Arte&Ilusão

download Arte&Ilusão

of 5

Transcript of Arte&Ilusão

  • 7/27/2019 Arte&Iluso

    1/5

    Ernest Gombrich (1986) Arte e Iluso. Um Estudo da Psicologia da Representao

    Pictrica, So Paulo: Martins Fontes, (1 edio original: 1959), 383 p.

    A obra magistral de Ernest Gombrich Arte e Ilusoparte do fascnio confessadodo autor pelas misteriosas maneiras pelas quais formas e smbolos podem ser usados

    para significar outras coisas alm deles mesmos para testar a hiptese de que nenhum

    artista capaz de pintar o que v e pr de lado as convenes que conhece. No

    obstante ter sido escrita h meio sculo e contar com inmeras edies publicadas, esta

    obra permanece central para o estudo da psicologia da percepo, da semitica e da

    semitica social da arte, pela profundidade com que aborda os mecanismos de

    reproduo e mudana subjacentes a todo o estilo, escola ou tendncia.O enigmtico conceito de estilo introduzido pelo autor para lanar os alicerces

    da psicologia da viso que desenvolver ao longo das quase quatrocentas pginas do

    livro. Stilus era o instrumento de escrever dos romanos. Na sua origem fala-se de um

    estilo apurado e de uma pena fluente. O conceito problematiza-se ao constituir-se

    como categoria de expresso e passar a ser associado discusso sobre os nveis de

    habilidade (leia-se grau de semelhana). Muitas vezes, aquilo que parece um progresso

    do ponto de vista do domnio de um meio de expresso pode tambm ser visto como umdeclnio para a virtuosidade vazia (p. 8). Por outro lado, o que tambm est em causa

    na avaliao que se faz de um estilo, desde as escolas de retrica at dissoluo dos

    gneros artsticos - herdeiros da complexa problemtica do estilo - a sua suposta

    varivel conscincia moral (Argan & Fagiolo, 1994: 111).

    Os estudos sistemticos dos efeitos de representao mimtica aquilo a que

    hoje chamamos de psicologia da percepo comearam por ser um problema prtico

    no ensino da arte do sculo XVIII procurava-se a relao entre o problema da

    inabilidade em copiar a natureza e a incapacidade de a ver. A questo que se desenhava

    era se pintores tm sucesso na imitao da realidade por verem mais ou vm mais por

    terem adquirido a habilidade da imitao? As duas posies parecem justificadas pela

    experincia e os artistas sabem que tanto aprendem pela observao atenta da natureza

    como pela reproduo das obras do passado. Observar, apenas, jamais lhes ensinou o

    seu ofcio.

    Com a emergncia da Arte Moderna e a ruptura do pacto mimtico, a esttica e a

    crtica de arte comearam a abandonar o problema da representao convincente e o

    1

  • 7/27/2019 Arte&Iluso

    2/5

    preconceito de que a excelncia artstica se identificaria com a exactido fotogrfica.

    Nesse processo, comeou-se a associar irrelevncia artstica com simplicidade

    psicolgica. Apesar da psicologia ter demonstrado a imensa complexidade dos

    processos de percepo na iluso visual, muitos defenderam, e defendem ainda, que

    essas questes triviais, inclusivamente, nunca tiveram nada a ver com a arte.

    No obstante a reduo da arte a semitica, projectada pelas pesquisas mais

    analticas da Arte Moderna, a arte no pode renunciar exigncia da nomeao - essa

    a sua condio de linguagem. A partir da Arte Conceptual, em que a arte se posiciona

    como meta-linguagem, a obra coloca-se no encontro entre um momento semitico, que

    d o quadro exacto da situao do cdigo no acto em que a obra realizada, e um

    momento hermenutico, de descoberta de novos mbitos da realidade. Esse o abismo

    desse encontro a denominao potica e a denominao comunicativa (Menna, 1999:

    99).

    Na Antiguidade, porm, a conquista da iluso pela arte era uma proeza to

    recente que toda a discusso sobre pintura e escultura girava em torno da imitao ou

    mimesis. Maravilhar-se era o primeiro passo no caminho da sabedoria. Esses fantasmas

    da realidade visual a que chamamos pinturas, eram autnticas maravilhas! Vasari via a

    inveno dos meios de representao como uma grande empresa colectiva de tal

    dificuldade, que era inevitvel uma certa diviso de trabalho. A histria da arte

    interpretada, na tradio que vai de Plnio e Vasari at Constable e Turner, como uma

    progresso em direco verdade visual. Pode-se dizer que o progresso da arte nessa

    direco era, para o mundo antigo, o que hoje, para o moderno, o progresso da tcnica:

    o prprio modelo do progresso como tal (p. 9, 12).

    Por volta do final do sculo XIX, Fiedler, Hildebrand e Riegl, os trs fundadores

    da escola estilstica, contribuem para a desintegrao da concepo da arte como

    imitao da natureza opondo-se aos argumentos usados pelos impressionistas paradefender a ideia que os seus quadros, sendo o fruto de puras sensaes pticas,

    mostravam o mundo como realmente o viam. A distino entre o que realmente vemos

    e o que inferimos atravs do intelecto to velha quanto o pensamento humano sobre a

    percepo (p. 12). No entanto, os impressionistas apelavam para a cincia para

    defender, nos seus quadros, o olhar inocente (expresso divulgada por Ruskin) e

    garantir, assim, um lugar de progresso na histria da verdade visual. Fiedler explica

    como mesmo a mais simples impresso dos sentidos j um facto mental e aquilo a quechamamos mundo exterior no passa, na realidade, do resultado de um complexo

    2

  • 7/27/2019 Arte&Iluso

    3/5

  • 7/27/2019 Arte&Iluso

    4/5

    possvel em situaes nas quais a nossa experincia se encontre ajustada e os nossos

    olhos afinados a uma determinada paleta e pincelada. A importncia que as relaes

    estabelecem na arte, no s entre os elementos de um determinado quadro mas tambm

    em diferentes quadros da histria, envolve o papel das nossas expectativas na decifrao

    dos cdigos. A tais expectativas a psicologia denominou contextos mentais. Toda a

    comunicao depende de uma interaco deste tipo, entre expectativa e observao,

    conjecturas acertadas e jogadas em falso. A projeco que lanada para interpretar

    uma imagem uma hiptese, entre outras descartadas, para lhe dar sentido. O sucesso

    dessa empresa depende, em ltima instncia, da identificao do observador com o

    cdigo utilizado pelo artista.

    Um estilo, tal como um clima de opinio, cria um horizonte de expectativas. Ao

    anotar relaes, a mente regista tendncias e desvios a essas tendncias. O que os

    artistas inovadores fazem expandir os limites de uma escala, ensinando-nos uma nova

    percepo (Parte IV). Porm, para chegar nova posio, o inventor tem de reagrupar

    os seus componentes atravs de um discernimento intuitivo que transcende (mas inclui)

    as posies precedentes (Kubler, 1998: 93). A tenacidade das convenes e o papel dos

    tipos e esteretipos na arte impulsionam o homem a repetir o que aprendeu. o poder

    que dita o querer. A inveno tem duas fases distintas: a descoberta de novas posies,

    seguida da sua fuso com o corpo de conhecimento existente (Ibidem, 94). Sem a

    conscincia da enorme presso que move o homem para a repetio, no seramos

    capazes de admirar aqueles seres excepcionais que conseguiram quebrar o encanto e

    realizar um significativo avano em cima do qual outros pudessem construir (p. 20).

    Nunca houve uma poca como a nossa em que a imagem visual fosse to

    acessvel e to presente na nossa vida quotidiana. Dos selos postais aos cartazes eflyers,

    da banda desenhada animao online, dos media s embalagens domsticas por todo

    o lado estamos cercados de representaes da realidade. A pintura ensinada na escolae praticada como passatempo e terapia. Qualquer amador domina hoje truques que

    pareceriam inimaginveis a Giotto e o colorido berrante das nossas embalagens

    provavelmente o chocaria. Porm, se aceitarmos a doutrina de que a iluso visual nunca

    teve nada a ver com a arte, no s a perda do contacto com os grandes mestres

    inevitvel, como dificilmente continuaremos a maravilhar-nos. Para alm disso, os

    motivos pelos quais a representao da natureza se tornou banal devem ser, para o

    historiador, do maior interesse (p. 7).Slvia Pinto, Novembro de 2009

    4

  • 7/27/2019 Arte&Iluso

    5/5