ART Geraldi Lgm Identidade

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  • Cincias & Letras, Porto Alegre, n. 49, p. 9-19, jan./jun. 2011 11 Disponvel em:

    Doutor em Lingustica e Livre-docente (UNICAMP). Professor Titular aposentado da UNICAMP. (E-mail: [email protected]).

    Linguagem e identidade: breve nota sobre uma relao constitutiva

    Joo Wanderley Geraldi

    ResumoNesta re exo, parte-se da concepo da linguagem como atividade constitutiva, de si e dos sujeitos que a falam, para discutir as mltiplas identidades que necessariamente assim se con guram. Aponta-se para os modos como o capitalismo contemporneo investe na dife-rena e a torna nichos de mercado e como as identidades tambm se revestem de mscaras de sobrevivncia num mundo globalizado, mas cioso da diferena como marca de presena social.

    Palavras-chave: Linguagem. Identidade. Atividade constitutiva.

    1 Introduo

    Para discutir a relao entre linguagem e identidade, necessrio que recordemos dois mitos fundantes de nossa cultura judaico-crist-eu-ropeia: o mito da Torre de Babel e o mito de Pentecostes.

    O primeiro introduz, num mesmo gesto, um mito e uma avaliao sobre a diferena. O mito de uma unidade prvia, existente: todos os homens falavam a mesma lngua e todos os homens se compreendiam. Para confundi-los em sua orgulhosa empresa de chegar aos cus, Deus os fez falarem diferentemente um do outro, de modo que ningum mais se entendia e a empresa da Torre abandonada. Babel passa a sinnimo de confuso, de incompreenso. este segundo aspecto do mesmo gesto que preciso reter, ainda que muitas vezes que oculto: a diferena (lingusti-ca) surge como efeito de um castigo. um castigo divino. Retornar a um suposto tempo anterior, da uniformidade, continua rondando: o esperanto ou a de nio de uma forma nica para cada lngua so exemplos.

    O segundo mito o de Pentecostes, e ele responde de outro modo ao mesmo sonho de unidade. Como as lnguas j esto constitudas, so reconhecidas como tais; por obra de Pentecostes qualquer lngua ouvida em sua prpria lngua; em outros termos, qualquer lngua traduzvel para outra lngua. A uniformidade agora no mais buscada no nvel dos

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    recursos expressivos mobilizados mas nos discursos proferidos, unidade que se materializaria em todos dizerem o mesmo discurso universal da f, cristo e catlico. Introduz-se, subrepticiamente, o mito da tradutibilidade: tudo se pode traduzir dizendo o mesmo de diferentes formas em diferen-tes lnguas.

    Diz-se o mesmo em uma e outra lngua?H ainda outro desvo que preciso evitar na discusso da rela-

    o entre linguagem e identidade. Trata-se da denominao que demos ao princpio cartesiano segundo o qual A igual a A, excludo qualquer ter-ceiro. A questo da igualdade sempre foi produtiva na re exo los ca. O princpio cartesiano da identidade nos faz confundir esta com a igual-dade. Como so dois conceitos muito prximos, facilmente um tomado pelo outro. A = A ou A A nada nos diz sobre A e ser sempre uma a rmao tautolgica. Ora, se o princpio da identidade apenas referisse a esta tautologia, sua produtividade seria muito reduzida, mas ainda assim muito forte. Considere-se, sobretudo, a introduo que faz da atempora-lidade, da permanncia de um imanente suposto, da objetividade e inde-pendncia de quem diz A = A e do exlio do espao. Tempo, pessoa e espao tornam-se insigni cantes para o princpio.

    O efeito corrosivo da frmula cartesiana se aprofunda quando en-tendemos identidade como igualdade constante, como o mesmo que per-manece sempre o mesmo. Ora, para pensarmos a identidade, ou melhor, as aproximaes identitrias que circunscrevem um campo do qual um conjunto de elementos se considera pertencente, preciso que evitemos transferir para esta discusso a questo da igualdade que independe do tempo, da pessoa e do espao.

    A identidade descola-se de suas condies de produo?As duas observaes anteriores uma relativa ao primeiro elemen-

    to de nosso binmino, a linguagem; outra relativa ao segundo elemento, a identidade podem evitar que caiamos no engodo de falarmos em lingua-gem e em identidade no singular. H linguagens numa mesma lngua. H identidades num mesmo sujeito.

    2 A linguagem: um mecanismo que nos torna o que somos

    Seguramente h inmeros mecanismos (ou regimes, para usar uma expresso ao gosto foucaultiano) que nos tornam o que somos. Vou res-tringir minha discusso a um deles: a linguagem.

    No incio do sculo XX, nos alicerces do estruturalismo, a lingua-gem foi conceituada como a capacidade humana de criar lnguas, restrin-gindo-se os estudos lingusticos anlise destas lnguas, de seus sistemas (fonolgico, morfolgico, sinttico, semntico e at mesmo discursivo, em sua primeira empreitada quando buscava uma anlise automtica de

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    cada discurso proferido a partir das condies de sua produo). De nida, assim, uma capacidade humana, dispensa-se a Lingustica de discuti-la e transfere o fenmeno tanto para a rea da psicologia quanto para a rea da loso a. Ou mesmo para a rea da biologia, espao a que pesquisas mais recentes a tm con nado: pretende-se no s de nir o espao do crebro por ela ocupado, mas tambm que sinapses so por ela responsveis.

    Certamente cada um desses campos trar informaes relevantes para compreender um fenmeno to complexo e heterclito (como disse Saussure) quanto a linguagem. Sem defender um ecletismo cient co, o que importa desenhar um quadro de referncias capaz de conduzir e enriquecer nossas re exes sobre o fenmeno, sabendo desde sempre que toda iluminao a partir de um foco produz resduos, sombras que outros focos podem mostrar mas, sabemos, tambm eles produziro sombras e resduos. A promessa da modernidade de que um dia o real seria dito pela cincia um mito. Nossas concepes fazem aproxima-es, nada mais do que isso. Mas estas nos permitem compreender de um certo modo, que ousamos chamar de melhor, o mundo, as coisas, as gentes, ns mesmos e a vida que no mundo construmos.

    Sobre a linguagem, interessa aqui ressaltar um aspecto fundamental para a construo das identidades: nascemos num mundo de linguagem, sob o domnio de uma variedade de uma lngua. Nascidos, imediatamente convivemos corprea e mentalmente com os outros. Eles se dirigem a ns. O beb no bero tambm se dirige a seu outro: olha, chora, sorri.

    Consideremos um momento de vida desse beb, em torno de seus trs meses de vida. Suponhamos que sua me, a adulta que com ele con-vive, recebe um convite para um programa externo, fora de casa, com o pai do beb. Me cuidadosa, para aceitar, precisar encontrar algum que a substitua no tempo em que estiver fora: algum car com nosso beb. Telefona para uma amiga que se dispe a lhe prestar este favor ou servio. Na noite do programa (h que ser noite!), antes de sarem, os pais do instrues dos cuidados a ter: hora de alimentao, troca de fraldas, chupeta, mamadeiras, etc.

    Assim que os pais saem de casa, o beb comea a chorar. Como ainda no seria hora de mamar, que faz a amiga agora cuidadora? Ela tentar interpretar o sentido do choro: oferecer colo e carinho; oferecer a chupeta; oferecer a mamadeira etc., at encontrar um sentido para o choro, e acalmar a criana, resolvendo a situao.

    esse gesto de busca de um sentido que aproxima o cuidador e o beb. Todos ns sabemos que o convvio entre adulto e beb, muito rapi-damente, permite quele compreender os choros, as demandas da crian-a, tanto que, dependendo do tipo de choro, largamos imediatamente o que estamos fazendo para corrermos cheios de cuidados para a criana. Outras vezes, at deixamos chorar um tempinho porque sabemos o sen-tido do choro!

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    O que importa extrair deste exemplo o fato de que a lngua cons-tituda na atividade mesmo da relao com o outro. Os recursos expressi-vos mobilizados pelo beb e por sua me (ou bab) no so compartilha-dos publicamente, nem todos esto habilitados a compreender os sentidos dos diferentes tons de choros, resmungos ou mesmo sorrisos. quase uma lngua(gem) cifrada, prpria e em expanso contnua esta que falam o beb e sua me.

    Essa , talvez, nossa verdadeira primeira lngua materna: aquela que construmos conjuntamente com os adultos que nos so prximos: me, bab, irmo mais velho etc. Esta a lngua que esquecemos medida que a lngua mais ampla do ambiente em que nos criamos vai nos consti-tuindo em outro do beb que fomos.

    A aprendizagem da palavra compartilhada, de seus sons, de suas entonaes, um processo de internalizao da lngua dos outros que se vai tornando tambm minha. Inicialmente, como palavra alheia, ouvida de outro; depois como palavra prpria-alheia, medida que uma nova pala-vra aprendida com base nas palavras j conhecidas; depois sero palavras prprias, o que signi ca de fato um esquecimento de suas origens, porque em matria de lngua no h o que prprio e o que do outro: s h com-partilha.1

    Consideremos agora alguns aspectos prprios s palavras que com-partilhamos, porque as aprendemos com os sentidos que os usos dela ti-veram na histria de nossas interaes verbais com os outros. Para tanto, retornemos questo da igualdade: a mesma frmula com que a de -nimos A A tambm usamos em outras circunstncias para dizer A B, como em

    (1) Braslia Braslia. (A = A)(2) Braslia a capital do Brasil. (A = B)

    Quando enunciamos (2), dizemos algo sobre Braslia, aquilo que ela , mas ao mesmo tempo sabemos que ela no somente capital do Brasil. Muitas outras expresses poderiam ser utilizadas para identi c-la [sede do governo federal, cidade fundada por Juscelino; cidade planejada por Niemayer etc.], para nos aproximarmos de seus sentidos. A cada vez dizemos algo sobre Braslia, em outras palavras, a cada vez apresentamos Braslia de forma distinta. Assim funcionam os recursos expressivos: a mesma realidade emprica apresentada de forma distinta dependendo da expresso usada o mesmo planeta Venus ora estrela da manh, ora estrela da tarde. Ou, para chegarmos mais a nosso mundo contem-porneo: a ocupao de uma fazenda improdutiva pelo MST a imprensa e outros chamam invaso; ao assassinato de Bin Laden chamamos de operao de guerra [legtima?] dos EEUU; para alguns, muulmano e terrorista so expresses intercambiveis.

    1 Isto no quer dizer que todos atribumos os mesmos sentidos s mesmas expresses, como reveremos a seguir.

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    A cada vez que usamos uma ou outra expresso, damos a realidade de um modo distinto. Quando nascemos, no encontramos apenas uma lngua em uso encontramos um mundo signi cado. E o aprendemos, o compreendemos segundo os signi cados que circulam no meio em que nos constitumos os homens que somos.

    Obviamente medida da ampliao de nossas relaes interlocuti-vas vamos ampliando nossas compreenses do mundo. Mas nossa cons-cincia no passa do conjunto heterclito dos sentidos que aprendemos e que esquecemos. O material concreto da conscincia, diz Bakhtin (2003), so os signos. E os signos so modos de dar a conhecer, de um certo modo, o mundo e as gentes que nele vivem. Por isso falar no representar o mundo, mas construir uma representao do mundo para si e para os outros.

    Nesse sentido, a linguagem mais do que uma capacidade huma-na de criar lnguas: ela uma atividade constitutiva de si prpria (lem-bremos o beb com sua me constituindo uma lngua) e da conscincia dos sujeitos que a falam. E por isso mesmo um dos principais mecanis-mos (regime?) constitutivos do que somos.

    3 A educao e a multiplicao das interaes possveis

    A grande expanso das possibilidades de constituio de nossas conscincias para apreenso de novos conceitos, de novos fenmenos de-veria ocorrer no processo de escolarizao. Os processos escolares exer-cem uma funo social extremamente importante, j que a aprendizagem do ler e do escrever que se d na escola abre os horizontes de possibilida-des de interaes com outros distantes no tempo e no espao. Aprender a ler e ler mais do se informar: multiplicar por n vezes nossas possi-bilidades de interao e por isso mesmo multiplicar os lugares de nossa constituio como sujeitos. Uma escola que deixe seus alunos onde esto no compreendeu propostas pedaggicas que defendem que devemos partir do conhecido! Partir signi ca no car no conhecido, signi ca ir adiante, navegar sem porto de nitivo de chegada porque quanto mais avanamos, mais vemos oportunidades de avanar em nossa formao.

    Multiplicadas as possibilidades de interaes possveis, nelas uti-lizamos nossas palavras como contrapalavras com que construmos com-preenses do novo que nos enriquece neste processo contnuo. Como a construo destas compreenses depende crucialmente das contrapala-vras mobilizadas e mobilizveis pelos sujeitos, nunca h uma uniformi-dade das representaes que fazemos da realidade. E mais, uma nova palavra aprendida (um novo conceito, uma nova categoria) desloca os sentidos das palavras antes conhecidas, de modo que, quando usadas novamente como contrapalavras, j estaro carregadas cada uma delas de sua histria, num processo que no tem m.

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    Eis o porqu de nunca dizermos o mesmo quando usamos diferen-tes palavras. E como no dizemos o mesmo com diferentes recursos ex-pressivos dentro de uma mesma lngua, tambm no dizemos o mesmo em distintas lnguas. Por isso a traduo de uma lngua para outra sempre conter a interpretao do tradutor (ou suas traies, segundo outra pers-pectiva que suporia a possibilidade da traduo efetiva e completa, sem relevncia a dados culturais).

    Tambm nessa perspectiva, podemos encontrar o mago do pro-cesso de constituio das identi caes, isto , das aproximaes aos ou-tros que nos fazem sermos o que somos: com eles nos identi camos e por que com estes outros nos identi camos, alguns outros nos atribuem uma certa identidade. Aqui identidade no mais do que uma aproxi-mao com o outro; portanto, uma relao com a alteridade. Como as alteridades so muitas, o pertencimento (real ou atribudo) a um deter-minado grupo nos identi ca, para outros grupos como sendo/tendo as caractersticas atribudas a esse grupo. Assim, as identidades podem ser prprias, mas essencialmente elas so produtos de uma atribuio da alteridade. o outro que nos identi ca, e porque assim identi cados, ns mesmos nos aproximamos das identi caes que nos so atribudas.

    Mas estaremos condenados a um e sempre mesmo grupo?

    4 Identidades e mscaras identitrias

    Obviamente no estamos condenados a um gueto. Convivemos presencial ou virtualmente com muitos grupos. Transitamos neste con-junto heterclito que constitui nossa sociedade (em seu sentido mais amplo de sociedade contempornea e no seu sentido mais restrito do pequeno grupo em que estamos famlia, grupo de amigos, associao, sala de aula, etc.). E nos enriquecemos com isso. Em cada um desses grupos exercermos funes distintas. Embora possamos no concordar plenamente com uma sociologia dos papis, certamente ela nos chama ateno para o fato de sermos ao mesmo tempo e distintamente, segundo os espaos sociais, ora pais, ora professores, ora consumidores, ora com-pradores, ora transeuntes, ora motoristas.

    No se creia, no entanto, que o deslocamento de um espao social ao outro se faa desvestido das formas de estarmos nos outros espaos sociais. Herdamos, sim, da con gurao social como um todo, as formas de sermos em cada espao, mas como nos deslocamos marcados pelas ex-perincias vividas entendidas estas como aquilo que nos acontece, que nos toca, que nos mobiliza, nos modi ca tambm modi camos o modo de ser pai, de ser professor, de ser consumidor. A histria do cotidiano, a micro- histria vai mostrando como esses deslocamentos, s vezes im-perceptveis, so essenciais. No somos como nossos pais ao sermos

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    pais. Assim tambm no tempo grande: somente uma viso da histria sem historicidade pode imaginar que o Renascimento, por exemplo, no tenha comeado no mnimo uns trs sculos antes de 1500.

    Mas h tambm outras identidades com que nos vestimos. Elas so mais sutis do que aquelas relativas aos papis sociais. Muitas delas so mscaras que usamos sem nos darmos conta. Pensemos, por exem-plo, em valores sociais mais amplos quanto mais amplo for um valor social, menos ele explicitado e por isso mesmo seu desvendamento, especialmente pela atividade artstica, produz estranhamentos. Consi-deremos o atual valor bsico da sociedade contempornea: o novo e a velocidade de sua emergncia:

    Na verdade, a mensagem transmitida com grande poder de persuaso pela mais efetiva mdia cultural, a mensagem lida com facilidade por seus receptores a mensagem da indeterminncia e maciez essenciais do mundo: tudo pode acontecer e tudo pode ser feito, mas nada pode ser feito apenas uma nica vez e durar para sempre e seja l o que for que acontea, chega sem se anunciar e vai embora sem avisar. (BAUMAN, 2008, p. 114).

    Uma de nossas mscaras contemporneas precisamente o resul-tado dessa mobilidade, dessa mudana veloz: o embotamento de nossa capacidade de nos surpreendermos. Um sujeito atual no um sujeito surpreso! Mostrar-se surpreso com o novo estar fora da ordem da novi-dade que, vindo, est sempre prevista chegar. Trata-se simplesmente de adaptar-se a essa novidade, de consumir segundo esta novidade. Isso vai da moda ao software, do mvel de dentro de casa aos espaos de convvio social: o shopping da moda, o ponto frequentado pelos jovens, o lugar da balada etc.

    Saudade do que passou saudosismo, desatualizao: e isso vai das formas de saudaes aos modos de falar sobre o mundo e o que falar sobre o mundo. Uma ordem de discurso que seleciona, que esquece, que obriga. Para ser contemporneo preciso no se deixar surpreender.

    Uma segunda mscara tem a ver com o esquecimento das seme-lhanas e do destino histrico comum da humanidade. Investimos nas diferenas mas diferenas identi cadoras num duplo sentido: preciso que me vista (fale, pense...) como meu grupo para com ele me identi car: preciso que me faa diferente para ser identi cado no grupo e fora dele.

    s diferenas inevitveis dos processos de constituio das subje-tividades que existem mesmo dentro de uma cultura e lngua espec cas j que cada um de ns faz um distinto percurso de contatos com a alte-ridade e por isso mesmo internaliza os signos constitutivos de sua cons-cincia em ordens distintas, a atualidade responde de forma verticaliza-da: preciso aprofundar as diferenas e construir, com algumas delas, identidades que conformem grupos consumidores: tnicos, etrios, de

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    gnero, pro ssionais, doutrinrios etc. No capitalismo contemporneo, a diferena fabricada. H um fetiche da diferena em que investe o mer-cado para dela extrair lucros mximos. Identidades forjadas em benefcio da construo de nichos de mercado (a moda tnica um belo exemplo!). Ter identidades mltiplas reduz-se a transitar entre grupos consumido-res. No se trata de enriquecer a subjetividade pelo contato com a mul-tiplicidade. Trata-se de adaptar-se a cada fragmento instantneo da vida em uma das identidades mltiplas disponveis no mercado.

    5 En m, encaminhando a uma concluso

    A linguagem tem o poder da ubiquidade. Perpassa toda nossa existncia e internalizamos diferentes modos de nos referirmos ao mun-do dele criando diferentes representaes. Por isso nossas identidades so cambiantes. Frequentemente performticas: fazemos com que nos identi- quem como X ou Y, segundo as circunstncias porque transitamos por diferentes linguagens e representaes. Nunca somos idnticos a ns mes-mos, como uma expresso lingustica nunca sinnima de outra, mas um outro modo de dar o mesmo fenmeno, o mesmo objeto, o mesmo sujeito.

    A esta liberdade de sermos mltiplos, o sistema responde pela cons-truo da ordem atravs das mscaras com que nos vestimos sem muitas vezes nos apercebermos. No a multiplicidade que um problema: o mltiplo enriquecedor em todos os nveis, do individual ao social. O pro-blema a uniformidade (no esqueamos que o nazismo uma esttica da uniformidade). O capitalismo contemporneo est sabendo aproveitar-se da multiplicidade tornando-a nichos de mercado, mas contraditoriamente est globalizando sua explorao e produzindo um excesso de excludos.

    Resta perguntar: que identidades mltiplas esto construindo os excludos nas profundidades da superfcie aparentemente tranquila? Os movimentos de libertao do mundo rabe, neste momento histrico, tal-vez tragam mais do que simples democracias formais em seus pases.

    Recebido em maio de 2011.Aprovado em maio de 2011.

    Language and Identity: Brief Note on a Constitutive Relation

    AbstractThis paper begins with the idea of language as constitutive of the identity of the self and of other speakers in order to discuss the multiple identities that are necessarily con gured. We point out to the ways in which contemporary capitalism invests in the differences and makes them market niches as well as how identities are covered with masks of survival in a globalized world even though conscious of these differences as marks of social presence.

    Keywords: Language. Identity. Constitutive activity.

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    Referncias

    BAKHTIN, Mikhail M. Metodologia das cincias humanas. In: ______.Esttica da criao verbal. Introduo e traduo do russo de Paulo Bezerra. Prefcio edio francesa: Tzvetan Todorov. 4. ed. So Paulo: Martins Fontes, 2003.

    ______. [Voloshinov, V.]. Marxismo e Filoso a da Linguagem. So Paulo: Hucitec, 1982.

    BAUMAN, Zygmunt. Unidos na diferena. In: ______. A sociedade individualizada: vidas contadas e histrias vividas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. p. 110-126.

    FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. So Paulo: Loyola, 1996.

    FREGE, Gotlob. Sobre sentido e signi cado. Traduo de Luiz Henrique Santos para uso didtico. Mimeo. H uma edio do texto no volume dedicado a Frege na Coleo Os Pensadores, da Editora Abril.

    GERALDI, Joo Wanderley. Linguagem e mscaras identitrias: exigncias para insero no mundo global. In: ______. Ancoragens: estudos bakhtinianos. So Carlos: Pedro & Joo, 2010. p. 47-166.