Ars poetica barroca

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Stélio Furlan José Carlos Siqueira Doutor em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mestre em Literatura Brasileira pela UFSC e graduado em História pela UFSC. Mestre em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portu- guesa pela Universidade de São Paulo (USP) e bacharel em Linguística pela USP. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

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Stélio Furlan

José Carlos Siqueira

Doutor em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mestre em Literatura Brasileira pela UFSC e graduado em História pela UFSC.

Mestre em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portu-guesa pela Universidade de São Paulo (USP) e bacharel em Linguística pela USP.

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Barroco: 1580-1756Stélio Furlan

Onde queres descanso sou desejo

E onde sou só desejo queres não

E onde não queres nada, nada falta

E onde voas bem alto eu sou o chão

E onde pisas o chão minha alma salta

E ganha liberdade na amplidão.

Caetano Veloso

Pode-se falar em Barroco? O que pode haver em comum entre os sermões do padre António Vieira; certos poemas de D.

Francisco Manuel de Melo, sóror Violante do Céu, Gregório de Matos; as cartas de amor de Mariana Alcoforado; o traçado arquitetônico de certas igrejas em Salvador (Bahia) e em Porto (Portugal); os qua-dros de Vermeer, Caravaggio, Rubens, Velázquez, Rembrandt e as composições musicais de Albignoni, Vivaldi e Bach?

Talvez se possa encontrar uma resposta no que se convencionou chamar Barroco.

O controverso termo barroco foi definido no século XIX por Heinrich Wölfflin para designar o com-plexo artístico do seiscentismo. Termo controverso, pois não facilmente definível em virtude dos vários campos nos quais foi utilizado, e das diversas acepções que foram atribuídas à palavra. Trata-se de um fenômeno europeu, disseminado para os continentes americano e asiático, ele rubrica as manifestações artísticas entre 1600-1700:

na Espanha, o Barroco foi nomeado de :::: Gongorismo, em virtude da poesia praticada por Luís de Gôngora y Argote (1561-1627);

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na Itália, foi batizado de :::: Marinismo, derivado de Giambatista Marini (1529-1625);

na Inglaterra, foi chamado de :::: Eufuísmo, derivado do título do romance Eufues, or the anatomy of wit, do escritor John Lyly (1554-1606);

na França, pelo culto exagerado da forma, recebeu o nome de :::: Preciosismo;

na Alemanha,:::: de Silesianismo, pois definia o estilo de escritores da região da Silésia.

Oriunda do vocábulo espanhol barrueco, vindo do português arcaico, o termo Barroco era conhe-cido pelos joalheiros desde o século XVI e significava uma pérola de formação defeituosa, “tosca e de-sigual, que nem é comprida, nem redonda” ou “aljôfares mal afeiçoados e não redondos” (HATZFELD, 2002, p. 288).

Por conta do rebuscamento da perfeição formal, para alguns estudiosos a arte barroca represen-taria uma continuidade da arte poética clássica, com a ressalva de que se trataria de um classicismo im-perfeito.

Se há quem veja o Barroco de modo pejorativo, como uma arte bizarra cuja essência seria a ir-regularidade, a exasperação, o exagero (características opostas à sobriedade e à disciplina clássicas), a contrapelo disso há os que preferem compreendê-lo como uma arte sofisticada, rebuscada, refinada. Em uma palavra, marcada pela apoteose da agudeza, enquanto engenhosa análise racional do mundo, e capaz de promover o hábito da interiorização e da meditação moral.

Nesse sentido, em virtude de apelar para o abuso do ornamento, a profusão de imagens, su-pervalorizando o choque de ideias e os labirintos verbais, com o intuito de aguçar o prazer do inte-lecto, o Barroco foi considerado um movimento artístistico sui generis e não simples continuidade do Classicismo.

Para ampliar ainda mais o debate, há os que preferem compreender o Barroco menos como um período artístico datado e mais como uma constante universal na arte, expressiva dos períodos marca-dos por graves conflitos espirituais na esteira de Heinrich Wölfflin. A favor dessa tese, há discussões te-óricas que associam o chamado pós-modernismo de meados do século XX como uma nova roupagem do Barroco. Omar Calabrese, no seu estudo intitulado A Idade Neobarroca, destaca elementos barrocos, entre eles o labirinto e a circularidade, como atributos do ar do tempo contemporâneo. Omar Calabrese ressalta, que em um texto intitulado A Arquitetura Moderna, Gilo Dorfles utiliza o termo neobarroco para identificar na contemporaneidade o abandono (ou queda) de todas as características de ordem e de si-metria, vislumbrando a ascensão do desarmônico e assimétrico (CALABRESE, 1987, p. 28).

Por fim, também se pensou o Barroco como uma mentalidade ou um estilo de vida. Assim, o Barroco foi conhecido como o “estilo da contrarreforma”, uma vez que possuía uma função didática cujo objetivo seria o enaltecer a fé católica. Como desdobramento lógico, a arte barroca seria exuberante e suntuosa para melhor exaltar a glória de Deus. Ou ainda, de modo mais amplo, a arte barroca se desti-naria a conciliar as novidades renascentistas com a tradição religiosa medieval. Nas palavras de Afrânio Coutinho, a meta seria reencontrar o fio perdido da tradição cristã, procurando exprimi-la sob moldes intelectuais e artísticos.

Essa proliferação de conceitos sobre o Barroco sugere a impossibilidade de se encontrar um de-nominador comum para a sua definição. Contudo, acreditamos que na tentativa de fusão ou aproxima-ção dos contrários se pode identificar uma característica por excelência da arte barroca.

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No campo das ideias, isso se manifesta na tensão entre religiosidade e paganismo, no contraste de elementos como o corpo e o espírito, o terreno e o celestial. No campo pictórico, isso se exibe na ex-ploração do contraste de luz e treva. Na música, a tensão dos contrários se define pelo contraponto, ter-mo derivado do latim punctos contra puntum (“nota contra nota”).

E na literatura? Conforme René Wellek, em um dos mais conhecidos estudos críticos sobre o perí-odo, a literatura barroca distinguir-se-ia, quanto ao estilo, pela abundância de ornatos, pela elaboração formal. Além disso, ela seria identificada pelo estilo trabalhado, ornado, ricamente entretecido de figu-ras, das quais as preferidas seriam a antítese, o oximoro, o paradoxo e a hipérbole. E o autor completa: seria uma literatura dominada pelo senso do decorativo e resultado de um deliberado emprego da téc-nica para a obtenção de efeitos específicos.

É de se notar que as figuras destacadas por René Wellek apontam ou para a tensão entre opostos – a antítese (contraposição de palavras de significação contrária, evidenciando o contraste entre duas ideias), o paradoxo (o que é contrário à opinião dos demais) e o oximoro (aproximação de termos que mutuamente se excluem, em uma intensificação do processo da antítese) – ou para o gosto pelo exces-so, para a amplificação crescente de um determinado objeto, sentimento ou ideia (hipérbole).

Poesia barroca portuguesa Testemos a proposição de René Wellek em dois dos mais antológicos poemas do seiscentismo

português, sendo o primeiro de D. Francisco Manuel de Melo e o segundo, de sóror Violante do Céu. Vamos ao primeiro:

Lamentando o infeliz casamento de ũa damaRubi, cujo valor não conhecidoFoi, do vil lapidário a quem foi dado; (Lapidário: ourives, joalheiro)Diamante que, quando mais guardado,

Dentre as mãos de seu dono foi perdido;Zafiro singular, que foi vendido (Zafiro: safira)A quem em ferro o tem mal engastado; (Engastado: embutido, incrustado)Aver que, por se haver em vão achado, (Aver: riqueza, bens)Em pastas de carvão foi convertido;

Pérola sem igual, pouco estimadaDo bárbaro boçal, índio inorantePor quem acaso do mar foi levada,

Sois na fortuna, mas dessemelhanteNo valor, se ante vós não valem nada

Záfir, pérola, aver, rubi, diamante. (MELO, 2008)

Melodino, pseudônimo de D. Francisco Manuel de Melo (1608-1666), é um dos mais conceituados poetas barrocos portugueses, ao lado de António Barbosa Bacelar (1610-1663), Jerónimo Baía (1623-1688), Francisco Rodrigues Lobo (1573-1621) e sóror Violante do Céu (1602-1693). Parte considerável da

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poesia barroca encontra-se em duas coletâneas publicadas no século XVIII: a Fênix Renascida, composta de cinco volumes, publicados entre 1715 e 1728; e o Postilhão de Apolo, em dois volumes publicados em 1761 e 1762.

Já a produção poética de D. Francisco Manuel de Melo foi reunida pelo autor nas Obras Métricas, publicadas em 1665. Segundo Segismundo Spina, “Lamentando o infeliz casamento de ũa dama” é um dos sonetos de D. Francisco que se “referem à formosa D. Branca da Silveira, que aos 25 anos se casa com o tio D. Gregório Taumaturgo, corcunda e de tratos grosseiros, inti-tulado Conde de Vila Nova de Portimão” (SPINA, s.d., p. 232). Evidenciada no título, a ideia nuclear desse soneto ganha visibilidade por meio da exposição de ideias opostas que traduzem o desalento do sujeito poético diante do ca-samento de sua amada. Assim, todas as estrofes se iniciam com termos que remetem a ideia de riqueza para em seguida afirmar, por contraste, a sua desvalorização. Logo, a com-paração antitética – isto é, feita por antíteses – é o princípio construtivo que rege todo o poema.

Note-se a comparação do esposo com o abjeto ourives que desperdiça uma safira por deixá-la mal incrustada em um metal que não é precioso. Também se compara a ignorância do esposo, que não percebeu as virtudes da mulher, com a dos incultos (boçal, ignorante). Em suma, a mulher nos é sugeri-da como pedra preciosa ignorada ou possuída pelos que desconhecem o seu valor.

Entre as constantes formais da poesia barroca presentes no soneto, afora a valoração da antítese, destaca-se a construção das estrofes pelo processo chamado de disseminação e recolha: o último verso reúne todas as pedras preciosas disseminadas ao longo do poema.

No soneto “Lamentando o infeliz casamento de ũa dama” se percebe, de imediato, o distancia-mento da linguagem cotidiana e o estilo trabalhado. O rebuscamento excessivo se destina a enfeitar um tema prosaico (senso do decorativo).

A primazia da linguagem muito rebuscada, que indica um conceito aristocrático de poesia desti-nada a receptores cultos, remete à definição de Hernani Cidade que tipifica o barroco pela sobrecarga de elementos ornamentais cuja acumulação sacrifica a clareza da ideia.

Força é dizer que a suntuosidade verbal do soneto, que torna o estilo dificultoso, segue na estei-ra do Cultismo ou Gongorismo, derivação das teorizações e poemas do poeta espanhol Luís de Gôngora (1561-1627), cujo estilo rubricou uma das várias designações do Barroco. Tal estilo se caracteriza pelo ar-tifício de forma, pelo excesso na decoração verbal, pelos jogos de palavras. Vale notar o verso “aver que, por se haver em vão achado,” no qual o poeta brinca com as palavras Aver, substantivo que se refere à riqueza, e haver, verbo que significa “ter”. Daí a tendência à alusão, pois, em vez de se retratar o real de modo direto, prefere-se realçar a própria ornamentação estilística, a maneira de representar mais que o apresentado.

Se toda imagem é uma narrativa, como quer Roland Barthes, a fotografia da igreja de Santa Clara, na cidade do Porto, em Portugual, permite-nos identificar um princípio construtivo comum em relação ao poema de D. Francisco de Melo. Como vimos, no soneto impera a linguagem pomposa, o refinamen-to verbal, a ornamentação estilística. E o mesmo se pode dizer do estilo arquitetônico da igreja de Santa

Capa da Fênix Renascida.

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Clara, que igualmente revela traços barrocos, pois maravilha o espectador com um verdadeiro frene-si cromático, obtido mediante o rebuscado da decoração, a abundância de ornamentos, a proliferação dos detalhes, o exagero de relevos, o contraste de coloridos.

John

ny M

ass.

Interior da igreja de Santa Clara, Porto.

Como dissemos, se há uma constelação de conceitos sobre o Barroco, não é menos certo afirmar que um dos seus aspectos mais significativos, no que diz respeito à estrutura interna, passa pela explo-ração dos elementos contrapostos. Nas palavras de Helmut Hatzfeld, “achamos hoje, como essência do Barroco, não a tensão entre contrastes, mas sim a destes contrastes” (HATZFELD, 2002, p. 35).

Com efeito, no campo das ideias isso se lê no conflito de elementos como amor e sofrimento, mé-rito e sorte, choro e riso, alto e baixo, luz e treva, céu e terra, vida e morte e por aí afora. Observe agora o soneto de sóror Violante do Céu:

Se apartada do corpo a doce vida,

Domina em seu lugar a dura morte,

De que nasce tardar-me tanto a morte,

Se ausente da alma estou que me dá vida?

Não quero sem Silvano já ter vida,

Pois tudo sem Silvano é viva morte;

Já que se foi Silvano, venha a morte,

Perca-me por Silvano a minha vida.

Ah! Suspirando ausente, se esta morte

Não te obriga querer vir dar-me vida,

Como não ma vem dar a mesma morte?

Mas se na alma consiste a própria vida,

Bem sei que se me tarda tanto a morte,

Que é porque sinta a morte de tal vida.

(VIOLANTE DO CÉU, 2008)

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Ao longo das três primeiras estrofes, o sujei-to poético feminino reitera que viver sem o amado é o mesmo que estar morta. Então, no terceto que fe-cha o poema, argumenta que, embora tenha clamado pela morte, a morte não acontece para que ela (o eu lí-rico feminino) viva a sensação de estar morta em vida. Estilo dificultoso, retorcido, que problematiza a clareza da ideia, por certo, mas que não deixa de encantar o lei-tor com o virtuosismo artesanal.

Note-se a persistência da perfeição formal que se exibe na rigorosa versificação e estrofação regulares típicas do Classicismo. Porém, a valorização da “tensão dramática interna, a crise, a inquietude” (HATZFELD, 2002, p. 34), o choque entre o místico e o sensual, a ten-são entre vida e morte reiterada nas palavras finais do soneto, evocam uma constante barroca, o que nos per-mite lê-la como “arte do conflito”.

E mais: o gosto pela exploração dos contrastes também se identifica no jogo do chiaroscuro. Trata-se de um elemento artístico, derivado de uma palavra ita-liana que significa claro-escuro e cujo processo com-positivo se define pelo contraste entre luz e sombra. Aliás, é um principio construtivo utilizado por renoma-dos pintores considerados “barrocos”.

Observe o óleo sobre tela do pintor holandês Vermeer (1632-1675) intitulado Moça com Brinco de Pérola (1665). A imagem nos permite estabelecer conexões com o Barroco pelo primado da cor, da pro-fundidade, da claridade relativa. Em outras palavras, por valorizar o volume tridimensional do objeto su-gerido pelo contraste de luzes e sombras.

Prosa barroca portuguesa O princípio construtivo do chiaroscuro não é estranho à prosa barroca, tal como se constata em

um fragmento textual colhido no Sermão da Sexagésima (1655), do padre António Vieira (1608-1697):

Não fez Deus o céu em xadrez de estrelas, como os pregadores fazem o sermão em xadrez de palavras. Se de uma par-te está “branco”, da outra há de estar “negro”; se de uma parte está “dia”, da outra há de estar “noite”; se de uma parte di-zem “luz”, da outra hão de dizer “sombra”; se de uma parte dizem “desceu”, da outra hão de dizer “subiu”. Basta que não havemos de ver num sermão duas palavras em paz? Todas hão de estar sempre em fronteira com o seu contrário?

Aprendamos do céu o estilo da disposição, e também o das palavras. Como hão de ser as palavras? Como as estrelas. As estrelas são muito distintas e muito claras. Assim há de ser o estilo da pregação; muito distinto e muito claro. E nem por isso temais que pareça o estilo baixo; as estrelas são muito distintas, e muito claras, e altíssimas.

Moça com Brinco de Pérola, ou Mulher com Turbante, de Vermeer (Jan van der Meer Van Delft).

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O estilo pode ser muito claro e muito alto; tão claro que o entendam os que não sabem e tão alto que tenham muito que entender nele os que sabem. O rústico acha documentos nas estrelas para a sua lavoura e o mareante para sua na-vegação e o matemático para as observações e para os seus juízos. De maneira que o rústico e o mareante, que não sa-bem ler nem escrever, entendem as estrelas; e o matemático, que tem lido quantos escreveram, não alcança a entender quanto nelas há. Tal pode ser o sermão: estrelas que todos as veem, e muito poucos as medem. (VIEIRA, 2008)

Considerado o “imperador da língua portuguesa” por Fernando Pessoa, o luso-brasileiro António Vieira é por certo um mestre da oratória sacra. O padre Vieira eleva a prosa ao nível de perfeição estéti-ca antes atingida pela poesia épica e lírica de Camões.

Divido em dez partes, o Sermão da Sexagésima, pregado na Capela Real, em Lisboa, em 1665, teoriza sobre as normas e os preceitos da chamada parenética, ou eloquência sagrada. O ser-mão deve começar pelo exórdio ou introito, com a antecipação e definição do tema. A seguir, deve-se fazer o desenvolvimento do mesmo, com a defesa de uma ideia com base em uma argumen-tação, tendo em vista a peroração ou epílogo, a parte final que, a partir das conclusões alcançadas, seria destinada a convencer e persuadir o ouvinte à ação.

De modo bastante sintético, o tema do Sermão da Sexagésima surge de uma conhecida passagem bíblica: Semen est verbum dei, a semente é a palavra de Deus (Lc 8:11). Em seguida, evocando a parábola do semeador, indaga por que não frutifica a palavra de Deus no seu tempo. Após explorar vários motivos, ora recorrendo à Bíblia, ora fundamentando os seus argumentos nos mestres da oratória sacra (São João Crisóstomo, São Jerônimo, São Bernardo, entre outros), ora justificando-os por meio de compara-ções, metáforas e parábolas, conclui que o problema se encontra no próprio pregador, no seu estilo “dificultoso”. Leia-se:

Será porventura o estilo que hoje se usa nos púlpitos? Um estilo tão empeçado, um estilo tão dificultoso, um estilo tão afetado, um estilo tão encontrado a toda a arte e a toda a natureza? Boa razão é também esta.

O estilo há de ser muito fácil e muito natural. Por isso Cristo comparou o pregar ao semear: Exiit, qui seminat, seminare. Compara Cristo o pregar ao semear, porque o semear é uma arte que tem mais de natureza que de arte. Nas outras ar-tes tudo é arte: na música tudo se faz por compasso, na arquitetura tudo se faz por regra, na aritmética tudo se faz por conta, na geometria tudo se faz por medida. O semear não é assim. É uma arte sem arte; caia onde cair.

Vede como semeava o nosso lavrador do Evangelho. Caía o trigo nos espinhos e nascia: Aliud cecidit inter spinas, et si-mul exortae spinae. Caía o trigo nas pedras e nascia: Aliud cecidit super petram, et natum. Caía o trigo na terra boa e nas-cia: Aliud cecidit in terram bonam, et natum. Ia o trigo caindo e ia nascendo.

Assim há de ser o pregar. Hão de cair as coisas hão de nascer; tão naturais que vão caindo, tão próprias que venham nas-cendo. Que diferente é o estilo violento e tirânico que hoje se usa? (VIEIRA, 2008)

Ao discorrer sobre os elementos indispensáveis à prática da oratória sacra, Vieira tece uma crítica aos procedimentos gongóricos ou cultistas, por ele considerado “empeçado” (dificultoso, complicado).

Como vimos, o cultismo privilegiava a forma, o ornamental. Valorizava a linguagem erudita, re-buscada. Cultuava o pormenor mediante os jogos de palavras.

A primeira página do Sermão da Sexagésima.

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A contrapelo do cultismo, Vieira prefere o conceptismo, outra vertente da literatura barroca. Também chamada de conceitismo ou quevedismo, em homenagem ao seu maior representante, o espa-nhol Quevedo (1580-1645), essa vertente privilegia o conteúdo e persegue conclusões mediante o rela-cionamento de conceitos e o desenvolvimento de raciocínios.

A rigor, contra as usuais definições dos manuais literários, não pensamos essas duas correntes como opostas, uma vez que em ambas identificamos a procura de certo aperfeiçoamento estético, em-bora se façam valer de diferentes meios para esse fim. As duas correntes podem até mesmo contribuir para a elaboração de um mesmo texto. Caso do Sermão da Sexagésima.

Segundo o padre António Viera, o sermão devia resultar de um rigoroso trabalho de estruturação do texto, concebido como instrumento para convencer e converter o interlocutor ou ouvinte. Isso reme-te ao ideal retórico de “arte de bem dizer para persuadir”. É o que se convencionou chamar de discurso engenhoso. Para tanto, se fazia necessária a coerência interna e a clareza de ideias. Como escreve: “O es-tilo há de ser muito fácil e muito natural”.

Contudo, se Vieira ataca o cultismo (gongorismo), não é menos certo dizer que se faz valer dos procedimentos que condena. Mas não há contradição nisso, pois ele concebe o sermão não como “arte pela arte”, mas como motivo de reflexão existencial e religiosa, nas palavras de São Bernardo, “para atin-gir o coração das pessoas”. No ensaio crítico sobre o discurso engenhoso barroco, Antonio Saraiva afir-ma que:

O interesse de Vieira como escritor decorre do fato de ter praticado com virtuosidade incomparável a arte da palavra no estilo “conceptista” – como denominam os manuais de literatura – e de o ter feito com objetivos práticos, porque para ele a palavra deveria ser instrumento de ação”. (SARAIVA, 1980, p. 113)

Por certo, se Vieira não descarta o uso de ornatos nos seus sermões e o faz com maestria. Quanto ao ludismo verbal ou jogo de palavras típico do Cultismo, leia-se:

As palavras que tomei por tema o dizem: Semen est verbum Dei. Sabeis, cristãos, a causa porque se faz hoje tão pouco fru-to com tantas pregações? E porque as palavras dos pregadores são palavras, mas não são palavras de Deus [...]. Mas dir-me-eis: Padre, os pregadores de hoje não pregam do Evangelho, não pregam das Sagradas Escrituras? Pois como não pregam a palavra de Deus? Esse é o mal. Pregam palavras de Deus, mas não pregam a palavra de Deus...” (VIEIRA, 2008)

Mais de uma vez nos deparamos com construções paralelas, simétricas, que desdobram, segundo Jacinto do Prado Coelho, “com virtuosismo os elementos dum contraste”. Daí o seu valor literário. Para Coelho, o conceptismo é uma tendência, “característica da literatura barroca, para os jogos de concei-tos, prova de engenho subtil, não menos estimada em poesia do que em prosa. [...] Embora cultismo e conceptismo estejam intimamente unidos, frutos como são da mentalidade barroca, há autores predo-minantemente conceptistas e de clara expressão – clássica, em certo sentido: é o caso do Padre António Vieira. Todavia, o pensar por simetrias e contrastes determina, no plano formal, paralelismos e antíteses; e Vieira é medularmente barroco pela vigorosa exuberância e pelo dinamismo interior que leva a criar artificialmente dificuldades lógicas para depois, com surpreendente agudeza, as resolver” (COELHO, 2008). O uso dos contrastes pode ser constatado no seguinte fragmento do Sermão da Sexagésima:

Não nego nem quero dizer que o sermão não haja de ter variedade de discursos, mas esses hão-de nascer todos da mesma matéria e continuar e acabar nela. Quereis ver tudo isto com os olhos? Ora vede. Uma árvore tem raízes, tem tronco, tem ramos, tem folhas, tem varas, tem flores, tem frutos. Assim há-de ser o sermão: há-de ter raízes fortes e só-lidas, porque há-de ser fundado no Evangelho; há-de ter um tronco, porque há-de ter um só assunto e tratar uma só matéria; deste tronco hão-de nascer diversos ramos, que são diversos discursos, mas nascidos da mesma matéria e con-tinuados nela; estes ramos hão-de ser secos, senão cobertos de folhas, porque os discursos hão-de ser vestidos e orna-dos de palavras. Há-de ter esta árvore varas, que são a repreensão dos vícios; há-de ter flores, que são as sentenças; e

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por remate de tudo, há-de ter frutos, que é o fruto e o fim a que se há-de ordenar o sermão. De maneira que há-de ha-ver frutos, há-de haver flores, há-de haver varas, há-de haver folhas, há-de haver ramos; mas tudo nascido e fundado em um só tronco, que é uma só matéria. Se tudo são troncos, não é sermão, é madeira. Se tudo são ramos, não é ser-mão, são maravalhas [gravetos]. Se tudo são folhas, não é sermão, são versas. Se tudo são varas, não é sermão, é feixe. Se tudo são flores, não é sermão, é ramalhete. Serem tudo frutos, não pode ser; porque não há frutos sem árvore. Assim que nesta árvore, à que podemos chamar «árvore da vida», há-de haver o proveitoso do fruto, o formoso das flores, o ri-goroso das varas, o vestido das folhas, o estendido dos ramos; mas tudo isto nascido e formado de um só tronco e esse não levantado no ar, senão fundado nas raízes do Evangelho: Seminare semen. Eis aqui como hão de ser os sermões, eis aqui como não são. E assim não é muito que se não faça fruto com eles. (VIEIRA, 2008)

Como estratégia discursiva, para que o ser-mão pudesse ser compreendido pelos “que não sa-bem e tão alto que tenham muito que entender nele os que sabem”, Vieira apela para uma metáfora en-dereçada à visão dos ouvintes/ leitores. Ele compara a estrutura do sermão à de uma árvore: se enume-ram elementos numa certa ordem (troncos, ramos, folhas, varas, flores, frutos) para depois invertê-los. Esse jogo de construção feito de simetrias e inver-sões é típico da textualidade barroca, o que nos leva a corroborar a tese de Hatzfeld sobre a existência de formas espirais no estilo literário barroco.

Em um viés relacional, pelo seu discurso circu-lar, labiríntico, retorcido, tal fragmento nos remete ao estilo das colunas com ornatos espiralados (vo-lutas) das colunas da igreja barroca do Convento de São Francisco.

Mais de um crítico se deixou fascinar pelo discurso engenhoso do padre António Vieira, pela sua agudeza ou a capacidade de levar ao “extremo a sutileza e perspicácia do entendimento” (GOMES JUNIOR, 1998, p. 247).

Com tal agudeza, o padre Vieira pretendia, a um só tempo, contribuir para a elevação espiritual, bem como para veicular ideias teológico-políticas. A oratória sacra era um instrumento de intervenção na vida sociopolítica em defesa das grandes causas, entre as quais se podem mencionar o debate sobre a escravidão negra e a dos índios por parte dos co-lonizadores e a defesa dos judeus e cristãos-novos contra intolerância da Inquisição.

Conclusão Como vimos, a arte de maravilhar o leitor se desdobra seja pela exploração de assuntos prosai-

cos, cotidianos, dissimulados sob um burilado excessivo da forma, seja como modo de edificação mo-ral e espiritual.

Interior da igreja do Convento de São Francisco, em Salvador, Bahia. Talha de 1729-1748.

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Barroco(PEREIRA, 2008)

Designação estilística que assume com frequência dois sentidos: no primeiro caso refere-se à produção cultural de uma determinada época, situada entre o maneirismo e o rococó ou o neoclás-sico; no segundo surge como categoria intemporal, como uma evolução geral de um determinado paradigma cultural, um grau último; nesse sentido se atribuem peculiaridades barrocas ao helenis-mo ou ao gótico final, sem esquecer certos aspectos do pós-moderno que contribuiu para a sua valorização mais recente. O conceito, na sua acepção historicista, foi inventado pela historiografia alemã oitocentista (embora tendo no seu horizonte a arte italiana) e pretendia designar o período que se seguia à renascença, então considerada um paradigma de bom gosto e equilíbrio a que se seguia, em oposição, o barroco. Como tal é teorizado por Wolfflin opondo as qualidades da arte do renascimento – primado da linha, do desenho, do plano, da forma fechada, da unidade, da claridade absoluta – às do barroco – primado da cor, da profundidade, da forma aberta, da pluralidade, da cla-ridade relativa. Cem anos depois verificamos, no entanto, que o historiador alemão falava sobretudo de maneirismo, estilo que não tinha sido ainda inventado. Aliás Wolfflin detinha-se exactamente em Bernini, artista que considerava “escabroso”, não avançando para além dele. [...]

Nesse caso, se é lícito falar em Barroco, podemos dizer que o campo literário também exprime a mentalidade própria ao seiscentismo. Nas palavras de Afrânio Coutinho: “O homem do Barroco é um saudoso da religiosidade medieval e, ao mesmo tempo, um seduzido pelas solicitações terrenas e valo-res mundanos, amor, dinheiro, luxo, posição [...]. Dessa dualidade nasceu a arte barroca”. Em suma, entre a multiplicidade de leituras e sem a pretensão de esgotar o assunto, pensamos o Barroco como a arte do conflito, o que torna plausível a sua definição como “a encarnação de um sentimento antitético da vida” (COUTINHO, 1950, p. 34).

Dica de estudoSobre a literatura portuguesa em geral e sobre o barroco em particular, vale consultar o ban-::::co de dados do Projecto Vercial, disponível no sítio <http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/bar-roca.htm>.

Texto complementar

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Henri Focillon reforçou esse conteúdo de um barroco cíclico, sobretudo quando transpôs para a análise artística conceitos elaborados pelos estudiosos das ciências da natureza. Assim, na arte como na botânica, as formas nascem numa fase embrionária ou arcaica, encontram equilíbrio e plenitude na fase clássica e degeneram em sobrecarga decorativa na sua fase bar-roca. Ora essas palavras não podem fazer esquecer que a fase barroca de um estilo não constitui necessariamente uma fase de decadência e pode até significar um momento de fecunda liber-dade criadora face à rigidez canônica da fase clássica.

A utilização da palavra e a sua aplicação a determinadas formas culturais é pois recente e os criadores dos séculos XVII e XVIII ignoraram-na, o que vale por dizer que nenhum escritor da época fez prosa ou arte para que elas fossem barrocas. A noção de estilo e de estilo barroco, tal como hoje as entendemos, eram-lhes completamente estranhas. Na verdade, barroco é palavra que surge em Garcia da Orta no Colóquios dos Simples (1563), referenciando pedras mal afeiço-adas, irregulares, sentido retomado pelo Dicionário de Bluteau em 1712: pérola tosca, e desigual, que nem he comprida, nem redonda. [...] barroco continua a referenciar pedras ou sítios pedre-gosos, ora grandes ora irregulares; em determinadas regiões significa igualmente sítio eleva-do com grandes pedras ou covas fundas em terrenos acidentados. Mas a irregularidade parece ser constante e, com sinal pejorativo, passou para as manifestações literárias e artísticas, como no Dicionário de Morais no qual é definido como um género de arte irregular ou extravagante. É enorme a lista de adjectivos lançados negativamente contra o barroco: extravagante, irregular, exagerado, estapafúrdio. Por vezes procura-se no barroco uma empatia com determinados es-tados de espírito e mesmo a tradução de determinadas degenerações físicas [...].

No estado actual dos nossos conhecimentos o barroco português pode ser contextualiza-do segundo determinados vectores: o pensamento e os valores tridentinos, as referências do classicismo (mais mitigadas no séc. XVII, mais actuantes no XVIII), a restauração da independên-cia depois de 1640, a riqueza proporcionada ao Reino pelo ouro e diamantes brasileiros. Sob essas grandes referências históricas a cultura barroca legou-nos um espólio multifacetado, ora concordante ora contrastante que pode ser equacionado segundo alguns valores comuns: a manutenção do primado da estética da imitação; a reafirmação da existência de cânones a re-gerem as várias expressões artísticas; o gosto pelo lúdico e burlesco, patente em muita da poe-sia da época; a explosão duma espiritualidade que parece rejeitar o Mundo, como na pintura de Josefa de Óbidos ou na prosa de Frei António da Chagas; o aproveitamento das potencialidades da Retórica, seja na construção literária, no sermão ou na própria arquitetura que aproximam os sermões de Vieira ao significado icônico de Mafra; o gosto pela matéria e a necessidade de a mascarar com texturas sedutoras; a polifonia das várias artes de que são exemplos maiores as igrejas forradas a talha e azulejo destinadas a enquadrar a música e a palavra do pregador; uma moralização permanente, seja na vigilância dispensada aos temas de pintura ou na moralizante prosa de Bernardes... enfim, pode dizer-se que em todos os domínios o barroco foi uma época de grande produção que, para além do seu valor, moldou a civilização luso-brasileira, porven-tura a sua maior criação.

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Atividades 1. Pode-se afirmar que o barroco foi uma manifestação artística que só se desenvolveu em Portugal?

Justifique.

2. Quais as duas principais correntes literárias associadas ao Barroco? Exemplifique.

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3. Pode-se afirmar que o fragmento textual extraído do Sermão da Sexagésima, do padre António Vieira, revela uma das características marcantes da arte barroca?

Não fez Deus o céu em xadrez de estrelas, como os pregadores fazem o sermão em xa-drez de palavras. Se de uma parte está “branco”, da outra há de estar “negro”; se de uma par-te está “dia”, da outra há de estar “noite”; se de uma parte dizem “luz”, da outra hão de dizer “sombra”; se de uma parte dizem “desceu”, da outra hão de dizer “subiu”. Basta que não have-mos de ver num sermão duas palavras em paz? Todas hão de estar sempre em fronteira com o seu contrário?

4. Leia o poema intitulado Madrigal a uma crueldade formosa, do poeta português Jerônimo Baía (1620/30-1688) e responda ao que se pede.

A minha bela ingrata Cabelo de ouro tem, fronte de prata, De bronze o coração, de aço o peito; São os olhos luzentes, Por quem choro e suspiro, Desfeito em cinza, em lágrimas desfeito; Celestial safiro, (Safiro: safira) Os beiços são rubins, perlas os dentes; (Perlas: pérolas) A lustrosa garganta De mármore polido; A mão de jaspe, de alabastro a planta. Que muito, pois, Cupido, Que tenha tal rigor tanta lindeza, As feições milagrosas, Para igualar desdéns a formosuras – De preciosos metais, pedras preciosas, E de duros metais, de pedras duras?

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O verso “Para igualar desdéns a formosuras” sugere que a mulher tem a beleza e também a du-reza dos metais e das pedras preciosas. Esse poema pode ser considerado um texto barroco? Com qual das duas correntes literárias do período barroco o poema se identifica? Comente.

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Gabarito1. Não, pois o termo Barroco designa um fenômeno europeu conhecido por diferentes nomes em

vários países. Na Espanha, o Barroco foi nomeado de Gongorismo, em virtude da poesia pratica-da por Luís de Gôngora y Argote (1561-1627). Na Itália foi batizado de Marinismo, derivado de Giambatista Marini (1529-1625). Na Inglaterra, foi chamado de Eufuísmo, derivado do título do romance Eufues, or the anatomy of wit, do escritor John Lyly (1554-1606). Na França, pelo culto exagerado da forma, recebeu o nome de Preciosismo. Na Alemanha, de Silesianismo, pois definia o estilo de escritores da região da Silésia. Da Europa o Barroco se disseminou para o continente americano e asiático, e passou a designar o complexo artístico do XVI.

2. As duas principais correntes literárias do Barroco são chamadas de Cultismo e de Conceptismo.

No cultismo ou gongorismo, privilegia-se o rebuscamento formal. O gosto pelo ornamental se re-vela, por exemplo, na construção das estrofes pelo processo de chamado de “disseminação e re-colha”: como se pode ler no soneto “Lamentando o infeliz casamento de ũa dama”, de D.Francisco Manuel de Melo. Ao longo do poema, ele menciona várias pedras preciosas que são agrupadas ou recolhidas no último verso do poema.

O conceptismo é a outra principal vertente da literatura barroca. Também chamado de conceitismo ou quevedismo, em homenagem ao seu maior representante, o espanhol Quevedo (1580-1645). Se no cultismo se privilegia a forma, no conceitismo se privilegia o conteúdo e se perseguem as conclusões mediante o relacionamento de conceitos e o desenvolvimento de raciocínios. O Padre António Vieira foi um mestre nessa modalidade e a utilizou para a elaboração de sermões, entre os quais o mais famoso é o Sermão da Sexagésima.

3. Sim, pois no referido fragmento, Vieira se vale da tensão ou aproximação dos contrários, uma ca-racterística por excelência da arte barroca. No caso, recorre ao jogo do claro-escuro. Esse processo compositivo era muito utilizado pelos pintores da época, a exemplo do quadro intitulado “Moça com Brinco de Pérola”, de Vermeer. E o mesmo se pode dizer da poesia, cuja aproximação ou ten-são dos opostos se podem notar na reiterada utilização de antíteses que contrastam palavras de sentido oposto como vida e morte, o corpo e o espírito, o terreno e o celestial.

4. Sim, trata-se de um poema que apresenta características barrocas. A tendência é a de maravilhar o leitor pelo modo requintado e excessivo de descrever a mulher. Por conta da abundância de co-res e pormenores, ela surge como uma escultura feita de metais brilhantes e de pedras preciosas. Esse gosto pela ornamentação excessiva aproxima o poema da tendência literária barroca cha-mada de Cultismo ou Gongorismo.

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