe que para um mesmo desgaste linear,

o desgaste volumétrico de uma cabeça de 32 mm é

cerca de 2 vezes maior que o da cabeça de

22 milímetros31

. Assim, pelo maior número de

partículas geradas, dá-se preferência ao desgaste

volumétrico como parâmetro a ser comparado com

o desfecho clínico das artroplastias totais. Desta forma

há que se considerar a relação risco/benefício para a

prática mais recente de se utilizar cabeças protéticas

de maior diâmetro, com o objetivo de aumentar a

estabilidade e diminuir a possibilidade de impacto com

a borda acetabular protética.

Vários ensaios experimentais em simuladores

de quadril demonstram um desgaste volumétrico muito

próximo do obtido em condições clínicas para o par

tribológico Metal/PE. Contudo uma vez que o número

de ciclos anuais pode apresentar grande variabilidade

entre diferentes pacientes, em avaliações experimen-

tais o parâmetro de desgaste anual é substituído por

milhão de ciclos.

Tabela 3. Relação entre o Desgaste Linear (0.1 mm/ ano) e o Desgaste Volumétrico em Função do Diâme-tro da Cabeça de Cromo-Cobalto em Polietileno Convencional.

Diâmetro Cefálico Desgaste Volumétrico

22 mm 38 mm3

28 mm 60 mm3

32 mm 80 mm3

A Tabela 4 compara o desgaste volumétrico

experimental de diferentes pares tribológicos utilizados

em reconstruções protéticas do quadril.

Observe que em relação ao par Cro-Co/PE

convencional, o polietileno altamente irradiado reduz,

em cerca de 90% o desgaste volumétrico, enquanto o

polietileno tri-irradiado, reduz o desgaste para níveis

semelhantes aos da articulação Metal/Metal, e o par

Cerâmica/Metal e Cerâmica/Cerâmica não apresentam

diferenças significativas entre si, em relação ao

desgaste volumétrico experimental.32

É importante ressaltar, que para um mesmo

desgaste volumétrico, o número de partículas

dependerá também de seu tamanho, e assim as

partículas nanométricas resultantes do desgaste da

articulação M/M são em numero muito superior (em até

500 vezes) às partículas pouco menores que 1

micrômetro, resultantes do desgaste da articulação

Metal/PE33

.

Tabela 4. Desgaste Volumétrico em Milímetros Cúbicos (mm

3) de Diferentes Pares Tribológicos por Milhão de

Ciclos (mc), em Simuladores de Quadril.

Par Tribológico Desgaste (mm3/mc)

Cr/Co- PE Convencional 35

Cerâmica- PE Convencional 25

Cr/Co- PE X Linked 5

Cerâmica- PE X Linked 3

Cr/Co- Cr/Co 1.6

Cr/Co- PE X3 1.3

Cerâmica- Cr/Co <0.1

Cerâmica- Cerâmica <0.1

II. Resposta Orgânica aos Biomateriais

Os Biomateriais podem ocasionar efeitos locais

(tecidos adjacentes), remotos (órgãos a distância) ou

sistêmicos, na dependência do tipo, quantidade,

tamanho e toxicidade das partículas e substâncias

liberadas, de sua resistência à corrosão e da resposta

orgânica aos seus produtos

O organismo é bastante tolerante aos

biomateriais, sobretudo em condições de estabilidade

do implante. O PMMA enquanto um manto íntegro ao

redor do implante promove uma interface com o osso

sem a interposição de membrana e sem sinais de

reação inflamatória (osteointegração do cimento). A

reação às partículas oriundas do desgaste do

polietileno, quando menor que 0.9mm/ano, pode

permitir uma sobrevivência da reconstrução protética

em até 90% aos 10 anos de seguimento. Esta

tolerância às partículas ocorre porque, algumas

semanas após a artroplastia, forma-se uma

pseudocápsula constituída na sua porção mais

superficial por tecido fibroso onde se nota a presença

de alguns macrófagos.

Em condições habituais, as partículas

formadas pelo desgaste são absorvidas pela pseudo-

cápsula e em seu interior são fagocitadas pelos

macrófagos. A fagocitose de partículas maiores requer

a fusão de vários macrófagos (células gigantes

multinucleadas) que resulta em verdadeiros

granulomas de corpo estranho. Outro destino das

partículas é o espaço perivascular linfático a partir do

qual as partículas alcançam os vasos linfáticos,

linfonodos regionais e, eventualmente os órgãos do

sistema reticulo-endotelial, constituindo assim um

mecanismo de limpeza, porém de disseminação das

partículas (Fig.13.24).

Na dependência das características e toxici-

dade das partículas, ocorre a liberação de quimocinas

(M-CSF e MCP-1) que recrutam células inflamatórias,

prostaglandinas (principalmente E2) e citocinas (Inter-

leucina 1β e 6, fator de necrose tumoral α entre outros)

que podem não só determinar a necrose dos macro-

fagos, como também iniciar a atividade osteoclástica,

ou ainda levar à hapoptose do osteoblasto, com

conseqüente necrose e osteólise. A disseminação de

partículas ocorre também através do chamado espaço

articular efetivo, tendo como meio de transporte o fluido

articular e assim as partículas podem alcançar o tecido

ósseo adjacente, a interface cimento-osso e a interface

cimento metal 34

. Aspenberg e van der Vis35

postularam

que a flutuação da pressão do liquido articular dentro do

espaço articular efetivo ocasionada pelo carregamento

cíclico, pode desencadear a reabsorção óssea pelo

mecanismo da hapoptose do osteócito, processo este

muito semelhante às erosões ósseas de vértebras

ocasionadas por um aneurisma contíguo.

O titânio é bem tolerado pelo organismo exceto

em condições de instabilidade protética ou de contato

direto com outros metais, ocasião em que sua baixa

resistência ao desgaste leva a produção de um grande

aumento do número de partículas de óxido de titânio

(TiO2)

.Estas partículas ao se depositarem nos tecidos

adjacentes produzem uma coloração escura

denominada metalose e intensa atividade inflamatória

que resulta em soltura do implante e/ou intensa

osteólise (Fig.13.25).

Partículas metálicas sobretudo os íons cromo,

cobalto e níquel podem agir como haptenos e eliciar

uma reação de hipersensibilidade tipo IV em indivíduos

previamente sensibilizados33

.

Fig 13.24. Desenho esquemático do processo de reação orgânica às partículas de biomateriais. As partículas (pt) absorvidas pela pseudo cápsula (pc) sofrem a ação de macrófagos (M) recrutados a partir de células progenitoras (P) pela ação de quimocinas (MCP: monocyte chemoattractant proteins , M-CSF: Macrophage colony stimulating factor).

Cr/Co = Liga de Cromo-Cobalto PE X3= Polietileno triir-radiado. Valores aproximados, para cabeças de 28 mm em condi-ções semelhantes de ensaio.

A toxicidade do Cobalto e Cromo tem sido

motivo de preocupação, sobretudo em articulações

metal/metal,onde uma grande quantidade destes íons

é liberada e pode ser detectada no sangue (entre 5 a 10

vezes a concentração pré-operatória) e na urina em

pacientes submetidos a este procedimento36

.

Ainda para a articulação metal-metal tem sido

descrita uma reação de hipersensibilidade, do tipo IV ou

tardia, mediada por linfócitos tipo T, fazendo com que o

quadro histológico das falhas em relação aos outros

biomateriais, mude de um infiltrado macrofágico para

um quadro histológico linfocitário, que pode se

estender, através do espaço articular efetivo, para os

tecidos periarticulares, e também à distância, através

da corrente vascular e linfática.

Esta reação linfocitária pode ocasionar na

membrana sinovial, um quadro de sinovite proliferativa

descamante que está freqüentemente associado à dor

de origem desconhecida nas superfícies protéticas

metal/metal. Por outro lado, o infiltrado linfocitário pode

se alojar no interior do tecido ósseo e predispor à

soltura e mesmo à osteólise. A ocorrência de infiltrado

nas partes moles periarticulares está associada à

formação de granulomas e dos chamados pseudo-

linfomas37

.

Embora vários estudos epidemiológicos não

demonstrassem incidência aumentada de neoplasia ou

outras lesões em órgãos do sistema reticulo-endotelial38

, e malformações fetais em pacientes submetidos ao

implante de articulações metal/ metal, alguns cirurgiões

preferem contra-indicá-la em pacientes com insuficiên-

cia renal e mulheres em fase reprodutiva.

Partículas cerâmicas, por sua estabilidade química

(baixa reatividade), e, portanto grande resistência à

corrosão, são muito bem toleradas pelo organismo.

Bibliografia e Referências Bibliográficas

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Fig.13.25 (A) Radiografia pré-operatória mostrando intenso desgaste na porção superior do componente acetabular. (B e C): Intensa metalose nos tecidos adjacentes ao implante. (D):Explantes mostrando a destruição do componente acetabular (seta).

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