Artigo Aterotrombose e antiagregantes plaquetários de ...dos profissionais especializados na área...

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Rev Bras Cardiol. 2013;26(3):221-30 maio/junho 221 Silva et al. Aterotrombose e antiplaquetários Ar Ar Ar Ar Artigo de Revisão tigo de Revisão tigo de Revisão tigo de Revisão tigo de Revisão Aterotrombose e antiagregantes plaquetários Atherothrombosis and antiplatelet drugs Resumo A aterotrombose é uma doença do sistema circulatório cujas manifestações clínicas mais significativas (infarto do miocárdio e acidente vascular encefálico) representam atualmente as principais causas de mortalidade, com expectativa de que sua incidência aumente nos próximos anos. O uso clínico de antiagregantes plaquetários encontra-se firmemente consolidado como terapia de escolha na prevenção primária e secundária de eventos clínicos relacionados à aterotrombose. A presente revisão tem como objetivo realizar uma descrição dos aspectos gerais da aterotrombose e dos principais fármacos antiagregantes plaquetários, com uma descrição breve de seus aspectos farmacodinâmicos e farmacocinéticos. Palavras-chave: Aterotrombose; Doenças cardiovasculares; Inibidores da agregação de plaquetas Marcos Vinicius Ferreira Silva, Karine Silvestre Ferreira, Cristina de Mello Gomide Loures, Luci Maria Sant'Ana Dusse, Lauro Mello Vieira, Arthur Gonçalves Assini, Josianne Nicácio Silveira, Maria das Graças Carvalho 2 Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas - Faculdade de Farmácia - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) - Belo Horizonte, MG - Brasil Correspondência: Marcos Vinícius Ferreira Silva E-mail: [email protected] Rua Ciro Vaz de Melo, 514 ap. 4 - Dona Clara - 31255-840 - Belo Horizonte, MG - Brasil Recebido em: 08/11/2012 | Aceito em: 17/04/2013 Abstract Atherothrombosis is a circulatory system disease whose most significant clinical manifestations (myocardial infarction and stroke) are today the leading causes of death worldwide, expected to increase over the coming years. The clinical use of antiplatelet agents is firmly established as the therapy of choice in primary and secondary prevention of clinical events related to atherothrombosis. This review offers a description of the general aspects of atherothrombosis and the main antiplatelet drugs, with a brief outline of their pharmacodynamic and pharmacokinetic aspects. Keywords: Atherothrombosis; Cardiovascular diseases; Platelet aggregation inhibitors Artigo de Revisão Introdução A aterotrombose se associa a uma série de complicações, sendo as mais importantes a doença arterial coronariana (DAC), cujas principais manifestações são a angina instável e o infarto agudo do miocárdio, com ou sem elevação do segmento ST; o acidente vascular encefálico isquêmico (AVEi) e o ataque isquêmico transitório, além da doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) 1 . Estima-se que 17,3 milhões de pessoas tenham morrido devido às doenças cardiovasculares (DCV) em 2008, sendo 80 % dessas mortes em países de baixa e média renda. Segundo as projeções, em 2030 cerca de 23,6 milhões de pessoas morrerão anualmente somente devido a complicações cardiovasculares 2 . Desse modo, torna-se relevante um maior entendimento sobre as doenças aterotrombóticas e o uso de antiagregantes plaquetários, medicamentos largamente utilizados na prevenção primária e secundária de tais doenças, seus benefícios e possíveis complicações, principalmente face à perspectiva do envelhecimento da população. Conclui-se que este assunto deve receber dos profissionais especializados na área especial atenção, e cuidados devem ser dispensados aos pacientes para que se atinjam melhores resultados com essa terapêutica tão amplamente utilizada.

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Silva et al.Aterotrombose e antiplaquetáriosArArArArArtigo de Revisãotigo de Revisãotigo de Revisãotigo de Revisãotigo de Revisão

Aterotrombose e antiagregantes plaquetários

Atherothrombosis and antiplatelet drugs

Resumo

A aterotrombose é uma doença do sistema circulatóriocujas manifestações clínicas mais significativas (infartodo miocárdio e acidente vascular encefálico) representamatualmente as principais causas de mortalidade, comexpectativa de que sua incidência aumente nos próximosanos. O uso clínico de antiagregantes plaquetáriosencontra-se firmemente consolidado como terapia deescolha na prevenção primária e secundária de eventosclínicos relacionados à aterotrombose. A presente revisãotem como objetivo realizar uma descrição dos aspectosgerais da aterotrombose e dos principais fármacosantiagregantes plaquetários, com uma descrição brevede seus aspectos farmacodinâmicos e farmacocinéticos.

Palavras-chave: Aterotrombose; Doençascardiovasculares; Inibidores da agregação de plaquetas

Marcos Vinicius Ferreira Silva, Karine Silvestre Ferreira, Cristina de Mello Gomide Loures, Luci Maria Sant'Ana Dusse,Lauro Mello Vieira, Arthur Gonçalves Assini, Josianne Nicácio Silveira, Maria das Graças Carvalho

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Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas - Faculdade de Farmácia - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) - BeloHorizonte, MG - Brasil

Correspondência: Marcos Vinícius Ferreira SilvaE-mail: [email protected] Ciro Vaz de Melo, 514 ap. 4 - Dona Clara - 31255-840 - Belo Horizonte, MG - Brasil

Recebido em: 08/11/2012 | Aceito em: 17/04/2013

Abstract

Atherothrombosis is a circulatory system diseasewhose most significant clinical manifestations(myocardial infarction and stroke) are today theleading causes of death worldwide, expected toincrease over the coming years. The clinical use ofantiplatelet agents is firmly established as the therapyof choice in primary and secondary prevention ofclinical events related to atherothrombosis. Thisreview offers a description of the general aspects ofatherothrombosis and the main antiplatelet drugs,with a brief outline of their pharmacodynamic andpharmacokinetic aspects.

Keywords: Atherothrombosis; Cardiovasculardiseases; Platelet aggregation inhibitors

Artigode Revisão

Introdução

A aterotrombose se associa a uma série decomplicações, sendo as mais importantes a doençaarterial coronariana (DAC), cujas principaismanifestações são a angina instável e o infarto agudodo miocárdio, com ou sem elevação do segmento ST; oacidente vascular encefálico isquêmico (AVEi) e oataque isquêmico transitório, além da doença arterialobstrutiva periférica (DAOP)1. Estima-se que 17,3milhões de pessoas tenham morrido devido às doençascardiovasculares (DCV) em 2008, sendo 80 % dessasmortes em países de baixa e média renda. Segundo asprojeções, em 2030 cerca de 23,6 milhões de pessoas

morrerão anualmente somente devido a complicaçõescardiovasculares2.

Desse modo, torna-se relevante um maior entendimentosobre as doenças aterotrombóticas e o uso deantiagregantes plaquetários, medicamentos largamenteutilizados na prevenção primária e secundária de taisdoenças, seus benefícios e possíveis complicações,principalmente face à perspectiva do envelhecimentoda população. Conclui-se que este assunto deve receberdos profissionais especializados na área especialatenção, e cuidados devem ser dispensados aospacientes para que se atinjam melhores resultados comessa terapêutica tão amplamente utilizada.

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Os fatores de risco para as doenças aterotrombóticasincluem os fatores genéticos e os adquiridos. Relatosda literatura citam alguns fatores de risco genéticos:fator V Leiden3, mutação no gene da protrombina4,mutações nos genes da antitrombina, proteína C eproteína S5 e as mutações nos genes das enzimas5,10-metilenotetrahidrofolato redutase (5,10-MTHFR)e cistationina β-sintetase (CBS)6, embora todos essesfatores de risco estejam mais bem estabelecidos paratrombose venosa. Já os principais fatores de riscoadquiridos são: hipertensão7, dislipidemias8, diabetesmellitus9, tabagismo10 e obesidade11.

A ocorrência de doenças aterotrombóticas relaciona-seà existência prévia de lesões ateroscleróticas, que seiniciam por um processo crônico de injúria ao endotélioarterial podendo ter diversas origens, incluindo asforças de cisalhamento que se encontram aumentadasna hipertensão, a hipercolesterolemia, a presença deprodutos de glicação avançada (AGE) no diabetesmellitus, tabagismo, presença de complexos imunes einfecções. A disfunção/lesão endotelial leva aoaumento de permeabilidade, que favorece o processode passagem de LDL (lipoproteína de baixa densidade)da luz vascular para a íntima12. As partículas de LDLacumuladas no espaço subendotelial interagem comelementos lá presentes, como proteoglicanos(especialmente o sulfato de dermatano e o sulfato decondroitino) que estimulam sua modificação(agregação, glicosilação, proteólise enzimática eprincipalmente oxidação) aumentando suaaterogenicidade e sua retenção na íntima arterial. ALDL moderadamente oxidada leva ao recrutamentode monócitos para o local da lesão, através da induçãoda expressão de fatores de adesão, as glicoproteínasICAM-1 (molécula de adesão intercelular-1) eVCAM-1 (molécula de adesão vascular-1) na superfíciedas células endoteliais. Após a adesão dos monócitosà parede vascular, outras moléculas específicas comoa proteína quimiotática de monócitos-1 e o fatorestimulador de colônia de monócitos atraem-nos aoespaço subendotelial onde se diferenciam emmacrófagos1,12-14. Os macrófagos podem converter a LDLmoderadamente oxidada em LDL altamente oxidada,que se liga a receptores do tipo scavenger nosmacrófagos e entra nas células, convertendo-os emcélulas espumosas que, após se saturarem comlipídeos, podem liberar diversos tipos de produtos,incluindo colesterol (esterificado e oxidado)acentuando o processo de dano endotelial eparticipando assim no processo de evolução da lesãoaterosclerótica. As alterações no endotélio podemainda levar à interação das plaquetas com a paredevascular e à liberação do fator de crescimento derivadodas plaquetas (PDGF), que estimula as célulasmusculares lisas da artéria a sintetizar matrizextracelular13.

Recentemente, identificou-se importante papel danetrina-1 no processo de formação da placaaterosclerótica. Observou-se que essa proteínaenvolvida no desenvolvimento neuronal e expressa emdiversos tipos celulares, inclusive células endoteliaise macrófagos, tem função inibitória sobre a migraçãode leucócitos. A expressão da netrina-1 pelas célulasespumosas aprisionadas no interior da placa tem efeitoinibitório sobre sua egressão do interior da mesma.Adicionalmente, a netrina-1 também é fator dequimiotaxia para células musculares lisas que, aoserem atraídas para o interior da lesão aterosclerótica,levam ao espessamento da íntima arterial e aocrescimento da placa. O efeito da netrina-1 na inibiçãode emigração de macrófagos da placa ateroscleróticatem sido amplamente estudado como possível alvoterapêutico para a redução de tal tipo de lesão15.

Sabe-se atualmente que tanto a imunidade celularquanto a imunidade humoral estão intimamenteligadas à patogênese das lesões ateroscleróticas.Observa-se que linfócitos T são reativos à formaoxidada da LDL, e que esses linfócitos reativosexibem fenótipo Th1, produzindo e liberandocitocinas pró-inflamatórias (interferon-γ, IL-1, IL-12, IL-15,IL-18, e TNF). Observa-se também que nas placasateroscleróticas, há um desequilíbrio entre o número decélulas Th1 e Th2, já que há um baixo número de célulasTh2, acompanhado por aumento da quantidade de célulasTh1. A imunidade humoral também é importante napatogênese da aterosclerose. Anticorpos IgG e IgMcontra a LDL oxidada são encontradas no plasma,formando imunocomplexos presentes na placaaterosclerótica. Tais anticorpos são associados àprogressão e extensão da aterosclerose e devem, portanto,ser considerados fator de risco para doença coronariana16.

A maior parte dos eventos cardiovasculares de origemarterial deve-se ao rompimento de placas ateroscleróticas,causada pela ruptura da capa fibrosa, formação detrombo sobreposto à lesão e consequente oclusãoarterial. São placas mais vulneráveis à ruptura aquelasque apresentam certas características específicas(Figura 1), como a presença de inflamação ativa, capafibrosa fina com grande núcleo lipídico, desnudamentoendotelial com consequente agregação plaquetária,hemorragia no interior da placa, dentre outros17.

Antiagregantes plaquetários

As plaquetas desempenham um papel essencial napatogênese das doenças aterotrombóticas, justificandoa utilização de fármacos antiagregantes plaquetáriosna prevenção, tanto primária quanto secundária, deeventos aterotrombóticos. A Figura 2 resumebrevemente os alvos farmacológicos dos principaisantiagregantes plaquetários disponíveis:

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Figura 1Comparação entre as placas estável e instávelAdaptado de van Lammeren17

Figura 2Receptores dos principais antiagregantes plaquetáriosTXA2R: receptor de tromboxano A2 ; PAR-1: receptor de protease ativada 1; P2Y12: receptor de ADP;GPIIb/IIIa: Glicoproteína IIb/IIIa - receptor de fibrinogênio/fibronectina. Fonte: Mackman47

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ÁÁÁÁÁcido acetilsalicílico (AAS)cido acetilsalicílico (AAS)cido acetilsalicílico (AAS)cido acetilsalicílico (AAS)cido acetilsalicílico (AAS)

O mecanismo de ação do ácido acetilsalicílico(AAS) baseia-se na inativação permanente dasisoenzimas ciclooxigenase 1 e 2 (COX-1 e COX-2).Essas isoenzimas catalisam a conversão do ácidoaraquidônico (derivado dos fosfolipídeos damembrana celular via conversão desses fosfolipídeospela fosfolipase A2) em prostaglandina H2 (PGH2).A PGH2 é um intermediário biossintético instável,que dá origem, através de diversas isomerases, auma série de prostanoides bioativos, incluindo otromboxano A2 (TXA2) e prostaciclina (PGI2)

17,18.

Inicialmente, o AAS se liga a um resíduo de argininana posição 120, um sítio de ligação comum a todos osanti-inflamatórios não esteroides. A seguir, acetilairreversivelmente um resíduo de serina (na posição 529na COX-1 e na posição 516 na COX-2), prevenindo oacesso do ácido araquidônico ao sítio catalítico daenzima. O AAS possui uma afinidade muito maior pelaCOX-1 que pela COX-2, o que explica a necessidade dedoses maiores para a atividade anti-inflamatória eanalgésica do AAS (uma vez que a maioria dosmediadores inflamatórios e associados à dor éproduzida via COX-2), se comparadas às dosesnecessárias à ação antiplaquetária18.

As plaquetas maduras expressam apenas COX-1,enquanto o endotélio vascular é capaz de expressartanto COX-1 quanto COX-2. Plaquetas e endotéliovascular produzem primariamente TXA2 e PGI2,respectivamente, sendo o TXA2 sintetizado eproduzido pelas plaquetas em resposta a uma sériede estímulos, como a presença de colágeno, trombinae ADP, induzindo a agregação plaquetária através doreceptor de TXA2 acoplado à proteína G. A ligação doTXA2 a seu receptor na superfície das plaquetas levaa uma cascata que culmina na ativação da integrinade membrana αIIbβ3 (também chamada glicoproteínaGPIIb/IIIa), que auxilia no processo de agregação entreas plaquetas. O TXA2 apresenta, portanto, uma funçãona amplificação da resposta da plaqueta a diversosagonistas, além de ser um potente vasoconstritor epró-aterogênico. A PGI2, por outro lado, inibe aagregação plaquetária, induz à vasodilatação, inibea proliferação de células musculares lisas vascularese protege o miocárdio contra estresse oxidativo, sendo,portanto, antiaterogênica. Devido à menorsensibilidade da COX-2 ao AAS, em doses baixas, nãosão observados efeitos decorrentes da inibição daCOX-2 endotelial, como hipertensão, redução da funçãorenal ou interferência na ação de fármacos diuréticosou inibidores da enzima conversora de angiotensina18.

A absorção do AAS ocorre principalmente no estômagoe porções superiores do intestino delgado, por meio

de difusão passiva pelas membranas gastrintestinais.Após a absorção, o AAS entra em contato com asplaquetas na circulação portal, onde o fármacoapresenta concentrações muito mais elevadas que nacirculação sistêmica. Embora o tempo de meia-vida doAAS varie de 15-20 minutos, o efeito antiplaquetáriodura toda a vida útil da plaqueta, visto que a inibiçãoda COX pelo fármaco é irreversível e, uma vez que asplaquetas são anucleadas, esse efeito pode ser revertidoapenas pela geração de novas plaquetas. Formulaçõesde liberação controlada têm se mostrado úteis para sereduzir a biodisponibilidade sistêmica, evitando assimos efeitos deletérios resultantes da inibição daprodução de PGI2 e PGE2, cuja principal manifestaçãoé o sangramento gastrintestinal, visto que essasprostaglandinas atuam reduzindo a secreção ácida noestômago e estimulando a formação de muco protetor.Além disso, ao atingir a circulação sistêmica, o fármacoinibe a COX-2 das células endoteliais, levando àredução nos níveis de PGI2, favorecendo a agregaçãoplaquetária19-21.

Observa-se que ocorre um fenômeno de baixaresponsividade ao tratamento com AAS em algunsindivíduos, fenômeno esse conhecido como "resistênciaao AAS" ou "falha ao AAS". A resistência ao AAS podeser definida como22:• falha do AAS em prevenir eventos cardiovascularesassociados à oclusão vascular – também chamada deresistência clínica ao AAS, ou mais corretamente, falhado tratamento. Ocorre principalmente porque muitosoutros processos que não são inibidos pelo AAStambém levam à agregação plaquetária.• falha do AAS em prevenir a atividade plaquetária invivo e in vitro – terminologia usada em trabalhos queavaliam a agregação plaquetária por meio dadeterminação do tempo de sangramento e daagregometria por transmissão de luz.• falha do AAS em inibir a produção de TXA2 –utilizado principalmente quando o foco do trabalhoé a resposta farmacológica ao tratamento com AAS.A influência do AAS na produção de TXA2 émensurada pela dosagem dos níveis plasmáticos detromboxano B2 (TXB2), um metabólito estável dotromboxano A2, ou da dosagem dos níveis urináriosde 11-dihidrotromboxano B2 (11-dhTXB2), formadopela biotransformação do TXB2

23.

São reconhecidos vários fatores que levam àresistência ao AAS, sendo os principaismecanismos22:• Reduzida biodisponibilidade do AAS;• Competição do AAS com outros anti-inflamatóriosnão esteroides, como o ibuprofeno, pelo sítio de ligação(Ser529) à COX-1;• Renovação acelerada das plaquetas, introduzindoplaquetas não inibidas na circulação;

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• Produção de TXA2 pela COX-2 insensível ao AAS emplaquetas recém-formadas;• Presença teórica de uma variante da COX-1 poucosensível à inibição pelo AAS.A resistência ao AAS é um fenômeno também associadoa diversos fatores como obesidade e controle glicêmicoinadequado24.

Tienopiridinas

A agregação plaquetária é um processo que dependeda interação de diversos agonistas solúveis com seusrespectivos receptores. Os fármacos da classe dastienopiridinas atuam inibindo a agregação plaquetáriaatravés da inibição seletiva e irreversível dos receptoresde ADP, chamados receptores P2Y. As plaquetasapresentam dois subtipos de receptores P2Y: o receptorP2Y1, que se acopla à proteína Gq e, após ser ativadopelo ADP, leva a uma mudança de forma da plaqueta eagregação rápida e reversível; e o receptor P2Y12,acoplado à proteína Gi, que, após ser ativado, inibe aadenilclicase, resultando em redução dos níveis deAMPc, com consequente amplificação da respostaplaquetária, com estabilização dos agregados esecreção dos conteúdos dos grânulos plaquetários.Embora a ativação de ambos os receptores sejanecessária para a agregação plaquetária, o receptorP2Y12 é considerado o principal receptor de ADP e,devido à sua expressão mais restrita, tem se tornadoum alvo terapêutico muito interessante para a terapiaantiplaquetária25,26.

A utilização do clopidogrel em terapia combinada como AAS foi alvo de diversos ensaios clínicos. A meta-análise de Helton et al.27, envolvendo cinco dessesensaios, evidencia a eficácia da terapia combinada emcomparação à monoterapia com AAS. Os ensaiosutilizados foram: CURE (Clopidogrel in Unstable Anginato Prevent Recurrent Events), CREDO (Clopidogrel for theReduction of Events During Observation), CLARITY-TIMI 28(Clopidogrel as Adjunctive Reperfusion Therapy-Thrombolysisin Myocardial Infarction 28), COMMIT (Clopidogrel andMetoprolol in Myocardial Infarction Trial) e CHARISMA(Clopidogrel for High Atherothrombotic Risk and IschemicStabilization, Management and Avoidance). Comoresultado, a mortalidade nos pacientes em terapiacombinada foi 6,3 % vs. 6,7 % nos pacientes queusavam apenas AAS (p=0,026). A incidência de infartodo miocárdio e AVE foi 2,7 % vs. 3,3 % (p<0,0001) e1,2 % vs. 1,4 % (p=0,002), respectivamente27.

Ticlopidina

A ticlopidina é um pró-fármaco que sofre metabolizaçãohepática pelas enzimas do citocromo P450, dandoorigem a no mínimo 13 metabólitos, sendo a maioriainativa. Apenas um metabólito apresenta atividade

antiplaquetária por meio da inibição irreversível doreceptor P2Y12

28.

Usualmente, administra-se a ticlopidina por via oral,na dose de 250 mg duas vezes ao dia. A absorção daticlopidina é rápida, e sua biodisponibilidade é decerca de 90 %, sendo a concentração plasmáticamáxima atingida após 1-3 horas de uma dose oral de250 mg. Após 2-3 semanas de administração deticlopidina duas vezes ao dia, as concentraçõesplasmáticas do fármaco praticamente triplicam, devidoà sua acumulação. A meia-vida de eliminação daticlopidina é de 24-36 horas após uma dose oral de250 mg, e de até 96 horas após um regime de 14 dias dedoses repetidas. A ticlopidina apresenta efeitoantiplaquetário retardado, sendo que o nível máximode inibição da agregação plaquetária só é observadodentro de 8-11 dias, o que a torna inadequada quandoé necessário um efeito antiplaquetário imediato26,29.

A ticlopidina tem caído em desuso devido à suaassociação a reações adversas graves e potencialmentefatais, como neutropenia grave e púrpuratrombocitopênica trombótica26,29.

Clopidogrel

O clopidogrel, assim como a ticlopidina, sofremetabolização hepática pelas enzimas do citocromoP450, em especial CYP2C19 e CYP3A4/5, dandoorigem após duas etapas a um metabólito ativodenominado SR26334, que possui meia-vidarelativamente curta (cerca de oito horas). Apenasconcentrações plasmáticas baixíssimas, da ordem de1 ng/mL são encontradas após a administração dedoses usuais do fármaco. O metabólito ativo inibeirreversivelmente o receptor de ADP P2Y12 através daformação de uma ligação dissulfeto com um resíduode cisteína no receptor, inibindo assim a ativação eagregação plaquetária26.

Usualmente, administra-se o clopidogrel com uma dosede ataque de 300 mg, seguido de dose de manutençãode 75 mg/dia. Cerca de 4-5 horas após a administraçãoda dose de ataque, a atividade plaquetária é inibidaem até 30 %, atingindo um estado de equilíbrio de40-50 % de inibição com a administração diária dadose de manutenção. A inibição da atividadeplaquetária pelo clopidogrel é dependente da dose,mas não há relação de proporcionalidade. Observa-seque, com uma dose de ataque de 600 mg, a inibiçãomáxima da atividade plaquetária é atingida maiscedo, em torno de 2-3 horas após a administração dofármaco, e é também mais intensa, com reduçãoadicional de 10-15 % em relação à dose de 300 mg. Namaioria dos pacientes, não há ganhos significativoscom doses de ataque acima de 600 mg28,30.

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A eficácia do tratamento com clopidogrel apresentagrande variabilidade interindividual em relação àinibição da agregação plaquetária, podendo ocorrerbaixa responsividade ao tratamento com esse fármacoem situações nas quais a terapia está sendocorretamente seguida. A resistência ao clopidogrelpode ter diversas origens, sendo as mais importantes:• Polimorfismos nos genes que codificam enzimasdo citocromo P450, principalmente a CYP2C19,levando à redução na biotransformação doclopidogrel em seu metabólito ativo, ocasionandomenor responsividade do indivíduo às doses usuaisdo fármaco. Não foram relatados polimorfismos nosgenes do receptor P2Y12 que levem à resistência aoclopidogrel31,32.• Interações farmacológicas, principalmente comfármacos da classe dos inibidores da bomba deprótons (principalmente o omeprazol) que tambémsão metabolizados pela CYP2C19, resultando nadeficiência da formação do metabólito ativo doclopidogrel, causando redução em seu efeitoantiplaquetário. Também a atorvastatina, um fármacohipolipemiante da classe das estatinas, pode levar àbaixa responsividade do tratamento com clopidogrel,uma vez que ambos possuem a enzima CYP3A4 emsuas respectivas vias de biotransformação, e aatividade dessa enzima pode ser inibida pelaatorvastatina33.

Prasugrel

O prasugrel é uma tienopiridina de terceira geração,hidrolisada no trato gastrintestinal, dando origem aum metabólito intermediário que é entãobiotransformado pelas enzimas hepáticas docitocromo P450 em única etapa, dando origem aometabólito ativo que se liga irreversivelmente aoreceptor P2Y12. Após a administração de dose de ataquede 60 mg de prasugrel, uma inibição máxima daativação plaquetária (da ordem de 60-70 %) é obtidaem 2-4 horas. Durante o tratamento de manutençãocom 10 mg diárias do fármaco, atinge-se estado deequilíbrio com cerca de 50 % de inibição da atividadeplaquetária28.

A rota de ativação in vivo do prasugrel explica amenor dependência em relação a enzimas docitocromo P450 para a eficácia do tratamento com essefármaco34. Suas principais vantagens em relação aoclopidogrel são a instalação rápida da atividadeantiplaquetária, a maior inibição da agregaçãoplaquetária proporcionada pelas doses usuais e apossibilidade de utilização em casos de baixaresponsividade ao clopidogrel, visto que os mesmossão causados por fatores que afetam determinadasenzimas do citocromo P450 e que não interferem nafarmacocinética do prasugrel35.

O prasugrel foi comparado ao clopidogrel quanto àeficácia e à segurança pelo ensaio TRITON-TIMI 38(Trial to Assess Improvement in Therapeutic Outcomes byOptimizing Platelet Inhibition with Prasugrel-Thrombolysisin Myocardial Infarction), um ensaio clínico randomizado,duplo-cego, de fase III. Nesse ensaio ficou constatadaa maior capacidade do prasugrel em reduzir o risco deocorrência dos desfechos primários do estudo (infartoagudo do miocárdio não fatal, AVE não fatal e mortepor doença cardiovascular). Nos pacientes tratadoscom prasugrel (10 mg/dia), a incidência de desfechosprimários foi 9,9 % vs. 12,1 % nos tratados comclopidogrel (75 mg/dia) (p<0,001). Verificou-seainda que o prasugrel foi responsável pela reduçãona incidência de trombose associada à presença depróteses expansíveis (stents) (1,1 % vs. 2,4 %,p<0,001)36. Já o ensaio TRILOGY-ACS (Targeted PlateletInhibition to Clarify the Optimal Strategy to MedicallyManage Acute Coronary Syndromes)37 não encontroudiferenças significativas entre as eficácias deprasugrel e clopidogrel (13,9 % vs. 16 % de ocorrênciados desfechos primários, p=0,21), indicando que osdois fármacos não apresentam diferença de eficáciaem pacientes com angina instável e infarto miocárdicosem elevação do segmento ST37.

Ticagrelor, cangrelor e elinogrel

O ticagrelor, o cangrelor e o elinogrel são análogos doADP que inibem diretamente (sem a necessidade deconversão in vivo) e reversivelmente os receptoresP2Y12

35. O ticagrelor foi aprovado recentemente parauso clínico, tendo sido encontrada eficácia superiorao clopidogrel na prevenção de infarto miocárdico,AVE ou morte por fatores cardiovasculares empacientes com síndrome coronariana aguda.Segundo o ensaio PLATO (PLATelet inhibition andpatient Outcomes)38, a incidência desses eventos foi 9,8 %nos usuários de ticagrelor vs. 11,7 % nos usuários declopidogrel (p<0,001). Recomenda-se como posologiado ticagrelor a utilização de dose de ataque de 180 mg,seguida por doses de manutenção de 90 mg, duas vezesao dia38.

O cangrelor, por possuir baixa biodisponibilidade porvia oral, é administrado por via endovenosa,resultando em rápida instalação do efeito inibitório(atingindo o pico 15 minutos após a administraçãodo fármaco e o estado de equilíbrio em 30 minutosapós o início da infusão). A inibição da atividadeplaquetária decai aos níveis anteriores ao tratamentocerca de 1 hora após o término da infusão39.

O elinogrel é um agente antiplaquetário que pode seradministrado tanto por via endovenosa quanto porvia oral, característica interessante quando se desejaum rápido início de ação pela administração

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endovenosa e uma sutil transição para a terapia porvia oral. Esse fármaco ainda está em fase de estudosclínicos, nos quais se tem observado uma maiorinibição da agregação plaquetária induzida por ADPse comparado ao clopidogrel35,39.

As diretrizes da Sociedade Europeia de Cardiologiapara síndrome coronariana aguda sem supra de ST(ESC Guidelines for the Management of Acute CoronarySyndromes in Patients Presenting without PersistentST-Segment Elevation)40 recomendam a adição de umdos inibidores do receptor P2Y12 à terapia com AASsempre que possível, sendo o clopidogrel um fármacode terceira escolha, reservado para os casos em quenão seja possível a administração de prasugrel eticagrelor40.

Inibidores da GPIIB/IIIA

Diversas vias podem levar à agregação plaquetária,tornando a eficácia clínica do AAS e dastienopiridinas apenas parcial, uma vez que essesfármacos modulam a agregação mediada por TXA2ou ADP sem afetar a agregação induzida por outrosagonistas como a trombina. A ativação daglicoproteína IIb/IIIa (GPIIb/IIIa), uma integrina damembrana plaquetária, representa a via final comumdo processo de agregação das plaquetas,representando um alvo terapêutico de grandeinteresse. Sendo assim, foram desenvolvidos osinibidores da GPIIb/IIIa, fármacos que inibem a ligaçãodo fibrinogênio, fator de von Willebrand (FvW) eoutros possíveis agonistas à GPIIb/IIIa ativada29.

Os representantes dessa categoria atualmentedisponíveis para uso clínico são:• Abciximab (um fragmento Fab de anticorpomonoclonal quimérico (rato/humano) dirigidocontra a GPIIb/IIIa). Após a administração dofármaco, o anticorpo se liga aos receptores inibindoa agregação plaquetária até 18-24 horas após ainterrupção da infusão. A posologia recomendadapara o abciximab é a administração endovenosa emforma de bolus de 0,25 mg/kg, seguida por umainfusão de 0,125 mg/kg/min, por 12 horas ou mais41.• Eptifibatide (um heptapeptídeo cíclico unido porligações dissulfeto). Os estudos farmacocinéticosindicam que o eptifibatide, após a injeção de bolus de135 µg/kg via endovenosa, atinge um picoplasmático de 879±251 ng/mL após 5 minutos, comuma meia-vida de 1,1±0,17 horas29.• Tirofiban (um derivado não peptídeo da tirosina).Quando administrado a 0,15 mg/kg/min por quatrohoras, o tirofiban produz 97 % de inibição da agregaçãoplaquetária mediada por ADP, com um aumento de 2,5vezes no tempo de sangramento. O tirofiban apresentameia-vida plasmática de 1,6 hora e é excretado

inalteradamente pelas vias renal e biliar. Após o fimda infusão, estima-se que a agregação plaquetáriacomece a retornar ao normal dentro de 1,5 hora29.

Segundo a Diretriz Europeia para síndromecoronariana aguda sem supra de ST40, o uso deinibidores da GP IIb/IIIa é recomendado em pacientesjá submetidos à terapia dupla (AAS+ inibidor P2Y12)em pacientes submetidos a angioplastia coronarianade alto risco (com troponina elevada, trombo visível)se o risco de sangramento é baixo. Eptifibatide outirofiban podem ser administrados em conjunto com oAAS antes da angioplastia coronariana em pacientesque não utilizaram fármacos inibidores do receptorP2Y12. Em pacientes de alto risco, recomenda-seadministrar eptifibatide ou tirofiban em adição àterapia dupla se há um processo isquêmico emandamento e o risco hemorrágico é baixo40.

Inibidores da fosfodiesterase

Os principais representantes dessa classe são odipiridamol e o cilostazol. O dipiridamol é um agenteantiagregante plaquetário e vasodilatador, capaz deinibir a agregação plaquetária através do aumentodo nível de AMPc intracelular, o qual pode ser obtidoatravés da inibição da fosfodiesterase (PDE), enzimaresponsável por degradar o AMPc e pela diminuiçãoda captação de adenosina, que atua nos receptoresA2 estimulando a adenilciclase plaquetária. Odipiridamol tem sido empregado nas doses orais de300-400 mg/dia, sendo depurado através debiotransformação hepática, com meia-vida deeliminação de 10 horas. A biodisponibilidade dodipiridamol é extremamente variável (27-88 %), o queexigiu o desenvolvimento de formulações de liberaçãocontrolada de dipiridamol que aumentaram abiodisponibilidade do fármaco e tornaram-nas maisprevisíveis42,43.

Estudos recentes têm avaliado a eficácia deformulações contendo doses baixas de AAS associadasao dipiridamol em liberação controlada. A associaçãodos dois fármacos parece levar a efeito protetor. Osegundo estudo European Stroke Prevention Study(ESPS-2)44 concluiu que o uso dessa associaçãoreduz o risco de AVE em 23 % e de infarto miocárdicoem 20 %, se comparado ao AAS isolado44.

O cilostazol é um inibidor reversível dafosfodiesterase tipo III, com ações antiagreganteplaquetária e vasodilatadora, além de ser capaz dereduzir a proliferação de células musculares lisasvasculares. Associado ao AAS e ao clopidogrel, naposologia de 100 mg duas vezes ao dia, o cilostazolparece potencializar a inibição da agregaçãoplaquetária43.

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Antagonistas do receptor de trombina

A trombina gerada pela cascata da coagulação épotente ativador das plaquetas através de sua ação emreceptores plaquetários acoplados à proteína G,chamados receptores ativados por protease (PAR-1e PAR-4). O PAR-1 possui afinidade 10-100 vezes maiorpela trombina que o PAR-4, justificando sua escolhasobre o PAR-4 como alvo terapêutico. Os antagonistasdo PAR-1, representados pelo vorapaxar e peloatopaxar, inibem a agregação plaquetária dependentede trombina por impedir a ligação da mesma a seusreceptores plaquetários35.

Após a administração por via oral, o vorapaxar érapidamente absorvido, sendo o pico da atividadeantiplaquetária atingida dentro de 1-2 horas. Aexcreção do vorapaxar é principalmente por via fecal,sendo extremamente lenta, com uma meia-vida deeliminação de 159-311 horas, inibindo a funçãoplaquetária até quatro semanas após a interrupção dotratamento. Os ensaios clínicos de fase 1 demonstraramque a posologia mais adequada do vorapaxar é dosede ataque de 40 mg, seguida por doses de manutençãode 2,5 mg, uma vez ao dia. Dois estudos de fase 3 quebuscavam avaliar a eficácia e a segurança do vorapaxarsofreram alterações recentes, devido ao aumento derisco de hemorragia intracranial em pacientes comhistórico de AVE isquêmico, levando à retirada de taispacientes do estudo TRA-2ºP-TMI 50 (ThrombinReceptor Antagonist in the Prevention of AtherothromboticIschemic Events-TMI 50) e ao fim do estudo TRA-CER(Thrombin Receptor Antagonist for Clinical Event Reductionin Coronary Syndrome)45,46.

Os resultados dos estudos clínicos envolvendo oatopaxar foram considerados satisfatórios osuficiente para se iniciar os ensaios de fase 3. Noentanto, o aumento na incidência de sangramentos,disfunção hepática, prolongamento do intervalo QTe a falta de evidências sobre a relação entre a dose ea eficácia e o risco de sangramentos podem serfatores que dificultem a utilização clínica dessefármaco35.

Face à frequência e gravidade das doençasaterotrombóticas e em consonância com a necessidadede adoção de medidas terapêuticas de prevençãoprimária e secundária, deve-se envidar esforçossubstanciais na busca de novos antiagregantesplaquetários e/ou de novos protocolos de tratamentoenvolvendo dupla-antiagregação, que possam trazermaiores benefícios à população no sentido de se evitarmanifestações aterotrombóticas sem, todavia,predispor a eventos hemorrágicos.

AgradecimentosLuci Maria Dusse e Maria das Graças Carvalho agradecemao CNPq pela bolsa de produtividade em pesquisa.

Potencial Conflito de InteressesDeclaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Fontes de FinanciamentoO presente estudo não teve fontes de financiamentoexternas.

Vinculação AcadêmicaEste artigo representa parte do Trabalho de Conclusão deCurso (TCC) de graduação em Farmácia de MarcosVinicius Ferreira Silva pela Universidade Federal de MinasGerais.

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