Arte e Ciência - uma abordagem sobre as ilustrações médicas
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Londrina 2010
MARCELA TAKEI YOSHIE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES
ARTE E CIÊNCIA: uma abordagem sobre as ilustrações médicas
Londrina 2010
ARTE E CIÊNCIA: uma abordagem sobre as ilustrações médicas
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Norte do Paraná - UNOPAR, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Artes Visuais – Multimídia. Orientadora: Prof.
a Ms. Lara Gervásio Haddad
MARCELA TAKEI YOSHIE
Londrina, _____de ___________de 20___.
Prof. Orientador Universidade Norte do Paraná
Prof. Membro 2 Universidade Norte do Paraná
Prof. Membro 3 Universidade Norte do Paraná
MARCELA TAKEI YOSHIE
ARTE E CIÊNCIA: uma abordagem sobre as ilustrações médicas
Trabalho de Conclusão de Curso aprovado, apresentado à UNOPAR -
Universidade Norte do Paraná, no Centro de Ciências Empresariais e Sociais
Aplicadas, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Artes
Visuais – Multimídia, com nota final igual a _______, conferida pela Banca
Examinadora formada pelos professores:
Dedico este trabalho a todos que me apoiaram
e contribuíram para a realização deste projeto.
Em especial, àquele cuja imagem permanecerá
para sempre imortal e que minhas palavras
seriam insuficientes para expressar minha
admiração e gratidão, Sérgio Russo (in
memoriam).
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, que me deu ânimo e força durante todo esse
tempo.
À minha família e amigos que tanto admiro e puderam compreender
a minha ausência em diversos momentos, na tentativa de fazer o meu melhor. Muito
obrigada, pois sei que posso contar sempre com vocês!
Aos ilustradores que me ajudaram, através de conversas, e-mails,
dicas e materiais fornecidos.
À minha orientadora Lara G. Haddad, sempre gentil, me motivando a
acreditar na minha capacidade e a prosseguir diante das dificuldades que surgiram
durante a realização desse trabalho. Obrigada por cada aula ministrada, por cada
palavra de direcionamento e pelo apoio.
Ao grande ilustrador, professor e amigo Sérgio Russo (in
memoriam), pela paciência, atenção e tempo dedicado a compartilhar comigo seu
conhecimento em ilustração médica. Seus ensinamentos me ajudaram a crescer e a
enxergar as coisas de uma nova maneira, e isso eu levarei sempre comigo.
Se o excelente professor não é aquele que ensina, mas aquele que
inspira, posso dizer que cada minuto de aprendizado ao lado de cada um de vocês
foi mais que precioso.
Deixo aqui meus sinceros agradecimentos a todos pela parceria
nesse projeto, pois vocês ajudaram a fortalecer as bases desse castelo.
"Saber é saber ver." (Leonardo da Vinci)
YOSHIE, Marcela Takei. Arte e Ciência: uma abordagem sobre as ilustrações médicas. 2010. 49 pg. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Artes Visuais) – Centro de Ciências Humanas, Educação, Comunicação e Artes. Universidade Norte do Paraná, Londrina, 2010.
HADDAD, Lara Gervásio. Mestre em Estudos Culturais pelo Departamento de Letras da Universidade Estadual de Londrina – UEL; Especialista em Arte e Educação pela Universidade Estadual de Londrina – UEL e Especialista em Ilustração pela Fundação Calouste-Gulbenkian, Lisboa, Portugal. Docente do curso de Artes Visuais – Multimídia, da Universidade Norte do Paraná – UNOPAR. Endereço: Rua Regina Fabrini Scotton, n° 91, CEP: 86047-730. Londrina – Paraná. Fone: (43) 9125 6444. E-mail: [email protected]
RESUMO
A relação entre Arte e Ciência sempre existiu e foi fundamental para a formação da sociedade contemporânea. Diante de tantos progressos científicos, vê-se necessário a reflexão sobre a importância da ilustração médica de prancheta (realizada com ferramentas tradicionais, manuais) em uma sociedade cada vez mais tecnológica. Será analisada a ilustração médica como objeto, ou seja, se ela é arte ou documento, suas funções, características e sua posição dentro do mercado de trabalho brasileiro. Deste modo, o presente artigo apresentará um panorama de renomados pintores e o seu envolvimento com a ciência. Palavras-chave: Arte; Ciência; ilustração médica; figura humana.
YOSHIE, Marcela Takei. Arte e Ciência: uma abordagem sobre as ilustrações médicas. 2010. 49 pg. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Artes Visuais) – Centro de Ciências Humanas, Educação, Comunicação e Artes. Universidade Norte do Paraná, Londrina, 2010.
HADDAD, Lara Gervásio. Mestre em Estudos Culturais pelo Departamento de Letras da Universidade Estadual de Londrina – UEL; Especialista em Arte e Educação pela Universidade Estadual de Londrina – UEL e Especialista em Ilustração pela Fundação Calouste-Gulbenkian, Lisboa, Portugal. Docente do curso de Artes Visuais – Multimídia, da Universidade Norte do Paraná – UNOPAR. Endereço: Rua Regina Fabrini Scotton, n° 91, CEP: 86047-730. Londrina – Paraná. Fone: (43) 9125 6444. E-mail: [email protected]
ABSTRACT
The relationship between Art and Science has always existed and was fundamental to the formation of the contemporary society. Facing so many scientific advances, it comes to mind a reflection on the importance of clipboard medical illustration (made with traditional tools, even manually) in an increasingly technological society. It will be reviewed medical illustration as an object, in other words, if it is a work of art or document, its functions, characteristics and their position inside the Brazilian labor market. Herewith, this article will present an overview of renowned artists and their involvement with science. Key-words: Art; Science; Medical Illustration; Human Figure.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Rembrandt. A lição de anatomia do Dr. Nicolas Tulp (1632) .................. 18
Figura 2 – Van Mierevelt. Lição de anatomia do Dr. Van der Meer (1617) .............. 19
Figura 3 – Robert Hinckley. Primeira operação com anestesia pelo éter (1846)....... 19
Figura 4 – Piet Mondrian. Composição em vermelho, amarelo e azul (1927) ........... 21
Figura 5 – Leonardo da Vinci. Estudo para a Última Ceia (1495) ............................. 24
Figura 6 – Leonardo da Vinci. Estudo com modelo vivo para o Monumento a Sforza
(1490).................... .................................................................................................... 24
Figura 7 – Leonardo da Vinci. Estudo anatômico (1513) .......................................... 25
Figura 8 – Leonardo da Vinci. Um embrião no útero (1512) ..................................... 26
Figura 9 – Mário Silva. Euchroma gigantea 2 (2007) ................................................ 29
Figura 10 – Daniel Gisé. Olho (s.d.) .......................................................................... 29
Figura 11 – Rodrigo Clemente. Sapo (2008) ............................................................. 30
Figura 12 – Filipe Franco. Medronheiro – Arbutus unedo (2006) .............................. 30
Figura 13 – Filipe Franco. Reconstrução Facial 3D - O Método Americano (2007) .. 31
Figura 14 – Frans Post. Cana-de-açúcar (1661) ....................................................... 32
Figura 15 – Sérgio Russo. Sem título (19--) .............................................................. 33
Figura 16 – Sérgio Russo. Sem título (19--) .............................................................. 34
Figura 17 – Sérgio Russo. Sem título (19--) .............................................................. 34
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AMI Association of Medical Illustrators
ECA
UEL
UNL
USP
Escola de Comunicação e Artes
Universidade Estadual de Londrina
Universidade Nova de Lisboa
Universidade de São Paulo
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
1 DESCRIÇÃO DO ESTUDO .................................................................................... 12
1.1 Objetivos ......................................................................................................... 12
1.1.1 Objetivo geral: .......................................................................................... 12
1.1.2 Objetivos específicos: .............................................................................. 12
1.2 Materiais e Métodos ........................................................................................ 12
1.2.1 Pesquisa bibliográfica .............................................................................. 12
1.2.2 Pesquisa de campo ................................................................................. 13
2 DEFININDO IMAGEM ............................................................................................ 14
2.1 O Conceito de Imagem ................................................................................... 14
2.2 A Imagem Científica ........................................................................................ 15
3 A RELAÇÃO ENTRE ARTE E CIÊNCIA ............................................................... 16
3.1 Distinção entre Arte e Ciência ......................................................................... 17
3.2 Arte e Ciência: De onde vem essa relação? ................................................... 18
3.3 A Arte e o Renascimento ................................................................................ 21
3.4 A Arte de Leonardo da Vinci ........................................................................... 23
4 A ILUSTRAÇÃO MÉDICA ..................................................................................... 27
4.1 O que são as Ilustrações Médicas .................................................................. 27
4.2 A Técnica de Prancheta x Digital .................................................................... 28
4.3 Ilustração Médica: Arte ou Documento? ......................................................... 31
4.4 A Necessidade da Ilustração Médica .............................................................. 32
4.5 A Realidade no Brasil e nos outros países...................................................... 34
5 RESULTADOS E DISCUSSÕES ........................................................................... 36
5.1 Resultados obtidos .......................................................................................... 36
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 37
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 38
APÊNDICE ................................................................................................................ 40
11
INTRODUÇÃO
A Arte sempre existiu e foi de fundamental importância para que a
sociedade pudesse chegar ao nível em que se encontra hoje. Diante disso, torna-se
necessário entender as origens de tal desenvolvimento e sua relação com o campo
científico.
A imagem, enquanto texto visual, torna-se relevante neste processo,
indo além da experiência estética ou nível artístico. Isto ocorre a partir do momento
em que ela permite gerar novos conhecimentos, pensar maneiras eficientes de se
estudar, analisar e representar o meio.
E é nesse âmbito que a ilustração médica passa a ser grande
contribuinte a estudantes e profissionais da área biológica e da saúde no ensino-
aprendizagem da medicina; bem como a estudantes de Artes, permitindo ampliar o
conhecimento em anatomia e ilustração na área médica, proporcionando também
um novo campo de trabalho.
A proposta da presente pesquisa é analisar a relação entre Arte e
Ciência e a relevância da ilustração médica no processo de desenvolvimento da
sociedade, verificando as necessidades que tal categoria de ilustração exige dos
ilustradores e sua relação com o mercado de trabalho no Brasil.
12
1 DESCRIÇÃO DO ESTUDO
1.1 OBJETIVOS
1.1.1 Objetivo geral:
Demonstrar a relevância da relação entre Arte e Ciência para a
sociedade, sendo a ilustração médica um instrumento essencial no ensino-
aprendizagem.
1.1.2 Objetivos específicos:
Analisar a importância da imagem no contexto do ensino-
aprendizagem;
Analisar, através da História, o processo de evolução do
conhecimento nas Ciências e sua relação com a Arte;
Mostrar a relevância da ilustração médica na formação da sociedade
contemporânea;
Estudar e analisar elementos da ilustração médica;
Propor um material impresso que permita aos estudantes e profissionais da área da saúde aprimorarem seus conhecimentos na área médica e também das artes.
1.2 MATERIAIS E MÉTODOS
Para a realização da pesquisa, necessitou-se fazer um levantamento
bibliográfico sobre o tema, bem como a realização de uma pesquisa de campo com
editoras e profissionais da área.
1.2.1 Pesquisa bibliográfica
O levantamento bibliográfico pautou-se na coleta de informações,
buscando várias temáticas em torno do assunto abordado nesse trabalho, ou seja, a
relevância da Arte e da imagem, analisando seu envolvimento com a Ciência através
13
da história e suas consequentes contribuições para a sociedade contemporânea.
Abordaram-se, em seguida, as ilustrações médicas e a composição de seus
elementos formais.
Foram utilizadas como fontes de pesquisa livros, artigos e sites
relacionados aos temas. Para o estudo das ilustrações médicas, foram encontradas
certas limitações bibliográficas, visto que existem poucos materiais sobre o assunto
e grande parte deles em língua estrangeira, sem tradução para o português. Por
isso, para embasar a pesquisa, consultaram-se obras de caráter científico, sites,
além de entrevista realizada com o médico e ilustrador Sérgio Russo, membro da
AMI1, que descreveu seus métodos e falou sobre sua profissão.
1.2.2 Pesquisa de campo
A pesquisa de campo foi realizada por meio de entrevista com o
médico e ilustrador Sérgio Russo, com o propósito de investigar a opinião de um
profissional em relação ao papel da ilustração científica, suas exigências,
características, relevância para os profissionais da área da saúde e das artes
(público a quem se destina), também sua relação com a arte e com o mercado de
trabalho brasileiro.
A pesquisa procurou analisar as características e a necessidade da
ilustração médica para a sociedade. Com o resultado da pesquisa, procurou-se
definir a situação do Brasil diante de novas publicações na área da ilustração
médica, por configurar um tema ainda escasso e, apesar da necessidade, ser
carente de ilustradores.
1 AMI: Association of Medical Illustrators, renomada associação americana de ilustradores médicos,
fundada em 1945.
14
2 DEFININDO IMAGEM
2.1 O CONCEITO DE IMAGEM
A palavra imagem (do latim imago) teve origem nos rituais de
enterramento, onde se utilizavam máscaras de cera que reproduziam o rosto dos
mortos. Dessa forma, ela é caracterizada como algo de caráter mágico e pode ser
definida como a maneira de “tornar presente o ausente e dar continuidade à vida
terrena”, segundo a doutora em História da Arte Maria Lúcia Bastos Kern (FABRIS,
Annateresa; KERN, Maria Lúcia Bastos, 2006).
Em A República, o filósofo grego Platão (Apud JOLY, 2005, p. 13)
diz que “chamamos de imagens em primeiro lugar as sombras, depois os reflexos
que vemos nas águas ou na superfície de corpos opacos, polidos e brilhantes [...]”,
se referindo à imagem como um segundo objeto do próprio objeto e nos
direcionando quanto ao caminho a seguir, pois não seria a forma de enxergar o
mundo algo pessoal?
Vê-se que a imagem sempre esteve presente na vida do ser humano
e sua funcionalidade e significados podem ser entendidos como parte da
subjetividade do indivíduo e da sociedade em que o mesmo está inserido, tornando
seu sentido constantemente mutável e assumindo o papel de representação.
Na Grécia antiga, a noção de imagem esteve vinculada à reprodução do real. O seu critério de elaboração era a semelhança formal e da aparência, porque criava a ilusão da verdade. A falsa verdade da cópia possibilitou o desenvolvimento da ideia de simulacro, isto é, a simulação do próprio ser, chegando a ponto de substituí-lo. (FABRIS, Annateresa; KERN, Maria Lúcia Bastos, 2006, p. 16).
Apesar das diversas tentativas de construção de significado ao
sentido de imagem, percebemos que ela sempre será “algo que se assemelha a
outra coisa” (JOLY, 2005, p. 38), podendo ser compreendida como um fator cultural
e que também depende de quem a reconhece, como podemos perceber na
afirmação abaixo:
Compreendemos que [a imagem] indica algo que, embora nem sempre remeta ao visível, toma alguns traços emprestados do visual e, de qualquer modo depende da produção de um sujeito: imaginária ou concreta, a imagem passa por alguém que a produz ou reconhece. (JOLY, 2005, p. 13)
15
Mesmo nos dias atuais, percebemos que o sentido de imagem
ultrapassa o conceito de representação, se aproximando do conceito de mídia (como
a televisão, rádio, internet e publicidade), ou seja, aquela que está presente a todo o
momento no nosso dia-a-dia, podendo ser estática ou animada e nem sempre
unicamente visual (JOLY, 2005, p. 14-15).
Se a imagem é subjetiva, ela pode possuir inúmeras interpretações.
Pode-se dizer que ela não se limita ao campo físico, pois ela pode se formar
mentalmente a partir de estímulos auditivos, táteis, lembranças, fantasias, desejos,
sonhos, etc. Nesse caso, ela seria uma forma de pré-visualização ou recordação,
pois “considerar a imagem como uma mensagem visual composta de diversos tipos
de signos equivale [...] a considerá-la como uma linguagem e, portanto, como uma
ferramenta de expressão e de comunicação”. (JOLY, 2005, p. 55).
A imagem é, então, a necessidade de se comunicar algo. E toda
comunicação é destinada a alguém através de um propósito. Portanto, a melhor
forma de entender uma imagem é através do próprio destinatário.
2.2 A IMAGEM CIENTÍFICA
A imagem científica é uma categoria que permite analisar e estudar
de forma mais detalhada a imagem que é destinada a um público específico.
Segundo JOLY (2005, p. 23), no campo científico as imagens são “visualizações de
fenômenos”, ou seja, “produzidas a partir de fenômenos físicos”. Ou, na concepção
de Oliveira e Conduru (2004, p. 336): “A ilustração científica é um tipo de
representação figurativa cujas finalidades são registrar, traduzir e complementar, por
meio da imagem, observações e experimentos científicos [...]”.
As imagens científicas são representações figurativas, produzidas a
partir da análise e observação de fenômenos físicos, o que significa que elas não
podem possuir ambiguidade ou gerar mais de uma interpretação, ou seja, se elas
significam algo, não podem ser compreendidas de outra forma. O autor da imagem
deve “ter em mente que tipo de público ele quer atingir e atender” (OLIVEIRA;
CONDURU, 2004, p. 336) e ter a certeza de que a mensagem que ele deseja
transmitir será compreendida. Vale ressaltar que isso implica também em um público
que possua características em comum, como a área de atuação profissional ou o
16
grupo de interesses.
Nas palavras de Oliveira e Conduru (2004, p. 337), uma ilustração
científica “pode ser feita por artistas ou pelo próprio cientista”. Isso é um fator que
depende da preferência do cientista em procurar um desenhista que documente ou
então da habilidade do cientista em fazer as próprias ilustrações.
O termo ilustração, em sentido geral, se refere a uma “imagem que
está usualmente acompanhada de um texto, fazendo parte do que se denomina
iconografia” (OLIVEIRA; CONDURU, 2004, p. 336), mas que mesmo ligada a um
texto ela tem autonomia própria, pois o ilustrador pode utilizar recursos para objetivar
a informação (JULIANELE, 1997 Apud OLIVEIRA; CONDURU, 2004, p. 336), como
ampliações, transparências, etc.
17
3 A RELAÇÃO ENTRE ARTE E CIÊNCIA
3.1 DISTINÇÃO ENTRE ARTE E CIÊNCIA
Atualmente existem várias concepções para o termo Arte, o que não
será aprofundado nesse trabalho. De acordo com o dicionário Houaiss2, Arte é a
"produção consciente de obras, formas ou objetos voltada para a concretização de
um ideal de beleza e harmonia ou para a expressão da subjetividade humana”.
Como dito, a Arte é uma ciência humana preocupada com a
expressão do mundo subjetivo. Em oposição, a Ciência (referente às ciências exatas
e naturais) expressa o objetivo, o racional e o lógico. Ou seja, “Enquanto a obra
científica procura a monossemia e o „interpretante final‟, a obra artística procura a
polissemia („abertura‟ às muitas interpretações)”. (PLAZA, 1996, p. 44)
As concepções artísticas e científicas são coerentes, levando a interpretações semelhantes a respeito do funcionamento do universo. Artistas e cientistas (ou filósofos naturais) percebem o mundo da mesma forma, apenas representam-no com linguagens diferentes. (REIS; GUERRA; BRAGA, 2006, p. 72)
E como confirma o artista multimídia e professor da Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA∕USP), Julio Plaza:
Ciência e arte têm uma origem comum, na abdução ou capacidade para formular hipóteses, imagens, idéias, na colocação de problemas, e nos métodos infralógicos, mas é no seu desempenho e “performance” que se distanciam enormemente, como nos processos mentais de análise e síntese. (PLAZA, 1996, p. 40)
A “performance” mencionada se refere ao modo do fazer. Noronha
(2010), pintora e doutora em biologia molecular pela UNL, esclarece que “a arte não
tenta encontrar respostas ou compreender o mundo. A arte apropria-se das ideias e
das coisas, molda-as, mostra-nos a sua visão, e obriga-nos a olhar e pensar”.
Na visão de Plaza (1996, p. 43), não existe uma ciência artística,
nem uma arte científica, ou seja, uma estética de caráter científico. O que existe são
cruzamentos intertextuais entre ciência e arte.
2 Conceito extraído de artigo publicado pela historiadora e pesquisadora Valéria Peixoto de Alencar.
Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/artes/ult1684u8.jhtm>. Acesso em 28 de maio de 2010.
18
3.2 ARTE E CIÊNCIA: DE ONDE VEM ESSA RELAÇÃO?
A relação entre Arte e Ciência é antiga e pode ser percebida ao
longo da história (figura 1). Por exemplo, a relação entre cinema e tecnologia, já que
essa é uma arte “que só foi possível graças ao desenvolvimento de equipamentos
tecnológicos que envolvem desde recursos fotográficos até sofisticados
equipamentos de projeção atuais” (LOPES, 2005, p. 402). Essa relação pode ser
percebida com a evolução do processo fotográfico a partir do período impressionista,
no século XIX, em que se buscava fixar a imagem sobre uma superfície. (TECHY,
2006, p.207)
Figura 1: Rembrandt. A Lição de Anatomia do Dr. Nicolas Tulp, de 1632. Fonte: http://usuarios.cultura.com.br/jmrezende/pinturas.html
3
Sempre foi interesse do homem conhecer e descobrir os mistérios
do corpo humano e do universo. Isto pode ser percebido pelos estudos e obras
realizados, nos quais se registram espécies de animais e plantas (botânica),
processos cirúrgicos, fatos importantes na medicina e na Ciência, etc. (figuras 2 e 3).
3 Acesso em 28 de maio de 2010.
19
Figura 2: Van Mierevelt. Lição de anatomia do Dr. Van der Meer, de 1617. Fonte: http://www.ifsc.usp.br/
4
Figura 3: Robert Hinckley. Primeira operação com anestesia pelo éter, de 1846. Fonte: http://www.medstudents.com.br
5
Mas a primeira ideia de Arte como uma concepção científica é
expressa por Leon Battista Alberti (1404-1472). Ele dizia que a matemática é a base
comum da Arte e das Ciências, pois a perspectiva e a teoria das proporções são
disciplinas matemáticas (HAUSER, 2000, p. 333).
Nesse mesmo período, uma “revolução” surgiu nas técnicas de
representação, como afirma o grande historiador Gombrich (1999, p. 514):
4 Acesso em 28 de maio de 2010.
5 Acesso em 29 de maio de 2010.
20
Os grandes artistas de períodos subseqüentes [ao Renascentismo] realizaram descobertas atrás de descobertas, o que lhes permitiu criar um quadro convincente do mundo visível, mas nenhum deles desafiara seriamente a convicção de que cada objeto na natureza tem sua forma e cor fixadas definitivamente que devem ser reconhecíveis com facilidade numa pintura. Pode-se dizer, portanto, que Manet e seus seguidores provocaram na reprodução de cores uma revolução quase comparável à revolução grega na representação de formas. Eles descobriram que, se olharmos a natureza ao ar livre, não vemos objetos individuais, cada um com sua cor própria, mas uma brilhante mistura de matizes que se combinam em nossos olhos ou, melhor dizendo, em nossa mente.
Os mesmos estudos a respeito da teoria das cores já eram feitos há
muito tempo. O primeiro estudo de que se tem conhecimento é apresentado por
Aristóteles, que mais tarde seria desenvolvido por outros artistas e estudiosos, como
Leonardo da Vinci, Isaac Newton e Goethe.
Outros exemplos podem ser encontrados no efeito de chiaroscuro
(do italiano, claro-escuro), estudado por Leonardo da Vinci e perceptível no
Maneirismo e no Barroco, com Caravaggio, cujo objetivo era criar a ilusão de
tridimensionalidade através do volume, da luz e da sombra.
Com o pintor holandês Escher (1898-1972), percebemos a utilização
de princípios da geometria na busca de reproduzir a ideia de um mundo infinito,
porém fantástico (LOPES, 2005, p. 403).
Já Monet investigou a dimensão do tempo na pintura, mostrando
como o mesmo objeto mudava no tempo. Por sua vez, Cézanne mudou a forma de
ver o espaço, mostrando que os objetos são afetados por esse espaço (REIS;
GUERRA; BRAGA, 2006, p. 75-76).
Argan (2002, p. 412), grande crítico da Arte moderna, nos fornece
outro importante exemplo a respeito de Piet Mondrian (1872-1944):
[...] para Mondrian, o limite de um e outro é o caráter empírico. Para fazer uma pintura que tenha o rigor e a dignidade da ciência, Mondrian propõe transformar a superfície (empírica) em plano (entidade matemática). Subdividindo a superfície por meio das coordenadas verticais e horizontais, resolve numa “proporção” métrica tudo o que, na natureza, apresenta-se como altura e largura.
Quando nos deparamos com sua célebre obra Composição em
vermelho, amarelo, azul, de 1930 (figura 4), entendemos a que o autor se refere. Os
resultados alcançados por Mondrian, através dessas relações métricas, são “infinitas
sensações variáveis segundo a cor local, a distância e a luz” (ARGAN, 2002, p.412).
Entre outras coisas, Mondrian demonstra que a proporção perfeita surge quando
21
todos os elementos formais se encontram em equilíbrio, ou seja, quando formam um
plano geométrico e não mais uma superfície homogênea, sendo esta, de certa
forma, uma operação matemática. (ARGAN, 2002, p. 412)
Figura 4: Piet Mondrian. Composição em vermelho, amarelo e azul, de 1930. Fonte: http://www.univ-ab.pt/
6
Percebemos que a relação entre a Arte e a Ciência continua até os
dias atuais. Do Movimento Concretista, por exemplo, que propunha a criação de
artes baseadas na matemática e no raciocínio lógico, passando pelas videoartes,
arte cinética – nesta se explora o campo da física – arte conceitual, efeitos visuais
cinematográficos, computação gráfica, etc.
É perceptível a maneira com que a Arte contribuiu e ainda contribui
para a Ciência e vice-versa. E essa relação, cujo auge se deu no Renascimento,
será estudada em detalhes a seguir.
3.3 A ARTE E O RENASCIMENTO
O Renascimento é também conhecido como renascimento científico
e cultural, pois nesse período (séculos XV a XVI) houve um notável desenvolvimento
da ciência e um resgate do estilo clássico nas artes. Foi a época de Leonardo da
Vinci, Miguel Ângelo, Rafael, Ticiano, Correggio, Dürer e muitos outros grandes
6 Acesso em 26 de maio de 2010.
22
mestres, ou seja, da eflorescência de gênios. (GOMBRICH, 1999, p. 287)
A relação entre Arte e Ciência é clara no Renascimento, através de
artistas que misturam esses dois campos: Brunelleschi, Pisanello, Leonardo, Dürer e
Galileu. (REIS; GUERRA; BRAGA, 2006, p. 72).
Nas palavras de Gombrich (1999, p. 287), o Renascimento foi o
“período das grandes descobertas, quando os artistas italianos se voltaram para as
matemáticas a fim de estudarem as leis da perspectiva, e para a anatomia a fim de
estudarem a construção do corpo humano”. Nessa época, marcada pela razão,
grandes teorias e estudos surgiam a respeito do universo enquanto outras eram
invalidadas. Antecipando as teorias de Copérnico, o próprio Leonardo afirma que “A
Terra não se move”. (GOMBRICH, 1999, p. 294)
Vemos a descoberta do claro-escuro, do sfumato (técnica inventada
por Leonardo da Vinci) e também o “aperfeiçoamento” do uso da perspectiva em
relação à representação do espaço, visto que esta não foi inventada na
Renascença, pois o fato de reduzir um objeto na medida em que ele se afastava do
espectador já era conhecida na Antiguidade clássica. (HAUSER, 2000, p. 346)
A perspectiva foi de grande importância para a Ciência, pois permitiu
a possibilidade de pensar novas formas de representar a infinitude do universo, pois
antes disso, na pintura o céu representado não tinha continuidade com a Terra, e a
perspectiva permitiu representar essa infinitude de modo que não houvesse esse
limite entre o céu e a Terra. (REIS; GUERRA; BRAGA, 2006, p. 72)
Nas palavras de Lopes (2005, p. 402-403):
Os pintores da época [Renascimento] aplicavam princípios da matemática para conferir ilusão de volume, textura e proporção harmoniosas no intuito de reproduzir as feições anatomicamente corretas, em uma tentativa de retratar fielmente o corpo humano.
A respeito dessa mesma época, Hauser (2000, p. 345) alega:
Somente no Cinquecento são atenuados os vínculos que uniam ciência e arte num órgão homogêneo de conhecimento [...]. Há períodos em que a arte está voltada na direção da ciência, tal como existem períodos em que a ciência está voltada na direção da arte. No início da Renascença, a verdade da arte está na dependência de critérios científicos, enquanto no período final da Renascença e no Barroco o pensamento científico é, em muitos casos, moldado de acordo com princípios artísticos.
Hauser (2000, p. 274) também afirma que o notável na Renascença
23
não é verdadeiramente o fato de o artista ter se tornado um observador da natureza,
mas da obra de arte ter se convertido em um estudo da natureza.
Diante disso, percebemos que não podemos pensar em Arte
renascentista sem pensar na relação entre Arte e Ciência.
3.4 A ARTE DE LEONARDO DA VINCI
Sem dúvida alguma, Leonardo da Vinci foi um dos grandes gênios
que o mundo já conheceu. Assim o descreve Gombrich (1999, p. 293):
Mas Leonardo era mais do que um jovem talentoso. Era um gênio, cujo intelecto poderoso será eternamente objeto de assombro e admiração para os mortais comuns. Sabemos alguma coisa sobre a amplitude e espírito de Leonardo porque seus alunos e admiradores preservaram cuidadosamente seus esboços e cadernos de apontamentos, milhares de páginas cobertas de escritos e desenhos, com excertos de livros que Leonardo leu e rascunhos para obras que pretendia escrever. Quanto mais se estudam esses papéis, menos se pode entender como um ser humano foi capaz de se destacar de forma tão profunda em todos esses diferentes campos de pesquisa e de dar tão importantes contribuições para quase todos eles.
Leonardo era um homem “dotado de excepcionais poderes de
observação e memória visual” (CAPRA, 2008, p. 26). A respeito da importância da
observação, o próprio Leonardo afirma que o olho é a janela da alma e que a pintura
contém em si todas as formas da natureza (Apud CAPRA, 2008, p. 26). Ele
considerava a pintura tanto Arte quanto Ciência. Isto nos abre uma possível reflexão
para o entendimento de sua Ciência.
Brumana (1977, p. 17) relata que Leonardo sempre teve dificuldades
para inciar e terminar suas obras. Isso se deve a muitos fatos, como, por exemplo,
ao seu desejo de perfeição e à série de estudos que ele realizava antes de iniciar
uma obra (figuras 5 e 6), resultando no atraso da confecção, perda de prestígio e
dificuldades econômicas. Leonardo também insistia para que os alunos de pintura
tivessem conhecimento de matemática, e essa união entre arte e matemática era
fundamental na Renascença. (CLARK, 2003, p.155)
24
Figura 5: Leonardo da Vinci. Estudo para a Última Ceia, de 1495. Fonte: CLARK (2003, p. 182)
Figura 6: Leonardo da Vinci. Estudo com modelo vivo para o Monumento a Sforza, de 1490. Royal Library, Windsor. Fonte: CLARK (2003, p. 173)
Muitos de seus trabalhos permaneceram “ocultos” até pouco tempo,
ou seja, desconhecidos. “Se [as pesquisas] tivessem sido publicadas, poderiam ter
mudado o rumo da história das ciências”, é o que muitos críticos afirmam.
(BRUMANA, 1977, p.18)
Nisso percebemos a importância das obras, estudos e pesquisas de
Leonardo da Vinci. Podemos dizer que essa importância se deu principalmente pela
relação que ele manteve com a Arte e a Ciência:
[Leonardo] Determinou-se a trabalhar cada detalhe segundo seu próprio padrão de perfeição, um padrão que incluía exatidão científica, lógica
25
pictórica e acabamento. Para alcançar este ideal, o período entre o esboço ou diagrama e a pintura acabada era de um intenso esforço intelectual, no qual cada detalhe era estudado e incorporado a uma forma satisfatória. (CLARK, 2003, p.75-76)
Leonardo estudava minuciosamente tudo o que se propunha a fazer.
Ele chegou a dissecar mais de trinta cadáveres para realizar seus estudos em
anatomia. (GOMBRICH, 1999, p. 294)
Figura 7: Leonardo da Vinci. Estudo anatômico, de 1513. Fonte: BRUMANA (1977, p. 57)
26
Figura 8: Leonardo da Vinci. Um embrião no útero, de 1512. Fonte: CLARK (2003, p. 281)
Cientista, engenheiro, arquiteto, escritor, desenhista, músico, pintor,
Leonardo foi um artista completo, dotado de notável inteligência e perfeição.
Podemos considerar Leonardo como um homem além de seu tempo, exercendo
com excelência todas as áreas em que se envolvia e nos fornecendo um material
rico em informações sobre as grandes descobertas do século XVI e XVII.
27
4 A ILUSTRAÇÃO MÉDICA
O estudo que será apresentado a respeito das ilustrações médicas é
baseado em uma entrevista feita com o ilustrador e médico Sérgio Russo – único
brasileiro membro da AMI – no dia 20 de maio de 2010, dias antes de seu
falecimento.
4.1 O QUE SÃO AS ILUSTRAÇÕES MÉDICAS
Como mencionado anteriormente, as imagens científicas são
produzidas a partir da análise de fenômenos físicos, e, portanto, devem cumprir
fielmente sua função.
Questionado sobre a importância do desenho, o ilustrador médico
Sérgio Russo afirma que o desenho é fundamental para sociedade e está em tudo à
nossa volta. Nas embalagens, nos automóveis, nos sapatos. Tudo o que existe um
dia foi desenhado.
Dentro do desenho (ou ilustração), existe a categoria da ilustração
científica, e a ilustração médica é um ramo dela. Russo conceitua a ilustração
médica como “a ilustração específica para a área da saúde [...] e biológica”, como a
odontologia, veterinária, etc. Tem como principal objetivo documentar as evoluções e
fatos científicos que se desenvolvem nas mãos dos homens, para que outras
pessoas aprendam através dela.
Dessa forma, pode-se dizer que a ilustração médica tem, em sua
essência, o compromisso com a verdade, ou seja, ela deve ser clara e objetiva em
sua explicação, pois como dito anteriormente, não pode gerar mais de uma
interpretação.
Para que haja uma interpretação única, a mensagem também deve
ser adequadamente expressa. Nas palavras de Russo, a ilustração médica “deve ser
tecnicamente perfeita, porque depende do detalhe e da suavidade com que ela é
colorida [...] [para que] ajude a acelerar o entendimento de um texto científico”.
Dessa forma, a mensagem será facilmente compreendida por aqueles a quem ela se
destina.
A ilustração médica acompanha a evolução científica e para produzi-
la, são necessárias duas coisas fundamentais.
28
A primeira é a necessidade de se aprofundar no estudo da matéria
que se pretende ilustrar. Ele cita como exemplo a neurocirurgia, para a qual é
necessário conhecer o cérebro, conversar com o médico antes da cirurgia, saber o
que será feito e os resultados. As ilustrações devem ser divididas em passos ou
etapas, para que juntas formem uma unidade.
A segunda coisa é saber as técnicas. São as principais: lápis grafite,
aquarela, lápis de cor, nanquim, os meios digitais (softwares) e a junção delas.
Quanto às técnicas, elas logo serão estudadas em detalhes.
4.2 A TÉCNICA DE PRANCHETA X DIGITAL
Como ressaltado anteriormente por Sérgio Russo, as técnicas mais
utilizadas são o grafite, a aquarela, o lápis de cor, o nanquim e os meios digitais.
Mas quais são as características dessas técnicas?
De acordo com a ilustradora e pesquisadora Lara Gervásio Haddad,
as ilustrações de prancheta “são aquelas obtidas através de processos manuais,
com recursos artesanais”. (HADDAD, 2008, p. 47)
O lápis graduado (também conhecido como lápis grafite) oferece
uma grande variedade para se trabalhar em preto e branco (monocromia), ou seja,
gamas de minas de grafite que vão do mais duro ao mais macio (do 8H ao 8B). Esta
técnica permite o esfumaçado e o uso da borracha para que se consiga o efeito de
volume (HADDAD, 2008, p.47). Uma das vantagens desta técnica é a possibilidade
de se fazer correções apagando o traço desejado com a borracha (Figura 9).
Os lápis coloridos também possuem dois tipos: os mais duros e os
mais moles, os aquareláveis (HADDAD, 2008, p. 47-48). No entanto apesar de
oferecerem uma grande variedade de cores, os traços não podem ser apagados, o
que pode limitar uma ilustração se o ilustrador não tiver um bom domínio da técnica
(Figura10).
Quanto à técnica de nanquim, Haddad (2008, p. 49-50) diz ser muito
utilizada na produção de histórias em quadrinhos em preto e branco (também
conhecidas como HQs). De acordo com a autora, a linha e o ponto são os estilos
mais utilizados e a hachura (pequenas linhas entrelaçadas) podem conferir um efeito
interessante de sombra (Figura 11).
A aquarela (Figuras 12 e 14), por sua vez, é uma das técnicas mais
29
utilizadas pelos ilustradores. Nas palavras de Haddad (2008, p. 56 e 58):
Elas [aquarelas] são compostas de pigmentos moídos aglutinados com goma arábica que se dissolvem facilmente quando adicionadas em água. Sua principal característica é a transparência. Elas se apresentam sob a forma de pastilhas secas ou bisnagas líquidas [...]. A brancura do papel associada à transparência destas tintas proporciona pontos de realce e luz.
Como afirma a autora, a principal característica da aquarela é a
possibilidade de se trabalhar com transparências e consequentemente, com
camadas de cores, dependendo do efeito e do tom que se deseja chegar. É uma
técnica rápida.
Figura 9: Mário Silva. Euchroma gigantea 2, 2007. Grafite. Fonte: http://mariosilvarts.blogspot.com/2007/12/esperana.html
7
Figura 10: Daniel Gisé. Olho. Lápis colorido com tinta ecoline. Fonte: http://www.danielgise.com
8
7 Acesso em 25 de maio de 2010.
8 Acesso em 26 de maio de 2010.
30
Figura 11: Rodrigo Clemente. Sapo, 2008. Nanquim. Fonte: http://rodras76.blogspot.com/search?updated-min=2008-01- 01T00%3A00%3A00-08%3A00&updated-max=2009-01-01T00%3A00%3A00-08%3A00&max-results=15
9
Figura 12: Filipe Franco. Medronheiro – Arbutus unedo, 2006. Aquarela e grafite sobre papel. Fonte: http://scientificillustration.wordpress.com/2007/06/13/concurso-de- ilustracao-cientifica-scientific-illustration-competition/
10
A técnica digital é feita com o uso de softwares específicos para a
área gráfica. Atualmente existe grande variedade à disposição, sendo que tais
softwares permitem ilustrar, editar e manipular imagens, criar objetos
tridimensionais, etc. Vale ressaltar que o desempenho em cada técnica citada
depende da habilidade do ilustrador, como afirma Russo quando questionado sobre
elas.
Outra questão surge: o que é mais eficiente, a técnica de prancheta
ou a técnica digital?
Como já dito acima, nenhuma técnica será eficiente se o ilustrador
9 Acesso em 26 de maio de 2010.
10 Acesso em 24 de maio de 2010.
31
não dominá-la. Este é o principal fator, ou seja, não existe melhor técnica, o que
existe é melhor destreza.
Outros fatores que devem ser levados em conta é a necessidade e a
estética, ou seja, a aparência. A ilustração médica pode ser utilizada para vários fins,
palestras, teses, livros, artigos, atlas de anatomia, etc. (RUSSO,
http://www.srusso.art.br/ilustracoes.php). Em um meio digital, como o computador,
por exemplo, uma representação em modelagem 3D (tridimensional) poderia ser
muito interessante, por proporcionar a interatividade entre o usuário e o objeto de
estudo. Já em um documento impresso, uma ilustração em aquarela seria o
suficiente para passar todas as informações necessárias de uma maneira agradável,
rápida (visto que sua execução é menos demorada que uma técnica digital) e limpa.
Cada técnica tem seu lugar, mas em todas elas, o importante é a
clareza e a objetividade.
Figura 13: Filipe Franco. Reconstrução Facial 3D - O Método Americano, 2007. Técnica digital em Adobe Photoshop CS3. Fonte: Cedido pelo autor.
4.3 ILUSTRAÇÃO MÉDICA: ARTE OU DOCUMENTO?
Como expresso anteriormente, a Arte é a manifestação do subjetivo,
enquanto a Ciência se ocupa da objetividade. Diante disso surge a dúvida: a
ilustração médica é Arte ou é um documento?
À essa questão, Sérgio Russo afirma, em entrevista concedida em
vinte de maio deste ano, que a ilustração médica “é uma atividade artística que se
toca com a grande área científica”, ou seja, a ilustração médica é arte e ao mesmo
32
tempo, documento.
A ilustração científica se utiliza das técnicas de ilustração para
representar uma ação relacionada às Ciências, por isso, o ilustrador necessita do
conhecimento em ambas as áreas. Russo diz que a aprendizagem é uma das
maiores dificuldades do ilustrador científico, pois como o mesmo exemplifica é
necessário determinação, não só quanto à ilustração científica, mas em todas as
situações da vida. Essa determinação e disciplina são necessárias principalmente
para o ilustrador científico, pois exige que ele enxergue os detalhes e os transmita
da mesma forma com que foram vistos, através da técnica artística e do
conhecimento científico.
Portanto, baseado nas palavras de Plaza (1996, p. 43), pode-se
afirmar que a ilustração médica é o cruzamento intertextual entre Arte e Ciência.
4.4 A NECESSIDADE DA ILUSTRAÇÃO MÉDICA
As ilustrações científicas, em geral, são fundamentais para que
descobertas e fatos científicos sejam documentados e através deles, novos estudos
sejam feitos, levando a novas descobertas.
Com o início da colonização e com a chegada da Família Real
portuguesa ao Brasil (século XIX), percebemos a importância dada à ilustração. Os
artistas aqui trazidos tinham o objetivo de documentar e retratar a diversidade da
flora e da fauna brasileira (Figura 14).
Figura 14: Frans Post. Cana-de-açúcar, de 1661. Fonte: http://www.bbc.co.uk/portuguese/especial/183_paris/page5.shtml
11
Outro exemplo se encontra na fotografia. Na visão de Russo, a
33
fotografia tem sua importância para a ilustração, porém ela apresenta o objeto como
ele é (no caso de uma cirurgia, suja, com muito sangue, etc.). A ilustração tem a
vantagem de ser sutil na representação, oferecendo um aspecto mais agradável e
limpo, e a possibilidade de criar transparências (Figura 15). A ilustração pode
mostrar o que as lentes de uma câmera não podem.
Quanto à técnica utilizada na ilustração médica tradicional, Russo
afirma que ela pode ser utilizada em outras áreas, como embalagens, moda, etc.,
pois a técnica é uma ferramenta e conhecendo-a é possível desenhar qualquer
coisa. Portanto, a ilustração médica é útil também àqueles que desejam ampliar o
conhecimento em ilustração.
Em relação aos profissionais da área da saúde, permite aprimorar
técnicas (figuras 15, 16 e 17), como exemplifica Russo. Um médico pode executar
uma técnica cirúrgica em menos tempo, através do aprimoramento da mesma.
Os principais investidores em ilustração médica são “cirurgiões,
outros médicos patrocinados [...] e editoras, mas não as editoras nacionais”. Este
fato será analisado a seguir.
Figura 15: Sérgio Russo. Sem título, 19--. Fonte: http://www.srusso.art.br/ilustracoes.php
12
11
Acesso em 27 de maio de 2010. 12
Acesso em 28 de maio de 2010.
34
Figura 16: Sérgio Russo. Sem título, 19--. Fonte: http://www.srusso.art.br/ilustracoes.php
13
Figura 17: Sérgio Russo. Sem título, 19--. Fonte: http://www.srusso.art.br/ilustracoes.php
14
4.5 A REALIDADE NO BRASIL E NOS OUTROS PAÍSES
Como mencionado por Russo em entrevista à autora, as editoras
nacionais não investem em ilustrações médicas produzidas no país, pois a diferença
está na mentalidade.
De acordo com ele, enquanto o mundo investe para que o aluno de
medicina melhore seu conhecimento, aqui no Brasil ocorre o contrário, pois as
editoras preferem traduzir o material estrangeiro (muitas vezes já ultrapassado). O
motivo seria o alto investimento.
O mesmo ocorre com os médicos que se negam a investir em um
ilustrador para produzir ilustrações médicas, devido ao valor. Nas palavras de
Russo, os médicos estão corretos, pois quem deveria investir em novas publicações
13
Acesso em 28 de maio de 2010. 14
http://www.srusso.art.br/ilustracoes.php, acesso em 28 de maio de 2010.
35
na área médica não é quem descobre uma melhoria na ciência, mas aqueles que
têm interesse em que a ciência no Brasil melhore. Como o governo, por exemplo.
Russo complementa dizendo que essa realidade ocorre somente no
Brasil, pois no exterior (na Alemanha, por exemplo, onde ele morou) as editoras
investem em ilustradores médicos, pois elas sabem que irão publicar livros e vendê-
los aos interessados. Consequentemente, o nome da editora também será
divulgado, sendo reconhecida pelas boas publicações e despertando o interesse das
pessoas em outros materiais da mesma editora.
No mundo todo são poucos os ilustradores científicos e no Brasil não
é diferente. Russo diz que não existem profissionais de gabarito nessa área no país,
ou seja, uma associação séria e que tenha o estudo técnico.
Sérgio Russo foi o único brasileiro pertencente a uma associação de
ilustradores médicos, de cerca de no máximo dois mil e quinhentos existentes no
mundo todo atualmente.
36
5 RESULTADOS E DISCUSSÕES
5.1 RESULTADOS OBTIDOS
A relação entre Arte e Ciência, existente há muito tempo, ainda é e
sempre será importante para o desenvolvimento da sociedade. A ilustração médica
permite que estudantes, médicos e profissionais da área biológica e da saúde
aprimorem seus conhecimentos e técnicas, e que estudantes de artes aprendam a
técnica que é fundamental para a ilustração em qualquer outra área.
Apesar da grande necessidade desse tipo de ilustração no Brasil, há
pouco investimento e poucos ilustradores científicos. Diante disso, o projeto buscou
estudar e analisar a relação entre arte e ciência para que se pudesse compreender o
papel da ilustração médica.
A pesquisa de campo foi realizada com um profissional da área das
ilustrações médicas, Sérgio Russo, por meio de uma entrevista documentada em
vídeo, que continha perguntas sobre a ilustração médica e o mercado de trabalho.
Tal entrevista evidencia a importância da ilustração médica como um instrumento de
documentação que acompanha o desenvolvimento científico e médico, oferecendo
ao profissional da área biológica e da saúde um material atualizado capaz de gerar
novos conhecimentos e de aperfeiçoar técnicas. Sua importância está no fato de
buscar se aproximar da realidade, sendo clara e objetiva naquilo que se quer
informar.
Foi possível analisar a falta de investimento e do apoio das editoras
brasileiras e do próprio governo na área das ilustrações médicas, e as dificuldades
que enfrenta esse ilustrador, mesmo possuindo em suas mãos o talento e o
conhecimento para produzir uma arte de fundamental importância para o
desenvolvimento do país.
Deste modo, não se ensina ciência médica sem um material de
apoio, e não se pode pensar em um material de apoio sem atualização.
37
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A relação entre Arte e Ciência é uma realidade que, apesar de existir
a muito tempo, se renova a cada dia. Com a presente pesquisa pôde-se perceber a
necessidade da ilustração médica e como ela é fundamental para o desenvolvimento
das Ciências (e consequentemente para a própria sociedade).
A falta de investimento em ilustrações médicas pode resultar em
profissionais da área biológica e da saúde despreparados (como vem ocorrendo, por
exemplo, nos erros médicos), pelo fato de existir a possibilidade dos materiais de
ensino serem desatualizados. Tal situação pode ser revertida, oferecendo ao
profissional dessa área a possibilidade de, através de um material ilustrativo e de
fácil compreensão (como um material nacional), aprimorar técnicas e métodos.
Nesse caso citado acima, quando há o despreparo do profissional da saúde, outras
pessoas podem ser prejudicadas, como o próprio paciente. Por exemplo, podemos
citar uma determinada sociedade exposta a mesmos agentes externos e que
consequentemente tendem a desenvolver determinados traços ou anomalias. Uma
ilustração voltada para a pesquisa e documentação destes fenômenos com certeza
aumentaria as chances de encontrar a solução ou de se chegar a determinada teoria
a respeito do problema em questão.
Tudo isso, somado aos materiais escassos e ultrapassados na área
da saúde, limitam o conhecimento dos futuros profissionais, visto que muitos
materiais são de origem estrangeira e poucos são produzidos no Brasil. Isso, por sua
vez, gera um “atraso” do país no que diz respeito ao desenvolvimento de novas
teorias, descobertas e contribuições científicas se comparado aos países que
investem em publicação de materiais nessa área.
A relevância da ilustração médica ultrapassa os limites da Ciência,
pois ela é também importante para estudantes e profissionais de outras áreas que
necessitam da técnica da ilustração. Portanto, esse projeto se apresenta como um
incentivo à produção, publicação e uma reflexão quanto à valorização das
ilustrações médicas, através de um estudo de caso com o ilustrador Sérgio Russo.
38
REFERÊNCIAS
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CAPRA, Fritjof. A Ciência de Leonardo da Vinci: um mergulho profundo na mente do grande gênio da Renascença. São Paulo: Cultrix, 2008.
CLARK, Kenneth. Leonardo da Vinci. Rio de Janeiro: EDIOURO, 2003.
FABRIS, Annateresa; KERN, Maria Lúcia Bastos (Org.). Imagem e Conhecimento. São Paulo: Edusp, 2006.
GOMBRICH, E. H.. A história da arte. 16.ed. Rio de Janeiro: LTC, 1999.
HADDAD, Lara. A Ilustração Literária. Londrina: Ilustres Ideias, 2008.
HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. 8.ed. São Paulo: Papirus, 2005.
LOPES, Thelma. “Luz, arte, ciência... ação!”. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, v.12, suplemento, p.401-418, 2005.
NORONHA, Patrícia. “Artes Visuais e Ciência”. Disponível em: <http://www.proformar.org/revista/edicao_14/pag_5.htm>. Acesso em 15 de maio 2010.
OLIVEIRA, R. L. de; CONDURU, L.. “Nas frestas entre a ciência e a arte: uma série de ilustrações de barbeiros do Instituto Oswaldo Cruz”. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, v.11(2): 335-84, mai-ago, 2004.
PLAZA, Julio. “Arte∕Ciência: uma consciência”. Revista de Comunicações e Artes. São Paulo, p. 37-47, 1996.
REIS, J.C; GUERRA, A.; BRAGA, M.: “Ciência e arte: Relações improváveis?”. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, v.13, p.71-87, out. 2006.
39
RUSSO, Sérgio. “Ilustrações Médicas/Científicas”. Disponível em: <http://www.srusso.art.br/ilustracoes.php >. Acesso em 22 de maio 2010.
TECHY, Antonio. “A importância da fotografia na medicina”. Revista Brasileira de Reumatologia – Ponta Grossa, v. 46, n.3, p. 207-209, mai/jun, 2006.
40
APÊNDICE
41
Esta parte do trabalho se dedica à entrevista realizada com o
ilustrador médico Sérgio Russo, no dia vinte de maio do ano de dois mil e dez. Para
a entrevista, foi utilizado um roteiro com dezesseis questões referentes às
ilustrações médicas. A entrevista teve duração de cerca de quarenta minutos e foi
documentada em formato audiovisual, através de uma câmera mini DV.
1. Qual a importância do desenho?
Sérgio Russo: O desenho está em nossa volta, em tudo que faz parte da nossa
vida, desde o automóvel, sapato, até embalagens. Tudo o que se pode imaginar
que compõe a nossa vida, foi desenhado antes. Então, o desenho é fundamental,
sem ele voltaríamos à Idade da Pedra.
2. O que é a ilustração médica?
Sérgio Russo: Ela é a ilustração específica para a área da saúde, ou seja, para
odontologia, medicina, veterinária, etc., toda a área da saúde e biológica
também. Ela tem como objetivo principal documentar os fatos novos e científicos
que se descobrem ou que evoluem na mão do homem, para que isso seja
publicado e outros aprendam essa matéria.
3. Quais são os objetivos e as características da ilustração médica?
Sérgio Russo: Os objetivos nós já falamos. Agora as características têm duas
principais. Primeiro ela tem que ser tecnicamente perfeita, porque ela depende
do detalhe e da suavidade com que ela é colorida, pra que ela não canse, e pelo
contrário, ela ajude a acelerar o entendimento de um texto científico, para que o
leitor ou o ouvinte de uma palestra, por exemplo, saiba exatamente o que se quer
mostrar.
4. Qual é a importância da ilustração médica?
Sérgio Russo: Exatamente fazer parte da evolução científica.
5. O que é necessário para ilustrar?
Sérgio Russo: São duas coisas que você precisa saber. Primeiro, se aprofundar
no estudo daquela matéria que você pretende ilustrar. Por exemplo, uma
cirurgia... uma neurocirurgia. Você precisa saber como é o cérebro, você precisa
42
saber o que vai ser feito na cirurgia. Pra isso você tem que estudar a cirurgia
antes dela ser feita pelo cirurgião. Tem que conversar com o cirurgião para saber
o que ele vai fazer e qual o resultado, e dividir isso em fases, em passos para
que você ilustre: o passo um, o dois, o três, até o final, demonstrando assim, uma
unidade. Então, você precisa estudar a matéria a ser ilustrada.
Segundo, aprender técnica de ilustração, principalmente lápis grafite e aquarela.
Em segundo lugar vem o lápis de cor e o nanquim, que ainda se usa. São um
pouco mais raros, mais difíceis, mas se usa bastante. E a parte de computação
também se usa. Nós vamos falar mais pra frente disso.
6. Quais são as técnicas mais utilizadas?
Sérgio Russo: Eu já disse: o grafite, aquarela, a combinação entre elas e os
desenhos feitos em softwares, computação.
7. Você utiliza o meio digital para fazer as ilustrações? Por quê?
Sérgio Russo: Eu particularmente não, porque eu não acho necessário. Eu sou
de uma geração que não havia softwares sofisticados, então eu aprendi as
técnicas que são suficientes para ilustrar qualquer tema sem a ajuda do
computador...
... Você acha que a qualidade muda?
Sérgio Russo: A qualidade depende da destreza do artista. No meu caso, como
eu já tenho muitos anos de prática, dificilmente você vai encontrar um erro
técnico nos meus desenhos, dificilmente. Eu trabalhei tantos anos com os
alemães que são rígidos em técnica e fui um dos melhores lá. Então, quer dizer,
eu não tenho receio de falar que o meu desenho realmente ele é de um nível
bom, muito bom, aliás.
8. Quais as vantagens e desvantagens da ilustração de prancheta diante da
tecnologia (fotografia, modelagem 3D, etc.)?
Sérgio Russo: A vantagem é que é mais rápida de você fazer um layout e colorir.
No computador você tem que ter uma base, um layout já pronto para você
escanear e aí colorir e fazer o efeito especial. Você corre o risco de demorar
43
tanto que não adianta mais, porque o tempo é muito importante para o ilustrador.
Então você tem que ser tão bom no computador que se aproxime da velocidade
do lápis e do pincel, que não é fácil. Já vou dizer para você: não é fácil.
Eu conheço na associação de ilustradores médicos americana, da qual faço parte
como profissional, gente muito gabaritada nas técnicas tradicionais e nos
softwares. E os próprios ilustradores por computador dependem de nós para
fazer os layouts mais rápidos do que eles. Se eles forem tão bons que façam os
layouts bem rápidos, ótimo. Mas mesmo assim a aquarela é mais rápida do que o
software, porque a elaboração da cor já está na cabeça do artista, e no
computador às vezes o artista ainda não sabe exatamente que cor ela vai ficar,
porque as possibilidades são tão grandes que ele acaba se perdendo um pouco
naqueles milhares e milhões, sei lá, de tons.
A fotografia e a modelagem 3D têm seu lugar na ilustração. A fotografia, o único
problema dela, são as limitações visuais, que significa o quê? Quando você
fotografa um campo cirúrgico, tanto faz ele a céu aberto ou laparoscópico, ele se
apresenta como ele é, cheio de sangue, tudo mais ou menos da mesma cor,
avermelhado, rosa. E se o cirurgião não souber muito anatomia cirúrgica, ele se
perde, você imagine o ilustrador. Então, qual é uma das vantagens da ilustração:
é que você pode separar por cores, sutilmente, de uma maneira mais limpa a
imagem a ser transmitida. E a fotografia é mais um aspecto da patologia, por
exemplo, quando você tira um fígado doente e se fotografa, a fotografia é de
muita importância porque o patologista precisa mostrar exatamente como o
fígado estava e ele não precisa do ilustrador, porque a foto do fígado, nesse
caso, na patologia, macropatologia ou micro, ele precisa da fotografia. Mas isso é
uma exceção, porque a fotografia como ilustração cirúrgica ela é falha, falha
porque, já dissemos, o campo cirúrgico é o que nós chamamos de sujo, ele é de
uma cor só, não dá pra ver as estruturas claramente, que é o objetivo da
ilustração médica: esclarecer e não confundir. Não é fazer figuras bonitas, é fazer
figuras claras, rapidamente, e precisas do ponto de vista científico.
9. A ilustração médica é arte ou documento?
Sérgio Russo: É os dois. É arte porque ela é uma atividade artística que se “toca”
com a grande área científica. Então esse toque dessas duas grandes áreas é o
44
que nós chamamos a área da ilustração médica, que tem a área da arte e da
ciência juntas. Ela é arte e é documento.
10. Quais são as maiores dificuldades da ilustração e do ilustrador?
Sérgio Russo: A dificuldade talvez esteja no aprendizado. Todos os
aprendizados, não só da ilustração, mas da vida em geral. A gente precisa ser
muito determinado para fazer aquilo que se planejou. Muita gente abandona o
caminho porque não tem aquela “fibra”, aquela vontade, aquela determinação
que precisa para você fazer determinada atividade.
Então, nós conhecemos casos de gente de começo da engenharia, de repente
pula para enfermagem, sai da enfermagem, vai para medicina, medicina é muito
difícil, acaba sendo agrônomo ou comerciante e vai ajudar o pai. Então por quê?
Porque ele não tem na cabeça o que ele quer fazer na vida dele. E a ilustração
científica é uma profissão muito bonita, mas ela é rara exatamente porque você
precisa trabalhar, você não nasce artista. Aqui não existe essa coisa de “ah, eu
vou nascer com dom”. Não. A ilustração se aprende e a gente procura educar o
aluno a ser disciplinado o suficiente para continuar o caminho dele. O nosso
caminho já está praticamente pronto. Eu tenho quarenta anos de ensino de arte,
então eu já fiz muita coisa. A minha responsabilidade hoje é mostrar os caminhos
para quem quer realmente fazer alguma coisa de importância na área da
ilustração.
11. Você acha possível, as ilustrações médicas atingirem também
estudantes e profissionais das artes visuais, e não somente pessoas
ligadas à área da saúde?
Sérgio Russo: As pessoas não ligadas à área da saúde, o que elas podem
aproveitar das ilustrações médicas é exatamente a técnica. Porque as técnicas
de ilustração médica, as tradicionais, elas podem ser usadas em outros temas:
nas embalagens, design, estilismo em moda. Se você souber a técnica, a técnica
é uma ferramenta, você pode desenhar qualquer coisa. Então significa que se eu
tenho um curso de arte médica, e vem uma pessoa do design ver se tem alguma
coisa que interessa, eu vou dizer que sim. Mas não que ela vá aprender como se
desenha um estômago, nada disso. Ela vai aprender como se maneja um lápis e
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o pincel para ser um ilustrador, um designer ou outra modalidade que utilize a
arte plástica como ferramenta importante.
12. Como se dá todo o processo até o final, da ilustração chegar ao cliente?
Sérgio Russo: O cliente, no nosso caso de ilustração médica, é o cirurgião. Então
o cirurgião vem até nós e diz: “eu aprimorei um jeito de operar que, antigamente
por essa técnica tradicional demorava dez horas, agora eu faço em quatro”. Ora,
isso é uma beleza, porque os pacientes sofrem menos, os hospitais têm maior
rotatividade e atendem mais gente e mais gente com saúde. Então qual é a
contribuição do ilustrador? É ilustrar essa evolução que o médico descobriu para
que outros médicos também façam isso através de publicações. Então a gente
entra naquilo que eu te falei: você estuda, faz os esboços, às vezes até em
centro cirúrgico, o médico vai corrigir. E essa é a parte da profissão, a parte mais
longa: você tem que fazer vários esboços até ele ficar cientificamente correto em
relação à opinião do cirurgião. Quando isso acontecer aí é só fazer a coloração
que é bem mais rápido.
13. Qual é o público ou os investidores nessa área (caso haja)?
Sérgio Russo: O público que compra as ilustrações são os cirurgiões, são outros
médicos patrocinados por, em geral, laboratórios de imagem e farmaindústrias, e
editoras, mas não as editoras nacionais, porque aqui a mentalidade é outra.
Enquanto o mundo inteiro investe para que o aluno de medicina, odontologia
melhore seu capital de conhecimentos, aqui no Brasil é o contrário. As editoras,
para ganhar dinheiro, preferem pegar livros bem velhos traduzidos em espanhol
ou coisa do tipo para “enfiar” nas bibliotecas e fazer com que o aluno não tenha
outra opção: ele tem que estudar nos livros ultrapassados. Os médicos também.
Quando o médico se depara com a realidade que tem que pagar o ilustrador, ele
não publica muitas vezes, e ele está certo, porque quem tem que pagar o
ilustrador não é quem descobre uma melhoria científica numa cirurgia, é alguém
que tenha interesse em que nossa ciência melhore. Quem é? É o governo
federal, é o MEC, são as farmaindústrias. Estes são os principais patrocinadores
que, no Brasil, não existem. Eles nem dão bola pra isso, porque não há interesse
em que o nosso público, que aprende ciência, melhore a sua capacidade, que a
nossa medicina melhore a sua performance. É só acompanhar nos jornais o que
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o MEC tem feito e os nossos alunos que têm declinado muito o seu aprendizado.
Muitas mortes aconteceram por falta de técnica, de um material melhor, didático,
falta de interesse do governo de atacar realmente o que precisa para que a
nossa medicina seja boa. Não há interesse. Existe muito interesse político em se
eleger, em falar bonito, mas na prática isso está muito longe de acontecer, muito
longe. Isso é só no Brasil.
Se você for para a Alemanha, onde eu estive, as editoras pagam os ilustradores,
por quê? Porque elas vão publicar o livro, vão vender, e quem é que vai ler?
Todos os interessados, médicos, recém-formados, residentes, todo mundo, e vai
saber que aquele livro é da editora X: “Então essa editora é boa, vou comprar
mais livros dela”. É assim que funciona. Então os bons ilustradores são muito
cobiçados nos países civilizados, só nos países civilizados.
14. Como é o mercado de trabalho na área da ilustração médica? (Salário
médio, desenvolvimento, etc.)
Sérgio Russo: Bem, aqui no Brasil nós não temos profissionais de gabarito, que
eu digo, pertencentes a uma associação séria, que tenha realmente estudo
técnico e tal. Eu estou sozinho aqui no Brasil. Eu posso dizer isso porque a maior
associação do mundo é a americana, que foi fundada em 1945, e eles têm o
controle mundial de quem está fazendo ilustração científica. E eu sou o único
profissional do quadro deles. A sociedade de ilustradores lá não tem mais que
dois mil, dois mil e quinhentos ilustradores, e não se tem notícia de nenhum
brasileiro, desde 1.998, quando eu ingressei na área profissional deles. Então, eu
tenho uma responsabilidade aqui, não só de responder a essas perguntas, mas
de divulgar também como está essa situação. E o mercado de trabalho, nós já
falamos um pouco sobre as editoras médicas, elas não investem. Então é muito
difícil, você tem que ter um produto muito bom para que o médico tenha mais
motivação para achar um patrocínio, e acha. A maioria dos trabalhos que eu fiz
no Brasil, que são poucos, foi patrocinada por laboratórios de imagem e
farmaindústrias, mas você tem que ter um padrão bom de ilustração. Depende só
de você. Não existe salário, existe freelances. Então dependendo da qualidade,
do nome, da idade, enfim, de um conjunto de fatores, a ilustração para um custa
“x”, para outro “y”. É muito difícil, principalmente porque aqui a moeda é Real, na
Europa é Euro, depois é Dólar lá em cima. Então fica muito difícil.
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Carente de profissionais nós somos. Muito mais do que carente de profissionais.
Nós somos carentes de editoras que invistam na ciência e na formação médica,
na formação do profissional da área da saúde. Estes são os principais vilões e
responsáveis do caos que nós estamos atravessando, de defasagem em relação
ao mundo, porque os artigos e os livros que saem do Brasil são muito
pobremente ilustrados. Não há ilustradores, então quem ilustra: é o filho do
zelador, ou é o sobrinho do médico que quer publicar por uma vaidade dele ou
então a editora que emprega um aprendiz, e assim por diante.
15. Existem materiais nacionais que falem sobre as ilustrações médicas?
Caso a resposta seja afirmativa, quais são?
Sérgio Russo: Não, não existe. Não existe porque nós não temos nenhuma
escola de arte médica aqui no Brasil. Nós temos cinco escolas nos EUA, uma em
Toronto, no Canadá e mais seis na Europa. E essas escolas estão ensinando de
dez a vinte alunos por ano, só. É muito caro o curso, é muito disputado,
muitíssimo disputado, mas nos Estados Unidos tem sempre gente precisando. É
o maior mercado do mundo. Nos Estados Unidos, sempre falta, eu recebo no
meu e-mail, sempre falta pelo menos uns dez, quinze ilustradores que empresas
estão precisando. Só que, naturalmente, esses profissionais querem são
profissionais, gente que sabe fazer. Às vezes até vale a pena pensar duas vezes.
Trabalhar no Brasil é muito difícil, mas não é um bicho também. Então materiais
nacionais no Brasil nem pensar, nós estamos muito atrasados, muito atrasados.
16. Como você vê o posicionamento do Brasil diante do ilustrador médico e
o que você acha que seria necessário para melhorar?
Sérgio Russo: O Brasil está completamente ignorante em relação a essa matéria
que estamos falando. O Brasil não sabe o que é um ilustrador médico, de um
modo geral. O ilustrador médico não existe no Brasil e vai demorar para existir,
porque não é reconhecido. Eles nem sabem que existe essa possibilidade, não
sabem a importância disso. Às vezes nunca viram uma ilustração profissional
mesmo, só em livros importados e acham que aquilo é uma coisa de outro
mundo. Só que às vezes, a gente está morando aqui no Brasil e ninguém sabe
disso. Muito bem, o que seria necessário para melhorar?
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Primeiro, a mudança de mentalidade das nossas editoras, ou seja, “banho
cultural” dos editores, das diretorias de editoras médicas nacionais que estão
empoeiradas. Eu estou falando do cérebro deles que estão empoeirados. Eles
não abrem os olhos para a realidade. Viraram empresas que só querem dinheiro,
não querem avanço científico. É como uma quitanda uma editora médica. Eu não
conheço nenhuma editora médica – e conheço muitas, inclusive pessoalmente –
que se preocupa com isso. Eles tratam a editora como um negócio,
simplesmente um negócio. Eles não sentem para si a responsabilidade de
imprimir uma matéria que vai melhorar a vida de um paciente. Então, falta uma
consciência, até humana para que isso melhore. Essa é uma das coisas que
precisa melhorar.
O segundo é o governo federal que tem que abrir os olhos para isso. Alguém da
área de ensino, educação, tem que falar no ministério de educação e cultura que
os outros países funcionam melhor nessa área do que nós por causa disso,
daquilo e daquele outro.
Eu cansei de dar palestras em universidades, de nada adiantou. As pessoas
acham aquilo uma história de ficção científica, o que é capaz de acontecer com
essa reportagem também, que você está fazendo agora. As pessoas podem me
ouvir e dizer “ah, mas isso é só mais um acontecimento no Brasil”. É só mais um
acontecimento, mas de muita importância, porque nós estamos falando da
educação médica, e isso envolve a vida de muita gente. São muitos pacientes
que dependem da formação de um bom médico. E o Brasil solta, nas suas mais
de oitenta escolas médicas, muitos formandos ou residentes que são
despreparados. E a consequência disso é, infelizmente, a morte de pessoas, que
são os famosos erros médicos. São erros sim, mas erros não só dos médicos,
erro das escolas de medicina, que por sua vez, não têm uma biblioteca
atualizada com material nacional, que realmente sirva para nós. Eu tenho trinta e
quatro anos de formado em medicina, se você for na biblioteca de onde eu
estudei, estamos a mil metros de onde eu estudei, você vai ver que os mesmos
livros com que eu fiz o primeiro e o segundo ano de medicina estão lá. E você
sabe o é que tem de novo lá? Nada, não tem nada, não foi renovado nada, só
foram restaurados por causa do manuseio. Essa é a notícia triste: não há
interesse de ninguém em melhorar isso. Existe interesse em reeleição dos
senadores, deputados e até do presidente que foi reeleito, mas o MEC não se
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mexe. Ele não sabe da realidade, ele se desligou disso. Ele está mais
preocupado, talvez, com o primeiro grau, segundo grau. Agora, você já ouviu
alguma notícia sobre as nossas bibliotecas como estão?
17. Comentários adicionais.
Sérgio Russo: Bom, os comentários que eu poderia acrescentar a essa entrevista
seria o seguinte: esse é um tema muito difícil de falar, muito importante e de
extrema necessidade, de urgência, de extrema urgência para que alguém faça
alguma coisa. Eu sou uma gota no oceano, infelizmente, e aqui nessa sala de
aula há varejo, muito varejo de ilustradores. E é uma pena que eu esteja sozinho
no Brasil, se eu pudesse ter alguma influência lá no governo federal, eu faria
várias coisas para melhorar pelo menos os nossos livros e nutrir as bibliotecas
brasileiras que estão muito defasadas. Então, o que eu tenho de sentimento com
relação a esse tema, é muita pena, e revolta também, porque nada se faz. Muito
se fala, ou nada se fala, e muito menos se faz. Eu, que particularmente estou
fazendo a minha parte, durmo tranquilo, mas eu sou sozinho. Então, quem sabe
alguém ouvindo essa entrevista, pense duas vezes nesse problema.