ARTE E ANATOMIA HUMANA: UMA RELAÇÃO ENTRE ENSINO E...
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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
DANIEL MASETTO DO AMARAL
ARTE E ANATOMIA HUMANA:
UMA RELAÇÃO ENTRE ENSINO E ESPAÇOS NÃO FORMAIS
DISSERTAÇÃO
PONTA GROSSA
2018
DANIEL MASETTO DO AMARAL
ARTE E ANATOMIA HUMANA:
UMA RELAÇÃO ENTRE ENSINO E ESPAÇOS NÃO FORMAIS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciência e Tecnologia, Área de Concentração: Ciência, Tecnologia e Ensino, Linha de Pesquisa: Arte, Ciência e Teknè: Diálogos Interdisciplinares, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ensino, Ciência e Tecnologia.
Orientador: Prof. Dr. Awdry Feisser Miquelin
PONTA GROSSA
2018
Ficha catalográfica elaborada pelo Departamento de Biblioteca da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Câmpus Ponta Grossa n. 61/18
Elson Heraldo Ribeiro Junior. CRB-9/1413. 14/12/2018.
A485 Amaral, Daniel Masetto do
Arte e anatomia humana: uma relação entre ensino e espaços não formais. / Daniel Masetto do Amaral. 2018.
113 f. : il. ; 30 cm. Orientador: Prof. Dr. Awdry Feisser Miquelin Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciência e Tecnologia) - Programa de
Pós-Graduação em Ensino de Ciência e Tecnologia. Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Ponta Grossa, 2018.
1. Anatomia humana. 2. Arte. 3. Educação não-formal. I. Miquelin, Awdry
Feisser. II. Universidade Tecnológica Federal do Paraná. III. Título.
CDD 507
TERMO DE APROVAÇÃO
Título da Dissertação Nº 145/2018
ARTE, CIÊNCIA E ANATOMIA HUMANA: UMA RELAÇÃO ENTRE ENSINO E ESPAÇOS NÃO FORMAIS
por
Daniel Masetto do Amaral
Esta dissertação foi apresentada em 10 de setembro de 2018 como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre em Ensino de Ciência e Tecnologia do
Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e Tecnologia. O candidato foi arguido
pela Banca Examinadora composta pelos professores abaixo assinados. Após
deliberação, a Banca Examinadora considerou o trabalho aprovado.
_________________________________ Awdry Feisser Miquelin
Prof. Orientador (UTFPR)
__________________________________ Ana Luisa Ruschel Nunes
(UEPG)
__________________________________ Danislei Bertoni
(UTFPR)
__________________________________
Coordenadora do PPGECT – Profª. Drª. Eloiza Aparecida Silva Avila de
Matos (UTFPR)
- O Termo de Aprovação assinado encontra-se arquivado na Secretaria Acadêmica -
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Awdry Feisser Miquelin pelo incentivo a pesquisa em arte e
anatomia humana e suas relações, pelas sugestões de leitura e escrita, por
compartilhar seu conhecimento durante o processo.
À Prof.ª Dr.ª Ana Luisa Ruschel Nunes por despertar o gosto pela pesquisa
nas aulas da graduação, por me mostrar as possibilidades da arte contemporânea
na produção em poéticas visuais e pelas contribuições e sugestões a esta pesquisa.
Ao Prof. Dr. Danislei Bertoni por enriquecer meu trabalho com seus
conhecimentos sobre ensino de ciências e tecnologia.
A todos os professores do PPGECT pelos ensinamentos.
A todos os colegas do PPGECT.
As amigas e artistas Rute Yumi Onoda, Rosane Volpi Santos e Mariângela
Digiovanni pelo apoio constante nas exposições e produções artísticas, e pelo
conhecimento compartilhado sobre arte e sociedade.
Ao amigo Rafael Giovanetti, que compartilhou seu conhecimento sobre
ciências biológicas e pelo auxílio na montagem das exposições de anatomia.
À Universidade Estadual de Ponta Grossa, pelo apoio incondicional as
exposições de anatomia humana e ao empréstimo das peças cadavéricas para as
exposições.
Ao responsável técnico do laboratório de anatomia humana da Universidade
Estadual de Ponta Grossa Sr. Jeiel Marques, pelo apoio em todas as exposições.
À UniCesumar pelo apoio à pesquisa e a exposição de anatomia, tornando o
seu hall de entrada em um espaço não formal de ensino de anatomia humana.
Muito obrigado.
"Ao curvar-te com a lâmina rija de teu bisturi sobre o cadáver
desconhecido, lembra-te que este corpo nasceu do amor de
duas almas; cresceu embalado pela fé e esperança daquela
que em seu seio o agasalhou, sorriu e sonhou os mesmos
sonhos das crianças e dos jovens; por certo amou e foi
amado e sentiu saudades dos outros que partiram,
acalentou um amanhã feliz e agora jaz na fria lousa, sem
que por ele tivesse derramado uma lágrima sequer, sem que
tivesse uma só prece. Seu nome só Deus o sabe; mas o
destino inexorável deu-lhe o poder e a grandeza de servir a
humanidade que por ele passou indiferente."
Karl Rokitansky
RESUMO
AMARAL, Daniel Masetto. Arte, ciência e anatomia humana: uma relação entre ensino e espaços não formais. 2018. 113 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino de Ciência e Tecnologia) - Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Ponta Grossa, 2018.
Esta pesquisa propôs analisar e fazer considerações acerca da relação da Arte com o ensino da disciplina de Anatomia Humana dentro da perspectiva de ensino não formal. Com esse intuito, foram traçados os seguintes objetivos específicos: abordagem sobre o histórico da anatomia humana; análise do espaço não formal de ensino; considerações a respeito da relação da Arte com a anatomia humana; apreciação do reconhecimento da contribuição da Arte para a Anatomia Humana. Questionou-se, neste estudo, se a disciplina de Anatomia Humana pode também ser transmitida em espaços não formais de ensino, uma vez que o histórico desta disciplina traz uma relação singular com a Arte. A fim de responder tal questionamento e alcançar os objetivos aqui propostos, foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa, investigando a relação da anatomia com a Arte e os espaços não formais de ensino relativos à disciplina de Anatomia Humana ministrada para as mais diversas áreas de saúde. Para desenvolver este estudo foi realizada uma matriz dialógica problematizadora, fazendo uma associação entre a pesquisa e a prática de ensino no contexto da Disciplina de Anatomia Humana. Tal matriz e a pesquisa com matriz investigativa auxiliaram na coleta de dados, na sua categorização e na análise para a realização desta pesquisa. A análise dos resultados obtidos só vem a ressaltar a necessidade de mais espaços não formais, de fácil acesso a população, para exposições relacionando a Arte e Anatomia Humana, permitindo a aprendizagem de forma lúdica e dinâmica.
Palavras-chave: Anatomia humana; Arte; Ensino não formal.
ABSTRACT
AMARAL, Daniel Masetto. Art, science and human anatomy: a relationship between teaching and non-formal spaces. 2018. 113 p. Master’s Thesis (Master in Teaching of the Science and Technology) - Federal University of Technology - Paraná, Ponta Grossa, 2018.
This project proposes to analyze and make considerations about the relationship between Art and the teaching of the Human Anatomy discipline, within the perspective of non-formal education. With this aim, the following specific objectives were drawn: approach in the history of the human anatomy; analysis of non-formal teaching space; considerations about the relation of art to human anatomy; recognition of the contribution of Art to Human Anatomy. It was questioned in this study if whether the discipline of Human Anatomy can also be transmitted in non-formal spaces of education, since the history of this discipline brings a unique relation with Art. To answer this question and to reach the proposed objectives, a qualitative research was conducted, investigating the relationship between anatomy and Art and the non-formal spaces of education related to the Human Anatomy discipline, which is taught for the most different areas of health.
Keywords: Human anatomy; Art; Non-formal education.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Papiro demonstrando tratamento médio no Egito antigo .......................... 16
Figura 2 - Busto em mármore de Hipócrates, autor desconhecido ........................... 19
Figura 3 - Escultura em bronze de Aristóteles, de Cipri Adolf Bermann, 1915 .......... 20
Figura 4 - Busto em mármore do imperador Alexandre Magno, autor desconhecido ............................................................................................................ 20
Figura 5 - Retrato de Galeno de Pergamo ................................................................ 22
Figura 6 - Galeno abrindo a ferida de um soldado .................................................... 22
Figura 7 - Ilustração anatômica. Mansur ibn Muhammad ibn Ahmad ibn Yusuf ibn Ilyas (fl. ca. 1390) ................................................................................................ 23
Figura 8 - Post Mortem Examination - Mondino de Cuzzi in Bologna in 1318, canvas by Ernest Bond (ca 1890) ............................................................................. 24
Figura 9 - Early Dissection - the first ilustrated medical procedure, dissection from “Fasciculus Medicinae” by Johannes de Ketham (1493) ................................... 25
Figura 10 - The Fasciculus Medicinae of Johannes De Ketham Alemanus .............. 25
Figura 11 - Title page of Anathomia Corporis Humanis by Mondino de Luzzi ........... 26
Figura 12 - Vitruvian Man - Pen, ink, watercolour and metalpoint on paper, 1492 .... 27
Figura 13 - Self-portrait, red chalk on paper, 1512 .................................................... 28
Figura 14 - Muscle of the Arm, sketch (ca 1500) ....................................................... 28
Figura 15 - Studies of human skull, black pen, ink and black chalk on paper, 1489 .......................................................................................................................... 28
Figura 16 - Anatomical Studies, (ca 1500) ................................................................ 29
Figura 17 - Studies of the sexual act and male sexual organ, pen and ink on paper, 1492 ............................................................................................................... 29
Figura 18 - Studies of embryos, black and red chalk, pen and ink wash on paper, 1509-14 ..................................................................................................................... 30
Figura 19 - Skeletal Siystem, sketch by Leonardo da Vinci (ca 1500) ....................... 30
Figura 20 - Heart and its Blood Vessels (ac 1500) .................................................... 31
Figura 21 - Studies of legs of man and the leg of a horse, pen, ink, red chalk on red prepared paper, 1506-07..................................................................................... 31
Figura 22 - Male head in profile with proportions, c. 1490 ......................................... 33
Figura 23 - Various figure studies .............................................................................. 33
Figura 24 - The Last Supper, 1498 ............................................................................ 34
Figura 25 - Automobile, 1478-80 ............................................................................... 34
Figura 26 - Siege Defenses, 1480-82 ........................................................................ 35
Figura 27 - Anatomical studies of the shoulder, black chalk, pen and ink on paper, 1510-11 .......................................................................................................... 36
Figura 28 - A expulsão do paraíso, Fresco, 1426-27 ................................................ 38
Figura 29 - Judith e Holofernes, escultura em bronze, 1455-60 ................................ 38
Figura 30 - Hercules and the hydra, tempera on wood, 1475.................................... 39
Figura 31 - Madonna whith Sts John the Batist and Donatus, tempera on wood, 1475-83 ..................................................................................................................... 39
Figura 32 - Tomb of Giuliano de Medici (detail), marble, 1526-33 ............................. 40
Figura 33 - Portrait of Julius II, oil on wood, 1511-12 ................................................ 40
Figura 34- Self portrait from “De humani corporis fabrica libri septem” by Vesalius, 1543 ........................................................................................................... 43
Figura 35 - De Humani Corporis – title page of “Humani Corporis” by Andreas Vesalius, 1543 ........................................................................................................... 44
Figura 36 - Muscle man from “De humani corporis fabrica libri septem” by Andreas Vesalius, 1543 ............................................................................................ 45
Figura 37- Skeletal Anatomy from “De humani corporis fabrica libri septem” by Andreas Vesalius, 1543 ............................................................................................ 45
Figura 38 - Various Studies, de Michelangelo Buonarroti, pen and brown ink, 1501-02 ..................................................................................................................... 46
Figura 39 - David, marble, 1504 ................................................................................ 47
Figura 40 - Moisés, marble, 1515 .............................................................................. 47
Figura 41 - Teto da capela Sistina, Afresco, 1508-12 ............................................... 48
Figura 42 - Various Studies, de Michelangelo Buonarroti, black chalk on brown paper, 1534-36 .......................................................................................................... 49
Figura 43 - The anatomy lecture of Nicolaes Tulp, Oil on canvas, 1632 ................... 50
Figura 44 - The anatomy lecture of Nicolaes Tulp, Oil on canvas (detail), 1632 ....... 51
Figura 45 - The anatomy lecture of Nicolaes Tulp, Oil on canvas (detail), 1632 ....... 51
Figura 46 - Kneeling Skeleton, from “Nouveau recueil d´osteologie et de myologie” by Jacques Gamelin, 1779 ....................................................................... 52
Figura 47 - llustrator´s Lounge, from “Nouveau recueil d´osteologie et de myologie” by Jacques Gamelin, 1779 ....................................................................... 53
Figura 48 - Muscular anatomy, from “Anatomie de la tete en tableaux”, by Jacques Gautier DÁgoty, 1748 .................................................................................. 53
Figura 49 - The flayed angel, from “Mytologie complete en colour et grandeur naturelle .................................................................................................................... 54
Figura 50 - Muscle man, from “Tabulae Sceleti e Musculorum Corporis Humani” by Albinus, 1747 ........................................................................................................ 56
Figura 51 - Cultura oriental, carvão sobre tela, 2017 ................................................ 74
Figura 52 - O sufrágio da água, carvão sobre tela, 2017 .......................................... 75
Figura 53 - Sistema esquelético e muscular, nanquim sobre canson, 2017 ............. 75
Figura 54 - Sistema muscular e venoso, nanquim sobre canson, 2017 .................... 75
Figura 55 - Coração I, nanquim e aquarela sobre canson, 2017............................... 76
Figura 56 - Coração II, nanquim e aquarela sobre canson, 2017.............................. 76
Figura 57 - Dissecação, sanguínea, sépia e carvão sobre canson, 2017 ................. 77
Figura 58 - Relações interpessoais, carvão sobre canson, 2017 .............................. 77
Figura 59 - Cérebro I, nanquim sobre canson, 2017 ................................................. 77
Figura 60 - Cérebro II, nanquim sobre canson, 2017 ................................................ 78
Figura 61 - Escalpelamento, nanquim sobre canson, 2017 ...................................... 78
Figura 62 - Sistema muscular III, nanquim sobre canson, 2017................................ 78
Figura 63 - Sistemas esqueléticos e muscular II, nanquim sobre canson, 2017 ....... 79
Figura 64 - As três fases da vida, nanquim sobre canson, 2017 ............................... 79
Figura 65 - Nascimento & Morte I, peça cadavérica conservada em álcool, 2017 .... 80
Figura 66 - Nascimento & Morte II, peça cadavérica conservada em álcool, 2017 ... 80
Figura 67 - O pensador (frente), peça cadavérica conservada em plastinação, 2017 .......................................................................................................................... 80
Figura 68 - O pensador (verso), peça cadavérica conservada em plastinação, 2017 .......................................................................................................................... 81
Figura 69 - Peças cadavéricas conservadas em álcool, 2017................................... 81
Figura 70 - Peças cadavéricas conservadas em glicerina, 2017 ............................... 82
Figura 71 - Peça cadavérica conservada na plastinação, 2017 ................................ 82
Figura 72 - Hall de entrada com exposição montada, 2017 ...................................... 83
Figura 73 - Hall de entrada com painéis expositivos, 2017 ....................................... 83
Figura 74 - Visitantes observando cabeça dissecada, 2017 ..................................... 83
Figura 75 - Visitantes observando peças anatômicas e quadros, 2017 .................... 84
Figura 76 - Cadastro na plataforma digital, 2018 ...................................................... 84
Figura 77 - Escolha do template de design, 2018 ..................................................... 85
Figura 78 - Escolha da página inicial do site, 2018 ................................................... 85
Figura 79 - Realizando a hospedagem do site .......................................................... 85
Figura 80 - Configurando a página inicial .................................................................. 86
Figura 81 - Determinando os ícones do site .............................................................. 86
Figura 82 - Página inicial de desktop ........................................................................ 87
Figura 83 - Conteúdo desktop de arte e anatomistas ................................................ 87
Figura 84 - Página inicial formato mobile .................................................................. 87
Figura 85 - Conteúdo mobile de arte e anatomistas .................................................. 87
Gráfico 1 - O estudo da anatomia humana ............................................................... 92
Gráfico 2 - Grupo de estudo ...................................................................................... 98
Gráfico 3 - Espaço alternativo de aprendizagem ....................................................... 99
Gráfico 4 - Relação Arte x Anatomia ....................................................................... 101
Gráfico 5 - Estudo não-formal ................................................................................. 102
Quadro 1 - Matriz investigativa .................................................................................. 89
Quadro 2 - Cursos e gêneros dos acadêmicos ......................................................... 91
LISTA DE SIGLAS
DCN Diretrizes Curriculares Nacional
MDP Matriz Dialógica Problematizadora
PPP Plano Político Pedagógico
UEPG Universidade Estadual de Ponta Grossa
UTFPR Universidade Tecnológica Federal do Paraná
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................13
2 UM BREVE HISTÓRICO SOBRE A ANATOMIA HUMANA E A ARTE ..............16
3 O ENSINO DA DISCIPLINA DE ANATOMIA HUMANA NOS CURSOS DA ÁREA DA SAÚDE ..................................................................................................60
4 O ESPAÇO NÃO FORMAL PARA O ENSINO ....................................................66
4.1 A RELEVÂNCIA DOS ESPAÇOS NÃO FORMAIS DE ENSINO ......................67
4.2 BENEFÍCIOS E DIFERENÇAS DO ESPAÇO FORMAL, COM ENFOQUE AO ESPAÇO NÃO FORMAL DE ARTE (MUSEU, GALERIA) PARA O ENSINO DA ANATOMIA HUMANA .......................................................................................70
5 A EXPOSIÇÃO DE ARTE PARA O ENSINO NÃO FORMAL DE ANATOMIA HUMANA ................................................................................................................74
6 OS CAMINHOS DA PESQUISA ..........................................................................88
6.1 COLETA DE DADOS E ANÁLISE ....................................................................91
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................105
REFERÊNCIAS .......................................................................................................110
13
1 INTRODUÇÃO
Desde a pré-história o fascínio sobre o corpo humano está presente entre os
homens. Entretanto, somente a partir da antiguidade se observa, disseca e teoriza
sobre o corpo. Aristóteles, Platão, Hipócrates, Cícero, Galeno, Vesalius, Fabricius,
Descartes e Harvey representam aqueles que dedicaram suas vidas a este estudo,
muitas vezes tendo que burlar as leis civis e religiosas para poder aprofundar-se no
conhecimento científico e filosófico.
Sempre ao lado da ciência temos a arte, como meios de produção simbólica
e histórica entre estes mestres da pena e do pincel podemos citar Leonardo da
Vinci, Rafaello de Sanzio, Michelângelo Buonarotti, Tiziano e Rembrandt, que
fizeram importantes contribuições para a compreensão da anatomia humana por
meio da habilidade técnica e de observação, desde o óbvio até o inesperado e
desconhecido.
Vivemos em um mundo rodeado de tecnologia, informação e concreto, uma
vida baseada no trabalho, que não deixa espaço para a reflexão sobre o corpo
humano e os processos que ocorrem diariamente nele, pensando nisto, por que não
utilizar estes espaços de concreto, muitas vezes mal utilizados, para despertar a
curiosidade e desenvolver o conhecimento sobre o próprio corpo, unindo arte,
anatomia e tecnologia para alcançar este desejo do pesquisador.
Durante minha trajetória acadêmica e artística sempre fiquei fascinado pelo
o que havia além da pele, estudando o sistema esquelético, muscular, respiratório,
nervoso, digestivo, urinário, circulatório e tegumentário. Este estudo foi realizado em
peças cadavéricas em laboratório de anatomia, teóricos em atlas, livros, artigos ou
informal com profissionais da área da saúde. Todo o estudo reverteu em
representação gráfica do corpo, seja pelo desenho, pintura ou vídeo arte, com
qualidade técnica e sensível. Estas representações foram expostas em museus e
galerias de arte, e despertaram curiosidades nas pessoas que visitavam, e em sua
grande maioria comentava que não imaginava ver estudos de anatomia em local
destinado a arte, esquecendo que arte e ciência caminham juntas.
Na concepção popular estudo de anatomia é para aqueles que estudam
medicina, e peças cadavéricas são destinadas para laboratórios anatômicos, para
estudos através de dissecações, e a obra de arte deve ter somente a função estética
(paisagens, natureza-morta, retratos, casarios, marinas, entre outras). Neste
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contexto esta dissertação visa criar subsídio para que ocorra uma possível mudança
de concepção cultural em relação a arte e ciência, ou seja, não se apreende
somente anatomia humana em universidades, especificamente em laboratórios de
anatomia humana (espaço formal), e que galerias e museus são espaços destinados
à arte contemplativa.
Para estabelecer os objetivos da pesquisa foram realizadas 20
representações gráficas de anatomia humana, seja por meio de observação da peça
cadavérica, ou estudo de atlas de anatomia humana, utilizando as técnicas de
desenho e pintura, obras que integraram a exposição “Arte & Anatomia”, em um
espaço informal (Hall de entrada de uma universidade particular da cidade de Ponta
Grossa), além das pinturas e desenhos, integravam a exposição peças cadavéricas,
montadas como instalações em caixas de vidro e vídeos arte mostrando o
funcionamento do corpo humano. Portanto, nesta exposição se observou o interesse
do público alvo na relação anatomia humana, arte e autoconhecimento.
Desse modo, foi traçado o objetivo geral e os objetivos específicos, a
questão investigativa, bem como a metodologia para a realização deste estudo, e a
questão investigativa que este estudo buscou responder.
No primeiro capítulo, foi realizado um breve relato histórico da anatomia
humana e sua estreita relação com a arte, quando o homem observava em outro
homem as diversas partes do corpo de que eram formados e os representa, seja de
forma artística ou científica, ficando evidente a busca pelo autoconhecimento.
O segundo capítulo é sobre o processo de ensino-aprendizagem da
disciplina de anatomia humana nos cursos da área da saúde ao longo da história,
especificando no curso de ciências biológicas.
No terceiro capítulo a abordagem recai sobre os espaços não formais para o
ensino, que são reconhecidos por estudiosos em educação, professores e
profissionais em educação como ambiente que podem ser utilizados para ampliar
atividades educativas, as possibilidades que a exposição de arte traz para o ensino
de anatomia humana em galerias e museus de arte e anatomia.
No capítulo 4 “A exposição de arte para o ensino de anatomia humana”,
parte da poética pessoal do artista/pesquisador, de produções de desenhos e
pinturas tendo como temática principal a anatomia humana e, em segundo plano a
cultura e sociedade humana, com a produção audiovisual realizada pelo
pesquisador, foi instaurada uma exposição “Arte e Anatomia Humana”. Esta
15
exposição foi realizada em espaço não institucionalizado como espaço para arte e
ensino - o hall de entrada de uma universidade particular na cidade de Ponta Grossa
no Estado do Paraná.
Foram efetuados registros fotográficos e coletados relatos de experiências
dos “visitantes” (pessoas que passavam diariamente naquele local e não haviam tido
contato com exposição de arte e anatomia). Com estes dados foi possível perceber
a necessidade de expandir a exposição para um meio que independesse do período
de exposição e do espaço (espaço arquitetônico) para existir, com isso surgiu à ideia
de realizar um site, que contenha tanto as informações a respeito da história da
anatomia e sua relação com a arte, como as obras expostas como forma de galeria
virtual, com uma exposição permanente de arte e anatomia humana. Este site
também contém os caminhos percorridos pelo pesquisador para realizar a exposição
física e dicas de como o visitante do site pode organizar uma exposição,
configurando o mesmo, como produto educacional do programa de Mestrado
Profissional.
A análise e coleta dos dados são apresentadas no capítulo 5. Sendo uma
pesquisa qualitativa, a coleta de dados foi realizada por meio de questionário
semiestruturado aplicado aos acadêmicos da área da saúde. A categorização e
discussões dos dados são orientadas pela matriz investigativa problematizadora da
nossa pesquisa.
16
2 UM BREVE HISTÓRICO SOBRE A ANATOMIA HUMANA E A ARTE
Os primeiros anatomistas, cientistas e médicos foram os egípcios (Figura 1).
Figura 1 - Papiro demonstrando tratamento médio no Egito antigo
Fonte: https://ascendingstarseed.wordpress.com
Na medicina, os egípcios eram cirurgiões competentes, o qual pode ser
validado em dois papiros médicos que sobreviveram a esta época, no papiro
podemos notar sensatez, profundidade e ausência de superstição, os egípcios que
compilaram o conhecimento destes papiros não eram só experientes, como também
sábios.
Em um dos papiros, faz-se uma descrição de um homem “com uma ferida aberta na cabeça”, com detalhes que comprovam que o médico tinha observado as membranas que envolvem o cérebro, as circunvoluções cerebrais e o fluido ali existente; evidencia-se também que o autor pensava que o cérebro era o centro controlador do corpo (RONAN, 1987, p. 29).
Outra prática egípcia que deixa claro o conhecimento sobre a anatomia
humana foi o embalsamamento, além da preocupação em preservar o corpo para
esta existência, se preocupavam com a vida material após a morte.
O cérebro, os intestinos e outros órgãos vitais eram retirados e, depois de lavados em vinho, colocados com ervas em canopos. As cavidades do corpo eram preenchidas com perfumes e resinas docemente aromáticas, e o corpo era, então, costurado. A seguir, imergiam-no em salitre por setenta dias e, então, era lavado e envolto em bandagens umedecidas em material viscoso (resina). Finalmente, o corpo era colocado no sarcófago e selado (RONAN, 1987, p. 29).
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Dentro da pirâmide social do antigo Egito não se conhece a posição do
médico, o primeiro registro de um médico que se conhece foi Imhotep, ministro do
faraó Djoser, responsável pela construção da grande pirâmide de degraus, que mais
tarde se tornou o deus da medicina.
Como os egípcios, os mesopotâmios também estão entre os mais antigos
povos a desenvolverem o conhecimento sobre a medicina e a anatomia;
empregavam drogas produzidas por ervas medicinais de forma ampla.
Ronan (1987) nos aponta a evidência de textos e livros de medicina, e que
muitas coisas dependiam da experiência do médico. Os médicos não eram
funcionários da corte, mas viviam dos seus honorários.
A medicina entre os mesopotâmios era fortemente relacionada à crença de
origem divina e a adivinhação. Os babilônios realizavam técnicas de hepatoscopia,
uma forma de adivinhação baseado no exame do fígado de um animal, normalmente
ovelha ou cabra.
A ideia de usar fígados de animais fornece algumas informações a respeito do conhecimento dos babilônios sobre o funcionamento do organismo dos homens e dos animais. Certamente, tinham consciência da importância do sangue: sangue era vida. Se um homem perde sangue, desmaia, se perde demais, morre. O fígado é o órgão do corpo que “contém” maior quantidade de sangue, assim ele se revestia de grande importância (RONAN, 1987, p. 37).
Os mesopotâmios também davam extrema importância aos médicos que
cuidavam dos animais, o exercício da atividade foi destacado pelo "Código de
Hamurabi"1, este prestígio foi devido à utilização de cavalos para diversos fins, como
por exemplo, transporte, máquina de guerra e moeda de escambo.
Na Grécia antiga houve importantes descobertas no campo da medicina e
anatomia. O fundador da medicina grega foi Esculápio, o qual se encontra menção
no texto Ilíada do escritor Homero.
Os conhecimentos teóricos produzidos pelos gregos se desenvolveram
principalmente em suas quatro escolas médicas, a primeira foi a Pitagórica, que
pregava que a saúde se devia a um equilíbrio de forças dentro do corpo; a segunda
1 Código de Hamurabi - O Código de Hamurabi é um conjunto de leis criadas na Mesopotâmia, por volta do século XVIII a.C, pelo rei Hamurabi da primeira dinastia babilônica. O código é baseado na lei de talião, “olho por olho, dente por dente”. As 281 leis foram talhadas numa rocha de diorito de cor escura.
18
escola foi a Siciliana, que enfatizavam a importância do ar, dentro do corpo; a
terceira escola era a jônica, aonde se fizeram algumas dissecações anatômicas; e a
quarta e última escola era centralizada em Abdera, a qual dava grande importância
ao uso medicinal da ginástica e da dieta, um dos membros dessa escola foi
Heródico, suposto mestre de Hipócrates (RONAN, 1987).
As quatro escolas do pensamento médico eram todas primitivas, e no tempo de Hipócrates - fim do século V e primeiras décadas do século IV a.C. -, foram substituídos por dois centros básicos de estudos médicos, um em Cnido e outro em Cós”. (RONAN, 1987, p. 98).
O principal centro de estudo da medicina passou a ser em Cós, o qual
produziu cerca de sessenta textos importantes, que ficaram conhecidos como
“Corpus Hipocraticum”, que datam das últimas décadas do século V a.C., e que
foram reunidos por estudiosos gregos em Alexandria.
Devemos nos lembrar que o conhecimento anatômico era rudimentar,
conhecíamos ossos, mas os textos dos médicos de Cós sobre os órgãos internos
eram superficiais.
Certamente deveriam ter uma ideia aproximada do modo pelo qual o corpo funcionava, se quisessem tratar pacientes de modo sistemático; assim formularam a doutrina dos “humores”, eu líquidos, ideia que não era nova, mas a que eles deram uma base racional. Originariamente, como resultado de observações, não havia dúvida de que os corpos humano e animal continham vários fluidos, como o sangue e a bílis, que eram, obviamente, elementos importantes. De fato, algumas condições são acompanhadas de secreção de líquidos” (RONAN, 1987, p. 98).
Hipócrates (figura 02), além do conhecimento que desenvolveu na área da
medicina, também escrevia sobre ciência de forma ampla. É de autoria de
Hipócrates a frase “O médico deve estar pronto não somente para executar sua
missão, mas também para se assegurar da cooperação do paciente, dos atendentes
e dos acompanhantes”.
19
Figura 2 - Busto em mármore de Hipócrates, autor desconhecido
Fonte: https://www.pensador.com
Para aqueles que se formam em medicina, realizam o “Juramento de
Hipócrates”, que é usado como parâmetro para a conduta pessoal do médico, que
tem como ênfase o dever profissional de saúde em trabalhar em benefício dos
pacientes e à inviolabilidade da confidência entre paciente e médico.
Segundo Ronan (1987) aonde encontramos a primeira evidência no ocidente
na medicina como ciência é com Hipócrates e seus sucessores; Hipócrates foi o
criador dos registros médicos no ocidente, mas infelizmente seu exemplo não foi
seguido até o século IX d. C. no mundo mulçumano, foi somente no iniciado no
século XVI na Europa.
No século IV a. C. na Grécia, surge um grande filósofo, Aristóteles (figura
03), que realizou pesquisas nas áreas de anatomia animal a anatomia humana e a
função dos órgãos no corpo.
Seus estudos eram, em grande parte comparativos, como se poderia esperar de um homem cujo trabalho estava orientado para a zoologia; sem dúvidas ele era bom quanto aos animais e medíocre quando se tratava dos homens. Também errou a respeito das funções do cérebro e do coração, já que acreditava que o primeiro era um órgão destinado a resfriar o sangue e o último, o centro da consciência (RONAN, 1987, p. 114).
Aristóteles aceitou a equivocada teoria de Hipócrates dos “humores”, e
relacionou esta teoria as funções do corpo; enquanto realizava excelentes
realizações no campo da zoologia, no campo da anatomia humana realizou vários
equívocos.
20
Figura 3 - Escultura em bronze de Aristóteles, de Cipri Adolf Bermann, 1915
Fonte: http://viajaredescobrir.blogspot.com.br/2014/01/aristoteles.html
A Grécia perde sua independência em 338 a. C., com a conquista
macedônica, dois anos depois, Filipe da Macedônia é assassinado, e seu filho
Alexandre (figura 04), que foi aluno de Aristóteles, tornou-se imperador; Alexandre
conquistou um extenso território, que foi das praias ocidentais do Mediterrâneo até o
Indo, e do Egito e Babilônia até o Caspio.
Figura 4 - Busto em mármore do imperador Alexandre Magno, autor desconhecido
Fonte: https://www.pensador.com/frase/NTQ5NDQ
Com a morte de Alexandre em 323 a. C., o império se dividiu em três
regiões, uma das regiões, o Egito, foi dado a Ptolomeu I Sóter, que iniciou a dinastia
ptolemaica. Ptolomeu construiu um museu e uma biblioteca em Alexandria, era o
local de estudos avançados da cultura helenística, devido a isso atraiu pensadores
21
como Euclides e Arquimedes, por 700 anos a biblioteca e o museu atraiu filósofos,
matemáticos, astrônomos, artistas e médicos.
No início do século III a. C., o médico Herófilo fundou uma notável escola de
medicina no museu de Alexandria; a dissecação do corpo humano não encontrava a
desaprovação que recebia em outras cidades gregas, essa era uma grande
vantagem para a pesquisa médica, da qual Herófilo tirou muitos benefícios.
Herófilo baseou sua teoria e sua prática médica nos quatro humores, mas foi em anatomia que fez seu melhor trabalho, investigando o cérebro, o sistema nervoso, o sistema de veias e artérias (ele fez distinção entre as duas), os órgãos genitais e o olho, Identificou corretamente o cérebro, e não o coração, como o centro do sistema nervoso, e descobriu os nervos, do cérebro até a coluna vertebral, embora tenha escrito também sobre a rete mirabile (rede maravilhosa), um complexo de nervos e vasos sanguíneos que existe nos animais, mas não no homem (RONAN, 1987, p. 114).
O médico Erasístrato foi discípulo de Herófilo em Alexandria, escreveu um
grande número de livros, que tratam não apenas de anatomia humana, mas também
do abdômen, febres, gota, hidropisia e vômito de sangue, e sobre a higiene; realizou
autópsias para estudar as causas da morte.
As pesquisas metabólicas de Erasístrato conduziram-no a sugerir que todas as partes do corpo das criaturas vivas eram um tecido composto de veias, artérias e nervos, realizações assombrosas nos dias anteriores à invenção do microscópio. Ele também abandonou a errada suposição de que a digestão era uma forma de cozimento ou fermentação, e descreveu a ação dos músculos do estômago; além disso, mostrou como a laringe se fecha durante a deglutição e provou, assim, que era impossível aos líquidos entrar nos pulmões (RONAN, 1987, p. 123).
Herófilo e Erasístrato lançaram os fundamentos da anatomia e da fisiologia
para o mundo ocidental. Desastres ocorreram sobre o museu nos séculos III e V d.
C., teve sua total destruição no século VII d. C.; o conhecimento que se perdurou da
biblioteca de Alexandria em grande parte foi por causa do cirurgião grego Galeno
(figura 05 e figura 06), que viveu em Pérgamo, no século II d.C., que visitava
Alexandria e registrava muitas das realizações da escola de medicina.
22
Figura 5 - Retrato de Galeno de Pergamo
Fonte: https://scientificusblogpt.wordpress.com/2018/01/04/galeno-de-pergamo
A filosofia anatômica de Galeno era descritiva e de cunho filosófico estoico, de modo que o “príncipe dos médicos” procurou justificar a forma e a estrutura de todos os órgãos em relação às funções para as quais ele acreditava que fossem destinados (TALAMONI, 2014, p. 25).
A influência deste estudioso e suas ideias perduraram por muitos anos,
estendendo-se, através da medicina árabe, e pela Idade Média até o século XVIII.
Figura 6 - Galeno abrindo a ferida de um soldado
Fonte: https://psiquiatriaonlinebr.files.wordpress.com/2015/06/galeno.jpg
Na Idade Média, a dissecação de cadáveres era condicionada pelo
cristianismo e pela lei islâmica (figura 07) e a representação do corpo humano, era
somente liberada as imagens diagramáticas com intenção didática.
23
Figura 7 - Ilustração anatômica. Mansur ibn Muhammad ibn Ahmad ibn Yusuf ibn Ilyas (fl. ca. 1390)
Fonte: https://cienciasmorfologicas.webnode.pt/introdu%C3%A7%C3%A3o%20a%20anatomia/historia
-da-anatomia/
No século XIV, enquanto as dissecações tornavam-se cada vez mais
comuns no âmbito acadêmico italiano, um decreto ordenou ao Colégio de Médicos e
Cirurgiões de Veneza que efetuasse pelo menos uma dissecação pública por ano.
(TALAMONI, 2014).
No Ocidente Medieval, a representação do corpo era realizada por meio de
figuras planas e esquemáticas, representadas através de perfis de três quartos e
direções oblíquas do torso ou dos membros. Na medicina, tais concepções
assumiam a forma de manequins, anatômicos e cirúrgicos, que geralmente eram
usados no ensino da anatomia e da cirurgia.
Um grande incentivador da anatomia, no século XIV, Mondino de Luzzi
(figura 08), professor de anatomia em Bolonha, escreveu o livro Anathomia, no ano
de 1316. Essa obra era um manual de dissecação sem imagens, fundamentada nos
escritos dos anotadores e tradutores árabes de Galeno, e se destinava para os
estudantes.
24
Figura 8 - Post Mortem Examination - Mondino de Cuzzi in Bologna in 1318, canvas by Ernest Bond (ca 1890)
Fonte: http://medicalantiques.jalbum.net/ANATOMY
No livro, Mondino, estudava de forma separada as distintas partes do corpo,
introduzindo pequenas correções à anatomia galênica justificadas pela sua
experiência.
A primeira publicação com cunho médico ilustrada foi o Fasciculus medicinæ
de Johannes de Ketham (figura 09), que teve sua publicação em Veneza no ano de
1491. Tal obra embora tenha sido muito divulgada neste período, ela não contribuiu
muito para o conhecimento da anatomia, pois, era uma obra fundamentada em
noções incipientes (figura 10).
25
Figura 9 - Early Dissection - the first ilustrated medical procedure, dissection from “Fasciculus Medicinae” by Johannes de Ketham (1493)
Fonte: http://medicalantiques.jalbum.net/ANATOMY
Figura 10 - The Fasciculus Medicinae of Johannes De Ketham Alemanus
Fonte: https://www.heldfond.com/pages/books/7304/johannes-de-ketham/the-fasciculus-medicinae-of-johannes-de-ketham-alemanus
No entanto, refletia uma das ilustrações mais expressadas na literatura
médica (figura 11), que era o cenário da sala de dissecações de Mondino, na
Bolonha, onde o professor se encontrava sentado diante do cadáver que estava
sendo dissecado possivelmente por um cirurgião-barbeiro.
26
Figura 11 - Title page of Anathomia Corporis Humanis by Mondino de Luzzi
Fonte: https://www.clinanat.com/mtd/548-mondino-de-luzzi
No renascimento, os artistas podiam reproduzir a natureza como ela se
apresentava, no entanto, eles tinham de ter conhecimento, a princípio, de como elas
eram e, posteriormente, como elas poderiam ser reproduzidas. Nesse sentido a
teoria da arte do Renascimento representava duas questões distintas, a material e a
formal ou representacional. Desse modo, o artista fornecia informação científica
sobre os fenômenos naturais em si: acerca da estrutura e função do corpo humano,
da expressão das emoções humanas, das características das plantas e dos animais,
da ação da luz e da atmosfera sobre os corpos sólidos, etc.
Por outro lado, ele tinha de desenvolver um processo científico a perspectiva renascentista através do qual a totalidade destes fenômenos […] pudesse ser corretamente representada, ou de preferência reconstruída, numa superfície bidimensional (PANOFSKY, 1943, p.244).
Para o artista na fase do Renascimento, a imagem não representava um
simples traçado, como era feito na Idade Média, mas uma transparência que refletia
a realidade exterior das coisas e dos seres, tanto o seu interior e oscilação, num
retrocesso ao classicismo:
Os artistas que pesquisavam a realidade do corpo humano e do seu movimento tinham encontrado os cânones da Grécia clássica - as proporções matemáticas do corpo, codificadas pelo arquitecto romano Vitrúvio - idealizando a beleza plástica dos atletas e dos deuses (LEMIRE, 1993, p. 702).
27
Com a mudança de pensamento e com isso de suas crenças, os artistas
renascentistas deixavam de lado o pensamento medieval que tudo acontecia devido
à vontade de um deus católico, para a busca do conhecimento científico, de como e
o porquê as coisas ocorriam.
Retomando o conhecimento greco-romano, Leonardo da Vinci preocupado
com a representação gráfica do corpo humano, buscou no conhecimento
desenvolvido por Vitrúvio a sua representação da proporção perfeita, no seu
desenho “O Homem Vitruviano” (Figura 12).
Figura 12 - Vitruvian Man - Pen, ink, watercolour and metalpoint on paper, 1492
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
Leonardo da Vinci (figura 13) se interessou pelas dimensões do corpo como
sendo uma combinação biológica e anatômica que se referia à parte interna do
corpo humano, visibilizando propriedades jamais observadas com esse empenho e
amplitude (figuras 14, 15, 16 e 17).
28
Figura 13 - Self-portrait, red chalk on paper, 1512
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
Figura 14 - Muscle of the Arm, sketch (ca 1500)
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
Figura 15 - Studies of human skull, black pen, ink and black chalk on paper, 1489
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
29
Figura 16 - Anatomical Studies, (ca 1500)
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
Figura 17 - Studies of the sexual act and male sexual organ, pen and ink on paper, 1492
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
No entanto atenta-se para o fato de que suas anotações não se referem
somente a um apontamento a respeito apenas da arte ou somente referente a
dimensões humanas, mas compreendiam também estudos de fisiologia humana,
considerando da embriologia (figura 18) às dimensões dos ossos (figura 19),
investigando nervos e vasos sanguíneos (figura 20) e analisando os movimentos
(figura 21).
30
Figura 18 - Studies of embryos, black and red chalk, pen and ink wash on paper, 1509-14
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
Figura 19 - Skeletal Siystem, sketch by Leonardo da Vinci (ca 1500)
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
31
Figura 20 - Heart and its Blood Vessels (ac 1500)
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
Figura 21 - Studies of legs of man and the leg of a horse, pen, ink, red chalk on red prepared paper, 1506-07
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
Leonardo decompôs o corpo e analisou cada detalhe anatômico, dissecando-o e representando-o. Ao dissecar o ombro, desenhava-o em tamanho ampliado retratando os nervos isoladamente. Porém, a representação definitiva não seria a da musculatura isoladamente, mas a dos músculos, ossos, nervos e vasos em conjunto. Trinta anos mais tarde Vesalius concebeu a dissecação do corpo, decompondo-o em partes, agora observadas enquanto peças. È certo que os desenhos de Leonardo inspiraram a elaboração da obra (CHEREM, 2005, p. 82).
No Renascimento, a intenção dos artistas não era simplesmente tomar
conhecimento da parte exterior dos acontecimentos e das criaturas, mas, cintilar seu
32
interior, ao “esqueleto básico ou armadura que determina a “essência” das coisas”,
pois assim eles podiam representar de forma convincente um universo variado e
dinâmico. Como observa Francisco de Holanda:
E lembremos que a figura que ao natural tirardes em retrato para fazerdes de fantasia, que debaixo do vestido há de ter carne, e debaixo da carne metidos a intersecção dos ossos, porque aqui cometem grandes ignorâncias os ignorantes (HOLANDA, 1549, p.36).
Essa ideia fez com que artistas renascentistas como Michelangelo
Buonarotti e Leonardo da Vinci, utilizassem o procedimento da dissecação. No
decorrer da sua vida, Leonardo da Vinci dissecou cadáveres, escrevendo sobre
anatomia:
As anotações anatômicas começaram a surgir no final de 1480 entre os estudos dos rostos e das poses que ele fez para a Última Ceia em Milão, crescendo positivamente em número e complexidade até à sua morte. De fato, Leonardo queria ir para além dos limites da análise material e adquirir uma compreensão global de todas as facetas do universo (CLAYTON, 1992, p.15).
Foi por meio da observação e da dissecação da anatomia humana (figura 22
e figura 23), Leonardo da Vinci produziu as suas mais belas obras, como a Santa
Ceia (figura 24), um mural para o convento de Santa Maria da Graça em Milão.
33
Figura 22 - Male head in profile with proportions, c. 1490
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
Figura 23 - Various figure studies
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
34
Figura 24 - The Last Supper, 1498
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
Além dos desenhos e pinturas, as invenções de Leonardo da Vinci
representavam “sonhos tecnológicos” (figura 25 e figura 26), e mostravam “total
confiança nas possibilidades inéditas oferecidas ao homem pela técnica (voar como
os pássaros, viver debaixo de água como os peixes)”, com reflexões para “o
entusiasmo e a expectativa de toda uma época marcada por descobertas exaltantes
e pelo contínuo alargamento dos horizontes geográficos” (GALLUZZI, 1995, p.47).
Figura 25 - Automobile, 1478-80
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
35
Figura 26 - Siege Defenses, 1480-82
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
Neste período Alberti e Leonardo decidiram,
Encarar a própria natureza e aproximaram-se do corpo humano vivo com compasso e régua. Ao definirem tridimensionalmente a figura humana normal na sua articulação orgânica, elevaram a teoria das proporções ao nível de uma ciência empírica. Estes dois “modernos” divergiam porém, dentro de um aspecto relevante: Alberti buscava atingir o objetivo comum através do aperfeiçoamento do método; Leonardo, pela expansão e elaboração do material (PANOFSKY, 1943, p.64).
Após o auxílio e a supervisão de Marco Antonio della Torre, um colecionador
de anatomia em Pádua, Leonardo voltou a ter contato com ele em Pávia, quando os
dois conviveram na corte dos Visconti. Em seguida, Da Vinci teve oportunidade de
examinar a composição do organismo durante a dissecação de cadáveres.
Assim ele pode elaborar esquemas considerados perfeitos, das veias e artérias, ramificações do aparelho respiratório, estômago, intestinos, esqueleto, músculos e tendões, ao mesmo tempo em que cometia alguns enganos como o caso da placenta de vaca representada no lugar de uma humana, pois da Vinci nunca havia dissecado uma mulher (AMORIM, 1973, p. 69).
Observe na figura 27 um dos estudos anatômicos realizados por Leonardo
da Vinci por meio de uma dissecação.
36
Figura 27 - Anatomical studies of the shoulder, black chalk, pen and ink on paper, 1510-11
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
Apesar do brilhantismo do trabalho de anatomia de Leonardo da Vinci, sua
obra ficou desaparecida vários séculos. Após a morte do
artista/anatomista/engenheiro, em 1519, todos os desenhos e textos que ele havia
produzido foram herdados por seu aluno Francesco Melzi, que os manteve sobre
sua guarda até 1570. A partir daí os caminhos percorridos pelos diversos cadernos
de Leonardo, especialmente de seus estudos anatômicos, são pouco conhecidos.
Em 1690, há evidências de que eles já estavam na Biblioteca Real de Windsor,
Inglaterra, como parte da Coleção Real (VICENTINO, 2014).
O primeiro esforço para trazer os desenhos anatômicos e textos para
conhecimento público ocorreu em 1898 com a publicação de alguns deles por
Theodore Sabachnikoff, mais orientado para a curiosidade dos leitores, por ser uma
novidade, não tendo importância o estudo anatômico. Somente no século passado,
houve um emprego adequado para organizar os desenhos e traduzir os textos, o
que resultou na edição de O'Malley e livro Saunders (CHEREM, 2005).
Trinta anos mais tarde dos estudos de Leonardo da Vinci, Vesalius fez a
dissecação de corpos, observando parte por parte. Os desenhos de Leonardo
inspiraram a elaboração da obra “De humani corporis fabrica libri septem”, mas
agora o interesse artístico transformava-se em interesse científico.
37
Precursor da influência da arte renascentista italiana sobre a Anatomia, Leonardo, que utilizou pela primeira vez o termo “demonstração”, foi considerado um dos maiores anatomistas de todos os tempos. Suas descobertas eram originais para a época, mas pouco contribuíram com o estágio mais avançado da disciplina anatômica [...] (TALAMONI, 2014, p. 40).
Do ponto de vista prático, a obra de Leonardo da Vinci contribuiu muito
pouco para o desenvolvimento da anatomia, contrariamente com o que sucedeu
com os trabalhos de Vesalius, que iriam surgir poucos anos mais tarde.
Tal fato se explica, devido à maneira de trabalhar de da Vinci, essa teria sido
a razão principal pela qual o valor de suas observações isoladas e toda a força de
intuição de que era capaz não terem dado os frutos que normalmente seria lícito
esperar. (AMORIM, 2013).
Foi o primeiro a fazer um molde de cera do interior de um crânio e a pensar em utilizar modelos de vidro ou cerâmica a fim de mostrar o funcionamento do globo ocular e do coração. Foi o primeiro a desenhar um útero aberto com o embrião dentro, embora o processo de placentação fosse de uma vaca (CITINO, 1998).
A profundidade dos textos explicativos que acompanham os desenhos
coloca Leonardo como autêntico Homem Novo, o símbolo do Renascimento, talvez
demasiadamente genial para ser compreendido pelos seus contemporâneos.
(AMORIM, 2013)
Fora que seus treze volumes foram escritos da direita para a esquerda o que parecia um código indecifrável, porém, como a letra boa e clara, se lia com facilidade por meio de um espelho. É provável que da Vinci não quisesse que todos lessem seus escritos (CITINO, 1998).
É relevante considerar a separação entre os artistas e os anatomistas até a
época de Vesalius.
A partir da primeira metade do século XV, nas mãos de artistas como
Masaccio (figura 28), Donatello (figura 29), Pollaiuolo (figura 30), Verrocchio (figura
31), Michelangelo (figura 32) e Raffaello (figura 33), e artistas teóricos como Alberti e
Leonardo, entre muitos outros, a arte europeia tomou a direção do naturalismo.
38
Figura 28 - A expulsão do paraíso, Fresco, 1426-27
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
Figura 29 - Judith e Holofernes, escultura em bronze, 1455-60
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
39
Figura 30 - Hercules and the hydra, tempera on wood, 1475
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
Figura 31 - Madonna whith Sts John the Batist and Donatus, tempera on wood, 1475-83
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
40
Figura 32 - Tomb of Giuliano de Medici (detail), marble, 1526-33
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
Figura 33 - Portrait of Julius II, oil on wood, 1511-12
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
41
Para obedecer a um padrão cultural que passou a ser valorizado, e para sintonizar-se com um novo tipo de sensibilidade, barroca, para a qual os limites entre o belo e o grotesco, o agradável e o repugnante tornaram-se imprecisos e maleáveis, a aristocracia anglo-saxônica logo tratou de providenciar seus próprios anfiteatros, que proliferaram ao longo dos séculos XV e XVI. Nos teatros anatômicos particulares eram realizadas sessões privadas de dissecação para um número restrito de “convidados” (TALAMONI, 2014, p. 45).
Sendo então o homem o centro de todas as perguntas, ou ao menos das
perguntas mais importantes, a descrição do corpo humano tomou a posição central
nessa busca.
A intersecção dos respectivos saberes e práticas fraseiam ao nível da
representação médico-anatômica. Os desenhos eram realizados pelos artistas,
médicos, artistas contratados pelos médicos, pelos médicos habilitados como
artistas ou por artistas que no futuro passaram a ser médicos.
Essa disposição das pessoas e do cadáver no momento do ensino juntamente com os instrumentos de dissecação, cada qual com seu lugar específico a ocupar, e com um papel a desempenhar, consagraram o ritual da aula de Anatomia em um espaço peculiar, denominado “estúdio anatômico” - os atuais “laboratórios de Anatomia” (PANOFSKY, 1943, p.66).
Os artistas buscavam a proporção, da beleza perfeita que admitisse
aproximar o mundo dos homens com o universo dos deuses.
Com o advento da modernidade e com a necessária organização das instâncias científicas, as dissecações, enquanto práticas culturais deixaram sua esfera mais ampla para restringirem-se à subcultura científica, aos laboratórios de Anatomia, às aulas práticas de cirurgia e aos museus universitários. Nesses casos, o cadáver passou a ser um objeto anônimo de ensino. É com esse objeto anatômico-científico, dotado de uma história que a Anatomia tenta permanentemente exorcizar, que se deparam professores e estudantes de Anatomia na atualidade (OLIVEIRA, 1981, p. 83).
Distinguindo indícios e síndromes, as artes visuais, bem como a medicina,
lembram a maneira intraduzível e incomunicável, intocável e inatingível da dor. Para
o paciente expor a dor, não é simplesmente falar dela, mas interpretar o que se está
sentindo.
42
Dentre os feitos anatômicos que podem ser pontuados no século XV, por exemplo, destacou-se a postura observadora de Leonardo da Vinci, que proporcionou a realização de ilustrações acuradas acerca do corpo humano que foram, de certa forma, expressões antecipadas do movimento renascentista do século XVI sob a tendência naturalista (que se estabeleceu a partir do final no século XIII) (TALAMONI, 2014, p. 36).
Sob o enfoque da medicina é impraticável impetrar a dor, porque embora
apresente as anamneses completas e os exames clínicos ou complementares de
alta tecnologia ou ainda as técnicas cirúrgicas mais inequívocas, uma vez que o
local simulado pela enfermidade é bem localizado, existe uma probabilidade do
resíduo que não evidencia o que seja da ordem da experiência e da sensibilidade
dolorosa.
No século XIV e até meados do século XVI o estudo da anatomia nas universidades era feito a partir da leitura de um texto pelo docente desta disciplina para acadêmicos da área de saúde, no geral era utilizado, o pequeno e prático Anathomia de Mondino dei Liucci, seguido no século XVI por textos de Galeno, enquanto um assistente, usualmente um cirurgião iletrado, mostrava junto do cadáver as estruturas descritas nesse texto (KICKHOFEL, 2003, p. 391).
As necropsias objetivavam conduzir o treinamento dos alunos de medicina,
mas essa prática era apenas instrutiva e não investigativa.
Nos estudos de KickhofeI (2003) encontra-se um comentário de Saunders e
O’Malley sobre a necropsia dessa época, “ver um professor descer de sua cátedra
acadêmica para dissecar e fazer demonstrações pessoais no cadáver era algo
totalmente inusitado na época” (KICKHOFEL, 2003, p.391).
Nesse momento da história da humanidade a anatomia era entendida como
o principal objetivo dos cuidados dos médicos, apesar deles dissecarem cada nervo
para conseguir esse intento, a anatomia passou a extinguir-se quando os esses
médicos, incumbindo esses atos a outros indivíduos, a estragaram.
Do século XIII ao início do século XVI, os avanços no conhecimento anatômico foram paulatinos, baseados na contínua revisão e ampliação de tratados preexistentes. A Anatomia Macroscópica foi privilegiada nesse período, mas para seu desenvolvimento foi necessário o aprimoramento das técnicas de observação, de dissecação, de descrição, de ilustração e o gradual refinamento terminológico (TALAMONI, 2014, p.32).
43
A necropsia para os médicos servia apenas para estudar os cuidados com
as doenças internas, assim, para eles, era interessante apenas conhecer as
vísceras, negligenciando a disposição dos ossos e músculos, e dos nervos, veias,
artérias que acontecem através dos ossos e músculos, não tinha relevância.
Desse modo, quando as necropsias passaram a ser realizadas pelos
cirurgiões-barbeiros, os médicos perderam o real conhecimento das vísceras, dando
fim à dissecção, porque os médicos passaram a não realizar esse ato, sendo
delegada somente a aqueles que aprenderam a técnica manual, pessoas que não
tinham capacidade de interpretar os escritos dos professores de anatomia.
A obra de Vesalius foi à síntese de um movimento histórico-cultural mais amplo que permeou a Europa renascentista. O fio que conduziu sua construção, assim como ela se mostrou, foi engendrado por uma visão global do corpo, o microcosmo que existia em consonância com o macrocosmo, segundo a revolução copernicana (TALAMONI, 2014, p.33).
Andreas Vesalius (figura 34) é um nome que muito contribuiu para a
anatomia moderna. Vesalius, assim como outros estudiosos da época, observou e
descreveu o corpo humano.
Figura 34- Self portrait from “De humani corporis fabrica libri septem” by Vesalius, 1543
Fonte: http://medicalantiques.jalbum.net/ANATOMY
44
A anatomia vesaliana (figura 35) prevaleceu desde o século XVI até o
surgimento da morfologia anátomo-comparativa, posterior ao século XVIII, o que não
foi óbice para ambos os critérios, o funcional e o arquitetural.
Figura 35 - De Humani Corporis – title page of “Humani Corporis” by Andreas Vesalius, 1543
Fonte: http://medicalantiques.jalbum.net/ANATOMY
Na história da Anatomia, o século XVI mostra-se de grande relevo em razão da obra do anatomista Andreas Vesalius (1514-1564). No cenário italiano, Vesalius revelou-se um ferrenho defensor da técnica da dissecação, que considerava como a única forma de se conhecer realmente o corpo humano. O intuito de sua obra era, a partir da dissecação sistemática de cadáveres, abandonar o caráter “revisionista” que prevalecia nas investigações anatômicas (TALAMONI, 2014, p.34).
45
A relevância da anatomia é lembrada por Vesalius devido ao seu íntimo
estudo de anatomia (figura 36 e figura 37) osteo-mio-articular2 que se empenhava
para entender mais atentamente a patofisiologia das suas propriedades.
Figura 36 - Muscle man from “De humani corporis fabrica libri septem” by Andreas Vesalius, 1543
Fonte: http://medicalantiques.jalbum.net/ANATOMY
Figura 37- Skeletal Anatomy from “De humani corporis fabrica libri septem” by Andreas Vesalius, 1543
Fonte: http://medicalantiques.jalbum.net/ANATOMY
Ao mesmo tempo que Vesalius se dedicava à pesquisa científica sobre o corpo humano ele dissecava animais, retomando a prática da Anatomia Comparada, cuja tradição remontava a Galeno. No entanto, em uma perspectiva nova na trajetória anatômica, a dissecação de animais realizada por Vesalius não objetivava a compreensão da anatomia humana e sim a sua paulatina distinção, permitindo-lhe identificar e corrigir inúmeros equívocos presentes nas obras de Galeno (TALAMONI, 2014, p.35).
2 Sistema osteo-mio-articular: é o responsável pela movimentação e sustentação de nosso corpo.
46
Michelangelo Buonarroti foi outro artista que também contribuiu para a
história da anatomia (figura 38). Vem dele as teorias de que o que é verdadeiro,
pode não ser visto.
Figura 38 - Various Studies, de Michelangelo Buonarroti, pen and brown ink, 1501-02
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
Michelangelo passou vinte anos em busca de conhecimentos por meio de
dissecações anatômicas, realizadas por ele, sobretudo no Convento do Espírito
Santo, na cidade de Florença, ele dissecou e registrou por meio de desenhos,
buscou capturar a realidade em suas produções artísticas, como em sua escultura
David (figura 39), uma obra-prima da anatomia humana.
47
Figura 39 - David, marble, 1504
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
Na escultura de Moisés (figura 40), concluída em 1515, Michelangelo
fornece a estrutura de uma perna dissecada, no teto da Capela Sistina (figura 41)
ele representa passagens bíblicas em grandes proporções, mas todos os
personagens estão anatomicamente corretos (VICENTINO, 2014).
Figura 40 - Moisés, marble, 1515
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
49
Michelangelo lembra a importância de um exame mais minucioso para a
compreensão das coisas (Figura 42), porque de uma proeminência sem grande
relevância pode ser uma contribuição expressiva para esclarecer clinicamente o
mecanismo e funcionamento do corpo, o qual também é o pensamento dos
anatomistas Vesalius e Harvey.
Figura 42 - Various Studies, de Michelangelo Buonarroti, black chalk on brown paper, 1534-36
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
Muitos artistas tiveram o contato com a dissecação, mesmo não atuando
como médicos,
Dürer, Leonardo e Berrettini, estudaram anatomia, mas fora do contexto médico; os irmãos escoceses John Bell e Charles Bell receberam treino como artistas antes de se tornarem cirurgiões; o anatomista francês Jules Cloquet, já no século XIX, aprendeu arte antes de se tornar médico; e William Hunter, obstetra e anatomista, também se dedicou ao ensino de anatomia a artistas (PANOFSKY, 1943, p.65).
Por volta de 1600, à dissecação cirúrgica de cadáveres na Holanda havia se
tornado oficial, embora não frequente, com procedimentos fixos controlados pela
corporação. Era proibido fazer uma dissecação, em público ou privado, sem a
permissão da guilda, e o cadáver tinha que ser de um criminoso executado. A única
dissecção que se sabe ter ocorrido foi em Amsterdã em 31 de janeiro de1632,
quando o criminoso Adriaen Adriaensz foi executado. O Dr. Nicolaes Tulp foi o
principal anatomista e conferencista da Associação de Cirurgiões de Amsterdã de
1629 a 1653.
50
Entre os séculos XVII e XVIII, anatomistas e artistas começaram a servir-se
de elementos imaginativos de ilustração científica. O valor real da anatomia foi
comprometido por metáforas visuais, paisagens fantásticas e poses. (SANTOS,
2014).
Um dos artistas que acabou se “perdendo” do realismo para uma
representação de poses que não retratava corretamente o posicionamento da parte
dissecada foi Rembrandt van Rijn, um pintor holandês, retratista do século XVII, o
qual recebe a encomenda de pintar um grupo de sete pessoas observando seu
professor Dr. Nicolaes Tulp em uma de suas aulas de anatomia Humana, a obra “A
lição de anatomia do Dr. Nicolaes Tulp” de 1632 (figura 43), demostra a rapidez com
que ele superou a técnica suave dos retratistas da moda de Amsterdã, o retrato do
grupo de Tulp, apontado como 'praelector anatomiae' da guilda de cirurgiões de
Amsterdã.
O cadáver é o foco da composição, por seu brilho intenso, o olho do
espectador é levado para as cabeças iluminadas dos ouvintes, cujas expressões e
atitudes refletem diferentes graus de atenção, e para o rosto e as mãos do Dr.
Nicolaes Tulp (figura 44), que é uma representação mais convincente de um
pesquisador absorvido em seu assunto. (GOMBRICH, 1959).
Figura 43 - The anatomy lecture of Nicolaes Tulp, Oil on canvas, 1632
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
51
Figura 44 - The anatomy lecture of Nicolaes Tulp, Oil on canvas (detail), 1632
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
Na figura 45 observa-se o Dr. Tulp com uma pinça na mão direita, segura os
músculos e tendões do braço que controlam o movimento da mão (figura 45),
enquanto os dedos curvos da mão esquerda demonstram um aspecto de sua ação
maravilhosa, o ilusionismo é reforçado pela caracterização vívida dos indivíduos,
bem como pelo grande poder do artista em dramatizar o momento, sem o forte
chiaroscuro (contraste de claro e escuro) e a fina qualidade atmosférica combinada
com ele, a imagem perderia sua intensidade, a qualidade escultural das formas e
toda dramaticidade do instante.
Figura 45 - The anatomy lecture of Nicolaes Tulp, Oil on canvas (detail), 1632
Fonte: https://www.wga.hu/index1.html
52
No geral, os livros de anatomia direcionados aos médicos eram feitos com a
coparticipação de artistas e médicos. Jacques Gamelin (figura 46 e figura 47) ou
Gautier d’Agoty (figuras 48 e 50). Estes artistas lançaram livros excepcionais sobre
anatomia, onde o seu fundo anatômico passou para segundo plano em decorrência
do seu teor artístico.
Figura 46 - Kneeling Skeleton, from “Nouveau recueil d´osteologie et de myologie” by Jacques Gamelin, 1779
Fonte: http://medicalantiques.jalbum.net/ANATOMY
53
Figura 47 - llustrator´s Lounge, from “Nouveau recueil d´osteologie et de myologie” by Jacques Gamelin, 1779
Fonte: http://medicalantiques.jalbum.net/ANATOMY
Figura 48 - Muscular anatomy, from “Anatomie de la tete en tableaux”, by Jacques Gautier DÁgoty, 1748
Fonte: http://medicalantiques.jalbum.net/ANATOMY
54
Figura 49 - The flayed angel, from “Mytologie complete en colour et grandeur naturelle compose de l´essai”, by Jacques Gautier D´Agoty, 1746
Fonte: http://medicalantiques.jalbum.net/ANATOMY
Sobre os livros de anatomia Panofsky (1943) observa que:
As ilustrações dos livros de anatomia desenvolveram uma categoria especial de imagens que se manteve até ao século XIX visando integrar as múltiplas dimensões simbólicas do ser morto e dissecado, desde a sua condição física à sua condição moral. O morto era frequentemente representado não como uma figura inanimada mas como a personificação da nossa forma de vida e do destino, em imagens ricas tanto do ponto de vista científico como artístico (PANOFSKY, 1943, p.67).
Os melhores livros de anatomia eram destinados para médicos e cirurgiões,
e também para um público específico que tinha aptidões culturais, ou seja, artistas,
intelectuais e colecionadores, que se interessavam pelo conteúdo científico e
também pela estética e pelo grafismo delicado das divulgações.
A sensibilidade anatômica encorajou não só a proliferação dos teatros anatômicos particulares como também as práticas de se colecionar órgãos e esqueletos humanos. As imagens mórbidas da carne apontadas pela dissecação ampliaram os limites do que se poderia “ver”, e casos de malformação física, mutilações e exposição de corpos putrefatos passaram a ser alvo de curiosidade e audiência semelhantes (TALAMONI, 2014, p. 46).
O cadáver foi concebido em posições vivas, em uma representação onde a
alegoria paisagística era parte integrante, a imagem da Arcádia, o paraíso terrestre.
55
Desse modo, a utilização paisagística no fundo era destinada não apenas
para a criação fictícia da realidade, mas também, como perspectiva de imagens
anatômicas, e para chamar um assunto clássico que servia de inspiração para
diversos artistas do Renascimento à atualidade.
A anatomia no século XVIII era ensinada aos artistas por meio de cursos
realizados por médicos ou por livros de anatomia, no geral através dos escritos
feitos pelos médicos. O cruzamento dos relativos saberes e práticas se faziam ao
nível da representação médico-anatômica. As ilustrações eram feitas por artistas,
por médicos, por artistas contratados por médicos, por médicos treinados como
artistas ou por artistas que posteriormente se tornaram médicos.
A Anatomia Descritiva Macroscópica foi “esgotando-se” ao longo do século XVIII (Coleman, 1977). Exemplo disso é que, dentre os grandes nomes dessa modalidade específica da Anatomia, nesse período, destacaram-se William Sharpey (1802-1880) e Henry Gray (1827-1861), ambos reconhecidos por suas contribuições tanto na organização de algumas das edições do Quain’s Anatomy15 quanto na publicação do Gray’s Anatomy, obras destinadas à melhoria do conhecimento da anatomia humana por parte de médicos-cirurgiões, cujas atividades foram impulsionadas pelo advento da anestesia (TALAMONI, 2014, p. 44).
Alguns pesquisadores desta época pesquisaram a anatomia, fora do
contexto médico. Os livros de anatomia, na maioria das vezes, neste período, eram
direcionados a médicos tendo colaborações entre artistas e médicos, e vice-versa.
No século XVIII, Bernard Siegfried Albinus, um professor do centro de
saberes anatômicos da Universidade de Leiden), após o apogeu de Pádua nos
séculos XVI e XVII) desenvolveu novos meios de representações gráficas em
anatomia. Albinus representa respectivamente o final da era da representação
anatômica (figura 50) e o começo de outra onde arte, ciência e religião estariam
enfim separadas.
56
Figura 50 - Muscle man, from “Tabulae Sceleti e Musculorum Corporis Humani” by Albinus, 1747
Fonte: https://www.clinanat.com/mtd/548-mondino-de-luzzi
Os livros de anatomia desenvolveram uma categoria particular de ilustrações
que se fixou até ao século XIX, tendendo associar as diversas extensões peculiares
do cadáver dissecado, desde a sua condição física à sua condição moral; os livros
de anatomia foram destinados não somente a médicos e cirurgiões, mas a um
público amplo, com cunho cultural, formado por artistas, intelectuais e
colecionadores, com interesse científico e estético, e no grafismo requintado das
esplêndidas publicações.
O desenvolvimento científico do século XIX, por seu turno, buscou salientar a dimensão ativa do homem no ato de conhecer sendo sua expressão máxima, de um lado, o idealismo hegeliano do início do século e, do outro, o positivismo de Augusto Comte (17981857). Destaca-se nesse período o surgimento de novas técnicas de medição e aferição que fizeram do século XIX o século da instrumentalização da biologia e da medicina, oferecendo bases concretas para novas descobertas, inclusive no âmbito anatômico (TALAMONI, 2014, p. 37).
Durante os séculos XVII e XVIII, a anatomia atingiu aceitação insuperável.
Duas das contribuições mais importantes foram à explicação do fluxo sanguíneo e o
desenvolvimento do microscópio. Harvey, em 1628, com o trabalho “A circulação do
coração e sangue em animais”, o que comprova a circulação contínua de sangue
nos vasos, e Leeuwenhoek na microscopia, com o desenvolvimento de técnicas
57
para examinar os tecidos e descrição das células do sangue, músculo, esqueleto, e
a lente dos olhos. Malpighi, o pai da histologia, foi o primeiro a confirmar a existência
de capilares (SANTOS, 2014).
A biologia fez grandes progressos no século XIX, vários processos
fisiológicos foram examinados com maior detalhamento, baseado no termo “animal-
máquina”. De todos os avanços, segundo Ronan (1987), os mais significativos foram
- a teoria da célula e os estudos sobre a geração espontânea.
Hooke foi o primeiro a utilizar o termo “célula”, mas a teoria desenvolvida no
século XIX era uma possibilidade de enfrentar uma questão básica: “O que é um
organismo?”.
As primeiras abordagens desse problema se deram na França, onde cerca de 1800 médicos associaram as autópsias a uma descrição clínica do estado do cadáver, tornando possível localizar em que parte do corpo as coisas tinham falhado. Isso, por sua vez, levou a um estudo detalhado dos próprios órgãos. O pioneiro nesse campo foi Xavier Bichat, que, na época de sua morte, em 1802, havia identificado pelo menos 21 tipos de tecido nos órgãos - mucosa, tecidos fibrosos, etc, - descrevendo sua distribuição (RONAN, 1987, p. 17).
Para que o conhecimento desenvolvido por Bichat evoluísse, foi necessário
esperar até o ano de 1830, pela evolução dos microscópios acromáticos, os quais
iriam desenvolver novamente até 1880, com o trabalho de Ernest Abbe, na fábrica
da Carl Zeiss, desenvolvendo o microscópio óptico.
Segundo Ronan (1987) os microscópios ópticos puderam distinguir
partículas que não tinham mais de dois milésimos de milímetro de diâmetro,
trazendo assim, os instrumentos quase ao seu limite teórico de definição.
A apoteose da teoria celular chegou à segunda metade do século XIX, com
a publicação em 1858 de Patologia Celular, do microscopista e médico Rudolf
Virchow, que aborda as questões da célula no tecido vivo.
Nesse livro, desaprovou a teoria de formação da célula de Schleiden - Schwann e apresentou a proposição de que as células só podiam surgir de outras preexistentes. Continuando, Virchow mostrou que as células são o último elo da grande cadeia de formações subordinadas que criam tecido, órgãos, sistemas e o indivíduo (RONAN, 1987, p. 17).
58
Apesar da publicação Patologia Celular de Virchow, ainda faltava
demonstrar que a célula era de fato uma “unidade funcional fundamental”, quem irá
demonstrar de forma efetiva esta teoria é o fisiologista Claude Bernard, o qual
realizou um trabalho sobre digestão, a fisiologia dos nervos e substâncias tóxicas.
Virchow e Bernard realizaram importantes contribuições na teoria celular,
mas em 1843, surge uma teoria na convicção de que nenhum ovo de mamífero se
desenvolveria sem que o espermatozoide estivesse presente.
Nada mudou até 1876 e 1877, quando Oskar Hertwig e Herman Fol conseguiram comprovar a presença, não de apenas um, mas de dois núcleos, um macho e outro fêmea, no ovo fertilizado. Isso transferiu o elo entre as sucessivas gerações de animais e plantas da célula para o seu núcleo, o que constituiu uma descoberta decisiva (RONAN, 1987, p. 19).
No final do século XIX Charles Sherrington acreditava que a mente era uma
entidade não física, enquanto o corpo era um organismo físico, o pesquisador
referia-se à transmissão de impulsos dos nervos.
Os estudos de Sherrington foram baseados na pesquisa desenvolvida por
Ramón y Cajal, que em 1880, em um trabalho microscópico descobriu que os nervos
de todos os animais eram feitos de unidades individuais, os “neurônios”.
Em 1906 Sherrington publicou Ação Integrada do Sistema Nervoso, livro que
influenciou por 50 anos o pensamento sobre o comportamento e a fisiologia.
Esse livro incorporava sua abalizada opinião de que havia três níveis em que se devia estudar o comportamento animal: o nível físico-químico, referente às ações dentro dos neurônios individuais, que dava ao animal o aspecto de “máquina”, o nível da psique, no qual os processos neurológicos se unem para formar uma criatura pensante e perceptiva, e, em terceiro lugar, um nível de relacionamento mente-corpo” (RONAN, 1987, p. 99).
No início do século XX, surgiu uma crença de que todos os fenômenos da
vida podiam ser reduzidos às leis básicas da química e da física, Jacques Loeb foi
um líder dessa escola mecanicista da vida (RONAN, 1987).
Em 1930 biólogos procuravam encontrar relações no comportamento e na
organização de um organismo, essas teorias ficaram conhecidas como fisiologia
experimental, que é o oposto do pensamento da Mecânica de Desenvolvimento de
Loeb.
59
Ainda na primeira metade do século XX, pesquisadores como Ivan Pávlov,
por meio de pesquisa em cães concluiu que todos os comportamentos é um misto
entre estímulos internos e externos aos nervos, e conclui que a aprendizagem era
feita pela composição de reflexos, Pávlov proporcionou a descoberta da relação
entre comportamento e a fisiologia (RONAN, 1987).
60
3 O ENSINO DA DISCIPLINA DE ANATOMIA HUMANA NOS CURSOS DA ÁREA DA SAÚDE
A anatomia pode ser definida como a parte da biologia que se encarrega de
estudar a forma e a estrutura dos seres vivos e quando somente é focada na
anatomia dos seres humanos, denomina-se de Anatomia Humana. Esse segmento
de estudo é uma disciplina que se encontra nos cursos de Medicina, Odontologia,
Biomedicina, Farmácia, Educação Física, Ciências Biológicas, dentre outros, tendo
uma grande importância para a construção do conhecimento dos profissionais da
área da saúde e ciências biológicas.
A Anatomia Humana é entendida como a ciência que se debruça a estudar
macro e microscopicamente o corpo, atentando para a sua constituição e o seu
desenvolvimento. O processo de ensino-aprendizagem dessa disciplina é complexo.
Atualmente grande parte das instituições de ensino superior buscam métodos
inovadores que auxiliem no ensino da disciplina.
Atualmente o ensino da anatomia clássica no meio acadêmico de todo o
mundo vem sendo realizado por meio de métodos de dissecção de peças de
cadáveres formolizados. É uma metodologia considerada consagrada no meio
anatômico, podendo haver, algumas variações dos componentes da solução
fixadora de tecidos ou órgãos.
Estudos de Horne (1990) consideram o estudo com o cadáver como um
primeiro paciente do estudante de curso de saúde. Por meio dessas considerações,
pode-se ressaltar que a relação que o acadêmico tem com a disciplina de anatomia
humana se relacionará de alguma maneira com a interação que terá com o futuro
paciente. Portanto, o acadêmico deve aprender a trabalhar com seus valores,
emoções, medos e angústias, ao cuidar do outro; outro, que também expressa seus
sentimentos e valores, ao se relacionar com o acadêmico.
Os estudos apresentados por Horne (1990) enfatizam também que o contato
com o cadáver humano estabelece a oportunidade para à afloração da sensibilidade
dos estudantes nas possíveis situações complexas que os mesmos podem se
deparar em suas carreiras, além de enaltecer a discussão de temas mais
complexos, como dignidade humana, mortalidade, luto e o lidar com as emoções.
Crespo e Pozo (2009) considera a anatomia humana como a disciplina base
de todas as disciplinas clínicas, e, portanto, é uma disciplina instrumental e
61
indispensável ao decorrer dos cursos da área de saúde. Uma disciplina instrumental
significa que será usado um instrumento, uma atividade intelectual de grande
eficácia. Logo, ter um vasto conhecimento sobre o assunto é de fundamental
importância.
Corredera e Santana (2003) expõe que as metas apresentadas para o
ensino de anatomia humana são, no mínimo, conhecer as estruturas anatômicas e
as relações entre elas; reconhecer estruturas anatômicas por meio de técnicas de
imagens e entender as bases anatômicas da patologia.
Se o profissional da saúde não tiver uma ampla e perfeita compreensão da biologia humana, acabará se restringindo à rotina e ao convencional. No entanto, essa compreensão não deveria ficar restrita à memorização, mas deveria, antes, “recorrer à visualização de partes e regiões do corpo em três dimensões, baseada na compreensão de como essas relações se cumprem e porque elas existem” (DAMASCENO; CORIA-SABINI, 2003, p. 245)
Mesmo sendo considerada uma das disciplinas mais importantes dos
referidos cursos, ela apresenta um grau de dificuldade em relação ao seu
aprendizado, e esse fato pode estar ligado em geral com a pouca familiaridade dos
alunos com as terminologias anatômicas, que, geralmente tem suas origens
derivadas do latim e grego, pela preparação muitas vezes inadequada das peças,
com a falta de renovação das peças cadavéricas, gerando certa dificuldade na
visualização, como também falta de atenção e de motivação por parte dos alunos
(CRESPO; POZO, 2009).
É relevante também que os acadêmicos apropriem da nomenclatura
anatômica, pois o corpo humano apresenta cerca de seis mil nomes para todas as
suas partes macroscópicas sejam descritas; assim é necessário se apropriar da
terminologia anatômica e memorizá-la, a partir de um estudo mnemônico
significativo para apropriação dos saberes.
Na aula prática de Anatomia Humana, o material utilizado, ou seja, as peças
usadas se encontram marcadas e com legendas informando o nome das estruturas,
o que permite que o aluno consiga dominar no cotidiano das aulas toda a
terminologia necessária para seus estudos.
Fornaziero et al. (2010) aponta que se existe a necessidade de uma
ampliação nas opções de educação, trazendo novas metodologias para o
62
desenvolvimento do ensino-aprendizagem, fazendo com que se tenha alternativas
para integrar e dinamizar as aulas de Anatomia Humana. Uma vez que, várias
mudanças estão a ocorrer no dia a dia dos estudantes e que esse processo deve ser
adaptado a realidade a qual o aluno vive em sua rotina, então se acredita que exista
a possibilidade de modificações das práticas pedagógicas.
Na universidade, o ensino-aprendizagem segue buscando transformações
com foco na qualidade do que se pretende ensinar. Neste cenário, o professor que
simplesmente transmite o conhecimento, já não se faz mais presente, mas sim, o
indivíduo que instiga o aluno a buscar as respostas para o conhecimento que irá
adquirir. O professor deve instigar os seus alunos, para que eles desenvolvam
habilidades para se tornarem profissionais dentro da área que eles escolheram.
A disciplina de Anatomia Humana não é uma matéria paralisada no tempo, a
contemporaneidade denota uma fase dinâmica, onde a tecnologia está presente em
todos os setores da sociedade, trazendo novidades, que leva o aluno a ficar
estimulado e em condições de explorar o aprendizado de todas as maneiras.
Recentemente diversas universidades trazem metodologias diferenciadas
para auxiliar no ensino-aprendizado dessa matéria, com o objetivo de torná-la mais
atrativa e participativa para os alunos, despertando a motivação dos alunos para os
conteúdos que necessitam ser transmitidos.
Para que qualquer tipo de aula prática conduza a uma aprendizagem significativa, é importante que o professor esteja presente, não somente como expositor, mas principalmente como orientador e incentivador da reflexão e da busca do conhecimento, observando o comportamento dos grupos, detectando falhas e dificuldades, utilizando todas as ferramentas possíveis como apoio para uma melhor aprendizagem. Isto foi observado no presente trabalho: os professores e monitores estão presentes durante todo tempo das aulas práticas, observando o comportamento dos grupos e respondendo às perguntas colocadas pelos alunos (DAMASCENO; CORIA-SABINI, 2003, p.248).
Percebe-se que as principais metodologias para ensinar a disciplina de
Anatomia Humana é que contempla a dissecação de cadáveres, modelos
anatômicos sintéticos, softwares e vídeos, construção de atlas anatômicos, roteiros
didáticos para aulas práticas, modelos didáticos alternativos e o programa de
monitoria acadêmica.
63
É relevante que os professores não apenas exponham a disciplina como a
ciência que está alicerçada em artifício científico próprio, mas, que se tornem aptos
a criar recursos didáticos com o objetivo de levar os alunos a desenvolverem uma
postura própria de pesquisa autônoma, imprescindível para o profissional de uma
área em que as inovações tecnológicas ocorrem num ritmo bastante acelerado.
Diversos recursos auxiliam no processo de ensino-aprendizagem, como o
uso de peças anatômicas de plástico e meios eletrônicos. Recentemente, incluiu-se
o processo de aprendizagem autodirigido baseado em problemas, com acesso
individual do aluno ao laboratório morfofuncional e de informática (CRESPO; POZO,
2009).
A utilização de métodos computadorizados, como visitas virtuais em museus
de anatomia é necessária, por facilitar o estudo dos conteúdos, pois o aprendizado
fica mais proveitoso e também essa é uma ferramenta atrativa e de incentivo para
muitos alunos, justifica-se por estarmos em uma era digital onde as maiores partes
das pessoas estão a todo tempo conectadas; outra ferramenta interessante é os
atlas anatômicos.
O graduando em geral, e principalmente o da área de saúde, necessita ter
na universidade uma aula que o coloque em contato com a prática do que lhe foi
ensinado na teoria, para que ele vivencie o que lhe espera como profissional. Assim,
é que professores e alunos entendem que a disciplina Anatomia Humana, tem a
necessidade de aulas práticas, sendo que não apenas a dissecação tenha um cunho
prático, mas, os estudos de técnicas de imagem e de resolução de problemas
clínicos também.
Com o objetivo de se aumentar a qualificação no ensino superior, o
Ministério da Educação propôs aos professores a utilização dos princípios da
interdisciplinaridade e contextualização, que traz ao acadêmico um desenvolvimento
interativo, fazendo com que se tenha um entendimento mais aprimorado da
realidade, em que impera uma aprendizagem de forma complementar (BRASIL,
2014).
Com esses princípios alicerçados, deve-se sempre que possível, direcionar
os assuntos para a prática, com a intenção de melhorar a interação com as
disciplinas clínicas, proporcionando uma interdisciplinaridade que resulta em uma
melhor qualificação dos acadêmicos (CRESPO; POZO, 2009).
64
Segundo Costa (2010) ainda existem docentes que trabalham esta disciplina
baseando-se no ensino mecanicista com uma aprendizagem literal e acumulativa,
cuja relação professor e aluno permanece verticalizada, por meio de aulas
expositivas objetivando somente a fixação de termos técnicos, privilegiando assim, a
formação técnica, em detrimento da formação mais concisa do ser humano.
Em estudos desenvolvidos por Bravo e Inzunza (1995) ficou demonstrado
que a combinação entre programas de computador e as aulas práticas desenvolvem
mais o conhecimento teórico dos temas morfológicos. Entretanto, ambos os autores
asseguram que essa nova metodologia não deixa de lado a utilização do método
tradicional da dissecação e utilização de peças cadavéricas nas aulas práticas de
laboratório, que de certa maneira é de fundamental importância para o aprendizado
efetivo, já que na Anatomia a observação e o estudo direto das estruturas
tridimensionais são considerados condições fundamentais ao aprendizado.
Com isso, nesta forma de ensino contemporânea, torna considerável a
utilização de computadores, principalmente com a utilização dos softwares de
multimídias, que representa uma combinação do uso de textos, figuras de alta
resolução, vídeos de aplicação clínica, sons e perguntas de auto avaliação. Torna
ativa, prazerosa e dinamizada o processo de aprendizado dessa disciplina,
tornando-se uma forma de complementar a utilização das peças cadavéricas que
podem as vezes implicar em desconforto para alguns discentes.
É visto uma grande dificuldade no aprendizado dos discentes em relação à
Anatomia Humana, por sua vez os docentes, precisam repensar para corresponder
às expectativas deste novo e atual momento, para contribuir para a melhoria da
qualidade do processo de aprendizagem dos futuros profissionais de saúde e
ciências biológicas a partir das reflexões sobre o ensino da Anatomia Humana.
Basso (1998) diz que não é prudente prender-se a práticas pedagógicas
rotineiras, com o mesmo modelo, muitas vezes alicerçadas em ideias muito
simplificadas, que já perderam o potencial para a análise crítica da realidade e o
enfrentamento dos problemas educacionais. Assim, o professor deveria interpretar
melhor o seu papel saindo da postura tradicional e criando situações para
transformar o ensino em um processo agradável e frutífero através de outros
métodos educativos mais adequados e viáveis para a geração vigente.
É papel do professor administrar uma aula de anatomia criativa, participativa,
reflexiva e autônoma, capaz de relacionar os mecanismos das disciplinas clínicas, o
65
que possibilitará o aluno perceber seu crescimento como pessoa, e que resultados
serão percebidos durante os estágios e profissão futura, não somente no campo
emocional, mas como também no campo científico e tecnológico.
Já estudos de Silva e Guimarães (2004) afirmam que, cabe ao professor
proporcionar aos discentes momentos de apreciação, conhecimento e
conscientização das estruturas do corpo, formadas pela natureza biológica, fazendo
com que se haja uma estimulo no relacionamento do conteúdo de anatomia e o seu
próprio ser biológico.
66
4 O ESPAÇO NÃO FORMAL PARA O ENSINO
Os espaços não formais de ensino são reconhecidos por estudiosos,
professores e profissionais do ensino como ambientes que não são centros
acadêmicos, mas que ampliam as atividades de ensino.
Para La Belle (1982, p. 2) o ensino não formal se refere a “toda atividade
educacional organizada, sistemática, executada fora do quadro do sistema formal
para oferecer tipos selecionados de ensino a determinados subgrupos da
população”.
O que diferencia o ensino formal do não formal, é que o primeiro traz
objetivos específicos e claros, e é considerado pelas escolas e universidades. A
segunda por sua vez, é mais prolixa, não apresenta hierarquia, e não são
burocráticas no sentido de um currículo formal; seus programas não seguem um
plano político pedagógico (PPP), e não se submete aos parâmetros curriculares
nacionais (PCN´s), seu tempo de duração é variável, podendo ou não ceder
certificados de aprendizagem.
Os espaços não formais de ensino podem ser reconhecidos como
Instituições ou não instituições. Os primeiros podem ser entendidos como ambientes
regulamentados e apresentar equipe técnica responsável para gerenciá-lo, são
espaços como museus, centros de ciências, parques ecológicos, e tantos outros, e
os espaços não instituições como teatros, parques, casas, ruas, praças, shopping,
cinemas, praias e tantos outros.
De forma sintética, pode-se dizer que os espaços formais de ensino referem-
se a instituições educacionais, enquanto que os espaços não formais relacionam-se
com Instituições cuja função básica não é o ensino formal e com lugares não
institucionalizados.
Mesmo que exposições ocorram dentro de colégios, faculdades ou
universidades, que são espaços institucionalizados, o espaço da exposição não é
um local de ensino formal, nem a forma de abordar temas relacionados ao ensino,
portanto se torna uma forma de ensino não formal.
Determinados espaços não formais de ensino são caracterizados como
ambiente propício para pesquisas, que buscam compreender principalmente as
relações entre os espaços não formais e o ensino formal no Brasil. Museus de arte
67
têm sido estudados pela recente divulgação cultural, em parceria com escolas,
dentre outros, como locais favoráveis à realização de projetos de ensino ambiental,
e os museus e centros de ciências têm recebido grande atenção dos pesquisadores
pela potencialidade de envolvimento da comunidade escolar com a cultura científica.
O objetivo deste estudo foi o de fazer uma análise dos espaços não formais
de ensino para a aprendizagem, assim abordou-se a diferenciação entre os espaços
formais e não formais de ensino, com destaque para o espaço não formal, sua
relevância e benefícios para a aprendizagem.
4.1 A RELEVÂNCIA DOS ESPAÇOS NÃO FORMAIS DE ENSINO
Uma definição que mostra a ambiguidade dessa modalidade de ensino, já
que ela se define em oposição (negação) a outro tipo de ensino: o ensino formal.
Usualmente define-se o ensino não formal por uma ausência, em comparação com a
escola, tomando o ensino formal como único paradigma, como se o ensino formal
escolar também não pudesse aceitar a informalidade, o “extraescolar”.
O ensino formal tem objetivos claros e específicos e é representado
principalmente pelas escolas e universidades. Ela depende de uma diretriz
educacional centralizada como o currículo, com estruturas hierárquicas e
burocráticas, determinadas em nível nacional, com órgãos fiscalizadores dos
ministérios da educação. O ensino não formal é mais difusa, menos hierárquica e
menos burocrática. Os programas de ensino não formal não precisam
necessariamente seguir um sistema sequencial e hierárquico de “progressão”.
Podem ter duração variável, e podem, ou não, conceder certificados de
aprendizagem.
Todo ensino é, de certa forma, ensino formal, no sentido de ser intencional,
mas o cenário pode ser diferente: o espaço da escola é marcado pela formalidade,
pela regularidade, pela sequencialidade. O espaço da cidade (apenas para definir
um cenário de ensino não formal) é marcado pela descontinuidade, pela
eventualidade, pela informalidade.
O ensino não formal é também uma atividade educacional organizada, mas
levada a efeito fora do sistema formal. Daí também alguns a chamarem
impropriamente de “educação informal”. São múltiplos os espaços do ensino não
68
formal. Além das próprias escolas (onde pode ser oferecida educação não formal)
temos as Organizações Não-Governamentais (também definidas em oposição ao
governamental), as igrejas, os sindicatos, os partidos, a mídia, as associações de
bairros, etc.
No ensino não formal, a categoria espaço é tão importante como a categoria
tempo. O tempo da aprendizagem no ensino não formal é flexível, respeitando as
diferenças e as capacidades de cada um, de cada uma. Uma das características do
ensino não formal é sua flexibilidade tanto em relação ao tempo quanto em relação à
criação e recriação dos seus múltiplos espaços.
Trata-se de um conceito amplo, muito associado ao conceito de cultura. Daí
ela estar ligada fortemente a aprendizagem política dos direitos dos indivíduos
enquanto cidadãos e à participação em atividades em grupos, sejam esses adultos
ou crianças.
Segundo Maria da Glória Gohn (1999, p. 98-99),
A educação não formal designa um processo de formação para a cidadania, de capacitação para o trabalho, de organização comunitária e de aprendizagem dos conteúdos escolares em ambientes diferenciados. Por isso ela também é muitas vezes associada à educação popular e à educação comunitária.
O ensino não formal estendeu-se de forma impressionante nas últimas
décadas em todo o mundo como “ensino ao longo de toda a vida” (conceito
difundido pela UNESCO), englobando toda sorte de aprendizagens para a vida, para
a arte de bem viver e conviver.
A difusão dos cursos de autoconhecimento, das filosofias e técnicas orientais de relaxamento, meditação, alongamentos etc. deixaram de ser vistas como esotéricas ou fugas da realidade. Tornaram-se estratégias de resistência, caminhos de sabedoria. É também um grande campo de educação não formal (GOHN, 1999, p.99).
Grande parte dos espaços não formais apresenta certo potencial de
indagação e novidade. No entanto, os recursos nesses ambientes não são bem
cultivados. Esse fato se dá porque os professores não estão atentos ao que estes
locais podem proporcionar para a aprendizagem. Assim, entende-se que, para que
69
estes espaços não formais de ensino sejam bem aproveitados, faz-se necessário um
olhar mais atento dos profissionais de ensino.
Para Alcântara e Fachín-Terán (2010), na conquista da aprendizagem
muitos são os recursos que podem ser bem aproveitados, exemplo disso pode ser
vislumbrado com o ecossistema da Amazônia. Este ambiente serve para várias
disciplinas, principalmente para o currículo da matéria de Ciências Naturais.
Alguns espaços não formais de ensino podem proporcionar conhecimentos a
custo zero. Esse é o caso dos recursos naturais. Estando apenas o custo da
locomoção para a escola ou o estudante.
Nesse sentido, Elias, Amaral e Araújo (2007, p. 21), observam que “nas
escolas, em geral, os conteúdos são considerados prontos e acabados,
desatualizados e desvinculados dos contextos de vida dos alunos, os quais são
tratados como meros receptores de informações”.
Para Chassot (2010), na atualidade, a informação chega às escolas de
várias formas e com diversas propriedades, deixando abertas características
diversas dos professores.
A esse respeito Alcântara e Fachín-Terán (2010, p. 53) observam que,
Precisamos mudar de informadores para formadores e os espaços não formais aliados às escolas tornam-se um marco de construção científica e de produção de conhecimento. Verificamos que a educação que acontece nos espaços não formais, compartilha muitos saberes com a escola, muitos dos quais são construídos, a partir das teorias elaboradas pelas ciências da educação. Sendo imprescindível, a parceria da escola com outros espaços para se alcançar uma educação científica.
Os ambientes não formais e não institucionalizados podem ser utilizados
como opção para substituir o espaço institucionalizado quando esse não puder ser
usado. Considerando-se, contudo, que nestes locais, o professor pode não contar
com o espaço físico que é disponibilizado pelo cenário institucionalizado. Desse
modo, é interessante ser sensato quando for escolher o ambiente a ser utilizado.
Os espaços não formais são ambientes propícios para explorar a
aprendizagem, neles, o professor pode vislumbrar diversas formas de utilizar o
espaço.
Reconhece-se assim a relevância e os benefícios trazidos pelo ensino não
formal, particularmente, pelas crianças e adolescentes.
70
4.2 BENEFÍCIOS E DIFERENÇAS DO ESPAÇO FORMAL, COM ENFOQUE AO ESPAÇO NÃO FORMAL DE ARTE (MUSEU, GALERIA) PARA O ENSINO DA ANATOMIA HUMANA
Temos consciência que aprendemos diariamente, que o ensino-
aprendizagem não ocorre somente em instituições formais como colégios e
universidades, mas também no nosso cotidiano, a troca de experiências com o
outro, e nos espaços que convivemos, agregando conhecimento cultural as
vivências sociais, sabendo disso acreditamos nos museus e galerias de arte como
espaço não formal para o ensino de anatomia humana.
Chagas (1993, p. 52) entende que:
O ensino não formal é veiculada pelos museus, meios de comunicação e outras instituições que organizam eventos de diversas ordens, tais como cursos livres, feiras e encontros, com o propósito de ensinar ciência a um público heterogêneo. Por outro lado, o ensino informal ocorre de forma espontânea na vida do dia a dia através de conversas e vivências com familiares, amigos, colegas e interlocutores ocasionais.
Gohn (1999, p. 98) também vem discutindo com bastante ênfase a temática
do ensino não formal. “Ele enfatiza sua opção por uma concepção ampla de ensino,
associada ao conceito de cultura”.
Nesse sentido, esta modalidade de educação trata de um processo com
várias dimensões, relativas à: aprendizagem política dos direitos dos indivíduos
enquanto cidadãos; capacitação dos indivíduos para o trabalho, por meio de
aprendizagem de habilidades; aprendizagem e exercício de práticas que habilitam
os indivíduos a se organizarem com objetivos voltados para a solução de problemas
coletivos; aprendizagem dos conteúdos da escolarização formal, em formas e
espaços diferenciados; e a educação desenvolvida na/pela mídia, em especial a
eletrônica. Essa autora destaca os vários espaços onde se desenvolvem as
atividades de ensino não formal como as associações de bairro, os sindicatos, as
organizações não governamentais, os espaços culturais e as próprias escolas, ou
seja, nos espaços interativos dessas com a comunidade de ensino.
Para Gohn (1999), a educação não formal não contempla experiências
vivenciadas com os pais na família, no convívio com amigos, clubes, teatros, leitura
de jornais, livros etc, sendo estas categorizadas como ensino informal, já que
71
possuem caráter espontâneo e permanente. Desse modo, o ensino não formal teria
como pressuposto a formação para cidadania, e a aprendizagem nesse caso se dá
por meio das práticas sociais.
Atualmente as universidades buscam metodologias ativas e tecnológicas no
ensino para atender a falta de conhecimentos dos alunos ingressantes, a busca de
qualidade na formação de um profissional criativo e crítico é sempre a intenção. Os
museus contemporâneos são espaços modernos destinados à difusão e
popularização do conhecimento. Cada vez mais estes espaços se tornam lúdicos,
interativos e exploram tópicos atuais de forma interdisciplinar.
A literatura nacional e internacional vem apontando para a importância de
espaços de ensino não formais, como museus e centros de ciências, visando à
popularização da ciência. O papel dos museus de ciência e tecnologia vem
emergindo de forma marcante no movimento de alfabetização científica dos
cidadãos (QUEIRÓZ et al., 2002).
O que se vê hoje é que o ensino em ciências tem muito a ganhar com a
participação de instâncias de ensino de caráter não formal. São diversos os museus
que contribuem para o ensino em ciências ao longo da vida, diferenciando-se uns
dos outros, entre outras coisas, pela temática específica e pelo tipo de exposições e
atividades que oferecem ao público (REBELLO, 2001).
De acordo com Vieira et al. (2008), o ensino não formal pode ser definido
como a que proporciona a aprendizagem de conteúdos do ensino formal em
espaços como museus, centros de ciências, ou qualquer outro em que as atividades
sejam desenvolvidas de forma bem direcionada, com um objetivo definido. A aula
não formal (mediada) desperta maior interesse no aluno.
No decorrer dos tempos, os museus desempenharam relevante papel ao
aproximar a sociedade do conhecimento científico. De uma maneira não
sistematizada, contribuíram para o ensino científica, muitas vezes complementando
o trabalho das escolas.
72
Assim, compreendemos que olhar o museu como espaço aberto e propício à aplicação de saberes de diferentes campos do conhecimento é, também, compreender a importância do processo museológico para a definição das políticas, dos programas, dos projetos e da definição do perfil da instituição. Assim, compreendemos que os avanços no campo museológico estão diretamente relacionados com o desenvolvimento dos nossos museus e com a qualidade do trabalho desenvolvido na instituição, internamente, e na relação que estabelece com a sociedade. (...) A sua construção, a partir do envolvimento de todas as pessoas e setores é um momento único, de aprendizagem e de crescimento conjunto. É produção de conhecimento, é relação entre teoria e prática, é exercício de reflexão crítica e criativa, e é comprometimento. (SANTOS, 2014, p. 35).
Os museus e centros de ciência têm como principal recurso, em suas
práticas educativas, as exibições interativas, que envolvem ativamente e
emocionalmente o visitante no descobrimento da informação, por meio de sua
própria participação.
Além disso, possuem também por função a formação de mediadores, que
conduz visitas orientadas e planejadas com antecedência, sendo este, ao mesmo
tempo, um objetivo e um instrumento de ação dos Centros e Museus de Ciências
(OLIVEIRA, 2003).
O ensino em museus de ciência não consiste em modelo sistematizador,
estruturado, e é importante que não se assuma sua função didática como as
atividades de ensino que são desenvolvidas pela escola.
Chagas (1993) evidencia as relações existentes entre o ensino formal e as
modalidades de ensino não formal, na perspectiva dos museus de ciência. O texto
de Chagas caminha na perspectiva de corroborar os museus de ciência como loco
de ensino não formal; no entanto, essa pesquisadora indica que há autores que não
distinguem as designações não formal e informal, fundindo-as por convergirem
naquilo que têm de mais singular: a relação de saberes para além dos muros
escolares.
O Museu de Anatomia Humana é um local interessante para o entendimento
desta matéria porque este local não se constitui em um mero museu, mas sim um
ambiente que traz uma exposição sobre esta disciplina, para comunicação do
conhecimento, não trivial ao seu público. É um cenário que pode ser escolhido para
o ensino não formal pela sua característica singular. O conhecimento científico se
estabelece com seu público visitante, em um museu dessa natureza.
Sobre museus e centros de ciência, Valente e Marandino (2002, p. 666)
trazem à tona uma discussão interessante ao afirmar que, para as denominadas
73
exposições interativas, alguns estudos têm sugerido que, a respeito do impacto junto
ao público, “o resultado do engajamento intelectual do sujeito com os aparatos
expositivos muitas vezes é insatisfatório”, na perspectiva do entretenimento dessas
exposições.
Valente e Marandino (2002) entendem que a interação pode ocorrer mesmo
em espaços onde o tocar não ocorre como é o caso de exposições em que o caráter
contemplativo se impõe. De acordo com suas ideias, para a promoção da verdadeira
interação, o que se deve levar em conta é a forma como um recurso ativo ou
contemplativo é concebido na exposição, entendem, com base nesses
pressupostos, que é preciso reconhecer o uso de variados “recursos expositivos
para uma mesma apresentação temática no museu”, devido as situações em que se
olha, se observa e se considera mais uma linguagem em detrimento de outra.
Falcão (1999) observa que a interação percebida como ação recíproca entre
o objeto e o visitante ocorre em um plano simbólico, e é dependente da iniciativa do
observador no modelo de comunicação contemplativa, visto que o objeto não
expressa mudanças espaciais ou temporais.
74
5 A EXPOSIÇÃO DE ARTE PARA O ENSINO NÃO FORMAL DE ANATOMIA HUMANA
Ter como pano de fundo os parâmetros históricos, sociais e culturais que
envolvem a anatomia humana enriquecem a produção visual, elevando a outro nível
as obras de arte, saindo do campo da estética e entrando na área do conhecimento
científico, entrelaçando o conhecimento da arte com o da anatomia humana.
As obras que foram expostas nesta pesquisa foram produzidas utilizando
diversas técnicas e suportes, como: carvão sobre tela (figuras 51 e 52), nanquim
sobre canson (figuras 53 e 54), nanquim e aquarela sobre canson (figuras 55 e 56) e
tinta acrílica sobre tela.
Figura 51 - Cultura oriental, carvão sobre tela, 2017
Fonte: Autoria própria
75
Figura 52 - O sufrágio da água, carvão sobre tela, 2017
Fonte: Autoria própria
Figura 53 - Sistema esquelético e muscular, nanquim sobre canson, 2017
Fonte: Autoria própria
Figura 54 - Sistema muscular e venoso, nanquim sobre canson, 2017
Fonte: Autoria própria
76
Além destas técnicas citadas, foram também empregada a do nanquim e
aquarela sobre canson, como no exemplo apresentado nas figuras 57 e 58. Esses
corações foram pintados à partir da observação das peças cadavéricas.
Figura 55 - Coração I, nanquim e aquarela sobre canson, 2017
Fonte: Autoria própria
Figura 56 - Coração II, nanquim e aquarela sobre canson, 2017
Fonte: Autoria própria
Estas obras também foram inspiradas nas técnicas utilizadas pelos artistas
renascentistas, como sendo: sanguínea, sépia e carvão sobre canson (figura 57) e
carvão sobre canson (figura 58). As mesmas foram empregadas por Leonardo da
Vinci, Michelangelo e Rafael para o estudo de anatomia humana.
77
Figura 57 - Dissecação, sanguínea, sépia e carvão sobre canson, 2017
Fonte: Autoria própria
Figura 58 - Relações interpessoais, carvão sobre canson, 2017
Fonte: Autoria própria
Outras obras expostas foram produzidas a partir de reproduções de
ilustrações científicas do livro "A Fábrica de Corpos Humanos" de Vesallius (figuras
59, 60, 61 e 62). Várias pinturas e desenhos foram idealizados a partir da
observação de peças cadavéricas ou modelos anatômicos sintéticos, ou ainda, partir
de estudos de várias enciclopédias anatômicas (figuras 63 e 64).
Figura 59 - Cérebro I, nanquim sobre canson, 2017
Fonte: Autoria própria
78
Figura 60 - Cérebro II, nanquim sobre canson, 2017
Fonte: Autoria própria
Figura 61 - Escalpelamento, nanquim sobre canson, 2017
Fonte: Autoria própria
Figura 62 - Sistema muscular III, nanquim sobre canson, 2017
Fonte: Autoria própria
79
Figura 63 - Sistemas esqueléticos e muscular II, nanquim sobre canson, 2017
Fonte: Autoria própria
Figura 64 - As três fases da vida, nanquim sobre canson, 2017
Fonte: Autoria própria
Com o intuito de provocar a curiosidade sobre a anatomia humana, nesta
mostra de artes foram apresentadas, além das obras já citadas, peças cadavéricas
devidamente instaladas (figuras 67 e 68).
80
Figura 65 - Nascimento & Morte I, peça cadavérica conservada em álcool, 2017
Fonte: Autoria própria
Figura 66 - Nascimento & Morte II, peça cadavérica conservada em álcool, 2017
Fonte: Autoria própria
As peças cadavéricas foram cedidas pelo laboratório de anatomia humana
da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) - PR, e dispostas em caixas de
vidro hermeticamente fechadas (figura 67 e figura 68).
Figura 67 - O pensador (frente), peça cadavérica conservada em plastinação, 2017
Fonte: Autoria própria
81
Figura 68 - O pensador (verso), peça cadavérica conservada em plastinação, 2017
Fonte: Autoria própria
Para esta mostra as peças expostas foram conservadas de várias maneiras,
como por exemplo, no álcool (no caso dos fetos) (figura 69), na glicerina (braço,
perna e alguns órgãos internos) (figura 70), e pela na técnica de plastinação (dorso)
(figura 71). A escolha do método de preservação foi realizada de acordo com a
orientação do técnico do laboratório de Anatomia da UEPG. Houve durante toda a
exibição o acompanhamento do referido técnico, não só no que diz respeito à
conservação, como também em todo o processo de transporte e armazenamento
das peças.
Além de tudo já citado, a exibição contou também com a apresentação de
vídeo-arte, através de softwares específicos de editoração de imagens e vídeos,
atrelando a tecnologia ao processo de ensino.
Figura 69 - Peças cadavéricas conservadas em álcool, 2017
Fonte: Autoria própria
82
Figura 70 - Peças cadavéricas conservadas em glicerina, 2017
Fonte: Autoria própria
Figura 71 - Peça cadavérica conservada na plastinação, 2017
Fonte: Autoria própria
Cabe colocar que além da escolha das obras apresentadas, foi realizado um
estudo sobre os locais que poderiam ser adequados para esta pesquisa, tendo em
vista que os espaços não formais de educação podem se transformar em espaços
de ensino. Portanto, foi selecionado para a exposição o hall de entrada de uma
universidade particular da cidade de Ponta Grossa (figuras 72 e 73). Esta escolha foi
devido às questões museológicas necessárias para esta exposição, como
climatização das peças cadavéricas, iluminação e segurança das obras.
83
Figura 72 - Hall de entrada com exposição montada, 2017
Fonte: Autoria própria
Figura 73 - Hall de entrada com painéis expositivos, 2017
Fonte: Autoria própria
Quando estamos habituados a passar por um ambiente que é um hall de
entrada só com bancos e material informativo, e de repente esbarramos com uma
exposição com desenhos e pinturas que abordam o tema anatomia, cultura e
sociedade, e ainda peças anatômicas reais, dispostas no ambiente a fim de provocar
a reflexão no observador, só pode se esperar as mais diversas reações (figura 74 e
figura 75).
Figura 74 - Visitantes observando cabeça dissecada, 2017
Fonte: Autoria própria
84
Figura 75 - Visitantes observando peças anatômicas e quadros, 2017
Fonte: Autoria própria
Analisando as reações do público alvo diante desta exposição conclui-se
que esta pesquisa teve o objetivo alcançado, ou seja, transformou um espaço
informal em local de ensino não formal de anatomia. Portanto, o próximo desafio foi
expandir os conhecimentos utilizando-se de um meio que independesse do tempo
(período que a exposição fica em cartaz) e do espaço (espaço arquitetônico) para
existir, e aumentar o público alvo.
A maneira encontrada para esta finalidade foi à criação de um site. Este site
foi desenvolvido integralizando as informações históricas da anatomia com a arte.
Apresentando obras expostas por uma galeria virtual, com uma exposição
permanente de arte e anatomia humana, como também os caminhos percorridos
pelo pesquisador para realizar a exposição física. Além de dicas de como organizar
uma exposição, configurando o site, sendo o produto educacional.
Realizamos o cadastro em uma plataforma digital (figura 76) para elaborar o
site, e iniciamos as configurações necessárias (figuras 77 e 78) para a escolha do
conteúdo que irá “alimentar” o mesmo.
Figura 76 - Cadastro na plataforma digital, 2018
Fonte: Autoria própria
85
Figura 77 - Escolha do template de design, 2018
Fonte: Autoria própria
Figura 78 - Escolha da página inicial do site, 2018
Fonte: Autoria própria
Após realizar as configurações iniciais na plataforma, foi escolhido um nome
simples e de impacto direto para o site, www.arteeanatomia.com (figuras 79 e 80).
Figura 79 - Realizando a hospedagem do site
Fonte: Autoria própria
86
Figura 80 - Configurando a página inicial
Fonte: Autoria própria
O próximo passo desta pesquisa foi à escolha do conteúdo do site. Portanto,
os seguintes ícones foram selecionados: história da anatomia e da arte, artistas &
anatomistas, museus de anatomia, exposição e monte a sua exposição (figura 81).
Figura 81 - Determinando os ícones do site
Fonte: Autoria própria
Como o site pode ser utilizado como fonte de pesquisa em história da
anatomia humana e produção pictórica de anatomia, foi levada em consideração a
preocupação de criar um ambiente para desktop e outro ambiente mobile. Assim, os
estudantes podem ter acesso ao site em seus tablets e smartphones de qualquer
local que tenha acesso a uma rede wi-fi ou internet móvel.
Nas imagens mostradas nas figuras 82 e 83, é possível observar o conteúdo
do ambiente desktop sendo configurado, e nas figuras 84 e 85 o mesmo conteúdo,
mas para o ambiente mobile.
87
Figura 82 - Página inicial de desktop
Fonte: Autoria própria
Figura 83 - Conteúdo desktop de arte e anatomistas
Fonte: Autoria própria
Figura 84 - Página inicial formato mobile
Fonte: Autoria própria
Figura 85 - Conteúdo mobile de arte e anatomistas
Fonte: Autoria própria
Após realizar toda a inserção de conteúdos, o site foi hospedado e publicado no
endereço eletrônico: www.arteeanatomia.com, ficando disponível para consultas.
88
6 OS CAMINHOS DA PESQUISA
Segundo Minayo (2013, p. 21), a pesquisa qualitativa envolve uma realidade
que não pode ser quantificada, porque trabalha com o universo dos significados, dos
motivos das aspirações, crenças, dos valores, das atitudes. Assim, para o autor a
pesquisa qualitativa é um processo aberto, com infinitas possibilidades e
desdobramentos, sendo organizada pelo pesquisador, onde as informações
adquirem significados.
Pelo exposto, para a realização desta pesquisa foi empregado o método
qualitativo.
Questão Problema
Analisando o histórico da Anatomia Humana, observa-se uma relação íntima
com a arte, diante deste fato, questiona-se: a Anatomia Humana pode também ser
mediada em espaços não formais de ensino, uma vez que historicamente traz uma
relação singular com a arte?
Objetivo Geral
Analisar e considerar a relação da arte com o ensino de anatomia humana
dentro da perspectiva de ensino não formal.
Objetivos Específicos
1. Abordar o Histórico da Anatomia Humana;
2. Analisar o Espaço de Ensino não Formal e suas Potencialidades para o
Ensino;
3. Considerar a relação da Arte com a Anatomia Humana;
4. Reconhecer a exposição de arte e suas contribuições para o ensino de
Anatomia Humana.
89
Diante dos objetivos este estudo se propôs a fazer uma análise, a partir de
revisão de literatura sobre a relação da arte no ensino da Anatomia Humana,
articulando também com a educação não formal.
“Todas as situações educativas envolvem professores e estudantes”
(KEMMIS; MCTAGGART, 1988 apud, MACHADO, 2016, p. 20). Ciente desta
reflexão e no que concerne a relação ensino-aprendizagem proposta por Freire
(1987), aliado à questão investigativa deste estudo e no contexto trabalhado, foi
elaborada a Matriz Dialógica Problematizadora.
A matriz dialógico problematizadora (MDP) (KEMMIS; MCTAGGART, 1988
apud, MACHADO, 2016, p. 20) foi sistematizada selecionando determinados
assuntos para guiar a investigação sobre o ensino de Anatomia Humana em
espaços não formais.
Segundo Kemmis & Mctaggart (1988 apud MIQUELIN, 2003), qualquer
situação educativa pode se apresentar em diferentes contextos: sala de aula, a
própria escola, a comunidade, a sociedade, ente outros. São estes contextos que
geram ao investigador oportunidades para a resolução do problema concreto.
Outras questões também foram analisadas durante o desenvolvimento da
pesquisa. Essas questões encontram-se na matriz investigativa ou Matriz Dialógico
Problematizadora (MDP), detalhada no quadro 1.
A matriz serve como guia na realização da pesquisa, ajuda a orientar as
ações, observações, registros e reflexões pertinentes ao estudo, é entendida como
uma via de constante vigilância da pesquisa orientando as ações, observações,
registros e reflexões, necessárias para o entendimento do estudo (MIQUELIN,
2003).
Quadro 1 - Matriz investigativa
(A)
Ensino de Anatomia Humana
(B)
Acadêmicos da área da saúde
(C)
Espaços não formais de ensino
(D)
Arte
1. Ensino de Anatomia Humana
(A1)
Como ocorreu à evolução histórica e social do ensino da Anatomia Humana?
(B1)
Qual a visão que o acadêmico da área da saúde possui sobre o que é o ensino da anatomia humana?
(C1)
Os espaços não formais de ensino podem contribuir para o ensino da anatomia humana?
(D1)
Qual a relação que a arte tem com o ensino da anatomia humana?
90
Fonte: Autoria própria
A matriz investigativa, apresentada no quadro 1, possibilita o
estabelecimento de discussões investigativas, que podem ser avaliadas e
reelaboradas, no decorrer do estudo. Tal matriz também subsidia na coleta de dados
(permitindo a criação de ferramentas próprias para a prática de pesquisa), na
disposição dos dados e na análise dos mesmos, alicerçados no referencial teórico
que motiva o estudo (KEMMIS; MCTAGGART, 1988).
De acordo com Souza e Bastos (2007, p. 178) a matriz investigativa,
Utiliza os quatro elementos básicos de uma situação educativa - professores, alunos, tema e contexto- no âmbito curricular, em uma tabela colocada nos eixos horizontal e vertical - matriz - nos quais os professores podem definir questões de pesquisa em torno de orientações educativas formuladas pelos elementos de cada quadro.
A MDP deste estudo foi construída considerando a associação entre a
pesquisa e a prática educacional no contexto do Ensino da Anatomia Humana.
2. Acadêmicos da área da saúde
(A2)
Qual a importância do ensino de anatomia humana para acadêmicos da área da saúde?
(B2)
Os acadêmicos da área da saúde possuem grupos de estudos para discutir os temas desta pesquisa?
(C2)
Os espaços não formais de ensino auxiliam os acadêmicos no processo de ensino/aprendizagem da anatomia humana?
(D2)
A arte pode contribuir para que os acadêmicos da área da saúde possam estudar a anatomia humana de forma complexa?
3. Espaços não formais de ensino
(A3)
É possível o ensino da anatomia humana em espaços não formais de ensino?
(B3)
Como os espaços não formais de ensino podem contribuir para a formação dos acadêmicos da área da saúde?
(C3)
Através do conhecimento complexo, e bases teóricas abordadas é possível elucidar a importância do espaço não formal para o ensino?
O museu, a galeria de arte, exposições físicas ou virtuais, podem ser considerados espaços não formais de ensino?
4. Arte
(A4)
Qual a relação que o ensino da anatomia humana possui com a arte?
(B4)
Como a linguagem artística pode contribuir para a formação do acadêmico da área da saúde?
(C4)
É possível que uma exposição de arte com pinturas e desenhos que abordem a temática do corpo humano, e instalações contemporâneas que utilizam peças anatômicas humanas naturais, se torne um espaço não formal de ensino?
(D4)
A arte pode ser utilizada como fonte histórica e de ensino/aprendizagem por meio das suas produções artísticas como pinturas, desenhos, instalações e vídeo-arte?
91
Desta forma, a matriz investigativa aqui proposta auxiliaram na coleta de
dados, na categorização dos mesmos e na análise que resultou nessa dissertação
de mestrado profissional.
6.1 COLETA DE DADOS E ANÁLISE
Foi aplicado o questionário semiestruturado aos acadêmicos da área de
saúde, do segundo período dos cursos de bacharelado em Psicologia, bacharelado
em Biomedicina e licenciatura em Biologia, de uma universidade particular na cidade
de Ponta Grossa - Paraná. A análise dos resultados obtidos nos questionários
auxiliou na resposta da questão central da pesquisa, que é: A disciplina de anatomia
humana pode ser ensinada em espaços não formais de ensino, uma vez que
historicamente traz uma relação singular com a arte? Os acadêmicos que
responderam o questionário realizaram uma reflexão sobre a relação entre o ensino
de anatomia humana, arte e espaço não formal de ensino.
Foram 116 questionários aplicados. No quadro 2 encontram-se os cursos e
gênero dos acadêmicos que fizeram parte desta etapa da pesquisa.
Quadro 2 - Cursos e gêneros dos acadêmicos
Fonte: Autoria própria
A seguir estão apresentadas as questões aplicadas aos acadêmicos e a
análise das respectivas respostas:
01 - Descreva como os seres humanos desenvolvem conhecimento sobre o corpo humano?
Curso Homens Mulheres Total
Bacharelado em Psicologia 10 28 38
Bacharelado em Biomedicina 08 46 54
Licenciatura em Biologia 08 16 24
92
Gráfico 1 - O estudo da anatomia humana
100%
0%
0%
0%
Através do estudo da Anatomia Humana
Fonte: Autoria própria
Apesar da pergunta ser aberta, os 116 participantes foram unânimes em
responder que o conhecimento sobre o corpo humano é desenvolvido por meio do
estudo da anatomia humana. As respostas foram diretas ou com o mesmo sentido,
como listadas a seguir:
• Através do estudo de cadáveres;
• Por meio do estudo da morfologia do corpo humano;
• Com a leitura de livros de anatomia.
Com os resultados da questão 01 foi possível verificar que todos os sujeitos
da pesquisa possuem a percepção da importância do estudo da disciplina de
anatomia humana para desenvolver o conhecimento sobre o corpo humano.
As respostas são condizentes com a realidade sobre o ensino da anatomia
que, como já abordado neste estudo, desde a antiguidade que médicos e artistas já
buscavam o estudo da anatomia humana, tanto para descobrir os segredos do corpo
humano, como para revelar a sua beleza. A anatomia descritiva permitia a descrição
da morfologia observada por Galeno, Vesallius e outros estudiosos na antiguidade e
no renascimento.
93
Em todos os planos de ensino atuais, os professores sugerem que,
juntamente com os conceitos teóricos desenvolvidos, os alunos devem buscar
desenvolver habilidades, aliada à aquisição de processos técnicos que possibilitem a
atuação nos diversos campos de ensino. Mas, para que isso ocorra de fato, ou seja,
que a aprendizagem tenha significado, a teoria deve estar articulada com a prática.
Como observou Vygotsky (1989), o ato de aprender não se refere a copiar
determinado assunto ou procedimento, ou ainda o ato de reproduzir conteúdos
através da memorização. Mas, a aprendizagem significa reelaborar os conceitos já
adquiridos, atribuindo-lhes novos significados, estabelecendo novas relações entre
eventos, ampliando as possibilidades de aplicação, ou seja, significa articular os
conceitos a novos contextos por meio da pesquisa e da reflexão crítica. Nesse
sentido o ato de ensinar e aprender se tornam tão relevantes como o ato de como se
ensina e se aprende.
Tal como os alunos, os professores elaboram suas aprendizagens tendo
como ponto de partida seu conhecimento prévio, a ele integrando novas informações
e ampliando os seus conceitos. Este processo é permeado por uma interação
constante com seus pares, na articulação de seus pontos de vista, de dúvidas e
questionamentos, em um processo lento de assimilação com acertos e erros,
avanços e retrocessos.
Em geral as aulas teóricas de Anatomia Humana são norteadas através de
demonstrações realizadas pelo professor de estruturas anatômicas. Esta
demonstração é feita com o apoio de Atlas anatômico, slides, projeções
multimídiáticas, modelos ou fotografias. Este tipo de aula requer do aluno uma
grande capacidade de memorização, pois seu papel é de observador passivo.
A disciplina de anatomia humana é fundamental para todos os acadêmicos
que atuam no setor da saúde. É esta disciplina que possibilitará aos alunos a
aprenderem a forma e a localizarem as estruturas do corpo humano, fazendo a
relação com as suas funções.
Porém, para que este conhecimento seja concretizado de fato, se faz
necessário à aplicação de diferentes recursos, dentre esses o uso de cadáveres
humanos dissecados, que representam a forma mais antiga e uma das mais
utilizadas ainda nos dias de hoje para o ensino da anatomia humana.
No laboratório de anatomia humana, as aulas práticas, normalmente são
aplicadas como estudos dirigidos, deste modo, o aluno tem em sua posse um roteiro
94
onde está apresentada uma relação das estruturas anatômicas a serem
identificadas, assim como a sequência que ele vai utilizar para identificar o seu
estudo. Nestas aulas também pode ser usado o Atlas de Anatomia para servir de
instrumento de comparação para identificar as peças utilizadas.
Pode-se utilizar também outra forma de apresentação da disciplina, após
uma breve exposição do professor, o aluno tem à sua disposição peças anatômicas
que já foram separadas anteriormente, onde as estruturas objeto de análise
assinalada, com uma legenda do lado de cada peça para informar o nome das
estruturas, isso permite aos alunos dominarem de forma mais acessível a
terminologia na área.
A presença do professor deve ser de mediador, para que na aula prática
possa ocorrer uma aprendizagem significativa, não somente para expor as peças,
mas principalmente para orientar e incentivar o aluno a refletir para se apropriar
melhor do conhecimento, por meio da observação do comportamento dos alunos, o
professor pode descobrir falhas e dificuldades, usando as ferramentas possíveis
como contribuição para uma aprendizagem mais eficaz.
Na aula de Anatomia Humana os professores não apenas devem dominar o
conteúdo da disciplina como os procedimentos necessários para os
encaminhamentos metodológicos, como também, nas aulas práticas, interagir de
modo que beneficie a troca de ideias e os questionamentos.
Desde a antiguidade até os tempos atuais o estudo da Anatomia Humana se
tornou indispensável para o desenvolvimento do ensino sobre o corpo humano em
cursos da área de saúde. Essa é uma afirmação não apenas dos acadêmicos como
dos professores que reconhecem que essa disciplina é o foco central para se
aprender e dominar os conceitos, definições, morfologia, enfim, tudo o que se refere
à estrutura, constituição e funcionamento do corpo humano.
A maneira de como o professor conduz o conteúdo pode levar a resultados
positivos ou negativos dentro do processo de aprendizagem do estudante.
Na questão seguinte os acadêmicos responderam a seguinte pergunta:
02 - Escreva qual seria a importância de se questionar e ensinar e aprender sobre o corpo humano?
Os resultados foram os mais diversos como apresentado a seguir:
95
• Entender melhor as doenças psicossomáticas;
• Compreender a relação morfológica com a mente;
• Entender o funcionamento do corpo humano, pois o corpo dá respostas
para a mente;
• Compreender a relação do encéfalo e das doenças da mente;
• Observar as partes do corpo que podem afetar as doenças mentais;
• É imprescindível para o profissional da saúde;
• Entender como o corpo influencia o bem-estar mental;
• Entender como a psicologia trabalha com o corpo, mente e intelecto;
• Entender o que ocorre com pessoas com transtornos mentais;
• Conhecer o sistema nervoso;
• Entender a importância e devido às enfermidades físicas é possível
encontrar um diagnóstico;
• Entender o funcionamento do corpo, porque às vezes a doença está só
na mente;
• É essencial para conhecer o corpo e suas funções.
Para esta questão, as respostas iguais foram agrupadas; analisando as
respostas, pode-se perceber que a grande maioria relaciona a importância ao seu
meio acadêmico, e demonstra nas suas falas a ligação da profissão à anatomia
humana.
O aprendizado a respeito do funcionamento do corpo humano é importante
para as mais diversas áreas de conhecimento, principalmente para àquelas que se
debruçam na área de saúde.
São muitas as transformações ao longo do processo de desenvolvimento do
ser humano, as mentais, as físicas e biológicas são constantes, aliado a isso, o
indivíduo traz consigo diversas reações e processos químicos que podem ocasionar
as mais variadas sensações. É da natureza humana a curiosidade, deste modo, o
homem está imbuído da necessidade de compreender as diversas estruturas que
compõem seu próprio corpo, o que possibilita as respostas às suas indagações é o
ensino sobre a anatomia de maneira clara, objetiva para responder aos seus mais
diversos questionamentos e curiosidades dos acadêmicos das diversas áreas de
saúde e deste modo incentivá-los para a importância deste conhecimento.
96
Cheio de multiplicidade o corpo humano é social, psicológico, biológico e
transcendente, apesar disso, a mente sempre ocupou um lugar de maior destaque
nos estudos sobre o homem.
O corpo humano tem origem a partir de uma célula e formada por diversas
partes que garantem um bom funcionamento do organismo, sendo que todas as
conexões ocorrem por meio de um processo evolutivo, assim, entender o seu
funcionamento é relevante para evitar diversos males presumíveis.
Fatores externos como alimentação, riscos físicos, químicos, biológicos,
cigarro, bebidas, e outros, podem acarretar ou desencadear diversos fatores que
podem prejudicá-lo.
O corpo humano quando é objeto de estudo possibilita a formulação de
conhecimentos sobre a sua constituição e funcionamento, quando consideradas as
discussões pertinentes a todos os aspectos que o engloba, sejam biológicos,
mentais, estruturais, elementares, enfim, a toda a sua formação e constituição e a do
que dele pode ser extraído ou consumido.
Nesse sentido, o conhecimento sobre o corpo humano representa uma das
expressões em que se materializa o conhecimento, fornecendo aos acadêmicos das
diversas áreas de saúde uma leitura sobre a sua estrutura, à luz das lentes
conceituais da biologia, da fisiologia, da anatomia, da psicologia, enfim das mais
variadas áreas.
Nos dizeres de Corbin, Courtine e Vigarello (2010, p.7), o corpo humano
preenche lugar no espaço e ao mesmo tempo é um espaço que possui “seus
desdobramentos [...]. Os cientistas o manuseiam e o dissecam; medem sua massa,
sua densidade, seu volume, sua temperatura; analisam seu movimento;
transformam-no”.
De acordo com Vigarello (2003), historicamente, a forma como o corpo
humano existe, pode ser explicada a partir de três faces: a) princípio da eficácia; b)
princípio de propriedade e; c) princípio de identidade.
Ainda de acordo com autor acima citado, o primeiro princípio, está
condizente com a capacidade de ação do corpo sobre os objetos, através da
mecânica e dos sistemas orgânicos, desse modo, pode-se pensar nas mais variadas
tarefas que se pode realizar no cotidiano através do corpo.
O outro princípio é o da propriedade que se refere à “posse, pelo corpo, de
um espaço e, nele, de um território totalmente pessoal, ou seja, apropriação do ser
97
no mais íntimo de si, nos limites de sua dimensão biológica” (VIGARELLO, 2003,
p.22).
O terceiro princípio, de acordo com Vigarello (2003) está relacionado a uma
interiorização ou a um pertencimento que designa o próprio sujeito. É importante não
nos distanciarmos dessas facetas, pois o próprio objeto em discussão possui uma
complexidade nas suas formas, quando pensando.
Sendo assim, entende-se que a dissecação do corpo humano se faz
necessária para que se possa revelar a organização interna dos corpos. Nesse
processo, passou a existir uma estreita relação entre a técnica da dissecação e a
produção de conhecimentos sobre o corpo.
Para a construção de conhecimento sobre o corpo humano, a dissecação foi
um processo para acessar, compreender e descrever o corpo, seja nos aspectos
relacionados à sua organização e/ou funcionalidades.
Primordial para os cursos da área da saúde, o conhecimento sobre o corpo
humano para que acadêmicos possam adquirir conhecimento sobre a forma e a
localização do esqueleto humano, relacionando-o com as suas funções e as mais
variadas doenças que acomete o indivíduo.
Analisamos a questão 03 a seguir:
03 - Como você e seus colegas se organizam para o estudo da anatomia humana?
98
Gráfico 2 - Grupo de estudo
31%
69%
0 0
Participa de Grupo de Estudos
sim
não
Fonte: Autoria própria
Podemos perceber que 80 acadêmicos de 116 pesquisados não se
organizam para estudar anatomia humana (69%), e 36 acadêmicos participam de
grupo de estudos (31%), o resultado aponta que em sua grande maioria, os
acadêmicos sabem da importância do estudo, mas que não se organizam em grupos
de estudos, fixando-se no estudo devido à grade curricular dos cursos da área da
saúde e da obrigatoriedade da disciplina de anatomia humana.
Ensinar e aprender são atos relevantes para o processo de ensino-
aprendizagem. Os educadores buscam elaborar o que pretende ensinar a partir dos
seus conhecimentos antecedentes, transmitindo para seus alunos com o intuito de
agregar informações e ampliar os conceitos que sejam necessários. Essa
metodologia permeada com intercâmbio de questionamentos, dúvidas, assimilação,
acertos e erros é que vai sendo construído o conhecimento de cada um.
A aula prática é uma forma eficaz de oferecer contato direto com a realidade.
Estudantes e profissionais acreditam que a Anatomia humana deve ser um assunto
essencialmente prático, onde não só a dissecação ocupe posição de destaque, mas
também técnicas de imagem e resolução de problemas clínicos.
Os alunos podem formar grupos de estudos para juntos melhor compreender
e intensificar as questões complexas sobre o corpo humano, realizado a partir das
aulas de anatomia humana.
A próxima questão provoca a reflexão entre aprendizagem de anatomia
humana e espaço não formal de ensino:
99
04 - Você acredita que é possível aprender sobre anatomia humana sem estar propriamente no ambiente tradicional de ensino como a sala de aula?
Gráfico 3 - Espaço alternativo de aprendizagem
73%
27%
0 0
É possível aprender anatomia em espaços alternativos?
Sim
Não
Fonte: Autoria própria
Em sua grande maioria, os acadêmicos acreditam que é possível aprender
anatomia humana fora do espaço tradicional, esses espaços não tradicionais são
nomeamos de espaço não formal de ensino.
A educação pode acontecer tanto no espaço formal como no não formal. O
espaço formal de educação se refere à educação tradicional que ocorre nas salas de
aulas das escolas, universidades, faculdades, enfim, no espaço onde o professor é o
interlocutor e os alunos os ouvintes ou participantes.
Entende-se que toda modalidade de educação é, em certo sentido, formal,
pois tem a intenção de transmitir conhecimento, no entanto, o cenário pode ser
diferenciado. Na educação formal onde o espaço da escola/universidade é
demonstrado pela formalidade, pela regularidade e pela sequencialidade. O espaço
da cidade, onde pode ocorrer a educação não formal, é denotado pela
descontinuidade, pela eventualidade, pela informalidade.
O fator espaço na educação não formal é relevante bem como a categoria
tempo. Pois o aprendizado neste tipo de educação é flexível, e respeita as
diferenças e as capacidades de cada indivíduo. Sendo uma das suas características
importantes a flexibilidade relacionada tanto ao tempo como na criação e recriação
dos seus diversos espaços.
100
Essa é uma definição ampla que está relacionada com o conceito de cultura.
Por este motivo ela se apresenta ligada à aprendizagem política dos direitos dos
indivíduos enquanto cidadãos e à participação em atividades grupais, sejam esses
adultos ou crianças.
No que se refere ao aprendizado da disciplina Anatomia Humana esse pode
ser contemplado a partir de aulas teóricas e práticas por meio de métodos de
observação das peças anatômicas, técnicas da dissecação de peças de cadáveres
inteiros formalizados ou de suas partes preparadas e outras.
O processo de ensino-aprendizagem dessa disciplina é bastante complexo.
Nos dias atuais as instituições de ensino superior buscam métodos inovadores que
auxiliem nesse aprendizado.
A maior parte dos espaços não formais apresenta potencial de indagação e
novidade para os que buscam estes locais. Apesar, de que os recursos nesses
ambientes não serem muito utilizados. Esse é um local onde o aprendizado pode ser
muito bem contemplado e até interagir com objetos interativos.
Muitas vezes isso não acontece porque alguns professores não estão
atentos ao que estes locais podem proporcionar para a aprendizagem. Assim,
entende-se que, para que os espaços não formais de educação sejam bem
aproveitados, faz-se necessário um olhar mais atento dos profissionais de ensino,
para a utilização dos espaços não formais, pois ele é uma ferramenta favorável para
o conhecimento da anatomia humana de maneira mais prazerosa e lúdica.
Com a próxima questão, o foco da reflexão esteve relacionado com o
processo histórico entre a anatomia humana e a arte:
05 - Você visualiza alguma relação entre arte e o ensino de anatomia humana? Se sim, descreva nas linhas abaixo qual é essa relação?
101
Gráfico 4 - Relação Arte x Anatomia
Fonte: Autoria própria
No gráfico acima, pode-se observar que em sua maioria (95%) dos
acadêmicos entrevistados percebem que a arte e a anatomia humana possuem uma
relação estreita, e ainda realizam as seguintes colocações:
• Através das pinturas e gravuras que demonstram a anatomia humana;
• As esculturas que demonstram as proporções do corpo humano;
• A arte mostra o corpo de forma mais didática;
• A arte mostra “por cima”, e não mostra a morfologia e funcionamento do
corpo;
• Sem a arte o estudo do corpo fica complexo e praticamente inacessível;
• Os desenhos (ilustrações) possibilitam maior realismo para estudar nos
livros a anatomia humana;
• A arte deixa o estudo da anatomia humana mais lúdico.
Analisa-se a partir das respostas descritivas sobre a relação arte e anatomia,
que os acadêmicos possuem a visão que a arte serviu de apoio para o ensino de
anatomia humana, como ilustração de livros e no fazer esculturas realistas do corpo
humano em si.
Os desenhos dos livros eram obras dos artistas ou feitas também pelos
médicos. No geral, as obras de anatomia eram direcionadas a médicos com forte
participação dos artistas e médicos, e vice-versa.
102
Nessa época médicos e artistas se debruçavam nos estudos da anatomia,
apesar de terem interesses distintos sobre a disciplina. Para os médicos esses
estudos visavam descobrir os segredos do corpo e da vida, para tanto, estudiosos
como Aristóteles e Galeno dissecavam o cadáver com o intuito de entender a razão
de ser do corpo humano; e, os artistas, buscavam a proporção, da beleza perfeita
que admitisse aproximar o mundo dos homens com o universo dos deuses.
A vida de muitos artistas tinha o contato com a dissecação, mesmo não
atuando como médicos.
A última questão refere-se a uma exposição de arte como espaço não formal
de ensino de anatomia humana.
06 - Você acredita que museus e galerias de arte podem auxiliar você, como acadêmico em seu processo de estudo para anatomia humana? Se sim, escreva como.
Gráfico 5 - Estudo não-formal
Fonte: Autoria própria
Os acadêmicos, além das repostas diretas, escreveram como os museus e
galerias de arte auxiliam o processo de aprendizagem de anatomia humana, segue
as respostas:
103
• Com exposições interativas, criativas e diferentes sobre o corpo humano;
• Disponibilizando cadáveres no museu;
• Apresentando estudos completos com corpos reais;
• Com obras de arte, mostrando o corpo de forma mais didática;
• O museu desperta a curiosidade;
• O museu deixa o aprendizado mais prático.
Observa-se com os apontamentos a influência que os acadêmicos tiveram
da opinião pública sobre dois eventos culturais que ocorreram em 2017, o primeiro
foi a exposição “Queer Museu”, no centro cultural do banco Santander na cidade de
Porto Alegre, e que foi fechada antes do prazo, devido a movimentos que criticaram
a mostra, pois a exposição continha imagens de homofobia, zoofilia, imagens
religiosas, entre outras, e tinha o intuito de fazer a população pensar sobre aqueles
temas apresentados.
Em uma performance intitulada La Bête, que o artista Wagner Schwartz fica
nu sobre um tatame, a performance ocorreu no Museu de Arte Moderna de São
Paulo, na performance o artista colocava objetos arte de Lygia Klark da série bichos,
e o público podia tocar em seu corpo nu e modificar sua posição atual, mas a revolta
da população foi que uma criança interagiu na performance sobre incentivo de sua
mãe, como o vídeo foi divulgado em larga escala em redes sociais, as tv´s
apropriaram-se das imagens para disseminar o sensacionalismo, colocando em foco
a palavra pedofilia; esses fatos influenciaram a grande massa, influenciando de
forma negativa a opinião pública sobre a arte moderna e contemporânea e os limites
da arte.
A seguir você pode verificar a influência da mídia na opinião dos
acadêmicos:
• Com ambientes de exposições para determinada idade;
• Exposição para acadêmicos, mas cuidando para não expor crianças e
para pessoas que assistem com outras intenções além de estudar.
• Auxilia, mas vi outras exposições que mostram pedofilia e são erradas;
• Ajuda desde que não tenha corpos nus;
• Desde que a exposição não contenha imagens de nudismo.
104
Em linhas gerais, analisando os dados apresentados na pesquisa fica claro
que os acadêmicos sabem da importância do estudo da anatomia humana para a
sua vida acadêmica e profissional, e que a arte possui uma ligação direta com o
estudo de anatomia humana, além de auxiliar na didática do aprendizado da
disciplina de anatomia humana. Desta maneira, os espaços não formais (galerias de
arte e museus), trabalham como filtros, permitindo a aprendizagem de forma lúdica e
dinâmica.
A educação não formal na área das ciências contempla a participação de
instâncias educativas de caráter não formal. São diversos os museus que
contribuem para a educação em ciências ao longo da vida, diferenciando-se uns dos
outros, entre outras coisas, pela temática específica e pelo tipo de exposições e
atividades que oferecem ao público.
105
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados obtidos nos questionários irão auxiliar na resposta da questão
central da pesquisa, que é: A disciplina de anatomia humana pode ser transmitida
em espaços não formais de ensino, uma vez que o histórico desta disciplina traz
uma relação singular com a arte?
Para desenvolver este estudo foi realizada uma matriz dialógica
problematizadora, fazendo uma associação entre a pesquisa e a prática educacional
no contexto da Disciplina de Anatomia Humana. Tal matriz e a pesquisa-ação com
matriz investigativa auxiliaram na coleta de dados, na sua categorização e na
análise para a realização desta pesquisa.
Também foram traçados três objetivos específicos para melhor
direcionamento e entendimento do estudo: abordagem da história da Anatomia
Humana, análise do Espaço não formal de ensino, e considerações sobre a relação
da Arte com a Anatomia Humana. Levando em consideração estes três objetivos foi
realizada uma síntese destes estudos.
Além da pesquisa bibliográfica foi feito também um estudo de campo em
uma universidade particular na cidade de Ponta Grossa - Paraná, onde foi aplicado
um questionário semiestruturado para os acadêmicos dos cursos da área de saúde
do segundo período de bacharelado em Psicologia, bacharelado em Biomedicina e
licenciatura em Biologia.
Os acadêmicos que responderam o questionário realizaram uma reflexão
sobre o ensino de anatomia humana, arte e espaço não formal de ensino. Os
acadêmicos responderam 116 questionários, cuja as questões foram elaboradas a
partir da matriz dialógica problematizadora. Estas questões foram elaboradas com
os seguintes objetivos: como eles desenvolvem conhecimento sobre o corpo
humano; a relevância de se questionar e ensinar e aprender sobre o corpo humano;
como eles se organizam para estudar a anatomia humana; se era possível aprender
sobre anatomia humana sem estar no ambiente de educação formal; se enxergam
alguma relação entre arte e o ensino de anatomia humana; e por fim, se eles
acreditam que museus e galerias de arte podem auxilia-los como acadêmicos em
seu processo de estudo para anatomia humana.
106
Assim, ao final deste estudo cabem algumas considerações finais sobre o
tema abordado. A anatomia e a arte são frutos dos contextos históricos e culturais
que atenderam as mais variadas necessidades da humanidade. Ambas constituem
atividades humanas que, na maioria das vezes, divergem em suas produções. A
anatomia surge das necessidades do homem de entender o interior do seu corpo,
suas formas e funcionamento; enquanto a arte buscava a exteriorização das
peculiaridades do olhar do artista.
Deste modo, os artistas aprendiam com os médicos sobre a anatomia a
partir de livros confeccionados pelos próprios médicos. Era um aprendizado
compartilhado e no nível da representação médico/anatômica, como foi visto no
decorrer deste estudo. Isso ocorria pelo fato de que as ilustrações dos livros eram
obras produzidas pelos próprios artistas e, também, realizadas pelos médicos. A
relação do ensino da anatomia humana era de compartilhamento dos médicos com
forte participação dos artistas e médicos, e vice-versa.
Assim, Vesalius, Harvey e Descartes cooperaram muito com a anatomia
moderna, pois observaram e descreveram o corpo humano. O trabalho destes
médico/anatomistas colaboraram com a morfologia anátomo comparativa funcional e
arquitetural do século XVII.
Michelangelo também foi um dos artistas que muito contribuiu para a história
da anatomia, foi ele o criador da teoria "de que o que é verdadeiro, pode não ser
visto". Este artista que passou duas décadas buscando conhecimentos com as
dissecações de cadáveres foi o responsável em registrar com seus desenhos, o
interior do corpo humano em suas produções artísticas, a relevância de um exame
mais meticuloso para o entendimento do interior do corpo humano foi dada a partir
de seus estudos.
A partir das imagens produzidas pelos artistas, e dos estudos sobre a
história da anatomia, foi possível perceber que as dissecações nos tempos antigos
não tinham o intuito de conduzir o treinamento médico dos alunos, mas sim um
exercício instrutivo e não investigativo.
Leonardo da Vinci também foi um artista que dava importância às dimensões
do corpo como sendo uma combinação biológica e anatômica que se referia à parte
interna do corpo humano, ela tinha uma visão mais apurada das propriedades que
não eram muito observadas se empenhando e dando amplitude ao que o
interessava, e com isso muito contribui para o estudo da anatomia humana.
107
Da Vinci também fez considerações acerca dos estudos de fisiologia
humana, considerando a embriologia, as dimensões dos ossos, e a investigação dos
nervos e vasos sanguíneos, com análise dos movimentos.
Na Idade Média, a dissecação de cadáveres foi condicionada pelo
cristianismo e pela lei islâmica e sobre a representação do corpo humano, sendo
somente liberadas imagens diagramáticas com intenção didática.
A anatomia no século XVIII era ensinada aos artistas por meio de cursos
realizados por médicos (teatros anatômicos) e escritos de anatomia. O cruzamento
dos relativos saberes e práticas se faziam ao nível da representação
médico/anatômica. As ilustrações eram feitas por artistas, por médicos, por artistas
contratados por médicos, por médicos treinados como artistas ou por artistas que,
posteriormente, se tornaram médicos.
O aumento do número de teatros anatômicos (inclusive particulares) e a
ampliação do pleito por corpos requisitados pelas universidades fizeram com que a
demanda por cadáveres aumentasse vertiginosamente. Consequentemente, o
número de cadáveres solicitados pelas universidades passa a ser maior do que os
executados disponibilizados pelas autoridades, fazendo surgir o fenômeno
conhecido como “infame”. Infame era o nome dado aos roubos de cadáveres que
marcaram os grandes centros europeus ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII. Na
maioria das vezes, os furtos ocorriam em cemitérios da própria cidade onde,
posteriormente, os corpos seriam dissecados, não sendo raros os casos nos quais
um espectador ou estudante de Anatomia deparava-se com um “conhecido” na
mesa de dissecação.
O resultado do aumento do número de teatros anatômicos, nos séculos XVII
e XVIII, resultou na aprovação do estudo anatômico, que em séculos anteriores foi
reprovado pelas instituições religiosas e, consequentemente, pelos seus fiéis.
No século XXI surge as imagens produzidas digitalmente em código binário
e as manipuladas por softwares computacionais. As imagens produzidas por estas
novas tecnologias alavancaram o desenvolvimento científico, principalmente, na
área da saúde, desta maneira, possibilitando diagnósticos mais precisos, aumento
da expectativa e da qualidade de vida da população de um modo geral.
Entende-se que o ato de ensinar e aprender são essenciais para o
conhecimento científico. Neste estudo em anatomia humana, a ferramenta
metodológica proposta foi a exposição que envolve a arte e anatomia em um espaço
108
não formal, para desenvolver o ensino-aprendizagem, com o intuito de agregar
informações e ampliar os conceitos que sejam necessários para o desenvolvimento
intelectual e cultural, e formação do indivíduo nesta área.
Entende-se que toda modalidade de educação é, em certo sentido, formal,
pois tem a intenção de transmitir conhecimento. No entanto, o cenário pode ser
diferenciado. Na educação formal o espaço da escola/universidade é demonstrado
pela formalidade, pela regularidade e pela sequencialidade. O espaço da cidade,
onde pode ocorrer à educação não formal, é denotado pela descontinuidade, pela
eventualidade e pela informalidade.
Portanto, o estudo de campo realizado com os acadêmicos, da universidade
particular na cidade de Ponta Grossa no Estado do Paraná, possibilitou conhecer a
percepção dos alunos sobre o ensino da anatomia humana relacionado à arte, e da
utilização de exposição como forma de ensino. A análise das respostas obtidas por
meio de questionários semiestruturados, propostos nesta pesquisa, foram
condizentes com a realidade sobre o ensino da anatomia descrita no levantamento
bibliográfico desta dissertação.
Durante o período que a exposição ficou em cartaz, foi possível recolher
relatos das experiências multissensoriais que os acadêmicos e colabores do local
que a exposição estava instaurada nos relatavam. Entre os relatos foi possível
verificar os processos de aprendizagem que a exposição possibilitou a estes
visitantes.
A primeira reação que em sua grade maioria relataram ao terem o primeiro
contato com a exposição era o “choque”, pois esses acadêmicos e colaboradores da
instituição não tiveram contato com peças cadavéricas, somente com modelos
anatômicos sintéticos (no caso dos cursos que envolvem a área da saúde), e ver as
peças cadavéricas inicialmente causava uma repulsa e negação, tanto que
acreditavam serem esculturas, não cadáveres reais.
Após a negação, ocorria à reflexão sobre as peças expostas, e na análise
dos acadêmicos, faziam a comparação da conscientização sobre o aborto e o uso
de drogas durante a gestação, devido aos fetos expostos, que em sua grande
maioria sofreram deformidades devido aos dois fatores observados; os acadêmicos
pensavam em criar campanhas publicitárias de impacto sobre o assunto “aborto”.
O segundo impacto e reflexão ocorreu ao verem uma cabeça cortada ao
meio com um cigarro na boca e o pulmão negro e enrijecido devido ao tabagismo;
109
houve vários relatos de acadêmicos que não tinham ideia como era prejudicial, e
que iriam cessar o uso do cigarro, mostrando uma consciência e respeito ao seu
próprio corpo.
Em relação a outras peças expostas, os acadêmicos compararam o
conhecimento adquirido em estudos bibliográficos com a importância de ter a peças
cadavéricas para a manipulação e estudo aprofundado, em relação à posição e
funcionamento de cada órgão, tendões e músculos; por meio deste processo que
ocorre a teoria e a práxis no ensino aprendizagem da anatomia humana, processo
este que ocorreu durante a exposição, seja em maior ou menor grau de
aprofundamento.
Este resultado só vem a ressaltar a necessidade de mais espaços informais,
de fácil acesso a população, para exposições relacionando a Arte e Anatomia
Humana, permitindo a aprendizagem de forma lúdica e dinâmica.
110
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