Artigo - A Importância dos Ácidos Graxos Ômega-3 no Câncer

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    1Mdica nutrloga. Membro do grupo de Nutrio do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clnicas da Universidade Federal deMinas Gerais (UFMG).2Professora Adjunta de Cirurgia do Departamento de Cirurgia da UFMG. Especialista em Nutrio Parenteral e Enteral. Mestre em Cirurgia doAparelho Digestivo pela UFMG. Doutora em Cirurgia do Aparelho Digestivo pela Universidade de So Paulo (USP). Coordenadora da Equipe de

    Terapia Nutricional do Instituto Alfa de Gastroenterologia, Hospital das Clnicas, Belo Horizonte (MG).Endereo para correspondncia:Maria Carmen Neves Souza Carmo. Rua Santa Rita Duro, 1.185 - Apto 701 - Belo Horizonte (MG), Brasil - CEP: 30140-111.E-mail:[email protected]

    Maria Carmen Neves Souza Carmo1, Maria Isabel Toulson Davisson Correia2

    Resumo

    Os cidos graxos poli-insaturados de cadeia longa eicosapentaenoico (EPA) e docosahexaenoico (DHA), presentes

    nos peixes ricos em gordura e no leo de peixe, tm impacto no cncer. Eles podem inibir a carcinognese,retardar o crescimento de tumores e aumentar a eficcia da radioterapia e de vrias drogas quimioterpicas,conforme demonstrado por estudos in vitro, experimentais com animais e alguns ensaios clnicos. Os cidosgraxos mega-3 (AGs n-3), especialmente os EPAs, parecem ter importante papel na caquexia induzida pelocncer. Vrios mecanismos de ao foram propostos para explicar como os AGs n-3 podem modificar o processode carcinognese, tais como: supresso da biossntese dos eicosanoides derivados do cido araquidnico; influnciana atividade do fator de transcrio nuclear, na expresso gnica e nas vias de transduo de sinais; alterao dometabolismo do estrognio; aumento ou diminuio da produo de radicais livres e espcies reativas de oxignioe; influncia nos mecanismos envolvendo a resistncia insulina e a fluidez das membranas. Os objetivos desteestudo foram descrever os principais benefcios da teraputica nutricional baseada na utilizao da suplementaode AG n-3 em pacientes oncolgicos, abordando essencialmente a via metablica desse cido graxo. Embora osestudos in vitroe os experimentos com animais tenham mostrado que os AGs n-3 podem ser teis no tratamento

    e na preveno do cncer, os ensaios clnicos, no que se refere ao tratamento, so poucos e tm mostrado resultadosconflitantes.Palavras-chave: cidos Graxos no Saturados; Eicosanides; cidos Docosahexaenicos; Neoplasias; Caquexia;Terapia Nutricional; Avaliao

    Revista Brasileira de Cancerologia 2009; 55(3): 279-287

    Reviso de Literaturamega-3 e Cncer

    Artigo submetido em 20/10/08; aceito para publicao em 6/4/09

    A Importncia dos cidos Graxos mega-3 no CncerThe Role of Omega-3 Fatty Acids in Cancer

    La Importancia de los cidos Grasos Omega-3 en el Cncer

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    INTRODUO

    Os cidos graxos foram vistos, at o incio do sculo XX, exclusivamente como uma forma eficiente dearmazenar energia, podendo ser sintetizados pelo

    organismo a partir de protenas e carboidratos. Desdeento, vrias evidncias apontaram que dieta pobre emcidos graxos associada a sndromes que podem levar morte. Criou-se ento o conceito de cidos graxosessenciais - cidos graxos imprescindveis ao organismo,que no podem ser sintetizados pelo mesmo e que,portanto, devem ser oferecidos na alimentao. Duas"famlias" de cidos graxos so essenciais: os cidos graxosmega-3 (ou n-3), representados pelo cido alfa-linolnicoe os cidos graxos mega-6 (ou n-6), representados peloscidos linoleico e araquidnico. A importncia dos cidosgraxos n-6 conhecida desde os meados de 1930. J os

    cidos graxos n-3, somente aps 1980, tiveram a suanecessidade associada preveno, principalmente, dedistrbios neurolgicos e visuais.

    Os cidos graxos essenciais de cadeia longa: cidoaraquidnico (n-6) AA; cido eicosapentaenoico (n-3)EPA; e cido docosaexaenoico (n-3) DHA fazem parteda estrutura dos fosfolipdeos que so componentesimportantes das membranas e da matriz estrutural de todasas clulas. Alm de seu papel estrutural, esses lipdeospodem tambm modular a funo celular ao atuaremcomo mediadores intracelulares da transduo de sinaise como moduladores das interaes entre clulas.

    A composio dos fosfolipdeos de membranas na formade cidos graxos , em parte, determinada pela composiodos cidos graxos (AGs) n-3 e n-6 da alimentao. Dessaforma, a composio da gordura alimentar pode influenciarvrias funes relacionadas membrana, tais como: ligaode hormnios e atividades associadas a enzimas etransportadores. Na dieta ocidental tpica, a proporo n-6:n-3 varia de aproximadamente 10:1 a 30:1, muitodiferente da de 1:1 a 2:1 que acredita-se ter sido aproporo na dieta de populaes da pr-histria1.

    Os cidos graxos EPA e DHA so encontrados empeixes de gua salgada e em algumas sementes, como alinhaa. So exemplos desses peixes o atum, a sardinha,o salmo e a cavala, que quanto mais ricos em gorduraforem, maior seu teor de AG n-32.

    Os objetivos foram descrever os principais benefciosda teraputica nutricional baseada na utilizao dasuplementao de AG n-3 em pacientes oncolgicos,abordando essencialmente a via metablica desse cidograxo.

    METODOLOGIA

    Este trabalho consiste em reviso bibliogrficarealizada aps consulta na base de dados Pubmed,

    incluindo publicaes cientficas relacionadas ao uso do AG n-3 na preveno e no tratamento do cncer,utilizando-se como palavras-chave: cido graxo mega-3,caquexia e cncer. Artigos nas lnguas portuguesa,espanhola e inglesa, publicados no perodo

    compreendido entre 1997 e 2008, foram selecionados.

    MECANISMOS DE AO DOS CIDOS GRAXOS MEGA-3 NACARCINOGNESE

    Alguns mecanismos pelos quais os AGs n-3 podemmodificar o processo de carcinognese foram propostos:supresso da biossntese dos eicosanoides derivados docido araquidnico, o que resulta em alterao da respostaimunolgica s clulas tumorais e modulao dainflamao; impacto na proliferao celular, na apoptose,na disseminao de metstases e na angiognese;influncia na atividade do fator de transcrio nuclear,na expresso gnica e nas vias de transduo de sinais,levando a mudanas no metabolismo celular, crescimentoe diferenciao das clulas; alterao no metabolismo doestrognio, o que gera menor estmulo ao crescimentodas clulas hormnio dependentes; aumento oudiminuio da produo de radicais livres; e envolvimentoem mecanismos diretamente relacionados sensibilidade insulina e fluidez das membranas, embora essesmecanismos tenham sido menos estudados at omomento. Evidncias sugerem que esses lipdeos alteremas funes celulares modulando a estrutura e funo de

    domnios lipdicos especficos dentro da membranaplasmtica1.Uma das mais importantes funes dos AGs n-3 e n-6

    relacionada sua converso enzimtica emeicosanoides. Os eicosanoides tm vrias atividadesbiolgicas: modulam a resposta inflamatria e a respostaimunolgica; e tm papel importante na agregaoplaquetria, no crescimento e na diferenciao celular.

    A produo de eicosanoides comea com a liberaodos AGs poli-insaturados da membrana fosfolipdica pelaao de vrias fosfolipases. Liberados da membrana,esses AGs servem como substratos para cicloxigenases,

    lipoxigenases e citocromo P450 monoxigenase2.Cicloxigenases (COX) e lipoxigenases (LOX) agem

    nos AGs de 20 carbonos produzindo molculas desinalizao celular: prostaglandinas, tromboxanos eleucotrienos. As prostaglandinas da srie dois,produzidas a partir do AA, tendem a ter ao pr-inflamatria e proliferativa na maioria dos tecidos. Asprostaglandinas da srie trs, produzidas a partir do EPA,tm efeito inflamatrio e proliferativo menor, portantoso menos favorveis ao desenvolvimento e aocrescimento de clulas cancerosas2.

    As COXs tm duas isoenzimas: COX 1 e COX 2. ACOX 1 produzida normalmente pela maioria das

    Carmo MCNS, Correia MITD

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    clulas e a COX 2 produzida como parte da respostainflamatria. A produo de AA a partir de AG n-6 suprimida pelo cido alfa-linolnico, pelo EPA e peloDHA, os trs principais AGs n-3. A supresso daproduo de AA pelos AG n-3 tambm inibe a produo

    dos eicosanoides derivados do AA. J se demonstrouque a incorporao de AG n-3 suprime a produo deCOX 2 e pode reduzir a resposta inflamatria mudandoos eicosanoides que so produzidos2. Os eicosanoidesgerados pela oxidao do AA, tais como: prostaglandinaE2, leucotrieno B4, tromboxano A2 e cido 12-hidroxieicosatetraenoico j foram positivamente ligados carcinognese. Por exemplo, a prostaglandina E2promove a sobrevivncia das clulas tumorais e encontrada em concentraes maiores nas clulastumorais que nas clulas normais. Se AGs n-3 estodisponveis, eles sero usados como substrato pela COX

    2; portanto, se os AGs n-3 forem includos na dieta eincorporados s membranas celulares, menosprostaglandina E2 ser produzida nos tecidos normais etumorais. Os produtos das COX e LOX derivados do

    AA estimulam a mitose, enquanto os derivados do EPAdiminuem o crescimento do tumor2. Observou-se queo EPA e o DHA so aproximadamente cinco vezes maispotentes que o AG alfa-linolnico na supresso doseicosanoides derivados do AA2.

    Quando o fator de transcrio nuclear NFkB ativado, a morte celular programada, ou apoptose, bloqueada. Esse fator nuclear est frequentemente

    alterado nas clulas tumorais, resultando em clulasresistentes s drogas quimioterpicas e radiao, asquais no morrem em resposta ao dano genticoocorrido. A expresso dos genes da famlia Bcl-2 e daCOX 2 tambm pode bloquear a apoptose, resultandoem clulas que no sofrem apoptose na hora apropriada.Os AGs n-3 podem restaurar a apoptose fisiolgica pelaregulao do fator nuclear, o qual regula a expresso daCOX 2, e pela regulao da expresso dos genes dafamlia Bcl-22.

    medida que o tumor se desenvolve, novos vasosse formam para suprir as clulas tumorais de nutrientes

    e remover produtos do metabolismo celular. Aangiognese est frequentemente associada comprognstico pior. Estudos mostram que tumores commaior vascularizao so mais agressivos e invasivos3.

    A inibio da angiognese uma estratgia para inibirou limitar o crescimento do tumor. Os AGs n-3 podeminibir a angiognese por mltiplos mecanismos,incluindo alteraes na produo de prostaglandinas einibio da protena cinase C2.

    O fator de necrose tumoral alfa (TNF) tem papelimportante na inflamao e na caquexia. Estudos emanimais de laboratrio, indivduos voluntrios sadios e

    vrios grupos de pacientes indicaram que os AGs n-3diminuem a habilidade das clulas mononucleares de

    produzir TNF. Esse o elemento chave dos efeitos anti-inflamatrios do leo de peixe e explica parcialmentesua utilizao nos distrbios inflamatrios. Entretanto,estudo recente relatou que existem variaes na respostaao leo de peixe, dependendo do gentipo individual3.

    Nesse estudo, a utilizao de leo de peixe, em homenssadios, por trs meses, diminuiu a produo de TNFpelas clulas mononucleares sanguneas. No entanto, esseefeito dependeu do gentipo dos indivduos estudados.Indivduos heterozigotos para os alelos do TNF, comproduo mdia ou baixa de TNF quando do incio noestudo, foram mais sensveis ao efeito anti-inflamatriodo leo de peixe que os indivduos homozigotos. Essesachados sugerem que alguns outros efeitos dos AGs n-3tambm podem ser influenciados pelo gentipo, de sorteque o uso dos AGs n-3 como preveno primria podese tornar tarefa mais complexa do que se imagina

    presentemente3.

    USO DE SUPLEMENTOS DE AG N-3 NOS PACIENTES COM CNCERA suplementao da dieta com leos contendo EPA

    ou DHA, em ratos ou a camundongos portadores decncer, diminuiu o crescimento de vrios tipos detumores, incluindo os do pulmo, do clon, das mamase da prstata2. No referido estudo, os AGs n-3aumentaram a eficcia da radioterapia e de vriasdrogas, tais como: doxorrubicina, epirrubicina, 5-fluoruracil, mitomicina C, arabinosilcitosina,tamoxifeno, CPT-112. Em outro estudo, a suplementao

    de EPA aumentou a eficcia da gemcitabina4.Os AGs n-3 induzem a diferenciao das clulas do

    cncer de mama. Como clulas diferenciadas no semultiplicam, a induo da diferenciao pode parar ocrescimento do tumor. Muitos tumores de mama nafase inicial so estrognio-dependentes. A prostaglandinaE2 ativa a aromatase P450 e aumenta a produo deestrognio. Os AGs n-3 podem diminuir o crescimentodos tumores de mama estrgeno dependentes peladiminuio da estimulao estrognica nesses tumores2.Bougnoux et al.5 mostraram que o nvel de DHA notecido adiposo das mamas de pacientes queapresentaram remisso total ou parcial, em resposta aotratamento com drogas citotxicas, foi maior que empacientes que no responderam ao tratamento ou queapresentaram progresso da doena. Essa maiorconcentrao de DHA nos tecidos resultado de maiorconsumo desses AGs por essas pacientes ao longo desuas vidas. possvel aumentar a concentrao de DHAno tecido mamrio consumindo-se esse AG ao longo detrs meses6. Lim et al. cultivaram clulas humanas decolangiocarcinoma em meio rico em EPA e DHA por12 a 72 horas. Demonstraram inibio do crescimento

    das clulas, dependente do tempo de administrao eda dose. Os autores sugerem o uso desses AGs para

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    tratamento e quimiopreveno do colangiocarcinoma7.Aronson et al., em estudo prospectivo, suplementarama dieta de nove homens portadores de cncer de prstatacom leo de peixe por um perodo de trs meses. Plasma,tecido adiposo da regio gltea e tecido prosttico obtido

    por puno bipsia foram retirados de cada pacienteantes e depois da interveno. Aps esse perodo, adistribuio de cidos graxos no plasma e no tecidoadiposo do glteo foi determinada por cromatografia, ea expresso da COX 2 no tecido prosttico por reaoem cadeia da polimerase (PCR). Houve aumento darelao AG n-3/ AG n-6 no plasma e no tecido adiposoda regio gltea8. Leitzmann et al. acompanharamcoorte, desde 1986, por um perodo de 14 anos, de47.866 homens americanos, com idades entre 40 e 75anos e sem histria prvia de cncer. Nesse perodo,questionrio sobre os hbitos alimentares foi aplicado

    (1986, 1990 e 1994), abordando, entre outros nutrientes,a ingesto de cido alfa linolnico, EPA, DHA, cidolinoleico e AA. Durante o seguimento, 2.965 casos decncer de prstata foram diagnosticados, sendo 448 casosde doena avanada. O cruzamento dos dadosdemonstra que a ingesto de EPA e DHA diminuiu orisco de cncer de prstata, porm a ingesto aumentadade cido alfa linolnico, nesse estudo, aumentou aincidncia de cncer avanado9. Sharma et al. estudaramo efeito dos AGs n-3 no crescimento de quatro linhagenscelulares de carcinoma epitelial ovariano e concluramque h um mecanismo de supresso do crescimentodessas clulas sob a influncia do AG n-310. Estudo deShirota et al. concluiu que o EPA inibe a proliferaode clulas pancreticas tumorais e que esse efeito dosedependente. Simultaneamente, o tratamento com EPAinduziu a apoptose celular por ativao da caspase-3. Otratamento com o EPA foi associado tambm com adiminuio dos nveis intracelulares de COX 211.

    A neoplasia de clon uma das mais frequentes.Sua incidncia aumenta de 3% a 7% ao ano e responsvel por cerca de 150.000 mortes a cada ano,principalmente nos pases industrializados que

    consomem dieta ocidental. A etiologia do cncer declon complexa envolvendo fatores genticos eambientais. Entre os fatores ambientais, a dieta considerada o principal fator. Embora o efeito daquantidade de lipdeos da dieta tenha recebido nfase,parece que a qualidade desses lipdeos tambm importante na predisposio ao cncer de clon. Muitosestudos relatam propriedades protetoras dos AGs n-3nos estgios iniciais do desenvolvimento do cncer declon3. Estudos epidemiolgicos revelaram incidnciasignificativamente inferior de cncer de clon entre osesquims que consomem sua dieta tradicional. Esses

    esquims ingerem mais de 10g de AG n-3 de cadeialonga (EPA e DHA), diariamente. Em contraste, a dieta

    ocidental contm cerca de 1g a 2g de AG n-3, a maiorparte sendo cido graxo alfa-linolnico e na qual os AGsn-3 de cadeia longa contribuem com menos de 0,25gpor dia3. Estudos de interveno sugerem quesuplementao de leo de peixe contendo 4.1g de EPA

    e 3.6g de DHA, por dia, em pacientes portadores deplipos adenomatosos, reduz a porcentagem de clulasna fase S da cripta da mucosa do clon.

    Apesar de as evidncias clnicas e experimentaismostrarem benefcio potencial na utilizao dos AGs n-3de cadeia longa, algumas ressalvas devem ser feitas.Griffini et al., em estudo de 1998, observaram que ratos,com cncer de clon induzido experimentalmente, commetstases hepticas e alimentados com dietasuplementada com leo de peixe, tiveram aumento naformao de tumores secundrios e desenvolveram 1.000vezes mais metstases que os ratos que foram alimentados

    com dieta enriquecida com leo de girassol3.Rhodes et al. estudaram o efeito da suplementao

    de EPA na incidncia de cncer de pele. Em estudoduplo-cego, randomizado e controlado, 44 pessoasbrancas, sadias, receberam EPA ou, o grupo-controle,cido oleico. O AG n-3 conferiu proteo significativacontra o eritema de pele induzido pela radiaoultravioleta. Mutaes no gene supressor de tumor p53,geralmente relacionadas exposio radiaoultravioleta, so consideradas evento muito precoce nainduo do cncer de pele. O EPA foi incorporado pele dos pacientes e conferiu proteo no apenas contraas queimaduras solares, mas tambm contra a expressodo gene p53 induzida pela radiao ultravioleta. Essaproteo no foi encontrada nos pacientes que tomaramo suplemento de cido oleico12.

    A interpretao dos resultados dos estudosprospectivos de coorte, de acordo com a durao doseguimento, pode ajudar a conciliar essas diferenas.Os estudos que mostraram associao mais forte entreo consumo de AG n-3 e cncer de prstata foram aquelesque tiveram perodo de seguimento maior.

    Em concluso, frente aos diversos resultados

    apontados, deve-se considerar que o uso de AGs n-3 napreveno do cncer ainda controverso. Por outro lado,o aumento da sua ingesto deve ser estimulado natentativa de oferecer uma dieta, do ponto de vistalipdico, melhor balanceada.

    USO DOS CIDOS GRAXOS N-3 NA SNDROME DE CAQUEXIAEmbora a anorexia esteja frequentemente presente

    entre os pacientes com cncer, o dficit energticoisolado no explica a patognese da caquexia. Estudosprvios, usando terapia nutricional convencional,sugerem que h bloqueio parcial do acrscimo de massa

    magra nos pacientes com cncer. Alm da anorexiacausada pela doena, esses pacientes apresentam

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    anormalidades metablicas que dificultam o anabolismoe permitem a perda acentuada de massa muscular. Umaparticularidade da alterao da composio corporal nacaquexia a perda grave e especfica de massa muscularesqueltica com preservao relativa da massa proteica

    visceral. A produo de protenas de fase aguda pelofgado est aumentada no jejum e no perodo ps-prandial. Aparentemente, esse mecanismo contribui paraa perda de massa magra e para a ineficcia da terapianutricional convencional em reverter essa perda.

    Ademais, estudos com suplementao oral tambm nodemonstraram ganho de peso nesses pacientes. Algumasrazes sugeridas so o efeito dos nutrientes promovendoo crescimento tumoral, a ao do tumor que agecapturando o nitrognio fornecido e a persistncia dosprocessos metablicos e catablicos envolvidos na

    caquexia13

    . Portanto, embora a oferta calrica possa seraumentada nos pacientes com cncer, dificilmenteconseguir-se- ganho de massa magra, a menos que sejamcorrigidas as anormalidades metablicas subjacentes14.

    A sndrome de caquexia afeta grande nmero depacientes, cerca de 60% dos pacientes com doenaavanada. Est associada sobrevida menor, piora daqualidade de vida e no acomete apenas pacientes queesto submetendo-se quimio e radioterapia. Amaioria dos pacientes com doena metasttica apresentaperda de peso em algum momento da doena15. Apresena de resposta de fase aguda foi associada perdade peso acelerada e diminuio da sobrevida. A perdade tecido adiposo parece ser consequncia do aumentoda degradao dos triglicrides e no da diminuio dasntese. O responsvel por esse efeito parece ser o fatortumoral de mobilizao de lipdeos, que estimula aliplise. A perda de msculo esqueltico consequnciade diminuio da sntese proteica e aumento dadegradao das protenas16. Um peptdeo denominadofator indutor de protelise-PIF parece ser um dosresponsveis por essa degradao acentuada dasprotenas. Na caquexia grave, enquanto as protenas

    perifricas so degradadas, protenas funcionais comoas do miocrdio e as do parnquima pulmonar somobilizadas, inevitavelmente, resultando em disfunocardaca, pneumonia e finalmente bito. O EPA atuana protelise por meio da inibio da via da ubiquitina-proteassoma (via de degradao das protenas). Aubiquitina uma protena que ao se ligar s protenasdo organismo direciona-as para os proteassomas, ondeessas sero degradadas por enzimas proteolticas. Quantomais ubiquitinadas forem as protenas, mais rapidamentedegradadas elas sero3. A ativao de NFkB aumenta a

    expresso de dois genes responsveis pela ligao dasprotenas musculares ubiquitina16.

    O benefcio potencial da suplementao diettica deAGs n-3 em pacientes com cncer o efeito desses lipdeosna caquexia. Moses at al. descreveram melhora naqualidade de vida e ganho de peso em pacientes portadoresde cncer de pncreas e caquexia debilitante, ao usarem

    suplemento hipercalrico (610 kcal), hiperproteico (32,2gde protena) e contendo 2,2g de EPA e 0,96g de DHA.Os pacientes que receberam o suplemento sem os AGsn-3 no apresentaram ganho de peso2.

    Burns et al. conduziram estudo com o objetivo dedeterminar a dose mxima e toxicidade de cpsulascontendo AG n-3. Esses autores acreditam que se devautilizar a dose mxima tolerada na tentativa de reverterou minimizar a caquexia apresentada pelos pacientes.Relataram tambm que os pacientes com cnceravanado toleraram dose alta de AG n-3, em cpsulas,com poucos efeitos colaterais (principalmente diarreia),e sugerem como dose apropriada 0,3g/kg por dia17.Numa segunda fase do estudo, os autores relataramestabilizao ou ganho de peso apenas na minoria depacientes, porm consideraram que ainda assim os AGsn-3 tm utilidade como terapia coadjuvante notratamento dos pacientes com cncer que apresentamperda de peso importante18.

    Fearon et al., em estudo internacional, multicntrico,randomizado e duplo cego, trabalharam com a hiptesede que os AGs n-3 poderiam modular as anormalidadesmetablicas e, assim, promover o anabolismo nos

    pacientes portadores de caquexia por cncer de pncreas.Segundo os autores, para obter melhora das condiesfsicas e da qualidade de vida, esses pacientes necessitamno apenas estabilizar seu peso, mas recuperar a massamagra perdida durante o processo de caquexia. Nesseestudo, 200 pacientes com perda de peso foram alocadosem dois grupos para receber suplemento oral contendoou no EPA (casos versuscontroles). Cada lata de 237mldo suplemento continha 310kcal, 16g de protena, 6gde lpideos, com (casos) ou sem (controles) 1,1g do AGn-3 poli-insaturado EPA, enriquecido com antioxidantesem quantidades suficientes para prevenir a peroxidao

    dos AGs (25.245UI de vitamina A, 75UI de vitaminaE, 105mg de vitamina C e 17,5mcg de selnio). Ospacientes foram orientados a ingerir duas latas dosuplemento diariamente e foram avaliados (peso,composio corporal, ingesto calrica, anlise do EPAem fosfolipdeos plasmticos e qualidade de vida) emdois momentos: no incio do estudo e aps oito semanas.

    A perda mdia de peso antes do incio do estudo foi de3,3kg por ms (dos quais 2,2kg foram de massa magra).Terminaram o estudo 110 pacientes, 50 no grupoexperimental e 60 no grupo-controle. Embora arecomendao fosse a ingesto diria de duas latas de

    suplemento, a ingesto mdia observada nos dois gruposfoi 1,4 lata por dia. Aps quatro e oito semanas, o peso

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    e a massa magra dos pacientes mantiveram-se estveis,mas no houve diferena entre os dois grupos. Noentanto, no grupo experimental, ganho de peso eprincipalmente de massa magra foram observados entreos pacientes que ingeriram entre uma lata e meia a duas

    latas de suplemento. No houve diferena no tempo desobrevida entre os dois grupos. Os autores concluramque o uso de suplemento oral hipercalrico ehiperproteico, enriquecido ou no com AG n-3 eantioxidantes, esteve associado estabilizao do pesonos pacientes com caquexia, sugerindo maior benefciodo uso do suplemento com mega-3, quando ingeridona dose recomendada14.

    Jatoi et al. publicaram, em 2004, estudo em que 431pacientes adultos com cncer avanado foram divididosaleatoriamente em trs grupos: o primeiro grupo usousuplemento contendo 1,09g de EPA, oferecido duas vezes

    ao dia e placebo; o segundo grupo recebeu 600mgdiariamente de acetato de megestrol e suplementoisocalrico e isonitrogenado, tambm duas vezes ao dia;e o terceiro grupo recebeu ambos os suplementos. Oganho de peso, a melhora do apetite, a sobrevida e aqualidade de vida no foram diferentes entre os trsgrupos de tratamento. A toxicidade entre os grupos foisemelhante, exceto pelo aumento de casos de impotnciarelacionados com o uso do megestrol19. Esse estudorecebeu crticas por ter colocado excessiva nfase no ganhoabsoluto de peso. O aumento de peso proporcionado peloacetato de megestrol conseguido pelo aumento de outros

    tecidos, que no o muscular e, muitas vezes, por acmulode gua. Assim sendo, o benefcio desse aumento incerto.O efeito principal do EPA na composio corporal pareceser a modulao da perda da massa magra. O grau deganho de peso considerado no estudo - mais de 10% -como resultado de acrscimo de massa muscular no resultado realstico para a maioria dos pacientes comcncer avanado20. A dose de EPA suplementada no estudotambm foi criticada por ter sido inferior proposta emoutros trabalhos21.

    Brown et al. acreditam que, apesar dos estudos quesugerem efeito modulador dos AG n-3 sobre as citocinas

    pr-inflamatrias, as protenas hepticas de fase aguda,os eicosanoides e os fatores tumorais, mais pesquisasso necessrias para se definir a via de administraomais efetiva, a dose adequada para promover amanuteno do peso e limitar os efeitos colaterais22.

    USO DOS CIDOS GRAXOS N-3 NOS PACIENTES ONCOLGICOSCIRRGICOS

    A utilizao dos AGs n-3 nos pacientes cirrgicostem sido foco de poucos trabalhos. O potencial benefcioda utilizao dos AGs n-3 nesses pacientes adiminuio da magnitude da resposta inflamatria tpicado trauma.

    Braga et al. so dos poucos autores que tm estudadoo papel da imunonutrio no preparo pr-operatrio depacientes com cncer abdominal. No entanto, nessesestudos foram utilizadas frmulas contendo outrosnutrientes como arginina, glutamina e cido ribonucleico-

    RNA, alm do AG n-3. Seus resultados apontam para aimportncia de tal teraputica na diminuio decomplicaes, dias de internao e custos23.

    Uma das complicaes mais frequentes em pacientescom cncer e subnutridos a demora na cicatrizaodas feridas cirrgicas. Ferreras et al. conduziram estudocom o objetivo principal de comprovar os efeitos daimunonutrio no pr-operatrio de pacientes que seriamsubmetidos a tratamento cirrgico por cncer gstrico.Foram avaliados 60 pacientes, randomizados em doisgrupos para receber imunonutrio no pr-operatrio(frmula suplementada com arginina, AG n-3 e RNA)

    ou suplemento isocalrico e isonitrogenado. Os autoresanalisaram o contedo de hidroxiprolina em catetercolocado no subcutneo e a presena ou no decomplicaes na ferida cirrgica. Os pacientes quereceberam a imunonutrio mostraram nveis locaismaiores de hidroxiprolina e menor nmero decomplicaes relacionadas ferida cirrgica, quandocomparados com o grupo que recebeu a frmulacontrole24.

    Heller et al., em ensaio clnico prospectivo,randomizado e duplo-cego, estudaram 44 pacientessubmetidos a operaes abdominais de grande porte.Os pacientes foram alocados aleatoriamente em doisgrupos: o primeiro, 20 pacientes, recebeu nutrioparenteral suplementada com leo de soja (1,0g/kg depeso corporal por dia) durante cinco dias, no ps-operatrio; o segundo grupo, 24 pacientes, recebeucombinao de leo de soja e leo de peixe (leo desoja 0,8g/kg e leo de peixe 0,2g/kg) tambm por cincodias, no perodo ps-operatrio. Os pacientes dosegundo grupo mostraram significativa diminuio deTGO, TGP, LDH e lipase. Alm disso, ficaram menosdias na unidade de cuidados intensivos e noapresentaram perda de peso no ps-operatrio. Osautores concluram, portanto, que a suplementao com

    leo de peixe aps operaes de grande porte paratumores abdominais melhora as funes heptica epancretica, provavelmente contribuindo pararecuperao mais rpida desses pacientes25.

    DISCUSSO

    Os artigos analisados expem a controvrsia existentesobre o beneficio de dieta rica em AG n-3 de cadeialonga na preveno e no tratamento do cncer.Essencialmente, no tratamento, o uso desses AGs nospacientes portadores de diversos tipos de cncer temsido utilizado com finalidades diferentes, como retardar

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    a progresso da doena, melhorar as complicaes dops-operatrio e/ou tratar a caquexia.

    Embora os estudos in vitro e com animais fossembastante promissores, os estudos clnicos, tantoepidemiolgicos como os ensaios, tm mostrado

    resultados conflitantes. Essas disparidades podem estarassociadas a diversos fatores, entre os quais se salientam:aqueles relacionados ao tipo de peixe consumido (commaior ou menor teor de gordura); a quantidade total degordura ingerida; a razo AG n-3/AG n-6; a dosagemda suplementao de EPA e DHA, seja por via oral,enteral ou parenteral; o tempo de administrao da dietaou do suplemento; o tipo e o estadiamento do cncerestudado; o tamanho da amostra analisada; a presenade outros fatores dietticos, por exemplo, a ingesto devitamina E; outros fatores de risco envolvidos, tais como:obesidade e prtica de atividades fsicas; o tempo de

    seguimento e, provavelmente, o gentipo individual. Amaioria dos autores concorda que o beneficio potencialno deve ser negligenciado, e que estudos clnicos commtodos adequados devem ser incentivados.

    CONCLUSO

    Os benefcios do uso de suplementos contendo AGsn-3 em pacientes oncolgicos parecem claros.Considerando-se ainda os poucos efeitos colateraisrelatados, acreditamos que a suplementao dessenutriente esteja indicada nessa populao. Ademais,

    como forma de preveno, a ingesto de peixes ricosem mega 3 deve ser estimulada dentro dos hbitosnutricionais adequados.

    Declarao de Conflito de Interesses: Nada a Declarar.

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    Abstract

    Increased evidence, from in vitrostudies, animal and human trials, indicates that n-3 fatty acids, especially thelong-chain polyunsaturated fatty acid eicosapentaenoic acid and docosahexaenoic acid present in fatty fish andfish oil impact on cancer. They seem to inhibit carcinogenesis, slow tumor growth, reduce inflammatory response,increase the efficacy of various cancer chemotherapy drugs and also radiation therapy against cancer. Another

    potential benefit of n-3 fatty acid supplementation is the effect of these fats on cancer induced cachexia. Severalmolecular mechanisms, whereby n-3 fatty acids may modify the carcinogenic process, have been proposed.These include the suppression of arachidonic acid-derived eicosanoids biosynthesis; the influence on thetranscription factor activity, gene expression and signal transduction pathways; the alteration of estrogenmetabolism; the increased or decreased production of free radicals and reactive oxygen species and; themechanisms involving insulin sensitivity and membrane fluidity. The study aimed at describing the primarybenefits of nutritional therapy based on AG n-3 supplementation usage on oncology patients, essentially approachingthis fatty acid pathway. Although in vitroand animal studies have shown that n-3 fatty acids could be useful incancer prevention and treatment, clinical trials on the impact of cancer treatment have shown conflictingresults.Key words: Fatty Acids, Unsaturated; Eicosanoids; Docosahexaenoic Acids; Neoplasms; Cachexia; Nutrition

    Therapy; EvaluationResumen

    Los cidos grasos poliinsaturados de cadena larga eicosapentaenoico (EPA) y docosahexaenoico (DHA), presentesen el pescado rico en grasa y en el aceite de pescado, tienen un impacto sobre el cncer. Pueden inhibir lacarcinognesis, retardar el crecimiento de tumores y aumentar la eficacia de la radioterapia y de varias drogasquimioterpicas, conforme demostrado en estudios in vitro, experimentales con animales y algunos ensayosclnicos. Los cidos grasos omega 3 (AG n-3), especialmente los EPA, parecen tener un papel importante en lacaquexia inducida por el cncer. Varios mecanismos de accin se han propuesto para explicar cmo los AG n-3 pueden modificar el proceso de carcinognesis, tales como: supresin de la biosntesis de los eicosanidesderivados del cido araquidnico; influir en la actividad de factor de transcripcin nuclear, en la expresingentica y en el proceso de transduccin de seales, alteracin del metabolismo del estrgeno, aumento o

    disminucin de la produccin de radicales libres y especies reactivas de oxgeno, e influencia en los mecanismosenvolviendo la resistencia a la insulina y la fluidez de las membranas. Los objetivos de este estudio fuerondescribir los principales beneficios de la teraputica nutricional basada en el uso de la suplementacin de AG n-3 en pacientes oncolgicos, abordando esencialmente la vida metablica de ese cido graso. Aunque los estudiosin vitroy los experimentos con animales han mostrado que los AG n-3 pueden ser tiles en el tratamiento y laprevencin del cncer, los ensayos clnicos, con respecto al tratamiento, son pocos y han mostrado resultadoscontradictorios.Palabras clave:cidos Grasos no Saturados; Eicosanoides; cidos Docosahexaenoicos; Neoplasias; Caquexia;Terapia Nutricional; Evaluacin

    Revista Brasileira de Cancerologia 2009; 55(3): 279-287

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