Artigo - A Ineficácia Das Medidas Sócioeducativas Aplicadas Ao Menor Infrator (2)

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    50OLHARESPLURAISArtigosA (IN) EFICCIA DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS APLICADAS AO

    ADOLESCENTE INFRATOR: A REALIDADE DE MACEI-AL1

    Samantha Gabrielle da Silva da Costa2

    Lana Lisir de Lima Palmeira3

    RESUMO Este trabalho objetivou analisar se as medidas socioeducativas apresentam, na realidade prtica, eficcia no tocante recuperao e reinsero do adolescente infrator no seio social. O estudo foi desenvolvido por meio de pesquisa bibliogrfica e por pesquisa de campo, realizada no municpio de Macei, nas quais observamos que referidas medidas so pouco eficazes, o que dificulta o alcance absoluto dos ditames preconizados nas leis, quais sejam, a ressocializao e reinsero plena do adolescente no meio social. Palavras-Chave: Medidas socioeducativas. Adolescente infrator. Ressocializao.

    INTRODUO

    Todo e qualquer estudo que analise as medidas socioeducativas deve ser abordado

    com bastante cuidado, visto que se trata do meio utilizado pelo Estado para tentar

    ressocializar e resgatar adolescentes, pessoas com desenvolvimento fsico e mental ainda

    incompleto.

    Seguindo tal ideia, buscamos abordar o ato infracional e suas peculiaridades, relatando

    as principais problemticas acerca da inimputabilidade infanto-juvenil, pormenorizamos todo

    o procedimento de apurao do ato infracional, alm de especificarmos todas as garantias

    processuais das quais as crianas e os adolescentes dispem, indicando cada medida protetiva

    e socioeducativa.

    Dando continuidade linha de raciocnio adotada, focamos na anlise da suposta

    eficcia das medidas socioeducativas, a partir do resultado da nossa pesquisa de campo, na

    qual contextualizamos o quadro da realidade prtica da delinquncia infanto-juvenil, relatando

    os ndices de infrao e de reincidncia na cidade de Macei. Tais dados foram coletados por

    meio de entrevistas realizadas com profissionais que lidam diariamente com a temtica. Com

    as mencionadas entrevistas, buscamos informaes acerca da viso dos profissionais sobre a

    possvel eficcia das medidas socioeducativas diante do cotidiano prtico e rotineiro do que

    1 Este trabalho parte da monografia de concluso do curso de Direito apresentada, em novembro de 2010, Sociedade de Ensino Universitrio do Nordeste SEUNE, em Macei-AL. 2 Bacharel em Direito pela SEUNE. Email: [email protected]. 3 Orientadora, mestre em Educao e Bacharel em Direito. Email: [email protected].

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    51OLHARESPLURAISArtigospor eles observado constantemente. Tambm foi realizada uma entrevista com um adolescente

    infrator que, ao falar da sua vida, deixou clara a falta de estrutura familiar e de condies

    financeiras com as quais conviveu, demonstrando que o meio em que vive foi, por si s,

    bastante propcio para que ele enveredasse na vida delituosa.

    Em linhas gerais, podemos sustentar que o objetivo primordial da pesquisa girou em

    torno de analisar, de forma criteriosa e respaldada, se as medidas socioeducativas esto sendo

    eficazes para a ressocializao do adolescente infrator, atingindo assim o fim a que ela se

    prope, visto que, diante de um primeiro olhar, pensamos que apesar de toda evoluo nos

    Direitos da Criana e do Adolescente, as medidas em questo parecem, na realidade social

    vigente, no conseguir cumprir a funo de ressocializar o adolescente em conflito com a lei,

    reintegrando-o ao seio social em condies ideais de se manter distante dos ilcitos que o

    colocou na situao de infrator.

    1 DA PRTICA DO ATO INFRACIONAL E SUAS CONSEQUNCIAS

    1.1 A inimputabilidade infanto-juvenil

    O Brasil adotou o critrio biolgico para definir a maioridade, ignorando assim a

    questo do discernimento. Assim sendo, os menores de 18 (dezoito) anos tero suas

    responsabilidades regidas pela legislao especial.

    Segundo o Estatuto da Criana e do Adolescente, toda criana ou adolescente que

    cometa algum ato infracional ser objeto de medidas de proteo, no caso das crianas; ou

    medidas socioeducativas, no caso de adolescentes. Observa-se que o menor de 18 (dezoito)

    anos, se submeter s medidas previstas no ECA, que visam resgatar e ressocializar a criana

    e o adolescente evitando que voltem a cometer atos infracionais.

    A inimputabilidade aos menores de 18 (dezoito), alm de prevista no Cdigo Penal,

    foi elevada a nvel constitucional e est prevista no art. 228 da Carta Magna, o que nos leva a

    compreender a importncia e a necessidade de tal inimputabilidade, como podemos constatar

    com a lio de Saraiva e Koerner Jnior (2008, p.136-7):

    Nesse campo, acertadssima a precauo que teve o constituinte. mais que razovel disponha a Carta Magna sobre a inimputabilidade do menor de 18 anos. O contedo de clusula de seu art. 228 de segurana para aqueles pequenos brasileiros vtimas de um sistema social amplo sensu opressivo com quem tambm brasileiros, jamais racionalmente, querem guerrear. Tenho para mim que a determinao constitucional equivale em fora de efeito regra que veda a execuo

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    52OLHARESPLURAISArtigosda pena de morte em nosso Pas, apesar de os exemplos de vida vivida pelos brasileiros demonstrarem o contrrio.

    A inimputabilidade infanto-juvenil h muito tempo tem sido alvo de discusses e

    opinies controversas acerca da reduo ou no da idade inimputvel para 16 anos. O Cdigo

    Penal, em seu Art. 27 dispe que menores de 18 (dezoito) anos so penalmente inimputveis,

    ficando sujeitos s normas estabelecidas na legislao especial (BRASIL, 2010a).

    Os defensores da reduo da menoridade penal argumentam que crianas e

    adolescentes esto, cada vez mais cedo, se envolvendo na prtica de atos infracionais, por

    isso, tal reduo se faz necessria, aliando-se ainda a tal motivo a ideia de que se um jovem de

    dezesseis anos possui o discernimento suficiente para votar, teria ele a maturidade suficiente

    para responder por seus atos na esfera penal.

    Antes de buscar a reduo da menoridade penal para 16 (dezesseis) anos, a nosso ver,

    o legislador deve levar em considerao que o adolescente de 16 (dezesseis) anos ainda um

    ser em formao, com desenvolvimento fsico e mental incompleto. Assim sendo,

    inadmissvel que esse adolescente passe a ser punido da mesma forma que um adulto. Alguns

    autores apontam como uma possvel soluo para as causas que geram a criminalidade

    infanto-juvenil outro mtodo, como podemos observar na lio de Bitencourt (2007, p.353):

    Admitimos, de lege ferenda, a possibilidade de uma terceira via: nem a responsabilidade penal do nosso Cdigo Penal, nem as medidas teraputicas do Estatuto da Criana e do Adolescente, mas uma responsabilidade penal diminuda, com consequncias diferenciadas, para os infratores jovens com idade entre dezesseis e vinte e um anos, cujas sanes devam ser cumpridas em outra espcie de estabelecimento, exclusiva para menores, com tratamento adequado, enfim, um tratamento especial.

    Ou seja, com a situao crtica que vivem os sistemas prisionais brasileiros, submeter

    adolescentes s mesmas situaes que adultos imputveis s vai agravar a criminalidade

    infanto-juvenil, pois as chances de recuperao e ressocializao desses adolescentes seriam

    escassas. Acompanhamos, nesse sentido, o pensamento de Mirabete e Fabrini (2008, p.215),

    que asseveram: Ningum pode negar que o jovem de 16 a 17 anos, de qualquer meio social, tem hoje amplo conhecimento do mundo e condies de discernimento sobre a ilicitude de seus atos. Entretanto, a reduo do limite de idade no Direito Penal comum representaria um retrocesso na poltica penal e penitenciria brasileira e criaria a promiscuidade dos jovens com delinquentes costumazes. O Estatuto da Criana e do Adolescente prev, alis, instrumentos eficazes para impedir a prtica reiterada de atos ilcitos por pessoas com menos de 18 anos, sem os inconvenientes mencionados.

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    53OLHARESPLURAISArtigosResta-nos saber se esses instrumentos mencionados por Mirabete e Fabrini (2008) so

    realmente eficazes ou no, como veremos adiante.

    Entretanto, no excessivo declinar que a imputabilidade causa de excluso de

    responsabilidade penal e no causa da irresponsabilidade de forma absoluta, total e irrestrita,

    vindo ele a responder na medida do que a legislao especial estabelece, que visa, antes de

    qualquer coisa, reeducar, ressocializar, resgatar essa criana ou adolescente do que

    propriamente reprimir.

    1.2 As garantias processuais e a apurao do ato infracional

    A definio de crime encontra-se prevista na Lei de Introduo ao Cdigo Penal

    brasileiro (BRASIL, 2010b), segundo o qual crime um fato contrrio lei, um ato punvel,

    o ato que lesa o bem jurdico protegido pelo Direito Penal.

    J o conceito de ato infracional, por sua vez, foi definido pelo ECA Estatuto da

    Criana e do Adolescente nos precisos termos do artigo 103, segundo o qual Considera-se

    ato infracional a conduta descrita como crime ou contraveno penal. (BRASIL, 2009).

    Tal conceituao necessita, todavia, ser complementada pelo que estatui o caput do

    artigo 104 do ECA Estatuto da Criana e do Adolescente, o qual traz explicitamente que:

    So penalmente inimputveis os menores de 18 anos, sujeitos s medidas previstas nesta lei

    (BRASIL, 2009).

    Ou seja, na realidade prtica, o que difere o crime do ato infracional que o crime a

    conduta punvel, contrria a lei praticada por adulto, por maior de 18 anos de idade; enquanto

    o ato infracional a conduta praticada por criana ou adolescente, descrita como crime ou

    contraveno penal. Isto , crianas e adolescentes no podem ser autores de crimes, apenas

    de atos infracionais, j que crimes so condutas praticadas apenas pelos imputveis.

    Feita a distino inicial e terminolgica entre crime e ato infracional, passaremos

    agora anlise de como se d a apurao do ato infracional. O ECA elenca uma srie de

    garantias processuais aos menores infratores, tais garantias esto protegidas pelos princpios

    do devido processo legal, do contraditrio, da ampla defesa, da presuno de inocncia,

    princpio da brevidade e excepcionalidade na medida privativa de liberdade, entre outras.

    O art. 111 do ECA elenca as garantias processuais que o menor infrator possui, a

    saber: ter o pleno e formal conhecimento da atribuio de ato infracional; direito de igualdade

    nas relaes processuais; defesa tcnica por profissional habilitado, podendo o jovem

    confrontar-se com vtimas e testemunhas a fim de produzir as provas necessrias a sua defesa;

    direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente; direito a solicitar a presena

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    54OLHARESPLURAISArtigosdos pais ou responsveis em qualquer fase do procedimento; direito assistncia judiciria

    gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei. Esse rol de garantias do mencionado

    artigo no taxativo, apenas exemplificativo, da decorrendo outras garantias (BRASIL,

    2009).

    O ECA disciplina que na apurao de um ato infracional leve-se em considerao a

    idade da criana ou adolescente no momento em que o ato foi praticado, isto porque a criana,

    no pode receber medidas socioeducativas, devendo ser encaminhada ao Conselho Tutelar

    para que ele aplique as medidas de proteo adequadas ao caso, pois essas medidas no

    possuem natureza punitiva.

    Por outro lado, caso o infrator j tenha 18 (dezoito) anos completos quando da prtica

    do ato infracional, no ser alvo de medidas socioeducativas e sim das penas previstas na

    legislao penal, visto que as medidas socioeducativas s se aplicam aos adolescentes, nada

    impedindo, porm, que estes recebam apenas medidas de proteo como veremos a seguir.

    Com base no princpio da presuno de inocncia, o adolescente s pode ser objeto de

    medida socioeducativa quando restar comprovada a autoria e a materialidade do fato durante

    o processo, e, alm disso, s poder ser privado de liberdade com fundamentao judicial que

    demonstre a indispensabilidade da medida, e s nestes casos a internao ser autorizada

    antes da sentena.

    O adolescente s poder ser privado de sua liberdade quando for flagrado cometendo

    um ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada do juiz. Quando se verifica a

    ocorrncia de um ato infracional com a posterior apreenso do adolescente, devem-se tomar

    as providncias necessrias para que a autoridade judiciria e a famlia do apreendido sejam

    informadas da apreenso, no prazo de at 24 horas, de forma incontinenti, devendo ainda ser

    examinada a possibilidade de liberao imediata. Quando os pais comparecerem, o

    adolescente deve ser imediatamente liberado, oportunidade na qual os pais devem apresent-

    lo ao Ministrio Pblico, caso isso no seja possvel dever comparecer no prximo dia til.

    Nos casos de privao de liberdade, devido impossibilidade de liberao imediata do

    adolescente, tal privao no pode ultrapassar em nenhuma hiptese o prazo de 45 dias, e isso

    s ser possvel por meio de deciso fundamentada, baseada em indcios da autoria e

    materialidade do fato suficientes, demonstrando a necessidade da medida, no que se denomina

    de atendimento acautelatrio para adolescentes em conflito com a lei.

    Deve-se ressaltar que a internao s poder ser executada caso o ato infracional tenha

    sido cometido mediante violncia ou grave ameaa, por descumprimento da medida

    anteriormente imposta ou ainda em casos de reiterao no cometimento de outras infraes.

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    55OLHARESPLURAISArtigosCaso o adolescente fique apreendido, como j dito, essa apreenso no poder exceder

    45 dias, e deve obedecer as condies mnimas previstas no art. 123 do ECA Estatuto da

    Criana e do Adolescente, segundo o qual:

    Art. 123. A internao dever ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separao por critrios de idade, compleio fsica e gravidade da infrao. Pargrafo nico. Durante o perodo de internao, inclusive provisria, sero obrigatrias atividades pedaggicas. (BRASIL, 2010c).

    importante destacar que o ECA preceitua que, se na comarca no houver esse tipo de

    entidade, o adolescente deve ser encaminhado para a localidade mais prxima, podendo, em

    ltimo caso, ser mantido em estabelecimento prisional desde que separado dos adultos e

    podendo permanecer l pelo prazo mximo de 5 (cinco) dias. Em nenhuma hiptese os

    adolescentes sero colocados no mesmo ambiente dos adultos. Vale ressaltar ainda, que no

    momento da apreenso, o adolescente no pode ser conduzido em compartimento fechado de

    viaturas, devendo ser levado no banco traseiro do veculo.

    Caso o adolescente no fique apreendido, deve-se providenciar a sua apresentao ao

    Ministrio Pblico, no prazo mximo de 24 horas, ou no sendo possvel no prximo dia til,

    momento em que o Ministrio Pblico providenciar a oitiva do adolescente, dos pais, de

    vtimas e testemunhas, em seguida, o promotor vai decidir se arquiva o procedimento, se

    concede a remisso ou se faz representao perante o judicirio, solicitando a aplicao de

    medida socioeducativa.

    A representao ministerial deve conter o resumo dos fatos, as testemunhas a

    classificao do ato, etc., o juiz que vai decidir se mantm a internao, se o adolescente j

    estiver internado, ou se decreta a internao, caso se encontre em liberdade. Em seguida,

    marca a primeira audincia, chamada audincia de representao, na qual o adolescente, os

    pais ou responsveis devero ser notificados, devendo a defesa se fazer presente.

    Nessa audincia, o juiz pode decidir por encerrar o procedimento, aplicando ou no a

    remisso, ou dar provimento representao. Pode, ainda, em sendo necessrio, marcar a

    audincia de continuao, abrindo, de imediato, o prazo de 3 (trs) dias para apresentao da

    defesa prvia.

    Nessa audincia, o juiz ouve as testemunhas oferecidas pelo Ministrio Pblico,

    passando para os debates orais entre Ministrio Pblico e Defesa. Findo os debates, junta-se

    o relatrio da equipe interprofissional, caso tenha sido requerido e elaborado, proferindo a

    sentena, oportunidade na qual ele pode conceder a remisso, pode julgar improcedente a

    representao ou julg-la procedente. Em julgando-a procedente, estabelecer a medida

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    56OLHARESPLURAISArtigossocioeducativa a ser aplicada e se a medida for a de semiliberdade ou de internao, o

    adolescente obrigatoriamente chamado para dizer se quer ou no recorrer da sentena.

    1.3 Das Medidas Protetivas

    O Art. 101 do ECA prev as medidas de proteo. Quando uma criana comete um ato

    infracional, ela no pode receber como reprimenda medidas socieducativas. Como visto, ela

    ser encaminhada ao Conselho Tutelar e este aplicar a medida de proteo adequada. Nada

    impede, porm, que um adolescente, receba uma medida de proteo especfica, quando, por

    exemplo, o ato infracional que ele tenha cometido seja de pequena gravidade, de pequeno

    potencial ofensivo, recebendo a medida de proteo de forma isolada ou cumulativa.

    Dentre as medidas de proteo podemos citar: o encaminhamento aos pais ou

    responsvel, mediante termo de responsabilidade; orientao, apoio e acompanhamento

    temporrios; matrcula e frequncia obrigatrias em estabelecimento oficial de ensino

    fundamental; incluso em programa comunitrio ou oficial de auxlio famlia, criana e ao

    adolescente; requisio de tratamento mdico, psicolgico ou psiquitrico, em regime

    hospitalar ou ambulatorial; incluso em programa oficial ou comunitrio de auxlio,

    orientao e tratamento a alcolatras e toxicmanos; acolhimento institucional; incluso em

    programa de acolhimento familiar; colocao em famlia substituta.

    No caso das medidas de proteo previstas nos incisos VII, VIII e IX, do Art, 101 do

    ECA, quais sejam: o acolhimento institucional, a incluso em programa de acolhimento

    familiar e a colocao em famlia substituta, por serem medidas excepcionais e extremas no

    podem ser aplicadas pelo Conselho Tutelar, devem ser aplicadas pela autoridade judiciria.

    Essas medidas de proteo podem ser aplicadas isoladas ou cumulativamente, dando

    sempre prioridade quelas que apresentam uma maior nfase ao fortalecimento dos vnculos

    familiares e, excepcionalmente, aplicando o acolhimento institucional e o acolhimento

    familiar, de forma provisria, o que no constitui privao de liberdade, devendo sempre

    verificar a possibilidade de reintegrao dessa criana ao seio familiar. As medidas de

    proteo no possuem natureza punitiva, mas sim pedaggica e educacional.

    1.4 Das Medidas Socioeducativas

    De acordo com o que j foi destacado no presente estudo, quando um adolescente

    comete um ato infracional, ele recebe a aplicao de medidas socioeducativas como

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    57OLHARESPLURAISArtigosreprimenda. Essas medidas socioeducativas, ora objeto de nossa pesquisa esto previstas no

    art.112 do ECA Estatuto da Criana e do Adolescente:

    Art. 112. Verificada a prtica de ato infracional, a autoridade competente poder aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertncia; II - obrigao de reparar o dano; III - prestao de servios comunidade; IV - liberdade assistida; V - insero em regime de semi-liberdade; VI - internao em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. 1 A medida aplicada ao adolescente levar em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstncias e a gravidade da infrao. 2 Em hiptese alguma e sob pretexto algum, ser admitida a prestao de trabalho forado. 3 Os adolescentes portadores de doena ou deficincia mental recebero tratamento individual e especializado, em local adequado s suas condies. (BRASIL, 2010c).

    As medidas socioeducativas sero aplicadas de acordo com a infrao cometida,

    devendo ser proporcionais ao ato causado, gravidade, representando, de acordo com o

    esprito da legislao especfica, medidas coercitivas que, alm da punio ao adolescente

    infrator, visam reintegrar, ressocializar e reeducar o adolescente.

    A aplicao dessas medidas, diferentemente do que ocorre com as medidas protetivas,

    as quais podem ser determinadas pelo Conselho Tutelar, s pode ser aplicada pelo juiz, nica

    autoridade competente para isso.

    Quanto natureza das medidas socioeducativas, fundamental assinalar que alguns

    autores negam o carter sancionatrio das medidas socioeducativas, enquanto outros

    enxergam nas aludidas medidas um trao marcadamente de penalizao. A esse respeito

    Shecaira (2008, p.187) assevera que: Dentro desse contexto, pode-se afirmar que a medida socioeducativa uma sano de carter pedaggico e educativo, com finalidade de reforar os vnculos familiares e comunitrios do adolescente, aplicada em funo da no conformao da conduta (prtica do ato infracional) ao preceito da norma (Direito Penal Juvenil).

    Percebe-se, dessa forma, que as medidas socioeducativas, apesar do carter

    pedaggico, so nada mais do que sanes impostas aos adolescentes. No h como negar o

    carter retributivo da medida socioeducativa, uma retribuio ao mal praticado. Faz-se

    necessrio destacar que essas medidas, do ponto de vista do Direito, no so penas, como as

    previstas pelo Direito Penal, embora, numa viso mais restrita e do ponto de vista da

    concretizao prtica, com elas se assemelhe.

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    58OLHARESPLURAISArtigosCabe destacar que o perodo mximo de medidas socioeducativas de trs anos, e

    estas podem ser cumpridas at que o jovem complete 21 (vinte e um) anos, idade esta

    utilizada para os clculos de diminuio previstos no Cdigo Penal.

    A primeira medida prevista no art. 112 a advertncia, a menos grave das medidas,

    mas no deixa de ser uma sano. Embora seja a mais branda, s pode ser aplicada se provada

    a autoria e a materialidade do fato. uma admoestao verbal, feita pelo juiz e que deve ser

    reduzida a termo e entregue aos pais ou responsveis.

    O inciso II do art. 112 do mencionado artigo, prev como medida socioeducativa a

    obrigao de reparar o dano. Com essa medida, o adolescente passa a ter uma noo de

    responsabilidade, visto que ele vai ter que ressarcir o dano causado com suas atitudes,

    evitando assim que volte a cometer danos a outras pessoas. Com base no art.116 do ECA, a

    obrigao de reparar o dano refere-se a atos com prejuzos materiais, patrimoniais, e o juiz vai

    determinar que o adolescente restitua a coisa ou compense o prejuzo de alguma forma.

    A obrigao de reparar o dano intransfervel e personalssima. Caso se mostre

    impossvel reparar o dano vtima, a autoridade judiciria deve determinar que o adolescente

    execute tarefas em hospitais, escolas, creches e instituies congneres, ou ento substituir a

    medida por outra mais adequada.

    A prestao de servios comunidade est prevista no inciso III do art.112 e no

    art.117, ambos do ECA. Essa medida baseia-se na execuo de servios comunidade,

    servios de interesse geral, que, alm de contribuir em projetos comunitrios, despertam no

    adolescente o prazer em ajudar ao prximo, solidarizando-o.

    Esses servios devem ser realizados em escolas, hospitais, rgos assistenciais, etc. As

    tarefas sero determinadas de acordo aptido de cada adolescente e no podero atrapalhar

    as atividades escolares, sendo realizadas preferencialmente aos sbados, domingos, feriados,

    no podendo ultrapassar 8 horas semanais, alm disso, as tarefas desempenhadas no devem

    ser humilhantes ou discriminatrias, no podendo haver diferenciaes para que o adolescente

    seja identificado no desempenho das tarefas como um adolescente infrator em cumprimento

    de medidas socioeducativas.

    Essa medida tem durao mxima de seis meses e a entidade beneficiada deve enviar

    ao juiz da Infncia e da Juventude relatrios de frequncia e relatos de tudo relevante que

    ocorrer na prestao dos servios.

    A liberdade assistida, prevista no IV do art.112 do ECA, uma medida coercitiva,

    caracteriza-se pelo acompanhamento do adolescente para garantir proteo, insero social,

    maior efetividade nos vnculos familiares, frequncia escolar, etc.. O prazo mnimo de

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    59OLHARESPLURAISArtigosexecuo da liberdade assistida de seis meses, podendo ser revogada, prorrogada ou ainda

    substituda por outra medida.

    O juiz, ao determinar a medida da liberdade assistida, pode ainda fazer outras

    exigncias como: no praticar novos atos infracionais, no andar em ms companhias, no

    frequentar determinados locais, retornar para casa at as 22 horas, estudar, etc.. Ao determinar

    a liberdade assistida, o juiz deve indicar um orientador, ou seja, uma pessoa capacitada para

    acompanhar o adolescente e deve ainda promover socialmente o adolescente e sua famlia,

    orient-los, integr-los em programa oficial ou comunitrio de auxlio e assistncia social,

    caso seja necessrio, verificar a frequncia e o aproveitamento escolar do adolescente, tentar

    inserir o adolescente no mercado de trabalho e apresentar ao juiz relatrio sobre o caso.

    Prevista no inciso V do art.112 do ECA, a medida da colocao em regime de

    semiliberdade consiste na privao parcial de liberdade e pode ser aplicada diretamente ou

    como forma de substituio, de progresso de medida, da internao para o meio aberto.

    Ao cumprir essa medida, o adolescente fica em um estabelecimento determinado pelo

    juiz e tem a possibilidade de executar atividades externas, sendo obrigatria a frequncia

    escolar e a profissionalizao. Em regra, o adolescente ficar na entidade no perodo noturno,

    ou seja, passa o dia em meio aberto e noite recolhe-se entidade. Por ser mais rigorosa, ela

    no tem prazo determinado e sua convenincia deve ser reavaliada pelo juiz a cada seis

    meses. Ao ser reavaliada, a medida pode ser substituda por outra que o caso exija, porm no

    pode exceder o perodo de trs anos.

    Por fim, temos a internao como medida socioeducativa mais grave, sendo prevista

    no inciso VI do art.112 do ECA. Assim como as outras medidas, ela s pode ser imposta pelo

    juiz e desde que observados os princpios da ampla defesa, do contraditrio e do devido

    processo legal. a ltima alternativa a ser utilizada, uma medida excepcional e tm com

    base os princpios da brevidade, excepcionalidade e do respeito condio peculiar de pessoa

    em desenvolvimento.

    O adolescente, ao cumprir essa medida, fica internado em uma instituio destinada a

    esse fim e fica sob a responsabilidade do Estado, que deve zelar pela sua integridade fsica e

    mental, pela sua educao, pelo seu lazer. O local deve ser distinto daqueles destinados ao

    abrigo dos adolescentes no infratores, que devem ser separados por critrios de idades,

    compleio fsica e gravidade do ato infracional praticado. A entidade deve ser exclusiva para

    adolescentes e, assim como a medida da semiliberdade, a medida deve ser avaliada a cada seis

    meses e no pode exceder o prazo de trs anos.

    Quando se completam os trs anos da internao, o adolescente deve imediatamente

    ser posto em liberdade, porm, se seu carter ainda mostrar a necessidade de medidas, ser ele

  • OLHARESPLURAISRevistaEletrnicaMultidisciplinar,Vol.2,N.3,Ano2010 ISSN21769249

    60OLHARESPLURAISArtigoscolocado em semiliberdade ou liberdade assistida e aos poucos ir progredindo a medida. Vale

    ressaltar que ao completar 21 (vinte e um) anos o jovem ser liberado compulsoriamente.

    Caso a internao ocorra por descumprimento da medida anteriormente adotada, ela ter o

    prazo mximo de trs meses, visto que visa apenas garantir o cumprimento da medida

    anterior.

    Todo adolescente em cumprimento de internao dispe de algumas garantias que

    devem ser observadas, estas garantias esto previstas no art. 124 do ECA, segundo o qual: Art. 124. So direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes: I - entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministrio Pblico; II - peticionar diretamente a qualquer autoridade; III - avistar-se reservadamente com seu defensor; IV - ser informado de sua situao processual, sempre que solicitada; V - ser tratado com respeito e dignidade; VI - permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais prxima ao domiclio de seus pais ou responsvel; VII - receber visitas, ao menos, semanalmente; VIII - corresponder-se com seus familiares e amigos; IX - ter acesso aos objetos necessrios higiene e asseio pessoal; X - habitar alojamento em condies adequadas de higiene e salubridade; XI - receber escolarizao e profissionalizao; XII - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer: XIII - ter acesso aos meios de comunicao social; XIV - receber assistncia religiosa, segundo a sua crena, e desde que assim o deseje; XV - manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para guard-los, recebendo comprovante daqueles porventura depositados em poder da entidade; XVI - receber, quando de sua desinternao, os documentos pessoais indispensveis vida em sociedade. 1 Em nenhum caso haver incomunicabilidade. 2 A autoridade judiciria poder suspender temporariamente a visita, inclusive de pais ou responsvel, se existirem motivos srios e fundados de sua prejudicialidade aos interesses do adolescente. (BRASIL, 2010c).

    No podemos deixar de dar um enfoque maior a questo da escolarizao, pois o

    adolescente mesmo privado de liberdade tem o direito de estudar, cabendo ao Poder Pblico

    garantir essa necessidade. Sobre o assunto, Volpi (2010, p.34-35) destaca que:

    Dada a impossibilidade de os adolescentes frequentarem escolas na comunidade de origem, a soluo que nos parece mais acertada que a rede pblica e regular de ensino mantenha uma escola dentro do internato. de suma importncia que essa escola seja vinculada rede formal de ensino e no seja uma escola alternativa dentro do prprio internato. Enquanto a escola no considerar dela excludos, no saber produzir as alteraes necessrias para atender as crianas e adolescentes das camadas populares.

    O art.122 do ECA, elenca as trs hipteses em que o juiz pode aplicar a medida da

    internao, que so os casos de atos infracionais graves cometidos mediante violncia ou

  • OLHARESPLURAISRevistaEletrnicaMultidisciplinar,Vol.2,N.3,Ano2010 ISSN21769249

    61OLHARESPLURAISArtigosgrave ameaa, casos de reiterao no cometimento de outras infraes graves e, por fim, a

    internao pelo descumprimento reiterado e injustificvel da medida anteriormente adotada.

    Visto o que estatui a legislao especial acerca do assunto estudado, voltamos nossa

    ateno a outro aspecto de grande relevncia, qual seja a realidade diria do modo de

    execuo das medidas socioeducativas aplicadas ao adolescente em conflito com a lei, pois,

    na prtica, nem todos esses direitos e garantias vm sendo aplicados e observados.

    Ao contrrio, o que se tem percebido, inmeras vezes, so abrigos superlotados, em

    pssimas condies de higiene, entre outras irregularidades, que acabam sendo um motivo

    adicional para tornar o adolescente revoltado, sem perspectivas de recuperao social e

    emocional, fazendo um papel totalmente oposto ao que a lei se prope, distanciando-se assim

    da to buscada ressocializao.

    Em seguida, teceremos anlises a respeito do atual quadro modulado pela aplicao

    das medidas socioeducativas, tentando trazer pesquisa dados relativos ao quantum de

    incidncia das medidas, bem como do ndice de adolescentes em conflitos com a lei que

    voltam a cometer novos atos infracionais, aps a aplicao da medida, buscando assim

    construir um raciocnio apto a embasar a ideia central da pesquisa, que repousa na tentativa de

    evidenciar se as medidas socioeducativas so verdadeiramente eficazes e se traduzem, no

    campo prtico, o que preconizam os ideais normativos.

    2 A EFICCIA DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS NA REALIDADE DE

    MACEI-AL

    2.1 O que mostra o contexto atual em relao reincidncia na prtica do ato

    infracional?

    Aps analisar todos os aspectos doutrinrios e legais acerca do ato infracional,

    buscamos a opinio de alguns profissionais da rea, a respeito de determinadas questes

    pertinentes ao adolescente infrator e eficcia das medidas socioeducativas.

    Entre os entrevistados, selecionamos o diretor da UIPM Unidade de Internao

    Provisria Masculina de Macei-AL, Senhor nio Oliveira; o Defensor Pblico que atua no

    Juizado da Infncia e da Juventude, Dr. Ricardo Santana; a equipe multidisciplinar do

    mencionado Juizado, nas pessoas de assistentes sociais e da psicloga Dra. Sara Oliveira

    Nepomuceno Marques; o Chefe Geral de Operaes da Delegacia da Criana e do

  • OLHARESPLURAISRevistaEletrnicaMultidisciplinar,Vol.2,N.3,Ano2010 ISSN21769249

    62OLHARESPLURAISArtigosAdolescente, o Senhor Aldo Moraes e a Delegada da Delegacia da Criana e do Adolescente,

    Dra. Aureni Santos Moreno.

    Ao desenvolver nossas pesquisas, constatamos que atualmente grande a ocorrncia

    de atos infracionais. De acordo com informaes oriundas da Delegacia da Criana e do

    Adolescente de Macei, esta recebe uma faixa de 25 (vinte e cinco) a 30 (trinta) adolescentes

    por semana, nos termos da informao fornecida pelo Senhor Aldo Moraes, Chefe de

    Operaes da Delegacia da Criana e do Adolescente, que atua na rea h 7 (sete ) anos.

    Ainda segundo o entrevistado, a tendncia o aumento da delinquncia infanto-

    juvenil, e pela falta de perspectivas de melhora no tocante ao implemento de polticas

    pblicas, a tendncia que as infraes sejam cada vez mais graves, ressaltando ainda que os

    jovens comeam a delinquir cada vez mais cedo. Tambm pudemos colher, na mesma

    delegacia, informaes de que no perodo compreendido de janeiro at outubro de 2010, ano

    em que a pesquisa foi realizada, havia cerca de 400 (quatrocentas) investigaes de atos

    infracionais praticados por adolescentes, no incluindo aqueles casos de menor potencial

    lesivo, em que a Delegada acaba liberando o adolescente.

    O ponto mais relevante sobre as informaes levantadas no que pertine

    reincidncia. Nesse aspecto e ouvindo atentamente as informaes emanadas da Dra. Aureni

    Santos Moreno, delegada que h mais de 29 anos atua na mesma especializada, o ndice de

    reincidncia muito elevado. De acordo com as palavras da Dra. Aureni Santos Moreno:

    Acredito que a reincidncia chega a 95% dos casos que me deparo aqui. constrangedor e

    at triste para mim, como profissional, ver o crescimento desses jovens na escalada

    delituosa.

    Ainda em consonncia com as entrevistas realizadas, percebemos que geralmente a

    reincidncia pelo mesmo ato infracional ou por ato de maior gravidade. No so raros os

    casos de adolescentes que vo se especializando na conduta delituosa, iniciando os ilcitos por

    pequenos furtos ou leses leves chegando ao cometimento de trfico de drogas e homicdios

    com altos resqucios de crueldade.

    Logicamente, alguns at tentam levar uma vida melhor, estudar, trabalhar, mas a

    grande maioria acaba se envolvendo em novos ilcitos, afinal a ausncia de estrutura familiar

    e a ausncia de polticas estatais voltadas populao juvenil contribuem preponderantemente

    para a insero desses adolescentes nesse submundo.

  • OLHARESPLURAISRevistaEletrnicaMultidisciplinar,Vol.2,N.3,Ano2010 ISSN21769249

    63OLHARESPLURAISArtigos2.2 A viso dos especialistas acerca da eficcia das medidas socioeducativas

    Ao realizar a pesquisa de campo, tivemos a oportunidade de entrevistar o Senhor nio

    Oliveira, diretor da UIPM- Unidade de Internao Provisria Masculina de Macei-AL, com

    7 (sete) anos de experincia na funo, o qual nos informou sobre o trabalho que vem

    desempenhando, como funcionam as Unidades de Internao e ainda o perfil dos

    adolescentes, informaes estas de imprescindvel relevncia ao assunto em comento.

    Entre essas informaes podemos citar a forma que atualmente divide-se a Unidade de

    Internao, antigo CRM Centro de Ressocializao de Menores.

    A Unidade de Internao se divide em 6 (seis) unidades, quais sejam: a UIPM

    Unidade de Internao Provisria Masculina, a UIM Unidade de Internao Masculina, a

    UIJA Unidade de Internao de Jovens Adultos, a UIF Unidade de Internao Feminina, a

    Semiliberdade e a LA Liberdade Assistida.

    A UIPM - Unidade de Internao Provisria Masculina o porto de entrada, isto ,

    quando o adolescente comete o ato infracional ele encaminhado Delegacia da Criana e do

    Adolescente, onde a delegada vai proceder a investigao social e encaminhar os autos e tudo

    que foi apreendido ao Juizado da Infncia e Juventude, que vai decidir se libera o adolescente

    ou se o encaminha para a UIPM Unidade de Internao Provisria Masculina. Nessa

    unidade, o adolescente fica aguardando a audincia, que ocorrer no prazo de 45 (quarenta e

    cinco) dias. Alm de atuar como porto de entrada, a UIPM Unidade de Internao

    Provisria Masculina acolhe, ainda, os adolescentes que descumprem uma medida

    anteriormente imposta, ou seja, nos casos de regresso da medida, podendo estes permanecer

    l por at 90 (noventa) dias. Deve-se frisar que aqui ainda no h o cumprimento de medida,

    representando apenas um acolhimento provisrio, pois o cumprimento da medida s ocorre

    aps a sentena e ser cumprida em outra unidade.

    Na UIM Unidade de Internao Masculina h o acolhimento de adolescentes com

    idade entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos incompletos. Nela se verifica o cumprimento de

    medida socioeducativa. Quando o adolescente tem mais de 18 (dezoito) anos ele acolhido no

    UIJA Unidade de Internao de Jovens Adultos, que acolhe jovens de 18 a 21 anos.

    A UIF Unidade de Internao Feminina acolhe adolescentes do sexo feminino, ou

    seja, as adolescentes infratoras.

    A Semiliberdade a unidade que acolhe os adolescentes que passam o dia fora da

    unidade, estudando ou trabalhando, e noite, retornam para a unidade.

  • OLHARESPLURAISRevistaEletrnicaMultidisciplinar,Vol.2,N.3,Ano2010 ISSN21769249

    64OLHARESPLURAISArtigosA LA Liberdade Assistida a unidade que faz o acompanhamento dos adolescentes

    que ficam livres, mas passam por todo um acompanhamento social, psicolgico,

    acompanhados sempre por um orientador.

    Segundo o entrevistado, o ato infracional mais frequente o assalto mo armada,

    roubos, furtos, porte ilegal de armas e trfico de drogas, porm h ainda a incidncia de outros

    crimes s que com menor frequncia, como estupros, homicdios, leses corporais e etc. Alm

    do diretor, todos os outros profissionais, quando questionados a respeito disso, confirmaram

    tal informao e informaram ainda que 95% dos adolescentes que so internados so usurios

    de drogas e que para manter o vcio cometem tais atos infracionais.

    Ao entrevistar o Dr. Ricardo Santana, Defensor Pblico que atua no Juizado da

    Infncia e Juventude, constatamos a presena de fatores de influncia no ingresso dos

    adolescentes na vida delituosa, quais sejam a origem familiar e o nvel socioeconmico. H

    uma predominncia, nas informaes obtidas sobre a realidade maceioense, de adolescentes

    pertencentes a grupos sociais de menor poder aquisitivo e/ou advindos de famlias

    desestruturadas, onde o pai ausente ou, at mesmo, tem envolvimento com o crime, sendo

    traficante, ladro, etc.. Observamos pelas entrevistas que a maior parte dos adolescentes que

    se encontram cumprindo medidas socioeducativas no possui uma origem familiar padro

    (com pai e me).

    O mesmo entendimento foi pontuado pelo Senhor nio Oliveira, diretor da UIPM

    Unidade de Internao Provisria Masculina, j que de acordo com ele o que mais acarreta

    problemas na conduta, no desenvolvimento psquico do adolescente a criao com pais

    separados, muitas vezes, a me passa o dia fora e sem a presena do pai, no h como

    acompanhar esse adolescente e dispensar amor, carinho, ateno e at mesmo a cobrana de

    que eles necessitam.

    raro ter adolescentes com um nvel de renda elevado e com uma famlia estruturada

    cumprindo medidas, o que no quer dizer que no exista. Como muito bem frisou o Dr.

    Ricardo Santana, isso existe, j que dentro da unidade tem filhos de mdicos, de engenheiros,

    pessoas de uma classe social mais favorvel, s que em propores desprezveis se

    comparados aos adolescentes de classe baixa.

    Como j dito, cerca de 95% dos adolescentes so usurios de drogas e, por isso,

    acabam se envolvendo na prtica de atos infracionais, porm, ao serem acolhidos, ao

    cumprirem a medida de internao so obrigados a deixar os vcios, pois no permitido a

    entrada de drogas dentro da Unidade de Internao.

    A idade mais propcia e mais frequente dos adolescentes que praticam atos

    infracionais a faixa etria dos 15 (quinze) aos 17 (dezessete) anos de idade, opinio unnime

  • OLHARESPLURAISRevistaEletrnicaMultidisciplinar,Vol.2,N.3,Ano2010 ISSN21769249

    65OLHARESPLURAISArtigosentre os entrevistados. Porm, a prtica de atos infracionais no se restringe a essa faixa

    etria, em muitos casos desde muito cedo crianas comeam a praticar alguns delitos, como

    informou a Dra. Aureni Moreno, Delegada da Delegacia da Criana e do Adolescente, ao nos

    relatar que crianas com apenas 7 (sete) anos de idade j cometem pequenos atos infracionais.

    Devemos acentuar que fizemos todas as consideraes acima, apenas para enriquecer

    o trabalho e trazer ao mesmo a grandeza das informaes obtidas nas entrevistas. Todavia, ao

    adentrar no ponto central da indagao, que reside na eficcia ou no das medidas

    socioeducativas, ouvimos as respostas abaixo relacionadas.

    A Dra. Sara Oliveira Nepomuceno Marques, psicloga da Equipe Multidisciplinar do

    Juizado da Infncia e da Juventude, acredita que as medidas so eficazes, e mesmo naqueles

    casos mais difceis, aqueles casos em que eles no conseguem resgatar, ressocializar o

    adolescente infrator, a medida pode no representar um efeito positivo na conduta do

    adolescente, mas se esse efeito positivo no foi alcanado o efeito negativo tambm no.

    Entre os entrevistados, ela a nica que acredita na eficcia parcial das medidas. J

    para todos os outros profissionais entrevistados, as medidas so ineficazes.

    O Sr. nio Oliveira, por exemplo, disse-nos que:

    O adolescente at sai da internao ressocializado, porm quando volta a conviver no mesmo meio em que vivia, comea a fazer tudo de novo, volta a usar drogas, comete outros atos infracionais, ou seja, confirma assim o quadro da ineficcia das medidas socioeducativas.

    Na opinio do Dr. Ricardo Santana, se o Estado franqueasse todas as condies e

    garantias previstas no ECA, essa ressocializao seria possvel. Para ele, o mencionado

    Estatuto o modelo ideal e perfeito a ser seguido para se atingir a plena ressocializao do

    adolescente, porm h uma carncia enorme no sentido de garantir o que est previsto

    necessitando assim novas polticas pblicas que garantam tais aplicaes.

    De acordo com o Senhor Aldo Moraes, as medidas socioeducativas no so eficazes,

    uma vez que caso elas fossem eficazes o nvel de reincidncia no seria to elevado. E aponta

    como possvel soluo uma melhoria na educao, pois onde h educao no tem

    delinquncia e, se houver, os ndices so mnimos.

    O mesmo posicionamento tem a Dra. Aureni Santos Moreno, que acredita que a

    medida socioeducativa no ressocializa nenhum adolescente, sendo a medida completamente

    ineficaz, uma vez que ao cometer um ato infracional as medidas no tm nada a oferecer ao

    adolescente, a no ser revolta e insurgncia contra o sistema no qual se encontra inserido. De

    acordo com a entrevistada:

  • OLHARESPLURAISRevistaEletrnicaMultidisciplinar,Vol.2,N.3,Ano2010 ISSN21769249

    66OLHARESPLURAISArtigosA internao, por exemplo, no ensina nada ao adolescente. As unidades no tm nada a oferecer a esses adolescentes. Nem atividades de lazer so propiciadas a eles. As coisas no funcionam como deveriam funcionar. Necessitamos de providncias urgentes, pois daqui a uns 2 (dois) anos ningum vai conseguir controlar esses adolescentes, os pais precisam educar melhor os seus filhos, dedicar uma maior ateno, acostum-los com bons hbitos, pois se eles so bem educados no vo se envolver com esse tipo de conduta.

    Tais posicionamentos servem, de forma inconteste, para corroborar a hiptese inicial

    da nossa pesquisa, de que as medidas impostas em lei, por si s, no cumprem o papel a que

    se destinam, merecendo ser lanado sobre o assunto um olhar mais acurado por parte dos

    poderes governamentais competentes, visando reverter o lamentvel quadro da delinquncia

    infanto-juvenil no nosso pas.

    2.3 Ressocializao do adolescente infrator: um mito ou uma realidade alcanvel?

    Ao realizar a pesquisa de campo na UIPM Unidade de Internao Provisria

    Masculina tivemos a oportunidade de entrevistar um dos adolescentes infratores que l se

    encontra acolhido.

    O adolescente entrevistado possui 16 (dezesseis) anos de idade, e seu nome foi

    resguardado, mantido em sigilo, como estabelece o ECA, bem como a entrevista recebeu

    todos os cuidados exigidos pela tica em pesquisa com seres humanos.

    O adolescente entrevistado relatou-nos que se encontrava ali porque foi pego em

    flagrante com porte ilegal de arma. Porm, em seu processo, consta ainda um ato infracional

    anterior, de um suposto envolvimento em quadrilha de roubo de carro.

    Ao question-lo sobre essa infrao anterior, ele disse que isso foi uma parada que

    entrou por acaso com outros caras maior de idade, mas que j estava sendo resolvido.

    J se consegue observar, logo de incio, a ocorrncia da reincidncia, pois antes de ser

    apreendido em flagrante pelo porte ilegal, o adolescente j tinha ficado 8 (oito) dias detido na

    Delegacia da Criana e do Adolescente, pelo outro ilcito apontado.

    Para tentarmos caracterizar o perfil socioeconmico do entrevistado, fizemos uma

    srie de perguntas e extramos que o adolescente de origem familiar completamente

    desestruturada. Mora com uma tia, que empregada domstica e recebe um salrio mnimo

    mensal. Sua tia viva, tendo perdido o marido vtima de violncia.

    Perguntado sobre se sabia de sua me, o entrevistado respondeu que ela morava em

    So Paulo, mas que no tinha muito contato. Disse que ela veio para Macei, passando um

    curto perodo, mas que agora vai para Rondnia, acompanhando o atual companheiro, que

    est preso em um presdio de segurana mxima, por envolvimento em assaltos a bancos.

  • OLHARESPLURAISRevistaEletrnicaMultidisciplinar,Vol.2,N.3,Ano2010 ISSN21769249

    67OLHARESPLURAISArtigosQuestionado a respeito de onde se encontrava seu pai, o entrevistado disse que este

    faleceu quando ele tinha apenas 3 (trs) anos de idade, sendo assassinado pela polcia numa

    troca de tiros, porque era assaltante.

    Quanto ao grau de escolarizao, o adolescente disse ter estudado at a 8 srie, fato

    raro e quase isolado entre os adolescentes infratores, visto que a maioria no chega nem a 5

    srie. Ele confessou, ainda, que j foi usurio de drogas, porm afirmou ter deixado o vcio

    por conta de problemas de sade.

    Esse perfil, apesar de ser irrelevante para consideraes mais precisas e cientficas,

    pois resultado do que disse apenas um adolescente infrator, corrobora de algum modo o

    perfil que foi obtido nas demais entrevistas e em nossas observaes: nvel de renda, classe

    social, desestrutura familiar, reincidncia, uso de drogas.

    Saliente-se, ainda, que ao ser questionado sobre os planos que tinha para quando sasse

    da unidade, o adolescente informou que queria retomar os estudos e ter uma vida melhor. Na

    realidade, acreditamos que muitos at pensam dessa forma, porm ao cumprirem a medida e

    se depararem com o mesmo meio com o qual conviviam antes, com as mesmas dificuldades,

    acabam cometendo novos atos infracionais, geralmente atos da mesma natureza ou ainda atos

    de natureza mais grave. Esse nosso entendimento foi reforado pela assistente social daquela

    unidade, que nos acompanhou durante a entrevista e, em seguida, passou-nos algumas

    reflexes sobre o que ela observa no seu dia a dia profissional, no convvio com situaes

    dessa natureza.

    Dentro da Unidade de Internao, os adolescentes recebem escolarizao;

    profissionalizao; participam de atividades recreativas, como futebol e basquete; recebem a

    visita dos familiares, visita esta que em Macei s permitidas nas quintas e domingos aos

    pais e avs.

    Com base em todas as informaes acima relatadas, volta-se seguinte indagao: a

    ressocializao do adolescente infrator um mito ou uma realidade alcanvel? No restam

    dvidas de que, apesar de as medidas demonstrarem teoricamente ser o modelo ideal para a

    reinsero do adolescente infrator no seio social, na realidade prtica, elas no conseguem

    cumprir tal funo, ou seja, essa suposta ressocializao no passa de um mito, sendo uma

    realidade muito longe de ser alcanada. preciso um maior empenho estatal para a

    diminuio da delinquncia infanto-juvenil. necessria a criao de novos mecanismos de

    controle para fazer valer o Estatuto.

    As unidades de internao precisam estar orientadas a controlar os efeitos negativos

    trazidos pela privao de liberdade e, alm disso, devem estar aptas a desenvolverem

    atividades pedaggicas, que reintegrem o adolescente ao convvio social, alm do que,

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    68OLHARESPLURAISArtigospreciso trabalhar esse adolescente aps o cumprimento da medida, acompanhar todo o

    processo de reinsero do adolescente no convvio social.

    CONCLUSO

    Com base em tudo que foi estudado e analisado, podemos afirmar que as medidas

    socioeducativas, na realidade observada, tm se mostrado ineficazes e no cumprem com sua

    finalidade, qual seja a de ressocializar o adolescente infrator, inserindo-o no meio social, em

    condies plenas de se manter livre dos atos delitivos, de pautar uma vida em condies

    normais de dignidade e licitude.

    Exige-se, para tal eficcia, que o Estado lance mo de polticas pblicas para que a

    previso do ECA seja efetivada, j que este, como apontado, o modelo ideal para a

    ressocializao, necessitando apenas de polticas que venham gerar sua efetivao concreta.

    Necessrio se faz, ainda, um acompanhamento efetivo ps-recuperao, evitando

    assim que o adolescente ressocializado se envolva novamente na prtica delituosa, coibindo

    dessa forma o crescimento da delinquncia infanto-juvenil.

    Por fim, no demais ressaltar que o ponto de partida para o problema apontado,

    consiste na poltica preventiva. Ou seja, a partir do momento que o poder estatal, na sua mais

    ampla acepo, centrar suas diretrizes prioritrias em medidas que busquem ocupar os jovens

    com educao, trabalho e outras atividades de carter instrutivo, tirando-os das ruas e da

    ociosidade, certamente haver uma considervel diminuio de prticas de atos infracionais,

    minimizando, assim, o quadro lamentvel que se constata hoje.

    Esperamos, assim, que as reflexes aqui pontuadas, as quais so fruto de um detalhado

    estudo e de cuidadosas anlises, ao serem lanadas no meio acadmico e social, possam

    contribuir de alguma forma para o alcance de uma realidade diferenciada, com jovens que

    deixem de ser rotulados como um problema social, passando a ser agentes colaboradores de

    uma sociedade melhor.

    REFERNCIAS BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. 11 ed. So Paulo: Saraiva, 2007.

  • OLHARESPLURAISRevistaEletrnicaMultidisciplinar,Vol.2,N.3,Ano2010 ISSN21769249

    69OLHARESPLURAISArtigosBRASIL. Cdigo Penal de 1940. Planalto. Disponvel em < http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 23 maio 2010a. BRASIL. Lei de Introduo ao Cdigo Penal - Decreto n 3.917 de 1941. Planalto. Disponvel em: . Acesso em: 03 set 2010b. BRASIL. Estatuto da Criana e do Adolescente. Planalto. Disponvel em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em 04 set 2010c. BRASIL. Estatuto da Criana e do Adolescente. In. Vade Mecum Saraiva. So Paulo: Saraiva 2009. MIRABETE, Jlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. Parte Geral. 24. ed. So Paulo. Atlas, 2008. SARAIVA, Joo Batista; KOERNER JNIOR, Rolf. Adolescentes privados de liberdade. A Normativa Nacional e Internacional & Reflexes acerca da responsabilidade penal. In: VOLPI, Mrio (Org.). 4. ed. So Paulo: Cortez, 2008. SHECAIRA, Srgio Salomo. Sistemas de Garantias e o Direito Penal Juvenil. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. VOLPI, Mrio. O Adolescente e o Ato Infracional. So Paulo: Cortez Editora, 2010.