Arquivo Integral

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Vol. 1 . Nº. 1. Dezembro 2012 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina Uma publicação conjunta: Associação dos Procuradores do Município de Londrina – APROLON Procuradoria-Geral do Município de Londrina

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Associação dos Procuradores do Município de Londrina – APROLON

Procuradoria-Geral do Município de Londrina

RDP-PGM Londrina Londrina V. 1 – Nº 1 194p. Dezembro 2012

Revista de

Direito Público

da Procuradoria-Geral do

Município de Londrina

Vol. 1, Nº 1, Dezembro 2012

Londrina

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Revista de

Direito Público

da Procuradoria-Geral

do Município de Londrina

Conselho Editorial Carlos Renato Cunha (Coordenador)

Celso Zamoner João Luiz Martins Esteves

José Roberto Reale Paulo César Tieni

As opiniões emitidas nos artigos são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

Publicação conjunta da Procuradoria-Geral do Município de Londrina e da Associação dos Procuradores Municipais de Londrina – APROLON.

Endereço eletrônico para remessa de artigos: [email protected]

Catalogação na publicação por Waléria de Luza – CRB 9/1402 Revista de Direito Público da Procuradoria –Geral do Município de

Londrina/ Associação dos Procuradores do Município de Londrina – APROLON / Procuradoria –Geral do Município de Londrina, - v.1,n.1, (Dez, 2012) – Londrina, 2012.

Anual

ISSN: 2317-4188 ( on-line) Disponível em:<http//sites.google.com/site/revistadireitopublico>

1. Direito Público - Periódicos. I. Associação dos Procuradores do Município de Londrina – APROLON / Procuradoria –Geral do Município de Londrina .

CDU 342

Revisão e Editoração: APROLON Publicação: dez. 2012

Associação dos Procuradores do Município de Londrina - APROLON Av. Rio de Janeiro, 1389 Vila Ipiranga - Londrina-PR CEP 86.010-150 (43) 9996-4715 [email protected] - www.aprolon.com.br

Procuradoria-Geral do Município de Londrina Av. Duque de Caxias, 635,

Prefeitura Municipal - Centro Cívico Bairro Petrópolis - Londrina-PR

CEP 86.015-901 (43) 3372-4327

www.londrina.pr.gov.br

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Administração da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Procurador-Geral do Município Evaldo Dias de Oliveira Procurador-Geral Adjunto de Gestão do Contencioso Paulo César Tieni Procuradora-Geral Adjunta de Gestão da Consultoria Renata Kawasaki Siqueira Corregedora-Geral do Município Silvana Fátima Troca Os cargos até aqui nominados são os que compõem a Comissão Especial de Assuntos Estratégicos da PGM-Londrina. Assessora-Técnica Administrativa e Financeira – ATAF Valéria A. Galindo Carvalho Coordenador de Apoio Administrativo ao Gabinete – CAA-Gab Lucas Ferreira Santana Coordenadora de Apoio Administrativo à Execução Fiscal – CAAEF Ercília da Cruz Coordenadora de Apoio à Arrecadação Fiscal – CAAF Eliza Tizuru Sonomura Coordenadoria de Análise de RPVs e Precatórios Diego Rodrigues Martins Coordenadoria de Apoio ao Setor de Licitações, Contratos e Convênios Administrativos José Henrique dos Santos Piazza

Gerente de Assuntos de Pessoal - GAP Ronaldo Gusmão Gerente de Serviços Públicos - GSP Márcia Nakagawa Rampazzo Gerente de Patrimônio Público, Urbanismo e Meio Ambiente - GPPUMA Renata Kawasaki Siqueira Gerente de Assuntos Legislativos e Normativos - GALN Fábio César Teixeira Gerente de Assuntos Fiscais e Tributários – GAFT Carlos Renato Cunha Gerente de Execução Fiscal – GEF Paulo Nobuo Tsuchiya

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Diretoria da Associação dos Procuradores do Município de Londrina - APROLON

Presidente Fábio César Teixeira

Diretor de Assuntos Jurídicos e Institucionais (Vice-Presidente)

João Luiz Martins Esteves

Diretor Administrativo e Financeiro Sérgio Veríssimo de Oliveira Filho

Diretor de Comunicação e Eventos

Ronaldo Gusmão

Diretor do Núcleo de Estudos Jurídicos Carlos Renato Cunha

Conselho Fiscal Danilo Peres da Silva Sabrina Fávero Lia Correia

Diretores Adjuntos Ana Lúcia Costa (Dir. Ass. Jur. Inst.) André Fustaino da Costa (Dir. Adm. Fin.) Cristiane Maria Haggi Favero Grespan (Dir. Com. Ev.) José Roberto Reale (Dir. Nuc. Est. Jur.)

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7 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

SUMÁRIO APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................................. 9 EDITORIAL............................................................................................................................................................. 11 ARTIGOS NOTAS SOBRE O LICENCIAMENTO AMBIENTAL NOS TERMOS DA LEI COMPLEMENTAR 140/2011 E A POSIÇÃO DOS MUNICÍPIOS André Fustaino Costa................................................................................................................................................. 13 ANÁLISE DO ARQUÉTIPO DA REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA DA CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DA ILUMINAÇÃO PÚBLICA Carlos Renato Cunha.......................................................................................................................................................................................................... 33 ESTADO DE FELICIDADE E O ESTADO DA FELICIDADE. Celso Zamoner......................................................................................................................................................................................................................... 57 HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL Evaldo Dias de Oliveira.................................................................................................................................................................................................... 65 O PODER TRIBUTANTE DO ESTADO E OS DIREITOS HUMANOS João Luiz Martins Esteves......................................................................................................................................... 83 A IMPOSSIBILIDADE DA QUEBRA DA ORDEM CRONOLÓGICA PARA O PAGAMENTO DE PRECATÓRIOS DE PEQUENO VALOR DE DIVIDA MUNICIPAL NA FORMA DA LEI MUNICIPAL 11.467/2011 José Roberto Reale.............................................................................................................................................................................................................. 93 O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE TRIBUTÁRIA Maurício Dalri Timm do Valle.................................................................................................................................................................................... 103 O SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS E O “CARONA” Sérgio Veríssimo de Oliveira Filho........................................................................................................................................................................... 115 REALIDADE ANIMAL: DIREITOS E PERSPECTIVAS Talita Simões de Aquino................................................................................................................................................................................................ 131 PARECERES

PARECER: DA ISENÇÃO, EM FAVOR DOS MUNICÍPIOS, DA TAXA JUDICIÁRIA DO ESTADO DO PARANÁ DESTINADA AO FUNDO DE JUSTIÇA - FUNJUS Danilo Peres da Silva....................................................................................................................................................................................................... 155 PARECER: ATRIBUIÇÃO DE PODER DE POLÍCIA DE TRÂNSITO E AMBIENTAL À GUARDA MUNICIPAL Fábio César Teixeira....................................................................................................................................................................................................... 171 PARECER: DA COMPETÊNCIA MUNICIPAL PARA EXIGIR AUDITORIA AMBIENTAL COMPULSÓRIA Renata Kawasaki Siqueira Roberto Alves Lima Junior.......................................................................................................................................................................................... 183

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9 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

APRESENTAÇÃO

Honraram-me os Procuradores do Município de Londrina com o convite para

apresentar ao mundo jurídico a Revista de Direito da Procuradoria, periódico que nasce por mérito da

incansável dedicação da Associação dos Procuradores – APROLON, que estabeleceu importante

parceria com o Município, viabilizando este projeto.

Em um Estado adjetivado de Democrático e de Direito, a garantia da observância

de valores manifestos na ordem jurídica torna imprescindível a existência de órgãos habilitados. No

caso dos entes públicos, aos Procuradores cabe tão relevante função.

O Procurador da Coroa está presente já na Constituição Política do Império. Em

1934 o texto constitucional atribuía ao Procurador a proteção do interesse público, devendo

manifestar-se nos pagamentos de dívidas judiciais da Fazenda Pública.

Tendo suas atribuições gradativamente ampliadas, o Procurador, na atual

Constituição, desempenha função essencial à Justiça, especificamente no que se refere à garantia do

interesse público, exercendo com exclusividade a representação judicial e a consultoria jurídica dos

entes federados.

Tal atribuição, de magnitude constitucional, é exercida com esmero e dedicação no

Município de Londrina, assegurando um controle técnico de todos os atos da Administração, com

absoluta neutralidade.

Nestes 78 anos de história da cidade, nomes saudosos deixaram sua marca na

Procuradoria, tais como Dr. Ruy Alves de Camargo, que ocupava o cargo de Procurador em 1938 e o Dr.

Fernando Eizo Ono, que atualmente é Ministro do Tribunal Superior do Trabalho. Em 1952 a Lei

Municipal 140/52 estruturou a Procuradoria Judicial e estabeleceu suas atribuições institucionais.

Tendo sua nomenclatura posteriormente alterada para Secretaria de Negócios Jurídicos, passou

finalmente a ser denominada Procuradoria Geral do Município, por força da Lei 7302/1997.

Exercendo mister de índole constitucional e cumprindo relevante função em um

Estado de Direito, os Procuradores passam a ter um instrumento de cultura e humanismo.

Estou ciente de que o anseio por esta publicação vem de longa data, resultado da

convergência de vários fatores expressivos: o trabalho de pesquisa incessante, característico da

atividade jurídica; a qualidade do material produzido que, em sua maioria, fica restrito aos órgãos da

Administração, embora versem sobre temas relevantes para a comunidade jurídica; a necessidade de se

construir um elo entre diferentes entes públicos e com a comunidade científica, estabelecendo diálogo

privilegiado sobre relevantes temas jurídicos.

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10 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Quanto ao aspecto de que a atividade de Procurador o torna um incessante

pesquisador, não se pode negar que ao defender o Município junto ao Pretório ou atender consultas as

mais diversas do Ente que representa, em muitas ocasiões coloca o profissional diante de uma situação

absolutamente inédita, que demanda elevado grau de especialização, cuidado científico na

argumentação e coerência e zelo em suas conclusões.

No que diz respeito à produção intelectual da Procuradoria, tendo ela

constitucionalmente atribuições de representação judicial e consultoria jurídica, sua equipe é prolífica

em desenvolver teses, defender idéias, criar conceitos que são submetidos a análise pelo Judiciário, ou

respondem a questões práticas colocadas diuturnamente pelos diferentes órgãos do Poder Público,

sendo de se lamentar que muitas delas jamais seriam conhecidas pelo mundo exterior, não fosse esta

brilhante iniciativa que ora se apresenta.

Por fim, mas não menos importante, esta Revista se revela uma ponte que rompe

definitivamente o isolamento da Procuradoria, seja por disponibilizar sua produção técnico-científica,

seja por abrir suas portas a contribuições externas, tornando-se importante instrumento de

visibilidade de novas idéias, imprescindíveis ao progresso jurídico-social.

Eis aí a razão da Revista: congregar as mentes dispersas; expor à luz do dia, idéias e

ideais guardados na sombra dos arquivos; ser um permanente incentivo ao crescimento intelectual.

Nasce com todas as ferramentas capazes de alcançar grande sucesso e longevidade.

Trata-se de uma revista sem fronteiras. A Ciência Jurídica é una, e esta Revista

personifica o anseio de contribuir com um mínimo de elementos para seu desenvolvimento. Por isso

todos são conclamados a dar seu contributo à missão informativa a que este periódico se propõe,

agigantando a cultura jurídica brasileira.

Londrina-PR

10 de dezembro de 2012.

Evaldo Dias de Oliveira

Procurador-Geral do Município

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11 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

EDITORIAL

Com a publicação deste primeiro volume da Revista de Direito Público da

Procuradoria-Geral do Município de Londrina - PGM, concretiza-se a realização deste objetivo da

Associação dos Procuradores do Município de Londrina - APROLON, com a criação de um

importante canal de fomento e de divulgação de produção científica.

A criação desta Revista era um dos objetivos da atual Diretoria da APROLON,

agora alcançado, e, nesse caminhar contamos com o apoio irrestrito do atual Procurador-Geral do

Município, Dr. Evaldo Dias de Oliveira, da anterior ocupante do cargo, Dra. Claudia Rodrigues, e do

Sr. Prefeito, Gerson Araújo, pessoas a quem consignamos nosso agradecimento.

Fruto deste trabalho conjunto entre a APROLON e a PGM, primeiramente, esta

Revista permite a divulgação do trabalho científico elaborado pelos Procuradores do Município de

Londrina, que sempre foi profícuo e de muita qualidade, mas que, na maior parte das vezes, quedava

sem compartilhamento com o mundo jurídico. Outrossim, abre um caminho para a produção

científica de todos os servidores públicos do Município de Londrina, com formação jurídica. E este

incentivo à pesquisa redundará, por certo, em ainda melhor preparação para o cumprimento de suas

funções junto à Municipalidade. Por fim, permite à comunidade externa a submissão e publicação de

trabalhos científicos, numa importante abertura e contato da Procuradoria-Geral do Município com a

área acadêmica.

Os artigos escolhidos para esta primeira edição são de grande qualidade,

adequando-se à linha editorial escolhida, que se propõe a abrir espaço a trabalhos jurídico-científicos

que tratem de matérias de Direito Público e áreas correlatas.

Esperamos que a publicação deste periódico seja mais uma contribuição para o

debate doutrinário.

Londrina-PR

Dezembro de 2012.

Fábio César Teixeira

Presidente da APROLON

Carlos Renato Cunha

Diretor do Núcleo de Estudos Jurídicos da APROLON

Coordenador da Revista

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NOTAS SOBRE O LICENCIAMENTO AMBIENTAL NOS TERMOS DA LEI COMPLEMENTAR 140/2011 E A POSIÇÃO DOS MUNICÍPIOS

André Fustaino Costa Procurador do Município de Londrina, lotado na Gerência de Patrimônio Público, Urbanismo e Meio Ambiente – GPPUMA. Especialista em Processo pela Uniderp-LFG. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina - UEL . Advogado.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O Licenciamento Ambiental como Instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente. 2.1 Natureza Jurídica da Licença Ambiental – Licença ou Autorização? 3. O Licenciamento Ambiental e a Repartição Constitucional de Competências. 4. Da Competência para o Licenciamento Ambiental e a Situação dos Municípios – Regra Anterior à LC 140. 5. O Licenciamento Ambiental na Lei Complementar 140 - Expressa Previsão Legal da Autonomia dos Municípios na Gestão Ambiental. 6. Conclusão. 7. Referências Bibliográficas.

RESUMO: Uma das mais eficientes formas de o Poder Público exercer seu mister constitucional de zelar pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado é através do licenciamento ambiental, reconhecido pela Lei 6938/81 como um instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente. Trata-se o licenciamento ambiental de um plexo de etapas que compõe todo um procedimento administrativo que resultará num ato de outorga do órgão ambiental chamado licença ambiental. Discute-se sua natureza jurídica, se licença propriamente dita, o que geraria direito subjetivo ao empreendedor ou uma mera autorização, ato precário por natureza. Tendo por fundamento de validade o parágrafo único do artigo 23 da Constituição Federal foi promulgada a Lei Complementar 140 de 08 de dezembro de 2011 com o intuito de regulamentar a competência material ou executiva comum dos entes federativos relativos à proteção ao meio ambiente. Referido diploma tem por objetivo dar mais efetividade à participação dos municípios na gestão ambiental de interesse local de maneira a reduzir a atividade burocrática e conceder maior segurança jurídica aos empreendedores.

PALAVRAS-CHAVE: Licenciamento Ambiental. Licença Ambiental. Lei Complementar 140/2011. Municípios.

.

1. Introdução

Como é cediço, não existe direito subjetivo à livre utilização dos recursos naturais.

Tais constituem bens de uso comum do povo e são essenciais à sadia qualidade de vida. Dependem,

portanto, do prévio consentimento do Poder Público.

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14 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

De acordo com o Artigo 225 da Constituição da República, cabe ao Poder Público e

à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as

presentes e futuras gerações. Nesse passo, o Professor Celso Antonio Pacheco Fiorillo1, assim leciona:

A noção e o conceito de desenvolvimento, formados num Estado de concepção liberal, alteram-se, porquanto não mais encontravam guarida na sociedade moderna. Passou-se a reclamar um papel ativo do Estado no socorro dos valores ambientais, conferindo outra noção ao conceito de desenvolvimento.”

Trata-se, nada mais, do que a concretização do princípio da obrigatoriedade de

atuação (intervenção estatal), decorrente do princípio 17 da Declaração de Estocolmo de 1972

(primeiro diploma internacional a tratar do direito ambiental) o qual preconiza o deve de se confiar às

instituições nacionais competentes a tarefa de planejar, administrar ou controlar a utilização dos

recursos ambientais dos Estados, com o fim de melhorar a qualidade do meio ambiente.

Inserido na idéia de obrigatória intervenção do Estado na defesa do meio ambiente

ecologicamente equilibrado está o instituto jurídico licenciamento ambiental, importante instrumento

de gestão ambiental, previsto na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente e destinado a estabelecer

métodos de controle do exercício de atividades econômicas que possam de alguma forma acarretar

conseqüências prejudiciais ao meio ambiente, entendido, dentro da classificação geracional dos

direitos humanos, como de terceira geração.

Sobre o tema, o Ministro decano do Supremo Tribunal Federal, no voto condutor

do acórdão proferido por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário n. 134.297, asseverou o

seguinte:

Os preceitos inscritos no artigo 225 da Carta Política traduzem a consagração constitucional, em nosso sistema de direito positivo, de uma das mais expressivas prerrogativas asseguradas às formações sociais contemporâneas. Essa prerrogativa consiste no reconhecimento de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todos os que compõem o grupo social (...)

É de rigor reconhecer, assim, o essencial papel do Estado, na sociedade moderna, na

proteção do meio ambiente, sendo, em verdade, um dever e não uma mera faculdade. Ao estabelecer

que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

essencial à sadia qualidade de vida, a Constituição erigiu o direito ao meio ambiente ao patamar de 1 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 7 ed. 2006, p. 28.

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elemento essencial à realização de um dos mais importantes fundamentos da República Federativa do

Brasil: a dignidade da pessoa humana, inconcebível sem que a estabilidade e harmonia do ecossistema.

Segundo o magistério do ilustre Professor Antonio Augusto Cançado2 tem-se que:

O reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio configura-se, na verdade, como extensão do direito à vida, quer sob o enfoque da própria existência física e qualidade de vida -, que faz com que valha a pena viver.

Com o reconhecimento constitucional do direito ao meio ambiente como garantia

fundamental, o Estado mira evitar que as fontes naturais de subsistência se tornem escassas e que a

degradação atinja patamares de destruição que impossibilidade a continuidade da vida ou que a

tornem insustentável.

Para garantir a proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrados, muitos

princípios foram elaborados, tais como o princípio ao meio ambiente ecologicamente equilibrados, aos

acesso equitativo aos recursos naturais, o princípio da solidariedade intergeracional, princípio do

poluidor-pagador, princípio da obrigatória intervenção do Estado.

Tais princípios, somados ao poder de polícia ambiental do Estado atuam de forma a

considerar, em primeiro plano, a prevenção, seguida da recuperação e, por fim, o ressarcimento.

Deveras, prevenir é sempre melhor do que tentar desfazer os nefastos efeitos da lesão ambiental.

Dessa forma, não resta dúvida de que a exploração da natureza necessita ocorrer de

forma racional e prudente, visando garantir, concomitantemente, a obtenção da matéria prima

essencial para a produção de bens e a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

É nesse cenário que reside a necessidade de licenciamento ambiental, como um

instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente destinado a estabelecer métodos de controle, por

parte do Estado, no seu mister de polícia ambiental, do exercício das atividades econômicas,

materializando assim toda a preocupação do legislador constituinte na proteção ao meio ambiente.

2 TRINDADE, Antonio A. Cançado. Direitos humanos e meio ambiente – paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1993, p. 73-76

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2. O Licenciamento Ambiental como Instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente.

O licenciamento ambiental pode ser definido com um procedimento

administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e

a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva

ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação

ambiental.

Nesse sentido o empreendedor que pretenda localizar, construir, instalar, ampliar

ou modificar o empreendimento ou atividade que se utiliza de recursos ambientais e são consideradas

efetiva ou potencialmente poluidoras, assim como os empreendimentos capazes, sob qualquer forma,

de causar degradação ambiental, dependem de prévio licenciamento do órgão ambiental competente,

sem prejuízo, é claro, de outras licenças legalmente exigíveis.

O licenciamento ambiental busca o desenvolvimento sustentável, visando atender

as presentes gerações sem o comprometimento das futuras. Com efeito, os preceitos emanados da

Constituição Federal de 1988 traçam um arcabouço jurídico em que o Poder Público deve harmonizar

o crescimento socioeconômico com a proteção ao meio ambiente. E esse, certamente, é um dos maiores

desafios daqueles que laboram nessa seara, já que a compatibilização do vertente econômica, com o

social e ambiente é o papel dos órgãos licenciadores ambientais ao analisar os impactos negativos que

uma atividade ou obra potencialmente poluidora causar ao meio ambiente.

A Constituição de 1988 defende a ordem econômica com a observância de

princípios, dentre os quais se sobressai a defesa do meio ambiente e, assegura a todos o livre exercício

de qualquer atividades econômica, independentemente de autorização de órgão públicos, salvo nos

casos previstos em lei, consoante preconiza o parágrafo único do artigo 170 da Constituição.

Frise-se: O licenciamento ambiental tem por fundamento de validade o poder de

polícia da Administração Pública, também chamada de polícia ambiental, vez que se trata de uma

restrição ao livre aproveitamento da propriedade ou ao livre exercício das atividades econômicas.

O insigne Professor Celso Antônio Pacheco Fiorillo3 entende o licenciamento

ambiental como um conjunto de etapas que integra o procedimento administrativo que tem como

objetivo a concessão da licença ambiental que poderá ou não ser concedida.

3 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P.65

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Cada etapa do licenciamento ambiental deve terminar com a concessão da licença

ambiental correspondente, de maneira que as licenças ambientais servem para formalizar que até

aquela etapa o proponente da atividade está cumprindo o que a legislação ambiental e o que a

administração pública determinam no âmbito do procedimento de licenciamento ambiental.

Destarte, fica claro a distinção entre licenciamento ambiental e licença ambiental.

Enquanto o primeiro é o processo administrativo por meio do qual se verificam as condições de

concessão desta, a última é o ato administrativo que concede o direito de exercer toda e qualquer

atividade utilizadora de recursos ambientais ou efetiva ou potencialmente poluidoras.

2.1 Natureza Jurídica da Licença Ambiental – Licença ou Autorização?

Importante tecer algumas linhas sobre a discussão tratada entre os estudiosos da

matéria sobre a utilização dos vocábulos “licença” e “autorização”.

Os autores Daniel Roberto Fink e André Camargo Horta4 ressaltam que é por meio

da definição da natureza jurídica da licença ambiental que questões importantes poderão ser

solucionadas, a exemplo da possibilidade de recusa da concessão da licença ambiental por parte do

órgão ambiental competente, da circunstância em que essa recusa poderia se dar, da possibilidade de

retirada da licença ambiental, das formas e das condições dessa retirada e das conseqüências

econômicas e jurídicas.

Há duas correntes acerca da natureza jurídica da licença ambiental. Uma delas

defende a licença ambiental como mera autorização, de natureza precária; e outra que a entenda como

sendo uma licença propriamente dita, surgindo um direito adquirido, que deve ser respeitado a partir

da sua expedição.

Filiado à primeira corrente, tem-se um dos arautos do Direito Ambiental Paulo

Affonso Lemes Machado5 que assim assevera:

Licença e autorização – no Direito brasileiro – são vocábulos empregados sem rigor técnico (Cretella Júnior, Dicionário de Direito Administrativo). O emprego na legislação e na doutrina do termo “licenciamento” ambiental não traduz necessariamente a utilização da expressão jurídica licença, em seu

4 FINK, Daniel Roberto, MACEDO, André Camargo Horta de, Roteiro para o licenciamento ambiental e outras considerações. In, FINK, Daniel Roberto, ALONSO JR, Hamilton; DAWALIBI, Marcelo (orgs). Aspectos Jurídicos do Licenciamento Ambiental., 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 10 5 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental, 13ª ed. Ed. Malheiros, p. 266

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rigor técnico. A CF utilizou o termo “autorização” em seu Título VII - Da Ordem Econômica e Financeira, dizendo art. 170, parágrafo único: “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização dos órgãos públicos, salvo nos casos previstos nesta lei”. Dessa forma, razoável é concluir que o sistema de licenciamento ambiental passa a ser feito pelo sistema de autorizações, conforme entendeu o texto constitucional. Empregarei a expressão “licenciamento ambiental” como equivalente a “autorização ambiental”, mesmo quando o termo utilizado seja simplesmente “licença”.

No mesmo passo, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no

julgamento do Agravo Regimental em Ação Civil Publica6, assim decidiu, ao analisar a Lei n. 6938/8:

O exame dessa lei revela que a licença em tela tem natureza jurídica de autorização, tanto que o § 1 de seu art. 10 fala em pedido de renovação de licença, indicando, assim, que se trata de autorização, pois, se fosse juridicamente licença, seria ato definitivo, sem necessidade de renovação. A alteração é ato precário e não vinculado, sujeite sempre às alterações ditadas pelo interesse público. Querer o contrário é postular que o Judiciário confira à empresa um cheque em branco, permitindo-lhe que, com base em licenças concedidas anos atrás, cause toda e qualquer degradação ambiental.

Por sua vez, há quem entenda que a licença ambiental deva ser tratada com a

licença de natureza administrativo. Antonio Inagê de Assis Oliveira7 não tem dúvidas de que se trata

de uma licença e não de uma autorização, já que a licença ambiental gera direitos subjetivos ao titular

frente à Administração Pública, tendo em vista que o direito ao livre exercício da atividade econômica

depende apenas do atendimento de determinadas restrições legais.

Na mesma linha de raciocínio está o doutrinador João Eduardo Lopes de Queiroz8

o qual preconiza que a concessão de licença ambiental está vinculada à verificação de suas adequações,

já que a licença é um ato administrativo vinculado e não discricionário como uma autorização, que

depende tão somente de boa vontade do Poder Público.

No mesmo sentido a ilustrada Professora Odete Medauar9 classifica a licença

ambiental como uma licença tradicional do Direito Administrativo, pois a partir do momento em que o

empreendedor da atividade econômica cumpre as exigências legais e administrativas não pode o órgão

6 TJSP, 7ª Camara Cível., AR de Ação Civil Pública 178.554-1-6, Des. Leite Cintra, Revista de Direito Ambiental 1/200-203, janeiro/marca/1996). 7 OLIVEIRA, Antonio Inagê de Assis. Introdução à legislação ambiental brasileira e licenciamento ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 308/309. 8 QUEIROZ, João Eduardo Lopes. Processo administrativo de licenciamento ambiental – licenciamento ambiental da atividade agropecuária. Exigência de licenciamento para a obtenção de crédito rural. Fórum de Direito Urbanístico e Ambiental, Belo Horizonte, n. 17, 2004, p. 1908/1909. 9 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno, 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 398/399.

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ambienta de qualquer ente federado se recusar a conceder a licença ambiental posto que se trata de um

ato administrativo vinculado.

3. O Licenciamento Ambiental e a Repartição Constitucional de Competências

No âmbito da gestão e proteção do meio ambiente a Constituição do Brasil

estabelece competências para a legislação e atuação administrativa de forma bastante específica nos

artigos 24, incisos VI, VII e VIII 23, incisos III, VI e VII, respectivamente. Por sua vez, o artigo 23

determina que a proteção ao meio ambiente, o combate à poluição e a preservação de florestas, fauna e

flora é de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e no seu

parágrafo único elege a lei complementar como instrumento hábil a fixar normas para a cooperação

entre tais entes. Confira-se:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; VII – proteção do patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Art. 23. É de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII – preservar as florestas, a fauna e a flora. Parágrafo único – Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito local.

Não se pode olvidar, ademais, que, por força da interpretação conjunta do artigo

30, incisos I e II, combinado com os artigos 18 e o próprio artigo 24, todos da Constituição Federal, a

competência legislativa concorrente dada aos Estados e ao Distrito Federal em matéria ambiental é

também extensiva aos municípios, vez que compete a esses entes federados legislar sobre assuntos de

interesse local e suplementar as normas federais e estaduais, no que couber.

Já o artigo 23 da Carta Magna trata da competência comum administrativa da

União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios para, entre outras finalidades, proteger o meio

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ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas. Tendo em vista a inexistência de relação

hierárquica entre os entes da federação, a teor do que dispõe o artigo 18 da Carta Magna, todos são

competentes para a gestão dos bens, recursos e serviços ambientais dentro dos seus respectivos

limites territoriais.

Nesse diapasão, oportuno trazer à baila o magistério do Professor Paulo Afonso

Leme Machado10 que lê o parágrafo único do artigo 23 combinado com o artigo 18, ambos da

Constituição. Transcreve-se trecho da valiosa lição do professor paulista:

No art. 23, a CF faz uma lista de atividades que devem merecer a atenção do Poder Público. O modo como cada entidade vai efetivamente atuar em cada matéria dependerá da organização administrativa de cada órgão público federal, estadual ou municipal. O art. 23 merece ser colocado em prática com ao art. 18 da mesma CF: A organização administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

O emérito constitucionalista Alexandre de Moraes11 ensina que, verbis:

A Constituição Federal prevê a chamada competência suplementar dos municípios, consistente na autorização de regulamentar as normas legislativas federais ou estaduais, para ajustar sua execução a peculiaridades locais, sempre em concordância com aquelas e desde que presente o requisito primordial de fixação de competência desse ente federativo: interesse local.

Uadi Lammêgo Bulos12 acrescenta que:

O poder supletivo, conferido pela Carta de 1988 às municipalidades, não serve de reduto para desvios de competências ou invasões constitucionais de atribuições. Possui um destino certo e incontestável: impedir que a inércia legislativa da União prejudique a vida do Município, paralisando serviços imprescindíveis, tais como transporte coletivo, polícia de edificações, vigilância sanitária de restaurantes de similares, coleta de lixo, ordenação e uso do solo urbano, dentre outros temas que dizem respeito ao interesse local.

Inafastável, pois, a competência comum da União, dos Estados e dos Municípios

para legislar sobre a proteção do meio ambiente, bem como sua legitimidade para aplicar sanções

administrativas pertinentes e encetar fiscalizações. Não é possível qualquer outra norma dispor sobre

a competência exclusiva de apenas um ente nas questões que versem sobre o Direito Ambiental. Disso

decorre que todos os entes federativos podem instituir legislação sobre matéria de licenciamento

10 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 11 edição. São Paulo: Malheiros, 2003 11 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional, 7 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 731. 12 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 974/975.

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ambiental para atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, sempre de caráter geral, quando se

cuidar de norma federal, com critérios iguais ou mais restritivos quando se tratar de norma editada por

Estados e, ademais, mais restritivas, quando digam respeito a interesse local tutelado por Municípios.

Curial acrescentar que o artigo 23 da Carta da República de 1988 estabelece como

competência comum dos entes federativos a proteção ao meio ambiente, sendo que seu parágrafo

único prevê a edição de Lei Complementar para a fixação de normas de cooperação para regular a

atuação dos entes federativos.

Nesse contexto de defesa da possibilidade de os Municípios editarem normas para

a proteção do interesse ambiental local, bem como encetar fiscalizações e sanções administrativas em

matéria de meio ambiente, oportuno destacar o advento da Lei Complementar 140, de 8 de dezembro

de 2011, à qual fixa normas para “cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas

ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais

notáveis, à proteção ao meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas,

da fauna e da flora.”

Com efeito, a Lei Complementar 140/2011 apresentou uma série de normas na

busca de elucidar e definir as atribuições administrativas dos entes federados em matéria ambiental de

forma a privilegiar o federalismo cooperativo. Ademais, busca evitar a ocorrência de conflitos de

competência entre os entes federados, os quais geram, sem dúvida alguma, insegurança jurídica aos

empreendedores e aumento no custo da obra, além de riscos ambientais desnecessários. Nesse sentido,

o diploma em questão estabeleceu legalmente os conceitos de licenciamento ambiental, de atuação

supletiva e atuação subsidiária (artigo 2º, incisos I, II e III), além de ter definido,

exemplificativamente, os instrumentos de cooperação institucional de que podem se valer os entes

federados (artigo 4º).

Note-se, portanto, que a Lei Complementar 140 tem por objeto a fixação de normas

para a cooperação entre os entes federados quanto ao exercício das competências materiais comuns

pertinentes à defesa do meio ambiente. Sua edição encontra, portanto, fundamento explicito no

parágrafo único do artigo 23 da Lei Maior. Tal diploma legal disciplina, portanto, os objetivos a serem

perseguidos pelas unidades federativas por meio de ações de cooperação, de modo a propiciar o

desempenho adequado das competências ambientais de caráter comum de forma a evitar a ocorrência

de conflitos de competência entre os entes federados, os quais geram insegurança jurídica aos

empreendedores e risco ambiental.

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22 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Anteriormente à LC 140, a principal norma regulamentadora das atribuições dos

entes federados na proteção do meio ambiente era a Resolução Conama 237/97, o que gerava extrema

insegurança na separação de competência para o licenciamento ambiental, pois partia-se de uma

premissa equivoca de que competência comum significa que todos os entes federados têm o mesmo

poder em matéria ambiental.

O problema é que as questões ambientais não respeitam limites de território. Nessa

seara a importância de uma legislação sobre competências em matéria de fiscalização e licenciamento

ambiental. Exemplos clássicos da insegurança jurídica que havia eram os inúmeros problemas entre os

entes federados, como a sobreposição de licenciamentos ou fiscalizações, ocasionando maiores ônus

para o empreendimento, sendo, não raras vezes, buscado o Poder Judiciário para a solução dos

conflitos, acarretando a judicialização do licenciamento ambiental. Ademais, muitos Estados exigiam

critérios de qualificação dos Municípios para que estes exercessem o direito de licenciar as atividades

de impacto local.

O ilustre Professor Vladimir Passos de Freitas em obra anterior à LC 140, apontava

que, na matéria ambiental, a pratica vem revelando extrema dificuldade em separar a competência dos

entes políticos nos casos concretos. E concluía:

A insegurança que se cria com a indefinição a todos prejudica. Ao meio ambiente, porque a sua defesa fica indefinida e fracionada. Ao cidadão, porque não sabe a que dirigir-se para a solução das sua pretensões e até mesmo para reivindicar ao Poder Judiciário (federal ou estadual, dependendo do órgão ambiental)13

No mesmo sentido o magistério de Paulo de Bessa Antunes14:

O licenciamento ambiental é, juntamente com a fiscalização, a principal manifestação do poder de polícia exercido pelo Estado sobre atividades utilizadoras de recursos ambientais. Assim como as demais competências ambientais, as de licenciamento são motivos de graves conflitos entre os diferentes órgãos administrativos. As dificuldades no tema são de tal ordem que, não raramente, empresas solicitam licenciamento ambiental em mais de um órgão, outras vezes, órgãos de licenciamento ambiental se insurgem contra outros órgãos reivindicando a competência para este ou aquele licenciamento. Toda essa situação é muito nociva para a proteção ambiental, pois estabelece um regime administrativo cuja principal característica é a insegurança, acarretando evidentes prejuízos para todos e, principalmente para o meio ambiente.

13 FREITAS, Vladimir Passos de. A constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2000, p. 81-82 14 ANTUNES, Paulo de Bessa, Direito Ambiental. 13 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 170

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No mesmo diapasão o Professor Edis Milaré15, destacando a necessidade de lei

complementar afastar a insegurança jurídica consubstanciada na possibilidade de um mesmo

empreendimento ficar submetido à fiscalização de mais de um ente federado:

A falta de equilíbrio nessa situação simultânea da União, Estados, Municípios e Distrito Federal em prol da defesa do meio ambiente, invariavelmente, gera, como dito, enorme insegurança jurídica, posto que o mesmo empreendimento pode ficar submetido concorrentemente, à atuação fiscalizatória de qualquer um dos entes federativos.

Assim, em nome do princípio da eficiência, a Administração Pública, ao exercer sua

competência para a aplicação da legislação de proteção ambiental, deve atentar para um outro

princípio imanente à competência constitucional comum, isto é, o princípio da subsidiariedade.

Consoante este último, todas as atribuições administrativas materiais devem ser exercidas, de modo

preferencial, pela esfera mais próxima ou diretamente vinculada ao objeto de controle ou da ação de

polícia. Ou, em outras palavras, nada será exercida por um poder de nível superior , desde que possa

ser cumprida pelo de nível inferior.

4. Da Competência para o Licenciamento Ambiental e a Situação dos Municípios – Regra

Anterior à LC 140

Como supracitado, a primeira norma a prever o licenciamento ambiental foi a Lei

Federal 6938/81, cujo artigo 10 tem a seguinte redação:

A Construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidores, bem como capazes, sob qualquer forma de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais – IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis. (...) § 4ºCompete ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA o licenciamento previsto no caput deste artigo, no caso de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional.

Depreende-se, destarte, que a regra era a licenciamento realizado pelos Estados. À

União, através do IBAMA, cabia o licenciamento supletivo, ou seja, quando o Estado for inerte ou

inepto e das obras e atividades com significativo impacto nacional, regional e transfronteriço.

15 MILARE, Édis. Direito do Ambiente: a gestão ambiental em foco. 7 ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, p. 535

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Diante da evidente omissão quanto à possibilidade de licenciamento realizado

pelos municípios, alguns autores entendiam pela incompetência de tais entes federados outorgarem

licenças ambientais. Colhe-se o entendimento de Antonio Inagê de Assis Oliveira16:

Com inteiro amparo constitucional, o caso específico do licenciamento ambiental, o autorizativo legal, se encontra no art. 10 da Lei nº 6938/81, que condiciona a construção, ampliação, instalação e funcionamento de qualquer estabelecimento ou atividade utilizadora de recursos ambientais ao prévio licenciamento do órgão estadual competente, integrante do SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, em caráter supletivo. Portanto, na forma da lei, foi outorgada expressamente ao Estado-membro e à União, em caráter supletivo, a competência para o exercício do licenciamento ambiental. Ao município não foi outorgada esta competência, que há de ser expressa. É de se consignar que o licenciamento ambiental é um instituto restritivo do exercício dos direitos em todo o território nacional, criado pela lei federal, competindo, portanto, à mesma lei federal determinar quais as autoridades públicas com capacidade para a sua aplicação. Assim, fácil é concluir que os Municípios não têm competência para o licenciamento ambiental.

Nessa mesma vertente encontra-se o acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal de

Justiça do Estado de São Paulo nos autos de Apelação Cível n. 994.03.082689-0 de março de 2010:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Obrigação de não fazer – Proteção do meio ambiente – Inteligência do art. 30, inciso I c.c art. 24, da CF – Resolução Conama 237/97 e Lei Municipal 2.508/98 – Competência que a Constituição Federal outorgou de modo concorrente não pode ser mitigada por lei de outro ente federativo e, muito menos, por ato normativo inferior – Competências constitucionais são deveres – MATÉRIA AMBIENTAL NÃO É ASSUNTO DE INTERESSE LOCAL – Declarada, pelo C. Órgão Especial deste Tribunal, a inconstitucionalidade da Resolução – Recurso não provido.

Com a devida vênia aos judiciosos argumentos apresentados acima, entende-se

que, mesmo antes da LC 140, os Municípios já possuíam a atribuição de realizar o licenciamento

ambiental, pois detinham a competência administrativa comum para atuar em assuntos de interesse

local, com base nos artigos 23, 30, 225, caput, da Constituição Federal. Curial reproduzir o escólio do

eminente Professor Edis Milaré17 verbis:

Assim, integrando o licenciamento o âmbito de competência de implementação, os três níveis de governo estão habilitados a licenciar empreendimentos com impactos ambientais, cabendo, portanto, a cada um dos entes integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente promover a

16 OLIVEIRA, Antonio Inagê de Assis. O licenciamento ambiental. São Paulo: Iglu, p. 108/109. 17 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente, 3ª ed. São Paulo: RT, 2004, p. 488-489

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adequação de sua estrutura administrativa com o objetivo de cumprir essa função, que decorre, insista-se, diretamente da Constituição.

(...) Se assim é, se a competência licenciatória dos três níveis de governo dinama diretamente da Constituição, não pode o legislador ordinário estabelecer limites ou condições para que qualquer deles exerça sua competência implementadora na matéria.

Na mesma linha de pensamento, encontra-se o magistério de Francisco Van

Acker18;

Com o advento da Constituição de 1988, ficou claro que tanto os Estados quanto os Municípios podem legislar sobre proteção ambiental e institui licenciamento ambiental próprio. De tudo isso se conclui que o art. 10 da Lei 6938/81 não é, e nunca foi, a norma definidora da competência legislativa ou administrativa dos três níveis de governo. Essa competência decorre, e sempre decorreu, diretamente da Constituição, não cabendo ao legislador ordinário estabelecer limites ou condições para que qualquer ente federado exerça sua competência constitucional. O citado artigo instituiu o licenciamento ambiental federado e resolveu descentralizar sua outorga, atribuindo-lhe aos Estados. Daí não se segue que esses mesmos Estados bem como os Municípios não possam estabelecer suas normas e instrumentos próprios. O art. 10 da lei não define nem limita a competência constitucional dos Estados e Municípios.

Perfilha essa corrente Hamiltons Alons Jr, reportando aos ensinamentos o

professor e magistrado Vladimir Passos de Freitas19 :

Assim, também o Município é competente, posto que ninguém nega ao menos a sua competência executiva (art. 23, VI, da CF) e sua integração ao Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, cabendo aqui o comentário de Vladimir Passos de Freitas, a respeito dos Municípios: A Constituição Federal de 1988, no art. 23, incisos III, VI e VII, atribui-lhes competência para proteger documentos e obras de valor histórico, paisagens naturais notáveis e sítios de valor arqueológico, o meio ambiente, combater a poluição e preservar as florestas, fauna e a flora. Esta competência deve ser entendida como zelar, inclusive fiscalizando (1ª ed. p. 33).

De todo o exposto, denota-se que o fundamento para a defesa da possibilidade de

os Municípios realizarem o licenciamento ambiental tem fundamento constitucional, sendo que o

exegeta deve interpretar o artigo 10 da Lei 6938/81 conforme a Constituição, pois, inobstante o

silencio da lei, sempre que houver interesse ambiental local a competência para o licenciamento era

dos Municípios, nos termos de suas respectivas legislações e procedimentos administrativos.

18 VAN ACKER. Francisco Thomaz. “Breves Considerações sobre a Resolução 237, de 19.12.1997, do CONAMA, que estabelece critérios para o licenciamento ambiental”. In: Revista de Direito Ambiental, vol. 08. São Paulo: RT, 1997, p. 166-167 19 FINK, Daniel Roberto, ALONSO JR., Hamilton, DAWALIBI, Marcelo. Aspectos Jurídicos do licenciamento ambiental, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 44

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5. O Licenciamento Ambiental na Lei Complementar 140/2011 – Expressa Previsão Legal da

Autonomia dos Municípios na Gestão Ambiental

De inicio é oportuno registra a alteração proferida pela LC 140 no artigo 10 da Lei

6938/81. Antes de dezembro de 2011 possuía a seguinte redação, in verbis:

Art. 10 – A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.

Com o advento da LC de dezembro de 2011, o artigo 10 supracitado passou a

vigorar com a seguinte redação:

A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental.

Perceba-se, que se suprimiu a expressa previsão de que o licenciamento, em regra

era atribuição do órgão estadual competente, e supletivamente ao órgão federal. Ou seja, a União, os

Estados, Distrito Federal e os Municípios são responsáveis pelo licenciamento ambiental.

Segundo o comando inserto no Artigo 3º da LC 140/2011 os objetivos fundamentais

relacionados à competência comum dos entes políticos são:

I – proteger, defender e conservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, promovendo gestão descentralizada, democrática e eficiente; II – garantir o equilibro do desenvolvimento socioeconômico com a proteção do meio ambiente, observando a dignidade da pessoa humana, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais; III – harmonizar as políticas e ações administrativas para evitar a sobreposição de atuação entre os entes federativos, de forma a evitar conflitos de atribuições e garantir uma atuação administrativa eficiente; IV – garantir a uniformidade da política ambiental para todo o País, peculiaridades regionais e locais.

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Destaca-se a norma contida no inciso III do dispositivo acima mencionado: não

permitir a sobreposição de atuações de forma a evitar conflitos de atribuições. Para tanto, os entes

políticos podem se valer dos seguintes instrumentos: i) consórcios públicos; ii) convênios ou acordos

de cooperação técnica entre órgãos e entidades do Poder Público; iii) criação de comissões tripartites

com representantes da União, dos Estados e dos Municípios e iv) delegações de atribuições e de

execuções de ações administrativas de um ente federativo a outro.

Além disso, a LC 140 explicita as competências de cada ente federados quando se

trata de licença ambiental, restando aos Estados a competência residual. Aos Municípios foram

atribuídas as obrigações de formulação e implantação de uma Política Municipal de Meio Ambiente e

do Sistema Municipal de Informações sobre Meio Ambiente, além de executar no seu território as

políticas estadual e nacional e ainda fornecer os dados para os sistemas de informações dos demais

entes.

Quanto às atribuições para o licenciamento municipal, suas ações administrativas

estão descritas, notadamente dos incisos XIII e XIV do artigo 9 que, pela sua relevância, merecem

transcrição:

Art. 9 – São ações administrativas dos Municípios: (...)

XIII – exercer o controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos cuja atribuição para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for cometida ao Município. XIV – observadas as atribuições dos demais entes federativos prevista nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou emprendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local,

conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou

b) localizadas em unidades de conservação instituídas pelos Municípios, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs).

Assim, da inteligência dos artigos acima mencionados, o deslocamento do

licenciamento ambiental do Estado para o Município ocorrerá pela “delegação” mediante convênios ou

por “definição” dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente.

Oportuno advogar, pelo menos num primeiro momento, o desrespeito por parte do

legislador ao princípio da autonomia municipal. Ora, por que os Municípios terão de aceitar o que for

decidido pelos Estados, se os entes federativos não possuem hierarquia entre si? Como os Estados têm

mais informações para a tomada de decisões acerca de conceituação de impacto local ambiental?

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Defendemos que tais conselhos deveriam ter cadeiras a serem ocupadas por órgãos representativos dos

interesses municipais com o fito de evitar írrita violação ao pacto federativo.

De outra banda, não há como negar que nas ações administrativas de

licenciamento, os entes federativos devem ter atuação supletiva, ou seja, quando no Município não

existir aparato administrativo e pessoal capacitado para realizar o licenciamento, de rigor a ação dos

Estados. Assim como, se não houver órgão municipal ou estadual, a União deve intervir e desempenhar

as ações administrativas previstas àqueles ou estes.

Certo, portanto, que se superou o preconceito contra a efetiva participação do

Município nos licenciamentos ambientais, bem como, denota-se o claro rompimento da visão

hierárquica entre os órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA.

Mister destacar, ademais, que o órgão licenciador pode receber manifestações de

outros entes federativos, podendo acatá-las ou não, vez que a opinião de tais órgão intervenientes é

meramente opinativa, não tendo caráter vinculativo. É o que se depreende da dicção do artigo 13 da LC

140, in verbis:

Os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo, em conformidade com as atribuições estabelecidas nos termos desta Lei Complementar. § 1 – Os demais entes federativos interessados podem manifestar-se ao órgão responsável pela licença ou autorização, de maneira não vinculante, respeitados os prazos e procedimentos do licenciamento ambiental.

Já no âmbito das ações de licenciamento e fiscalização a regra geral para o exercício

do poder de polícia repressivo é a de que o ente licenciador é o que detém as atribuições de

fiscalização. Vale a afirmação: Quem licencia é que fiscaliza. Sublinhe-se, trata-se de uma das maiores

inovações trazidas pela LC 140.

Antes de 08 de dezembro de 2011(data de entrada em vigor da LC 140), havia uma

nítida desvinculação entre a competência para licenciar e a competência de fiscalizar atividades

poluidoras.

A esse propósito, faz-se necessário trazer à colação a doutrina do renomado

Professor Romeu Thomé20 que assim preleciona, verbis:

20 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental, 2 ed. Ed. JusPodivm, 2012, p. 271

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Uma vez concedida a licença ambiental, cabia, regra geral, ao órgão ambiental estadual fiscalizar as atividades licenciadas com o intuito de mantê-las dentro das condições e limites estipulados no licenciamento. Todavia, inerte o órgão estadual competente, e nos termos do art. 10, § 3, da Lei 6938/81 (revogado pelo artigo 21 da LC 140/2011) possuía o IBAMA (órgão federal) competência supletiva para tal fiscalização, mesmo tendo o licenciamento ambiental sido concedido pelo órgão estadual.”

A corroborar o posicionamento do ilustre Professor acima mencionado, no tocante

à regra anterior à LC 140, impende colacionar decisão proferida pelo Egrégio Superior Tribunal de

Justiça nos autos do AgRg no REsp 711405/PR, rel. Min. Humberto Martins. Segunda Turma, DJ:

28.04.2009, in verbis:

PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – AMBIENTAL – MULTA – CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES COMUNS – OMISSÃO DE ÓRGÃO ESTADUAL – POTENCIALIDADE DE DANO A BEM DA UNIÃO – FISCALIZAÇÃO DO IBAMA – POSSIBILIDADE. 1. Havendo omissão do órgão estadual na fiscalização, mesmo que

outorgante de licença ambiental, pode o IBAMA exercer seu papel de polícia administrativa, pois não há confundir competência para licenciar com competência para fiscalizar.

2. A contrariedade à norma pode ser anterior ou superveniente à outorga da licença, portanto a aplicação da sanção não está necessariamente vinculada à esfera do ente federal que a outorgou.

3. O pacto federativo atribuiu competência aos quatro entes da federação para proteger o meio ambiente através da fiscalização.

4. A competência constitucional para fiscalizar é comum aos órgãos do meio ambiente das diversas esferas da federação, inclusive o art. 76 da Lei Federal n. 9605/98 prevê a possibilidade de atuação concomitante dos integrantes do SISNAMA.

5. Atividade desenvolvida com risco de dano ambiental a bem da União poder ser fiscalizada pelo IBAMA, ainda que a competência para licenciar seja de outro ente federado.

Sobre o tema, assim apregoa o artigo 17 da novel LC, in verbis:

Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.

(...)

§ 3º O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelo entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.

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Denota-se do dispositivo que o órgão competente para licenciar ou autorizar

determinado empreendimento ou atividade é igualmente responsável por sua fiscalização e,

consequentemente, pela autuação do infrator da legislação ambiental e pela instauração do respectivo

processo administrativo.

Por sua vez, o § 3º dispõe que o poder de fiscalização atribuído aos órgãos

licenciadores não impede o exercício, pelos entes federativos, da atribuição comum de fiscalização da

conformidade de empreendimentos e atividades com a legislação ambiental em vigor. De fato, não

obstante tenha estabelecido a prevalência do auto de infração lavrado pelo órgão licenciador, não

caberia à lei impedir o desempenho, pelas unidades federadas, de competências administrativas que

lhes conferiu a própria Constituição Federal, consoante se depreende dos artigos 23, incisos III, VI e

VII; e 225, § 1º do Texto Constitucional.

Destarte, em respeito à segurança jurídica, eventual infrator que seja autuado por

mais de um ente federativo saberá, de modo prévio, que apenas sobressairá o auto de infração lavrado

pelo órgão competente para o licenciamento ambiental.

6. Conclusão

A inserção do meio ambiente ecologicamente equilibrado como fato central do

sistema jurídico, eis que entendido como direito fundamental de terceira geração acarreta a necessária

compatibilização entre o desenvolvimento e a proteção de recursos naturais.

O consentimento estatal para a utilização dos recursos ambientais de maneira

responsável se dá através do licenciamento ambiental, importante instrumento de gestão ambiental,

pois é por intermédio dele que os órgão ambientais avaliam as atividades que possam de alguma forma

impactar o meio ambiente.

A competência para o licenciamento ambiental é atribuída conjuntamente à União,

Estados, Distrito Federal e Municípios. Portanto, competência material comum, pois busca promover

a execução de diretrizes, políticas e preceitos relativos à proteção ambiental, bem como para exercer o

poder de polícia.

Em cumprimento ao parágrafo único do artigo 23 da Constituição Federal e com o

intuito de reforçar, em âmbito administrativo, o denominado federalismo cooperativo, foi editada a Lei

Complementar 140/2011, à qual tem por escopo harmonizar as políticas e ações administrativas para

evitar a sobreposição de atuação entre os entes federados e garantir a uniformidade da política

ambiental em todo o território nacional.

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31 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

A meta é que os níveis de governo não se choquem em suas competências e unam-

se, dentro de suas respectivas atribuições, no tratamento de questões de relevância e de interesse

público. Nessa linha, verifica-se que a Lei Complementar delimitou competências, de um lado, mas, de

outro, instituiu, ora permitindo, ora impondo, diversos instrumentos de cooperação entre os entes

federativos.

Ou seja, a Lei Complementar 140 é importante instrumento no estabelecimento de

balizas para o exercício de competências administrativas comuns, buscou conferir maior segurança

jurídica e, ao mesmo tempo, permitir ao cidadão o controle dos serviços postos à sua disposição, bem

como tem por objetivo a otimização dos recursos e eficiência na gestão pública.

Espera-se que com essa lei venha a consolidar o licenciamento ambiental nos

municípios, extirpando quaisquer tipos de preconceitos da doutrina e da jurisprudência pátrias e que

garante mais eficiência e celeridade na gestão ambiental dos municípios.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTUNES, Paulo de Bessa, Direito Ambiental. 13 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

FINK, Daniel Roberto, MACEDO, André Camargo Horta de, Roteiro para o licenciamento ambiental e outras considerações. In, FINK, Daniel Roberto, ALONSO JR, Hamilton; DAWALIBI, Marcelo (orgs). Aspectos Jurídicos do Licenciamento Ambiental., 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. FINK, Daniel Roberto, ALONSO JR., Hamilton, DAWALIBI, Marcelo. Aspectos Jurídicos do licenciamento ambiental, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Saraiva,

2003.

__________. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 7ª ed. 2006.

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33 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

ANÁLISE DO ARQUÉTIPO DA REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA DA CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DA ILUMINAÇÃO

PÚBLICA

Carlos Renato Cunha Procurador do Município de Londrina, ocupante da função de Gerente de Assuntos Fiscais e Tributários – GAFT. Mestre em Direito do Estado – Direito Tributário – pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina - UEL. Professor da Graduação e Pós Graduação em Direito. Advogado.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Classificação das Contribuições 3. Norma Geral de Direito Tributário e Contribuições. 4. Constitucionalidade da Emenda Constitucional n. 39/2002. 5. Análise das Regras Constitucionais acerca da Contribuição para Custeio da Iluminação Pública. 6. Conclusão. 7. Referências Bibliográficas.

RESUMO: Artigo que visa analisar o arquétipo constitucional da Regra-Matriz de Incidência, da contribuição para custeio da iluminação pública, cuja possibilidade de criação pelos municípios e pelo Distrito Federal se encontra prevista no artigo 149-A da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional número 39/2002. Conclui pela constitucionalidade da Emenda nº 39/2002, que tão somente modificou a estrutura de distribuição de competências, incluindo a possibilidade de instituição de uma subespécie de contribuição, com a finalidade de custear a iluminação pública, assim como realiza uma análise das regras de competência existentes, fornecendo os limites a que está adstrito o legislador infraconstitucional ao criar o tributo em questão.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Tributário. Contribuições. Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública.

1. Introdução

Intrigante questão se impõe ao estudioso do Direito Tributário na análise da

Emenda Constitucional n.º 39/2002, que incluiu o art. 149-A na Constituição Federal. Este dispositivo

outorgou ao legislador municipal e distrital competência para a criação de contribuição para custeio

da iluminação pública.

Desde então grande celeuma se implantou no mundo jurídico, causada quiçá pela

prática antes comum da cobrança da “taxa de iluminação pública” pelos municípios brasileiros,

considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

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34 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Divergem os juristas acerca da constitucionalidade de referida Emenda

Constitucional: afinal, tenta ela apenas mudar o nome da execrada taxa? Poderia o Constituinte

Derivado modificar as competências tributárias postas inicialmente pelo Poder Originário? E, ainda

que se aceite a Emenda em questão como ajustada a nosso ordenamento jurídico, dúvidas outras

emergem: qual a natureza jurídica desta “contribuição”? O que exatamente fez o art. 149-A da

Constituição? Quais os limites existentes para instituição desta “contribuição”?

Neste cenário de perplexidades, convém ao cientista do Direito, com a

imparcialidade que deve sempre ser seu norte, analisar seu objeto de estudo detidamente.

No entanto, os leitores devem ter em mente que o presente texto não possui a

pretensão de encerrar nenhuma discussão, mas, tão somente, o de trazer uma pequena contribuição na

discussão do problema posto.

2. Classificação das Contribuições

Adotando a teoria pentapartida de espécies tributárias, consideramos que as

contribuições são espécie autônoma de tributo, não-vinculado, com previsão legal de destinação e sem

previsão legal de devolução do produto arrecadado.1

São, no entanto, várias os tipos de contribuição previstos no texto constitucional.

Cada um, apesar dos elementos acima indicados, possui notas peculiares que implicam em

diferenciados regimes jurídicos. A espécie tributária “contribuição” comporta subclassificação, tendo

por critério a destinação legal do tributo.

Dispõe a Constituição Federal em seus artigos 149 e 195:

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

1 Assim já nos manifestamos anteriormente: CUNHA, Carlos Renato. O Simples Nacional, a Norma Tributária e o Princípio Federativo: Limites da Praticabilidade Tributária, p. 111 e ss. Em sentido contrário, GRECO, Marco A. Contribuições (uma figura “sui generis”), p. 80-81.

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35 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003). [...]

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento;

c) o lucro;

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;

III - sobre a receita de concursos de prognósticos.

IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.

[...]

§ 4º. A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.

Do texto constitucional, sem proceder-se a qualquer análise do art. 149-A, o que

será feito posteriormente, extrai-se que existem: a) contribuições sociais (que se destinam à

seguridade social); b) contribuições de interesse de categorias profissionais e econômicas (que se

destinam a estas categorias); e c) contribuições de intervenção no domínio econômico (que se

destinam a custear a intervenção).

3. Norma Geral de Direito Tributário e Contribuições

3..1 Norma Geral de Direito Tributário

A Constituição Federal outorga competência à União expedir norma geral em

matéria tributária, em seus art. 146 e 146-A:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

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36 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.

d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.

[...]

Essas normas gerais2 possuem indubitável natureza de “normas nacionais”.3 Em

interpretação sistemática do texto constitucional, tem-se que, em respeito ao Princípio Federativo4,

não pode a União legislar sobre as peculiaridades tributárias, desrespeitando a autonomia dos demais

entes federativos:

Julgamos incontroverso que a Constituição não conferiu ao legislador complementar um ‘cheque em branco’ para, por meio da edição deste ato normativo, traçar as competências tributárias com suas limitações, da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.5

Essas normas gerais devem ser inseridas no sistema jurídico através do veículo “lei

complementar”, previsto no art. 59, II da Carta Maior, que, como dispõe o art. 69, necessita para sua

aprovação de quorum qualificado.

2 “[...] estabelecer normas gerais é apontar as diretrizes, os lineamentos básicos; é operar por sínteses, indicando e resumindo. Nunca descendo a assuntos da economia interna, do peculiar interesse das pessoas políticas.” CARRAZZA, Roque A. Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 836 (grifo do autor).

3 “No plano interno, revela a vontade da Federação quando edita leis nacionais e demonstra a sua vontade (da União) quando edita leis federais.

Geraldo Ataliba precisou essa distinção ao salientar que as leis nacionais são as que alcançam todos os habitantes do território nacional (leis processuais, civis, penais, trabalhistas, etc.) e as federais são aquelas que incidem apenas sobre os jurisdicionados da União (são aquelas que dizem respeito aos servidores da União e ao seu aparelho administrativo). [...]” TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, p. 78.

4 “[...] queremos registrar que, por exigência do princípio federativo – que o Diploma Máximo considerou um dos pilares sobre os quais se assenta o edifício jurídico nacional - , nem a União pode invadir a competência tributária os Estados, nem estes a da União. Do mesmo modo, aos Estados, porque juridicamente iguais entre si, é defeso se apossarem das competências tributárias uns dos outros.” CARRAZZA, Roque A. Op. cit., p. 148.

5 CARRAZZA, Roque A. Op. cit., p. 837.

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37 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

A doutrina diverge acerca do alcance da norma de competência do art. 146 da

Constituição, tendo se formado as teorias dicotômica e tricotômica acerca do tema, discussão que

ultrapassa os limites do presente artigo.

3.2 Aplicação às Contribuições

O artigo 149 da CF expressamente estatui que se aplica às contribuições o disposto

no artigo 146, III. Sistematicamente, trata-se de mera redundância às disposições do artigo 146 em sua

totalidade.

Mas, cada espécie tributária é atingida pelas normas gerais de forma diversa:

As prescrições dirigidas ao gênero ‘tributo’, se aplicam sempre que possível, às contribuições. Por outro lado, aquilo que for prescrito especificadamente para os impostos ou para as taxas, por exemplo, não deve ser estendido, em princípio, aos demais tributos.6

Há discussão doutrinária sobre a falta da lei complementar tributária no que tange

às definições de fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes, nos termos do artigo 146, inciso III,

alínea “a”, segunda parte, quanto às contribuições. Parte dos estudiosos da questão defende que a lei

complementar é requisito para o exercício da competência tributária, como demonstra este trecho de

artigo de Maria Ednalva de Lima, ao falar das contribuições para intervenção no domínio econômico:

A referência à lei complementar justifica-se por não ter o legislador constituinte demarcado a regra-matriz de incidência da contribuição de intervenção no domínio econômico, como o fez, por exemplo, com os impostos, os quais incidem sobre a renda, as importações, as exportações, etc.

Não se está a defender a necessidade de a contribuição de intervenção no domínio econômico ser criada por meio de lei complementar, mas a imprescindibilidade da edição de uma lei desta natureza estabelecendo as normas gerais disciplinadoras de sua hipótese de incidência, base de cálculo e contribuintes, para que possa ajustar-se à exigência do artigo 146, inciso III, alínea a da Constituição Federal. [...]7

6 GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, p. 193. 7 LIMA, Maria E. de. A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico .... Revista Dialética de Direito Tributário. n. 82. p. 90.

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38 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Dentro do sistema de referência ora utilizado, trata-se de pseudoproblema, pois,

em primeiro lugar, não parecer haver possibilidade de conflito de competência, tendo em vista que as

contribuições – sem levar em consideração a contribuição para custeio de iluminação pública, que será

objeto de estudo posteriormente – podem ser instituídas pela União, tão somente, salvo as

contribuições sociais relativas aos servidores de estados-membros e municípios. Tendo em vista ter-se

adotado a teoria dicotômica no que se refere às normas gerais de direito tributário, a falta de

disposição acerca da definição de tributo, fatos geradores, base de cálculo e contribuintes perde

sentido.

Em que pese a possibilidade da enunciação de norma geral que, visando dispor

sobre conflitos de competência tributária ou regular limitações constitucionais ao poder de tributar,

venha a definir um fato gerador tributário, enquanto não exista a lei complementar, a entidade da

federação possui competência plena para instituição do tributo, haja vista tratar-se de competência

concorrente, “cujo conceito compreende dois elementos: (d.1) possibilidade de disposição sobre o

mesmo assunto ou matéria por mais de uma entidade federativa; (d.2) primazia da União no que tange

à fixação de normas gerais.”8

Por fim, vale transcrever a opinião de Tácio Lacerda Gama, quando fala sobre o

tema tendo por objeto de estudo as contribuições interventivas:

Diante das premissas contruídas neste trabalho, tal posição não pode ser aceita, por três razões:

i. a referência do art. 146, III, “a”, segunda parte, é dirigida especificadamente para os impostos;

ii. as contribuições interventivas estão submetidas ao regime jurídico próprio das contribuições, que não se confunde com o dos impostos;

iii. mesmo em relação aos impostos, a lei complementar não é colocada como pré-requisito para o exercício da competência tributária.9

Paulo de Barros Carvalho também é dessa opinião, quando fala dos tributos em

geral:

[...] não é necessário que os Estados e os Municípios aguardarem lei complementar. Eles podem exercitar a sua competência, haurindo do Texto

8 SILVA, José A. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 483. 9 GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, p.194.

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39 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Constitucional o conteúdo dessa competência e legislar dentro dos demais princípios constitucionais sobre aquela matéria. [...]10

Assim, o Código Tributário Nacional, que contém diversas normas de cunho geral

em matéria tributária, aplicar-se-á, neste sentido, às contribuições, no que couber, inexistindo

qualquer impropriedade na falta de lei complementar que disponha sobre fatos geradores, base de

cálculo e contribuintes no que tange às contribuições.

4. Constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 39/2002

4.1 As normas introduzidas como regras estruturais de competência

A Emenda Constitucional (EC) nº 39/2002 modificou a Constituição Federal de

1988, incluindo o art. 149-A, que dispõe:

Art. 149-A. Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para custeio de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III.

Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica.

A princípio, causou enorme estranheza este novo dispositivo, haja vista ele sanar

um grave problema de todas as comunas brasileiras, que se arrastava há décadas, que era a cobrança

generalizada da chamada taxa de iluminação pública. Para fazer frente aos gastos advindos da

iluminação em logradouros públicos, os municípios instituíam o tributo sob a forma de taxa, o que foi

rechaçado, em regra, pelo Judiciário.

Mas, ao cientista do Direito, cabe despir-se de pré-conceitos e analisar o que se

propôs o mais objetivamente possível, mormente ao pretender realizar um estudo “puro” do

ordenamento jurídico. Descabe, portanto, digressões acerca de história, sociologia ou política do

Direito: o fato é que houve substancial mudança na estrutura da competência tributária.

Conforme se nota claramente, o art. 149-A não criou um novo tributo. Apenas

outorgou competência aos municípios e ao distrito federal para que o criem. São encontradas no

dispositivo em questão, as seguintes normas, todas de estrutura:

10 CARVALHO, Paulo de B. Limitações ao Poder de Tributar. Revista de Direito Tributário. n. 46. p. 156.

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40 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

a) “dado o fato da existência de órgão legislativo municipal/distrital, deve-ser a

competência para que esse órgão crie contribuição para custeio de iluminação

pública.” Esta norma primária se liga a diversas normas secundárias, e a cada

uma estas ligações encontrar-se-ia uma norma jurídica completa diversa,

respeitado o conteúdo mínimo do deôntico possível demonstrado no

subcapítulo 1.2.1. Para citar alguns exemplos, teríamos que “Se outra pessoa

criar o tributo, deve-ser a norma inconstitucional”, “Se não for respeitada a

legalidade, deve-ser a norma inconstitucional”, “Se a contribuição não tiver

como previsão legal o custeio de iluminação pública, deve-ser a norma

inconstitucional”, etc.;

b) “dado o fato da criação da contribuição para custeio de iluminação pública;

deve-ser a permissão de cobrança do tributo na fatura de consumo de energia

elétrica”. Da mesma forma, há várias possíveis ligações com normas

sancionatórias, que ensejariam um sem-número de normas jurídicas completas.

Desta forma, no âmbito constitucional, tão somente se outorgou competência para

as entidades de federação ali discriminadas para criação de tributo. E este tributo deve se revestir da

forma da espécie tributária “contribuição.”11

Assim, não é possível analisar-se a questão da constitucionalidade do tributo neste

nível de estudo. Pode ocorrer que os tributos instituídos pelos municípios e distrito federal com base

nesta competência possam ser adjetivados de inconstitucionais, dependendo da análise de cada

legislação em particular. Ocorre que no nível constitucional não existe ainda tributo, mas, tão

somente, outorga de competência.

Há que se analisar de houve ofensa aos princípios12 constitucionais tributários

através da aprovação da emenda sob estudo.

11 Neste ponto, discordamos diametralmente de Ives Gandra da Silva Martins, que afirma que a Emenda 39 intentou criar uma taxa. Para conhecer sua opinião, veja seu artigo “A Contribuição para Iluminação Pública”, in Revista Dialética de Direito Tributário, n. 90, p. 62-70. 12 Princípios são “preceitos fortemente carregados de valor e que, em função do seu papel sintático no conjunto, acabam exercendo significativa influência sobre grandes porções do ordenamento, informando o vector de compreensão de múltiplos segmentos. [...] mas também se emprega a palavra para apontar normas que fixam importantes critérios objetivos, além de ser usada, igualmente, para significar o próprio valor, independentemente da estrutura a que está agregado e, do mesmo modo, o limite objetivo sem a consideração da norma.” CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, p. 141-142.

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41 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

4.2 Da existência ou não de ofensa à rígida distribuição de competência tributária

Segundo o ensinamento de Omar Augusto Leite Melo a distribuição de

competências tributárias no texto constitucional configura-se em cláusula pétrea:

[...] quando o Poder Constituinte Originário discriminou minuciosamente a competência tributária de cada entidade federada, e reservou exclusivamente para a União a competência para estabelecer ‘outros’ impostos e ‘outras’ contribuições de custeio da seguridade social, percebe-se que sua intenção foi de engessar, de exaurir a competência tributária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios às hipóteses mencionadas nos artigos 145, 149, § 1º, 155 e 156.

Em outro prisma, os contribuintes municipais ganharam, assim, uma norma de incompetência tributária, ou seja, uma verdadeira e sólida garantia constitucional implícita no sistema tributário nacional, no sentido de que apenas sofreriam a cobrança daqueles tributos elencados expressamente pela Constituição, in casu, as taxas, as contribuições de melhoria, as contribuições previdenciárias e assistenciais (só para os servidores municipais), o IPTU, o ITBI e o ISSQN.

Destarte, a inserção de uma nova espécie tributária na competência municipal viola diretamente tal garantia individual, implicitamente prevista aos contribuintes municipais.13

Todavia, entende-se aqui que esta rigidez das competências tributárias se aplica

somente no nível infraconstitucional. Não se vislumbra qualquer norma jurídica constitucional

limitadora do poder de modificação das competências do Sistema Tributário Nacional por parte do

Constituinte Derivado. Só não pode o legislador infraconstitucional fazê-lo:

A competência tributária é improrrogável, vale dizer, não pode ter suas dimensões ampliadas pela própria pessoa política que a detém. Falta-lhe titulação jurídica para isto.14

Dessarte, o Poder Reformador pode modificar o texto constitucional a vontade,

desde que respeite as cláusulas pétreas e que obedeça ao procedimento previsto no sistema para a

enunciação da norma modificadora através do veículo “Emenda Constitucional”, conforme prevê o art.

60 da Constituição.

No que se refere à questão da obediência ao procedimento previsto no sistema, isto

13 MELO, Omar A. L. Da Contribuição Municipal para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública – EC 39. Revista Dialética de Direito Tributário. n. 90. p. 93. 14 CARRAZZA, Roque A. Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 610.

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42 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

demandaria análise dos anais das votações, para verificação da existência de quórum mínimo para

abertura da sessão, assim como de aprovação da emenda. Matéria de fato, portanto.

Com o fim de se analisar tão somente o objeto de estudo sob o prisma sintático-

semântico, jurídico parte-se do pressuposto de que houve total obediência a estas particularidades, e

se passa a conjecturar acerca da existência de ofensa às clausulas pétreas.

4.3 Análise Acerca da Existência ou Não de Ofensa às Clausulas Pétreas

O art. 60, § 4º, da Constituição Federal, dispõe que:

Art. 60. [...]

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado;

II – o voto direto, secreto, universal e periódico;

III – a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

Sem maior aprofundamento, de pronto verifica-se que a competência outorgada

aos municípios e Distrito Federal não mantém qualquer relação com o voto ou com a separação dos

Poderes, pelo que se houver alguma ofensa a estes dispositivos, somente poderia se dar ao inciso I e IV:

As matérias previstas nos incisos II e III não têm qualquer relação com o direito tributário. No inciso I a Carta inseriu o princípio federativo no núcleo imodificável, o qual tem grande importância na órbita tributária. Assim sendo, a isonomia formal entre os entes federados não pode ser modificada. De igual modo, os entes não podem invadir as competências tributárias uns dos outros. Vale dizer, todas as conseqüências deste princípio no direito tributário são inelimináveis.

Com relação ao inciso IV, o significado da expressão ‘direitos e garantias individuais’, no campo tributário, comporta pelo menos três interpretações: i) os direitos e garantias individuais são apenas aqueles previstos no Título II da Constituição; ii) os direitos e garantias individuais contemplam aqueles previstos no Título II e as ‘limitações do poder de tributar’, indicadas na seção II do Título IV; iii) a expressão alcança qualquer direito e garantia constitucional outorgada ao contribuinte.15

15 PIMENTA, Paulo R. L. Cláusulas Pétreas Tributárias. Revista Dialética de Direito Tributário. n. 92. p. 44.

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43 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Analisemos a questão, portanto, mais detalhadamente.

4.3.1 Da existência ou não de tendência a abolir a forma federativa de Estado

Interessante é a questão acerca de lesão ao Princípio Federativo por parte de

Emendas Constitucionais que modifiquem a competência tributária posta pelo chamado poder

constituinte originário.

A princípio, uma Emenda Constitucional que mude o arranjo das competências

tributárias, por si só não transparece qualquer tendência à abolição da forma federativa de estado. Mas

isto pode ocorrer se, por exemplo, suprimir-se um tributo de competência dos Estados-membros, que

venha a causar-lhes a falta de capacidade financeira, e, de consequência, a diminuição de autonomia.

Não é o caso da norma inserta pela EC 39/2002. Outorgou ela competência diversa

aos municípios e Distrito Federal, sem retirar qualquer competência dos outros entes federativos.

Desta forma, pelo contrário, a Emenda em questão contribuiu para uma maior

autonomia dentro do Sistema Federativo Brasileiro, dos municípios e Distrito Federal.

4.3.2 Da existência ou não de tendência a abolir os direitos e garantias individuais

Os direitos e garantias individuais são aqueles previstos no art. 5º da Carta Maior,

quais sejam, a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade, nos termos previstos nos

seus setenta e sete incisos, além de outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotado ou

tratados internacionais, nos termos de seu § 2º. E neste sentido, pode-se falar que várias normas

insertas no subsistema constitucional tributário são decorrência de garantias previstas no artigo 5º da

Carta Maior, consubstanciando-se em cláusulas pétreas:

A nosso ver, todas as limitações previstas nos arts. 150 a 152 são cláusulas pétreas, sem exceção, porque corporificam os valores básicos que, em matéria de tributação, o constituinte quis pôr a salvo da conduta do legislador, inclusive do exercício da competência reformadora, por meio de emenda constitucional. Desse modo, ao inserir as regras da legalidade, da anterioridade e da irretroatividade desejou-se tutelar o valor segurança jurídica. Ao proscrever a tributação confiscatória procurou-se preservar o núcleo essencial do direito fundamental objeto de tributação. Ao instituir a imunidade sobre templos de qualquer culto visou-se proteger a liberdade de culto. Enfim, cada um dos enunciados dos artigos 150 a 152 representa uma

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44 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

densificação de valores fundamentais para o contribuinte, integrando, portanto, o cerne imodificável do Texto Maior.16

Ora, a propriedade é garantia individual, mas desde que cumpra sua função social

(art. 5º, XXIII), e, decorrente da própria sistemática constitucional, pode ser tributada, desde que a

tributação não tenha efeitos confiscatórios (art. 150, IV). Como a Emenda nº 39 apenas modificou a

competência tributária, não se pode falar que tenha ela de alguma forma tendência a abolir a

propriedade ou efeitos confiscatórios. Pode ocorrer, no âmbito legal, quando da efetiva criação do

tributo pelos entes competentes, que haja então lesão a este dispositivo, o que deve ser verificado caso

a caso.

Apesar de todo esforço retórico, não se é possível alegar afronta a qualquer outra

cláusula pétrea. Salvo se afirmar-se que a modificação das competências tributárias fere o Princípio da

Segurança Jurídica17 (caput do art. 5º), o que não se sustenta, posto que inexiste qualquer ofensa às

garantias já materializadas constitucionalmente da irretroatividade, anterioridade e legalidade

tributárias, que são as matizes com as quais este valor se expressa neste subsistema constitucional.

Pelo contrário, com a edição da emenda constitucional sob estudo, os contribuintes

têm total garantia à segurança jurídica, pois através de análise da norma de competência enunciada,

podem controlar a competência para imposição tributária, constitucionalidade da lei instituidora, etc.

Paulo Roberto Lyrio Pimenta pensa de igual forma:

Para nós, o perfil constitucional do tributo não constitui cláusula pétrea. Nem a materialidade, nem a finalidade do tributo significam valores fundamentais dos contribuintes. Destarte, o Congresso pode, por meio de emenda, prever novas incidências, ou novas finalidades, modificar o destinatário constitucional do tributo, etc. 18

Inexistiu, portanto, qualquer ofensa por parte do Poder Constituinte Derivado às

cláusulas pétreas, quando da enunciação da EC 39/2002.

5. Análise das Regras Constitucionais acerca da Contribuição para Custeio da Iluminação

16 PIMENTA, Paulo R. L. Cláusulas Pétreas Tributárias. Revista Dialética de Direito Tributário. n. 92. p. 44. 17 O Princípio da Segurança Jurídica é decorrente de fatores sistêmicos e é “dirigido à implantação de um valor específico, qual seja o de coordenar o fluxo das interações inter-humanas, no sentido de propagar no seio da comunidade social o sentimento de previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos da regulação da conduta” CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, p. 147. 18 PIMENTA, Paulo R. L. Op. Cit., p. 45.

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45 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Pública

Tendo em vista a constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 39/2002, pode-

se passar a um estudo mais profundo acerca da competência outorgada aos municípios e Distrito

Federal para instituição de contribuição que vise custear a iluminação pública.

5.1 Da subespécie de contribuição

No item 2 supra subclassificou-se as contribuições em subespécies, tendo por

critério a previsão de destinação do produto arrecadado.

A destinação no caso da contribuição sob estudo é para custeio de um serviço

público, mas que não se amolda à definição de seguridade social (artigo 194 da CF), muito menos

como de intervenção no domínio econômico ou de interesse de categorias profissionais e econômicas.

Desta forma, a contribuição para custeio da iluminação pública é subespécie

tributária diversa, que se passa a chamar, por estipulação19, de contribuição especial.

5.2 Dos princípios constitucionais tributários aplicáveis ao tributo sob análise

O legislador constitucional faz expressa menção à aplicação, na instituição da

contribuição sob análise, do artigo 150, incisos I e III da Constituição. Assim, sem dúvida, o legislador

local deve obediência aos princípios da estrita legalidade (art. 150, I), da irretroatividade (art. 150, III,

“a”) e da anterioridade (art. 150, III, “b” e “c”).

Contudo, isto não significa que o legislador infraconstitucional pode afrontar as

demais normas estruturais não incluídas na previsão do art. 149-A, pois há que se fazer uma

interpretação sistemática. Observado o subsistema constitucional brasileiro, verifica-se que quando a

19 “[...] Se a definição de uma palavra se reporta a um uso comum, tradicional e constante, falamos de uma definição lexical. Esta definição será verdadeira se corresponde àquele uso. [...] Definições lexicais admitem, pois, os valores verdadeiro/falso. Nem sempre, porém, uma palavra se presta à definição deste tipo. Ou porque o uso comum é muito impreciso ou porque é imprestável, por exemplo, para uma investigação mais técnica. Nestes casos, podemos definir de forma estipulativa, isto é, propomos um uso novo para o vocábulo, fixando-lhe arbitrariamente o conceito. [...] FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito, p. 36-37. Quando esta estipulação, em vez de inovar totalmente, [...] escolhe um dos usos comuns, aperfeiçoando-o, [...] então falamos em redefinição. [...] As estipulações e as redefinições não podem ser julgadas pelo critério da verdade, mas sim pelo da sua funcionalidade, o que depende, obviamente, dos objetivos de quem define. [...]

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46 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

um determinado tributo não se aplica determinado “princípio”, esta norma é expressamente

ressalvada. É o que ocorre, por exemplo, com a exceção ao princípio da anterioridade no que tange ao

Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, como se denota do artigo 153, parágrafo 1º.

De resto, é até redundante a menção que o caput do artigo 149-A faz ao artigo 150,

posto que ele se aplica a todo o subsistema constitucional tributário.

Além destes, por serem normas que se aplicam a todo o Capítulo I do Título VI da

Carta Maior, não devem também os municípios e Distrito Federal instituir o tributo sem observância

da igualdade dos contribuintes (art. 150, II), ou realizando confisco (art. 150, IV), observada, por

óbvio, a peculiaridade de se tratar de espécie tributária autônoma, e, dessarte, o aplicável apenas aos

“impostos” não lhe alcançam, como a previsão do artigo 150, VI da Constituição.

Ademais, tem-se que por mandamento do artigo 146 da Constituição, o Código

Tributário Nacional se aplica a esta contribuição, no que for cabível. Todavia, a falta de lei

complementar determinando fatos geradores, base de cálculo e contribuintes não é impeditivo do

exercício da competência tributária pelas comunas e pelo Distrito Federal, conforme exposto no item

3.

5.3 Do parágrafo único do art. 149-A

No que se refere ao parágrafo único do art. 149-A da Constituição, a norma ali

inserta não possui natureza tributária.

Trata-se, na verdade, de norma constitucional que permite a cobrança da

contribuição junto com a fatura de energia elétrica, o que, na verdade, não é afeta ao Direito

Tributário.

Esta norma estrutural acaba repercutindo na seara administrativa e civil: com este

permissivo, não há que se falar em qualquer afronta ao Código de Defesa do Consumidor, por exemplo,

pelas concessionárias de energia elétrica incluírem o valor da contribuição mensalmente na fatura; da

mesma forma, não existirá ilegalidade, caso a Fazenda Pública a escolha como forma de cobrança.

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47 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

5.4 Da desnecessidade de existência de referibilidade a um grupo determinado para instituição

da contribuição sob análise

Já se assentou que cosideramos a espécie “contribuição” como “tributo não-

vinculado, com previsão legal de destinação específica do produto da arrecadação e sem previsão legal

de devolução do valor arrecadado”. Desta definição verifica-se que não se considera importante que a

destinação legal seja para um grupo específico de pessoas. Tanto o faz. O que é importante é que seja

para uma previsão legal de destinação para custear despesa específica, mesmo que o seja para toda a

coletividade.

Mas há doutrinadores que pensam diferente, e convém analisar a questão. Omar

Augusto Leite Melo fala sobre o assunto:

O que marca uma ‘contribuição’ é a peculiaridade de ter como pressuposto ou causa um benefício, real ou presumido, que um ‘grupo’ de pessoas recebe em virtude de uma determinada atuação estatal. [...]

No caso do serviço de iluminação pública, verifica-se que há um indiscutível benefício real para a população do Município. Todavia, e aí está uma das inconstitucionalidades da Emenda nº 29/02 [sic], não há como separar um ‘grupo’ de pessoas beneficiadas, uma vez que toda a população do Município aufere vantagens com a iluminação pública. E mais, até mesmo os visitantes auferem vantagens com esse serviço público, tal sua generalidade e indivisibilidade.

Por conseguinte, falta para a novel ‘contribuição’ o critério essencial da referibilidade entre o serviço público (atuação municipal) e seus contribuintes.20

Nossa análise sobre este tema jurídico é estritamente dogmática. Neste sentido,

cabe tão somente descrever o objeto de estudo, e não dizer como se gostaria que ele fosse. Assim, é

dever afirmar que não se verifica na Constituição Federal qualquer norma jurídica que determine que o

tributo da espécie “contribuição” deva ter referibilidade, da forma como apontada acima.

Pelo contrário, a própria Carta Maior outorga competência para a instituição de

contribuições que não se destinam a grupo específico, como para a saúde, por exemplo. Desta forma,

não se vislumbra óbice para que através de Emenda Constitucional se modifique o sistema jurídico de

forma a possibilitar a cobrança de contribuição para custeio de iluminação pública, até pela

inexistência de qualquer ofensa a cláusula pétrea.

20 MELO, Omar A. L. Da Contribuição Municipal para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública – EC 39. Revista Dialética de Direito Tributário. n. 90. p. 91.

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48 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Vale ressaltar que o que importa para a instituição de contribuição é a previsão

legal de destinação específica do produto arrecadado. Mas não que os beneficiários do serviço público

sejam determináveis como “grupo”. Esta discussão pode e deve ser aprofundada em relação à

contribuição de intervenção no domínio econômico, na qual, consideramos, ganha especial relevância.

5.5 Análise do Arquétipo Constitucional da Regra-Matriz de Incidência da Contribuição para

Custeio da Iluminação Pública

A Regra-Matriz de Incidência Tributária é, quiçá, a mais relevante contribuição

científica que nos foi entregue pelo Prof. Paulo de Barros Carvalho. Como decomposição lógica da

norma de incidência tributária, permite ao estudioso apreender todas as suas minúcias e as sutilezas

da validade de seu enquadramento ao nosso ordenamento jurídico.

Far-se-á uma análise do arquétipo constitucional da regra-matriz de incidência de

referido tributo. Para que fique bem claro, aqui não se analisa nenhuma regra-matriz específica, pois

sendo esta a decomposição científica da norma jurídica tributária primária, somente seria possível

estudo desta forma se o objeto fosse uma lei municipal ou distrital que tivesse instituído a

contribuição.

O arquétipo da Regra-Matriz equivale à Regra-Matriz de Incidência Tributária

Possível – RMITP, que se encontra no consequente da norma estrutural de competência tributária,

situada no altiplano constitucional.21

O objetivo neste item é tão somente verificar quais são os limites para que o ente

federativo venha a criar a regra-matriz do tributo, tendo em vista as disposições constitucionais.

5.5.1 Do possível antecedente da regra-matriz

O antecedente da regra-matriz possui a seguinte estrutura lógica:

Ht = Cp. Cm (v.c) . Ce . Ct

21 Sobre o tema, veja-se: CUNHA, Carlos Renato. O Simples Nacional..., p. 109 e ss.

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49 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Vale dizer, a Hipótese Tributária é formada por um critério pessoal, critério

material (verbo mais complemento), critério espacial e critério temporal. Ressaltamos que nossa visão

sobre o tema é um pouco diverso da de seu criador, que não inclui o Critério Pessoal no Antecedente

Normativo.22

Como já exposto, impossível se faz neste momento o preenchimento das formas

lógicas, posto que se trabalha apenas com a norma de competência constitucional.

Vê-se da norma inserta pela EC 39/2002 que ela fornece poucos critérios para que

se possa limitar o legislador quando da criação da exação.

No que se refere ao critério espacial, seja qual for o critério material escolhido, não

há dúvida acerca da limitação existente: os municípios e o Distrito Federal possuem competência para

tributar fatos jurídicos ocorridos em seus territórios. Exclui-se, portanto, a tributação de fatos

ocorridos em outros locais.

O critério pessoal do antecedente da regra-matriz gravita, sem dúvida, em torno do

critério material. Será o agente aquele que executar o verbo acompanhado do complemento da

hipótese. No que se refere ao tempo, o legislador possui uma maior liberdade, sempre tendo em vista a

Irretroatividade da Lei Tributária, e às especificidades do critério material escolhido.

Importante questão é a do critério material. No ordenamento brasileiro, o

legislador constitucional normalmente é prolixo quando da outorga da competência tributária,

limitando ao máximo a margem de discricionariedade do legislador infraconstitucional para a criação

de tributos.

No entanto, no caso do art. 149-A da Carta Magna, a solução parece diferente.

As entidades da federação competentes para a criação da contribuição não

possuem muitas limitações no que se refere ao critério material do antecedente da regra-matriz de

incidência.

Não existe qualquer necessidade de que o verbo e o complemento instituídos pelo

legislador como núcleo do fato jurídico que implicará na relação jurídica tributária tenha qualquer

22 Id. Ibid., p. 101-109.

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50 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

ligação com o gasto público que a contribuição custeará. Vale dizer, a questão do custeio da

iluminação pública não possui qualquer relação com o critério material da hipótese, mas é requisito da

lei instituidora da contribuição, como previsão de finalidade das verbas arrecadadas.

Desta forma, o legislador municipal e distrital deve, na lei instituidora do tributo,

prever a finalidade das verbas arrecadadas, que servirão para o custeio da iluminação pública. Se

efetivamente tais verbas serão ou não utilizadas com este fim, não é um problema do Direito

Tributário, mas financeiro e administrativo, estando o agente público responsável pela utilização

inadequada das verbas sujeito a sanções, respeitando-se posicionamentos divergentes quanto ao

particular.23

Mas, como ocorre com as demais contribuições, não se vislumbra qualquer

necessidade de que os critérios material e pessoal do antecedente possuam qualquer relação com esta

previsão de custeio.

Que reste claro, pois, que a prestação de serviço de iluminação pública não é o

critério material do antecedente da regra-matriz. É apenas o pressuposto de instituição da

contribuição. E esta é uma diferença jurídica vital.24

Outro ponto importante a ser ressaltado é o de que consideramos que as

contribuições são tributos da família não-vinculada. Vale dizer, o critério material da hipótese não

possui relação com alguma atividade estatal, mas sim, com a de um particular. Isto é vital, pois tendo

em vista esta diferenciação, não deve o legislador infraconstitucional eleger como critério material

nenhuma atuação do Estado, e eis que encontramos uma limitação de competência na Carta Maior à

instituição da contribuição para custeio da iluminação pública.

De resto, entende-se que pode o legislador municipal e distrital eleger como

critério material qualquer outra ação humana. A afirmação é forte, e merece ser melhor aclarada.

A distribuição de competências tributárias na Constituição Federal sempre foi

feita levando-se em conta a espécie ou subespécie tributária25. No que se refere às taxas e

23 Nesse sentido, veja-se: BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: Regime jurídico, Destinação e Controle. 24 Nas antigas leis instituidoras de taxa de iluminação pública este era o critério material da hipótese, posto que a taxa é um tributo da espécie vinculado, em que o verbo e complemento do antecedente da regra-matriz devem ter relação com uma atividade estatal. 25 “O constituinte traçou os arquétipos de tais figuras tributárias, embora tivesse variado a técnica de validação da norma impositiva. Assim, em relação aos impostos, taxas e contribuição de melhoria, a Carta mencionou a materialidade (pressuposto de fato) possível do tributo. No que se refere aos demais tributos, o Texto Maior indicou a finalidade possível,

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51 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

contribuições de melhoria, da espécie de tributos vinculados, a entidade da federação competente para

instituição é, por óbvio, a competente para a prestação do serviço ou execução da obra pública.

Os empréstimos compulsórios são expressamente apenas de competência da

União, conforme art. 148 da Carta Magna.

No que tange aos impostos, complexa é a estrutura de outorga de competência

constitucional. O legislador constitucional dividiu os campos de tributação entre os entes federativos

levando-se em consideração os critérios materiais da hipótese. Assim, a cada critério material

corresponde um único imposto, que cabe a um ente federativo instituir. “Renda” é hipótese que cabe à

União tributar. “Circular mercadorias”, ao Estado-membro. “Propriedade de imóvel urbano”, ao

Município. E assim segue. Por fim, nos termos do art. 154, I, à União resta a competência residual para

tributação de critérios não previstos na Constituição. Quanto aos impostos, esta distribuição é rígida,

não podendo o legislador infraconstitucional modificá-la sem a eiva de inconstitucionalidade.

Mas, quando se fala das contribuições sociais, a distribuição é diversa. Todos os

entes federativos podem instituir contribuições, mas não para custear qualquer gasto público.

Como já visto, tanto a União, quanto os Estados-membros, Municípios e o Distrito

Federal podem instituir contribuição para custear os benefícios do sistema de previdência em relação

a seus servidores, como dispõe o parágrafo 1º do artigo 149. Todavia, somente à União cabe legislar

quanto à instituição de contribuições que visem custear intervenção no domínio econômico, demais

contribuições para a seguridade social e o interesse das categorias profissionais ou econômicas, como

se lê do caput do artigo 149. E o art. 149-A outorga aos municípios e ao Distrito Federal competência

para criação de contribuição que custeie a iluminação pública.

A distribuição de competência é, pois, focada no objetivo de custeio, não no critério

material. Isto não impede que a própria Constituição disponha acerca de limitações à liberdade do

legislador infraconstitucional em escolher critérios materiais da hipótese. Isto ocorre, por exemplo,

nas contribuições sociais previstas no artigo 195 da Carta Maior, onde expressamente o legislador

constitucional limitou a competência do ente federativo.

Não se vê qualquer limitação deste tipo no que tange à contribuição para custeio

da iluminação pública. E, como o presente artigo tem expressa finalidade científica, não cabe dizer

como se quer que o direito seja, mas, simplesmente como ele é, com a eliminação da retórica, tão

e não o critério material da hipótese de incidência.” PIMENTA, Paulo R. L. Cláusulas Pétreas Tributárias. Revista Dialética de Direito Tributário. n. 92. p. 45.

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52 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

importante quando das discussões judiciais.

Inclusive, há que se recordar que sobre um mesmo fato jurídico podem incidir um

imposto e uma contribuição, como ocorre com o Imposto sobre a Renda e a Contribuição Social sobre

o Lucro prevista no artigo 195 da Constituição, ambas incidindo sobre renda das pessoas jurídicas.

Assim, nada impede que o legislador municipal eleja como critério material da

contribuição para custeio de iluminação pública o mesmo utilizado para o Imposto Predial e

Territorial Urbano (IPTU), o Imposto sobre Serviços (ISS) ou o Imposto de Transmissão de Bens

Imóveis (ITBM). O mesmo vale para o legislador distrital, que pode eleger os mesmos critérios já

utilizados para os impostos de sua competência.

Se no que se refere à instituição da contribuição sob estudo utilizando-se de

critérios materiais já previstos para impostos de competência dos municípios e do Distrito Federal a

resposta parece simples, resta análise acerca da possibilidade de serem escolhidos os critérios de

impostos de competência de outros entes federativos.

Há que ficar claro que a repartição de competência dos artigos 153, 155 e 156 não se

aplica às contribuições sociais: as normas estruturais insertas nesses dispositivos dizem respeito à

espécie tributária “imposto”. Tão somente. Ademais, somente as taxas não podem ter base de cálculo

própria de impostos, por força do parágrafo 2º do artigo 145 da Constituição.

Assim, tendo em vista que o legislador constitucional não previu qualquer

limitação à competência do legislador municipal e distrital para escolha do critério material do

antecedente da regra-matriz, nem fez qualquer ressalva remetendo à impossibilidade de se instituir

contribuições com critério material idêntico ao de impostos, não se pode dizer que não possam os

Municípios escolherem os utilizados pelos Estados-membros e pela União, nem que não possa o

Distrito Federal escolher os utilizados pela União Federal.

A contribuição para custeio da iluminação pública pode ser instituída, tendo por

critério material qualquer hipótese, salvo o de uma atuação estatal, afeita aos tributos vinculados. Seja

o de “circular mercadorias”, seja o “auferir renda”, não se vislumbra qualquer limitação neste

particular.

O legislador pode, portanto, dentro desta ampla discricionariedade outorgada pelo

legislador constitucional, eleger o critério mais apropriado para a realidade local.

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53 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

5.5.2 Do possível consequente da regra-matriz

O consequente da regra-matriz de incidência possui a seguinte estrutura lógica,

feitas as mesmas ressalvas quanto à divergência em relação ao modelo clássico do Prof. Paulo de Barros

Carvalho, que não inclui os critérios espacial e temporal nesta parte normativa:26

Cst = Cp (Sa . Sp) . Cq (bc . al). Ce. Ct

Ou seja, o Consequente Tributário é formado pelo critério pessoal, que indica os

sujeitos ativo e passivo da relação jurídica tributária, pelo critério quantitativo (material), com

indicação da base de cálculo e alíquota, critério espacial e temporal.

Tendo em vista o acima exposto acerca do antecedente, o consequente27 deverá ter

total relação com o critério material e pessoal da hipótese.

O critério pessoal do consequente, não dá ensejo a muitas dúvidas: o sujeito

passivo será a entidade federativa competente, salvo se houver o fenômeno da delegação da capacidade

tributária ativa, se o desejar o legislador local. O sujeito passivo deverá ser aquele que executa o verbo

com seu complemento previsto no antecedente normativo, a não ser que, também a critério do

legislador, haja o fenômeno da “substituição tributária”28.

O critério material quantitativo, formado pelo binômio base de cálculo e alíquota,

deverá da mesma forma guardar relação com o critério material do antecedente. A base de cálculo deve

ser um quantitativo econômico do fato jurídico tributário, que em conjunto com a alíquota enseja a

compostura numérica da dívida29:

Vejo a base de cálculo como o conjunto de notas, instituído no conseqüente da regra-matriz de incidência, e que se destina, primordialmente, a

26 CUNHA, Carlos Renato. O Simples Nacional..., p. 101-109. 27 Os critérios temporal e espacial do consequente da regra-matriz, que são considerados por este trabalho como necessários para a correta configuração do tributo, são, para os fins propostos e tendo em vista a questão pragmática, postos em segundo plano. 28 Utilizamos a expressão “substituição tributária” em homenagem a doutrina tradicional, mas transcrevemos o entendimento de Paulo de Barros Carvalho sobre o tema, por nós adotado: “Está bem claro que, na hipótese, o legislador nada substitui, somente institui. Anteriomente à lei que aponta o sujeito passivo, inexistia, juridicamente, aquele outro sujeito que o autor [Rubens Gomes de Souza] chama de direto.” In Curso de Direito Tributário. 13. ed. rev. atualiz. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 299. 29 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 181.

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dimensionar a intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato jurídico produzido pela norma tributária individual e concreta.30

Caso haja incoerência entre a base de cálculo e o critério material do antecedente,

deve prevalecer a base de cálculo para o fim de demonstração da natureza do tributo:

[...] havendo discordância entre a hipótese de incidência e a base de cálculo, esta última deva [deve] prevalecer, em face de hospedar aspectos estruturais do fato previsto no antecedente da norma, ao passo que o suposto apenas a ele se refere, muitas vezes até de maneira obscura e imprecisa.[...]31

Por fim, não há maiores dificuldades quanto à estipulação dos critérios espacial e

temporal, possuindo o legislador infraconstitucional ampla margem de discricionariedade.

5.5.3 Síntese do arquétipo constitucional da regra-matriz

Após esta exposição, é possível se visualizar o arquétipo constitucional da regra-

matriz de incidência da contribuição para custeio de iluminação pública, recordando-se que deve ser

inserta norma estrutural nos ordenamentos jurídicos municipais e no distrital, quando da criação do

tributo, que determine que o produto da arrecadação tenha por finalidade custear o serviço em

questão. Recordando a estrutura formal da Regra-Matriz:

Ht = Cp. Cm (v.c) . Ce . Ct

Njt DSn

DSm

Cst = Cp (Sa . Sp) . Cq (bc . al). Ce. Ct

O arquétipo da regra-matriz de incidência tributária da contribuição para custeio

da iluminação pública, é o seguinte: “Se um particular realizar o ato escolhido pelo legislador

municipal ou distrital (que pode abranger os mesmos critérios materiais de impostos já existentes, de

todas as entidades da federação), num dado momento por este escolhido e dentro do território da

30 Id. Ibid., p. 174. 31 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 173.

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entidade federativa legisladora, deve ser a relação jurídica tributária em que este particular deverá

pagar à entidade federativa legisladora um valor pecuniário calculado com a aplicação de uma alíquota

sobre uma base de cálculo (que deve ser uma medida econômica do critério material do antecedente

normativo), em local e momento escolhido pelo legislador local.”

Para que seja constitucional esta exação, deve o legislador local prever na norma

instituidora do tributo a previsão de destinação do valor arrecadado, qual seja, o custeio do serviço de

iluminação pública, por força da regra de competência constitucional.

6. CONCLUSÃO

Neste artigo, verificou-se que a Emenda Constitucional nº 39/2002, que incluiu o

artigo 149-A a Constituição Federal de 1988, não afronta nenhuma cláusula pétrea ao modificar a

distribuição de competência tributária, não se podendo, portanto, afirmar-se ser ela inconstitucional.

O dispositivo incluído tão somente outorga competência para os municípios e o

Distrito Federal instituírem contribuição para custeio do serviço de iluminação pública. Analisou-se a

questão da classificação dos tributos, adotando-se uma divisão pentapartida, em que as contribuições

são espécies autônomas marcadas pela não-vinculação de seu antecedente normativo a uma atuação

estatal, pela previsão legal de destinação do produto arrecadado e pela não previsão de devolução do

valor arrecadado.

Com estas premissas, e decompondo a norma jurídica tributária primária com o

apoio de uma análise sintático-semântica do direito, e tendo em mente a estrutura da Regra-Matriz de

Incidência proposta por Paulo de Barros Carvalho, com modificações que se consideram necessárias,

analisou-se os limites que o legislador infraconstitucional tem ao instituir o tributo em questão,

concluindo-se pela possibilidade de ser adotado critério material do antecedente já utilizado em

impostos tanto dos municípios, como das outras entidades federativas.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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57 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

ESTADO DE FELICIDADE E O ESTADO DA FELICIDADE.

Celso Zamoner Procurador do Município de Londrina, lotado na Gerência de Assuntos de Pessoal – GAP. Especialista em Direito do Estado pela Universidade Estadual de Londrina – UEL. Bacharel em Direito pela UEL. Professor da Graduação em Direito na Universidade Filadélfia de Londrina – UNIFIL.

RESUMO: Este artigo visa analisar, brevemente, o tema da Felicidade no Sistema Constitucional Pátrio, tendo como ponto de partida a noção da Felicidade Interna Bruta – FIB, do Reino do Butão.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Constitucional. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Felicidade.

O tema Felicidade é amplamente explorado nas religiões, na multifacetada

produção artística e cultural (literatura, música e artes plásticas), adentrando até mesmo nos

domínios da Ciência pelos pórticos da Psicologia, Psicanálise, Neurociência e assim por diante.

Conforme visto, o Saber Humano é vivamente receptivo para essa entidade psíquica de invulgar e

intangível constituição. Todavia, quando se submete a Felicidade à abordagem jurídica, de imediato se

suscita uma reação de espanto, a qual se amplia ao se pretender vinculá-la à precípua finalidade do

Estado, sua razão mesma de existir. Eis justamente o desafio que é proposto no presente trabalho, não

por acaso intitulado “Estado de Felicidade e o Estado da Felicidade”.

Caso se obtivesse uma cápsula do tempo e se empreendesse uma viagem aos

primórdios da civilização humana, se constataria de visu que todos os esforços despendidos pelos

ancestrais do Homo Sapiens, nada mais objetivaram do que a obtenção da Felicidade, ainda que a mesma

se lhes apresentasse ainda sob forma rudimentar, associada aos êxitos alcançados nas atividades de

caça ou no rechaço às feras. À medida que evoluíssemos na linha do tempo, se perceberia que,

conquanto o processo civilizatório trouxesse a lume inventos e descobertas, sob o ponto de vista

psíquico persistiria o mesmo elemento propulsor: a busca incessante da Felicidade.

Por essa razão, não há como dissociar essa aspiração vital que habita o recôndito de

cada ser humano albergado no seio da Mãe Terra de toda a complexa construção teórico-científica

edificada ao longo dos séculos. Dentre as instituições que resultaram da imersão do ser humano na

Cultura, à luz do estruturalismo levistraussiano, se destaca nitidamente o Estado, haja vista a

influência diuturna que exerce sobre todos os aspectos da existência humana, desde a concepção fetal,

até as conseqüências jurídicas decorrentes da morte.

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A questão que se submete ao leitor e que constitui o leitmotiv do presente ensaio

resulta justamente do enlace entre o propulsor psíquico representado pela Felicidade e a instituição

Estado, com o intuito de determinar se o mesmo institucionalmente jaz comprometido com essa

máxima aspiração humana e, caso o esteja, até que ponto o Estado Pós-Moderno se desincumbe

satisfatoriamente dessa tarefa.

No que concerne ao primeiro ponto, qual seja, se recai sobre a instituição Estado o

dever de direcionar o exercício de suas funções para assegurar aos administrados o gozo de um estado

de Felicidade, ousa-se asseverar que tal consiste na finalidade e justificativa mesmas da existência do

ente estatal. E não se trata de uma assertiva cujo fundamento axiológico é haurido da dimensão Ético-

Filosófica, posto que a vigente ordem constitucional, conquanto não o enuncie expressamente,

inoculou em diversos dispositivos esse componente de natureza humanista.

De efeito, no preceito inaugural da Constituição Federal de 1988 o legislador

constituinte inscreveu com letras de fogo o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos

princípios fundamentais do Estado brasileiro. Ora, um princípio fundamental equivale ao alicerce de

uma edificação, ao elemento estrutural que precede e suporta toda a carga normativo-constitucional.

Sendo assim, há que indagar se o referido princípio fundamental representa uma pista que auxilie no

desvendamento da questão ora debatida, a saber: incide sobre o Estado a obrigação institucional de

prover a Felicidade dos administrados?

Para o desate desse nó, faz-se necessário precedentemente obter-se uma leitura

mais precisa do princípio da dignidade da pessoa humana, de sorte a verificar se essa mola propulsora

da vida humana representada pela Felicidade compreendida está no seu conceito.

A propósito do tema, afigura-se de bom alvitre, dada a sua visão abrangente,

registrar o enfrentamento teórico empreendido pelo eminente constitucionalista Luís Roberto

Barroso, vazada nos seguintes termos:

“O princípio da dignidade humana identifica um espaço de integridade a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. É um respeito à criação, independente da crença que se professe quanto à sua origem. A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito quanto com as condições materiais de subsistência. O desrespeito a esse princípio terá sido um dos estigmas do século que se encerrou e a luta por sua afirmação, um símbolo do novo tempo. Ele representa a superação da intolerância, da discriminação, da exclusão social, da violência, da incapacidade de aceitar o outro, o diferente, na plenitude de sua liberdade de ser, pensar e criar.

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O princípio da dignidade da pessoa humana expressa um conjunto de valores civilizatórios que se pode considerar incorporado ao patrimônio da humanidade, sem prejuízo da persistência de violações cotidianas ao seu conteúdo. Dele se extrai o sentido mais nuclear dos direitos fundamentais, para tutela da liberdade, da igualdade e para a promoção da justiça. No seu âmbito se inclui a proteção do mínimo existencial, locução que identifica o conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute dos direitos em geral. Aquém daquele patamar, ainda quando haja sobrevivência, não há dignidade. O elenco de prestações que compõem o mínimo existencial comporta variação conforme a visão subjetiva de quem o elabore, mas parece haver razoável consenso de que inclui, pelo menos: renda mínima, saúde básica e educação fundamental. Há, ainda, um elemento instrumental, que é o acesso à justiça, indispensável para a exigibilidade e efetivação dos direitos”1.

A passagem doutrinária acima reproduzida traduz com singular propriedade a

conjunção de aspectos espirituais e materiais empregados na estruturação do conceito ético-jurídico

de dignidade da pessoa humana. Mas seria viável transpô-lo para o campo da Felicidade, haja vista o

prevalecente caráter psicológico que a informa? A resposta que vigorosamente emerge é no sentido

afirmativo, pelo singelo motivo de que todo e qualquer construto teórico nada mais representa do que

uma projeção originária do universo psíquico humano. Sendo assim, não há como escapulir do

antropocentrismo que atua como centro de gravidade da cadeia produtiva do conhecimento científico.

Por essa razão, quando o legislador transladou da esfera ética para a jurídica o valor universal da

dignidade da pessoa humana o fez imbuído do propósito de invitar o Estado e a sociedade a promover

ações visando o bem-estar físico e psicológico dos administrados, aspectos os quais, se não

correspondem propriamente ao estado psíquico da Felicidade, indubitavelmente a ela conduzem.

Conquanto haja sido conferido no presente trabalho especial relevo ao princípio

fundamental da dignidade da pessoa humana, não é demasiado salientar que os direitos fundamentais,

em última análise, são afluentes que desembocam no estuário da dignidade da pessoa humana. E,

ainda, considerando-se que não há como dissociar o humano do seu aparelho psíquico e tampouco se

pode olvidar a unidade dialética entre corpo e mente forçosamente se conclui que não apenas os

alicerces do edifício constitucional, mas a Constituição na sua integralidade e, por consequência, o

Estado que é plasmado à sua imagem e semelhança, incorporaram como linha condutora axiológica a

dignificação do Homem, nas vertentes material e espiritual.

Do amálgama de todos esses elementos logra-se concluir que o apanágio da

Felicidade reside no equilíbrio da tríplice dimensão corpo-mente-espírito, o qual é obtido quando se

proporciona ao ser humano condições de desenvolver plenamente seu potencial, o que implica,

necessariamente na intervenção do Estado nas áreas da saúde, educação, cultura, meio ambiente etc.

1 Luís Roberto Barroso, Curso de Direito Constitucional, 2009, p. 252-3.

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Lança-se na sequência à tarefa de suprimir o segundo ponto de interrogação, para

efeito de determinar se o Estado pós–moderno – uma vez erigido precedentemente o pressuposto de

que o exercício da função administrativa deve assegurar aos administrados, como ultima ratio,

condições para se alcançar uma sensação de bem-estar plena e permanente, suscetível de ser

identificada com a própria Felicidade – incorporou, ou não, nas diversas políticas públicas, essa

perspectiva focada na singularidade humana do administrado.

A extração da resposta, é lamentável dizer, não demanda maiores elucubrações,

haja vista que o cenário político, econômico e social com que se defronta no primeiro decênio deste

Século, eloquentemente revela a figura de um Estado esquizofrênico, acossado por pensamentos de

crescimento econômico a qualquer custo, alienado de seu papel de provedor da Felicidade coletiva.

Prova cabal da perturbadora conclusão acima, reside nas discrepâncias entre os

dados relativos ao crescimento econômico e ao desenvolvimento humano. Aliás, o nunca

suficientemente pranteado economista Celso Furtado2 já alertava à época do cognominado “Milagre

Econômico Brasileiro”, que a política econômica deve ser executada pari passu com o desenvolvimento

humano. Não constitui temerário atrevimento asseverar que, à luz do ideário constitucional, a

atividade econômica é que deve se amoldar às necessidades do ser humano. A realidade, todavia, deixa

entrever um quadro diametralmente oposto, na qual interesses econômicos invadem e destroem

ecossistemas humanos e biológicos com a força avassaladora de um tsunami.

A justificativa que invariavelmente é utilizada para emoldurar a política econômica

do Estado pós-moderno é no sentido de que a geração de riquezas é uma conditio sine qua non para o

desenvolvimento humano. Ora, trata-se de um irrefragável sofisma, porquanto a economia de mercado,

lançando mão de um mal disfarçado processo de pasteurização cultural, promove a erradicação de

patrimônios culturais, históricos e ambientais, ao pior estilo Cavalheiro do Apocalipse.

Trocadilho à parte é bem de ver que a concepção freudiana vertida na sua

monumental obra Mal-Estar na Civilização, comporta nesse contexto uma releitura para Mal-Estar da

Civilização, porquanto o Estado, em conjunção com os organismos que controlam a economia

globalizada, ao revés de promover o bem-estar individual, converteu os administrados em meros

consumidores, despojando-os de sua identidade humana, o que implica no recalcamento massivo da

dimensão psicológica do perplexo cidadão do Século XXI, configurando, diga-se en passant, insidioso

mecanismo que se opera com o auxílio prestimoso da alienação midiática.

2 Furtado, Celso. 1974. O Mito do Desenvolvimento Econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

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Por conseguinte, seja qual for a ideologia política que permeie o Estado, haverá de

se constatar que na generalidade das situações o item Felicidade não integra as agendas

governamentais, conquanto determinados países se notabilizem no contexto internacional em face da

qualidade de vida desfrutada por seus cidadãos.

Poder-se-ia redarguir neste quadrante que o Estado, mediante a execução das

diversas políticas públicas que se revestem de maior aderência social, indiretamente cria as

circunstâncias favoráveis para gerar nos administrados sentimentos compatíveis com o estado de

Felicidade.

Por certo que apenas o acometimento de um desvario levaria alguém a negar que tal

fenômeno ocorre em maior proporção nos países que se destacam na constelação de nações como

detentores dos mais expressivos índices de desenvolvimento humano. Todavia, o que se almeja neste

trabalho não é propriamente debater se as políticas públicas resultam no bem-estar coletivo e

individual, porém, isto sim, se os programas e as diretrizes traçados na órbita governamental e

executados na esfera da Administração Pública deveriam adotar como pressuposto finalístico a

própria Felicidade. Destarte, não se trata de inquirir resultados, porém, de inocular nos atos

administrativos como finalidade apriorística a propagação generalizada daquele peculiar estado

psicológico.

Ora, elaborar e concretizar políticas públicas formatadas sob o signo da Felicidade,

por evidente soa um tanto quanto utópico, despido de senso prático e, ainda, totalmente divorciado da

realidade. Certamente essas são algumas ideias que podem aflorar quando cotejamos o inatingível

plano do dever ser com o árido território do ser. Concorda-se incondicionalmente que sempre existirá

uma tensão entre o ideal de realidade e o panorama brutal que assola nossos sentidos cotidianamente.

Todavia, não se menospreze a ingente capacidade humana de buscar novos paradigmas, inclusive os

relativos às linhas condutoras das políticas públicas. Nesse sentido é com indisfarçável regozijo que se

assinala que há uma nota dissonante no concerto das nações, em que pese as vibrações soarem de

muito longínquo.

Nos contrafortes do Himalaia, entrincheirado entre a Índia, o Nepal, a China e o

Tibete, se localiza um país singular, provavelmente o último reduto do Planeta que logrou resistir às

investidas tentaculares da globalização. Desde logo se averbe que não importará em demérito do leitor

caso constate seu completo alheamento acerca do Reino do Butão.

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O Butão é uma Monarquia Constitucional, cujo Rei Jigme Singye Wangchuck, em

1972, erigiu o conceito de Felicidade Interna Bruta (FIB), em contraposição ao popular indicador

econômico Produto Interno Bruto (PIB). Esse conceito revolucionário de desenvolvimento baseia-se

no princípio de que o crescimento econômico deve se operar simultaneamente com o desenvolvimento

espiritual, de sorte a constituir-se uma autêntica relação simbiótica entre as riquezas materiais e os

tesouros do espírito.

O FIB se assenta em quatro pilares, a saber: (1) promoção de um desenvolvimento

sócio-econômico sustentável e igualitário, (2) a preservação e promoção dos valores culturais, (3) a

conservação do meio ambiente e o (4) estabelecimento de uma boa governança. Dessas vertentes, por

sua feita, derivam nove indicadores de aferição da Felicidade de uma nação: 1) bem-estar psicológico;

2) meio ambiente; 3) saúde; 4) educação; 5) cultura; 6) padrão de vida; 7) uso do tempo; 8) vitalidade

comunitária e 9) boa governança.

É oportuno registrar que o governo do Butão submete qualquer questão que possa

afetar a Felicidade do Povo ao crivo dos quatro pilares e seus nove derivados. Constitui exemplo

emblemático de aplicação desse conceito o fato de que o Butão aprovou em 2004 uma lei proibindo a

venda de qualquer produto oriundo do tabaco, vez que considerou que o montante arrecadado a título

de impostos não justificava o comprometimento da saúde e do bem-estar psíquico de seus cidadãos,

além dos danosos reflexos ambientais.

O desenvolvimento do Butão, sob o ponto de vista do seu PIB, por certo não lhe

confere honrosa posição entre os países cêntricos. Contudo, seus habitantes mantêm intacto o

patrimônio cultural, artístico e histórico legado por seus ancestrais, suas florestas jazem incólumes,

desconhecem a violência urbana, a prostituição e o consumo de drogas, enfim, não foram afetados por

políticas públicas invasivas e dizimadoras de sua identidade humana. Diante desse cenário se impõe

uma única conclusão: o Butão é um país rico, talvez o mais afortunado desta maltratada morada

planetária.

No desfecho desta trajetória, sob a inspiração do excêntrico Butão, faz-se

imperioso enunciar que o “estado de felicidade” dos administrados deve ser incorporado pelo Estado

Pós-Moderno como a pedra fundamental de sua estrutura, convertendo-se em um ente que mereceria

ser cognominado “Estado da Felicidade”.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo – Os Conceitos

Fundamentais e a Construção do Novo Modelo. São Paulo: Saraiva, 2009.

FURTADO, Celso. O Mito do Desenvolvimento Econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.

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HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

Evaldo Dias de Oliveira Procurador-Geral do Município de Londrina. Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL. Especialista em Direito Tributário, Direito Administrativo e em Filosofia do Direito. Advogado.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Hermenêutica Jurídica. 2.1 Diferentes métodos de interpretação. 2.2 O relativismo dos métodos e escolas hermenêuticas. 3. Hermenêutica e constituição. 3.1 crise hermenêutica. 4. Fundamentos de uma hermenêutica constitucional. 5. Conclusão. 6. Referências bibliográficas.

RESUMO: O artigo parte de uma análise dos fundamentos da hermenêutica jurídica como instrumento necessário para a aplicação das normas ao mundo dos fatos, para estabelecer, desde a origem do termo até as diferentes técnicas de aplicação. Diferentes escolas de hermenêutica, ao longo dos anos se dispuseram a desenvolver e validar diversos métodos de compreensão do sentido e alcance da norma jurídica, sendo certo que cada um deles apresenta vantagens e limitações quando de sua aplicação ao caso concreto. A percepção de tais vantagens e limitações permite ao jurista compreender a ideologia oculta na justificação da escolha de um o vários métodos de interpretação em determinado momento. Discorre-se então sobre a possibilidade da aplicação de tais métodos ao texto constitucional, considerando sua relevância como texto fundante do ordenamento jurídico e ainda tendo em vista o problema de sua estruturação, composta tanto por regras quanto por princípios. A partir da opinião de alguns juristas que entendem haver uma crise hermenêutica, tendo em vista a frustração com a proposta emancipatória da Constituição, discorre sobre os fundamentos de uma hermenêutica própria a ser aplicada ao texto constitucional, cujos critérios garantiriam tanto sua inteireza quanto a consecução do Estado Democrático de Direito nela preconizado. Esta busca de sentido do texto constitucional seria tarefa de todos os cidadãos, uma vez que todos são afetos por ele.

PALAVRAS-CHAVE: Hermenêutica. Constituição. Princípios Constitucionais.

1. INTRODUÇÃO

A compreensão da função da Constituição em um Estado Democrático de Direito

tomou corpo no Brasil principalmente a partir da promulgação do texto de 05 de outubro de 1988, fato

constatado pelo crescente interesse, desde então, tanto do mundo jurídico como do cidadão comum

pelo que dispõe o comando constitucional.

Se as normas jurídicas buscam disciplinar a conduta humana, e o fazem por meio

de palavras que objetivam estabelecer um dever ser, a Constituição, situada no todo do ordenamento

jurídico desenha não apenas o dever ser dos indivíduos, mas o Estado, como estrutura de poder, e da

coletividade de indivíduos que subordina.

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Tais palavras, que estabelecem o dever ser, carecem de um intérprete que lhes dê um

sentido a ser aplicado no mundo dos fatos. A busca do sentido mais adequado para a norma jurídica

sempre ocupou a atenção dos juristas de todas as épocas, indo de um extremo que afirmava não caber

ao intérprete outra função senão a de ser a boca da lei, sendo que o texto seria sempre claro e suficiente

por si mesmo, até o ponto oposto de conceder ao intérprete total liberdade para aplicar o texto da

forma como melhor compreenda, sem mesmo necessidade de justificar sua escolha por determinado

sentido.

O presente trabalho busca em um primeiro momento analisar alguns destes

diferentes métodos de interpretação, considerando que cada método oculta sempre uma ideologia

própria, capaz de conduzir a resultados que podem ser previamente apreendidos pelo intérprete que

não está, desta forma, isento no processo de aplicação da norma jurídica.

Passa então a analisar a forma como tais métodos podem ser aplicados à

interpretação da Constituição, para a construção de um sentido mais adequado ao ideal que ao própria

Constituição preconiza. Não se pretende estabelecer máximas definitivas sobre a forma como deva ser

interpretada a Constituição, mas apenas estabelecer pontos de reflexão sobre seu desenvolvimento

histórico e as possibilidades que se apresentam para sua evolução futura.

2. HERMENÊUTICA JURÍDICA

As normas jurídicas têm por objetivo disciplinar a conduta humana, o que é feito

através da linguagem que deverá ser de alguma forma interpretada, função da hermenêutica jurídica,

termo cuja etimologia está diretamente ligada à função do deus Hermes, filho de Zeus e Maia, que

tutelava a eloqüência, necessária na arte de comercializar, e tinha a função de servir de canal de

comunicação entre os deuses no Olimpo e os homens. A hermenêutica pode assim ser vista como a arte

de compreender, de interpretar, de traduzir de maneira clara signos inicialmente obscuros.

A mais adequada maneira de se interpretar a norma jurídica sempre preocupou os

estudiosos do direito levando ao desenvolvimento de diferentes teorias e estabelecimento de diversas

técnicas.

Ainda quando vigorava a regra in claris cessat interpretatio, que marcadamente

valoriza o sentido estritamente literal da norma, discutia-se o conceito de clareza.

A respeito, é relevante o seguinte trecho do voto do Ministro Mauro Campbel

Marques, relator do Recurso Especial 1.251.566-SC

O ponto de partida, certamente, deve ser a letra da lei, não devendo, contudo, ater-se exclusivamente a ela. De há muito, o brocardo in claris cessat

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interpretatio vem perdendo espaço na hermenêutica jurídica e cede à necessidade de se interpretar todo e qualquer direito a partir da proteção efetiva do bem jurídico, ainda que eventual situação fática não tenha sido prevista, especificamente, pelo legislador.

A respeito do uso de máximas para conduzir o intérprete, Maximinano1 nos alerta

que os adágios nao devem ser tomados a esmo, isolados de seu contexto. Como exemplo, refere-se à

máxima de Paulus de que “quanto nas palavras nao existe ambigüidade, nao se deve admitir pesquisa

acerca da vontade ou intenção”, e que originalmente refere-se apenas a testamentos, mafestando-se

respeito à última vontade do falecido.

Há toda uma dificuldade subjacente ao ato de interpretar a norma jurídica,

principalmente quando se usa uma lógica estritamente formal, uma vez que interpretar implica em

fazer escolhas e principalmente em compreender que o momento da escolha é um momento de

comprometimento.

É relevante a questão posta por GOMES2 que questiona a existência de alguma

diferença entre hermenêutica e interpretação jurídica ou se hermenêutica é interpretação.

Na busca de uma resposta à questão anota que alguns autores (entre eles cita Paulo

Nader, Carlos Maximiliano) defendem que a hermenêutica se ocuparia de estabelecer princípios,

critérios, métodos sendo, portanto, teórica, ao passo que a interpretação seria “de cunho prático,

aplicando os ensinamentos da hermenêutica”. Outros autores (por exemplo, Miguel Reale e Paulino

Jacques) entendem que hermenêutica e interpretação são a mesma coisa.

Conclui o autor, que a busca de uma diferenciação não faz sentido, seja porque as

obras que abordam o tema se ocupam tanto em expor os processos de interpretação quanto em

analisar as conseqüências de sua utilização; seja porque estão efetivamente vinculadas de forma muito

estreita, uma fornecendo meios à realização da outra, considerando que a interpretação não se exaure

em si mesma na medida em que “ganha razão de ser quando encontra espaço para a efetiva aplicação das

normas jurídicas em situações concretas das relações intersubjetivas, tendo em conta a dimensão

prática do direito”. E conclui que o direito “deve estar sempre voltado ao disciplinamento da

convivência das pessoas, em um contexto social, a fim de que esta seja a mais justa e razoável possível”3.

A finalidade da hermenêutica é portanto, fornecer meios, caminhos, instrumentos

adequados para a busca de sentido do direito. Foi na construção destes caminhos que surgiram as

escolas de hermenêutica, “evidenciando múltiplas concepções sobre o significado e o papel do próprio

1 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1979. pp. 33-34 2 GOMES, Sergio Alves. Hermenêutica Jurídica e Constituição no Estado de Direito Democrático. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 28. 3 GOMES, Ségio Alves. Op. Cit. p. 29.

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direito, enquanto fenômeno social”4.

2.1 Diferentes métodos de interpretação

Historicamente é comum colocar o final do século XVIII como a época e a França

como o local em que surge o interesse pelo estudo da interpretação jurídica, na medida em que, com a

vitória dos interesses burgueses após a revolução francesa, haveria necessidade de se consolidar

mecanismos de preservação dos direitos individuais, inclusive com a limitação dos poderes

interpretativos do judiciário.

Na Europa, antes do século XIX, os glosadores (séc. XI a XIII) estudam, sem

qualquer esforço crítico, o Corpus Juris Civilis de Justiniano; os Comentaristas (séc XIII a XV) buscam

uma adaptação do direito romano à realidade social; a Escola Culta (séc. XVI a XVIII) buscava

interpretar o direito romano a partir de uma perspectiva histórica, buscando suas fontes originais; a

Escola dos Feudistas (séc. XVI) tentou dar uniformidade e coerência ao direito vigente; a Escola

Holandesa (séc. XVII a XVIII) também estudava o direito a partir de uma perspectiva histórica.

Sobre este período leciona Maximiliano:

Deve-se ao uso excessivo do direito Romano entre os povos cultos, sobretudo no Foro civil, este apego à formalística, a redução do aplicados dos Códigos a uma espécie de autômato, enquadrado em regras precisas e cheias de minúcias, em uma geometria pretensiosa, obsecado pela arte, enganadora, dos silogismos forçados, interpretando hoje um texto como se vivesse há cem anos, imobilizando, indiferente ao progesso, conforme os ditames da escola tradicional.5

Com a outorga do Código Napoleônico, que entrou em vigor em 21 de março de

1804, as técnicas de interpretação, que já eram antigas, passam a ser objeto de reflexão, constituindo

uma nova teoria e alcançando maior relevo, trazendo uma disputa entre diversos métodos ou técnicas

de interpretação, que partem de distintas concepções da ordem jurídica, organizadas em diferentes

escolas.

Cada método interpretativo apresentado ou defendido por uma escola de

hermenêutica, na opinião de Warat6, implica na adoção de uma ideologia, eventualmente explicitada

no próprio nome que adota. O breve resumo que se apresenta a seguir acompanha este autor.

2.1.1 – Método gramatical

4 GOMES, Ségio Alves. Op. Cit. p. 29. p. 31. 5 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1979. p. 44. 6 WARAT, Luiz Alberto. Introdução Geral ao Direito – Interpretação da Lei: temas para uma reformulação. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 1994.

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Tido como o método mais cauteloso, acentuava a fantasia de perfeição do Código,

que se identificava com o ideal de justiça. A imperfeição não está no texto mas no intérprete, uma vez

que aquele tem um sentido unívoco e cabe a este descobrí-lo.

Trata-se de um método muito simples que busca a substituição de expressões

legais por sinônimos, ligando-se a concepções realistas do sentido dos termos, um conceito que deriva

de Platão, segundo o qual o significado das palavras refletia a essência das coisas. Assim, o sentido

deve ser considerado verdadeiro se as palavras expressarem corretamente a essência do que se

pretende definir.

O problema central do método gramatical é buscar a plenitude do significado

jurídico verdadeiro da norma. Tal método implica na aceitação do mito da suficiência da lei, que teria

um caráter perfeito e acabado.

Um problema deste método é que se sua aplicação se dá por substituição de

termos, na prática implica na substituição de termos de uso vulgar, constantes na norma, por termos

técnicos, produzidos pela ciência jurídica. Pertencendo a linguagem técnica a um grupo profissional

específico, este método assegura o controle do discurso jurídico, dando todo poder ao intérprete.

2.1.2 – Método exegético

Trata-se de uma evolução do método gramatical, partindo da mesma premissa de

que o texto tem um significado unívoco que pode ser conhecido buscando a vontade originária do

legislador.

Há uma reverência metafísica ao “espírito do legislador” que outorga precisão ao

discurso, implicando em uma ideologia que dá todo poder ao legislador, o qual deve ser aceito como

perfeito e infalível.

Implica ainda na existência de um juiz neutro, não criativo, pois o ato de

interpretação é um ato de de descoberta, não de manifestação da vontade.

Trata-se, em sua origem, de uma estratégia para afirmar determinados valores

sociais caros à burguesia, desejosa de segurança frente às arbitrariedades do absolutismo monárquico

recém abolido.

2.1.3 – Método histórico

Surge na Alemanha pré-unificada, que não contava com uma codificação comum,

como a França, sendo regida por costumes e contando apenas com a história como elemento

unificador do povo.

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É à história que recorre Savigny para criar um método de interpretação admitindo

os costumes como fonte originária do direito, devendo o interprete recorrer a estes, no momento da

decisão.

A ideologia por traz deste método idealiza uma nação unificado por suas tradições.

O Direito deriva da “consciência jurídica popular” e do “espírito geral que anima a todos os homens de

um povo”, levando Savigny a declarar-se contrário à idéia de codificação, por se constituir em

fossilização do direito.

Segundo Del Vecchio7, a idéia de uma “consciência jurídica popular” deriva do

historicismo filosófico de Schelling e Hegel.

A natureza, como sujeito considerada,é produtividade infinita, recebendo de Schelling a designação de “Weltseele”, alma do mundo; ele vê-a extinsecando-se, primeiro no mundo físico (vegetal e animal), depois, no mundo do espírito. Assim como há uma alma do mundo, assim também há uma alma do povo, uma Volkseele, primeiro inconsciente ou subconsciente. E é esta alma que deteremina a constituição social e política.8

Deste conceito de espírito coletivo derivaria a teoria do costume, no direito. É

possível afirmar que se trata de uma variante do método exegético adaptado a diferentes categorias do

direito: em França o Direito está no Código; na Alemanha, o Direito está disperso nos costumes

germânicos e no Direito Romano, ainda vigente para aquele povo.

Se o método exegético recorre à vontade do legislador, o método histórico apela

para a “consciência jurídica social” que origina e sustenta o direito, sendo que interpretar consiste em

reconstruir o pensamento contido na lei.

Coincide ainda com o método exegético por sustentar a necessária neutralidade do

juiz.

A ideologia desta escola fica evidente quando se percebe que sua preocupação não

é compreender os conflitos sociais, mas ligá-los ao passado, visto como eterno e presente, eticamente

incorruptível, imobilizado como lugar ilusório de certeza. “Um já-dito-desde-sempre que impede

aceitar o devir transformador de uma sociedade que se pensa a si mesma como instituinte”9.

Colocando a lei em um papel secundário, afirma não ser ela uma criação do

legislador, mas um reflexo dos fatos, dos costumes preexistentes, correndo-se o risco de renúncia a

toda inovação legislativa.

2.1.4 – Método comparativo

7 DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de Filofosia do Direito. Coimbra: Armenio Amado Editor, 1979. p. 159. 8 DEL VECCHIO, Giorgio. Op. Cit. p. 152. 9 WARAT, Luiz Alberto. Introdução Geral ao Direito –Interpretação da Lei: temas para uma reformulação. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 1994. p. 73.

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71 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Também variante do método exegético, irá recorrer ao direito comparado,

propugnando a formulação de conceitos jurídicos a partir de outros sistemas normativos, analisando

afinidades e contrastes.

Warat afirma que acaba sendo um método exegético encoberto, pois ao pretender

devolver ao direito o caráter universal de toda ciência, está se levantando um mito de harmonia e

infalibilidade da humanidade, abstraída de qualquer historicidade, como já observara Aristóteles:

Algumas pessoas pensam que toda justiça é desta espécie, porque as coisas que existem por natureza são imutáveis e em toda parte têm a mesma força (como o fogo que arde aqui e na Pérsia), ao passo que essas pessoas observam alterações nas coisas reconhecidas como justas.10

O intérprete se torna intermediário de uma divindade. A comparação busca o

direito positivo idealizado, sacralizado, portanto imutável, com o qual se busca assegurar o controle

social estabelecido.

2.1.5 – Método científico ou da livre investigação

Fundada por Françoi Geny, busca articular a razão com a realidade social. Assim, o

direito deve ser pensado em conexão com a idéia de justiça. É Maximiliano11 quem observa que Geny

teria adotado a divisa “Pelo Código Civil, mas além do Código Civil”. Isso porque, embora a lei seja

manifestação da vontade do legislador, no uso de suas atribuições, nem sempre expressa

racionalmente o que este desejou regular.

Trata-se da reconstrução racional do direito natural. Todavia admite que o

“procedimento racional não é suficiente para descobrir as relações contingentes da vida”12 de forma

que a intuição passa a desempenhar importante papel.

Afastando a idéia de que o Código constitua todo o Direito, afirma que na

imperfeição da lei, cabe ao interprete a livre investigação cientifica e, embora reduza a aplicação do

método às lacunas, abre uma via de ligação entre o direito positivo e valores advindos do direito

natural.

2.1.6 – Método sociológico

Tendo Léon Duguit com principal expoente, este método surge junto com a

sociologia, que adquire status de atividade cientifica, preocupando-se com elementos sociais e

ideológicos da norma jurídica.

10 ARISTOTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Ed. Abril, 1984. p. 131. 11 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1979. p. 71. 12 MAXIMILIANO, Carlos. Op. Cit. p. 76.

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72 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Este método reproduz técnicas de investigação da sociologia, baseada na

observação, experimentação, comparação de dados. No campo do direito, privilegia os fatos em relação

com as normas legais, extraindo a norma legal da realidade.

Para Duguit o direito é menos obra do legislador que produto espontâneo de fatos

e, embora o texto legal permaneça o mesmo ao longo do tempo, sua força se esvai pela pressão dos

fatos, ou novo sentido lhe é dado, admitindo assim que o discurso jurídico não tem significação

unívoca, podendo ser redefinido.

Se para Savigny o direito é produto da história, para Duguit é produto dos fatos

sociais, de forma que se substitui o culto à lei pelo culto aos dados.

Como os demais, verifica-se ser um método ideológico, uma vez que o fato social é

escolhido e interpretado como unidade completa, em vez de analisado em seu contexto.

2.1.7 – Métodos teleológicos

Com duas vertentes, ambas influenciadas por Ihering, pode-se falar em método

teleológico em sentido estrito (que se opõe à teoria de Kelsen) e a jurisprudência de interesses fundada

por Heck (que se opõe à jurisprudência de conceitos). A primeira se liga ao direito público a outra ao

direito privado.

Afirmam que, no campo do direito, o conceito de fim substitui o de valor. O direito

tem uma atividade funcional, e o ato de interpretar deve buscar a finalidade da própria existência da

norma jurídica.

Também partindo de uma abordagem sociológica, se afasta da idéia da simples

elucidação do conteúdo presente na norma, para reconstruir seu significado ou, “escolher, dentre as

muitas significações que a palavra oferecer, a justa e conveniente”, nas palavras de Kohler citado por

Bevilaqua13.

Em vez de se buscar o sentido da norma, o trabalho do intérprete passa a ser o de

atender às demandas do grupo social.

2.2 O relativismo dos métodos e escolas hermenêuticas

13 BEVILAQUA, Clovis. Teoria Geral do Direito Civil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. p. 44.

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73 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Referindo-se ao método exegético, Warat14 afirmar que constitui “uma dimensão

simbólico-imaginária do político, e não uma orientação que responda as necessidades técnico-

jurídicos”.

Esta afirmação pode servir de base para uma compreensão de que não há escola

melhor ou pior, método certo ou errado. Há uma escolha política quanto ao método a ser aplicado.

Todas as escolas funcionam como diretrizes retóricas para o raciocínio do jurista.

A escolha de um método de interpretação é caminho determinante na busca de um

resultado específico e a forma como cada intérprete vê e emprega os diferentes métodos acaba

ocultando um compromisso ideológico com as soluções reclamadas pela prática judicial.

Ainda segundo Warat15 os métodos de interpretação “podem ser considerados o

álibi teórico para emergência das crenças que orientam a aplicação do direito”.

Os métodos interpretativos podem ser caracterizados como “um repertório de

pontos de vista e comportamentos idealizados, que através de fórmulas sacramentadas justificam as

representações que estão na fase do senso comum teórico dos juristas”16.

Conclui o autor:

Com relação à função mítica da reflexão sobre o método, pode-se pois, afirmar que os métodos de interpretação não cumprem as funções sistemáticas, hermenêuticas e de garantia que lhes são assinaladas pelo pensamento jus-filosófico clássico. Em contrapartida cumprem outras funções, tais como: 1) função mítica da consolidação das crenças jurídicas; 2) função redefinitória enquanto podem ser utilizados como um “relato” despido de sua função explicativa, embora mantenham a aparência e gerem a ilusão de funcionar como tal.

Assim, consciente ou inconscientemente, o intérprete irá trazer para sua atividade

valores que são seus, e que irão influenciar no resultado fático da aplicação da norma jurídica.

Por mais virtuoso que seja o jurista, deverá sempre enfrentar a dificuldade de

superação de valores particulares para a apreensão e efetivação do conteúdo axiológico presente e

desejado pelo ordenamento jurídico como um todo.

3. HERMENÊUTICA E CONSTITUIÇÃO

14 WARAT, Luiz Alberto. Introdução Geral ao Direito – Interpretação da Lei: temas para uma reformulação. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 1994. p. 70. 15 WARAT, Luiz Alberto. Op. Cit. p. 88. 16 WARAT, Luiz Alberto. Op. Cit. Loc. Cit.

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Não se discute a supremacia da norma constitucional como fonte da ordem jurídica

de determinada sociedade, a partir da qual todo o ordenamento se produz e é interpretado,

concebendo-se assim a ordem jurídica como um sistema, sendo “tarefa do jurista apresentar o direito

sistematicamente, para facilitar seu conhecimento e manejo pelos que o aplicam”.17

Neste processo de verdadeira construção lógica do sistema, realizado pelo jurista,

as diferentes técnicas hermenêuticas tornam-se ferramentas necessárias para um resultado eficaz.

Relevante a citação feita por Celso Bastos da apresentação do Ministro Gilmar

Mendes à tradução da obra de Häberle, Hermenêutica Constitucional, em que observa que “não existe

norma jurídica, senão norma jurídica interpretada [...] interpretar uma norma jurídica nada mais é do

que colocá-lo no tempo ou integrá-lo na realidade pública [...]”18.

A questão que se coloca é a difícil aplicabilidade ao texto constitucional dos

métodos hermenêuticos tradicionais até aqui estudados, “concebidos sobretudo em função da

legislação infraconstitucional, e mais especificamente do direito civil”19, impondo-se uma técnica

própria, adequada a seu texto.

O ponto que mais se destaca ao se considerar a Constituição e que leva à questão

ora colocada deve-se tanto à forma de construção do texto constitucional, formulado como regras e

princípios jurídicos, como principalmente em função dos novos objetivos visados pela Constituição

na atualidade.

A ambiência social em que contemporaneamente se inserem as constituições apresenta um grau de complexidade tal, que torna insuficiente as explicações clássicas da sua natureza e significado [...] Atualmente, uma constituição não mais se destina a proporcionar um retraimento do Estado frente à Sociedade Civil, como no princípio do constitucionalismo moderno, com sua ideologia liberal. Muito pelo contrário, o que se espera hoje de uma constituição são linhas gerais para guiar a atividade estatal e social, no sentido de promover o bem-estar individual e coletivo dos integrantes da comunidade que soberanamente a estabelece.20

Claro portanto que a mudança na consciência das pessoas quanto à função da

Constituição impõe uma adequada técnica interpretativa, que permita a concretização do modelo de

sociedade ali desenhado, qual seja, um estado democrático de direito.

Aos intérpretes da Constituição cabe a função de buscar a técnica interpretativa

17 DINIZ, Maria Helena. Norma Constitucional e seus efeitos. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 5. 18 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999. p. 76. 19 BARROSO, Luís Roberto (Org.). A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003 p. 331. 20 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria Processual da Constituição. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2000. p. 15, 16.

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que melhor corresponda a esta finalidade imposta pela norma fundante do ordenamento jurídico,

compreendendo o fenômeno jurídico em suas três dimensões, como leciona GOMES21, apoiado nas

lições de Reale, no plano normativo através de princípios e regras constitucionais, que “exigem a

concretização de valores que os orientam – plano axiológico -, na concretização do modelo de

sociedade eleito, quando da elaboração da constituição – plano fático.”

No campo da hermenêutica não se pode admitir, como bem leciona GUERRA

FILHO22, qualquer pretensão de certeza ou verdade verificável, o que absolutamente não significa ser

função do intérprete apontar os diversos significados possíveis, devendo fundamentar sua escolha. No

caso, tal fundamentação pode ser aferida a partir do citado modelo construído pela constituição,

repita-se, um estado democrático de direito.

A situação se agrava quando se considera que o texto constitucional é um sistema

de regras e princípios que se diferenciam, ainda na lição de GUERRA FILHO23, apoiado em Canotilho,

com diferentes graus de abstração, de determinabilidade de aplicação, por maior ou menor grau de

informação que contenham e ainda por uma separação ontológica radical.

Assim, além de assumirem uma posição singular no ordenamento jurídico,

apresentando-se como seu fundamento último, temos as normas constitucionais formuladas tanto

como regras quanto como princípios, pedindo diferentes tratamentos hermenêuticos do intérprete,

uma compreensão que deve alcançar todos os intérpretes da constituição.

A esse respeito, leciona Häberle:

[...] no processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potencias públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou

fixado com numerus clausus de intérpretes da Constituição.24

Seguindo a lição do constitucionalista alemão, Bonavides afirma:

A Constituição, poderá Häberle, é a sociedade mesma “constituída” ou a ordenação fundamental do Estado e da Sociedade. A interpretação da Constituição é “processo” aberto, ou seja, operação livre que como tal deve conservar-se. Sua compreensão há de ser a mais dilatada possível, de modo que, sobre acolher aquela interpretação que se faz em âmbito restrito, principalmente na esfera jurídica dos tribunais, venha a abranger por igual

21 GOMES, Sergio Alves. Hermenêutica Jurídica e Constituição no Estado de Direito Democrático. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 43. 22 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da Ciência Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 141. 23 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Op. Cit. p. 150. 24 HÄBERLE, Peter, apud BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999. p. 76.

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76 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

aqueles que ativa ou passivamente participam da vida política da comunidade.25

A compreensão de que a interpretação constitucional tem caráter criativo, é a

concretização dos ideais, valores que o próprio texto comporta e sobre os quais se erige o

ordenamento jurídico, e que tal projeto pertence a todos os cidadãos, faz surgir um quadro de

efetividade quanto à limitação do poder do Estado, respeito aos direitos individuais, coletivos e

difusos e promoção do desenvolvimento.

A Constituição, mais que um texto jurídico, passa a ser um modo de olhar o direito

e o Estado, o que a doutrina chama de “filtragem constitucional”, que reinterpreta todo o direito a

partir do conteúdo axiológico que a própria constituição emana.

3.1 Crise hermenêutica

O processo de globalização que o mundo presenciou no decorrer do século XX,

principalmente com a remoção de fronteiras nacionais, não respeita os espaços do Estado ou do

indivíduo.

Este processo contribui para uma crise no próprio processo democrático, na medida

em que o Estado que se forma a partir de então se mostra incapaz de garantir a segurança dos cidadãos

e a integridade da nação, além de que o vigor do capital, que não conhece limites fronteiriços, se impõe

ao interesse das nações, que pode indicar um retrocesso, como afirma Streck:

“[...] um modelo de regulação neo feudal através da constatação do debilitamento das especificidades que diferenciam o Estado moderno do

feudalismo: a) a distinção entre esfera privada e esfera pública; b) a

dissociação entre o poderio político e econômico; e c) a separação entre as funções administrativas, políticas e a sociedade civil.26

Decorre desta situação um inevitável conflito, uma vez que as propostas do Estado,

principalmente do chamado Estado Providência ou Estado de Bem Estar Social, não são cumpridas.

Cria-se um choque entre a realidade e o Estado de Direito ou como afirma Bonavides,

citado por Streck27, um conflito “entre a Constituição dos textos e a Constituição da realidade, entre a

forma jurídica e o seu conteúdo material”.

25 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2006. p.510. 26 STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2000. p. 23. 27 STRECK, Lênio Luiz. Op. Cit. p. 24.

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77 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

O Direito pode ser encarado como instrumento de transformação, desde que passe pelo

filtro da Constituição que, mais que um instrumento de organização do Estado, tem função

integradora deste com a sociedade.

No Brasil ainda prevalece o direito forjado para resolver problemas interindividuais

(disputas entre Caio e Ticio, observa Streck), sendo deficitário quanto a criação e aplicação efetiva de

mecanismos para defender interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, comuns em uma

sociedade complexa.

Há uma crise do modo de produção do Direito na medida em que este ainda é visto

como instrumento para enfrentar conflitos individuais. Tal crise é agravada pela compreensão de que

os direitos do indivíduo estão acima dos direitos do grupo social, e por um excessivo formalismo que

dificulta a compreensão de novos conceitos e valores.

O Brasil ainda se constitui como uma sociedade carente e detém uma Constituição que

garante direitos de forma ampla. Isso provoca um deslocamento do centro de decisões para o

Judiciário, fazendo com que o processo judicial seja um instrumento de cidadania. Não se afirma com

isso que o Judiciário seja a solução mágica para os problemas sociais, mas não se pode negar que a

Constituição não está sendo cumprida.

Há uma crise do Estado, premido pela economia globalizada e pelo surgimento de um

novo jogo de poder e há uma crise no Direito, que é uma crise de paradigmas:

[...] de um lado, o velho modelo de Direito liberal-individualista-normativista teima em osbtaculizar as possibilidades do novo modelo representado pelo paradigma do Estado Democrático de Direito; de outro, uma crise de cunho hermenêutico, a partir da qual os juristas continuam submersos num imaginário metafísico-objetivante, o interior do qual ainda ocorre a separação sujeito-objeto, refratário à viragem lingüística ocorrida no século XX.28

Sendo a Constituição o ponto a partir do qual todo o ordenamento jurídico se produz e

é interpretado, a adequada compreensão da forma de se interpretar o texto constitucional se apresenta

como mecanismo para a superação desta crise de paradigmas.

O Estado que os cidadãos desejam está desenhado na Constituição, e aos seus

intérpretes cabe a busca de sentido que permita concretizar este Estado preconizado.

4. FUNDAMENTOS DE UMA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

28 STRECK, Lênio. Op. Cit. p. 87.

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Hermenêutica, nos ensina GOMES29, a partir de Gadamer, é a arte de

compreender, a necessidade de se construir um sentido para as relações humanas, coordenadas pelo

Direito, em cujo ponto de partida se situa a Constituição.

Uma das dificuldades postas ao intérprete da Constituição, como apontado, é o

fato de ela comportar regras e princípios, cuja distinção não é objeto do presente estudo, restando

assim uma tentativa de compreensão da forma mais adequada de interpretação constitucional.

Os diferentes métodos de interpretação não são utilizados isoladamente, mas

coordenados, possibilitando a consecução dos fins buscados tanto pela norma em análise quanto pelo

ordenamento jurídico.

Mas ao aplicar estas técnicas ao texto constitucional, um maior cuidado deve ter o

intérprete.

Ao interpretar a Constituição, partirá o intérprete de sua letra – interpretação gramatical ou filológica, como preferem alguns autores-; porém

não se aterá apenas a esta, irá buscar o sentido que somente se revela a partir da compreensão do todo, a Constituição, no contexto histórico em que se situa o próprio intérprete. E tal compreensão não se alcança sem o auxílio do

conjunto dos métodos desenvolvidos pela hermenêutica jurídica, os quais são

apoiados pelos princípios da hermenêutica constitucional.30

Princípios como da supremacia do interesse público, da unidade, da efetividade da

Constituição, entre outros, é que irão permitir tanto a realização dos valores apregoados no texto

constitucional quanto garantir a atualidade deste mesmo texto, independente de reformas constantes.

A interpretação, lembra HESSE31 “tem significado decisivo para a consolidação e

preservação da força normativa da Constituição” sendo que a interpretação adequada “é aquela que

consegue concretizar de forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das

condições reais dominantes numa determinada situação”.

Neste processo interpretativo, leciona este autor32, princípios de interpretação

constitucional assumem o papel de orientar e coordenar os pontos de vista que devem levar à melhor

29 GOMES, Sergio Alves. Hermenêutica Constitucional: Um Contributo à Construção do Estado Democrático de Direito. Curitiba: Juruá, 2008. p. 95. 30 GOMES, Sergio Alves. Hermenêutica Jurídica e Constituição no Estado de Direito Democrático. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 45. 31 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1991. p. 22. 32 HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1983. pp. 47-48.

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solução do problema, destacando, neste sentido, o princípio da “ótima concretização da norma”33.

Afirma ainda34, que o princípio da unidade da Constituição impõe que nunca deve-

se analisar a norma isolada, mas sempre o conjunto em que se situa, interpretando-se as normas

constitucionais de maneira que evitem contradições com outras normas constitucionais.

Prossegue defendendo que um princípio de concordância prática, estritamente

ligado ao princípio anterior, informa que os bens jurídicos constitucionalmente protegidos devem ser

coordenados de tal forma com a solução do problema que conservem sua identidade.

Ali donde se produzcan colisiones no se deve, a traves de uma precipitada “ponderación de bienes” o incluso abstracta “ponderación de valores”, realizar el uno a costa del otro. Por el contrário, el princípio de la unidade de la Constitución exige una labor de “optimización”: se hace preciso establecer

los limites de ambos bienes a fin de que amb os alcancen una efectividad óptima.35

Tal fixação de limites deve atender ao princípio da proporcionalidade que,

partindo de uma análise de diferentes magnitudes, apresente aquela que melhor atenda à tarefa de

otimização.

O critério de correção funcional é ainda apresentado por Hesse como sendo um

princípio de interpretação constitucional, uma vez que, cabendo à Constituição regular as obrigações

dos agentes estatais, cabe ao intérprete preservar o marco das atribuições delegadas.

Há ainda o critério de eficácia integradora, que considera a função constitucional

de criar e manter a unidade política, impondo ao intérprete a solução a partir de um ponto de vista que

promova e mantenha dita unidade.

Por fim, trata da força normativa da Constituição, critério implicitamente contido

nos demais princípios apresentados e que informa a necessidade de se considerar que a Constituição

pretende ver-se permanentemente atualizada e que tal processo de atualização é mutável, impondo-se

a preferência à solução que mais auxilie na obtenção da máxima eficácia dos comandos

constitucionais.

De todo o exposto vê-se a necessidade de aplicação de uma hermenêutica própria,

quando se analisa o texto constitucional, transcendendo os limites do modelo lógico-dedutivo para se

alcançar a compreensão de todas as possibilidades postas pelo texto constitucional e sua efetividade

tendo como base de sustentação o Estado Democrático de Direito.

33 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1991. p. 6. 34 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1991. p. 22. pp. 48-49. 35 HESSE, Konrad. Op. Cit. Loc. Cit.

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80 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Esta hermenêutica própria da Constituição, para cuja aplicação são convocados

todos os que são por ela atingidos de alguma forma, torna-se imprescindível na atualidade, quando não

apenas se reconhece novas dimensões do estudo do Direito, mas este se torna, também, ferramenta

para a construção de uma nova ordem social.

O intérprete, construindo o sentido do Direito, participa da construção de uma

nova sociedade, mais justa, livre e solidária.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Interpretar a norma jurídica implica em se construir uma ponte entre o texto legislado

e sua aplicação na busca de resultados desejáveis no mundo dos fatos.

Ocorre que diferentes métodos de interpretação levam a diferentes resultados, sendo

certo que o intérprete jamais conseguirá de despir de toda carga axiológica para aplicar,

mecanicamente, a norma jurídica. E nem isso é desejável.

Compreender é dar sentido. E nenhum intérprete se coloca perante o texto livre de

pré-compreensões. Isso implica na percepção do Direito, não como a sucessão de textos com sentidos

pré-construídos esperando apenas que o intérprete o descubra, mas como textos que

permanentemente reclamam sentido.

Se Hermenêutica é busca de sentido, tal busca somente se torna válida em um Estado

Democrático de Direito, quando o sentido alcançado permite o desenvolvimento de todas as

possibilidades de tal Estado.

No ápice do ordenamento jurídico encontra-se a Constituição, dando fundamento de

validade e garantindo unidade e coerência ao ordenamento jurídico. Considerando tão relevante

função, os métodos de interpretação do texto constitucional devem ser específicos, baseados em

princípios fundamentais que, não só constroem a hierarquia das normas, mas garantam a unidade da

própria Constituição e possibilitem a concretização de seu conteúdo axiológico.

Considerando-se que a adjetivação do Estado como sendo democrático de direito, é

possível o Direito se afirmar como um campo privilegiado na concretização de avanços sociais, tarefa

permanentemente construída a cada ato do intérprete.

O discurso jurídico torna-se assim um discurso construtivo, no qual o jurista rompe

com o individualimo na produção do Direito, garantindo a construção do Estado que a Constituição

reclama, a partir de uma visão emancipatória, em um espaço garantidor das relações democráticas e

funcionando como elemento de referência fundamental para o sistema jurídico e como necessário filtro

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para todas as normas infraconstitucionais.

Somente assim os ideais republicanos e democráticos serão efetivados na vida de todos

e de cada cidadão brasileiro.

6. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ARISTOTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Abril, 1984. BARROSO, Luís Roberto (Org.). A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999. BEVILAQUA, Clovis. Teoria Geral do Direito Civil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. BONAVIDES, Paulo. A Constituição Aberta. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. ______. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2006. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. STJ. Recurso Especial 1.251.566-SC. Relator Ministro Mauro Campbell Marques. DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de Filofosia do Direito. Coimbra: Armenio Amado Editor, 1979. DINIZ, Maria Helena. Norma Constitucional e seus efeitos. São Paulo: Saraiva, 1989. GOMES, Sergio Alves. Hermenêutica Jurídica e Constituição no Estado de Direito Democrático. Rio de Janeiro: Forense, 2001. ______. Hermenêutica Constitucional: Um Contributo à Construção do Estado Democrático de Direito. Curitiba: Juruá, 2008. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria Processual da Constituição. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2000. ______. Teoria da Ciência Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2001. HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1991. ______. Escritos de Derecho Constitucional. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1983. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1979. STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2000. WARAT, Luiz Alberto. Introdução Geral ao Direito– Interpretação da Lei: temas para uma reformulação. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 1994.

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83 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

O PODER TRIBUTANTE DO ESTADO E OS DIREITOS HUMANOS

João Luiz Martins Esteves Procurador do Município de Londrina, lotado na Gerência de Serviços Públicos – GSP. Doutorando em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Mestre em Direito, Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho - UGF/RJ. Especialista em Filosofia Política e Jurídica pela Universidade Estadual de Londrina – UEL. Professor da Graduação e Pós-Graduação em Direito na UEL. Coordenador de Cursos de Especialização em Direito na UEL e União Educacional de Cascavel – UNIVEL.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O surgimento do Estado Liberal. 3. Século XX. Estado Social. 4. O tributo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 5. Estado Democrático de Direito e os Princípios Constitucionais. Direitos Fundamentais e a Tributação. 6. Os Princípios e suas Colisões. 7. Colisão de Princípios Tributários e o Poder de Tributar. O Princípio da Capacidade Contributiva 8. Conclusão. 9. Referências Bibliográficas.

RESUMO: Com o objetivo de fornecer uma proposta para interpretação no direito tributário, analisa a origem do modelo de interpretação adotado atualmente, demonstra sua contradição ao caráter social da Constituição e oferece a teoria de colisão de princípios de Robert Alexy como importante construção doutrinária que pode servir de ferramenta necessária na seara tributária, na tarefa de garantir a efetivação de direitos fundamentais. PALAVRAS-CHAVE: Direitos Fundamentais – direito tributário –- capacidade contributiva - princípio da proporcionalidade.

1. Introdução.

Muito se tem dito a respeito do poder de estado e de suas limitações tributárias,

mas pouco se tem abordado a respeito das implicações e limitações do poder estatal na ordem

tributária, dos fundamentos e da possibilidade desta limitação em bases doutrinárias.

O tributo não é coisa nova na organização da sociedade. Na antigüidade já se

cobravam tributos, sendo que, conforme é amplamente informado e difundido pela história, o Império

Romano chegou a ter um sistema de arrecadação de tributos de certa complexidade.

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84 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Se entendermos que o surgimento do Estado ocorre na antigüidade, é fácil entender

que a história da tributação confunde-se com a própria história do Estado. E, portanto, o tributo pode

ser tido como uma das conseqüências do exercício do poder estatal.

Com o surgimento do Estado Nacional Moderno (pós-feudalismo), a exigência

tributária tomou contornos do próprio estado monárquico absolutista. O Tributo não era cobrado da

parcela populacional, pertencente aos estamentos dominantes e privilegiados, bem como, o rei não se

tinha obrigação de prestar contas do que se arrecadava.

2. O Surgimento do estado liberal.

As lutas contra o regime absolutista, empreendidas particularmente durante os

séculos XVIII e XIX, modificaram a relação existente entre Estado e sociedade, com a alteração da

relação antes estabelecida entre rei e súdito, para uma que carrega o entendimento de vinculação

jurídica a um estado através do exercício da cidadania, com a abolição de privilégios e limitação do

poder estatal.

As declarações de direitos, proclamaram ideais como os da igualdade e da

liberdade, que elas próprias passaram a entender como direitos fundamentais do homem.

Tais declarações, que inicialmente tiveram forma de declarações solenes, passaram

a formar o preâmbulo das constituições derivadas do movimento constitucionalista, e mais tarde

passaram a ser incorporadas pelo próprio texto das constituições.

Esta incorporação foi importante, na medida em que passaram a ganhar cada vez

mais relevância, em que pese o posição ainda débil da constituição durante todo o século XIX e

durante a primeira metade do século XX, a qual por muitas vezes era sobrepujada pelas concepções

privatistas, encerradas na concepção liberal e codificante que dava primazia ao direito civil e sua

construção positivista, donde o código civil napoleônico é o maior exemplo.

3. Século XX. Estado Social.

Durante o século IX, após a demonstração dado pelo liberalismo, da sua

característica de sistema excludente, lutas se desenvolveram, ora pugnando pela destruição do próprio

estado (anarquismo), ora pela derrubada do estado liberal e sua substituição pelo estado socialista, ao

tempo em que se desenvolveram concepções de reforma o que culminou com a noção de Estado Social

desenvolvida durante o século XX.

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85 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Durante este período, não somente o estado passa a atuar na regulação de direitos e

garantias, e a intervir no domínio econômico, como também passa a ocorrer uma mutação nos direitos

fundamentais declarados no século XVIII. Não somente passam a ser incorporados outros direitos às

constituições, de que são exemplo os direitos sociais, como também se modifica o conteúdo de direitos

como da igualdade e da liberdade. Particularmente, o caráter puramente formal da igualdade declarada

sob o signo liberal, passa a contar com a exigência e necessidade do entendimento da igualdade

também no seu aspecto material1.

Ao mesmo tempo, passa-se a exigir do estado, não mais uma posição de mero

garantidor da aplicação da lei, mas também, uma atuação concreta no sentido de garantir a efetivação

dos direitos fundamentais, e essencialmente, dos direitos sociais.

4. O tributo. Do Estado Liberal ao Estado Social.

As lutas do final do século XVIII deram a tônica para o que se estabeleceria, em

matéria tributária, durante o século XIX onde se consolidou o Estado Liberal.

Conforme nos ensina o professor Alberto Nogueira

No campo da tributação, pela primeira vez na história se estabelecia uma regra clara, ao estatuir o art. 13 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que:

“Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum, que deve ser repartida entre os cidadãos de acordo com as suas possibilidades”.2

E tal regra refletiu nas constituições que se sucederam, inclusive na nossa de 1824,

que como também lembra o professor Nogueira, reproduziu regra idêntica no seu art. 79.

“Ninguém será isento de contribuir para as despesas do Estado em proporção ao seus haveres.”3

1 Ver José Afonso da Silva em seu livro Direito Constitucional Positivo, 15º ed., Malheiros, Sp., p. 217. 2 NOGUEIRA, Alberto. Os limites da legalidade Tributária no estado democrático de Direito: fisco X contribuinte na arena jurídica: ataque e defesa. 2ª ed., Renovar, Rj., p. 87. 3 NOGUEIRA, Alberto. Os limites da legalidade Tributária no estado democrático de Direito: fisco X contribuinte na arena jurídica: ataque e defesa. 2ª ed., Renovar, Rj., p. 88.

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86 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

O direito do século XIX teve como uma de suas características a possibilidade de

limitação do poder tributante do estado, exigindo-se a participação do parlamento na instituição dos

tributos e tratando de forma isonômica todos os contribuintes. E tratar de forma isonômica, significou

tratar de forma igual perante a lei.

Durante o século XX, como não poderia deixar de ser, o direito tributário, e

particularmente as limitações ao poder tributante, a exemplo do ocorrido com os direitos

fundamentais, passaram por modificações que são mostradas por meio da extensividade do número de

limitações, e da ampliação das suas formas.

A Constituição Federal de 1988, trás embutida esta evolução, ao tempo em que se

verifica claramente que, pelo menos no Brasil, a matéria consolidou-se como de interesse

constitucional.

A Constituição Federal trás um título específico, que trata da tributação e do

orçamento, delineando no seu primeiro capítulo o “Sistema Tributário Nacional”, o qual trás, em suas

seções, limitações e vedações em matéria constitucional, que têm características principiológicas4 e de

positivação.

Esta carga de princípios, diga-se, é marca de todo o texto constitucional, não

somente em questão tributária. Característica esta que dá força normativa a princípios explícitos ou

implícitos no texto constitucional, conforme destaca o parágrafo segundo do art. 5º, o qual enuncia

que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e

dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais”.

5. Estado Democrático de Direito e os princípios constitucionais. Direitos fundamentais e a

Tributação

Particularmente em Estados cujo sistema econômico revela a existência de

desigualdades sociais relevantes, a atuação concreta no sentido de garantir a efetivação dos direitos

sociais por meio da limitação do poder tributante estatal, de forma a tributar em igual proporção as

diversas classes sociais, tem se mostrado insuficiente. Sendo possível afirmar que, neste campo, não

somente os direitos sociais têm sido aviltados, como também a efetivação direitos individuais, uma vez

que não tem sido observada a capacidade tributária individual. Exemplo clássico disto é o

4 José Afonso da Silva, distingue em princípios gerais, especiais e específicos. Ver José Afonso da Silva em seu livro Direito Constitucional Positivo, 15º ed., Malheiros, Sp., p. 680.

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87 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

estabelecimento de alíquotas para pagamento do imposto de renda no Brasil, onde um milionário e um

cidadão de classe média pagam imposto na mesma medida.

Em que pese a construção realizada durante o século XX, referente aos limites da

tributação, os princípios de vedações e limitações tributárias têm encontrado dificuldades para

efetivação. Ao mesmo tempo ainda não aliançou-se, pelo menos de forma definitiva, uma limitação ao

poder de tributar com a possibilidade de participação do cidadão na decisão sobre o destino da

arrecadação.

O professor Alberto Nogueira, sugere que o resgate da concepção de Estado

Democrático de Direito é necessária para superação das dificuldades apontadas:

No Estado social de direito procura-se concretizar os benefícios para o maior número possível de pessoas, ou seja, deslocando-se a tônica da atuação do Estado para os cidadãos.

Concordando inteiramente com o estudo do professor Nogueira, profiro o

entendimento de que a idéia de um sistema tributário, harmônico com a concepção de Estado

Democrático de Direito, como sinônimo de participação popular nas decisões tributárias, deve ser

alinhavada numa perspectiva que inclua o caráter valorativo e principiológico de que faz carga a

Constituição Federal.

A constituição brasileira dispõe sobre os direitos e garantias individuais no artigo

5º, demonstrando que são direitos auto-aplicáveis, constituindo-se em cláusulas pétreas. A Carta

Política brasileira está baseada na soberania, na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do

trabalho, na livre iniciativa e no pluralismo político, sob o Estado Democrático de Direito.

Enuncia que os direitos e garantias, por ela protegidos, não excluem outros

provenientes de tratados internacionais de que o Brasil seja parte, e que as normas definidoras desses

direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, portanto, efeito direto5.

A Constituição brasileira de 1988 constitui um marco importante na

institucionalização dos direitos humanos no Brasil. A dignidade humana e os direitos e garantias

fundamentais vêm caracterizar os princípios constitucionais, devendo-se incluir entre eles, os

relativos à tributação.

5 parágrafo 1º do art. 5º CF.

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88 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Portanto, o poder estatal, bem como a autonomia popular, devem ficar vinculados a

estes princípios, cuja interpretação deve dar-se nos moldes da idéia de Estado democrático de direito,

o qual não abre mão da democracia participativa a qual limita o poder estatal, não somente com base

em disposições positivas de direito, mas também nos valores da sociedade, entendidos estes, como

construção histórica de um povo. O que equivale a dizer que, direitos humanos e poder de tributar,

como princípios constitucionais, devem ser efetivados com a mesma carga de valor, sem sobrepujar um

sobre outro.

6. Os princípios e suas colisões.

Citando magistério de Nicolo Trocker, o professor Alberto Nogueira destaca a

importância dos princípios para a compressão e “revelação” do conteúdo das regras constitucionais6.

Princípios como os da proibição da utilização do tributo com efeito de confisco, e

da capacidade contributiva, não podem ficar mais subjugados a concepções doutrinárias e

jurisprudenciais que entendem ser superior a eles, a norma positiva e infraconstitucional. Como

também, no Estado democrático de Direito, o princípio da legalidade e da supremacia do interesse

público, devem submeter-se aos princípios de direitos humanos e à soberania baseada na participação

da coletividade nos negócios do estado.

Esta questão fica de mais fácil resolução quando se aplica uma possibilidade

doutrinária de resolução. Tenho estudado a obra de Robert Alexy, a qual me parece ser a mais

exaustiva no tratamento das questões que envolvem a possibilidade efetiva de normatização dos

princípios.

A distinção entre regras e princípios jurídicos se apresenta relevante quando da

resolução das tensões que se produzem dentro do sistema normativo. Em um sistema de normas,

constituído por regras e princípios constitucionais em constante e necessária transformação,

inevitáveis são os conflitos entre as espécies normativas, situação que reclama adoção de critérios

capazes de resolver o conflito e salvaguardar a unidade e a coerência do ordenamento jurídico.

Segundo Robert Alexy:

La distinción entre reglas y principios se muestra clarísimante en las colisiones de principios y en los conflictos de reglas. Común a las colisiones

6 NOGUEIRA, Alberto. Os limites da legalidade Tributária no estado democrático de Direito: fisco X contribuinte na arena jurídica: ataque e defesa. 2ª ed., Renovar, Rj., p. 133.

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89 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

de principios y a los conflictos de reglas es el hecho de que dos normas, aplicadas independientemente, conducen a resultados incompatibles, es decir, a dos juicios de deber ser jurídico contradictorios. Se diferencian en la forma cómo se soluciona el conflicto.7

Quando o conflito se desenvolve entre as diferentes espécies de normas jurídicas,

isto é, na contradição entre regras e princípios, a resolução do conflito é, de certo modo, facilmente

alcançada. Deve-se aplicar o critério que determina, no mais das vezes, a superioridade hierárquica dos

princípios constitucionais sobre as regras. Os princípios constitucionais, pela condição de normas

gerais e fundamentais, prevalecem sobre as regras constitucionais e infraconstitucionais, normas de

generalidade relativamente baixa.

O conflito entre regras já reserva maiores dificuldades de resolução. Mediante os

ensinamentos de Robert Alexy, é possível afirmar que um conflito entre regras somente pode ser

resolvido se for introduzida uma cláusula de exceção em uma das regras conflitantes, na intenção de

remover o conflito.

Por sua vez, a colisão entre princípios constitucionais não se resolve no campo da

validade, mas no campo do valor8. Se uma determinada situação é proibida por um princípio, mas

permitida por outro, não há que se falar em nulidade de um princípio pela aplicação do outro. No caso

concreto, em uma "relação de precedência condicionada", determinado princípio terá maior relevância

que o outro, preponderando. Não se pode aceitar que um princípio reconhecido pelo ordenamento

constitucional possa ser declarado inválido, por que não aplicável a uma situação específica. Ele

apenas recua frente ao maior peso, naquele caso, de outro princípio também reconhecido pela

Constituição. A solução do conflito entre regras, em síntese, dá-se no plano da validade, enquanto a

colisão de princípios constitucionais no âmbito do valor.

Na resolução da colisão entre princípios constitucionais deve-se levar em

consideração as circunstâncias que cercam o caso concreto, para que, pesados os aspectos específicos

da situação, prepondere o preceito mais adequado. A tensão se resolve mediante uma ponderação de

interesses opostos, determinando qual destes interesses, abstratamente, possui maior peso no caso

concreto.

Eqüivale dizer que, tomando em conta o caso, determinam-se as condições sob as

quais um princípio constitucional precede ao outro. Havendo modificação nas condições, a questão da

precedência pode ser resolvida inversamente. 7 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p. 87. 8 No item III do capítulo terceiro, o autor dedica atenção especial a cerca de princípio e valor. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p. 138 -170.

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90 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Robert Alexy denomina "lei de colisão"9 a solução da tensão de mandamentos de

otimização com base na relação de precedência condicionada.

O critério gradualista-qualitativo10, de Robert Alexy, consiste em conferir aos

princípios o caráter jurídico de normas de otimização, que podem ser cumpridas em diferentes graus,

sendo que a medida devida de seu cumprimento depende não só das possibilidades reais, mas também

das jurídicas11.

7. Colisão de princípios tributários e o poder de tributar. O Princípio da capacidade contributiva.

Se a exigência tributária excede a capacidade e possibilidade do contribuinte

colaborar com os gastos públicos, fatalmente temos uma colisão de princípios constitucionais. O

poder tributante do estado, princípio derivado diretamente a um dos elementos do estado, que é o seu

próprio poder, entra em colisão com o direito fundamental do homem de garantia da liberdade, e a

depender da exigência feita pelo estado, também entra em colisão com o direito a uma existência

digna, princípios estes decorrentes de outro elemento fundamental do estado que é a sua finalidade12.

A tensão entre princípios constitucionais, como visto anteriormente, não é

eliminada pela invalidação de um deles, nem, tampouco, pela introdução de uma cláusula de exceção

em um dos princípios, de modo a limitar sua aplicação em casos futuros.

A razoabilidade da imposição se deve estabelecer em cada caso concreto, segundo

as exigências de tempo e lugar os fins econômicos e sociais de cada imposto. Mas também deve ter

lugar na interpretação que o poder judiciário pode fazer quanto à desigualdade no estabelecimento de

alíquotas tributárias que não levam em conta a individualização da capacidade tributária dos diversos

grupos sociais.

É possível que, aplicada a regra de colisão, haja confisco sempre que houver afronta

aos princípios da liberdade de iniciativa, ou de trabalho ou profissão, quando ocorrer absorção pelo

Estado, de valor equivalente ao da propriedade imóvel ou quando o tributo acarretar a impossibilidade

de exploração de atividades econômicas.

9 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p. 94. 10 Expressão empregada por Paulo Bonavides, a fim de identificar a tese defendida por Robert Alexy como apta a distinguir as duas espécies de normas jurídicas. In: BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 250. 11 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p. 86. 12 Ver, Dalmo de Abreu Dallari in Elementos de Teoria Geral do Estado. Saraiva. Sp.

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91 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Toda vez que ocorrer o confisco através da tributação elevada, haverá ofensa aos

direitos fundamentais do contribuinte.

8. Conclusão.

O Estado democrático de direito que tem por essência a cidadania ativa, é

pressuposto do estabelecimento de um novo modelo de tributação, o qual deve propiciar a

distribuição dos benefícios de forma participativa, ao mesmo tempo em que deve observar a graduação

da exigência tributária na medida da capacidade do contribuinte, respeitada, deste modo, a

construção histórica e valorativa dos direitos humanos.

A capacidade contributiva, portanto, apresenta-se como princípio que é a base

fundamental de onde partem as garantias materiais, diretas ou indiretas que a Constituição outorga

aos particulares, tais como a generalidade, a liberdade, a igualdade e a vedação de confisco. E estará

em permanente colisão com o poder e capacidade tributante do estado, princípio este fundante da

própria noção de estado.

A denominada "lei de colisão" proposta por Robert Alexy, apresenta-se como

importante construção doutrinária para solução da tensão entre conflitos constitucionais, e pode

servir de ferramenta necessária à efetivação do papel do Estado democrático de direito, sempre que

direitos fundamentais do homem apresentarem-se em colisão com outros princípios constitucionais,

mormente na seara tributária.

9. REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed., São Paulo: Malheiros, 1998. DALARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 8. e., São Paulo: Saraiva. NOGUEIRA, Alberto. Os limites da legalidade Tributária no estado democrático de Direito: fisco X contribuinte na arena jurídica: ataque e defesa. 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

NOGUEIRA, Alberto. A Reconstrução dos Direitos Humanos da Tributação. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo, 15º ed., São Paulo: Malheiros, 1998.

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93 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

A IMPOSSIBILIDADE DA QUEBRA DA ORDEM CRONOLÓGICA PARA O PAGAMENTO DE PRECATÓRIOS DE PEQUENO VALOR DE DIVIDA

MUNICIPAL NA FORMA DA LEI MUNICIPAL 11.467/2011

José Roberto Reale Procurador do Município de Londrina, lotado na Gerência de Assuntos Fiscais e Tributários – GAFT. Especialista em Metodologia de Ensino Superior pela Universidade Norte do Paraná – UNOPAR. Professor da Graduação em Direito no Centro Universitário do Norte - UNINORTE. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina - UEL

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Da forma do pagamento no Município de Londrina. Lei Municipal n. 11.467/2011. Princípio da Especialidade Competência Constitucional. 3. Conclusão. 4. Referências Bibliográficas.

RESUMO: Este artigo visa demonstrar o respeito à ordem cronológica dos pagamentos de precatórios municipais, não sendo possível, com base na Constituição Federal, a quebra de ordem para o recebimento. PALAVRAS-CHAVE: precatório, divida municipal, constituição, quebra de ordem, direito constitucional.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo científico visa demonstrar a impossibilidade da quebra de ordem

cronológica para o pagamento de precatórios de dívidas, no caso em tela, dívidas municipais em

respeito ao ordenamento contido na Magna Carta.

Como se sabe os pagamentos de dívidas oriundas de decisões judiciais que afetam

os órgãos públicos, de todas as esferas:

União, Estados e Municípios, devem ser efetuados através do instituto jurídico

denominado precatório.

São uma ordem judicial que determina o pagamento para cidadãos e mesmo

pessoas jurídicas que foram vencedores em ações judiciais envolvendo os entes públicos.

A decisão judicial deve ser transitada em julgado, isto é, não pode incidir sobre a

mesma qualquer tipo de recurso previsto na legislação brasileira.

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94 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Os pagamentos devem constar do orçamento dos entes públicos, isto é, da

previsão da receita e da despesa que os mesmos terão no decorrer do ano.

O pagamento é ordenado pelo Tribunal de Justiça onde está localizado o ente

devedor e grosso modo, para fins didáticos, um ofício do presidente do Tribunal, com elementos

retirados dos autos, sendo enviado ao ente público devedor que deverá efetuar o pagamento de acordo

com a previsão orçamentária.

2. DA FORMA DO PAGAMENTO NO MUNICÍPIO DE LONDRINA. LEI MUNICIPAL Nº

11.467/2011. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL.

Em conformidade com o que dispõe o § 3º do artigo 1001 e segundo a competência

declinada no inciso I do artigo 30, da Constituição Federal, o Município de Londrina editou a Lei

Municipal nº. 11467/2011 que alterou a 8.575/2001, obrigando-se a quitar os débitos correspondentes

até o valor do Teto Previdenciário no prazo de 60 dias.

O § 3º do art. 100 da CF dispõe:

§ 3º O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.

Ora, a lei a que se refere o dispositivo acima citado é de competência de cada

entidade federativa! Neste sentido o art. 30 da CF:2

“Art. 30”. Compete aos Municípios: “I – legislar sobre assuntos de interesse local”

O artigo supracitado conferiu aos Municípios a prerrogativa de legislar sobre

assuntos de seu interesse, sob pena de ser taxado de inconstitucional qualquer ato que contrarie tal

determinação.

Em conformidade com o disposto no artigo 30 da Constituição Federal, foi editada

a Lei Municipal 11.467/2011 que alterou a antiga Lei Municipal 8.575/2001.

1 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: www.planalto.gov.br 2 IBID, BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: www.planalto.gov.br

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95 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

.

No âmbito do Município de Londrina, suas autarquias e fundações, ficam definidas

como obrigações de pequeno valor a que alude o parágrafo 3º do artigo 100 da Constituição Federal,

com redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 9 (nove) de dezembro de 2009, os créditos

oriundos de decisão judicial transitada em julgado cujo valor atualizado, por beneficiário, sejam eles

oriundos da Justiça Estadual, Federal ou Trabalhista classificam-se em dois tipos:

a) Requisição de Pequeno Valor, doravante chamada de RPV com valores seja

igual ou inferior ao maior benefício previdenciário do Regime Geral de

Previdência Social.

b) Requisição Via - Precatório requisitório

No Município de Londrina e nos diversos municípios brasileiros onde essa

sistemática é implementada, esse tipo de pagamento que desafoga e muito o judiciário local, na medida

em que o pagamento é feito de forma administrativa e não via execução em face da Fazenda Pública

como determina o Código de Processo Civil em seu artigo 730.

No âmbito do Município de Londrina essa situação é regulamentada pela Lei

Municipal n. 11.467 de 28 de dezembro de 2011, publicada no Diário Oficial do Município nº 1763 de 05

de janeiro de 2012, que revogou a Lei 8.515/2001:

O referido comando legal municipal dispõe em resumo que os credores do

Município devem:

I - fotocópia da sentença e de todos os acórdãos existentes no processo;

II - fotocópia da certidão de trânsito em julgado da demanda;

III - caso exista execução de sentença, a fotocópia do cálculo homologado em

juízo e das decisões judiciais eventualmente existentes em tal fase

processual, assim como sua certidão de trânsito em julgado;

IV - caso não exista execução de sentença, planilha de cálculo elaborada pelo

interessado, que demonstre a liquidez da obrigação e a observância do limite

legal, inclusive somando-se honorários de sucumbência, custas e demais

despesas processuais; e

V – mandato específico ou cópia do mandato outorgado para o ajuizamento

da ação judicial, no caso de pedido realizado por procurador.

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96 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

A nova lei ainda facilita ao permitir que os documentos a que aludem os incisos I a

III, podem ser substituídos por certidão de inteiro teor expedida pelo Cartório ou pela Secretaria que

demonstrem o teor das decisões existentes no processo, a existência e a data do trânsito em julgado da

ação judicial do processo respectivo e a liquidez da obrigação.

Em caso de custas judiciais, em caso de cartórios não estatizados deve ser

respeitada a regra do artigo 206 parágrafo primeiro do Código Civil Brasileiro, isto é, com até uns anos

do trânsito em julgado da sentença ou acórdão.

Ao passo que se o cartório for estatizado, como as Varas da Fazenda Pública

instaladas na Comarca da Região Metropolitana de Londrina, como determinou o CNJ – Conselho

Nacional de Justiça há pouco mais de um ano, seguem as regras vigentes para a cobrança tributária,

isto é, prazo de 05 (cinco) anos.

A nova lei disciplina uma situação que anteriormente gerava muita confusão entre

os procuradores antes da unificação e controle de RPV pela Gerência de Assuntos Fiscais e

Tributários, quais sejam os fracionamentos ou complementos de valores, os quais com a novel lei serão

requisitados por meio de precatório os pagamentos parciais, complementares ou suplementares de

qualquer valor, quando a importância total do crédito executado for superior aos limites

estabelecidos, isto é, cujo valor atualizado, por beneficiário, seja igual ou inferior ao maior benefício

previdenciário do Regime Geral de Previdência Social.

Esse controle é realizado por um organismo interno da procuradoria, que no

âmbito do Município de Londrina é denominado de Assessoria Técnica Administrativa e Financeira

(ATAF) a qual é responsável pelo recebimento e pagamento tanto dos precatórios como das RPV.

Em muitas de suas análises surgiu uma dúvida jurídica, a qual pode acontecer para

qualquer ente público que se veja na mesma situação viabilidade jurídica de pagamentos de RPV

(Requisição de Pequeno Valor), retroagirem à data anterior do saneamento dos requerimentos que

estavam em desacordo com a Lei Municipal 11467 de 28 de dezembro de 2011.

Entende-se por desacordo a falta dos documentos mencionados anteriormente, ou

seja, requerimento, sentença e ou acórdão, procuração e planilha com os valores a receber

rigorosamente de acordo com a decisão judicial transitada em julgado.

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97 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Estando tudo correto, a nova legislação municipal, inovou ao determinar que

pagamento ao titular de obrigação de pequeno valor será realizado no prazo máximo de 60 (sessenta)

dias, contados do protocolo da requisição de pagamento na Procuradoria-Geral do Município.

Anteriormente pela Lei 8515/2005, revogada pela Lei 11467 de 28 de dezembro de

2011, o pagamento seria pago em até um ano do protocolo do pedido administrativo e tal situação

gerava inclusive, várias discussões no âmbito do judiciário com embargos de declaração, agravo de

instrumento e recursos aos Tribunais Superiores.

Com a nova lei, tal imbróglio foi resolvido, modernizando essa situação no âmbito

da Procuradoria Geral do Município, o que ao cabo e ao final geram economia aos cofres públicos.

Como se sabe e de acordo com as regras constitucionais em especial o Artigo 100

da Carta Política de 1988, esses pagamentos devem obedecer de forma rigorosa à ordem cronológica de

protocolo de modo a não haver privilégios, o que é vedado na administração pública.

Muitas vezes questiona se o pagamento das chamadas RPV que não observaram a

documentação exigida pela Lei Municipal, ao ser sanada a irregularidade, deveria ingressar no último

lugar da ordem cronológica para o pagamento, pois, caso contrário, haveria quebra da ordem

cronológica e conseqüentemente prejuízo aos cofres públicos.

A quebra de ordem para os referidos pagamentos não se mostra possível, na medida

em que importaria em quebra na cronologia de pagamentos a que se encontra adstrita a Administração

Pública, inclusive entes autárquicos, tal como se extrai do art. 100 da CF/88, já com as alterações da

Emenda 62 de 09/12/2009:

“Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim”.

Assim, não se mostra permitido aos entes públicos sejam federais, estaduais ou

municipais proceder ao pagamento dos credores antes da quitação dos precatórios alocados em

posições de pagamento na lista geral apresentada, por evidente violação à ordem cronológica de

pagamentos, malferindo o art. 100 da CF/88, sujeitando-se ao seqüestro de valores pelos preteridos,

consoante dispõe o § 2º do art. 100 da Carta Maior, a fim de preservar, em última hipótese, os primados

da Legalidade e Impessoalidade que norteiam a atividade administrativa.

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98 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Uma vez que ao não ingressar com o pedido de forma correta é como se o referido

pedido administrativo, sequer existisse, a exemplo, de um pedido judicial onde o magistrado

determina a emenda a inicial. Antes da emenda, é apenas um procedimento e só vai se tornar um

processo se estiverem presentes as condições da ação, podendo analogicamente interpretar a situação

administrativa do mesmo modo.

Os princípios do direito administrativo consubstanciam as premissas básicas de

um dado regime jurídico administrativo. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem

percorridos.

Essa segurança jurídica é necessária para evitar, o favorecimento político de

pessoas ligadas aos gerentes temporários da administração pública, haja vista que em última instância

o poder pertence ao povo e em seu nome é exercido.

Registre-se, ainda, o seguinte entendimento de José Joaquim Gomes Canotilho3,

fundamental para podermos sustentar a eficácia dos princípios que se encontram em estado de

latência no sistema jurídico positivo, a saber:

Os princípios constitucionais fornecem sempre diretivas materiais de interpretação das normas constitucionais. E, mais, os princípios beneficiam de (1) uma objetividade e presencial idade normativa que os dispensa de estarem consagrados expressamente em qualquer preceito particular (por ex., não era pelo fato de CRP em 1976 não ter consagrado o princípio do Estado de Direito que ele deixava de ter presença normativa e valor constitucional, dado que ele podia deduzir-se de vários preceitos constitucionais); (2) os princípios carecem de uma mediação semântica mais intensa, dada a sua idoneidade normativa irradiante ser, em geral, acompanhada por uma menor densidade concretizadora (por ex: o princípio democrático pode ser esgrimido com o princípio de interpretação, mas, em geral, ele está concretizado em outras normas da Constituição). (Direito Constitucional 3 ª edição, Almedina, Coimbra, 1983, p. 199).

Dessa forma, as prerrogativas conferidas à Administração Pública para que possa

realizar seu mister de dar prevalência aos interesses públicos sobre os individuais, devem ser objeto de

ponderação e servi r como um pressuposto para se analisar qualquer norma administrativa, uma vez

que tais prerrogativas são confiadas aos gestores públicos para que possam implementar e materializar

o interesse público nas mais diversas situações

A presunção de legitimidade dos atos administrativos, embora relativa, dispensa a

Administração da prova da legitimidade de seus atos na atividade pública.

3 Direito Constitucional 3 ª edição, Almedina, Coimbra, 1983, p. 199.

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99 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Presumida a legitimidade, cabe ao particular provar o contrário, demonstrando

cabalmente que a Administração Pública obrou fora ou além do permitido em lei, isto é, com

ilegalidade flagrante ou dissimulada sob a forma de abuso ou desvio de poder.

A presunção de legitimidade como controle da administração pública e de acordo

com o magistério de Cassagne4 (apud Maria Sylvia Zanella Di Pietro, 2000:183):

A presunção de legitimidade constitui um princípio do ato administrativo que encontra seu fundamento na presunção de validade que acompanha todos os atos estatais, princípio em que se baseia, por sua vez, o dever do administrado de cumprir o ato administrativo. Se não existisse esse princípio, toda a atividade administrativa seria diretamente questionável, obstaculizando o cumprimento dos fins públicos, ao antepor um interesse individual de natureza privada ao interesse coletivo ou social, em definitivo, o interesse público.

Com o pedido administrativo, “mutatis mutandis”, em que pese a sua

instrumentalidade ser mais simplificada, ocorre à mesma situação, não podendo ser apreciado se

não estiverem presentes todos os requisitos elencados pela Lei Municipal 11467 de 28 de dezembro

de 2011.

Desse modo, somente quando satisfeitos os requisitos legais é que o pedido

ingressa na ordem cronológica para o pagamento pelo Poder Público Municipal.

A quebra da ordem cronológica de pagamento dos precatórios já agendados atenta

contra a Lei Complementar 101/2000, a Chamada Lei de Responsabilidade Fiscal que no parágrafo

primeiro do seu artigo primeiro assim dispõe:

§ 1o A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.5

Essa situação, favorecimento de credores não deve acontecer de maneira alguma na

administração pública, não podendo ser quebrada a ordem cronológica sob pena de responsabilidade

funcional, consoante fica explícito no artigo 10 da Lei nº 8.429, de 2 (dois) de junho de 1992: 4 DI PIETRO, Mar ia Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 12ª Edição, 2000. 5 BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade social na gestão fiscal e dá outras providências

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100 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie; IV - permitir ou facilitar a alienação permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado; V - permitir ou facilitar a aquisição permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado; VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente; IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento; X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público; XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente; XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei,

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101 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades. XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei; (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005) XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei. (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005)6

Também merece ser destacado que a cronologia da lista é uma e indissolúvel, e de

observância obrigatória pelo ente estatal, sob as penas acima narradas.

Logo, como a inscrição do precatório da requerente na lista seu deu apenas após a

sua regulamentação na forma da Lei Municipal 11467 de 28 de dezembro de 2011 que trata dos

recebimentos de pequeno valor, inexiste qualquer obrigação de pagamento, e, por consegui Noé,

inexiste mora do Poder Público.

Limitando-se a análise da Lei Municipal nº Lei Municipal 11467 de 28 de dezembro

de 2011 objeto do presente estudo, têm-se, à luz da Constituição Federal em seu artigo 100, já com a

redação da Emenda Constitucional nº 62 de 09/12/2009 como inviável, juridicamente, retroagir o

pagamento da RPV à data anteriormente do protocolo inicial dos pedi dos.

Isto porque, primeiro, embora a ocorrência tenha tido início em data anterior, no

curso da informação administrativa que adota o princípio da informalidade, percebeu-se que o pedi do

formulado não estava em consonância completa nos termos da Lei Municipal 11467 de 28 de dezembro

de 2011ou seja, faltando alguns dos requisitos indispensáveis para o pagamento, impreterivelmente a

CERTIDÃO DE TRÂNSITO EM JULGADO DO PROCESSO E A LIQUIDEZ DA OBRIGAÇÃO.

Toda a discussão sobre a irretroatividade dos pagamentos com quebra da ordem

cronológica de pagamentos fere o artigo 110 da CF e por isso não pode sob pena funcional ser

concedida, devendo tanto o procurador responsável, bem como o servidor que irá verificar o

procedimento administrativo, atentos a esse particular.

A segurança jurídica é um dos postulados sobre o qual se assenta o ordenamento

jurídico. Uma lei que retroagisse para beneficiar contribuintes faltosos, co mo os do presente caso que

não cumpriram os requisitos mínimos, além de constituir um enorme mau exemplo e flagrante

6 Ibid, BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade social na gestão fiscal e dá outras providências

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injustiça para com aqueles que tivessem satisfeito corretamente as suas obrigações, daria lugar a um

sem número de ações judiciais questionando a atitude do Município, tumultuando tanto a

Administração como o Judiciário, e colocando em risco a própria sanidade das já combalidas Finanças

Públicas e a certeza que deve revestir o estabelecimento das relações jurídicas.

3. CONCLUSÃO

Do exposto conclui-se que a questão ora versada, ou seja, a quebra de ordem

cronológica para o pagamento dos precatórios não se enquadra na hipótese prevista no art. 100 da CF,

já com a redação preconizada pela EC 62/2009 e nem está albergada pela Lei Municipal 11467 de 28 de

dezembro de 2011, sujeitando-se o agente público à improbidade administrativa em caso de não

cumprimento das normas.

4. REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:

www.planalto.gov.br

BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 62, de 09 de dezembro de 2009. Altera o

artigo 100 da Constituição da República Federativa do Brasil.

BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas

voltadas para a responsabilidade social na gestão fiscal e dá outras providências.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 3 ª ed. Coimbra: Almedina, 1983.

DI PIETRO, Mar ia Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2000.

Page 104: Arquivo Integral

103 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE TRIBUTÁRIA

Maurício Dalri Timm do Valle Mestre e Doutorando em Direito do Estado – Direito Tributário - pela Universidade Federal do Paraná - UFPR. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. Bacharel em Direito pela UFPR. Professor da Graduação em Direito no Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA. Professor-Coordenador do Curso de Especialização em Direito Tributário e Processual Tributário do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA. Advogado e consultor tributário

Sumário: 1. Os Princípios da Anterioridade Genérica e da Anterioridade Nonagesimal. 2. O Princípio da Anterioridade Posterga a Eficácia – Incidência – da Lei. 3. Aplicabilidade do Princípio da Anterioridade à Instituição e à Majoração do Tributo: análise das hipóteses: 3.1 Revogação ou Extinção de Isenções; 3.2 Elevação de Alíquotas por meio de Decreto (Art. 153, § 1º, Constituição Federal de 1988); 3.3 Diminuição para o Prazo de Pagamento do Tributo. 4. Conclusões. 5. Referências Bibliográficas.

Resumo: O presente artigo tem por escopo tratar do Princípio da Anterioridade tributária, tanto em sua feição genérica quanto na nonagesimal. Será analisado o conteúdo do princípio, que posterga a eficácia da lei, bem como os tributos que lhe devem observância e aqueles que a ele não se submetem. Analisar-se-á, ainda, a aplicação do princípio aos casos de instituição, majoração dos tributos, reduções ou revogações de isenções, elevação das alíquotas por meio de decreto, nos termos do art. 153, § 1º, da Constituição Federal e, por fim, redução do prazo para pagamento do tributo. Palavras-chave: Princípio da Anterioridade Genérica e Nonagesimal – Postergação da Eficácia – Instituição e majoração do tributo

1. Os Princípios da Anterioridade Genérica e da Anterioridade Nonagesimal

O Princípio da Anterioridade veio em substituição ao Princípio da Anualidade.

Este último exigia a “...prévia autorização orçamentária para a cobrança de tributos”.1 O seu surgimento, no

direito positivo brasileiro, deu-se com a Emenda nº 1, de 1969, à Constituição de 1967, mais

especificamente em seu artigo 153, § 29.2

O Princípio da Anterioridade genérica faz parte do Texto Constitucional atual

desde o seu nascimento. É garantia do contribuinte prescrita pelo artigo 150, III, “b”, da Constituição

1 RICARDO LOBO TÔRRES. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário: valores e princípios constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 557. 2 CARLOS MÁRIO VELLOSO. O princípio da anterioridade: uma visão da jurisprudência. Revista de direito tributário, São Paulo: Malheiros, v. 31, jan./mar. 1985, p. 112.

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Federal de 1988. Ele prescreve ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios,

cobrar tributos “no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”. É

importante esclarecer que o sentido no qual foi empregado o vocábulo “cobrado” é o mesmo de

“exigido”, até mesmo porque a interpretação literal abre margem à absurda conclusão de que o

retardamento da cobrança atenderia à prescrição constitucional.3 Com relação ao exercício financeiro,

lembre-se que, no Brasil, ele coincide com o ano civil, iniciando-se em 1º de janeiro e terminando em 31

de dezembro, conforme prevê o artigo 34, da Lei 4.320, de 17 de março de 1964.

A publicação à qual se refere o dispositivo citado é a publicação efetiva da lei. Não

basta, por exemplo, a publicação da lei, no Diário Oficial do dia 05, para que todos dela tomem ciência,

se o Diário Oficial circular apenas no dia 10. É evidente que o termo inicial da contagem não será o dia

da publicação, e sim o da efetiva circulação, com a qual se presume a ciência da nova lei por parte dos

contribuintes.4

O texto original do § 1º desse artigo prescrevia que essa vedação não se aplicava a

uma série de tributos, os que constituíam exceção à anterioridade genérica. Eram eles os previstos nos

artigos 148, I (o Empréstimo Compulsório para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de

calamidade pública, de guerra externa ou de sua iminência - EC); 153, I (Imposto de Importação - II);

153, II (Imposto de Exportação - IE); 153, IV (Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI); 153, V

(Imposto sobre Operações de credito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários -

IOF); e artigo 154, II (Imposto Extraordinário de Guerra - IEG).

Este rol é taxativo, não podendo ser ampliado sequer por emenda constitucional. E

isso por uma razão relativamente simples. O Princípio da Anterioridade Genérica é garantia

constitucional assegurada ao contribuinte, por expressa previsão do “caput” do artigo 150 da

Constituição Federal de 1988. E, em sendo assim, qualquer proposta de emenda constitucional que 3 Nesse sentido, vide, ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA, Curso de direito constitucional tributário. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 188-189. No sentido de que a expressão refere-se à incidência da norma, vide CHARLES WILLIAM MCNAUGHTON: “...a expressão cobrar é direcionada, decisivamente, à norma geral e abstrata, condicionando que sua incidência não alcance o fato ocorrido antes (anterioridade) do término do lapso temporal previsto na Carta Magna, prazo, este, cujo termo a quo é a data da publicação da lei e o termo ad quem é o nonagésimo dia ou o último instante do último dia do exercício civil da publicação da norma, o que vier depois, combinado, claro, com o princípio da anterioridade anual” – O princípio da anterioridade nonagesimal e o IPI. In: MARCELO MAGALHÃES PEIXOTO e FÁBIO SOARES DE MELO (coord.). IPI: questões fundamentais. São Paulo : MP Editora, 2008, p. 326. Sobre a impossibilidade de ler o termo “cobrado” como meramente “arrecadado”, vide LUCIANO AMARO, Irretroatividade e anterioridade da lei tributária. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO TRIBUTARIO, 1., 1998, Vitoria. Justiça tributária: direitos do fisco e garantias dos contribuintes nos atos da administração e no processo tributário. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 580-581. 4 Essa exigência ensejou situações, no mínimo esdrúxulas, como a da encenação filmada da compra de um Diário Oficial, datado de 31 de dezembro, ás 22 horas da chuvosa noite dessa mesma data em Brasília. Tudo com o escopo de conferir a característica de publicada a uma lei que majorou um tributo. Seria cômico se não fosse trágico. Demonstração inquestionável de imoralidade pública e de subestimação da inteligência dos contribuintes. Sobre o episódio, vide ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA O princípio da anterioridade tributária em face da Emenda Constitucional 42/2003 e questões conexas, Revista direito tributário, São Paulo: Malheiros, n.92, 2004, p. 79-80.

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105 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

seja tendente a aboli-la sequer será objeto de deliberação, nos termos do artigo 60, § 4º, IV, do Texto

Maior. E não há dúvida de que uma eventual ampliação do rol de tributos excepcionados à observância

da Anterioridade Genérica será uma forma de diminuí-la ou, como quer o Texto Constitucional,

tendente a aboli-la. 5

A justificativa para a existência, na Constituição, do Princípio da Anterioridade

Genérica, é a necessária observância do Princípio da Segurança Jurídica. Lembremos que integram a

ideia de segurança jurídica as noções de certeza do direito e de previsibilidade da atuação estatal.6

Assim, o Princípio da Anterioridade Genérica é uma das formas de implementar e garantir a Segurança

Jurídica.7

Entretanto, a previsão da Anterioridade Genérica não mais assegurava plenamente

a previsibilidade para a qual foi concebida. Como mencionado, era de certa forma corrente

publicarem-se leis no apagar das luzes do ano, lá pelo dia 30 ou 31 de dezembro. Nesses casos, mesmo

respeitando-se formalmente o Princípio da Anterioridade Genérica, as leis irradiariam efeitos dentro

de um ou dois dias, aptas a incidir sobre os fatos que em seguida viessem a ocorrer. A previsibilidade

buscada pelo princípio esvaia-se.

Diante disso, o legislador constitucional, no exercício da competência reformadora,

por meio da Emenda Constitucional nº. 42, de 19 de dezembro de 2003, inseriu, no inciso III do artigo

5 ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA Curso de direito constitucional tributário. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 200; EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO, IPI: princípios e estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 91 6 Sobre nossa visão acerca da Segurança Jurídica, ver MAURÍCIO DALRI TIMM DO VALLE, Segurança jurídica em matéria tributária: breves noções acerca dos Princípios da Tripartição das Funções, da Legalidade, da Anterioridade e da Irretroatividade. Direito empresarial: temas atuais. Curitiba, 2010, p. 9-18. 7 JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, Teoria geral da isenção tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 113; PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso de direito tributário. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 176; SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, Curso de direito tributário brasileiro. 9. ed. Rio de Janeiro, RJ: Forense, 2006, 214, 254-256; Comentários à Constituição de 1988: Sistema tributário. Rio de Janeiro : Forense, 2006, p. 270-273; ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA, Curso de direito constitucional tributário. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 189; O princípio da anterioridade tributária em face da Emenda Constitucional 42/2003 e questões conexas, Revista direito tributário, São Paulo: Malheiros, n.92, 2004, p. 78-79; JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na Constituição de 1988. São Paulo: RT, 1991, p. 58-59; BETINA TREIGER GRUPENMACHER, Eficácia e aplicabilidade das limitações constitucionais ao poder de tributar. São Paulo: Resenha Tributária, 1997, p. 126-127; FRANCISCO PINTO RABELLO FILHO, O princípio da anterioridade da lei tributária. São Paulo : RT, 2002, p. 102-104; EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO, Princípio da anterioridade: uma proposta para a sua interpretação. Revista dialética de direito tributário, São Paulo, n. 83, ago. 2002, p. 29-30; TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR. Anterioridade e irretroatividade no campo tributário. Revista dialética de direito tributário, São Paulo, v.65, fev. 2001, p. 124-125; FABIANA DEL PADRE TOMÉ, Contribuições para a seguridade social: à luz da Constituição Federal. Curitiba: Juruá, 2002, p. 133-135; TÁCIO LACERDA GAMA, Contribuição de intervenção no domínio econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 150; HUMBERTO ÁVILA, Sistema constitucional tributário, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 154-157; ALBERTO XAVIER, Sujeição dos atos do poder executivo que majorem o IPI ao princípio da anterioridade nonagesimal. Revista dialética de direito tributário, São Paulo, n.147, p.9-15, dez. 2007, p. 12; JOSÉ EDUARDO TELLINI TOLEDO, O imposto sobre produtos industrializados: incidência tributária e princípios constitucionais. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 197; e LEANDRO PAULSEN, Segurança jurídica, certeza do direito e tributação: a concretização da certeza quanto à instituição de tributos através das garantias da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade. Porto Alegre, RS: Livraria do Advogado, 2006, p. 144-145.

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106 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

150 da Carta Magna, a alínea “c”, a qual prescreve ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal

e aos Municípios cobrar tributos “antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os

instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b”

Essa Emenda Constitucional estendeu a determinados impostos a anterioridade

prevista no artigo 195, § 6º, da Constituição Federal de 1988, para as contribuições sociais para a

seguridade social. Assim, para que a lei que institua ou aumente tributos incida sobre os fatos que

ocorrerão no primeiro dia do exercício financeiro seguinte, deverá ser publicada até o dia 02 de

outubro do ano corrente.

Entretanto, antes mesmo de a Emenda Constitucional nº 42/2003 ser editada, havia

quem defendesse com base numa interpretação conjunta do artigo 150, III, b, com o artigo 195, § 6º,

ambos da Constituição Federal de 1988, a necessária observância, não de noventa, mas de noventa e

um dias após a publicação da lei, pois, caso assim não fosse, a regra de exceção seria mais eficaz que a

regra geral.8

Essa mesma Emenda inseriu uma segunda parte no § 1º do artigo 150. Nele, estão

elencados os impostos aos quais não se aplica a Anterioridade Nonagesimal. Sua prescrição é a de que

“...a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; 154, II, nem à fixação da

base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I”. Além do Empréstimo Compulsório (EC), do

Imposto de Importação (II), do Imposto de Exportação (IE), do IOF e do Imposto Extraordinário de

Guerra (IEG), que integram também o rol dos tributos excepcionados à observância da Anterioridade

Genérica, foram incluídos, no rol das exceções à Anterioridade Nonagesimal, o Imposto sobre a Renda

e Proventos de qualquer natureza (IR) e a fixação das bases de cálculo do Imposto sobre a Propriedade

de Veículos Automotores (IPVA) e do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana

(IPTU).

Percebemos que a reforma constitucional não excepcionou o IPI da Anterioridade

Nonagesimal, como o fez com o II, IE, IR e IOF. Assim, mesmo sendo exceção à Anterioridade

Genérica, a lei que instituir ou majorar o IPI terá o início de sua eficácia sobrestado em noventa dias, o

que é algo inédito.9

8 EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO, Fundamentos do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). São Paulo: RT, 2002, p. 96-99; Princípio da anterioridade: uma proposta para a sua interpretação. Revista dialética de direito tributário, São Paulo, n. 83, ago. 2002, p. 30-33; IPI: princípios e estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 84-85; ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA, Curso de direito constitucional tributário. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 195-197. 9 Parece-nos que, pelo fato de o constituinte derivado ter estendido, nos casos do II, IE e IOF, a exceção da Anterioridade Genérica à Anterioridade Nonagesimal, que houve quem não se apercebesse e incluísse, no rol das exceções a esta última, também o IPI, o que, da leitura da segunda parte do § 1º do artigo 150 da Constituição Federal de 1988, verificamos não ser

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107 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

A razão de ser desse específico tratamento é que “...o grau de urgência das políticas

econômicas prosseguidas através deste tributo se situa a meio caminho entre a estabilidade e a imediatidade, não

devendo aguardar o início do exercício financeiro seguinte, mas também não devendo deixar de oferecer ao contribuinte

um período razoável de adaptação”.10

2. O Princípio da Anterioridade Posterga a Eficácia – Incidência – da Lei

Falamos que o Princípio da Anterioridade determina a postergação da eficácia da

lei que instituir ou majorar o tributo. Entretanto, esse posicionamento não é unânime. Mesmo sendo

majoritária a corrente que liga o Princípio da Anterioridade à eficácia ou incidência da lei.11 Há,

entretanto, quem dela discorde, aludindo à postergação da aplicação da lei.12 Há quem o relacione à

vigência da lei. A lei somente teria força para regular condutas após o período da vacatio legis especial,

estabelecido pelos Princípios da Anterioridade Genérica e Nonagesimal, que será, nos casos dos

tributos que se sujeitem a ambas, a data mais distante a contar da data da publicação da lei, levando-se

em consideração a data do primeiro dia do exercício financeiro seguinte e a data após o cômputo dos

noventa dias.13 Integram essa corrente PAULO DE BARROS CARVALHO – que, de forma enfática,

afirma que a anterioridade “Não se trata de problema de eficácia, mas única e exclusivamente de vigência” –, dentre

outros.14

verdade. Incluindo o IPI no rol das exceções ao Princípio da Anterioridade Nonagesimal, vide ANDRÉ DE SOUZA DANTAS ELALI, IPI: aspectos práticos e teóricos. Curitiba: Juruá, 2006, p. 99-100. Sobre a inovação relativa à submissão apenas à Anterioridade Genérica, vide CHARLES WILLIAM MCNAUGHTON, O princípio da anterioridade nonagesimal e o IPI. In: MARCELO MAGALHÃES PEIXOTO e FÁBIO SOARES DE MELO (coord.). IPI: questões fundamentais. São Paulo : MP Editora, 2008, p. 324. Além disso, há quem defenda expressamente que o IPI não é exceção ao Princípio da Anterioridade Nonagesimal, como por exemplo, RICARDO LOBO TORRES cuja opinião é a de que “...a noventena não terá cabimento no caso do IPI, que, não se vinculando à anterioridade, não pode ficar preso à sua especificação” - Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário: valores e princípios constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 562-563. 10 ALBERTO XAVIER. Sujeição dos atos do poder executivo que majorem o IPI ao princípio da anterioridade nonagesimal. Revista dialética de direito tributário, São Paulo, n.147, p.9-15, dez. 2007, p. 11. 11 TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR, Anterioridade e irretroatividade no campo tributário. Revista dialética de direito tributário, São Paulo, v.65, fev. 2001, p. 129; MISABEL ABREU MACHADO DERZI, Nota in BALEEIRO, Aliomar, Direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 104; R. A. CARRAZZA, Curso de direito constitucional tributário. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 186-187 e 190-191; O princípio da anterioridade tributária em face da Emenda Constitucional 42/2003 e questões conexas, Revista direito tributário, São Paulo: Malheiros, n.92, 2004, p. 78; PAULO AYRES BARRETO, Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. São Paulo: Noeses, 2006, p. 130; FRANCISCO PINTO RABELLO FILHO, O princípio da anterioridade da lei tributária. São Paulo : RT, 2002, p. 111; e JOSÉ EDUARDO TELLINI TOLEDO, O imposto sobre produtos industrializados: incidência tributária e princípios constitucionais. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 197-198; 12 LUCIANO AMARO. Direito tributário brasileiro. 12.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 120-121. 13 No sentido de que se trata de um problema de vacatio legis, vide JOSÉ ALFREDO BORGES, O princípio da anterioridade em matéria tributária. Revista de direito tributário, São Paulo: Malheiros, v.23-24, jan./jun. de 1983, p. 280. 14 PAULO DE BARROS CARVALHO, Direito tributário, linguagem e método. 2. ed., São Paulo: Noeses, 2008, p. 290. No mesmo sentido, vide Curso de direito tributário. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 175; LUÍS FERNANDO DE SOUZA NEVES, COFINS: contribuição social sobre o faturamento: L.C. 70/91. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 83; CHARLES WILLIAM MCNAUGHTON, O princípio da anterioridade nonagesimal e o IPI. In: MARCELO MAGALHÃES PEIXOTO e FÁBIO SOARES DE MELO (coord.). IPI: questões fundamentais. São Paulo : MP Editora, 2008, p. 327; ALBERTO.

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108 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Filiamo-nos à corrente que considera a Anterioridade uma questão relativa à

incidência da norma.15 Firmada essa premissa, cabe analisarmos em que consiste instituir ou majorar

um tributo.

3. Aplicabilidade do Princípio da Anterioridade à Instituição e à Majoração do Tributo: análise

das hipóteses

Instituir tributo é tarefa exclusiva do Poder Legislativo e consiste em desenhar

todos os contornos da regra-matriz de incidência tributária, estabelecendo seus critérios material,

temporal e espacial, bem como as determinações do consequente normativo, ou seja, os possíveis

sujeitos da relação jurídica e os elementos para alcançar o “quantum” do seu objeto – prestação de dar.

Até aqui, parecem não surgir maiores dúvidas.

O mesmo não se passa, entretanto, com o majorar. Há pelos menos três casos que

merecem destaque: aumento do tributo em decorrência da extinção de isenções; aumento de tributo

em decorrência da elevação de alíquotas, permitida pelo artigo 153, § 1º, da Constituição Federal de

1988, por meio de decreto do Poder Executivo; e diminuição do prazo para o pagamento do tributo.

3.1 Revogação ou Extinção de Isenções

Parece intuitivo que a revogação ou extinção de isenção tributária equivale, pelo

menos pragmaticamente, à majoração do tributo. Inegavelmente, a extinção da isenção acarreta um

aumento na carga tributária a ser suportada pelo contribuinte, mesmo que assim não entenda a Corte

Suprema. A Súmula nº 615, do Supremo Tribunal Federal (STF), é vazada nos seguintes termos: “O

princípio constitucional da anualidade (§ 29 do art. 153 da CF) não se aplica à revogação da isenção de ICM”.

É evidente que não estamos, aqui, a tratar do Princípio da Anualidade e tampouco

de isenções relativas ao ICM, hoje ICMS. Mas a correta interpretação da Súmula permite concluir que

a posição do Supremo Tribunal Federal caminha no sentido de que a revogação de uma isenção não

XAVIER, Sujeição dos atos do poder executivo que majorem o IPI ao princípio da anterioridade nonagesimal. Revista dialética de direito tributário, São Paulo, n.147, p.9-15, dez. 2007, p. 10; e MARCOS AURÉLIO PEREIRA VALADÃO, A majoração de alíquotas do IPI por decreto do Poder Executivo e a limitação constituída pela noventena constitucional. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira (Coord.). IPI: temas constitucionais polêmicos. Belo Horizonte, MG: Forum, 2009, p. 93. 15 MAURÍCIO DALRI TIMM DO VALLE, Princípios Constitucionais e regras-matrizes de incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. Dissertação (Mestrado em Direito do Estado) – Setor de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Paraná – UFPR, Curitiba, 2010, p. 167 et. seq.

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109 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

equivale à criação de nova incidência tributária ou seu aumento, não se lhe aplicando o Princípio da

Anterioridade.16

Em que pese a questionável posição da Corte Suprema, não são poucos os que

entendem que as reduções ou revogações de isenções devem respeito ao Princípio da Anterioridade.17

É esta também a nossa opinião. Entretanto, esse entendimento não é aplicável a

toda e qualquer espécie de isenção. À primeira vista, parece que, nos casos de extinção de isenções

concedidas com prazo determinado, não tem lugar o Princípio da Anterioridade.

Mas a afirmação há de ser temperada. Isso tem perfeito cabimento nos casos de

isenção que diga respeito aos tributos excepcionados da observância das Anterioridades Genérica e

Nonagesimal. Nos demais casos, não será necessária a observância da Anterioridade se, entre o início

da vigência da lei que estabelece a isenção e a sua extinção ou revogação, decorrer período coincidente

com aqueles dispostos no artigo 150, III, b e c, da Constituição Federal de 1988.18

3.2 Elevação de Alíquotas por meio de Decreto (Art. 153, § 1º, Constituição Federal de 1988)

A segunda questão diz respeito ao aumento de tributo em decorrência da elevação

de alíquotas, permitida pelo artigo 153, § 1º, da Carta Magna, por meio de decreto do Poder Executivo.

Lembremo-nos que o artigo 153, § 1º, prescreve que “É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e

os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V”. O ato pelo qual

o Poder Executivo amplia ou reduz as alíquotas é o decreto. Relembremos. Não estamos aqui a tratar

da lei que estabelece novos limites, ampliando-os. E sim do decreto que, com base na lei já editada,

aumenta as alíquotas dentro dos limites estabelecidos. Então surge a questão: esse decreto deve

observar o Princípio da Anterioridade Nonagesimal?

16 Sobre a interpretação do posicionamento do Supremo Tribunal Federal, vide CARLOS MÁRIO VELLOSO, O princípio da anterioridade: uma visão da jurisprudência. Revista de direito tributário, São Paulo: Malheiros, v. 31, jan./mar. 1985, p. 120-122; FRANCISCO PAWLOW, MARIA ELISA BRUZZI BOECHAT e MÔNICA ALVES DE OLIVEIRA MOURÃO. Seletividade da tabela de incidência do IPI In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira (Coord.). IPI: temas constitucionais polêmicos. Belo Horizonte, MG: Forum, 2009, p. 217. 17 RICARDO LOBO TÔRRES, Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário: valores e princípios constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, v. II, p. 561; ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA, Curso de direito constitucional tributário. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 217-220; O princípio da anterioridade tributária em face da Emenda Constitucional 42/2003 e questões conexas, Revista direito tributário, São Paulo: Malheiros, n.92, 2004, p. 79; EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO, Fundamentos do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). São Paulo: RT, 2002, p. 100-103; IPI: princípios e estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 87-90; JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, Em co-autoria com EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO, Comentários às súmulas tributárias do STF e do STJ. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2007, p. 132-133; LUCIANO AMARO, Irretroatividade e anterioridade da lei tributária. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO TRIBUTARIO, 1., 1998, Vitoria. Justiça tributária: direitos do fisco e garantias dos contribuintes nos atos da administração e no processo tributário. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 576. 18 ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA, Curso de direito constitucional tributário. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 234-235.

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110 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Muitos entendem que a Anterioridade é, nesses casos, inaplicável.19 Mas a questão

longe está de ser pacífica. Em sentido diametralmente oposto, ou seja, pela submissão ao Princípio da

Anterioridade também por parte desses decretos, posicionam-se alguns.20 Nossa posição aproxima-se

daquela dos doutrinadores da segunda corrente, de que também nesses casos há submissão ao

Princípio da Anterioridade. Parece-nos correto afirmar que os integrantes da primeira corrente

justificam a não submissão do decreto ao Princípio da Anterioridade afirmando que, nesses casos, o

tributo é manejado extrafiscalmente, e que, por isso, não é o interesse arrecadatório o que prepondera.

O escopo da alteração das alíquotas é incentivar ou inibir condutas. Com a ampliação de alíquotas não

se busca maior arrecadação, e sim que determinadas condutas não se venham a realizar.21

É de se ressaltar, entretanto, que a extrafiscalidade é questão metajurídica. Faz parte

do âmbito da Política do Direito. Além disso, lembremo-nos que não interessa a vontade do legislador,

e sim a vontade da lei. Seja o tributo manejado extrafiscalmente ou não, isso de pouco importará no

que se refere à submissão do decreto que eleva alíquotas ao Princípio da Anterioridade. Se as elevações

efetivadas por meio de lei devem respeitar o Princípio da Anterioridade, que dirá o decreto, que está

19 “Quanto a esta faculdade, a não aplicação do princípio da anterioridade é implícita e decorrente, sem necessidade, portanto, de estar presa ao preceito que ora examinamos. Com efeito, se o citado art. 153, parágrafo 1º, já autoriza a variação de alíquotas, pelo Poder Executivo, dentro dos parâmetros previamente estabelecidos em lei, então a utilização deste poder não acarreta nem instituição de incidência nova, nem majoração das já existentes. Trata-se, como se vê, de situação que, de rigor, nada tem a ver com o fato de o IPI não ser alcançado pelo princípio da anterioridade” - EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO, Fundamentos do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). São Paulo: RT, 2002, p. 106 e IPI: princípios e estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 92-93; MARCOS AAURÉLIO PEREIRA VALADÃO, A majoração de alíquotas do IPI por decreto do Poder Executivo e a limitação constituída pela noventena constitucional. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira (Coord.). IPI: temas constitucionais polêmicos. Belo Horizonte, MG: Forum, 2009, p. 94-95, 98-99; FRANCISCO PALOW, MARIA ELISA BOECHAT e MÔNICA ALVES DE OLIVEIRA MOURÃO, Seletividade da tabela de incidência do IPI In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira (Coord.). IPI: temas constitucionais polêmicos. Belo Horizonte, MG: Forum, 2009, p. 217. 20 O argumento por ALBERTO XAVIER utilizado é forte. Diz ele que “Seria desrazoável esperar que o contribuinte planejasse toda a sua atividade com base na simples possibilidade de adoção no futuro de determinada alíquota máxima pelo Poder Executivo, sem que houvesse sequer um limite temporal para que o Poder Executivo utilizasse tal prerrogativa. A atividade do contribuinte é desenvolvida levando em conta a tributação concreta e efetiva existente num dado momento e não uma tributação potencial, pelo que qualquer majoração de tributos com efeitos imediatos para o contribuinte colide com os princípios da não-surpresa e da segurança jurídica de que é corolário o princípio da anterioridade nonagesimal...” - Sujeição dos atos do poder executivo que majorem o IPI ao princípio da anterioridade nonagesimal. Revista dialética de direito tributário, São Paulo, n.147, p.9-15, dez. 2007, p. 14-15; e CHARLES WILLIAM MCNAUGHTON, O princípio da anterioridade nonagesimal e o IPI. In: MARCELO MAGALHÃES PEIXOTO e FÁBIO SOARES DE MELO (coord.). IPI: questões fundamentais. São Paulo : MP Editora, 2008, p. 338-344. 21 MANOELA FLORET SILVA XAVIER afirma que “O motivo para essa exclusão é o fato desse tributo ter natureza extrafiscal, exigindo uma política ágil, a fim de compatibilizá-lo com a conjuntura econômica da época” - IPI: imposto sobre produtos industrializados. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editor, 2008¸ p. 7. Em sentido semelhante, MARCOS AURÉLIO PEREIRA VALADÃO, para o qual, no caso dos tributos com finalidades extrafiscais, não se aplicaria o princípio da não-surpresa - A majoração de alíquotas do IPI por decreto do Poder Executivo e a limitação constituída pela noventena constitucional. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira (Coord.). IPI: temas constitucionais polêmicos. Belo Horizonte, MG: Forum, 2009, p. 96-97. E, ainda, FRANCISCO PAWLOW, MARIA ELISA BRUZZI BOECHAT E MÔNICA ALVES DE OLIVEIRA MOURÃO – Seletividade da tabela de incidência do IPI In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira (Coord.). IPI: temas constitucionais polêmicos. Belo Horizonte, MG: Forum, 2009, p. 217.

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111 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

limitado à fiel execução da lei, conforme prescreve o artigo 84, IV, da Constituição Federal. Para

finalizarmos essa questão, entendemos que também o decreto que majore alíquotas com base na

permissão estabelecida pelo artigo 153, § 1º, da Constituição Federal, deverá observar o Princípio da

Anterioridade.

3.3 Diminuição para o Prazo de Pagamento do Tributo

Por fim, falta tratar dos casos em que o prazo para o pagamento do tributo seja

diminuído. Em que pese o Supremo Tribunal Federal afirme, na Súmula nº 669, que “Norma legal que

altera o prazo de recolhimento da obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade’, parece não ser

essa a melhor exegese.

Não há como deixar de reconhecer que a redução dos prazos para o recolhimento

do tributo acarreta um agravamento do montante a ser suportado pelo contribuinte. O desembolso

será aumentado sem que o contribuinte tenha prévia ciência sobre o agravamento de sua situação.22

Somos da opinião de que a redução do prazo para pagamento do tributo deve respeitar o Princípio da

Anterioridade.23

4. Conclusões

As conclusões por nós alcançadas são as seguintes: i) O Princípio da Anterioridade

veio em substituição ao Princípio da Anualidade; ii) O sentido no qual foi empregado o vocábulo

“cobrado”, no que atina ao Princípio da Anterioridade, é o mesmo de “exigido”; iii) A previsão da

Anterioridade Genérica não mais assegurava plenamente a previsibilidade para a qual foi concebida,

razão pela qual a competência constitucional reformadora estendeu a determinados impostos a

anterioridade prevista no artigo 195, § 6º, da Constituição Federal de 1988, a chamada Anterioridade

Nonagesimal; iv) O Princípio da Anterioridade determina a postergação da eficácia da lei que instituir

ou majorar o tributo; v) As reduções ou revogações de isenções devem respeito ao Princípio da

Anterioridade. A afirmação de que, nos casos de extinção de isenções concedidas com prazo

determinado, não tem lugar o Princípio da Anterioridade, só será verdadeira se a isenção disser

respeito aos tributos excepcionados da observância da Anterioridade Genérica e da Nonagesimal. Nos

demais casos, não será necessária a observância da Anterioridade se, entre o início da vigência da lei

22 Conforme lições de ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA, Curso de direito constitucional tributário. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 214-215; EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO, IPI: princípios e estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p. 83, n. 5. No mesmo sentido, vide comentários à Súmula nº. 699, do STF, deste autor, em conjunto com JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO – Comentários às súmulas tributárias do STF e do STJ. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2007, p. 161-162. 23 No mesmo sentido: FRANCISCO PINTO RABELLO FILHO. O princípio da anterioridade da lei tributária. São Paulo : RT, 2002, p. 102-104 124-134.

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que estabelece a isenção e a sua extinção ou revogação, decorrer período coincidente com aqueles

dispostos no artigo 150, III, b e c, da Constituição Federal de 1988; vi) O decreto que elevar as

alíquotas, por ocasião do desempenho da prerrogativa conferida pelo artigo 153, § 1º, da Constituição

Federal, deve observar o Princípio da Anterioridade; vii) A redução do prazo para pagamento do

tributo deve respeitar o Princípio da Anterioridade.

5. Referências Bibliográficas

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114 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

_____. Segurança jurídica em matéria tributária: breves noções acerca dos Princípios da Tripartição das Funções, da Legalidade, da Anterioridade e da Irretroatividade. Direito empresarial: temas atuais. Curitiba, 2010. VELLOSO, Carlos Mário. O princípio da anterioridade: uma visão da jurisprudência. Revista de direito tributário, São Paulo: Malheiros, v. 31, jan./mar. 1985. XAVIER, Alberto. Sujeição dos atos do poder executivo que majorem o IPI ao princípio da anterioridade nonagesimal. Revista dialética de direito tributário, São Paulo, n.147, dez. 2007. XAVIER, Manoela Floret Silva. IPI: imposto sobre produtos industrializados. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editor, 2008.

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115 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

O SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS E O “CARONA”

Sérgio Veríssimo de Oliveira Filho Procurador do Município de Londrina, lotado no Setor de Licitações, Contratos e Convênios Administrativos da Gerência de Serviços Públicos – GSP. Especialista em Direito Constitucional pela BBG/Faculdade de Ciências Sociais de Florianópolis-SC. Especialista em Direito Municipal pela UNIDERP-Anhanguera. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina - UEL . Advogado.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O Sistema de Registro de Preços. Disciplina Legal e Características Gerais. 3. O empréstimo da ata de Registro de Preços. A figura do “Carona”. 4. Conclusão. 5. Referências Bibliográficas.

RESUMO: O presente artigo aborda, de forma sucinta, o sistema de registro de preços, procedimento especial de licitação, apresentando sua disciplina legal e características mais relevantes. Trata, também, da figura do ‘carona’, cuja utilização tem sido objeto de constantes abusos pelos administradores públicos, mas que, se aperfeiçoado, pode constituir importante instrumento para o Poder Público realizar suas contratações de forma mais ágil e econômica. PALAVRAS-CHAVE: Licitação. Sistema de registro de Preços. Carona.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo trata do procedimento especial de licitação denominado ‘sistema

de registro de preços’, muito utilizado pelo Poder Público para adquirir bens e contratar serviços.

Num primeiro momento discorre-se sobre sua disciplina legal e características

mais relevantes. Em seguida, trata, também, da figura do ‘carona’, que tem sido objeto de muita

polêmica devido aos abusos praticados pelos administradores públicos.

Por meio da análise de posições doutrinárias e jurisprudenciais, procurou-se

verificar a legalidade e a constitucionalidade da base legal e infralegal existente, na tentativa de

demonstrar, ao final, que a prática do "carona" tem suas vantagens, mas precisa ser aperfeiçoada,

sobretudo no aspecto legislativo, por constituir importante instrumento para o Poder Público realizar

suas contratações de forma mais ágil e econômica.

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116 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

2. O SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS. DISCIPLINA LEGAL E CARACTERÍSTICAS

GERAIS.

O Estado é o titular dos serviços públicos prestados aos cidadãos. A sua execução,

todavia, pode ocorrer diretamente pelo ente estatal, por meio dos seus próprios recursos (humanos e

financeiros), ou indiretamente, por um particular, que assume a prestação do serviço sob a supervisão

do Estado.

Mesmo quando a prestação do serviço público é realizada diretamente pelo Estado

este, para se desincumbir dos deveres outorgados pelo ordenamento jurídico, necessita buscar na

iniciativa privada os bens ou serviços que não produz ou executa.

Essa contratação de bens ou serviços produzidos ou prestados pela iniciativa

privada deve ocorrer, necessariamente, mediante a realização de procedimento administrativo formal

destinado à seleção da proposta mais vantajosa ao ente público. Trata-se do procedimento

denominado licitação.

A licitação é procedimento obrigatório para a contratação de obras, serviços,

compras e alienações realizadas pela Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes

da União, dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios, conforme determina a Constituição

Federal (art. 37, XXI), cabendo ao ente licitador assegurar a igualdade de condições a todos os

particulares interessados em com ele contratar.

Atualmente o procedimento é regulado pela Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993,

que dispõe sobre normas gerais de licitações e contratos da Administração Pública. A essas normas

estão subordinados a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, além dos fundos especiais,

das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas, das sociedades de economia mista e

demais entidades controladas direta ou indiretamente por aqueles. No que tange especificamente às

compras, segundo o disposto no art. 15 da lei mencionada, deverão, sempre que possível, atender ao

princípio da padronização e ser processadas por "sistema de registro de preços".

Art. 14. Nenhuma compra será feita sem a adequada caracterização de seu objeto e indicação dos recursos orçamentários para seu pagamento, sob pena de nulidade do ato e responsabilidade de quem lhe tiver dado causa. Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão:

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I - atender ao princípio da padronização, que imponha compatibilidade de especificações técnicas e de desempenho, observadas, quando for o caso, as condições de manutenção, assistência técnica e garantia oferecidas; II - ser processadas através de sistema de registro de preços; III - submeter-se às condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado; IV - ser subdivididas em tantas parcelas quantas necessárias para aproveitar as peculiaridades do mercado, visando economicidade; V - balizar-se pelos preços praticados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública. § 1º O registro de preços será precedido de ampla pesquisa de mercado. § 2º Os preços registrados serão publicados trimestralmente para orientação da Administração, na imprensa oficial. § 3º O sistema de registro de preços será regulamentado por decreto, atendidas as peculiaridades regionais, observadas as seguintes condições: I - seleção feita mediante concorrência; II - estipulação prévia do sistema de controle e atualização dos preços registrados; III - validade do registro não superior a um ano. § 4º A existência de preços registrados não obriga a Administração a firmar as contratações que deles poderão advir, ficando-lhe facultada a utilização de outros meios, respeitada a legislação relativa às licitações, sendo assegurado ao beneficiário do registro preferência em igualdade de condições. § 5º O sistema de controle originado no quadro geral de preços, quando possível, deverá ser informatizado. § 6º Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar preço constante do quadro geral em razão de incompatibilidade desse com o preço vigente no mercado. § 7º Nas compras deverão ser observadas, ainda: I - a especificação completa do bem a ser adquirido sem indicação de marca; II - a definição das unidades e das quantidades a serem adquiridas em função do consumo e utilização prováveis, cuja estimativa será obtida, sempre que possível, mediante adequadas técnicas quantitativas de estimação; III - as condições de guarda e armazenamento que não permitam a deterioração do material. § 8º O recebimento de material de valor superior ao limite estabelecido no art. 23 desta Lei, para a modalidade de convite, deverá ser confiado a uma comissão de, no mínimo, 3 (três) membros. Art. 16. Será dada publicidade, mensalmente, em órgão de divulgação oficial ou em quadro de avisos de amplo acesso público, à relação de todas as compras feitas pela Administração Direta ou Indireta, de maneira a clarificar a identificação do bem comprado, seu preço unitário, a quantidade adquirida, o nome do vendedor e o valor total da operação, podendo ser aglutinadas por itens as compras feitas com dispensa e inexigibilidade de licitação. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica aos casos de dispensa de licitação previstos no inciso IX do art. 24.

Segundo a doutrina especializada o sistema de registro de preços "é um

procedimento especial de licitação que se efetiva por meio de uma concorrência ou pregão sui generis,

selecionando a proposta mais vantajosa, com observância do princípio da isonomia, para eventual e

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futura contratação pela Administração".1 Trata-se de um "contrato normativo, constituído como um

cadastro de produtos e fornecedores, selecionados mediante licitação, para contratações sucessivas de

bens e serviços, respeitados lotes mínimos e outras condições previstas no edital".2

Para Antônio Roque Citadini "o Registro de Preços constitui-se num meio

operacional para a realização de compras, gêneros e equipamentos de uso comum, o qual se concretiza

mediante prévio certame licitatório, visando obter os melhores preços e condições para a

Administração.3

Vale dizer, pelo sistema de registro de preços o ente público realiza a licitação

(mais comumente utiliza-se a modalidade pregão) e, ao final, edita um documento, denominado "ata

de registro de preços", no qual ficarão registrados, por um determinado período, os preços oferecidos

pelos interessados em fornecer bens e prestar serviços, que serão adquiridos ou contratados pela

Administração apenas quando for conveniente.

Embora a lei se restrinja às "compras", tem prevalecido o entendimento, com o qual

concordamos, de que não há incompatibilidade lógica na utilização do sistema de registro de preços

também para os "serviços", não sendo razoável, neste caso, interpretar o silêncio do legislador como

uma vedação implícita.4 O fato de não haver disposição legal expressa não impede, por exemplo, o

registro de preços, para eventual e futura contratação dos serviços de reprografia e encadernação de

documentos, chaveiro, plotagem, confecção de uniformes, fornecimento de ‘coffee breaks’ em eventos,

locação de equipamentos de sonorização e iluminação, manutenção de equipamentos, rádio-táxi, entre

outros. E como se verá a seguir, o ato regulamentar expedido pela União prevê a possibilidade de

registro de preços de serviços.5

Em se tratando de procedimento especial de licitação (e não de uma modalidade

como as previstas no art. 22) a ele se aplicam todas as normas gerais previstas na Lei nº 8.666/93,

sobretudo os princípios mencionados no art. 3º, quais sejam, da legalidade, da impessoalidade, da

moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento

convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

1 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Sistema de Registro de Preços e Pregão Presencial e Eletrônico. 2. ed., Ed. Fórum, Belo Horizonte, 2007, p. 31. 2 MARÇAL, Justen Filho. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 11. ed., Dialética, São Paulo, 2005, p. 144. 3 CITADINI, Antônio Roque. Comentários e Jurisprudência sobre a Lei de Licitações Públicas. Ed. Max Limonad, São Paulo, 2000, p. 89. 4 MARÇAL, Justen Filho. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 11. ed., Dialética, 2005, p. 148. 5 BARBOSA, Jairo José. Licitação: o registro de preços no âmbito dos órgãos e entidades da administração direta e indireta. Artigo publicado no site Jusnavigandi. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=431

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Criado por norma geral, o sistema de registro de preços deve ser regulamentado

por cada ente federativo, mediante decreto, de acordo com as peculiaridades regionais e observadas,

contudo, as seguintes condições: a) seleção feita mediante concorrência6; b) estipulação prévia do

sistema de controle e atualização dos preços registrados; c) validade do registro não superior a um

ano.

No âmbito da União foi editado o Decreto nº 2.743, de 21 de agosto de 19 98,

posteriormente revogado pelo Decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, que, por sua vez, sofreu as

alterações introduzidas pelo Decreto nº 4.342, de 23 de agosto de 2002.

O sistema de registro de preços tem como característica singular – o que confere a

mencionada especialidade ao procedimento – o fato de a Administração não estar obrigada a contratar

com o licitante vencedor, conforme dispõe o § 4º do art. 15 da Lei nº 8.666/93. Ou seja, o registro de

preços não produz contratação necessária e imediata, na medida em que a Administração apenas

firmará um compromisso (ou pré-contrato) com o licitante vencedor. Se precisar do bem ou serviço,

adquirirá daquele que ofereceu a proposta mais vantajosa, condicionando esse compromisso ao

período máximo de um ano. Assim, de um lado a Administração tem a garantia de que não está

obrigada a contratar; de outro, o licitante tem a certeza de que o compromisso tem prazo determinado.

Com o registro de preços a Administração tem a oportunidade de reduzir

sensivelmente o número de licitações, sobretudo as que versarem sobre objetos semelhantes e

homogêneos, porquanto à medida que necessitar contratar poderá lançar mão dos preços então

registrados para formalizar, com rapidez, as contratações, ficando dispensada, assim, de promover

uma licitação a cada vez que precisar contratar e evitando o desperdício com a manutenção de

estoques.

No que se refere especificamente à definição do objeto e da sua quantidade7, é certo

que, no registro de preços, ao contrário do que ocorre em uma licitação para aquisição ou contratação

imediata, a Administração deve fazer constar do ato convocatório apenas uma estimativa das

quantidades mínima e máxima dos bens ou serviços, que serão adquiridos de acordo com a sua

necessidade. Trata-se de uma expectativa de consumo, fixada com base em prévio estudo interno

sobre a demanda do bem a ser adquirido ou do serviço a ser contratado, uma vez que não é possível

saber com absoluta certeza quando nem em que quantidade um bem ou serviço deverá ser adquirido

ou contratado.

6 Atualmente, admite-se também a utilização do pregão, modalidade criada em 2002, pela lei nº 10.520. 7 VIANA, Nelson Corrêa. Peculiaridades da especificação e da precificação nos registros de preços das compras do setor público. Artigo publicado no site Jusnavigandi <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13061>

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Na medida em que se exige de ambas as partes um compromisso efetivo,

consubstanciado, de um lado, na garantia do preço registrado e, de outro, na possibilidade de se

exonerar o licitante vencedor se houver desequilíbrio na equação econômico-financeira, conclui-se que

o sistema de registro de preços exerce forte influência sobre o mercado. Não se admitem, por isso,

quantificações indeterminadas, nem que se relegue tal decisão ao exclusivo critério subjetivo da

Administração, sob pena de se dar margem a abusos e afetar a credibilidade do sistema.

Marçal Justen Filho, ao tratar da necessidade de fixação de quantitativos mínimos

e máximos, assim assevera:

A incerteza sobre quantitativos mínimos e máximos se reflete no afastamento dos empresários sérios e na elevação dos preços ofertados à Administração. Basta um pequeno exemplo para evidenciar o problema. É possível formular um juízo aplicável a qualquer objeto, numa sociedade industrial razoavelmente desenvolvida. Trata-se do princípio da escala, que significa que quanto maior a quantidade comercializada tanto menos o preço unitário dos produtos fornecidos. Assim, o preço unitário não será o mesmo para fornecer um quilo de açúcar ou dez toneladas.(...) Por outro lado, a fixação de quantitativos máximos é imposição essencial, derivada das normas orçamentárias, do princípio da isonomia e da economicidade. (...) O princípio da isonomia impõe que todos os potenciais interessados tomem ciência da extensão das contratações que a Administração pretende realizar. Não é possível que uma licitação aparentemente irrelevante, que não desperta atenção e competição entre os empresários do setor, seja transformada em uma fonte inesgotável de contratações para o licitante que a venceu.8

No entanto, superadas as estimativas da Administração e esgotado o limite

máximo previsto no edital, e desde que não tenha sido possível ao ente público prever a demanda

extraordinária, por se tratar justamente de fato superveniente à estimativa inicial, ou, ainda, ante a

impossibilidade de prorrogação do prazo do registro de preços e não tendo sido possível concluir o

novo certame licitatório, deve-se permitir o acréscimo da quantidade inicial em até 25% (vinte e cinco

por cento), com amparo na regra do § 1º art. 65 da Lei nº 8.666/93, aplicada por analogia ao sistema de

registro de preços, já que este não constitui um contrato propriamente dito.

Vale dizer, em circunstâncias excepcionais, não se afiguraria razoável vedar a

aplicação da regra contida no § 1º do art. 65 – sobretudo se o acréscimo beneficiar o mesmo ente ou

órgão –, até porque não há qualquer disposição, expressa ou implícita, decorrente da legislação em

vigor, que possa levar a essa conclusão.

8 Op. cit., p. 154.

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3. O EMPRÉSTIMO DA ATA DE REGISTRO DE PREÇOS. A FIGURA DO ‘CARONA’.

Delimitado o objeto da nossa análise, pode-se, agora, abordar a prática do "carona"

(ou, como preferem alguns, empréstimo de registro de preços a órgãos ou entes não-participantes), adotada

por diversos órgãos e entes públicos e objeto de muita polêmica.

Segundo Jorge Ulisses Jacoby Fernandes9 os usuários da ata de registro de preços

podem ser classificados em dois grupos: a) órgãos participantes, aqueles que, no momento da convocação

do órgão gerenciador, comparecem e participam da implantação do sistema do registro de preços,

informando os objetos pretendidos, a qualidade e a quantidade; b) órgãos não participantes (caronas),

aqueles que, não tendo participado na época oportuna, informando suas estimativas de consumo,

requerem ao órgão gerenciador, posteriormente, o uso da ata de registro de preços.

A figura do "carona" foi criada pelo Decreto nº 4.242/2202, que introduziu o § 3º ao

artigo 8º do Decreto nº 3.931/2000, que, por sua vez, regulamenta o sistema de registro de preços no

âmbito federal. Assim dispõe art. 8º:

Art. 8º A Ata de Registro de Preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da Administração que não tenha participado do certame licitatório, mediante prévia consulta ao órgão gerenciador, desde que devidamente comprovada a vantagem. § 1º Os órgãos e entidades que não participaram do registro de preços, quando desejarem fazer uso da Ata de Registro de Preços, deverão manifestar seu interesse junto ao órgão gerenciador da Ata, para que este indique os possíveis fornecedores e respectivos preços a serem praticados, obedecida a ordem de classificação. § 2º Caberá ao fornecedor beneficiário da Ata de Registro de Preços, observadas as condições nela estabelecidas, optar pela aceitação ou não do fornecimento, independentemente dos quantitativos registrados em Ata, desde que este fornecimento não prejudique as obrigações anteriormente assumidas. § 3º As aquisições ou contratações adicionais a que se refere este artigo não poderão exceder, por órgão ou entidade, a cem por cento dos quantitativos registrados na Ata de Registro de Preços.

Atente-se para o fato de que desde 19 de setembro de 2001, quando editado o

Decreto nº 3.931, a figura do "carona" já estava prevista no texto do ato regulamentar (caput), sem que

houvesse, em princípio, qualquer restrição a sua utilização. Somente em 23 de agosto de 2002, com a

edição do Decreto nº 4.342, é que foi estabelecido um limite para as aquisições ou contratações

9 Op. cit., p. 208.

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adicionais, que ficaram "restritas" a cem por cento, por ente ou órgão que viesse a se utilizar da ata de

registro de preços, da quantidade inicialmente registrada.

Assim, embora não exista previsão legal sobre a utilização da ata de registro de

preços por órgãos ou entes não participantes da fase preparatória da licitação, a partir da edição do

Decreto nº 4.342/2002 essa prática passou a ser incorporada aos regulamentos sobre registro de preços

de diversos Estados e Municípios.10

Em nosso sentir a prática limitada do carona não fere os princípios da legalidade e

da obrigatoriedade de licitação, como afirmam autores como Joel Menezes Niebuhr11, Thiago Dellazari

Melo12 e Luiz Claudio Santana13.

Não fere o princípio da legalidade porque a própria Lei nº 8.666/93 conferiu a cada

ente federativo a prerrogativa de regulamentar o seu sistema de registro de preços, de acordo com as

peculiaridades regionais ou locais. E a prática do carona, embora não tenha sido prevista na lei geral,

decorre da dinâmica do procedimento licitatório e da execução da ata de registro de preços, razão pela

qual não pode ser considerada inovação indevida por parte do Chefe de Executivo.

Igualmente não fere o princípio da obrigatoriedade de licitação, pois, embora o ente

ou órgão não participante do certame, ao "tomar carona" em ata alheia, deixe de realizar a sua própria

licitação, o bem ou serviço registrado e o seu fornecedor foram selecionados mediante procedimento

licitatório promovido pelo ente que empresa a sua ata de registro de preços, pelo que a afirmação de

que a "carona" equivaleria a uma dispensa indevida de licitação não parece correta.

É certo que a utilização da ata pelo participante ‘carona’ implicaria, em tese, a

redução da disponibilidade para os participantes originais, razão pela qual cabe àquele (o "carona")

justificar porque não integrou desde o início a licitação (quando se tratar de órgão do mesmo ente

licitador). Entretanto, havendo expressa concordância por parte dos órgãos ou entes participantes e,

10 O Decreto nº 2.391/2008, do Estado do Paraná, que regulamenta a lei estadual de licitações, contratos e convênios, nº 15.608/2007, em seu artigo 7º, trata da figura do carona. 11 NIEBUHR, Joel Menezes. "Carona" em ata de registro de preços: atentado veemente aos princípios de direito administrativo. Revista Zênite de Licitações e Contratos, nº 143. Editora Zênite, Curitiba, 2006, p. 13-19. 12 MELO, Thiago Dellazari. A utilização do sistema de registro de preços por órgãos que não participaram da licitação. Uma análise do art. 8º do Decreto nº 3.939/2001. Artigo publicado no site Jusnavigandi. <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12291> 13 SANTANA, Luiz Claudio. O sistema de registro de preços e o carona. Artigo publicado no site Jusnavigandi <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=14847>

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sendo necessário o acréscimo no quantitativo, este não ultrapasse o limite de 25% (vinte e cinco por

cento), não haverá óbice à utilização da ata de registro de preços por outro ente ou órgão.

O grande problema decorre dos abusos que têm sido cometidos pelo Poder Público,

gerando discussões sobre o desvirtuamento do instituto.

Com base na regra prevista no art. 8º do Decreto nº 3.931/2000, especialmente a do

§ 3º (regra essa que vem sendo repetida pelos regulamentos estaduais e municipais), qualquer órgão ou

ente da Administração que não tenha participado da licitação poderá utilizar a ata de registro de

preços, sendo que as aquisições ou contratações adicionais não poderão exceder a cem por cento, por

órgão ou ente "carona", da quantidade registrada originalmente.

Segundo Marçal Justen Filho "a prática conhecida como ‘carona’ consiste na

utilização por um órgão administrativo do sistema de registro de preço alheio. Como se sabe, o

registro de preços é implantado mediante uma licitação, promovida no âmbito de um ou mais órgãos

administrativos. Essa licitação é modelada de acordo com as necessidades dos órgãos que participam

do sistema. A "carona" ocorre quando outro órgão, não participante originariamente do registro de

preços, realiza contratações com base no dito registro. Essa contratação adicional não é computada

para efeito de exaurimento dos quantitativos máximos previstos originalmente por ocasião da

licitação. O único limite a ser respeitado seria a observância, por órgão não participante originalmente

do sistema, do limite de 100% dos quantitativos registrados".14

A título de exemplo, suponha-se que a licitação tenha sido realizada visando o

registro de preços de galões de água mineral, com quantidade inicial estimada em mil unidades, para

atender à demanda de um determinado ente federal. Findo o certame e publicada a ata de registro de

preços, outros cinco entes da Administração Pública (seja do âmbito federal, estadual ou municipal),

para atender a sua própria demanda, lançam mão da ata existente e solicitam, cada um, a aquisição de

mil unidades, o que representa um acréscimo de 500% (quinhentos por cento) sobre a quantidade

inicial.

Tal acréscimo, em princípio, encontraria amparo na regra prevista no § 3º do art. 8º

do Decreto nº 3.931/2000. Não obstante, parece evidente a tentativa de burlar o princípio da

obrigatoriedade da licitação15, uma vez que, regra geral, cada ente deve promover a sua própria

licitação quando necessitar adquirir bens ou contratar serviços.

14 Op. cit., p. 150. 15 ANGELO, Fernando Henrique Cherém Ferreira. Registro de Preços. Análise crítica do acórdão TC-008.840/2007-3 do Plenário do TCU. Artigo publicado no site Jusnavigandi. <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10586>

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Um caso emblemático foi objeto de análise pelo Tribunal de Contas da União, cujo

excerto do acórdão nº 1487/2007, proferido nos autos TC-008.840/2007-3 – Plenário, por sua

relevância, vai a seguir transcrito:

(...) 3. Quanto às questões de fundo em discussão no que se refere às fragilidades identificadas na sistemática de registro de preços, tenho-as por pertinentes. 4. Entendo, na mesma linha defendida pelo Ministério Público, que o Decreto nº 3.931/2001 não se mostra incompatível com a Lei nº 8.666/93 no que tange à utilização do registro de preços tanto para serviços como para compras. Ademais, o art. 11 da Lei nº 10.520/2002 admite a utilização do sistema de registro de preços previsto no art. 15 da Lei de Licitações nas contratações de bens e serviços comuns. 5. O parecer do Parquet ilustra esse ponto com abalizada doutrina que interpreta o sistema normativo de modo a demonstrar a compatibilidade entre o registro de preços e os contratos de prestação de serviços, consoante transcrito no Relatório que antecede este Voto. Ademais, lembra o ilustre Procurador que em diversos julgados o Tribunal expediu determinações/recomendações com a finalidade de estimular a utilização da sistemática de registro de preços por parte dos órgãos da Administração Pública. 6. Diferente é a situação da adesão ilimitada a atas por parte de outros órgãos. Quanto a essa possibilidade não regulamentada pelo Decreto nº 3.931/2001, comungo o entendimento da unidade técnica e do Ministério Público que essa fragilidade do sistema afronta os princípios da competição e da igualdade de condições entre os licitantes. 7. Refiro-me à regra inserta no art. 8º, § 3º, do Decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, que permite a cada órgão que aderir à Ata, individualmente, contratar até 100% dos quantitativos ali registrados. No caso em concreto sob exame, a 4ª Secex faz um exercício de raciocínio em que demonstra a possibilidade real de a empresa vencedora do citado Pregão 16/2005 ter firmado contratos com os 62 órgãos que aderiram à ata, na ordem de aproximadamente 2 bilhões de reais, sendo que, inicialmente, sagrou-se vencedora de um único certame licitatório para prestação de serviços no valor de R$ 32,0 milhões. Está claro que essa situação é incompatível com a orientação constitucional que preconiza a competitividade e a observância da isonomia na realização das licitações públicas. 8. Para além da temática principiológica que, por si só já reclamaria a adoção de providências corretivas, também não pode deixar de ser considerada que, num cenário desses, a Administração perde na economia de escala, na medida em que, se a licitação fosse destinada inicialmente à contratação de serviços em montante bem superior ao demandado pelo órgão inicial, certamente os licitantes teriam condições de oferecer maiores vantagens de preço em suas propostas. (...) VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Representação da 4ª Secex, apresentada com base no art. 237, inciso VI, do Regimento Interno, acerca de possíveis irregularidades na ata de registro de preços do Pregão nº 16/2005, da Coordenação-Geral de Recursos Logísticos do Ministério da Saúde, consoante o decidido no Acórdão nº 1927/2006-1ª Câmara.

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ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante das razões expostas pelo Relator, em: 9.1. conhecer da presente representação por preencher os requisitos de admissibilidade previstos no art. 237, inciso VI, do Regimento Interno/TCU, e considerá-la parcialmente procedente; 9.2. determinar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que: 9.2.1. oriente os órgãos e entidades da Administração Federal para que, quando forem detectadas falhas na licitação para registro de preços que possam comprometer a regular execução dos contratos advindos, abstenham-se de autorizar adesões à respectiva ata; 9.2.2. adote providências com vistas à reavaliação das regras atualmente estabelecidas para o registro de preços no Decreto n.º 3.931/2001, de forma a estabelecer limites para a adesão a registros de preços realizados por outros órgãos e entidades, visando preservar os princípios da competição, da igualdade de condições entre os licitantes e da busca da maior vantagem para a Administração Pública, tendo em vista que as regras atuais permitem a indesejável situação de adesão ilimitada a atas em vigor, desvirtuando as finalidades buscadas por essa sistemática, tal como a hipótese mencionada no Relatório e Voto que fundamentam este Acórdão; (grifei)

No caso acima, como se vê, o TCU não se opôs à utilização da figura do carona,

limitando-se apenas a determinar a fixação de limites para a utilização de atas de registro de preços

por outros entes ou órgãos.16

O Tribunal de Contas do Estão de São Paulo, por sua vez, ao apreciar caso

semelhante, determinou ao ente licitador que se abstivesse de admitir a figura do ‘carona’ em suas

licitações para registro de preços e anulou o procedimento considerado irregular:

(...) Não se desconhece, no sistema de registro de preços, a possibilidade de haver a conjugação de interesses de determinados órgãos participantes, sob a coordenação de um gerenciador, sendo-lhes facultada a utilização de uma mesma ata de registro de preços para eventuais e futuras contratações. Na prática, atendido o dever de prévio planejamento, a Administração cuida de pesquisar, anteriormente à realização da licitação, as necessidades de cada órgão, para que, estimada determinada quantidade, seja realizado certame para o registro de preço em ata, da qual podem, futuramente, se aproveitar os entes envolvidos na licitação. Atualmente, por força não de lei, mas de disposição contida em Decreto, há quem admita a utilização da ata de registro de preços por quaisquer outros órgãos não participantes do processo licitatório, bastando, para tanto, consulta ao órgão gerenciador e consentimento do fornecedor, bem por isso denominados "caronas". (...)

16 SANCHES, Cleuton de Oliveira. A figura do carona no sistema de registro de preços e o Tribunal de Contas Paulista. Artigo publicado no site Jusnavigandi <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12990>

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Advogam os defensores da figura do "carona" que a possibilidade de adesão tardia a uma ata de registro de preços, já válida e existente, confere às contratações públicas maiores celeridade e eficiência, evitando-se a realização desnecessária de diversos certames licitatórios para o mesmo propósito. Esquecem-se, no entanto, de que todo e qualquer meio que vise a assegurar a desejada eficiência na atividade da Administração deve obediência ao princípio da legalidade e da segurança jurídica, pilares do Estado de Direito. A figura do "carona", nos termos ora instituído por decreto, burla a regra de extração constitucional (artigo 37, XXI), segundo a qual "ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados, mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes". Na boa companhia de doutrinadores, também penso que afronta os princípios da legalidade, isonomia, economicidade, vinculação ao instrumento convocatório e competitividade. Não foi sem razão que o E. Tribunal de Contas da União, no acórdão n. 1487/2007, em sessão de 01-08-07, ao analisar representação contra edital de registro de preços promovido pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, acolhendo considerações expostas no voto do Ministro Relator Valmir Campelo, resolveu determinar que: "adote providências com vistas à reavaliação das regras atualmente estabelecidas para o registro de preços no Decreto n. 3.931/2001, de forma a estabelecer limites para a adesão a registros de preços realizados por outros órgãos e entidades, visando preservar os princípios da competição, da igualdade de condições entre os licitantes e da busca da maior vantagem para a Administração Pública, tendo em vista que as regras atuais permitem a indesejável situação de adesão ilimitada a atas em vigor, desvirtuando as finalidades buscadas por essa sistemática, tal como a hipótese mencionada no Relatório e Voto que fundamentam este Acórdão". Na visão de MARÇAL JUSTEN FILHO, o "TCU não proibiu formalmente a prática da ‘carona´ — até seria duvidosa a sua competência para adotar uma vedação com efeitos gerais e abstratos, vinculante para toda a Administração Pública. Mas daí não se segue que a prática da "carona" seja uma escolha que se configure como válida e legítima para os órgãos administrativos. O TCU incorporou razões jurídicas que devem ser tomadas em conta quando se pretender adotar a prática da ‘carona’. O Acórdão 1487/2007 demonstra que a contratação adicional, não prevista originalmente, é potencialmente danosa aos cofres públicos. Daí se segue que a sua adoção envolve a assunção do administrador público do risco de produzir uma contratação equivocada. A comprovação de que a prática da "carona" produziu enriquecimento injusto e indevido para o fornecedor privado deve conduzir à severa responsabilização dos agentes estatais que a adotaram". Ademais, a "carona" é campo fértil para o administrador ímprobo que, na perspectiva de adquirir bens ou serviços, poderá negociar com contemplados(s) em ata(s) realizar licitação ou optar por celebrar o contrato com aquele que lhe ofereça vantagem ilícita, em grave afronta aos princípios da impessoalidade, moralidade e economicidade. (...) 2.4 Diante do exposto, por entender que as dificuldades de ordem legal e operacional impedem a adoção do sistema de registro de preços quando se

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tratar de hipótese de prestação de serviços de natureza continuada, determino seja anulado o certame.17

As decisões acima expostas demonstram que a prática do "carona", da forma como

vendo sendo utilizada pelos entes públicos, é perniciosa e merece ser coibida. Por outro lado,

detectados os vícios decorrentes da utilização abusiva do "carona", soa mais razoável criar mecanismos

de controle para corrigir as imperfeições (mediante a expedição de regras gerais, por exemplo) do que

simplesmente expurgá-lo do ordenamento jurídico.

Por fim, e de forma a evitar abusos como os acima apresentados, o uso da ata de

registro de preços deve ser formalizado em processo administrativo específico do órgão ou ente que

solicita o empréstimo da ata, a ser instruído com, no mínimo18: a) cópia da decisão de homologação da

licitação promovida pelo ente público e da publicação da ata de registro de preços; b) justificativa da

necessidade de aquisição do bem e comprovação da vantajosidade da aquisição por meio da adesão ao

sistema de registro de preços de outro ente público; c) comprovação de que o preço a ser pago é

compatível com o praticado no mercado à época da adesão à ata; d) documento que ateste a

concordância do ente gerenciador em empresar sua ata de registro de preços; e) documento que ateste

a concordância do beneficiário da ata (fornecedor) em fornecer o bem ou serviços.

4. CONCLUSÃO

O sistema de registro de preços representa importante instrumento para o Poder

Público realizar suas contratações de forma ágil e econômica.

Por meio dele a Administração tem condições de reduzir o número de licitações,

podendo adquirir bens ou contratar serviços somente quando necessário, sem que seja obrigada a

promover licitações autônomas, o que, por óbvio gera economia de recursos públicos e concretiza o

princípio constitucional da eficiência.

Todavia, a regra prevista no § 3º do art. 8º do Decreto federal nº 3.931/2001,

sistematicamente copiada pelos Estados e Municípios brasileiros – quiçá com a intenção de

desburocratizar o procedimento de contratações públicas –, criou um mecanismo que facilita a prática

de atos que contrariam os princípios da obrigatoriedade de licitação, da isonomia, impessoalidade e da

moralidade.

17 TC-038240/026/08. 18 FURTADO, Madeline Rocha. FURTADO, Joaquim. Instrução processual de adesão à Ata de Registro de Preços. Artigo publicado na Revista Zênite de Licitações e Contratos, nº 185, julho/2009. Editora Zênite, Curitiba, 2009.

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128 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

No entanto, em vez de simplesmente proibir a prática do "carona", soa mais

razoável sanar os vícios o cercam, mediante a edição de normas gerais que estabeleçam limites ao

volume de aquisições e contratações adicionais.

Enquanto isso, as contratações adicionais mediante adesão a ata de registro de

preços ("carona") devem se restringir ao limite de 25% da quantidade inicialmente licitada,

incumbindo ao administrador público, como em qualquer ato administrativo, motivar seus atos e

demonstrar que essa forma de contratação é a mais vantajosa para o ente público, sob pena de ter que

se submeter, necessariamente, ao princípio da obrigatoriedade da licitação.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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008.840/2007-3 do Plenário do TCU. Artigo publicado no site Jusnavigandi.

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BARBOSA, Jairo José. Licitação: o registro de preços no âmbito dos órgãos e entidades da administração direta e

indireta. Artigo publicado no site Jusnavigandi. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=431

CITADINI, Antônio Roque. Comentários e Jurisprudência sobre a Lei de Licitações Públicas. Ed. Max

Limonad, São Paulo, 2000.

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Editora Fórum. Belo Horizonte, 2007.

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Costa. Licitações e Contratos. Aspectos Relevantes. Ed. Fórum. Belo Horizonte, 2007.

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MELO, Thiago Dellazari. A utilização do sistema de registro de preços por órgãos que não participaram da

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Revista Zênite de Licitações e Contratos, nº 167, jan/2008. Editora Zênite, Curitiba, 2008.

NIEBUHR, Joel Menezes. "Carona" em ata de registro de preços: atentado veemente aos princípios de direito

administrativo. Artigo publicado na Revista Zênite de Licitações e Contratos, nº 143, jan/2006. Editora

Zênite, Curitiba, 2006.

VIANA, Nelson Corrêa. Peculiaridades da especificação e da precificação nos registros de preços das compras do

setor público. Artigo publicado no site Jusnavigandi <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13061>

SANCHES, Cleuton de Oliveira. A figura do carona no sistema de registro de preços e o Tribunal de Contas

Paulista. Artigo publicado no site Jusnavigandi <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12990>

SANTANA, Luiz Claudio. O sistema de registro de preços e o carona. Artigo publicado no site Jusnavigandi

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=14847>

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REALIDADE ANIMAL: DIREITOS E PERSPECTIVAS

Talita Simões de Aquino Servidora Pública Municipal de Londrina, lotada na Gerência de Execução Fiscal da PGM-Londrina. Bacharela em Direito pela Universidade Norte do Paraná – UNOPAR.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Direitos dos Animais: Legislação e Projetos de Lei. 3. Promotorias de Defesa Animal. 4. Considerações Finais. 5. Referências.

RESUMO: A presente pesquisa buscará discutir a efetiva aplicabilidade das sanções cominadas para os crimes contra a fauna. Apresentará ainda a necessidade de se instalar no Brasil promotorias de defesa animal como instrumento a salvaguardar os animais vítimas de crueldades e maus tratos no país. A proteção aos animais encontra fundamento jurídico na Constituição Federal em seu artigo 225 parágrafo 1º, inciso VII, o qual reza que incumbe o Poder Público "proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção das espécies ou submetam os animais à crueldade.” Da mesma forma encontra-se amparo na lei Federal 9.605/98, especificamente em seu artigo 32. A problemática do tema é que embora o direito dos animais encontre respaldo jurídico é muito pouco discutido e, quando apresentado, é, na maioria das vezes, relegado a segundo plano, fato esse que tem que ser mudado, de forma a garantir a efetividade da aplicabilidade da lei. O tema justifica-se em virtude da omissão por parte do Poder Judiciário no que concerne a incessante impunidade dos autores de crimes cruéis cometidos contra a espécie animal. O que verificamos é que quando causas desse gênero são levadas ao judiciário não recebem a devida atenção e, por isso, os autores de delitos contra animais se sentem à vontade para continuarem cometendo todo tipo de infração. É notório que penalidades tão brandas como as que existem hoje não são suficientes para inibir os maus feitores da prática de atos sanguinários como os que vêm ocorrendo contra os animais, além disso, são brandas também do ponto de vista que há uma grande lesão a um bem jurídico, visto que esta se tratando de vidas. É inaceitável que em meio à lei ambientais já avançadas permanecem omissas as autoridades, o judiciário e o Brasil de forma geral com tantas situações de crueldades, por diversas vezes legitimadas pelo próprio Estado, aquele a quem caberia o dever de proteção segundo a carta magna.

PALAVRAS-CHAVE: Crimes contra a fauna. Legislação Ambiental. Aplicabilidade da Lei. Conscientização. Promotorias de Defesa Animal.

1 INTRODUÇÃO

Será colocada em evidência, em razão dos inúmeros e incessantes casos de crimes

cometidos contra animais dia após dia, a necessidade da criação de promotorias de defesa animal, ou

de pelo menos, em curto prazo, da atuação efetiva de um grupo especial de defesa animal como meio

de combater inúmeras atrocidades.

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Analisa-se, dessa forma, o direito dos animais e sua evolução, abordando quais são

os tipos penais caracterizados como crimes contra a fauna dentro da legislação brasileira.

A presente pesquisa trará além da legislação que tutela os animais, alguns dos

principais projetos de lei que estão tramitando no Congresso Nacional, no sentido de melhor amparar

os animais e dar concretude às leis já vigentes, como por exemplo, o Projeto de Lei Federal n° 1376/03,

que dispõe sobre a mudança da política de controle populacional de cães e gatos, de forma a trazer

proteção para os próprios animais, através de um critério técnico para a solução da problemática.

Por fim, resta dizer que o objetivo maior do presente trabalho é retratar a triste

realidade animal dentro do país, as formas de maus tratos e crueldades cometidas contra esses seres

vivos, como forma de difundir-se o tema dentro da sociedade, propiciando maior consciência acerca do

assunto, que não raras vezes é colocado em segundo plano por parte dos governantes e da própria

sociedade.

O direito dos animais vem ganhando cada vez mais espaço no Brasil e no mundo e

essa luta não poderá ser cessada até que todos os seres vivos tenham sua dignidade respeitada,

dispondo do direito de viver livre de maus-tratos e de sofrimentos.

Trata-se, sobretudo, de uma questão de moralidade e de igualdade entre todos

aqueles que possuem sensibilidade, especialmente no que tange capacidade de sentir dor e sofrer.

Nisso o homem não se diferencia dos outros animais.

2 DIREITO DOS ANIMAIS: LEGISLAÇÃO E PROJETOS DE LEI

O direito dos animais, denomidado também de abolicionismo, é um movimento de

longa data, que tem por objetivo principal a luta contra a insersão dos animais como propriedade dos

seres humanos. Para os defensores dos animais o simples uso “humanitário dos animais” não é a

solução para a problemática do sofrimento animal; busca-se, na verdade, inclusão dos mesmos no

conceito de moralidade, de modo que tenham a mesma consideração e respeito que é destinado a todos

os seres humanos.

Faz-se necessária a abolição da exploração animal através da retirada dos animais

do conceito de propriedade ou da sua qualificação como parte integrante do meio ambiente, dado que

esse tipo de conceituação coloca-os num plano inferior ao dos ditos “animais racionais”. O prejuízo

maior da atual condição de propriedade em que se econtram os animais é que isso impede que os

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133 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

mesmos tenham a garantia de direitos.

Para os chamados abolicionistas o movimento de direitos animais deve ir além das

próprias leis que os ampara; deve-se observar, sobretudo, o princípio da não-violência e até mesmo

uma educação voltada para o veganismo como uma forma de minimizar a morte e sofrimento das

espécies .

No século XVIII, o filósofo britânico Jeremy Bentham, sendo um dos fundadores do

utilitarismo já falava sobre a causa animal:

[...] a dor animal é tão real e moralmente relevante como a dor humana e que "talvez chegue o dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos dos quais jamais poderiam ter sido privados, a não ser pela mão da tirania". Bentham argumenta ainda que a capacidade de sofrer e não a capacidade de raciocínio, deve ser a medida para como nós tratamos outros seres. Se a habilidade da razão fosse critério, muitos Seres Humanos incluindo bebês e pessoas especiais teriam também que serem tratados como coisas, escrevendo o famoso trecho: "A questão não é eles pensam? Ou eles falam? A questão é: eles sofrem".1

O filósofo e os demais protetores sustetam que a sociedade dá o status de membros

da família para cães e gatos, na maioria da vezez, e em contrapartida mata vacas, galinhas, porcos,

patos e outros bichos que tem os mesmos sentidos que cães e gatos, sendo capazes de ter sentimento e

dor como esses, mas ao contrário, são relegados a um nível inferior. Jeremy Bentham chama esse

atitude de "esquizofrenia moral".

A forma cruel com que são tratados os animais é totalmente abusiva, e os benefícios

gerados aos seres humanos são ínfimos se comparado à quantidade de dor animal necessária para o

bem estar humano ou para seu simples capricho. Além do mais, os benefícios trazidos ao homem

através dos animais poderiam e devem ser obtidos de forma que não envolva todo esse grau de

sofrimento, buscando-se métodos alternativos, especialmente no que tange ao abate, já que quase a

totalidade da população adota esse tipo de alimentação que, já está enraizada através das gerações e

tradições.

No que diz respeito aos métodos alternativos, aliás, diversos foram os que tiveram

resultados eficazes, provados, inclusive cientificamente. Permanece, no entanto, a ignorância e

egocentrismo humano na utilização “desumana” de outros animais.

1 BENTHAM, Jeremy. Biografia. Disponível em:,Wikepedia:< pt.wikipedia.org>. Acesso 30.07.2011.

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Acerca da consideração do conceito de moralidade Peter Singer, em Libertação Animal de 1975, argumenta:

[...] os humanos devem ter como base de consideração moral não a inteligência (temos o caso uma criança ou uma pessoa com problemas mentais) nem na habilidade de fazer julgamentos morais (criminosos e insanos) ou em qualquer outro atributo que é inerentemente humano, mas sim na habilidade de experienciar a dor. Como animais também experienciam a dor, ele argumenta que excluir animais dessa forma de consideração é uma discriminação chamada "especismo."2

A conscientização do homem a respeito dos direitos dos animais vem crescendo

lentamente e a legislação deve acompanhar essa evolução que está se incorporando no meio jurídico e

na sociedade, como forma de combater os antigos costumes que se baseavam na crueldade.

O movimento em prol dos direitos dos animais deu-se no início da década de 70,

tendo sido criado por filósofos. Já nessa época um grupo de filósofos da Univesidade de Oxford

começou a se perguntar o porque de o status moral dos animais ser necessariamente inferior à dos

seres humanos.

Acerca da razão pela qual deve haver a efetiva consideração pela vida de outros animais

além dos humanos a Dra Sonia T. Felipe, referência internacional no assunto, aborda:

O argumento mais abrangente foi elaborado pela primeira vez de forma sistemática por Humphry Primatt, num pequeno texto que recebeu o título The Duty of Mercy, publicado em Aberdeen, em 1776. Segundo ele, quando se age com ética não se pode discriminar os que vão ser afetados pelo que fazemos, alegando que têm uma aparência muito distinta da nossa, por exemplo, são peludos, ou têm cauda, andam sobre quatro patas, não falam, não choram, a concentração de melanina em sua pele é muito alta (racismo), o sistema reprodutivo não é o bom (machismo) etc. O que importa, quando queremos que nossa ação seja ética, é não causar dor e sofrimento àqueles que estão em volta e sofrerão desdobramentos sem poderem se defender deles. Esse argumento, o da igualdade, nos permite ampliar o círculo da moralidade, contemplando os interesses sencientes de seres até hoje discriminados por seu aspecto exterior, sua configuração biológica, psicológica e mental. Um segundo argumento, mais polêmico do que o da igualdade dos interesses sencientes, está baseado na idéia de que, se há um valor inerente que não deve ser destruído, então temos que instituir um direito para a proteção legal desse valor. Nessa perspectiva, a vida de qualquer animal é considerada em seu valor inerente, quer dizer, um valor que não depende de cálculos ou interesses de mercado, nem de afetos ou predileções humanas. A vida, para o animal, tem um valor inerente que não pode ser compensado nem deve ser destruído. Em conseqüência disso, os animais não podem mais ser considerados objetos à disposição dos interesses, caprichos e necessidades humanas. Os humanos têm inteligência

2 DIREITO animal. In: WIKIPEDIA. Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Direitos_dos_animais>. Acesso em: 14 jun. 2010.

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135 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

suficiente para resolver seus problemas por outras vias, deixando em paz os animais.3

Conclui-se a partir da afirmação acima esposada que a consideração pela vida de

outros seres além dos humanos trata-se de uma questão de ética; de não preconceito e, sobretudo de

respeito. O ser humano, justamente por se considerar um ser dotado de racionalidade deve agir pelo

menos com respeito para com os outros seres.

Além da previsão constitucional (art.225) e das leis (ex. Lei 9605 de 1998),

atualmente existem projetos de lei na Câmara dos Deputados de extrema importância para a proteção

da fauna brasileira.

Dentre os diversos projetos que tem como objetivo resguardar a vida e o direito dos

animais tramita, por exemplo, o projeto de Lei dos circos 7291/2006, o qual dispõe sobre o registro dos

circos perante o Poder Público Federal e o emprego de animais da fauna silvestre brasileira e exótica

na atividade circense.

O projeto, assim como diversos outros do gênero, conta com o auxílio de protetores

e também de profissionais da área, um número expressivo da população, assim também como

membros do próprio Congresso Nacional.

Muitas dessas pessoas têm se dedicado na luta pela defesa dos animais, não

obstante, os Projetos de Lei acabam quase sempre encontrando dificuldades na tramitação.

De acordo com o projeto de lei n° 7291/2006 os animais da fauna silvestre brasileira

e exótica mantidos pelos circos, ainda que não utilizados nos espetáculos circenses, deverão ser

registrados no órgão ambiental competente e somente poderão ser mantidos, expostos ao público e

transportados sob condições definidas na regulamentação desta Lei.

Outro Projeto de Lei Federal que tem como fim a proteção animal é o projeto n°

5956/2009 que propõe o fim do abate de chinchila para fins da comercialização de sua pele.

O Projeto de Lei Federal n°1376/03, dispõe sobre a mudança da política de controle

populacional de cães e gatos, de forma a trazer proteção para os próprios animais, através de um

3 FELIPE, Sonia T. Ética e Abolicionismo.2008. Disponível em: <http://www.anda.jor.br/2008/11/28/etica-e-abolicionismo-sonia-t-felipe/>. Acesso em: 15 jun. 2011.

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136 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

critério técnico para a solução da problemática.

Ano após ano milhares de cães e gatos são sacrificados, de formas cruéis alegando-

se, para tanto, o controle de população. No entanto, inúmeros estudos científicos já demonstraram que

este método é totalmente ineficaz, tanto para controlar doenças como para controlar população de

animais. A Organização Mundial da Saúde (OMS), inclusive, já anunciou que a eutanásia de animais

não controla a doença raiva, alegando também que os problema serão resolvidos apenas com a

propagação da guarda responsável de animais domésticos, ou seja, pela educação de seus tutores.

Acertadamente Projeto de Lei n° 1376/03, fala da conscientização da população

sobre a importância do tema, objetivando o fim das crueldades contra animais indesejados, dispondo,

inclusive, em seu artigo 2°, II sobre o tratamento prioritário aos animais pertencentes ou localizados

junto às comunidades de baixa renda.

Ainda sobre o tema o médico Otorrinolaringologista Hugo Knecht, em 1909,

comentou sabiamente sobre a brutalidade cometida em desfavor dos animais:

Médicos que defendem a vivissecção não merecem nenhum reconhecimento na sociedade, pois sua brutalidade é aparente não apenas durante os experimentos, mas em suas vidas, na prática médica. São homens que não se deixam deter por nada, para satisfazer seu desejo implacável e insensível de receber honras e ganhos. 4

Nota-se que não há fundamento para que os animais sejam submetidos a situações

degradantes e desumanas, seja em nome de um falso controle de população, em nome da ciência, de

questões alimentícias ou de qualquer outra coisa. É preciso que sejam tomadas atitudes urgentes no

sentido de proteger aqueles que não podem se defender sozinhos.

Lamentável é saber que esses projetos, e muitos outros, são condicionados à falta

de vontade política da maioria dos parlamentares. Contudo, é importante não ignorar a importância

que o Congresso pode representar para os animais. Leis que amparam os direitos dos animais podem

fazer uma enorme diferença para suas vidas, por isso é necessário lutar por legislações que protejam os

animais com efetividade.

Como já dizia Dalai Lama, monge budista Tibetano "Matar animais por esporte,

prazer, aventura e por suas peles, é um fenômeno que é ao mesmo tempo cruel e repugnante. Não há

4,KNECHT Hugo. Frases Famosas. Disponível em:<http://www.apasfa.org/futuro/frases.shtml> Acesso em: 11 jun, 2011.

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137 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

justificativa na satisfação de uma brutalidade dessas."5

Uma questão de extrema importância é a necessidade do aumento das penas na Lei

de Crimes Ambientais, lei n° 9.605/1998, pois são muito baixas e desproporcionais ao dano, (pena –

detenção, de três meses a um ano, e multa), não representando uma punição eficaz para aqueles que

maltratam animais e muitas vezes cessam suas vidas.

Todos os animais merecem igual proteção e consideração seja os racionais ou

irracionais, não importa se são eles silvestres nativos, os exóticos ou domésticos, todos são seres

viventes e merecem ter respeitada a sua integridade.

No cenário atual, existe preocupação com relação à punibilidade daqueles que

maltratam animais, pois tramita desde o ano de 1998 o projeto de deputado José Thomaz Nonô –

(PSDB/AL), que prevê a retirada de animais domésticos e domesticados da Lei de Crimes Ambientais,

sob o absurdo argumento da preservação da “cultura”, já que os animais são usados em rodeios, rinhas,

vaquejadas e em diversos outros tipos de crueldades.

O projeto propõe a modificação da atual redação do art. 32 da Lei dos Crimes

Ambientais, o qual considera criminosas as ações de ferir, mutilar, praticar abuso e maus-tratos contra

animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. Excluir-se-ia a proteção penal os

animais domésticos ou domesticados. Isso tudo sob o absurdo argumento de que a atual proteção aos

animais prejudica a cultura brasileira.

Não é passível de compreensão que a cultura de um país se traduza no sofrimento,

na violência e na morte de seres vivos. A população e as autoridades não devem aceitar esse tipo de

prática.

Espera-se, no entanto, o bom senso dos parlamentares para que não levem adiante

esse projeto de lei que além de não colaborar ainda prejudica enormemente os animais, retirando um

direito que esses já tinham adquirido.

Enquanto que no Brasil a tutela dos animais caminha a passos mais lentos, o que é

lamentável, em outros países já se observa que a matéria é difundida de forma mais significativa.

Segundo pesquisas, nos Estados Unidos 69 das 180 faculdades de direito oferecem

5 DALAI LAMA. Biografia. Disponível em: <http://pensador.uol.com.br/autor/dalai_lama/biografia/>. Acesso em: 05 jun. 2011.

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138 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

cursos sobre o direito dos animais, o que o favorece muito todas as espécies, pois muitas pessoas não

têm conhecimento sobre o tema, sobretudo com relação às atrocidades e crimes cometidos contra os

animais a todo tempo.

Em Harvard, uma das faculdades de Direito de maior conceito dos Estados Unidos,

professores como Alan Dershowitz e Laurence Tribe defendem a idéia da extensão da qualidade de

sujeito de direitos aos animais, trazendo até mesmo a idèia da extensão aos mesmos como pessoas.

A necessidade da extensão da qualidade de sujeito a outros seres além dos

humanos se dá em função do descaso para com os animais que também são seres sencientes como o

homem, ou seja, capazes de sofrer. A extensão da qualidade de sujeito de direito aos animais

certamente os libertaria de tanta falta de respeito e exploração, por isso essa idéia é defendida por

estudiosos.

A expressão senciência diz respeito à capacidade que animais como os mamíferos,

aves, peixes, répteis e anfíbios, os chamados vertebrados superiores, de sentirem dor, medo, alegria,

prazer, estresse, memória e até mesmo saudades, exatamente como os seres humanos.

Com relação à sensibilidade dos animais o médico Dr.Christian Barnard, que fez o

primeiro transplante de coração em humanos, reconhece, depois de ter cometido tal, ato que o

experimento com animais é das mais cruéis formas de tortura:

Eu comprei 2 chimpanzés machos de uma fazenda de criação na Holanda. Eles viveram em jaulas separadas, uma perto da outra, por muitos meses, até que usei um deles como doador de coração. Quando nós o sacrificamos, em sua jaula, em preparação para a cirurgia, ele gritava e chorava incessantemente. Não achamos o fato significante, mas isso deve ter causado grande trauma no seu companheiro, pois quando removemos o corpo para a sala de operação, o outro chimpanzé chorava copiosamente e ficou inconsolável por dias. Esse incidente me tocou profundamente. Eu jurei nunca mais fazer experimentos em criaturas tão sensíveis.6

Nota-se através do exposto que o desconhecimento acerca da sensibilidade dos

animais é fato que ocorre entre indivíduos de qualquer nível de escolaridade. A mudança de

paradigmas, no entanto, é sempre válida e louvável.

A revista brasileira de Direito Animal em uma de suas publicações trouxe um belo

exemplo da propagação do direito dos animais nos Estados Unidos:

6 Frases Famosas. Disponível em: <http://direitosdosanimais.no.sapo.pt/frasesfamosassobreanimais.htm> Acesso em: 02 jul, 2011.

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139 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

[...] já existe uma competição nacional de debates sobre o Direito dos Animais, que ocorre anualmente na Faculdade de Direito de Harvard com aproximadamente uma dúzia de escolas de Direito participando a cada mês de fevereiro7

Todos os projetos relacionados ao direito dos animais são válidos; teses e

competições relacionadas ao tema estão incluídas no calendário anual da faculdade de Harvard, esse

exemplo poderia ser também incluído nas faculdades brasileiras, como forma de contribuir

significativamente para a causa.

3 PROMOTORIAS DE DEFESA ANIMAL

Em que pese o Brasil disponha de um aparato constitucional e legislativo para

tutelar o direito dos animais, existe grande dificuldade em direcionar a atenção das autoridades

públicas para os intermináveis casos de abusos e maus tratos contra esses seres; essa é a grande

problemática do tema.

A Constituição Federal em seu artigo 225 prevê:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º: Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público: Inciso VII: proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.8

A Lei de Crimes Ambientais nº. 9.605/98 em seu art. 32 afirma que: “É considerado

crime praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou

domesticados, nativos ou exóticos”.

O Decreto 24.645/34, em seus artigos 1° e 2º também dispõe acerca da tutela dos

animais: 1º “Todos os animais existentes no País são tutelados pelo Estado”; 2º “Os animais serão

assistidos em juízo pelos representantes do Ministério Público, seus substitutos legais e pelos

membros das Sociedades Protetoras dos Animais”.

7 FAVRE, David. Revista Brasileira de Direito Animal. O ganho de força dos direitos dos animais. Disponível em:<http://www.animallaw.info/journals/jo_pdf/Brazilvol1.pdf> Acesso em:12 jun, 2011.

8 CF art. 225

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140 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Conforme se vê, muito embora exista uma boa quantidade de aparato legislativo

em prol do direito dos animais é justamente pela dificuldade de se direcionar a atenção das

autoridades para o combate aos crimes contra os animais é que se justifica a instalação de promotorias

de defesa animal.

Laerte Fernando Levai, promotor de justiça, em sua tese apresentada e aprovada no

11º Congresso de Meio Ambiente do Ministério Público do Estado de São Paulo fala sobre a

necessidade da criação de promotorias de defesa animal no Brasil como meio efetivo de punição aos

crimes dessa espécie:

[...] Daí a necessidade, no plano jurídico, de se criar no Brasil uma pioneira Promotoria de Justiça de Defesa dos Animais, com estruturas materiais e humanas suficientes e atribuições cumulativas para fazer valer o princípio da precaução, para processar sádicos e malfeitores, para reverter os desmandos do poder público nesse setor, para enfrentar os grandes interesses econômicos que ditam as regras da exploração animal e, enfim, para questionar o sistema social que transforma seres sencientes em objetos descartáveis ou perpétuos escravos.9

Importante se faz ressaltar que a Promotoria de Defesa Animal funcionará

desvinculada da área ambiental, de forma a garantir que a defesa dos animais ocorra de forma mais

significativa na prática.

Fala também o promotor Levai acerca da igualdade, essa que deve estar presente

quando tanto quando se trata de homens como também quando se discute acerca da relação homens e

animais como seres viventes:

Importa aqui evocar o princípio ético fundamental, que é a igualdade. Se dois seres (homem e animal) são suscetíveis a dor e sofrimentos, por que fazer distinções? Os evolucionistas provaram, aliás, que nossa diferença em relação aos animais é apenas de grau, não de essência. Apesar disso a moralidade humana tradicional continua com o seu viés especista, cujos interesses giram em função da espécie dominante, afastando os animais do âmbito de nossas considerações éticas.10

A verdade é que ainda existe preconceito quando se fala em direito dos animais.

“Muita gente, da área jurídica inclusive, não leva a questão a sério”, a opinião é de Levai, que atua na

cidade de São José dos Campos (SP). Para ele esse preconceito é fruto de uma cultura voltada para o

9 LEVAI, Laerte Fernando. Disponível em <http://olharanimal.net/campanhas/textos-relacionados-promotoria/143-tese-promotoria-de-defesa-animal > Acesso em: 13 jun, 2011. 10 Folha Universal. 25 de abril de 2010. Os Bichos tem Direitos. Por Andrea miramontes

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antropocentrismo, que lentamente está mudando, e passa a aceitar a inclusão dos animais na esfera

das considerações morais humanas. A questão “não é apenas jurídica, mas, sobretudo, educacional.”11

O jurista é defensor da tese de que todos os animais merecem essa tutela

especializada a ser prestada pelo Ministério Público. Uma defesa plena que abrange os animais

silvestres, domésticos, domesticados, nativos ou exóticos, sendo que a esse respeito coloca:

Pouco importa sejam aves em risco de extinção, vacas leiteiras ou cães errantes. E completa, “todos os animais têm direito a uma vida sem sofrimento. Considerando o cenário desolador que se vê em todo o país, em que os índices de crueldade são alarmantes, isso por si só já justificaria a criação de uma promotoria comprometida com o interesse dos animais.12

No livro “Direito dos Animais”, autor elaborou uma tese jurídica que defende a

criação de uma promotoria especializada na defesa animal, “capaz de estender a noção de direitos

fundamentais para além dos homens. Isso certamente ajudaria a corrigir uma injustiça histórica que,

há séculos, recai sobre os animais.”13

O que ocorre atualmente é que em termos legislativos existem leis suficientes para

exercer a tutela dos animais, iniciando-se pela norma constitucional do artigo 225 parágrafo 1º, inciso

VII, que veda atos de crueldade para com eles.

A maior dificuldade, no entanto, é dar visibilidade e eficácia à lei ambiental, cujo

artigo 32 considera crime abusar e maltratar animais.

Já existe, atualmente, uma corrente doutrinária que defende a visão biocêntrica da

natureza, em detrimento do antropocentrismo que ignora o direito dos animais, que em tese significa

conferir dignidade e direitos a outros seres vivos sensíveis, que não apenas da espécie humana, sendo o

homem parte da criação e não o centro dela.

A cultura tradicional antropocêntrica, ainda que a passos lentos, já tem mudado, de

modo a já aceitar a inclusão dos animais na esfera das considerações morais humanas, isso é um grande

avanço.

Uma promotoria de defesa animal, certamente ajudaria a corrigir uma injustiça

11 LEVAI, Laerte Fernando. Disponível em:<http://olharanimal.net/campanhas/textos-relacionados-promotoria/143-tese-promotoria-de-defesa-animal />. Acesso em 31.07.2011. 12 Idem. 13 Idem, Ibidem.

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histórica que, há séculos, recai sobre os animais:

Essa promotoria poderia fazer um trabalho revolucionário em defesa das criaturas sencientes vítimas de agressões, de intolerância ou da indiferença humana.Contribuir para uma mudança de paradigma, a fim de que os animais sejam considerados em seu valor inerente, fins em si mesmos, não em função daquilo que porventura possam servir ao homem. Devemos proteger o animal pelo que ele é, em sua dignidade e direitos, independentemente de seu valor instrumental. Esta é a proposta ética da promotoria de defesa animal. 14

No Brasil já existem promotorias do meio ambiente que poderiam tratar da questão

dos animais, não obstante para o promotor o enfoque de uma promotoria especializada na defesa dos

animais iria mais além:

A prioridade das promotorias do meio ambiente, como o próprio nome diz, é o ambiente. Já a promotoria de defesa animal deve se preocupar com os animais de forma ampla. Tenham eles ou não importância ecológica. Assim sendo, todos os animais irão merecer a tutela ministerial, silvestres, domésticos, domesticados, nativos ou exóticos. Pouco importa sejam aves em risco de extinção, vacas leiteiras ou cães errantes. Todos os animais têm direito a uma vida sem sofrimento. Considerando o cenário desolador que se vê em todo o país, em que os índices de crueldade são alarmantes, isso por si só já justificaria a criação de uma promotoria comprometida com o interesse dos animais, o que, em última análise, repercutiria em favor da própria sociedade humana, sabido que violência gera violência.15

Diversas são as questões que precisam ser enfrentadas pela promotoria de defesa

animal, inclusive o amparo de uma assistência veterinária pública:

Um serviço de assistência veterinária pública é imprescindível para atender os animais errantes, em regra cães e gatos, que merecem ser provisoriamente acolhidos, tratados, vacinados, vermifugados, esterilizados e colocados para adoção. Também é necessário ficar atento para os abusos normalmente cometidos sobre os animais usados em veículos de tração. Isso sem falar naqueles destinados à recreação pública, à vivissecção e à criação industrial. Uma lista que parece não ter fim… A defesa da vida animal, para ser exercida em plenitude, não deve ter fronteiras. Se os animais marinhos são seres sencientes, como de fato o são, eles também merecem consideração e respeito.16

Levai conta sobre um dos casos chocantes de maus tratos sobre o qual teve

conhecimento no exercício de suas funções:

14 LEVAI, loc.cit. 15 idem 16 idem

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Teve um cavalo com uma fratura exposta na pata que foi abandonado no pasto para morrer e ficou agonizando dois dias, até que o caso chegasse a promotoria. Recolhemos o animal com a ajuda de ONGS, mas ele morreu de infecção. Não conseguimos indicar a pessoa que o jogou como um lixo. Esse tipo de atitude me revolta.17

Casos desse gênero ocorrem a todo tempo no país, mas poucos são levados a

conhecimento das autoridades locais, de modo que a população falha nesse sentido. O cidadão deve

trabalhar em conjunto com o poder público para que as devidas medidas de amparo aos necessitados

sejam tomadas.

Através de casos concretos como esses, fica provado que a efetiva atuação da

promotoria de Justiça pode evitar, interromper ou pelo menos minimizar o sofrimento dos animais

que se encontram a mercê da demência humana.

A atuação do ministério Público é imprescindível no combate aos crimes cometidos

contra a fauna e também extremamente necessária. O judiciário tem julgado procedentes diversas

ações que visam à proteção animal.

O consagrado jurista Fernando Capez, procurador de justiça licenciado e atual

deputado estadual de São Paulo, apresentou ao Procurador Geral de Justiça o pedido de criação da

primeira Promotoria de Defesa Animal .

Capez explica sobre a necessidade da criação de “Grupo de Ação Especial de

Defesa Animal”, não deixando de lado o apoio para a futura criação da promotoria:

Com a criação do Grupo de Atuação Especial de Defesa Animal, a questão ficará concentrada em um único órgão e com atribuições cumulativas, proporcionando uma tutela mais efetiva do animal e facilitando a vida do cidadão, que saberá a quem recorrer. Esse grupo também propiciará que as demandas e as providências emergenciais sejam pleiteadas de imediato e os animais, principalmente em situação de risco, protegidos. É sabido que a demora no atendimento pode representar maior sofrimento ou a morte deles. Ora, nenhum outro órgão estatal possui à sua disposição tantos instrumentos administrativos ou processuais hábeis a impedir situações de maus-tratos: poder requisitório, inquérito civil, termo de ajustamento de conduta, recomendação, cautelar de busca e apreensão, denúncia criminal, ação civil pública etc. Assim, será possível, por exemplo, propor ao responsável pela infração a celebração de um termo de compromisso de ajustamento de conduta, que contemple regras de tratamento adequado ao animal. Outro importante papel do grupo é que este poderá elaborar estudos, diretrizes, pareceres que poderão pautar a atuação uniforme dos agentes públicos na defesa dos animais, juntamente com o auxílio de equipes

17 Folha Universal. 25 de abril de 2010. Os Bichos tem Direitos. Por Andrea miramontes

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multidisciplinares compostas por entidades protetoras dos animais, veterinários, biólogos, agentes sanitários etc, na medida em que há uma certa dificuldade em se definir os maus-tratos e abuso contra animais. Esse grupo também possibilitará colher dados estatísticos envolvendo os animais, sobretudo, domésticos e domesticados, e estudar medidas junto aos órgãos públicos competentes que viabilizem a proteção dos animais como um todo, tornando a aplicação da lei efetiva. Finalmente, constituirá importante instrumento para o combate ao tráfico e ao comércio ilegal de espécies da fauna, muitas ameaçadas de extinção. Note-se esse grupo poderá contar com a atuação conjunta de diversos Promotores, similarmente ao que ocorre com o GAECO, que é responsável pelo combate ao crime organizado. Com o grupo não será necessário aguardar o envio de projeto de lei pelo Ministério Público à Assembléia Legislativa para a criação do específico cargo de Promotor de Justiça da Defesa Animal. A instituição do cargo ficará para uma etapa posterior, caso a demanda do grupo assim justifique.

O grupo de ação especial de defesa animal sem dúvida consistirá num grande avanço para a

tutela efetiva dos animais e preparará o caminho para a criação da 1° promotoria de defesa animal.

A respeito do assunto é importante ressaltar que recentemente os integrantes do

Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo,

considerando o elevado número de ocorrências envolvendo abusos, maus tratos, ferimento e mutilação

de animais, inclusive em ambiente urbano e doméstico, aprovaram a criação do Grupo Especial de

Combate aos Crimes Ambientais e de Parcelamento do Solo Urbano (GECAP); o grupo terá como

uma de suas atribuições a “Defesa dos Animais”, em especial, domésticos ou domesticados, como

também silvestres, nativos ou exóticos.

Apesar do Grupo Especial de Combate aos Crimes Ambientais e de Parcelamento

do Solo Urbano, visar o combate também de outros crimes ambientais além das questões do

sofrimento animal, constitui sem um grande avanço, na medida em que, pela primeira vez, no Estado

de São Paulo, um organismo, centralizará ações contra todas as formas de criminalidade envolvendo

todo o tipo de animais.

A respeito da crueldade contra animais diversos estudos indicam que esse tipo de

conduta são sinais de uma violenta patologia; no tocante a esse assunto Capez comenta:

[...] estudos desenvolvidos pelo Federal Bureau of Investigation (FBI) têm convencido a comunidade no sentido de que os atos de crueldade contra animais podem ser os primeiros sinais de uma violenta patologia que pode incluir vítimas humanas. Assim, os chamados serial killers, muitas vezes, iniciam o processo matando ou torturando animais quando crianças. Tal estudo faz bastante sentido, pois, como já disse, aquele que rompe seus padrões éticos por intermédio de abusos, torturas, maus-tratos contra animais, é capaz, sem dúvida, numa escala da criminalidade, de matar,

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friamente, um ser humano. Por força disso, o Estado não pode compactuar com qualquer modalidade de crueldade, inclusive, contra animais, pois também é uma forma de violência manifestada pelo homem que pode se convolar em outros reprováveis atos contra a própria sociedade.18

Nesse sentido vale trazer a frase de Ogonyok no ano de 1979 para a Soviet anti-cruelty

magazine: “Entre 135 criminosos, incluindo ladrões e stupradores, 118 admitiram que quando eram

crianças queimaram, enforcaram ou esfaquearam animais domésticos”.19

O promotor Fernando Levai conta que realizou o atendimento de adolescentes

infratores com histórico de perversidades contra animais e os relaciona com estudos concernentes ao

tema:

Estudos ligam o comportamento de crianças e jovens que cometem crueldades contra animais com um descaso contra a vida, e esses jovens se tornam adultos igualmente violentos. Atendi muitos casos de adolescentes infratores com histórico de perversidade contra animais. No interrogatório, noto a indiferença com a vida e até deboche. Teve um rapaz que de 14 anos que jogou um filhote de cachorro da ponte por sadismo e não se arrependeu. Foi chocante. Ele tinha sido pego por furto.20

Nota-se que mesmo para aqueles que não se importam com a segurança e bem estar

dos animais, ainda assim esse tipo de prática criminosa trás embutida outras complicações para a

sociedade, dado que esse tipo de indivíduo é portador de uma patologia psiquiátrica, podendo matar

também seres humanos, como já comprovado.

Ainda na defesa dos animais Capez protocolou uma indicação ao Governador de SP

(nº 684/2010) para a criação também da Delegacia de Proteção aos Animais no Município de São

Paulo.

A respeito do assunto faz-se necessário dizer que delegacias de proteção aos animais já

estão sendo criadas no Brasil, como é o caso da cidade de Campinas que recentemente instalou a

Delegacia de Proteção Animal, sendo a primeira do Estado.

A unidade policial atualmente conta com três investigadores e um escrivão e isso já

se constitui num verdadeiro avanço para o direito dos animais.

Indícios de falsos veterinários, envenenamentos e tráfico de animais silvestres estão

entre os principais alvos das ações da delegacia.

18 Idem. 19FRASES FAMOSAS. Disponível em:<http://www.apasfa.org/futuro/frases.shtml>: Acesso em 30.07.2011. 20 Folha Universal. 25 de abril de 2010. Os Bichos tem Direitos. Por Andrea miramontes

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A atuação da unidade tem sido muito válida: nesse primeiro ano de funcionamento

da delegacia foram socorridos e recolhidos cerca de cem animais. Chegam em média à delegacia em

torno de 15 denúncias por dia.21

Observa-se que diversos são os casos de crimes desse gênero; muitos deles ainda

não são levados a conhecimento das autoridades e isso se dá em virtude dá inércia e desorientação da

população. É justamente por isso que cabe ao Estado orientar a sociedade o melhor possível acerca do

assunto.

A instalação de uma delegacia direcionada exclusivamente para as causas animais,

sem dúvida, constitui-se num exemplo de conduta que deve servir de modelo de inspiração para

diversos outros municípios em todo o país.

Sobre a criação da delegacia de defesa animal de Campinas Levai assevera:

[...] Trata-se de uma iniciativa importante, pois hoje o cidadão fica perdido diante de uma situação de maus-tratos aos animais, sem saber a quem denunciar. Como autoridade pública, é nossa obrigação dar atenção aos fatos de um crime. 22

A partir de ações efetivas do Estado como essas, os delinqüentes sentem-se

inibidos para cometer delitos e sentem de perto o poder punitivo do Estado, de forma que as vítimas

desses crimes podem encontrar a verdadeira tutela e proteção estatal garantida constitucionalmente.

Aqueles que lutam efetivamente pelo direito dos animais, apesar de todas as

dificuldades e percalços encontrados nesse caminho, tem tipo algum retorno positivo. Isso, sem

dúvida, já é motivo de comemoração, pois qualquer fator que venha a contribuir na defesa pela vida

dos animais é significativo.

Acerca dessas conquistas Levai conta sua experiência pessoal que resultou no

fechamento de abatedouros:

O primeiro ocorreu em São Bento do Sapucaí (SP), em um abatedouro que matava animais com marretadas. Também conseguimos impedir que um frigorífico continuasse fazendo “julgulação cruenta” (corte da jugular do animal que sangra até a morte) com bovinos destinados a uma comunidade mulçumana. Para esse público, os animais não podem ser insensibilizados

21 Idem 22 MIRAMONTES, Andréa. Os Bichos tem Direitos. Folha Universal. 25 de abril de 2010.

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(procedimento em que o bicho perde a consciência antes de ser abatido) diante das imagens chocantes a juíza proibiu o ritual na cidade.23

Fala ainda sobre sua conquista ao impedir rodeios:

Foram muitas tentativas e só conseguimos a proibição definitiva em 2004. Quando consegui a liminar, o tribunal o tribunal cassava, pois há muito interesse econômico e força política. Meu objetivo não é só impedir as provas, cruéis em si, mas evitar que futuras gerações olhem isso com condescendência. É um absurdo treinarem crianças a serem desrespeitosas com a vida, fazer com que cresçam, achando que torturar animais é esporte ou diversão24.

Os animais que participam de rodeios sofrem flagrantes maus-tratos, existindo,

inclusive, diversos laudos oficiais que atestam o sofrimento de animais utilizados nessas práticas.

Com efeito, destacam-se os laudos oficiais emitidos pela Faculdade de Medicina

Veterinária e Zootecnia da USP e do Instituto de Criminalística do Rio de Janeiro. Acerca do assunto

Vanice Teixeira Orlandi expõe:

Os corcoveios dos animais exibidos em rodeios resultam da dor e tormento de que padecem,não só pelas esporas que lhes castigam o pescoço e baixo-ventre,mas também pelo “sedém,” artefato amarrado e retesado ao redor do corpo do animal,na região da virilha,tracionado ao máximo no momento em que o animal é solto na arena.É o que concluem dezoito laudos oficiais solicitados pelo Ministério Público e pelo Judiciário,dentre os quais se destacam os proferidos pelo Ibama,pelo Instituto de Criminalística do Rio de Janeiro e pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo.[..] Sedém,como a própria definição denuncia,“ é um cilício de sedas ásperas e mortificadoras ” (Novo Dicionário da Língua Portuguesa,Aurélio Buarque de Holanda Ferreira,Rio de Janeiro Nova Fronteira).E a mesma a obra define “cilício ” como tortura, artírio, aflição,tormento. Em laudo pericial expedido pelo Instituto de Criminalística Carlos Éboli da Secretaria de Estado do Rio de Janeiro afirmam os peritos:“ o sedém,ao comprimir a região dos vazios do animal,provoca dor,porque nessa região existe órgãos como parte dos intestinos,bem como a região do prepúcio,onde se aloja o pênis do animal ”.25 [...] os piores abusos ocorrem antes de o animal ser solto na arena. Por recusar-se a entrar no brete,pequeno cercado onde lhe é colocado o sedém,o animal é submetido a toda espécie de tormentos,sendo espancado, recebendo golpes de varas pontiagudas,puxões e pontapés. Logo após, o sedém é tracionado ao máximo,seguido de choques elétricos. Evidente que a falsa aparência de bravio advém da tentativa desesperada de livrar-se dos instrumentos que o afligem.Ao corcovear de maneira

23 Loc.cit. 24 Idem. 25 ORLANDI, Vanice Teixeira. Rodeios Cruéis exploração econômica da Dor. Disponível em:<http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/9/docs/artigo_crueis_rodeios_(a_exploracao_economica_da_dor).pdf. Acesso em 30.07.2011.

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desordenada, não raro,o animal vem a chocar-se contra as grades de proteção da arena.Assim,os animais são submetidos a constantes e sucessivas quedas,das quais podem resultar desde ferimentos e contusões até fraturas,entorses,luxações,rupturas musculares e artrites. Além dos atos de violência que campeiam pelos bretes e pelas arenas,os animais ainda são submetidos a maus-tratos por ocasião do transporte,que não proporciona condições mínimas de segurança,sendo o embarque realizado de forma precária,com rampas de acesso inadequadas,sujeitando o animal a fraturas.26

Observa-se que as conquistas realizadas por Levai, como impedimento de rodeios,

ainda que dentro de sua esfera de competência, representam muito para todas essas vítimas e serve de

exemplo para que todas as autoridades públicas possam fazer o mesmo dentro de sua esfera jurisdição,

de forma que se encontre em todos os cantos do país autoridades e cidadãos que estejam dispostos a

lutam pelo direito daqueles que são indefesos e sofrem em silêncio dia após dia.

Os animais são sujeitos de direitos, pois são seres sencientes, por isso mesmo

merecem uma tutela mais eficaz por parte do Estado, através da instalação das Promotorias de Defesa

Animal, assim tanto como através de Delegacias e Grupos especializados que atuem somente em prol

da questão da fauna.

Essas medidas devem ser tomadas em caráter de urgência, para que no futuro não

se ouça mais falar em tantas formas de abuso cometidas contra tantas espécies inocentes. Para que

esses seres tenham sua integridade respeitada por parte do Estado e da sociedade.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito dos animais é tema de grande abrangência na sociedade; apesar de ter

sido pouco discutido no passado, passa a ganhar mais espaço na atualidade, momento em que as

pessoas tem tido mais consciência no que diz respeito aos seus direitos enquanto seres vivos.

O assunto passa por vários aspectos como o ambiental, o cultural, o social e

jurídico, tendo além de tudo o aspecto moral que trás maiores reflexões acerca visão antropocêntrica

que predominou por muito tempo, colocando o homem como centro do universo, esquecendo-se dos

outros seres vivos.

O antropocentrismo, aliás, é algo que deve ser combatido por todos que lutam pela

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predominância da ética dentro de uma sociedade. O ser humano é dependente da natureza, isso é

inegável, e é dependente também dos animais e de sua existência, de forma que o pensamento e as

condutas que colocam o homem numa posição de superioridade em relação aos outros seres vivos é

totalmente retrograda, egoísta e insensata.

As consequências do antropocentrismo são incessantes casos de maus tratos, dor e

sofrimento, que levam, muitas vezes, a morte de animais inocentes, sem que o mal feitor seja punido

por esses crimes bárbaros, de modo que quando o é, a penalização é completamente desproporcional

ao dano, ou seja, o bem da vida.

Em tempos avançados, com resultados tão promissores em tantos aspectos, como

na ciência, tecnologia, e, inclusive no aspecto jurídico, entre diversos outros, não é admissível que uma

classe seja relegada a segundo plano como ocorre com os animais, sobretudo porque trata-se de seres

sencientes, espécie da qual fazem parte tanto os ser humano como também os outros animais.

O foco do tema em questão é a própria vida desses seres, portanto, o bem jurídico

de mais alto valor; não se discuti aqui direitos relativos a interesses pessoais, muito menos de aspectos

materiais, mas sim o direito a viver, e viver com dignidade, sem sofrimento, sem exploração. O bom

Direito deve sempre ter como objetivo a proteção à vida antes de tudo. A vida como primeiro plano,

seja de animais racionais ou irracionais.

Aliás, no que diz respeitos aos animais racionais e irracionais é preciso sempre

fazer uma reflexão acerca do tema, dado que sempre foi essa a linha que separou os seres humanos e os

denominados “animais não racionais.”

Com relação aos chamados animais “racionais”, ou seja, os seres humanos, esses, na

maioria das vezes, não tem se revestido de raciocínio ao cometer certas atitudes repugnantes como,

por exemplo, abandonar seus próprios filhos, matar, roubar, destruir seu próprio planeta, fazer

guerras, só pra começar.

Parece que os ditos “animais irracionais” têm cuidado muito melhor do que é seu. A

única coisa que eles pedem silenciosamente é o direito de viver, sem sofrimento.

A conscientização acerca do tema é de extrema importância dado que se trata de

seres viventes, não de vidas humanas, mas vidas que da mesma maneira, sofrem com dores

inenarráveis, e sofrem mais intensamente porque não podem falar, nem mesmo defender a si próprios.

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É preciso, para que haja a aplicação da verdadeira justiça, que ocorra a extensão do

conceito de dignidade aos outros seres capazes de sentir e de sofrer. Essa tese é defendida por vários

estudiosos que lutam pelo direito dos animais, inclusive em âmbito internacional.

Esse seria o maior avanço já conquistado pela sociedade que refletiria, sobretudo

no aspecto da moralidade, de forma a trazer um tratamento igualitário e digno a todos os seres vivos.

Milhares de pessoas em todo o País já assinaram uma lista em favor da criação da

primeira promotoria especializada em defesa animal. O que se espera ansiosamente agora é uma

resposta positiva por parte do Ministério Público, que se assim proceder resultará em mais uma

batalha vencida na busca pelo bem estar dos animais.

Esse é mais um passo que se traduz numa conclusão obvia: significa, antes de tudo,

que a luta em favor dos direitos animais não se consiste, em momento algum, em algo utópico,

bastando apenas uma postura ética e moral que deve urgentemente ser assumida por parte dos

governantes desse País e abraçada pela sociedade.

O crescimento do movimento de defesa animal no Brasil, sem dúvida, é um grande

avanço em um estado Democrático de Direito, como o nosso. Um Estado que se diz democrático, aliás,

não pode compactuar com qualquer forma de violência, deve, por outro lado, reprimi-la de forma

eficaz.

Os indivíduos e o Estado devem trabalhar conjuntamente para que sejam

respeitados padrões éticos mínimos na execução de suas atividades, principalmente quando essas

estão de alguma forma, relacionadas a seres vivos.

No momento em que o Estado reprime a violência contra os animais, isso reflete

num padrão de conduta a ser observado pela sociedade, que muitas vezes não tem o conhecimento

devido acerca do assunto; a população, de forma geral, desconhece o sofrimento dos animais, sua

capacidade de sentir dor e medo e quando se sentem no dever de protegê-los não sabem a quem

recorrer ou não encontram o amparo Estatal.

Cumpre, portanto, ao Estado impor na sociedade deveres ético-sociais que devem

ser respeitados por todos, demonstrando a importância de se proteger a vida através de ações

contundentes, prevenindo e reprimindo toda e qualquer violência contra qualquer ser vivente.

Em termos legislativos existem leis suficientes para exercer a tutela dos animais,

que vai desde a tutela constitucional do artigo 225 parágrafo 1º, inciso VII, que veda atos de crueldade

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até a lei especial.

A maior complexidade é dar eficácia à lei ambiental, cujo artigo 32 imputa como

crime abusar e maltratar animais. É preciso, dessa forma, colocar toda essa teoria na prática.

A criação de promotorias de defesa animal no País certamente colocaria em prática

as previsões legais que tutelam os animais; essa proteção abrangeria os animais silvestres, domésticos,

domesticados, nativos ou exóticos, sem distinção.

O promotor de justiça deve agir preventivamente para que atos criminosos sejam

evitados de forma que a questão educacional deve ser trabalhada concomitantemente, a fim de que as

crianças precocemente aprendam a respeitar os animais, tornando-se adultos conscientes e éticos.

O promotor, na execução de suas funções, possui diversos instrumentos para

salvaguardar os animais: como a denúncia, o poder requisitório, o inquérito civil, o termo de

ajustamento de conduta, a ação civil pública, entre outros. Para o cidadão comum a coisa é muito mais

complexa, pois as autoridades, em grande parte, não se dispõem a cumprir a lei, quando movidas para

tanto se o assunto é relativos às causas animais.

A instalação de Promotorias de Defesa Animal, Delegacias de Defesa Animal,

Grupos de Ação Especial de Defesa Animal ou ainda outros meios como, por exemplo, Centro de

Zoonozes que trabalhem com ética e pela defesa dos animais são de relevante significância para a

concretude da lei.

As classes mais atingidas e mais vulneráveis dentro de uma sociedade devem ter

sempre um amparo maior do Estado, como é o caso, por exemplo, das mulheres que frequentemente

são vítimas de violência doméstica; essas já podem dispor de delegacias especializadas em todo o País.

Não é diferente a vulnerabilidade dos animais que são ainda mais prejudicados por não poderem falar,

nem socorrerem a si próprios das crueldades ocorridas dia após dia.

O reconhecimento dos animais na esfera moral e a modificação do seu status no

ordenamento jurídico fariam com que até mesmo autoridades lenientes mudassem sua conduta e sua

inércia, pois seriam impulsionadas para isso.

A inserção da fauna dentro do Direito ambiental, é um aspecto negativo, fazendo

com que ela seja relegada a segundo plano, simplesmente como um bem ambiental, equiparada a

natureza; apenas necessária para que o conceito de natureza esteja completo e para a beleza natural do

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País.

Os animais por si só devem ser sujeito de direitos, pois são seres sencientes, que

sentem dor e todo o tipo de emoção assim como o homem. São apenas diferentes no aspecto da

racionalidade e da comunicação, mas o homem também o é. O homem muitas vezes não fala, não vê,

não anda, não dispõe de discernimento racional.

A discriminação positiva é a medida mais justa em que deve pautar-se uma

sociedade e é também o único tipo de discriminação de devem sofrer os animais, de forma a resgatá-los

do plano inferior o qual foram inseridos para colocá-los numa posição digna de respeito de qualquer

ser vivo.

Uma proteção especial é mais que urgente para os animais que fazem parte da

classe mais vulnerável dentro da sociedade. O Brasil que preza tanto pela igualdade deve trazer pra

realidade aquele famoso jargão que diz que se devem Igualar os iguais e desigualar os desiguais na

medida de suas desigualdades, conforme o clássico entendimento de Aristóteles.

Conclui-se, ante tudo o esposado, que se o conceito de civilização baseia-se no estado

de progresso e cultura social, o homem ainda tem muito que evoluir; ainda é preciso civilizá-lo com

relação à natureza e aos outros animais. A civilização do homem somente em relação ao próprio

homem não basta para que uma nação seja considerada civilizada e igualitária.

REFERÊNCIAS

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155 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

PARECER: DA ISENÇÃO, EM FAVOR DOS MUNICÍPIOS, DA TAXA JUDICIÁRIA DO ESTADO DO PARANÁ DESTINADA AO FUNDO DE

JUSTIÇA - FUNJUS1

Danilo Peres da Silva Procurador do Município de Londrina, lotado na Gerência de Assuntos Fiscais e Tributários – GAFT. Especializando em Direito do Estado pela Universidade Estadual de Londrina - UEL. Bacharel em Direito pela UEL.

EMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS. TAXAS. CAUSAS DE EXCLUSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO. CAUSAS DE EXTINÇÃO. PRESCRIÇÃO.

1. RELATÓRIO Trata-se de consulta realizada pela Assessoria de Análise de RPVs e Precatórios, na qual

requer orientação sobre as seguintes questões:

I. Legalidade quanto à cobrança da taxa judiciária FUNJUS e à possível

aplicabilidade da isenção prevista para o FUNREJUS;

[...]

Este é o breve relatório. Doravante procedemos ao parecer.

2. PARECER

2.1. LEGALIDADE TRIBUTÁRIA

Inicialmente, cumpre registrar que um dos princípios basilares de nosso Direito é o

princípio da legalidade, concebido como a base direta da própria noção de Estado de Direito, veiculada

com a superveniência do constitucionalismo, fundamentado na ideia de “governos de leis”, enquanto

expressão da vontade geral, rompendo com a lógica dominante do “governo dos homens”, em que as

decisões eram tomadas conforme o arbítrio ou os caprichos de um governante.

1 A presente publicação é parte do Parecer Jurídico n. 1595/2012-PGM, exarado em 21/11/12012.

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Acerca dessa vontade geral, traduzida na lei produzida em conformidade com o processo

legislativo previamente delineado pela Constituição e a necessária adstrição do Estado Democrático

de Direito ao seu cumprimento, confira-se o seguinte excerto doutrinário:

"Toda a sua atividade fica sujeita à lei, entendida como expressão da vontade geral, que só se materializa num regime de divisão de poderes em que ela seja o ato formalmente criado pelos órgãos de representação popular, de acordo com o processo legislativo estabelecido na Constituição. É nesse sentido que se deve entender a assertiva de que o Estado, ou o Poder Público, ou os administradores não podem exigir qualquer ação, nem impor qualquer abstenção, nem mandar tampouco proibir nada aos administrados, senão em virtude de lei."2

O princípio da legalidade, tal como definido acima, encontra expressão logo no art. 5º da

Constituição da República, que assim estatui:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Nada obstante a existência genérica do princípio da legalidade, como descrito, sabe-se

que no âmbito do Direito Tributário tal princípio assume específicas feições de maior severidade,

como é constatável do art. 150, I da CF:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

O instrumento introdutor da regra tributária no ordenamento jurídico, a vista da

disposição constitucional, há de ser sempre a lei, pois sendo esta manifestação legítima da vontade do

povo, por meio de sua representação no parlamento, tem-se que o tributo instituído é tributo

consentido3. Num outro expressar, diz-se que “na esteira da legalidade, corre tão somente o tributo

consentido”4.

2 Silva, José Afonso da. Curso de direito Constitucional Positivo. 24ª ed., rev e at. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, pg. 420. 3 A ideia do tributo consentido remonta à Carta Magna inglesa, de 1215, do Rei João Sem Terra, em que a necessidade de obtenção de prévia aprovação dos súditos para a cobrança dos tributos originou a expressão “no taxation without representation”. 4 Sabbag, Eduardo. Manual de direito tributário. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 57.

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Referindo-se à necessidade de lei para a introdução ou majoração de tributos em nosso

ordenamento, o mestre PAULO DE BARROS CARVALHO:

“[...] qualquer das pessoas políticas de direito constitucional interno somente poderá instituir tributos, isto é, descrever a regra-matriz de incidência, ou aumentar os existentes, majorando a base de cálculo ou a alíquota, mediante a expedição de lei.”5

Na seara tributária, o princípio da legalidade é vetor de tal envergadura que não se fala,

apenas, de Legalidade, mas de Estrita Legalidade, ou, até mesmo, Tipicidade Tributária, que impõe a

necessidade à lei de trazer em seu interior a totalidade dos elementos descritores do fato jurídico e os

dados da relação obrigacional.

O vetor teleológico de tal previsão não pode ser desconsiderado: a legalidade, no que

tange ao Direito Tributário, é um sobrevalor inalienável.

Assentada a premissa básica, segue-se à análise da consulta formulada.

2.2 FUNJUS

2.2.1 ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS: ENQUADRAMENTO DO FUNJUS

O vocábulo tributo, a parte das suas múltiplas acepções possíveis6, possui o conceito legal

bem definido, sendo assim considerada toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo

valor nela possa se exprimir, que não sendo sanção de ato ilícito, é instituída em lei e cobrada

mediante atividade administrativa plenamente vinculada.7

Apesar da clareza que deflui da disposição legal sobre o conceito de tributo, a sua

classificação em espécies é matéria que tem atraído efervescentes debates à doutrina tributarista

pátria, sendo certa a existência de pelo menos quatro principais correntes a respeito do assunto, como

se passa a expor:

Com efeito, a primeira corrente, cognominada DUALISTA, BIPARTIDA ou BIPARTITE,

afirma serem as espécies tributárias somente as taxas e os impostos, tendo seu principal defensor

5 Carvalho, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 208. 6 Paulo de Barros Carvalho enumera pelo menos seis acepções do vocábulo tributo: como quantia em dinheiro; como dever do sujeito passivo; como direito subjetivo do sujeito ativo; como sinônimo de relação jurídica tributária; como a própria norma jurídica tributária, ou ainda, por fim, como norma fato e relação, amalgamadas num só termo. Ob. Cit. p. 51. 7 Código Tributário Nacional, art. 3º.

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Geraldo Ataliba8, que polariza a sua classificação entre tributos vinculados e tributos não-vinculados,

respectivamente.

A segunda, denominada TRIPARTIDA, TRICOTÔMICA ou TRIPARTITE, divide os

tributos em impostos, taxas e contribuições de melhoria e encontra seguidores do quilate intelectual

de Sacha Calmon Navarro Coêlho9, Paulo de Barros Carvalho, entre outras insignes vozes.

Em terceiro lugar, a corrente chamada QUADRIPARTIDA, TETRAPARTIDA ou

TETRAPARTITE, elenca os impostos, taxas, empréstimos compulsórios e contribuições, fundindo

nesta última espécie tanto as contribuições de melhoria quanto demais contribuições, como as

previstas nos arts. 149 e 149-A da CF, encontrando ressonância no pensamento de abalizados

doutrinadores, como Ricardo Lobo Torres10 e Luciano Amaro11.

Por fim, a quarta corrente, nomeada PENTAPARTIDA ou QUINQUIPARTIDA, põe ao

lado dos impostos, das taxas e das contribuições de melhoria, além dos empréstimos compulsórios, as

contribuições especiais, criando uma espécie autônoma para as contribuições previstas na Carta da

República. Esta orientação é a prevalente na doutrina, sendo sufragada por inúmeros doutrinadores,

dentre os quais Ives Gandra da Silva Martins, Celso Ribeiro Bastos, Kiyoshi Harada, Sergio Pinto

Martins, Ricardo Alexandre, Eduardo Sabbag e Leandro Paulsen12.

Rente à predominância doutrinária, tem-se também na jurisprudência manifestação

favorável à teoria PENTAPARTIDA das espécies tributárias, consubstanciada no elucidativo voto do

Ministro do STF Moreira Alves, no RE 146.733-9/SP, datado de 29.06.1992, onde se colhe: “De fato, a par

das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria), a que se refere o art. 145 [...] os

arts. 148 e 149 aludem a outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo

compulsório e as contribuições sociais [...]”.

8 Ataliba, Geraldo. Hipóteses de incidência tributária. 6. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002, pg. 130-133. 9 Coelho, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988. 7. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 2. 10 Torres, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário, 12. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 371. 11 Amaro, Luciano. Direito tributário brasileiro, 14. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 81. 12 Martins, Ives Gandra da Silva. As contribuições especiais numa divisão quinquipartida dos tributos. In: Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo, Bushatsky, 1977, v. 3, p. 25; Bastos, Celso Ribeiro. Curso de direito financeiro e direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 146; Harada, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário, 7. Ed., p. 115; Martins, Sergio Pinto. Manual de direito tributário. 3. Ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 101.; Alexandre, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 3ª edição, atualizada e ampliada. São Paulo: MÉTODO, 2009, p. 46; Sabbag, Eduardo. Manual de direito tributário. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 391; Paulsen, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 13ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 13.

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Valendo-nos da classificação pentapartida, por bem aceita que é tanto doutrinária quanto

jurisprudencialmente, passamos à sintética exposição das feições características de cada uma das

cinco espécies tributárias.

Em termos sintéticos, sabe-se que são impostos aqueles tributos cuja obrigação tenha por

fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, donde se conclui a

razão de sua classificação – tributos não vinculados, contributivos, unilaterais, ou não-

contraprestacionais - eis que seus fatos geradores são manifestações de riqueza, como renda,

patrimônio ou consumo (fatos-signos presuntivos de riqueza), totalmente alheios a qualquer atuação

estatal em favor do contribuinte.

Já as taxas, de outro vértice, afiguram-se como tributos imediatamente vinculados à ação

estatal, acompanhados invariavelmente à atividade pública. São portanto tributos vinculados,

bilaterais ou contraprestacionais, porquanto tem como fato-gerador um “fato do Estado”, qual seja,

uma atividade específica do sujeito ativo em favor do sujeito passivo, que lhes justifica a cobrança.

A contribuição de melhoria, por sua feita, prevista no art. 145, II da CF e arts. 81 e 82 do

CTN, traduz-se no poder de exigir tributo de proprietários de bens imóveis que sejam beneficiados

com a valorização oriunda de uma obra pública realizada pelo sujeito ativo. São também tributos

vinculados quanto à sua hipótese de incidência, porém atrelados a uma atividade estatal pré-

determinada pela legislação, qual seja, uma obra pública da qual deflua valorização de bens imóveis.

De seu turno, os empréstimos compulsórios, tributos federais de competência tributária

da União, são previstos para atender hipóteses de despesas extraordinárias (calamidade pública e

guerra externa), e ainda para investimentos públicos de caráter urgente e de relevante interesse

nacional. Traço distintivo da fisionomia do Empréstimo Compulsório é a necessidade de sua ulterior

restituição, não prevista para qualquer de suas congêneres tributárias.

Derradeiramente, acerca das contribuições ou contribuições especiais13, tributos cuja

competência para instituição é destinada exclusivamente à União conforme art. 149 da CF, cabe

asseverar: diferem da espécie taxa, eis que não remuneram serviços cobrados ou disponibilizados aos

contribuintes, entretanto, diferem dos impostos por importarem, de alguma forma, numa atividade

estatal.

13 “Tem-se designado simplesmente por ‘contribuições’ ou ‘contribuições especiais’ (para diferenciar das contribuições de melhoria) a espécie tributária de que cuida o art. 149 da Constituição.” (Paulsen , Leandro. Op. Cit., pg. 1)

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Como elucida Leandro Paulsen, “a contribuição constitui uma categoria intermediária entre o

imposto e a taxa”14. No dizer de Eduardo Sabbag, nas taxas, existe a “referibilidade direta”15 entre a atividade

estatal e o sujeito passivo, que permite identificar quantitativamente a atividade prestada e seu

beneficiário, diz-se que nas taxas há uma espécie de “comutatividade” na relação tributo-atividade; já

nas contribuições, há a “referibilidade indireta”, sendo a atividade do sujeito ativo desenvolvida para o

atendimento de um interesse geral, porém deflagrando um especial benefício a uma pessoa ou grupo

de pessoas, nesse caso, ao invés de critérios comutativos, há a incidência de critérios contributivos,

exsurgindo aí o traço distintivo da contribuição.

Apenas a título de esclarecimento adicional, confira-se interessante trecho dos

comentários expendidos pelo ilustrado mestre Leandro Paulsen sobre a natureza de tais atividades,

ensejadoras das contribuições:

“Há situações em que o Estado atua relativamente a um determinado grupo de contribuintes. Não se trata de uma ação geral, a ser custeada por imposto, tampouco de uma situação especifica e divisível, a ser custeada por taxa, mas de uma ação voltada a finalidades específicas, constitucionalmente destacadas como autorizadores de tributação, que se refere a determinado grupo de contribuintes, de modo que se busca, destes, o seu custeio através de um tributo que se denomina de contribuições.”16

Fixada, pois, a distinção sob a qual há de ser feita a presente análise, cumpre realizar o

enquadramento do tributo objeto do presente questionamento (FUNJUS) numa das cinco espécies

tributárias predominantemente aceitas pela doutrina e pela jurisprudência.

O FUNJUS foi instituído pela Lei Estadual nº 15.942, de 3 de setembro de 2008, que

dispõe:

Art. 2º. O Fundo da Justiça – FUNJUS tem por objetivo prover os recursos orçamentários e financeiros necessários à execução das despesas decorrentes do processo de estatização, neste compreendida a recomposição dos servidores do Quadro de Pessoal das unidades estatais do 1º Grau de Jurisdição do Estado do Paraná.

Quanto ao art. 2º, verifica-se que a Lei do FUNJUS institui na verdade um Fundo, que

nada é além de uma conta específica, vinculada. Não é uma “entidade própria”, do ponto de vista

jurídico. Apenas é parte do patrimônio de uma pessoa jurídica de direito público. O fundo ganha

“autonomia” apenas para fins contábeis devido à previsão legislativa específica, possuindo orçamento

e contabilidade individualizados.

14 Paulsen, Leandro. Op. Cit., pg. 107. 15 Op. Cit., pg. 489. 16 Op. Cit., pg. 107.

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A grande questão, portanto, quanto às inovações trazidas pela Lei Estadual 15.942/2008 e

suas repercussões na seara tributária do Município de Londrina, notadamente enquanto potencial

sujeito passivo, repousa na especificação das receitas do fundo, consubstanciadas no art. 3º, a seguir

citado:

Art. 3º. Constituem receitas do Fundo da Justiça: I - o produto da arrecadação das custas dos atos judiciais praticados pelos serviços estatizados, conforme as leis de processo e do Regimento de Custas estabelecido pela Lei nº 6.149/70, de 09 de setembro de 1970, com as suas alterações posteriores; II - as dotações orçamentárias próprias e os recursos consignados em seus orçamentos, por entidades públicas ou por fundos especiais públicos, bem como os créditos adicionais que lhe venham a ser atribuídos. III - as receitas oriundas de transferências orçamentárias autorizadas pelo Poder Judiciário, Poder Executivo, fundos especiais e outros órgãos públicos; IV - o saldo financeiro apurado no balanço anual do próprio Fundo; V - as receitas decorrentes da cobrança de atos inerentes ou praticados pelo Fundo; VI - as receitas oriundas de convênios, acordos, termos de cooperação ou contratos firmados pelo Fundo com entidades de direito público; VII - as receitas oriundas de convênios, acordos, termos de cooperação ou contratos firmados pelo Fundo com instituições financeiras e entidades de direito privado; VIII - as subvenções, doações e contribuições de pessoas jurídicas de direito público ou privado, nacionais ou estrangeiras, na forma da legislação aplicável; IX - o produto da remuneração das aplicações financeiras do Fundo; X - o saldo financeiro apurado no Balanço Geral do Estado do Paraná, em cada exercício, correspondente à diferença entre os recursos definidos pelo limite percentual estabelecido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias para o Poder Judiciário e o valor dos recursos financeiros efetivamente liberados pelo Tesouro Estadual, por conta da execução do orçamento do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, no exercício; XI - outras receitas. XII - o produto da arrecadação da Taxa Judiciária. (Incluído pela Lei 16351 de 22/12/2009)

Quanto ao inciso I, que dispõe sobre as custas judiciais, nossas considerações serão

tecidas em tópico subsecutivo, uma vez que mais afetas ao questionamento “II” acima relacionado. Já

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quanto aos incisos II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X e XI, não nos parecem merecedores de maiores

comentários, eis que não relacionam-se com eventuais exações incidentes sobre a municipalidade.

O mesmo não se pode dizer, entretanto, quanto ao inciso XII, incluído pela Lei Estadual

nº 16.351 de 22.12.2009, visto que atribui ao Fundo a receita oriunda da arrecadação da Taxa Judiciária,

essa sim possivelmente incidente sobre o Município de Londrina.

Com efeito, é preciso, neste ponto, esclarecer ponto importantíssimo para a presente

exposição: trata o FUNJUS de Fundo da Justiça, que tem finalidade e fontes de receita próprias, sendo

a aplicação de seus recursos disciplinada pela lei citada; coisa diametralmente diversa é a Taxa

Judiciária, uma das fontes de receita eleitas para o FUNJUS. São coisas, como se expõe, totalmente

apartadas. O primeiro dispõe sobre a destinação legal de parte do patrimônio de uma pessoa jurídica, a

segunda, constitui-se como exação tributária da espécie taxa, exigível à vista da ocorrência de seu fato

gerador. A relação entre elas dá-se tão somente por ser esta fonte de custeio daquele, e nada mais.

Ora, o CTN oblitera impiedosamente qualquer dúvida quanto à diferença entre

destinação e fato gerador dos tributos, alçando este último como seu primeiro e exclusivo critério

definidor:

Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I - a denominação e demais características formais adotadas pela lei; II - a destinação legal do produto da sua arrecadação.

Bem se vê, portanto, que relevante para a determinação da natureza específica do tributo

é seu fato gerador, e não a destinação legal de seu produto. Dito isso, não remanescem dúvidas que o

Município de Londrina não é, nem tampouco poderia ser, contribuinte do “FUNJUS”, mas sim da

Taxa Judiciária, essa sim, uma das fontes de receita daquele.

A Lei estadual 15.942/2008 não instituiu nenhuma taxa, não majorou ou reduziu

nenhuma alíquota, não dispôs sobre fatos geradores ou sujeitos passivos, em suma, não se propôs a

definir os aspectos relevantes daquilo que a doutrina denomina “fisiologia do tributo”: sua alíquota,

sua base de cálculo, seu fato gerador, seu sujeito ativo, seu sujeito passivo, etc. Noutro expressar, não

há o delineamento, mínimo que seja, de uma regra matriz de incidência tributária na Lei Estadual

instituidora do Funjus, senão apenas a citação de fonte de custeio que tem por objeto uma exação

tributária já instituída, a saber, a taxa judiciária.

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163 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Do que se expõe, deflui naturalmente que a análise acerca da possibilidade de eleição do

Município de Londrina como sujeito passivo da exação tributária normalmente cognominada

FUNJUS, mas que em verdade possui a natureza jurídica de tributo, da espécie taxa, perpassa a

análise da legislação instituidora dessa exação.

Nada obstante, encontrar o instrumento legislativo que instituiu a referida taxa Judiciária

não é tarefa das mais fáceis. Em pesquisa à legislação estadual, constata-se a necessidade de revolver a

diplomas que foram sendo sucessivamente revogados, a fim de bem esclarecer onde consta afinal a

previsão da famigerada Taxa Judiciária.

Em verdadeira atividade de arqueologia legislativa, tem-se inicialmente que o diploma

legislativo mais recente a respeito da matéria é a Lei Estadual nº 12.821 de 27 de dezembro de 1999,

atualmente vigente e aplicável para a correta aferição da base de cálculo da taxa judiciária, objeto do

presente questionamento:

Súmula: Dispõe sobre a Taxa Judiciária. Art. 1º. Ressalvadas as isenções legais, a Taxa Judiciária a que se refere o Decreto Estadual nº 962, de 23 de abril de 1932, será cobrada na seguinte proporção: a) R$ 10,00 (dez reais) nas causas de valor até R$ 5.000,00 (cinco mil reais); b) 0,2% (zero vírgula dois por cento) do valor atribuído à ação, nas causas de R$ 5.001,00 (cinco mil e um reais) até o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais); c) nas causas de valor superior a R$ 50.001,00 (cinquenta mil e um reais) até R$ 100.000,00 (cem mil reais), inicialmente, incide o cálculo da alínea "b" e, sobre o montante excedente, aplica-se o percentual de 0,1% (zero vírgula um por cento); d) nas causas de valor superior a R$ 100.001,00 (cem mil e um reais) até R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), inicialmente, incide os cálculos das alíneas "b" e "c" e, sobre o montante excedente, aplica-se o percentual de 0,05% (zero vírgula zero cinco por cento); e) nas causas que excederem o valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), inicialmente, incide os cálculos das alíneas "b", "c" e "d" e, sobre o montante excedente, aplica-se o percentual de 0,02% (zero vírgula zero dois por cento). [...] Art. 6º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, ficando revogados o art. 13, da Lei nº 6.149/70, a Lei nº 8.926, de 28 de dezembro de 1988 e as demais disposições em contrário.

Visto que a lei vigente se limita a estabelecer tão somente a base de cálculo da referida

taxa, impende pesquisar a legislação por ela revogada em seu art. 6º, qual seja, a Lei Estadual nº 8.926

de 28 de Dezembro de 1988, a fim de verificar o que dispunha acerca da Taxa:

Súmula: Dispõe sobre a Taxa Judiciária a que se refere o Decreto nº 962, de 23 de abril de 1932.

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Art. 1º. A taxa judiciária a que se refere o Decreto nº 962, de 23 de abril de 1932, será o equivalente a 0,2% (zero vírgula dois por cento) do valor da causa. [...] Art. 3º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, surtindo seus efeitos a partir de 1º de janeiro de 1989, ficando revogada a Lei 7.810 de 29 de dezembro de 1983 e as demais disposições em contrário.

Constatada, também quanto a esta lei a mera previsão da alíquota incidente para a

cobrança da referida taxa, mister verificar qual a disciplina dada pela Legislação então revogada, de nº

7.810, de 29 de dezembro de 1983, que assim dispunha:

Súmula: Altera a base de cálculo da Taxa Judiciária e dá outras providências.

Art. 1º. A Taxa Judiciária a que se refere o Decreto Estadual nº 962, de 23 de abril de 1932, cuja arrecadação será destinada ao Fundo Penitenciário, criado pela Lei nº 4.955, de 13 de novembro de 1964, passa a ser calculada e cobrada mediante a aplicação da seguinte tabela progressiva: [...] Art. 4º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, tendo eficácia a partir de 1º de janeiro de 1984, ficando revogada a Lei 7.426, de 29 de dezembro de 1980 e as demais disposições em contrário.

De efeito, prosseguindo na pesquisa, dispunha a Lei Estadual nº 7.426, de 29 de dezembro

de 1980, ao versar sobre a taxa Judiciária:

Súmula: Dispõe sobre a cobrança da Taxa Judiciária e adota outras providências. Art. 1º. Ressalvadas as isenções, a Taxa Judiciária a que se refere o Decreto-Lei nº 962, de 23 de abril de 1932, será calculada e cobrada mediante a aplicação da alíquota de 60% (sessenta por cento) sobre a Unidade-Padrão-Fiscal do Paraná, estabelecida e atualizada conforme o art. 3º da Lei 7.257, de 30 de novembro de 1979. [...]

Ora, como se constata, todas as leis Estaduais que versaram sobre a matéria, desde 1980

(passando por manifestações legislativas em 1983, 1988 e 1999) confinaram-se a estabelecer a

disciplina ora da base de cálculo ora das alíquotas incidentes na Taxa Judiciária, porém, nenhuma

delas chegou a estabelecer qual o fato gerador da referida exação, efetivamente a instituindo.

Sobrevém, entretanto, que em todas as manifestações legislativas sobre o tema, há insistente

coincidência: todas mencionam expressamente o Decreto-Lei nº 962 de 23 de abril de 1932.

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Citadas disposições, a par de não serem as instituidoras da taxa, trazem a referência

expressa à sua previsão, qual seja, o Decreto Estadual nº 962 de 23 de abril de 1932, esse sim, o

instituidor da referida exação, que em seu art. 1º, versa:

Art. 1º. Os feitos ou processos que tiveram ingresso na Justiça Estadual ficam sujeitos a uma taxa judiciária que terá por base: a) o valor do pedido, quando certo; b) o valor dado pela parte na petição inicial, quando o pedido não tiver valor certo ou que for arbitrado pelo Juiz quando a parte omitir a estimativa ou ao Juiz parecer que esta é manifestamente insuficiente.

Em seu art. 2º, o Decreto nº 962/32 especifica quais os tipos de feitos ou processos estão

sujeitos à taxa que institui, dentre os quais, se citam: a) as causas contenciosas, que sejam ordinárias,

sumárias, executivas ou especiais; b) os embargos de terceiros; c) a apelação de terceiro prejudicado;

d) a reconvenção; e) a oposição; k) a arrecadação de bens de herança jacente ou de ausentes; m) a

divisão e a demarcação extrajudiciais; n) as cartas precatórias vindas de outro Estado; o) as cartas

rogatórias; p) o protesto de preferência; q) todos os demais processos ou feitos de jurisdição

administrativa ou contenciosa.

A instituição da Taxa Judiciária, uma das atuais fontes de receita do FUNJUS,

anteriormente fonte de receita do FUNREJUS, como se vê, foi instituída por Decreto que remonta aos

idos tempos de 1932! Ora, mesma conclusão se extrai de análise da lei que transplantou a Taxa

Judiciária como fonte de receita do FUNREJUS para o FUNJUS, a Lei estadual nº 16.351, de 22 de

dezembro de 2009, que também cita referido decreto, quando assim dispõe:

Art. 1º. O produto da arrecadação da Taxa Judiciária, a que se refere o Decreto Estadual nº 962, de 23 de abril de 1932, mencionado no art. 3º, inciso XIII, da Lei Estadual nº 12.216, de 15 de julho de 1998, a partir de 1º de janeiro de 2010 passa a constituir receita do Fundo da Justiça criado pela Lei Estadual 15.942, de 03 de setembro de 2008. Art. 2º. Fica revogado o inciso XIII do art. 3º da Lei Estadual 12.216, de 15 de julho de 1998. Art. 3º. Fica alterado o artigo 3º da Lei Estadual nº 15.942, de 03 de setembro de 2008, com o acréscimo do inciso XII, que passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 3º Constituem receitas do Fundo da Justiça: ....... XII – o produto da arrecadação da Taxa Judiciária.”

Diante da pesquisa legislativa acima elaborada, deve revelar-se a verdadeira feição da

exação, normalmente relacionada pelo próprio Poder Judiciário simplesmente como FUNJUS quando

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166 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

em atenção ao que dispõe o art. 7º do próprio Decreto 962/3217, efetua o cálculo das custas judiciais

incidentes sobre o processo: Trata-se de tributo com a natureza de taxa eis que pago em virtude da

prestação de um serviço específico e divisível, cujo fato gerador é o ingresso na Justiça Estadual de

algum dos processos citados no art. 2º do Decreto instituidor, e tem como base de cálculo o valor de

causa, com alíquotas variáveis conforme art. 1º da Lei Estadual nº 12.821 retrocitada.

2.2.2 TAXA JUDICIÁRIA: PREVISÃO DE ISENÇÃO

O Código Tributário Nacional prevê expressamente em seus Capítulos III, IV e V causas

de suspensão, extinção e exclusão, potencialmente incidentes sobre os créditos tributários. No

primeiro caso – de suspensão – apenas a exigibilidade do crédito é que estará suspensa, restando

inconteste a existência do tributo, no segundo, há a efetiva extinção do crédito, não se negando,

entretanto, que tenha ele até aquele momento existido e no último caso - de exclusão - há verdadeiro

impedimento da própria constituição do crédito tributário (ou seja, o crédito sequer chega a existir).

Como diz abalizada doutrina, as causas de exclusão previstas no CTN são como que uma

“barreira que impede a constituição do crédito tributário”18, que labora pela “inviabilidade de sua constituição”,

gerando situações em que “mesmo ocorrido o fato gerador e a obrigação tributária, não haverá lançavamento e,

consequentemente, não haverá o crédito tributário”19.

Existem duas causas de exclusão do crédito tributário, como se colhe do art. 175 do CTN,

quais sejam: a isenção e a anistia. O traço distintivo entre os dois institutos repousa sobre o objeto da

extinção, vez que a isenção exclui o crédito tributário relativo ao tributo, enquanto a anistia exclui o

crédito tributário relativo à penalidade pecuniária.

Para Paulo de Barros Carvalho, a isenção tem um único objetivo: “paralisar a atuação da

regra-matriz de incidência tributária, para certos e determinados casos.”20. Já no dizer de Hugo de Brito

Machado, a “isenção é a exclusão, por lei, de parcela da hipótese de incidência, ou suporte fático da norma de

tributação, sendo objeto da isenção a parcela que a lei retida dos fatos que realizam a hipótese de incidência da regra de

tributação.”21

17 “Art. 7º. A importância da taxa judiciária será computada nas custas.” 18 Alexandre, Ricardo. Op. Cit., p. 467. 19 Sabbag, Eduardo. Op. Cit., p. 861. 20 Op. Cit., p. 573. 21 Op. Cit., p. 242.

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Deflui da exposição que, havendo a previsão de isenção de algum tributo, o resultado

prático é a impossibilidade de constituição do crédito tributário, e por implicitude, de sua

exigibilidade. Ora, assentada tal premissa elementar, convém rememorar o disposto no art. 1º do

diploma legislativo mais recente a respeito da Taxa Judiciária, a Lei Estadual nº 12.821:

Art. 1º. Ressalvadas as isenções legais, a Taxa Judiciária a que se refere o Decreto Estadual nº 962, de 23 de abril de 1932, será cobrada na seguinte proporção:

É de se notar que a própria Lei Estadual que disciplina a base de cálculo da Taxa

Judiciária traz no seu bojo expresa ressalva quanto à isenções eventualmentre previstas em outros

dispositivos legais, quando já em seu art. 1º inicia a redação com a expressão “Ressalvadas as isenções

legais [...]”. Nessa trilha, importa citar a disposição constante do art. 3º do Decreto 962/32, que por

constituir-se como isenção, se enquadra nessa ressalva:

Art. 3º. Ficam isentos da taxa judiciária: [...] i) as ações intentadas por quaisquer municípios;

Bem se vê, portanto, que a própria norma instituidora da taxa, ao fazê-lo, cuidou de

prever algumas hipóteses de isenção, dentre as quais, figura aquela estendida aos entes municipais

quando se apresentem em juízo visando defender o interesse público que lhes cumpre tutelar.

Diante de tal previsão, aplicada a disciplina da isenção ao caso em tela, tem-se como

impossível a constituição do crédito tributário em desfavor do ente público municipal, eis que a norma

isentiva, como um antecedente lógico, impede e bloqueia a ação da regra-matriz de incidência

tributária.

Não é outra a conclusão que se extrai quando analisados os julgados abaixo:

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – TAXA JUDICIÁRIA – MUNICÍPIO – ISENÇÃO – LEI ESTADUAL – RECURSO PROVIDO. O Município é isento de pagamento de taxa judiciária na Justiça Estadual do Paraná, a teor do que dispõe o art. 3º, alínea ‘i’ do Decreto Estadual nº 962/32. “[...] A taxa do Funrejus somente é devida pelo ente público em caso de condenação (sucumbência), desde que antecipada pelo autor da ação; sendo este beneficiário da gratuidade, há dispensa do pagamento (Instrução Normativa nº 01/99 e Lei Estadual nº 12.216/98) AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 734.569-3, DE CAMBÉ – VARA CÍVEL - RELATOR: Juiz ESPEDITO REIS DO AMARAL

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Do corpo do voto, cita-se interessante trecho, no qual é analisada a (inexistente)

repercussão da alteração do destino da taxa judiciária, transposta do FUNREJUS para o FUNJUS,

como descrito:

É verdade que, de acordo com a norma disposta no artigo 3º, inciso XII da Lei Estadual n.º 15.942/2008, acrescentado pela Lei 16.351 de 22/2009ii, o produto de arrecadação da Taxa Judiciária que antes constituía receita do FUNREJUS, passou a ser do Fundo de Justiça do Estado do Paraná (FUNJUS). Entretanto, apesar da alteração do fundo recolhedor, a taxa judiciária continua com a mesma natureza jurídica e ainda possui regulamentação no Decreto Estadual nº 962/1932 e, dessa forma, persiste a isenção dos municípios quando intentarem quaisquer ações, conforme dispõe o artigo 3º, alínea “i”, da referida normativa.

Dito de maneira simples, o que a taxa judiciária ERA no FUNREJUS, ela AINDA É, para o

FUNJUS. No mesmo sentido, ainda outros julgados, também do TJ-PR:

APELAÇÃO CÍVEL – EXECUÇÃO FISCAL – ISSQN – PRESCRIÇÃO DOS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS RECONHECIDA DE OFÍCIO EM PRIMEIRO GRAU - CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS PRESCRITOS ANTES MESMO DO AJUIZAMENTO DA DEMANDA – PARCELAMENTO DOS DÉBITOS NÃO COMPROVADO – CERTIDÃO ACOSTADA PELO FISCO QUE SE REFERE A CRÉDITOS DE IPTU E/OU TAXAS – MANTIDA A CONDENAÇÃO DO MUNICÍPIO DE LONDRINA AO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS – SENTENÇA REFORMADA EM PARTE PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DO FUNREJUS – DECRETO ESTADUAL Nº 932/32 E ÍTEM 21 DA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 01/99 – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. APELAÇÃO CÍVEL Nº 946887-1, DE LONDRINA - 2ª VARA CÍVEL - RELATOR : DES. PAULO ROBERTO VASCONCELOS

APELAÇÃO CÍVEL – EXECUÇÃO FISCAL – PRESCRIÇÃO DOS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS RECONHECIDA DE OFÍCIO PELO JUÍZO SINGULAR – CRÉDITOS VENCIDOS ENTRE 14/02/1989 E 31/05/1991 PRESCRITOS ANTES MESMO DA PROPOSITURA DA DEMANDA – SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PELO PERÍODO DE 180 DIAS (§ 2º DO ART. 2º DA LEF) – INAPLICABILIDADE – DESPACHO QUE ORDENA A CITAÇÃO ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LC Nº. 118/2005 – APLICAÇÃO DA REDAÇÃO ORIGINÁRIA DO ART. 174, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO I, DO CTN – PRESCRIÇÃO CONFIGURADA COM RELAÇÃO AOS DEMAIS CRÉDITOS – INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 106 DO E. STJ, BEM COMO DO § 1º DO ART. 219 DO CPC – APELO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO - ART. 557, CAPUT, DO CPC - SENTENÇA REFORMADA EX OFFÍCIO PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO DO MUNICÍPIO AO PAGAMENTO DA TAXA FUNREJUS – DECRETO ESTADUAL Nº 932/32 E ÍTEM 21 DA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 01/99. APELAÇÃO CÍVEL Nº 932227-6, DE MARINGÁ - 3ª VARA CÍVEL - RELATOR: DES. PAULO ROBERTO VASCONCELOS

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APELAÇÃO CÍVEL - EXECUÇÃO FISCAL – PRESCRIÇÃO CRÉDITO TRIBUTÁRIO – CONFIGURADA – FEITO AJUIZADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LC 118/2005 – SÚMULA 106 STJ – APLICAÇÃO AFASTADA – CAUSA INTERRUPTIVA DA PRESCRIÇÃO – NÃO CONFIGURADA – CUSTAS – PAGAMENTO PELO EXEQUENTE – FUNREJUS – ISENÇÃO – REFORMADO EX OFFICIO – RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. APELAÇÃO CÍVEL Nº 960.598-1, DA 2ª VARA CÍVEL DO MUNICÍPIO DE LONDRINA. RELATOR: DES. DIMAS ORTÊNCIO DE MELO

Extrai-se da fundamentação da decisão retrocitada:

Entretanto, o Município de Londrina é isento do pagamento do Funrejus, pois tal determinação está prevista na alínea “i” do art. 3º do Decreto Estadual nº 962/32, que assim dispõe: “Ficam isentos da taxa judiciária: (...) i) as ações intentadas por quaisquer municípios”.

Em mesmíssimo sentido, está também a APELAÇÃO CÍVEL Nº 959.358-0, da 2ª Vara

Cível do Município de Londrina.

DIANTE DO EXPOSTO, em síntese organizativa e conclusiva, respondendo ao

questionamento “I” do pedido de parecer, é forçoso concluir que apesar da mudança quanto à

destinação do produto de arrecadação da Taxa Judiciária, que deixou de ser receita do FUNREJUS e

passou a ser do Fundo de Justiça do Estado do Paraná (FUNJUS), isso em nada afeta a sua previsão

enquanto exação tributária, de forma que permanece detendo a mesma natureza jurídica, cuja

regulamentação está posta no Decreto Estadual nº 962/1932 e, destarte, há a manutenção da isenção

dos municípios quando intentarem quaisquer tipos de ações, nos moldes do que dispõe o artigo 3º,

alínea “i”, da citada norma. [...].

Londrina, 21 de novembro de 2012.

D A N I L O P E R E S D A S I L V A Procurador do Município de Londrina Matrícula 14972-1 – OAB/PR 51.784 Recebi em 21/11/2012. RATIFICO. Data supra. Submeto à análise do Procurador-Geral Adjunto de gestão da Consultoria. C AR LO S R ENATO CUNHA Gerência de Assuntos Fiscais e Tributários Matrícula 13.651-4 - OAB/PR 18.622

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Submeto à análise do Procurador-Geral do Município. RENATA K AWASAK I S I QUE I R A Procuradora-Geral Adjunta de Gestão da Consultoria Matrícula 13.651-4 - OAB/PR 18.622 RATIFICO. Data supra. E VA LDO D I A S D E O L I V E I R A Procurador-Geral do Município de Londrina

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PARECER: ATRIBUIÇÃO DE PODER DE POLÍCIA DE TRÂNSITO E AMBIENTAL À GUARDA MUNICIPAL1

Fábio César Teixeira Procurador do Município de Londrina, ocupante da função de Gerente de Assuntos Legislativos e Normativos – GALN. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Estadual de Londrina - UEL. Bacharel em Direito pela UEL. Advogado.

[...]

2.- Nossas considerações.

Embora o questionamento tenha sido realizado numa única consulta, a verdade é

que a sua análise necessita, para melhor explanação, ser dividida nas duas atribuições fiscalizatórias

pretendidas – ambiental e de trânsito – porque se cuidam de sistemas bastante diversos e específicos,

não podendo ser generalizada a orientação a ser passada ao órgão consulente.

2.1.- Poder de polícia de trânsito.

2.1.1.

Inicialmente, portanto, analisemos a possibilidade de delegação de competência de

fiscalização de trânsito à Guarda Municipal, o que já foi objeto de anterior orientação por parte desta

gerência, [...].

Como dito naquela oportunidade, cumpre por primeiro verificar se é juridicamente

possível se atribuir à Guarda Municipal as funções de fiscalização de trânsito, considerando-se o

ordenamento posto.

Tal conclusão, contudo, ainda não se encontra devidamente estabelecida na

doutrina e na jurisprudência, sendo certo que há viva discussão acerca de tal possibilidade.

Não há dúvidas que as guardas municipais são órgãos dos entes políticos locais que

possuem assento constitucional, tal como dispõe o art. 144, § 8º, da CF/88:

1 A presente publicação é parte da Orientação Jurídica n. 903/2012-PGM, exarada em 3/07/12012.

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Art. 144. omissis... (...) § 8º. Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

Conforme a norma constitucional expressa, portanto, as competências atribuíveis

às guardas municipais pelos entes políticos locais que as criarem, cinge-se à defesa e proteção do

patrimônio público municipal (bens, serviços e instalações).

Por seu turno, o Código Brasileiro de Trânsito (Lei Federal nº 9.503/97) prevê a

existência de competência municipal na matéria de trânsito, determinando em seu art. 24 que:

Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição: (...) VI - executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito; (...) § 2º Para exercer as competências estabelecidas neste artigo, os Municípios deverão integrar-se ao Sistema Nacional de Trânsito, conforme previsto no art. 333 deste Código.

Prevê, ainda, a legislação de trânsito, a possibilidade de delegação de atividades,

mediante convênio, para o atingimento das políticas públicas de segurança e eficiência no trânsito:

Art. 25. Os órgãos e entidades executivos do Sistema Nacional de Trânsito poderão celebrar convênio delegando as atividades previstas neste Código, com vistas à maior eficiência e à segurança para os usuários da via.

Importante ainda se relembrar o disposto no art. 28º, § 4º, e no Anexo I, do codex:

Art. 280. (...) § 4º O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência. ANEXO I DOS CONCEITOS E DEFINIÇÕES Para efeito deste Código adotam-se as seguintes definições: (...) AGENTE DA AUTORIDADE DE TRÂNSITO - pessoa, civil ou policial militar, credenciada pela autoridade de trânsito para o exercício das atividades de fiscalização, operação, policiamento ostensivo de trânsito ou patrulhamento.

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Pois bem.

A discussão que se coloca, em âmbito doutrinário-jurisprudencial, dá-se quanto à

existência ou não de possibilidade de se atribuir às guardas municipais a capacidade de atuarem como

agente da autoridade de trânsito, na definição do Código Brasileiro de Trânsito, podendo desta forma

fiscalizar o ambiente de trânsito e lavrar, quando necessário, os autos das infrações cometidas.

O posicionamento majoritário entende que tal atribuição é impossível, face à

especificidade das competências das guardas municipais dispostas no art. 144, § 8º, da CF/88, sendo

que a locução “conforme dispuser a lei” no final do enunciado constitucional significaria a

possibilidade de serem esmiuçadas tais competências pela lei instituidora da guarda, mas, jamais, a

possibilidade de ampliação daquilo que foi delimitado pela própria Constituição Federal.

Este posicionamento, aqui denominado de restritivo, possui amparo doutrinário e

vem se firmando na jurisprudência, notadamente dos Tribunais de Justiça de São Paulo, do Rio de

Janeiro, e de Santa Catarina, através da expedição de diversos julgados nesse sentido. A título

exemplificativo, colaciona-se:

Guarda-Municipal. Representação por Inconstitucionalidade. Indelegabilidade das funções de segurança publica e controle de trânsito, atividades próprias do Poder Publico. As atividades próprias do Estado são indelegáveis pois só diretamente ele as pode exercer; dentre elas se inserem o exercício do poder de policia de segurança publica e o controle do transito de veículos, sendo este expressamente objeto de norma constitucional estadual que a atribui aos órgãos da administração direta que compõem o sistema de transito, dentre elas as Policias Rodoviárias (Federal e Estadual) e as Policias Militares Estaduais. Não tendo os Municípios Poder de Policia de Segurança Publica, as Guardas Municipais que criaram tem finalidade especifica - guardar os próprios dos Municípios (prédios de seu domínio, praças, etc) sendo inconstitucionais leis que lhes permitam exercer a atividade de segurança publica, mesmo sob a forma de Convênios. Pedido procedente. (TJRJ, 2001.007.00070 - repres. por inconstitucionalidade, DES. GAMA MALCHER, j.05/08/2002 - ORGÃO ESPECIAL). Administrativo. Constitucional. Vistoria e licenciamento de veículo. Existência de multas anteriores, inclusive pela Guarda Municipal. Pretensão de realização do ato sem pagamento daquelas e cancelamento das emitidas pela Municipalidade. Pagamento das multas no curso do feito. Extinção sem resolução do mérito quanto ao pedido de realização de vistoria e obtenção de licenciamento anual independentemente do pagamento daquelas e improcedência do pedido de anulação dos autos de infração aplicados pela Guarda Municipal reputando válidas as autuações. Apelação. Atuação dos agentes municipais, em controle de trânsito reconhecido como violando o estatuto constitucional. Prevalência do art. 144, § 8º da carta política sobre a lei no. 9.503/97. Matéria decidida pelo Colendo Órgão Especial na representação por inconstitucionalidade no. 2001.007.00070. Lei municipal 1.887/92 que autorizou a criação da Guarda Municipal que deve se adequar ao comando constitucional. Precedentes deste

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Tribunal de Justiça. Inviabilidade de exercício de poder de polícia de trânsito por empregados públicos não regularmente investidos de função pública. Provimento do apelo, reconhecimento de nulidade das infrações de lavra da Guarda Municipal e seus reflexos e modificação das verbas de sucumbência. (TJRJ, 2007.001.24015 - apelação cível, JDS. DES. PEDRO FREIRE RAGUENET - Julgamento: 31/07/2007)

O principal argumento de tal posicionamento restritivo reside, precipuamente, no

argumento de que a Constituição Federal delimitou o âmbito de competências das guardas

municipais, de modo que nenhuma norma legal – nem mesmo o CTB – poderia dispor de maneira

diversa. Ou seja, apenas por emenda constitucional é que se poderia aventar na possibilidade de

atribuir-se poder de polícia de trânsito às guardas municipais.

Referido posicionamento também é o tido como mais correto pelo Ministério das

Cidades e pelo Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN, sendo que este último emitiu o

Parecer nº 256/2004/CGIJF/DENATRAN, de 12/03/2004, em razão de consulta da Polícia Militar do

Estado de São Paulo (Processo Administrativo nº 80001.000904/2004-04), onde categoricamente

afirma:

“(...) concluímos que a Guarda Municipal não tem competência para atuar na fiscalização de trânsito e nem, como decorrência, admissibilidade com vistas a aplicar multas de trânsito sob pena de nulidade das mesmas (...)” .

De outro turno, em sentido diametralmente oposto, há posicionamento, aqui

denominado de ampliativo, que interpreta o art. 144, § 8º, da CF/88 sistematicamente aos demais

dispositivos da Constituição Federal, para entendê-lo como alinhado à autonomia e competência

legislativa dos Municípios, e, desta forma, franqueá-los a possibilidade de atribuir a suas guardas a

atribuição de fiscalização de trânsito.

Para esta forma de exegese, os artigos 1º e 18 da CF/88 delegam autonomia aos

Municípios, integrantes que são da República Federativa Brasileira, para permitir-lhes a atribuição de

competências a seus servidores públicos, de modo que a inobservância de tal autonomia acarretaria a

quebra da organização político-administrativa e, consequentemente, a forma federativa de Estado, que

se constitui em cláusula pétrea (60, § 4º, CF) imutável até mesmo por força de emenda constitucional.

Não haveria, portanto, como se interpretar isoladamente o artigo 144, § 8º, da

Constituição Federal, devendo ser utilizada uma interpretação sistêmica acerca do tema, haja vista

que as normas devem ser interpretadas no seu conjunto, principalmente, quando se trata de normas

constitucionais, como é o caso em tela.

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175 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Pelo posicionamento ampliativo, sendo indiscutível a autonomia dos Municípios,

seria incoerente acreditar que a organização e as atribuições da Guarda Municipal fossem

“engessadas” em um dispositivo insusceptível de interpretação extensiva, somente sendo passível de

mudanças por emenda constitucional, de modo que a norma do art. 144, § 8º, da CF/88 por não ser

taxativo, poderia ser assim entendido, como acontece com outros dispositivos constitucionais.

Assim, inexistiria motivo para se discutir eventual inconstitucionalidade, por

afronta ao art. 144, § 8º, da CF/88, na atuação do guarda municipal como agente de trânsito, haja vista

ser esta composta por servidores civis concursados, em atendimento ao art. 37, II, da Carta Maior, não

havendo restrição quanto à concessão dessa atribuição a este servidor, já que cabe ao Município

organizar o funcionamento dos seus órgãos, tendo em vista a autonomia assegurada a tal entidade

Federada (art. 30 da CF/88).

Tal entendimento possui amparo, atualmente, na jurisprudência do Tribunal de

Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul que assim vem decidindo:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO – PRELIMINARES – INCOMPETÊNCIA DA GUARDA MUNICIPAL – AFASTADA – INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 11.705/08 – AFASTADA – MÉRITO – NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO – ACOLHIDA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJMS, 5ª Turma Cível, Proc. 2010.011399-9/0000-00, Rel. Des. Júlio Roberto Siqueira Cardoso. 06.05.2010, publ. 11.05.2010)

Como se verifica, há intenso debate acerca do tema, não havendo como se definir,

de antemão, qual posicionamento encontra-se mais correto, tendo ambos fortes argumentos a

defender a tese. Como, ademais, não foi localizada qualquer decisão a respeito do tema perante os

Tribunais Superiores, a título de embasamento à atuação da Administração Pública, cumpre apenas

apontar que ambas posições, em princípio, são juridicamente defensáveis, cabendo portanto à

autoridade competente escolher qual dentre estas (restritiva ou ampliativa) melhor atende, de

maneira fundamentada, o interesse público local.

Para finalizar o tema, cumpre ainda esclarecer que tramita atualmente o Recurso

Extraordinário nº 611156-SP, perante o Supremo Tribunal Federal, oriundo da reautuação do

Agravo de Instrumento nº 76671SP, onde foi reconhecida a repercussão geral existente quanto ao

tema – competência da guarda municipal para a fiscalização do trânsito – cujo julgamento, portanto,

deverá afastar a celeuma vivenciada e sedimentar o entendimento do Poder Judiciário quanto ao tema.

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176 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Eis os termos da decisão, até agora, proferida no recurso, com o conhecimento da

repercussão geral do tema, cujo mérito ainda não há data firmada para o julgamento:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPETÊNCIA DA GUARDA MUNICIPAL PARA FISCALIZAÇÃO DE TRÂNSITO. ALEGADA AFRONTA AO ART. 144, § 8º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. CONVERSÃO DOS AUTOS EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. POSTERIOR SUBMISSÃO DO RECURSO AO PROCEDIMENTO DE REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. (...) DECIDO. 5. Inicialmente, cumpre afastar o fundamento da decisão agravada, pois a controvérsia restringe-se à constitucionalidade de atribuição de competência à Guarda Municipal para fiscalização e autuação de infrações de trânsito. A Agravante alega que o art. 144, § 8º, da Constituição da República restringe a competência da Guarda Municipal à hipótese de proteção de bens, serviços e instalações municipais, de modo que não abarcaria a fiscalização de trânsito. 6. Não há jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria. 7. Pelo exposto, conheço deste agravo e dou provimento a ele, nos termos dos §§ 3º e 4º do art. 544 do Código de Processo Civil, e determino a sua conversão em recurso extraordinário para submissão ao procedimento de repercussão geral. À Secretaria, para nova autuação e distribuição na forma regimental. Publique-se. Brasília, 23 de novembro de 2009. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora (STF, AI 766571 [atual RE 611156], Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 23/11/2009, public. 14.12.2009, DJe-233)

Em princípio, portanto, ocorrendo o julgamento do leading case acima mencionado,

através do regime de repercussão geral, haverá a pacificação do tema na jurisprudência pátria,

decidindo o Pretório Excelso, à luz do regramento constitucional, se é possível ou não a atribuição de

competência fiscalizatória em matéria de trânsito à Guarda Municipal, de forma que, até que tal

entendimento se consolide, entendemos precipitado conferir-se poder de polícia de trânsito à Guarda

Municipal de Londrina.

2.1.2.

Todavia, acaso a autoridade municipal entenda pela adoção do posicionamento

ampliativo acima apontado, mesmo antes do julgamento noticiado sobre o tema perante o Supremo

Tribunal Federal, conferindo desde logo à Guarda Municipal a atribuição de ordenamento e

fiscalização do trânsito urbano desta cidade, impende ainda apresentar algumas considerações sobre o

tema, que se passa a expor.

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177 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Pelo Código Brasileiro de Trânsito, como visto, os entes municipais possuem

inegável competência para o enfrentamento das questões de trânsito, sendo parte integrante do

Sistema Nacional de Trânsito:

Art. 5º O Sistema Nacional de Trânsito é o conjunto de órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que tem por finalidade o exercício das atividades de planejamento, administração, normatização, pesquisa, registro e licenciamento de veículos, formação, habilitação e reciclagem de condutores, educação, engenharia, operação do sistema viário, policiamento, fiscalização, julgamento de infrações e de recursos e aplicação de penalidades. Art. 7º Compõem o Sistema Nacional de Trânsito os seguintes órgãos e entidades: (...) III - os órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

Deve ser ainda considerado que dentre as funções da Guarda Municipal de

Londrina encontra-se a de atuar no ambiente de trânsito, consoante dispõe o art. 5º de seu Estatuto

(Lei nº 10.981/2010), e como aliás previa o edital do concurso público realizado para a contratação da

primeira turma de guardas municipais:

Art. 5º. Compete à Guarda Municipal de Londrina: (...) VI - atuar na fiscalização, no controle e na orientação do trânsito e do tráfego, por determinação expressa do Prefeito;

Portanto, tem-se que a princípio o conjunto legislativo necessário à realização de

tais atribuições encontra-se consolidado, não se vislumbrando necessidade de incremento ou alteração

nas normas legais existentes, no âmbito municipal, para tal desiderato.

Restaria realizar a “determinação expressa do Prefeito” a que alude a norma legal

para legitimar a atuação dos guardas municipais no ambiente de trânsito, o que pode perfeitamente

ser obtido por meio de Decreto Municipal, sem a necessidade de nova norma legal para tal desiderato.

Todavia, cumpre ressaltar que a fiscalização municipal do trânsito, atualmente

realizada apenas pelos agentes da CMTU, assim se dá porque aquela sociedade de economia mista

mantém convênios tanto com a Polícia Militar Estadual (delegando-a a legitimidade para fiscalizar o

trânsito municipal) quanto com o DENATRAN (para que as autuações e penalizações sejam inseridas

no banco de dados nacional sobre o trânsito mantido pela entidade).

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178 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Por conta disso, até onde se sabe, todos os agentes de trânsito da CMTU são,

pessoalmente, identificados no convênio mantido com a PM-PR para fins de reconhecimento da

legalidade das autuações realizadas, sendo que tal providência, também, teria de ser tomada com

relação aos guardas municipais, evitando-se portanto futuras alegações de iniquidade dos autos de

infração lavrados.

Assim, acaso a decisão administrativa dê-se no sentido de conferir-se desde logo

(antes do julgamento pelo STF) poder de polícia de trânsito à Guarda Municipal, ressaltamos que

convém, quanto ao ponto, ser consultada a CMTU-Ld, para que informe os procedimentos mais

corretos quanto à inclusão da guarda municipal para a fiscalização do trânsito, inclusive acerca da

necessidade de aditivação dos convênios existentes.

2.1.3.

Como último tópico de relevo quanto a esse tema, entendemos que nada impede

que a Guarda Municipal seja utilizada para a organização e gerência do trânsito urbano, em parceria

com os agentes de trânsito da CMTU, sem, contudo, possuir poder de polícia de trânsito, outorgada

atualmente somente à CMTU.

Assim, por exemplo, na ocorrência de um grande evento, ou uma obra numa via

pública, ou mesmo um acidente de trânsito, dentre tantas outras ocorrências que importariam em

restrições ao uso da malha viária municipal, a sinalização e organização do uso restrito da via

poderiam, em nosso entender desde logo, ser realizado pela Guarda Municipal, sendo que, contudo,

em sendo verificada uma violação às regras de trânsito, não poderiam lavrar qualquer auto de infração,

devendo ser acionada, nesta situação, os agentes de trânsito da CMTU. Tal atuação conjunta da

Guarda com a CMTU poderia, em tese, liberar agentes de trânsito daquela companhia para as

atuações fiscalizatórias de trânsito, enquanto o controle e orientação pudessem ser realizados por

agentes da Guarda Municipal.

Veja-se que a lei criadora da Guarda Municipal, em seu art. 5º, dispõe sobre essa

possibilidade, tanto no que concerne à atribuição de competência para “exercer a atividade de orientação e

proteção ... dos usuários dos serviços públicos municipais” (inciso II), quanto, mais propriamente, para “atuar ...

no controle e na orientação do trânsito e do tráfego” (inciso VI).

Bastaria, novamente, s.m.j., a edição de um Decreto Municipal com tal

determinação, para a regulamentação da atividade por conta dos integrantes da Guarda Municipal,

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179 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

sem a necessidade de intervenção legislativa e, nesse caso, sequer da necessidade de celebração ou

aditivação de convênios com os órgãos do Sistema Nacional de Trânsito, posto que inexistente

capacidade fiscalizatória nestas atividades.

2.2.- Poder de polícia ambiental.

Quanto ao tema ambiental, diferentemente do constante do item anterior,

entendemos haver vedação constitucional e legal à atuação da Guarda Municipal em sua fiscalização,

ainda que para infrações mais simples, tal como para a verificação de poluição sonora de trânsito,

como consta do questionamento.

A vedação constitucional, a nosso sentir, esbarra no disposto no art. 144, § 8º, da

CF/88, supra transcrito, já que o meio ambiente não pode ser classificado como “bem, serviço ou

instalação” municipal, mas sim como um direito difuso de toda a sociedade, cuja defesa incumbe ao

Poder Público, também no âmbito municipal, bem assim como de toda a coletividade.

Segundo o art. 225 da CF/88, o meio ambiente é um bem de uso comum do povo, e,

como tal, não pode ser considerado como um “bem” municipal, refugindo assim ao conceito

constitucional de atuação da Guarda Municipal.

Não bastasse isso, o arcabouço legislativo municipal acerca da organização dos

cargos dos servidores públicos, que se consubstancia no PCCS – Lei Municipal 9.337/2004 – repousa

numa premissa primária, a de divisão de atribuições em função da classificação e organização dos

respectivos cargos em grupos de carreiras, ad litteram:

Art. 5º Os cargos de provimento efetivo estão organizados de acordo com a natureza de suas atribuições, conforme Anexos I e VII, nos seguintes grupos de carreiras: I - Grupo de Carreiras de Gestão: composto de cargos cujas atribuições possuem características operacionais, administrativas, técnicas ou científicas; II - Grupo de Carreiras de Serviços Essenciais: composto de cargos cujas atribuições destinam-se à promoção da saúde; III - Grupo de Carreiras de Estado: composto de cargos cujas atribuições abrangem essencialmente a defesa jurídica dos interesses do Município, o exercício do poder de polícia, a auditoria interna e tributária e o planejamento, a organização e o controle institucional. IV - Grupo de Carreiras do Magistério: composto de cargos cujas atribuições abrangem o exercício das funções de magistério. V - Grupo de Carreiras de Técnico de Informática: composto de cargos cujas atribuições possuem características próprias de Técnico em Informática.

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180 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Como visto, a atribuição de poder de polícia a um determinado cargo ocorre

quando este é classificado como sendo integrante ao Grupo de Carreiras de Estado (inciso III), o que

não se dá com o cargo de Guarda Municipal, que possui arcabouço legislativo próprio e que não prevê

tal peculiaridade do cargo.

Não se perca de vista, outrossim, que as Carreiras de Estado são remuneradas de

maneira diferenciada dos demais cargos da Administração Municipal, percebendo adicional

exatamente porque realizam funções-chave da Administração, dentre as quais, a de fiscalização (art.

20, PCCS).

A delegação de tal competência fiscalizatória a um cargo não previsto no PCCS,

além de desvirtuar todo o sistema erigido pelo legislador local, ainda importaria em possível desvio de

função e direito à percepção do adicional aos ocupantes da Guarda Municipal que exercessem função

de fiscalização, o que não deve ser legitimado pelo Administrador Público, seja por prudência, seja por

eficiência, seja por moralidade.

Por fim, deve ser destacado ainda no âmbito infraconstitucional que pela edição da

recente Lei Complementar nº 140/2011, pela qual se fixa as normas de cooperação entre os entes

políticos para a proteção da natureza e do meio ambiente, visando “o equilíbrio do desenvolvimento e do

bem-estar em âmbito nacional” (art. 23, parágrafo único, CF/88), outorgou-se a competência fiscalizatória

ambiental primária ao órgão que tenha concedido a licença ou autorização ambiental a determinado

empreendimento, podendo, os demais, atuar supletivamente, nos termos do art. 17, caput e § 3º, da LC

140/2011, ad litteram:

Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada. (...) § 3º O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.

Assim, ocorrendo infração ambiental, a competência direta para a lavratura do

respectivo auto de infração ambiental incumbe ao órgão que concedeu a autorização ou licença

ambiental ao infrator. Tal competência não extingue a competência indireta dos demais órgãos de

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181 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

fiscalização, cujos autos de infração, contudo, em tal hipótese, ficarão condicionados ao auto derivado

do poder de polícia direto, do ente licenciante ou autorizador.

Por exemplo, então, para uma atividade licenciada pelo IBAMA, em ocorrendo uma

infração ambiental a competência direta para a lavratura do auto de infração a tal órgão é atribuída, o

que não impede que o IAP-PR ou mesmo a SEMA venham a autuar o infrator; o que ocorrerá é que o

AI lavrado pelo IBAMA terá prevalência sobre os demais, face a concessão da licença pelo ente federal.

Deriva de tal pensamento, portanto, a conclusão de que os autos de infração

ambientais, no âmbito do Município de Londrina, devem ser lavrados pelo órgão público responsável

pela fiscalização ambiental, no caso, a SEMA. A realização de um auto de infração por agente (Guarda

Municipal) externo ao corpo do órgão ambiental torna bastante precária a validade jurídica de tal

autuação, podendo ser discutida judicialmente sua força coercitiva ao infrator.

Por todo o exposto, então, entendemos que com relação à fiscalização ambiental,

esta não se insere no conceito constitucional de atribuições das Guardas Municipais, nem possui

amparo legal (municipal ou federal) para sua inserção dentre as competências dos ocupantes de tais

cargos no âmbito da Administração Pública Municipal.

3.- Conclusão.

São as orientações que se submete à apreciação superior.

À Procuradora-Geral para ratificação, na forma da Portaria 01/2010-PGM.

Londrina, 3 de julho de 2012.

F A B I O C E S AR T E I X E I R A

Gerente de Assuntos Legislativos e Normativos

Procurador do Município de Londrina

DE ACORDO. RATIFICO A ORIENTAÇÃO. DATA SUPRA.

CLAÚD I A R ODR IGUE S

Procuradora-Geral do Município de Londrina

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PARECER: DA COMPETÊNCIA MUNICIPAL PARA EXIGIR AUDITORIA AMBIENTAL COMPULSÓRIA1

Renata Kawasaki Siqueira Procuradora do Município de Londrina, ocupante das funções de Procuradora-Geral Adjunta de Gestão da Consultoria e de Gerente de Patrimônio Público, Urbanismo e Meio Ambiente – GPPUMA. Especialista em Direito do Estado pela Universidade Estadual de Londrina - UEL. Pós-Graduanda em Direito Municipal pela UNIDERP-LFG. Bacharela em Direito pela UEL.

Roberto Alves Lima Junior

Assessor Executivo lotado na Gerência de Patrimônio Público, Urbanismo e Meio Ambiente - GPPUMA. Bacharelando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica – PUC-PR.

[...]

2. ORIENTAÇÃO

Primeiramente, é oportuno destacar que a análise realizada por esta Gerência se

limitará à questão formulada, ou seja, à eficácia da sentença proferida nos autos [...].

Questões afetas à aplicação, regulamentação e trâmite das disposições inerentes ao

instrumento da Auditoria Ambiental Compulsória, ante à ausência de questionamento jurídico neste

sentido, bem como em razão de seu conteúdo eminentemente técnico, são de exclusiva competência

da Secretaria responsável pela execução da norma legal.

2.1. Da Eficácia da Sentença Proferida. Dos Limites subjetivos da coisa julgada.

A decisão encartada neste processo administrativo, trata-se de um Mandado de

Segurança Individual impetrado pela empresa requerente, em face de ato praticado pelo Sr. Diretor

Presidente do Instituto Ambiental do Paraná – IAP. Na ocasião, a autoridade ambiental exigiu para o

licenciamento das atividades de tratamento e disposição final de esgoto doméstico, a realização da

Auditoria Ambiental Compulsória, segundo previsão da Lei Estadual nº. 13.448/02.

1 A presente publicação é parte do Parecer Jurídico n. 11639/2012-PGM, exarado em 28/11/12012.

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A sentença foi prolatada aos 28/03/2006, julgando procedente o pedido inicial,

concedendo a segurança pleiteada, para o fim de reconhecer o direito da impetrante de não realizar a

Auditoria Ambiental Compulsória naquele processo.

Em análise à tramitação dos autos, observa-se que as partes não interpuseram

recursos, de modo que operou-se a imutabilidade da decisão, com a remessa dos autos para o arquivo

definitivo.

Segundo depreende-se dos limites subjetivos traçados pela demanda, observa-

se que, de modo algum, a eficácia da decisão prolatada afeta as decisões administrativas

proferidas pelo Município de Londrina, sobretudo às atinentes ao caso em tela.

Explicamos:

Nos moldes de nossa legislação processualista, a parte autora, no momento em que

promove o ajuizamento de uma demanda judicial, fixa os limites objetivos e subjetivos da tutela

jurisdicional que pretende obter, de modo que, a atuação do Magistrado encontra-se condicionada aos

exatos limites torneados pela parte autora.

Com propriedade, destacamos a lição de Fredie Didier Jr., Paulo Sarno Braga e

Rafael Oliveira2:

Daí se vê que a decisão guarda intrínseca relação com a demanda que lhe deu causa. Há entre elas um nexo de referibilidade, no sentido de que a decisão deve sempre ter como parâmetro a demanda e seus elementos. É por isso que já se disse que a petição inicial é um projeto da sentença que se pretende obter. Justamente por existir esta referibilidade, o legislador, nos arts. 128 e 460 do CPC, determina que a sentença deve conter a análise e a decisão de todos os pedidos deduzidos no processo e somente eles, não podendo ir além nem fora do que foi pleiteado.

Entende-se por limites subjetivos da demanda judicial a delimitação das pessoas

sujeitas aos efeitos da decisão judicial proferida, que por força de expressa previsão legal, serve de

apontamento jurídico para a delimitação de quem será atingido ou não pela autoridade da coisa

julgada.

2 Fredie Didier Jr., Paulo Sarno Braga & Rafael Oliveira. Curso de Direito Processual Civil. 4. ed. Salvador: JusPODVIM, 2009, vol. 02, p. 309 - 310

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Para Ovídio Baptista da Silva3, podem ser designados como parte somente aqueles

sujeitos que integram o litígio, considerados componentes do litígio, uma vez que a estes lhes é

assegurado o direito de influir sobre o convencimento do magistrado.

É de boa monta a lição do Ministro Luiz Fux4:

A situação de conflito submetida ao Judiciário tem os seus protagonistas, e a decisão, a fortiori, seus destinatários. Outrossim, a sentença não vive isolada no mundo jurídico, ressoando possível que uma decisão reste por atingir a esfera jurídica de pessoas que não participaram do processo.

Pela análise do Mandado de Segurança submetido à apreciação, verifica-se que a

parte impetrante, ora requerente, moveu a ação constitucional tão somente em face de ato praticado

pelo Sr. Diretor Presidente do Instituto Ambiental do Paraná – IAP, de modo que o Município de

Londrina, em momento algum, foi compelido a suportar os efeitos da decisão paradigma apresentada.

Segundo estabelece o artigo 472 do Código de Processo Civil, a sentença faz coisa

julgada entre as partes com relação às quais é proferida, não beneficiando, nem prejudicando terceiro.

Portanto, a regra fundamental é no sentido de que a coisa julgada, com as características de

imutabilidade e indiscutibilidade a que se refere o artigo 467 do CPC, são restritas às partes, não

aplicando qualquer tipo de efeito em relação a terceiros.

Uma vez instaurado o processo, a Res in iudicium deducta5 é determinada e limitada,

de acordo com o interesse da parte que provoca o Estado Juiz, de modo que, se o mandado de

segurança, em momento algum questionou a postura da Secretaria Municipal do Ambiente de

Londrina em relação à exigibilidade das Auditorias Ambientais Compulsórias, é pouco mais que

evidente que os efeitos da sentença de modo algum se irradiam ao caso em comento.

2.2 Do mérito da decisão judicial.

De outra banda, ainda que admitíssemos a incidência dos efeitos da r. sentença ao

caso em tela, a título de interpretação analógica, temos que a decisão judicial não se coaduna com o

atual posicionamento doutrinário e jurisprudencial no que toca à seara de proteção ambiental.

3 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Sentença e Coisa Julgada. 2.ed. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1988. 4 FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil: processo de conhecimento, processo de execução, processo

cautelar. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.1859. 5 Questão debatida em Juízo

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186 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Conforme depreende-se da fundamentação tecida pelo MM. Magistrado, a

segurança foi concedida, em síntese, pela seguinte argumentação:

“[...] o essencial ao deslinde do feito não é a certeza de que existam fatos que possam levar à auto-incriminação da impetrante, mas a suposição de que, caso exista alguma prova, esta não poderá ser feita pela própria impetrante, acobertada pelo princípio constitucional segundo o qual ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Desta maneira, estaria fornecendo provas que o prejudicam, ou seja, o auditado estaria se auto-incriminando, o que prejudicaria até mesmo seu direito à ampla defesa e ao contraditório, mesmo que tal desrespeito não esteja comprovado, existe o respaldo na razoabilidade e proporcionalidade.”

Pois bem, nossa legislação ambiental, marcada, sobretudo, por disposições

principiológicas e diretivas, impõe uma obrigatória atuação do Estado em defesa do meio ambiente,

passando a atuar enquanto peça de importante operacionalização no resguardo do interesse

ambiental.

Com o advento da Constituição de 1988, o meio ambiente passou a ser tratado

como direito humano fundamental, ganhando, inclusive, conteúdo normativo com a edição do art. 225

da Magna Carta, expressamente dispondo que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder

Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

Neste diapasão, a Carta Política catalogou-o enquanto um direito fundamental,

impondo ao Poder Público a missão de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações,

de modo que seu cumprimento, obviamente, não está adstrito ao alvedrio ou arbítrio do administrador

público, tornando-se alvo de obrigatória intervenção do Estado, assumindo um verdadeiro

compromisso indeclinável com a eficiência de sua atuação, em consonância com os propósitos e

objetivos visados pelas políticas ambientais.

Em nível constitucional, o art. 30, VIII da Magna Carta atribuiu aos Municípios

competência para promover o adequado planejamento e controle do uso e ocupação do solo urbano,

por meio de legislações e instrumentos ambientais e urbanísticos, possibilitando que as áreas urbanas

tenham crescimento ordenado, dentro de um planejamento prévio local para atender os interesses

peculiares da coletividade.

São normas cogentes, impostas pelo Estado como defesa do interesse público em

detrimento do interesse privado. Trata-se do poder de império do Estado sobre os cidadãos para que

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187 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

haja o respeito à função social da propriedade, em detrimento da manutenção do meio ambiente, a fim

de promover o desenvolvimento urbano de forma organizada e harmônica às necessidades ambientais

exigidas por nosso ecossistema.

Em nome desta supremacia e indisponibilidade do interesse público, somados ao

crescente avanço do dever social do Estado, a Administração teve que abandonar a sua posição passiva

e começar a atuar no âmbito da atividade exclusivamente privada, deixando apenas de impor

obrigações negativas (não fazer), passando a regular obrigações positivas, ganhando, portanto, aparato

para exercer o seu poder de polícia.

Deste norte, é certo que os princípios ambientais não apenas são a fonte criadora

do sistema jurídico ambiental, mas também, não é demais ressaltar, mantêm verdadeiro aspecto

integrativo e harmônico, seja enquanto norte no poder legiferante, seja na aplicação do direito

objetivo, sobretudo no desenvolvimento de políticas públicas.

Segundo consagra o mestre Álvaro Luíz Valery Mirra6, as quatro principais funções

dos princípios do Direito Ambiental, podem ser sintetizadas da seguinte forma:

a) são os princípios que permitem compreender a autonomia do Direito Ambiental em face dos

outros ramos do Direito;

b) são os princípios que auxiliam no entendimento e na identificação da unidade e coerência

existentes entre todas as normas jurídicas que compõem o sistema legislativo ambiental;

c) é dos princípios que se extraem as diretrizes básicas que permitem compreender a forma pela

qual a proteção do meio ambiente é vista na sociedade;

d) e, finalmente, são os princípios que servem de critério básico e inafastável para a exata

inteligência e interpretação de todas as normas que compõem o sistema jurídico ambiental,

condição indispensável para a boa aplicação do Direito nessa área.

Nesta esteira, compulsando o processo administrativo submetido à apreciação

desta Procuradoria, esta Gerência posiciona-se no sentido de que a invocação dos princípios

ambientais da prevenção/precaução não apenas justifica, mas impõe ao Poder Executivo o dever de

supressão do direito de não fazer prova contra si mesmo em detrimento da supremacia do interesse

ambiental sobre o interesse privado.

6 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios Fundamentais do direito Ambiental. Revista do Direito Ambiental. Ano 1, nº. 2. Abril/Junho. 1996.p.52.

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188 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, também

conhecido como princípio da Finalidade Pública, revela-se enquanto um interesse basilar do direito

administrativo, assegurando que o interesse público não se rebaixa aos interesses privados, mesmo

diante de um confronto entre tais interesses, de modo que, nesta situação, aquele sempre prevalecerá.

Édis Milaré7 sintetiza tal idéia, assinalando que a proteção do meio ambiente não

pode mais ser considerada um luxo ou uma utopia, pois o reconhecimento deste interesse geral

permitirá um novo controle de legalidade e estabelecerá instrumentos aptos a fazer respeitar o novo

objetivo do Estado.

A intervenção da Secretaria do Meio Ambiente não apenas é legítima, como não é

demais ressaltar, é plenamente recomendada.

Segundo consta da Seqüência 005 do SIP 53417/2012, de acordo com os estudos

apresentados, o Ribeirão Lindóia não possui capacidade de suporte para receber o efluente da

ETE Norte, assim como o Ribeirão Cambé não possui capacidade de suporte para receber o

efluente da ETE Sul.

Ora, é pacífico em nosso Ordenamento que a proteção do meio ambiente e de seus

recursos naturais É DEVER DO ADMINISTRADOR PÚBLICO.

É imperioso ter-se em mente que o Direito Ambiental trata-se de uma ciência cuja

preocupação se volta para um momento anterior à consumação do dano, abraçando a regulação do

mero potencial de risco. Em se tratando de recursos naturais, a reparação do dano é sempre incerta e,

quando possível, excessivamente custosa. Tratam-se de situações em que os efeitos são deverasmente

prejudiciais, atingindo proporções frequentemente irreversíveis.

Nesta esteira, a prevenção, como já dito, visa à antecipação da atuação estatal, de

modo que previne eventual ocorrência de danos aos recursos naturais que poderiam ser desde já

detectáveis, ou pelo menos, mitigados.

De outra banda, o princípio da precaução mostra-se aplicável nas situações onde,

muito embora não se saiba a dimensão e a proporção dos riscos, a conduta/atividade é considerada

potencialmente perigosa e, portanto, passível de restrição quanto a seu uso.

7 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 146

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189 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Nesta ocasião, a incerteza científica deve ser usada em favor do meio ambiente, ou

seja, mesmo que não haja uma certeza da prova científica sobre o liame de causalidade e os efeitos de

atividades de risco, estas devem sem reduzidas ou até mesmo evitadas, em atenção ao princípio do in

dubio pro ambiente.

Segundo a melhor conclusão de nosso Mestre Edis Mlaré8, a incerteza científica

milita em favor do ambiente, impondo ao interessado o ônus de provar que as intervenções

pretendidas não trarão conseqüências indesejadas ao meio ambiente. É verdadeiro imperativo que a

atividade seja cessada diante de controvérsias cientificas em relação aos seus efeitos nocivos, haja vista

que a potencialidade e a irreversibilidade dos efeitos da ação humana impõem ao Estado o dever de

exercer o seu munus.

Em análise à postura adotada pela Secretaria Municipal do Ambiente, temos que a

exigência imposta pela autoridade ambiental, seja na exigibilidade da Auditoria Ambiental

Compulsória, seja na aplicação de qualquer outro instrumento ambiental, visa exatamente à

elucidação e mitigação dos apontados riscos contra o Meio Ambiente, exercendo exatamente as

atribuições que foram conferidas pela Lei Municipal n 8834/2002, que dispõe sobre a estrutura

administrativa dos órgãos e secretarias deste Município:

Art. 21. À Secretaria Municipal do Ambiente, órgão diretamente subordinado ao Prefeito, compete: ... II - assegurar a preservação, a recuperação e a exploração dos recursos naturais do Município; III - estabelecer, implantar e administrar a política ambiental do Município; ... VII - fiscalizar todas as formas de agressão ao ambiente, aplicar as penalidades cabíveis e orientar sua recuperação; VIII - assessorar a administração municipal no que concerne aos aspectos ambientais; IX - agir integradamente com todos os órgãos, secretarias e entidades visando à melhoria da qualidade de vida; X - emitir pareceres sobre concessão de licença para instalação de empresas que manifestem interesse em explorar, economicamente, recursos naturais do Município; XI - emitir pareceres e laudos técnicos ambientais quanto a empreendimentos que visem ao parcelamento do solo urbano e a indústrias que causem qualquer tipo de impacto ambiental; XII - emitir pareceres e laudos técnicos ambientais quanto à utilização, doação ou qualquer empreendimento em áreas verdes e de preservação permanente pelo Município; ...

8 Op. Cit, P.145.

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190 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

XX - efetuar outras atividades afins no âmbito de sua competência.

E, segundo apregoa o art. 51 da Lei 11.471/2012 (Código Ambiental do Município de

Londrina), a Auditoria Ambiental trata-se do processo documentado de inspeção, análise e avaliação

periódica ou ocasional das condições gerais e específicas de funcionamento de atividades ou

desenvolvimento de obras causadoras de impacto ambiental, com o objetivo de:

I – verificar o cumprimento de normas ambientais federais, estaduais e municipais; II – verificar o cumprimento das condições estabelecidas nas licenças ambientais e no estudo prévio de impacto ambiental, quando houver, bem como as exigências feitas pelas autoridades competentes em matéria ambiental; III – verificar os níveis efetivos ou potenciais de poluição e degradação ambiental provocados pelas atividades ou obras auditadas; IV – examinar a política ambiental adotada pelo empreendedor ou responsável pela atividade e sua conformidade com os padrões legais em vigor; V – avaliar os impactos ambientais causados por obras ou atividades auditadas; VI – analisar as condições de operação e de manutenção dos equipamentos e sistemas de controle das fontes poluidoras e degradadoras; VII – examinar, mediante padrões e normas de operação e de manutenção, a capacitação dos operadores e a qualidade do desempenho da operação e manutenção dos sistemas, rotinas, instalações e equipamentos de proteção do ambiente; VIII – identificar os riscos de acidentes e de emissões contínuas, que possam afetar, direta ou indiretamente, a saúde da população residente na área de influência; e IX – analisar as medidas adotadas para a correção de irregularidades detectadas em auditorias ambientais anteriores.

De acordo com a NBR ISO 14010 (ABNT1996c), a auditoria ambiental é o processo

sistemático e documentado de verificação, executado para obter e avaliar, de forma objetiva,

evidências de auditoria para determinar se as atividades, eventos, sistema de gestão e condições

ambientais especificados ou as informações relacionadas a estes estão em conformidade com os

critérios de auditoria ,e para comunicar os resultados deste processo ao cliente.

Neste diapasão o Tribunal de Contas da União9 define a Auditoria Ambiental

enquanto o conjunto de procedimentos aplicados ao exame e avaliação dos aspectos ambientais

envolvidos em políticas, programas, projetos e atividades desenvolvidas pelos órgãos e entidades

sujeitos ao seu controle.

9 Manual de Auditoria Ambiental. Brasília, TCU: 2001

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191 Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina

Trata-se, portanto, de um instrumento ambiental devidamente prescrito em nossa

legislação ambiental, consistente na elaboração de um diagnóstico documentado dos níveis efetivos ou

potenciais de poluição ou degradação ambiental, condições de operação, eficiência dos sistemas de

controle de poluentes, riscos ambientais, cumprimento da legislação ambiental, e ainda, do

desempenho ambiental da empresa, favorecendo a definição das ações de controle e de gerenciamento

que deverão ser tomadas para proporcionar a sua melhoria ambiental.

A potencialidade de impacto ao meio ambiente é devidamente aferida pela redação

do próprio art. 52 do mencionado diploma, asseverando em seu inciso V que a instalação de

tratamento e disposição final de esgotos domésticos enquadra-se dentre as atividades de elevado

potencial poluidor ou degradador do meio ambiente.

Não obstante, a Lei 6.938/1981 que dispõe sobre a Política Nacional do Meio

Ambiente, em seu ANEXO VIII, ao definir as atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de

recursos ambientais, traz ínsita em sua relação de forma expressa (item 17) o serviço de destinação de

resíduos de esgotos sanitários e de resíduos sólidos urbanos, inclusive aqueles provenientes de fossas.

Nesta esteira, o que pretendemos demonstrar é que, ante à constatação de indícios

de lesão, ou mesmo, mera potencialidade de lesão ao meio ambiente, é lícito ao Poder Público, em sede

de seu poder de polícia ambiental, exigir a aplicabilidade de quaisquer de seus instrumentos

ambientais, inclusive, a Auditoria Ambiental Compulsória, a fim de evitar danos futuros que venham a

prejudicar a sadia qualidade de vida de nosso meio ambiente.

Neste escólio, não é outro o posicionamento de nossos Tribunais:

APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – AUDITORIA AMBIENTAL COMPULSÓRIA – AFRONTA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, INOCORRÊNCIA – PODER DE POLÍCIA INERENTE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – PRINCÍPIOS DA PRECAUÇÃO E PREVENÇÃO OBSERVADOS – VIOLAÇÃO SIGILO INDUSTRIAL, INOCORRÊNCIA – INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO – ATO ILEGAL OU ABUSO DE PODER DO IAP NÃO CONFIGURADOS - RECURSO PROVIDO – SENTENÇA REFORMADA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO 1. A Auditoria Ambiental compulsória é regulamentada pela Lei nº 13.488/02, pelo Decreto Estadual nº 2.076/03 e demais Portarias atinentes a matéria, que se coadunam perfeitamente com o sistema jurídico de proteção ao meio ambiente (art.225 da Constituição Federal; art. 207 da Constituição Estadual e Lei nº 6.938/81). 2. As auditorias ambientais compulsórias são instrumentos que visam avaliar a gestão ambiental de uma atividade econômica, analisando seu desempenho ambiental, e

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verificando, entre outros fatores, o grau de conformidade com a legislação ambiental vigente e com a própria política ambiental da instituição.

APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. AUDITORIAS AMBIENTAIS COMPULSÓRIAS. APLICAÇÃO DA LEI ESTADUAL Nº 13.448/02, DO DECRETO ESTADUAL Nº 2.076/03 E DAS PORTARIAS NºS 49/05 E 100/05 DO IAP. INOCORRÊNCIA DE AUTO-INCRIMINAÇÃO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE, EFICIÊNCIA E ISONOMIA. ALEGAÇÃO DE “VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DA TRIBUTAÇÃO COM EFEITOS DE CONFISCO”. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, DESPROVIDO. A realização de auditoria ambiental compulsória encontra amparo no princípio da legalidade, posto que a matéria encontra-se regulamentada pela Lei Estadual nº 13.448/2002, pelo Decreto Estadual nº 2.076/2003 e pelas Portarias nºs 49/05 e 100/05, ambas do Instituto Ambiental do Paraná – IAP, não violando o direito fundamental de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo e do silêncio, nem os princípios da proporcionalidade, eficiência e isonomia. Não se conhece do recurso no tocante à alegação de “violação ao princípio constitucional da vedação ao enriquecimento sem causa da tributação com efeitos de confisco” e teses afins, vez que tais matérias constituem inovação recursal, pois não foram argüidas em primeiro grau de jurisdição, não podendo ser apreciadas em tal momento processual, sob pena de supressão de instância.

3. CONCLUSÃO

Tecidas tais considerações, entende-se pela inaplicabilidade dos efeitos da

sentença paradigma proferida no Mandado de Segurança [...], seja em razão dos limites subjetivos

inter partes traçados pela demanda, seja em virtude da inobservância do julgado às disposições

ambientais hodiernas, representando verdadeiro retrocesso às prerrogativas ambientais conferidas à

Administração.

Na oportunidade, colacionamos cópia da sentença proferida nos Autos de

Mandado de Segurança, Relatório do Andamento Processual, bem como promovemos a juntada do

atual posicionamento do Tribunal de Justiça do Paraná, documentação esta que passa a fazer parte

integrante do presente processo administrativo.

Londrina, 28 de Novembro de 2012.

RENATA KAWASAKI SIQUEIRA Gerente de Patrimônio Público, Urbanismo e Meio Ambiente

Procuradora do Município de Londrina

ROBERTO ALVES LIMA JUNIOR

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Assessor Executivo Matrícula 22.672-6

De acordo: EVALDO DIAS DE OLIVEIRA Procurador-Geral do Município

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