Arquitetura Moderna em Porto Alegre na década de 1950

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    Arquitetura Moderna em Porto Alegre na dcada de 1950:a modernidade como patrimnio na cidade contempornea

    Cicero AlvarezArquiteto e Urbanista Mestre em Arquitetura

    Centro Universitrio Metodista IPARua Cel. Joaquim Pedro Salgado, 80, Rio Branco 90420-060 Porto Alegre, RS Brasil

    Telefone: (51) 3316 1300 Ramal: 2003 e (51) 8111 1039e-mail: [email protected]

    Marcos Miethicki da SilvaArquiteto e Urbanista Mestre em Arquitetura

    Centro Universitrio Metodista IPARua Cel. Joaquim Pedro Salgado, 80, Rio Branco 90420-060 Porto Alegre, RS Brasil

    Telefone: (51) 3316 1300 Ramal: 2003 e (51) 9829 2074e-mail: [email protected]

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    Arquitetura Moderna em Porto Alegre na dcada de 1950:a modernidade como patrimnio na cidade contempornea.

    O incio da Arquitetura Moderna no Rio Grande do Sul caracteriza-se por forte influncia da obra deLe Corbusier e da Escola Carioca. A maioria da obras relevantes do perodo pertence aos egressos eprofessores do curso do Instituto de Belas Artes (IBA) de Porto Alegre.

    Pilotis, quebra-sis, planta livre, estrutura independente com balanos permitindo fachadas livres e

    tetos terraos comeam a compor Porto Alegre nos anos 1950. A diferena climtica entre a capital rio-grandense e o Rio de Janeiro aparece nas obras, como edifcios mais fechados e protegidos.O Hospital de Clnicas de Porto Alegre, de Jorge Moreira, projeto pioneiro da Escola Carioca na

    cidade e o projeto do Palcio da Justia de Porto Alegre, de Luis Fernando Corona e Carlos MaximilianoFayet, respondem s particularidades climticas.

    Os longos perodos da construo dessas edificaes produzem conseqncias prejudiciais paraseus ocupantes e para a cidade. O projeto original do Hospital de Clnicas data de 1942, no entanto, oprojeto executado baseou-se na terceira verso produzida pelo arquiteto uma dcada depois e a Sede daJustia, Concurso Nacional de Arquitetura em 1952, s inaugurada dezesseis anos depois.

    A reportagem Muito Edifcio Pouca Arquitetura, publicada na Revista do Globo, em 1958, afirmaque o modernismo no pegou e busca compreender os motivos entrevistando dez (re)conhecidosarquitetos rio-grandenses, os quais apontam o Hospital de Clnicas e o Palcio da Justia como os maisimportantes exemplares de Arquitetura Moderna no estado.

    O artigo aborda a concepo de ambas as edificaes, a construo, a importncia desses edifciospara a afirmao do movimento moderno em solo rio-grandense e seu papel na Porto Alegre do sculo XXI.

    Palavras-chave: arquitetura moderna em Porto Alegre; Hospital de Clnicas de Porto Alegre,Palcio da Justia de Porto Alegre.

    Modern Architecture in Porto Alegre on the 50s:the modernity as heritage in the contemporary city.

    The beginning of Modern Architecture in Rio Grande do Sul is characterized by a strong influence ofLe Corbusiers work and the so called Carioca (from Rio de Janeiro) School. The majority of the relevantwork from this period comes from ex-students and teachers from Instituto de Belas Artes (IBA) of PortoAlegre.

    Pilotis (Piers), sun breakers, free plan, cantilevered independent structure allowing for free facades,and roof gardens start to populate the Porto Alegre scenery in the 50s.The climatic differences between Riode Janeiro and Porto Alegre shows up in the architecture of the latest in a form of more enclosed andsheltered buildings.

    The Jorge Moreiras Hospital das Clinicas de Porto Alegre, a pioneer project in a Carioca Schoolstyle in the city, and the Luis Fernando Corona and Carlos Maximiliano Fayets Palcio da Justica de PortoAlegre are good examples of this climatic adaptation.

    The long time it took for those buildings to be finished created harmful consequences for its usersand for the city. The Hospital das Clinicas original project is from 1942, however the executed project wasbased on a 3rd version produced by the architect a decade later, and the Palcio da Justica, national

    architectural competition in 1952, had its opening only 16 years later.The report Lots of Buildings Few Architecture published in a Revista do Globo magazine, in 1958,states that the modernism didnt caught up and tries to understand the reasons why it didnt interviewingten of the most renowned architects from Rio Grande do Sul, who point out that Hospital das Clnicas andthe Palcio da Justica are the most important examples of Modern Architecture in the State.

    The article approaches both buildings conceptions, the construction, their importance for theestablishment of Modern Movement in Rio Grando do Sul and its role for the Porto Alegre of the 21stcentury.

    Key words: modern architecture in Porto Alegre; Hospital de Clnicas de Porto Alegre, Palcio daJustia de Porto Alegre.

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    Arquitetura Moderna em Porto Alegre na dcada de 1950:a modernidade como patrimnio na cidade contempornea.

    O incio da Arquitetura Moderna no Rio Grande do Sul caracteriza-se por forte influncia da obra

    de Le Corbusier e da Escola Carioca. Os egressos do Instituto de Belas Artes (IBA) de Porto

    Alegre, cujo currculo seguia o da Faculdade Nacional de Arquitetura (FNA) da Universidade do

    Brasil localizada no Rio de Janeiro, tm uma atuao destacada a partir da formatura da primeira

    turma, em dezembro de 1949. A maioria da obras relevantes do perodo pertence a eles (mesmo

    aqueles que se formaram aps 1952 na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Rio Grande

    do Sul) e aos professores do curso do IBA.

    Entre os professores destacam-se os nomes de Jorge Machado Moreira1, Edgar Albuquerque

    Graeff, formado em 1947 na FNA, e Fernando Corona, cujo filho, Eduardo Corona, formado em

    1946 na FNA, trabalha com Oscar Niemeyer de 1945 a 1949, Secretario Geral do Instituto deArquitetos do Brasil e responsvel direto pela realizao, em Porto Alegre, do II Congresso

    Brasileiro de Arquitetos, em 1948.

    O II Congresso Brasileiro de Arquitetos acontece entre 20 e 27 de novembro, com a presena de

    Jorge Machado Moreira, Eduardo Kneese de Mello, Icaro de Castro Mello, Carmen Portinho,

    Ildefonso Aroztegui, entre outros. Ao jornal Correio do Povo, Eduardo Corona esclarece algumas

    das razes para a escolha de Porto Alegre:

    A escolha de Porto Alegre para sede desse conclave nos foi imposta por ser esta capital amais necessitada entre todas de um impulso e um esclarecimento no que se refere aoaspecto arquitetnico. Porto Alegre, nesse particular est atrasadssima. uma cidade emcmara lenta. Tudo chega em ltimo lugar. Precisamos mostrar ao povo porto-alegrense oque a nova arquitetura e o que j se fez no Brasil, qual a nova realidade tcnica. urgente evitar-se que a nossa cidade seja vitima, como tem sido, dos mais recentesmonstrengos construdos em nosso pas. (apud Correio do Povo, 26/10/1948).

    No ano de 1949, formam-se os arquitetos do IBA e, tambm, os primeiros engenheiros arquitetos

    do Curso de Arquitetura da Escola de Engenharia, tambm em Porto Alegre. Em 1952, os dois

    cursos so fundidos dando origem a Faculdade de Arquitetura da Universidade do Rio Grande doSul. Todavia, convm destacar o precioso trabalho A produo arquitetnica dos egressos da

    Escola de Engenharia e do Instituto de Belas Artes no perodo de 1949 a 1952, de Cristina de

    Lorenzi Campelo, que faz anlise de todos os projetos arquitetnicos encaminhados para

    aprovao na Prefeitura Municipal de Porto Alegre, entre 1949 e 1952, por 61 profissionais

    egressos dos dois cursos, 36 do IBA. Destes trabalhos foram selecionados e comparados

    aproximadamente 181 projetos, sendo apenas 33 de egressos da Escola de Engenharia. O

    trabalho conclui: Finalizando, podemos afirmar que as origens da arquitetura moderna em Porto

    1Embora faa parte do corpo docente, Jorge Moreira nunca lecionou no Instituto, limitando-se a algumas palestras e a presena no IICongresso Brasileiro de Arquitetos

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    Alegre se deram, sem dvida, no Instituto de Belas Artes e na produo de seus apaixonados

    integrantes (Campelo, 1991: 68)

    A presena desses egressos da FNA como docentes do IBA, somada aos projetos de arquitetos

    da Equipe do Ministrio da Educao e Sade Pblica (MESP) em Porto Alegre (a sede da Viao

    Frrea do Rio Grande do Sul, em 1944, de Jorge Machado Moreira e Affonso Eduardo Reidy; doIPE, em 1945-46, de Oscar Niemeyer; o projeto original do Hospital de Clnicas de Porto Alegre,

    de Moreira, em 1942) e aliada s publicaes estrangeiras disponveis nas bibliotecas, como

    Larchitecture daujourdhuie a Ouvre complete de Le Corbusier, influenciaram os estudantes.

    O exemplo da revista Espao ilustra isso. Devido ao II Congresso e presena de Edgar A. Graeff

    (que juntamente com Marcos Jaimovish, dirigia a revista Ante-Projeto na FNA), um grupo de

    estudantes do IBA cria a verso rio-grandense da Ante-Projeto. No primeiro nmero o nome o

    mesmo, a partir do segundo, rebatizada como Espao arquitetura, urbanismo, arte. Neste a

    publicao afirma que dezenas e dezenas de arquitetos brasileiros so discpulos de Lcio

    Costa e o define como um smbolo. A contracapa mostra desenho de perfil do arquiteto. Em

    outra matria, so louvados o Pavilho do Brasil na Feira de Nova Iorque, o MESP, a ABI, a

    Pampulha, o Parque Guinle, e a culminncia d-se no projeto da ONU, de Niemeyer. O segundo

    nmero, com desenhos de Lus Fernando Corona2, apresenta a Carta de Atenas, texto de Lus

    Fernando utiliza citaes de Le Corbusier e a contracapa tem rosto de Niemeyer ilustrado por

    Glnio Bianchetti. Espao n. 3 dedicada ao II Congresso Brasileiro de Arquitetos; a formatura

    dos urbanistas do IBA tendo Oscar Niemeyer como paraninfo, ao texto de Lcio Costa

    Consideraes sobre o Ensino de Arquitetura e apresenta na contracapa ilustrao do rosto de

    Jorge Moreira. A quarta e ltima, dedicada aos 5 anos do Ensino de Arquitetura no IBA, abre com

    a definio de Lcio de que arquitetura construo concebida com inteno plstica e

    apresenta a Conferncia de Le Corbusier no CIAM de Atenas. Demtrio Ribeiro destaca:

    Trs fatos podem ser lembrados no processo de promoo da arquitetura no Rio Grande doSul, que, como dissemos de incio, tomava a forma de promoo da arquitetura moderna:projetos vindos de fora, fundao do ensino da arquitetura no Estado e fundao doDepartamento local do Instituto de Arquitetos do Brasil. (XAVIER, 1987: 26)

    A produo desses arquitetos comea a compor Porto Alegre nos anos 1950. Surgem na cidade

    edifcios vinculados arquitetura contempornea brasileira com pilotis, quebra-sis, planta livre,

    estrutura independente com balanos permitindo fachadas livres e tetos terraos. A diferena

    climtica entre a capital rio-grandense e o Rio de Janeiro aparece nas obras, edifcios mais

    fechados e protegidos. Edgar A. Graeff, no primeiro nmero da Revista Espao Arquitetura3,

    de 1958, em artigo sobre os dez anos de arquitetura no estado, destaca a importncia de certos

    traos singulares e vigorosos do meio, a saber, a gente do Rio Grande, o clima e a falta de um

    mercado fornecedor mais rico.

    2Lus Fernando Corona, filho de Fernando e irmo de Eduardo Corona, um dos mais destacados estudantes do IBA.

    3Alguns dos responsveis pela verso do IBA, agora arquitetos, integram o grupo da segunda vida da Revista Espao.

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    Dentro desse contexto destacam-se o Hospital de Clnicas de Porto Alegre, de Jorge Moreira,

    projeto pioneiro da Escola Carioca na cidade e o projeto do Palcio da Justia de Porto Alegre, de

    Luis Fernando Corona e Carlos Maximiliano Fayet. Ambos respondem a essas particularidades.

    Hospital de Clnicas de Porto Alegre

    Desde o incio da dcada de 1930 um hospital de clnicas era solicitado pelos professores da

    Faculdade de Medicina, sendo que para essa edificao foram realizados diversos estudos antes

    mesmo do projeto de Jorge Moreira4. Nesse sentido, o contexto englobou a introduo, afirmao

    e consolidao da arquitetura moderna na capital gacha, envolta por expresses eclticas e

    tendncias art dco. Moreira realizou trs verses para o projeto entre 1942-1952, incluindo um

    plano urbanstico para o Centro Mdico no qual o hospital se insere.

    A primeira verso do projeto5 (figs. 1 e 2) caracteriza-se pela tenso estabelecida entre a grande

    diferena de altura de uma barra vertical e uma placa horizontal, unidas por uma ponte que

    demarca o eixo de simetria. Divergindo da simetria axial absoluta em alguns elementos pontuais,

    destacam-se o auditrio trapezoidal de cobertura abobadada acoplado na ponte, as marquises

    que demarcam os acessos na base e as cascas hiperblicas no terrao da barra vertical.

    FIG. 1: vista sul da maquete do Hospital de Clnicas 1942(Fonte: Acervo de Jorge Moreira no NPD FAU/UFRJ)

    FIG. 2: vista leste da maquete do Hospital de Clnicas 1942(Fonte: Acervo de Jorge Moreira no NPD FAU/UFRJ)

    A barra vertical do Hospital de Clnicas apresenta elevao tripartida, com base6, corpo7 e

    coroamento8 em verso moderna. O projeto apresenta na base colunas de ordem colossal

    dispostas em trs fileiras longitudinais. Sua proporo apresenta uma barra muito mais larga do

    4Sobre os projetos desenvolvidos para o Hospital de Clnicas antes da atuao de Jorge Moreira, consultar Silva, 2006: 21-52.

    5A primeira verso do projeto do Hospital de Clnicas recebeu prmio de honra no VI Congresso Pan-americano de Arquitetos em

    Lima, em 1947, e medalha de ouro no LIV Salo Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro, em 1949 (Silva, 2006: 115).6

    A base composta pelo trreo e sobreloja, onde se encontra o hallprincipal de dupla altura, que juntamente com a sobreloja indicaum carter pblico ao espao, farmcia e administrao. Na sobreloja encontra-se a ponte de ligao entre a barra vertical e a placahorizontal, sendo nesse entremeio que est localizado o auditrio, que contribui para enfatizar a separao entre a barra e a placa.7O corpo apresenta dez pavimentos, sendo que nove correspondem s enfermarias (3ao 11andar) e o dc imo segundo pavimento,

    que finaliza o corpo da edificao, est recoberto por grelha onde se encontra os alojamentos, a cozinha e os refeitrios.8

    O coroamento subdivide-se em dois estgios distintos: o primeiro constitui a terminao do corpo da barra vertical em pano muralcego e o segundo apresenta volumes diferenciados dispostos no terrao. O primeiro estgio (13 e 14 a ndar) se integrafuncionalmente, apresentando reas com p-direito duplo onde se encontram salas de aula em forma de anfiteatro, bloco cirrgico egaleria de observao. O segundo estgio (15andar ) se destina parte recreativa, apresentando tambm os alojamentos das irmsreligiosas.

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    que alta, tendo como correspondncia uma colunata mais baixa. O projeto apresenta as linhas de

    colunas exteriores recuadas em relao s empenas do corpo da barra vertical, sendo que a base

    se mantm recuada em toda sua extenso. Devido s especificidades climticas, no se trate de

    base aberta como ocorre no Ministrio da Educao e Sade, que possui um vazio entre dois

    slidos funcionando como um prtico, sendo que a colunata do Hospital de Clnicas denota

    permeabilidade e cumpre a funo de base em loggia indicativa do acesso. Contudo, um prtico

    virtual envidraado caracteriza o acesso principal do Hospital de Clnicas, sendo valorizado pela

    incluso de uma grande marquise assimtrica composio, mas em contraponto com a

    marquise menor existente na ala direita.

    A placa horizontal do Hospital de Clnicas apresenta um perfil ascensional, conferido por meio de

    rampas laterais que interligam dois blocos da placa, de larguras diferentes separados por ptio: o

    primeiro9 se encontra assentado no solo e o segundo10 se ergue sobre pilotiscom estacionamento

    abaixo. As rampas que definem o perfil ascensional da placa so suportadas por inslitascolunetas de altura varivel devido inclinao da rampa. O bloco elevado suportado por duas

    linhas de pilares retangulares arredondados nos cantos e alinhados com a colunata da base da

    barra vertical.

    A orientao do Hospital de Clnicas foi regida pela insolao pretendida nas enfermarias para

    NNE11, fazendo com que a barra ficasse paralela avenida Projetada (fig. 3). Cabe ressaltar que

    a conformao entre as vias existentes e as vias propostas no fazem parte da proposta de

    Moreira, mas so resultantes da utilizao do plano da Feira Permanente de Amostras de Arnaldo

    Gladosch12 realizado durante estudos do Plano Diretor entre 1939 e 1942 (Silva, 2006: 47-50).

    Outro importante fator considerado para a orientao da edificao foi a localizao do

    ambulatrio, situado na placa horizontal, o mais prximo possvel das vias existentes na poca: a

    av. Protsio Alves e a rua So Manoel. Mediante isso, o acesso e a sada dos pacientes externos

    do ambulatrio seriam facilitados, evitando o movimento de doentes dentro do Centro Mdico

    (Moreira, 1954: 348). Conseqentemente, o Hospital de Clnicas aparenta negar o arruamento

    existente, resultando em uma situao diagonal s duas vias consolidadas.

    A edificao seria simultaneamente disposta de forma tradicional e moderna em relao cidade.Tradicional por estar paralelo av. Projetada e por definir um carter monumental edificao

    como coroamento do eixo perspectivo da av. Jernimo de Ornelas. Moderna por apresentar

    aspectos como a negao do quarteiro perifrico, o tema da edificao isolada em meio ao

    parque e a percepo serial e dinmica do edifcio, evitando a frontalidade se relacionada com o

    traado existente (Calovi Pereira, 2000: 57).

    9O bloco trreo corresponde ao ambulatrio, com seus consultrios em suas diversas especialidades clnicas.

    10O bloco elevado corresponde aos servios tcnico-cientficos, onde se localiza o setor de diagnstico e tratamento.

    11

    Moreira considerou a melhor soluo para as enfermarias do HCPA baseado no trabalho do eng. Paulo S que abrange o estudodas condies de orientao para 9 cidades (Moreira, 1954: 348).12Arnaldo Gladosch foi contratado pela Prefeitura de Porto Alegre, em 21 de dezembro de 1938, para o desenvolvimento do Plano

    Diretor da cidade, sendo que havia trabalhado no plano do Rio de Janeiro realizado por Alfredo Agache entre 1926 e 1930 (Paiva,1943: 215-8). Em Porto Alegre projetou edificaes de grande vulto, como o edifcio Sulacap de 1938 e o edifcio Mesbla de 1944.

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    FIG. 3: Centro Mdico de Jorge Moreira 1948(Fonte: Arquivo do Hospital de Clnicas)

    1-Hospital de Clnicas 6-Auditrio 10-Centro de Estudantes2-Clnicas Especializadas 7-Faculdade de Medicina 11-Ginsio3-Clnica Neurolgica 8-Faculdade de Farmcia 12-Estdio4-Servios Gerais e Odontologia 13-Tnis e Basquete5-Necrotrio 9-Escola de Enfermagem 14-Piscina

    Com o posterior prolongamento da rua Ramiro Barcelos13 pela prefeitura no final da dcada de

    1940 (Franco, 1992: 347), muda drasticamente a forma do terreno, fazendo com que as

    edificaes no mais se relacionassem com a av. Projetada (figs. 4 e 5). Conseqentemente, oconjunto perde um eixo organizativo importante e a ambigidade da disposio tradicional e

    moderna, parecendo ficar evidente a negao de quarteires e alinhamentos por meio da

    disposio oblqua dos edifcios, evitando-se a frontalidade (Calovi Pereira, 2000: 57).

    FIG. 4: montagem do mapa atual com situao do Centro Mdico(Fonte: autor (Silva), baseado em Thofehrn, 1986: 26 e no Arquivo do Hospital de Clnicas)

    FIG. 5: mapa da conformao atual da rea do Campus Sade da UFRGS(Fonte: Thofehrn, 1986: 26)

    13Embora a Prefeitura Municipal se interessasse pela extenso da rua Ramiro Barcelos, cabe ressaltar que o projeto inicial partiu da

    Diviso de Obras da URGS mediante os planos desenvolvidos para o Centro Mdico (Haetinger, 1960: s.p.).

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    Necessitando de revises para solucionar problemas financeiros e funcionais, em 1946, quatro

    anos aps a elaborao do primeiro projeto, Jorge Moreira concluiu uma nova verso do Hospital

    de Clnicas. Denominado pelo prprio arquiteto como um estudo, nesse foram realizadas

    modificaes apenas na barra vertical e na ponte. A verso foi desenvolvida somente em planta,

    sendo que as duas perspectivas existentes no correspondem exatamente ao que foi alterado nas

    plantas, simbolizando serem apenas pr-estudos (figs. 6 e 7).

    FIG. 6: perspectiva leste A do Hospital de Clnicas pr-estudo da verso intermediria [1946?](Fonte: Acervo de Jorge Moreira no NPD FAU/UFRJ)

    FIG. 7: perspectiva leste B do Hospital de Clnicas pr-estudo da verso intermediria [1946?](Fonte: Acervo de Jorge Moreira no NPD FAU/UFRJ)

    As modificaes propostas apresentam ganhos e perdas ao serem comparadas com a primeira

    verso, tanto em aspectos funcionais como estticos. A subtrao das torres elipsoidais diminuiu

    a eficincia da circulao vertical da edificao, retirando do projeto o elemento mais inusitado

    que representava uma colaborao direta do arquiteto na gramtica da escola carioca. Osespaos de carter monumental foram prejudicados e at eliminados, onde ocorreu a diminuio

    da percepo do p-direito duplo no saguo principal da base e a supresso do saguo do

    primeiro estgio do coroamento. A reduo do espao de recreao do ltimo pavimento

    transformou jardins em ptios e eliminou reas descobertas, suprimindo tambm elementos

    tpicos da linguagem da arquitetura moderna, como as cascas hiperblicas e o volume amebide.

    Para que a verba destinada no oramento do governo federal para a construo do Hospital de

    Clnicas no caducasse por falta de projeto, em 1948, baseado nos estudos em evoluo de Jorge

    Moreira, a obra foi iniciada, fato que causar grandes inconvenientes ao longo de todo o processo,

    culminando inclusive no afastamento do arquiteto e a concluso da obra por outros profissionais.

    A ltima verso apresentada por Jorge Moreira data de 1952, igualmente desenvolvida somente

    em plantas, exceto por um nico corte transversal realizado na barra vertical. Todavia, os

    esquemas de planta e de corte (figs. 8 e 9), realizados por Jorge Moreira, possibilitam uma melhor

    compreenso geral das modificaes. Verifica-se a permanncia do auditrio trapezoidal e a

    dimenso, a forma chanfrada e a sustentao por pilotisdo volume acoplado fachada nobre. A

    base da barra vertical, antes definida por colunata, praticamente desaparece com o aumento dasdimenses do volume acoplando. Tais constataes evidenciam que muitos pontos da edificao

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    existente atualmente no foram desenvolvidos por outros profissionais, como tido muitas vezes

    pelo senso comum, mas faziam parte das propostas do prprio Jorge Moreira.

    Figura 8: esquema em planta do Hospital de Clnicas 1953(Fonte: Moreira, 1954: 350)

    Figura 9: esquema em corte do Hospital de Clnicas 1953(Fonte: Moreira, 1954: 348)

    Ao se comparar a ltima verso com a intermediria, os ganhos quanto funcionalidade so

    inegveis, como a retomada das circulaes verticais de servio e a ampliao do nmero de

    leitos e salas cirrgicas. Contudo, as perdas estticas so mais significativas, como a insero de

    um volume na fachada sudoeste da edificao e as novas ligaes entre a barra vertical e a placa

    horizontal. O volume acoplado anulou a apreciao da colunata colossal anteriormente existente,

    perdendo-se a constituio da base em loggiana fachada nobre. As demais ligaes entre a barra

    vertical e placa horizontal (embora no ocorram no trreo), dificultam a percepo da separao

    volumtrica entre os dois corpos principais da edificao, fazendo com que visualmente eles se

    mesclem e o auditrio trapezoidal seja praticamente ocultado.

    Aps a terceira verso ocorre o afastamento de Moreira do projeto, sendo que posteriormente,

    uma srie de projetos distintos passa a compor o cenrio do Centro Mdico, destacando-se o

    Hospital de Tisiologia14, projetado pela equipe do Servio Nacional contra a Tuberculose (1952) ea Faculdade de Farmcia15 de Flvio Figueira Soares16 e Lincoln Ganzo de Castro17 (1953).

    Embora a Faculdade de Farmcia no se relacione com a edificao do Hospital de Clinicas em

    construo, mas sim com a av. Ipiranga, verifica-se que, por sua vez, a Hospital de Tisiologia foi

    mais sensvel ao entorno em formao, mantendo paralelismo ao Hospital de Clnicas (fig. 10).

    14 O Hospital de Tisiologia (segundo plano da figura 10 direita do Hospital de Clnicas no terreno do Centro Mdico e esquerda dafigura 11 no primeiro plano ), juntamente com a Escola de Enfermagem, constituem intervenes federais de origens diferentes para oCentro Mdico, entretanto, somente o primeiro foi construdo (Silva, 2006: 117).15

    A Faculdade de Farmcia (segundo plano da figura 10 esquerda do Hospital de Clnicas no terreno do Centro Mdico e direitada figura 11 no plano do meio) foi premiada com a Meno Honrosa no I Salo Pan-Americano de Arte em Porto Alegre em 1958(Xavier,1987: 107).16Arquiteto formado na Faculdade de Arquitetura da URGS em 1952 (Luccas, 2004: 217).

    17Arquiteto formado na Faculdade de Arquitetura da URGS em 1953 (Universidade, 2002: 245)

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    FIG. 10: vista geral do Centro Mdico 1955(Fonte: Estrutura, 1957: 38)

    Em 1958, aps um perodo de constantes paralisaes nas obras, a FOMISA S.A., empresa

    especializada em construo hospitalar, foi contratada para concluir a edificao do Hospital de

    Clnicas e do Centro Mdico, sob coordenao dos arquitetos Oscar Valdetaro18 e Roberto

    Nadalutti. Entretanto, concomitantemente estava em desenvolvimento, pelo arquiteto Emil AchuttiBered19, o projeto da Faculdade de Odontologia20, o qual respeita a implantao do Hospital de

    Clnicas, mantendo relaes de paralelismo entre as edificaes.

    O reflexo do Hospital de Clnicas ocorreu inicialmente em seu entorno imediato, onde se verifica

    que o projeto do Plano Diretor de Valdetaro e Nadalutti mantm relao com o Hospital de

    Clnicas, sendo abandonada, entretanto, a soluo em fragmentos de rdentsdo projeto de Jorge

    Moreira (fig. 11). A av. Jernimo de Ornelas permanece se estendendo em direo ao Hospital de

    Clnicas, terminando em uma rua interna que faz a conexo s demais vias internas. A concepo

    das edificaes foi desenvolvida apenas em nvel de anteprojeto, sendo que a maior parte dos

    edifcios configurada por barra vertical justaposta placa horizontal, procurando estabelecer

    relaes diretas com o Hospital de Clnicas em construo. Esse tema foi explorado em diferentes

    variantes, assim como marcaes horizontais nas fachadas longitudinais e panos cegos nas

    laterais tambm constituem um recurso utilizado com freqncia.

    18

    Arquiteto mineiro radicado no Rio de Janeiro, (...) foi autor de inmeras obras hospitalares, tendo sido responsvel, no RGS, entreoutras, pelo Plano Diretor da Cidade Universitria de Santa Maria (Xavier, 1987: 168).19Arquiteto formado no Curso de Arquitetura do Instituto de Belas Artes de Porto Alegre em 1949 (Universidade, 2002: 245)

    20A Faculdade de Odontologia ( esquerda da figura 11 no plano do meio) foi premiada em 1960 com a Medalha de Prata no I Salo

    de Arquitetura do Rio Grande do Sul (Xavier,1987: 159).

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    FIG. 11: vista da maquete do Campus Sade(Fonte: Arquivo do Hospital de Clnicas)

    Como obras no executadas, observa-se imediatamente atrs do Hospital de Tisiologia o Hospital

    de Maternidade e Puericultura e o Hospital de Neurologia psiquitrica e Neurocirurgia. Em

    contraponto a grande volumetria do Hospital de Clnicas, a Faculdade de Medicina proposta

    ergue-se igualmente sobre pilotis colossais, identificando-se com aquele. Ao lado do Hospital deClnicas previa-se um Hospital Privado que oculta a Escola de Enfermagem que ficaria

    imediatamente atrs daquele.

    Concludas as obras do Hospital de Clnicas e das edificaes anteriormente descritas, a imagem

    area (fig. 12) apresenta claramente a magnitude do conjunto. Do projeto de Valdetaro e Nadalutti

    nada mais foi construdo, porm inmeras foram as edificaes executadas no decorrer dos anos

    sem a coordenao de um plano diretor interno ao campus, resultando em edificaes que em

    nada se harmonizam com o conjunto. Ao contrrio das edificaes pr-existentes, que buscam

    parecer soltas no espao, a nova Faculdade de Medicina introduz no territrio modernista do

    Campus da Sade uma arquitetura pesada e opaca. (Aguiar, 2002: 192).

    Embora o Hospital de Clnicas tenha sido um exemplar pioneiro da Escola Carioca na capital rio-

    grandense, devido ao longo processo de construo e suas diversas descaracterizaes, desde a

    primeira verso de Jorge Moreira, a arquitetura moderna brasileira de orientao do centro do pas

    eclodiu no Rio Grande do Sul somente na dcada de 50 sob a atuao de arquitetos como Edgar

    Graeff, Demtrio Ribeiro, Emil Bered, Carlos M. Fayet, Lus Fernando Corona entre outros. Nessa

    dcada o Hospital de Clnicas encontrava-se em lenta construo, permitindo-nos supor que nofoi a obra do Hospital de Clnicas que refletiu na arquitetura do estado do Rio Grande do Sul, mas

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    o projeto de Jorge Moreira. Juntamente com a ampliao de publicaes sobre a arquitetura

    moderna na poca, alguns dos arquitetos rio-grandenses aderirem a essa arquitetura, retirando

    dela lies necessrias para adapt-la as caractersticas do sul do pas.

    FIG. 12: vista area do Campus Sade(Fonte: Arquivo da FMPA)

    Palcio da Justia de Porto Alegre

    O Palcio da Justia resulta de Concurso Nacional de Arquitetura realizado entre maio e

    dezembro de 1952, quase trs anos aps o incndio que destruiu o antigo prdio neoclssico, em

    19 de novembro de 1949. O antigo Tribunal de Justia, inicialmente gmeo do Theatro So Pedro

    (fig. 13), localizado na Praa da Matriz, Praa dos Trs Poderes Estaduais em Porto Alegre,

    modificado. A ampliao (fig. 14), concluda em 1927, estende o edifcio no eixo norte-sul, rompe

    com a identidade volumtrica do prtico imaginado pelo engenheiro e arquiteto alemo Georg Karl

    Phillipp Theodor von Normann, autor dos dois projetos, e descaracteriza o edifcio.

    FIG. 13: Praa da Matriz, 1888(Fonte: FSB/MPA)

    FIG. 14: Superior Tribunal, entre 1927 e 1935(Fonte: lbum Recordaes de Porto Alegre)

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    O lote destinado ao novo edifcio o mesmo, aproximadamente 25 por 65 metros, com os lados

    menores na direo norte-sul, e com a face sul para a Praa da Matriz. Todo o entorno

    caracterizado por edificaes de at dois pavimentos (fig. 15).

    FIG. 15: Mapa Topogrfico de Porto Alegre, 1939-1941(Fonte: Secretaria de Obras, Porto Alegre)

    O projeto vencedor, de Lus Fernando Corona e Carlos Maximiliano Fayet, sob o pseudnimo deLicurgo, apresenta uma filiao moderna, com influncia da Escola Carioca e de Le Corbusier e,

    ao mesmo tempo, a figurao do realismo socialista presente nas obras de arte, propostas para

    dar o carter necessrio ao edifcio, no um requisito dessas influncias. O realismo socialista

    presente em todas as obras de arte do projeto (cenas do povo e de lutas da classe trabalhadora)

    indica que existem outras referncias, ou mesmo, a superao das anteriormente citadas.

    A proposta ocupa o volume mximo permitido pela legislao vigente21. O partido um grande

    bloco apoiado sobre pilotisde ordem colossal, pousados em um embasamento de pedra. Prximo

    ao topo, subtraes nas faces leste e oeste diferenciam andares com funes especiais. Volume

    sob o bloco, interno ao pilotisabriga dois blocos menores que balanam sobre o passeio. Prtico

    de entrada, orientado para o acesso sul, junto Praa da Matriz, libera a visual do Theatro So

    Pedro no pice da Rua Jernimo Coelho, e reproduz a idia clssica de propileus.

    O edifcio constitudo de subsolo, trreo e galeria, cinco pavimentos tipo e 2 pavimentos

    especiais com terraos. No trreo, est o volume revestido em granito preto onde se distribuam o

    Tribunal do Jri, a galeria dos casamentos civis e as circulaes verticais, alm dos dois blocos

    balanados onde ficavam jurados e rus. O bloco principal recebe os andares tipo com exceo

    21 Afirmao de Carlos Maximiliano Fayet (AXT, 2003)

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    do 6 pavimento, onde estavam Tribunal Pleno, Cmaras Reunidas e terraos laterais, e do 7

    pavimento, onde apareciam o jardim de inverno, os terraos laterais e o restaurante. A soluo em

    planta dos pavimentos compe-se de duas alas laterais e um elemento central onde est a

    circulao vertical. As alas possuem circulao central no sentido longitudinal do lote. A circulao

    vertical composta de elevadores (oeste) e uma escada circular (leste) que ligam trreo at o 7

    pavimento. A galeria acessada por escada independente localizada no trreo. No projeto so

    colocados quebra-sis nos cinco andares tipo da fachada oeste e revestimento externo de granito.

    A proposta apresenta diversos murais e esculturas ao longo dos percursos e nas salas principais,

    como no Tribunal do Jri e no Tribunal Pleno. Alm deles, em sua fachada principal, voltada para

    a Praa da Matriz e em frente Catedral Metropolitana e ao Palcio do Governo do Estado, est

    colocada uma escultura da deusa da Justia, Themis, com aproximadamente 13 metros. Nas duas

    fachadas laterais so previstos dois murais medindo 11 por 7 metros (fig. 16).

    Entre o concurso e a execuo da obra, acontecem alteraes naturais no desenvolvimento deprojeto. O edifcio ganha um andar de coroamento, que aparece evidenciado nas laterais. A maior

    parte das esculturas e murais retirada do projeto. Permanecem os murais externos e a escultura

    de Themis, deusa da Justia, mas agora modificada (fig. 17).

    FIG. 16: perspectiva do Concurso de 1952(Fonte: Acervo do Memorial do Judicirio do RS (MJ-RS)

    FIG. 17: perspectiva do projeto executivo

    (Fonte: Acervo do Memorial do Judicirio do RS (MJ-RS)

    Os dois co-autores preocupam-se em demonstrar populao que ela est diante de um Palcio,

    mais ainda, de um Palcio Moderno. A histria ensina (e os arquitetos modernos fizeram sua lio

    de casa) que o uso de materiais nobres, as relaes especiais de proporo dos espaos e a

    presena de esculturas e pinturas explicitam que estamos diante de edifcios incomuns no tecido

    urbano. Alm disso, a configurao volumtrica, a escala do edifcio e sua relao com o entorno

    permitem reafirmar a diferena. Estas estratgias foram utilizadas no Concurso e sua manuteno

    fundamental na execuo.

    Durante a construo o entorno se transforma, em toda a face leste do Palcio da Justia, as

    edificaes de dois pavimentos so substitudas por construes em altura. A relao de prtico

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    entre Teatro e Tribunal, fragilizada em 1927, rompida definitivamente. A oeste do Palcio da

    Justia, onde antes existia o auditrio Arajo Viana (fig. 18), construdo o Palcio Farroupilha

    (fig. 19), sede do Poder Legislativo. Os terraos do prdio da Justia, de onde antes se avistava

    toda a cidade, tem suas visuais bloqueadas pelas sucessivas construes.

    FIG. 18: a obra e a Praa da Matriz, na fotografia de Lo Guerreiro, em 1958(Fonte: FSB/MPA)

    FIG. 19: a praa da matriz com o prdio da Assemblia Legislativa, 1968(Fonte: Acervo pessoal de Carlos Maximiliano Fayet)

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    Os longos perodos da construo produzem conseqncias prejudiciais para seus ocupantes e

    para a cidade. A demora na execuo e os cortes de verba tm conseqncias para o Palcio da

    Justia. Nenhum dos murais realizado. A fachada principal fica cega, sem a escultura da deusa

    Themis. Os quebra-sis na fachada oeste no so colocados, comprometendo a qualidade do

    espao de trabalho. O prdio acaba revestido com pastilhas cermicas, que mantm a

    estereotomia do granito do projeto executivo, sua cor e textura, mas no a nobreza almejada.

    Decorridos dezesseis anos, desde a divulgao do resultado do concurso, finalmente, o prdio

    inaugurado na gesto do Desembargador Balthazar Gama Barbosa. Noticiada na Publicao

    Comemorativa da Instalao do Tribunal de Justia, a inaugurao aparece com duas datas: 8 de

    dezembro de 1968, dia da Justia, e 28 de dezembro. Os jornais confirmam a ltima.

    Ao longo dos anos o prdio permanece inconcluso e sofre sucessivas intervenes que o

    descaracterizam internamente. Em 2002, o co-autor remanescente, Carlos M. Fayet, chamado

    para recuperar e completar o edifcio conforme a concepo inicial. No dia 11 de dezembro de2005, dia do arquiteto, a escultura de Themis afixada na fachada, concluindo simbolicamente a

    sede do Poder Judicirio. Alm dela so terminados os murais, o revestimento de granito e os

    quebra-sis. Finalizando o todo simblico criado pelos arquitetos em 1952.

    A presena das obras de arte na edificao refora seu carter simblico e a percepo da

    populao para a importncia do edifcio. Embora o Palcio no seja identificado pelos chamados

    leigos como uma referncia de monumento na praa, conforme o trabalho de Ana Carolina

    Pellegrini bem destaca, a colocao das obras de arte no seu exterior pode alterar isso de formapositiva. A colocao de Themis foi motivo de regozijo no Tribunal, ocupou capas dos principais

    jornais da cidade e colocou o edifcio novamente em evidncia na cidade contempornea.

    Muito Edifcio Pouca Arquitetura

    A reportagem Muito Edifcio Pouca Arquitetura, publicada na Revista do Globo n. 711, em 1958,

    afirma que o modernismo no pegou e busca compreender os motivos entrevistando dez

    (re)conhecidos arquitetos porto-alegrenses que procuram explicar os motivos pelos quais a

    arquitetura moderna no tem progredido na capital do Rio Grande do Sul. So trs as questes

    formuladas pela revista:

    1. Por que motivos a arquitetura moderna no Rio Grande do Sul no tem acompanhado oprogresso geral observado em outros setores e em relao ao ndice de construes?2. O Rio Grande do Sul, por suas peculiaridades regionais, comporta um tipo de arquiteturadistinto daquele to comum em outros grandes centros brasileiros? Como deveria secaracterizar esse tipo de arquitetura?3. Entre as poucas obras representativas da arquitetura moderna em Porto Alegre, qual aque lhe parece a melhor?

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    Participam os arquitetos Irineu Breitman, Carlos M. Fayet, Edgar A. Graeff, Emil A. Bered,

    Demtrio Ribeiro, Moacir Moogen Marques, Lus Fernando Corona, Lus Carlos Cunha, Claudio

    Lus Arajo e Joo Vallandro. Merecem destaque, por parte dos arquitetos, o Colgio Estadual

    Jlio de Castilhos, de Demtrio e Enilda Ribeiro, que ser em breve inaugurado, e as obras do

    Hospital de Clnicas e do Palcio da Justia. As trs obras tm fotos publicadas na reportagem. O

    ttulo da matria parece fazer referncia a artigo de Lcio Costa, denominado Muita Construo,

    Alguma Arquitetura e Um Milagre, publicado na edio comemorativa do cinqentenrio do

    Correio da Manh, onde o mestre faz uma espcie de inventrio da arquitetura no ento Distrito

    Federal. A realidade do Rio Grande do Sul parece no se distanciar da carioca, sendo que no Rio

    Grande no houve ainda um milagre, o que poderia ter sido caso projetos como o Hospital de

    Clinicas de Porto Alegre e a Viao Frrea do Rio Grande do Sul tivessem sido construdos em

    tempo hbil e conforme seus projetos originais. A frao de tempo que separa tais projetos do

    Palcio da Justia, aliada inaugurao do prdio inconcluso, contribuiu para que o ltimo no

    tivesse fora suficiente para gerar um corolrio rio-grandense.

    Do mesmo modo, at o funcionamento efetivo do Hospital de Clnicas e do Palcio da Justia,

    muitos anos j haviam passado, e as influncias arquitetnicas que Porto Alegre recebia

    extrapolavam o mbito da escola carioca. Novos estilos que denunciavam uma crise resultante da

    diversificao formal e deformao sinttica com sintomas do esgotamento da arquitetura

    moderna passaram a surgir na cidade (Luccas, 2004: 245).

    A recuperao da memria dessas edificaes no significa que pretende-se restabelecer ovocabulrio arquitetnico utilizado pela Escola Carioca, mas de retomar os princpios bsicos da

    boa composio, pois conforme Edward Hallet Carr, sobre o curso dos acontecimentos histricos,

    ningum de s conscincia jamais acreditou num tipo de processo que avanasse numa linha

    reta contnua sem reversos, nem desvios (...) Alm disso, seria imprudente supor que, aps uma

    retirada, o avano seria retomado do mesmo ponto ou seguindo a mesma linha (Carr, 1982: 149).

    A arquitetura contempornea tem que ser diferente da arquitetura do passado e essa distino

    deve ser estabelecida pelas formas, materiais e tcnicas construtivas. Contudo, as virtudes

    compositivas subjacentes s formas necessitam permanecer. A arquitetura moderna brasileira,

    consagrada ao sol como a ave Fnix, com sua divina plumagem de sua natureza mtica, ainda

    espera um renascer (Frota, 1997: 5). Dessa maneira, ao se olhar para a produo da linguagem

    modernista clssica brasileira (Cavalcanti, 2001: 11), pretende-se identificar o sistema

    compositivo aplicado na arquitetura moderna, buscando reconhec-las e reconhecendo-as,

    reconhecer em algumas delas um passado que pode bem iluminar um presente e ajudar a

    construir um futuro (Comas, 1987: 28).

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