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3ºEncontro da Região Norte da Sociedade Brasileira de Sociologia: Amazônia e Sociologia: fronteiras do século XXI GT6: Democracia, violência e conflitos sociais Arquitetura da Violência: Um Estudo Sobre Insegurança Pública na Cidade de Belém em Meio à Segregação Social e a Cultura da Barbárie. Autor: Diego Amador Tavares - UFPA E-mail: [email protected] Co-autor: Kátia Marly Leite Mendonça E-mail: [email protected] 26, 27, 28 de Setembro de 2012 Manaus

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3ºEncontro da Região Norte da Sociedade Brasileira de Sociologia:

Amazônia e Sociologia: fronteiras do século XXI

GT6: Democracia, violência e conflitos sociais

Arquitetura da Violência:

Um Estudo Sobre Insegurança Pública na Cidade de Belém em Meio à

Segregação Social e a Cultura da Barbárie.

Autor: Diego Amador Tavares - UFPA

E-mail: [email protected]

Co-autor: Kátia Marly Leite Mendonça

E-mail: [email protected]

26, 27, 28 de Setembro de 2012

Manaus

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Arquitetura da violência: um estudo sobre insegurança pública na cidade

de Belém em meio à segregação social e a cultura da barbárie.

Autor: Diego Amador Tavares1

Coautor: Kátia Marly Leite Mendonça2

Resumo:

Este trabalho tem por objetivo mostrar como se dá a representação simbólica da

insegurança pública por meio da arquitetura das residências e dos pontos comerciais da cidade

de Belém/PA. Para isso partimos da hipótese de que a paisagem da cidade é capaz de oferecer

interpretações a cerca da sociedade em que vivemos.

O trabalho também preza por uma visão compartilhada entre explicações sociológicas

para o fenômeno da violência urbana, buscando casar a clássica análise que envereda pelos

caminhos da segregação social com a perspectiva de que vivemos um momento da história

humana em que a dessacralização da vida alcançou um novo patamar, vivemos em uma

cultura da barbárie.

Palavras-Chave: Arquitetura da violência, insegurança, segregação social e

cultura da barbárie.

Introdução:

Este trabalho apresenta parte da pesquisa que será realizada para a dissertação de

mestrado, e tem por objetivo mostrar que a violência produz marcas simbólicas na arquitetura

residencial e comercial da cidade de Belém do Pará. A paisagem da cidade revela a

insegurança que é provocada pela violência, e por isso não podemos deixar de lado a

possibilidade de estudar as representações sociais por trás do simbólico da arquitetura.

Afinal, algo se revela com bastante facilidade para quem em algum momento se

dedica a observar com atenção as residências da cidade de Belém - e às vezes até mesmo as

observações mais ingênuas o percebem também com facilidade, sendo o fato tão claro. A

1 Discente do Mestrado em Sociologia do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade

Federal do Pará (PPGCS-UFPA) 2 Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (1997), Pós-doutorada em Ética na Universidad

Pontificia Comillas (Madrid/Espanha-2007 e 2010) e docente do Programa de Pós Graduação em Ciências

Sociais da Universidade Federal do Pará (PPGCS-UFPA)

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insegurança sentida pelos moradores da cidade esta estampada em cada canto, em cada janela,

em cada porta e em cada muro. Os belenenses vivem atrás de grades ou em casas e prédios

que mais parecem fortalezas, e ao contrário dos reis e imperadores do passado eles não tem

inimigos de guerra, eles não tem medo do “diferente” como os judeus tiveram medo dos

nazistas, na verdade, eles temem a todos, uns aos outros, a seus semelhantes e iguais. E estão

unidos, não apenas por isso, mas também por esse meio, justamente por esse laço de

insegurança.

É evidente, porém, que esse fenômeno não é belenense, ao que parece ele se encontra

com bastante facilidade em todas as grandes cidades do Brasil e com bastante frequência

também é visível em cidades menores, principalmente as mais próximas dos grandes centros.

E mais ainda, o fato é que, em muitas partes do mundo isso poderá ser observado.

Objetivamente falando, a arquitetura da violência se expressa nas grades de ferro, nas

cercas elétricas, nos arames farpados, muros altos, nas câmeras de vigilância, etc. E

aparentemente arquitetura da violência é um conceito tão material que pode ser tocado pelo

tato humano, e em parte isso é verdade, mas existe algo que esta na arquitetura e que não pode

ser tocado, que é a relação humana envolvida nos materiais utilizados, como o ferro da grade

e o concreto dos muros.

Enquanto conceito “arquitetura da violência” não é algo novo, não é uma construção

do autor deste artigo. Quem mais ganhou visibilidade com o termo em si foi Sonia Ferraz,

pesquisadora do Departamento de Arquitetura da Universidade Federal Fluminense, ela

coordenou o grupo de estudos “Arquitetura da violência” e envolveu uma boa quantidade de

estudantes nesses estudos. Entretanto, mesmo não usando o termo Arquitetura da violência,

parece que quem mais andou nesse sentido não foi Sonia Ferraz, mas sim a autora de “Cidade

de Muros” Teresa Pires do Rio Caldeira (2000). Mas ambas as perspectivas recaem em

explicações que focalizam apenas a segregação social e/ou a indústria; essa última

comumente chamada de “indústria do medo”.

E embora essas perspectivas tenham seu conteúdo de verdade, a hipótese levantada

pelo autor é a de que existe algo maior - que a exclusão social e/ou o medo patrimonial, ou a

indústria construída por esse pavor -, que reverbera nesse fenômeno. Afinal, o Brasil sempre

foi um país segregado socialmente.

Há uma insegurança característica de um momento da história humana em que a

dessacralização da vida alcançou um novo patamar. Segundo Mendonça (2007, pgs 45)

“Os caminhos da razão instrumental no Ocidente conduziram a uma visão

compartimentada do homem e do mundo, da natureza, do cosmo, naquela separação

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das esferas da vida e desencantamento do mundo típicos da modernidade,

diagnosticados por Max Weber (1). Tal percepção do mundo se inscreve e ao

mesmo tempo reforça uma cultura que atinge tanto as relações no âmbito da política

como esfera da mentira, da corrupção e da violência quanto às relações

intersubjetivas, o que conduziu a práticas perversas as quais têm sua conclusão

lógica em uma sociedade que se imagina e que se constitui como competitiva,

desigual, violenta, insolidária e anômica. Enfim, ao longo desses séculos, se

construiu uma cultura da violência e da barbárie.”

Existe, portanto, uma relação entre segregação social e essa cultura da violência e da

barbárie que explica o fenômeno da arquitetura da violência. E tudo isso, logicamente, não

descaracteriza o aspecto da indústria de uma sociedade insegura. Tudo está complexamente

atrelado.

2. O que é a arquitetura da violência?

Objetivamente falando a arquitetura da violência se expressa nas grades de ferro, nas

cercas elétricas, nos arames farpados, muros altos, seteiras, câmeras de vigilância etc. E

aparentemente a arquitetura da violência é um conceito que ganha tanta materialidade que

pode até mesmo ser tocado pelo tato humano, pela mão do pesquisador, mas não faz parte da

natureza dos conceitos em sociologia que eles sejam materiais e palpáveis, com a arquitetura

da violência não poderia ser diferente. Isso porque o conceito de arquitetura da violência não

se limita ao ferro de uma grade ou ao plástico utilizado para fazer a câmera de vigilância, a

arquitetura da violência é uma relação social entre tais materiais e a sociedade, sem essa

conexão sequer existiria motivo para a existência de tal arquitetura e por meio dela se revelam

conflitos da sociedade, ela possui um motivo de ser, uma operacionalidade que só pode ser

conhecida através do entendimento da relação social a que ela se refere.

Enquanto conceito de “arquitetura da violência” não é uma novidade, não é uma

construção do autor deste artigo e é muito comum a presença em textos científicos do termo

“arquitetura do medo”, de forma geral, os dois termos são sempre tratados como sinônimos.

Quem mais ganhou visibilidade com o termo em si foi Sonia Ferraz, pesquisadora do

Departamento de Arquitetura da Universidade Federal Fluminense, ela coordenou o grupo de

estudos “Arquitetura da violência” e envolveu uma boa quantidade de estudantes nesses

estudos. Entretanto, mesmo não usando os termos Arquitetura da violência ou arquitetura do

medo Caldeira (2011) deu grande contribuição para a discussão em seu livro Cidade de

Muros.

“Nas partes II e III do livro, a autora aborda dois aspectos ilustrativos da

"democracia disjuntiva": a instituição policial e os "enclaves fortificados". Os

enclaves “são propriedade privada para uso coletivo e enfatizam o valor do que é

privado e restrito ao mesmo tempo que desvalorizam o que é público e aberto na

cidade”. São fisicamente demarcados e isolados por muros, grades, espaços vazios e

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detalhes arquitetônicos. São voltados para o interior e não em direção à rua, cuja

vida pública rejeitam explicitamente. São controlados por guardas armados e

sistemas de segurança, que impõem regras de inclusão e exclusão." (pgs 258)”

E segundo Ferraz (2006, pgs 2):

“Essa arquitetura, que povoa as cidades nos bairros de alta renda, simboliza, então,

como metáfora, a dimensão do medo e o valor do patrimonial protegido. Mas, ao

mesmo tempo, simboliza o crescimento e a realização do vasto e variado mercado

que se alimenta do crescimento deste pânico, da sensação de insegurança de uns

contra os outros, e dos novos modos de vida coletiva e urbana “dessocializada.”

Em um estudo que foi defendido como dissertação de mestrado sobre violência e

paisagem urbana na cidade de Vitória/ES Lira (2009) afirma:

“As paisagens das cidades são formadas pela conjugação dos desenhos naturais,

arquitetônicos e urbanísticos. O aumento gradativo da criminalidade violenta,

constatado nas últimas três décadas, nas principais cidades brasileiras, tem

influenciado um rearranjo na morfologia urbana. “Paisagens do medo” veem sendo

configuradas e novos padrões de sociabilidades desenvolvidos.” (LIRA, 2009, pgs

122)

E ainda devemos dizer que o jornalismo, especialmente na região sudeste do país,

também vem trabalhando bastante com aquilo que chamamos de arquitetura da violência ou

arquitetura do medo. Mas o enfoque jornalístico da preferência quase sempre a outro termo:

Medievalização da arquitetura. Podemos observar isso nas citações de matérias jornalísticas

abaixo:

“Muralhas, seteiras, fossos, arames farpados, lanças. Não se fala aqui de um castelo

medieval, mas de edifícios e casas de bairros de classe média e alta de São Paulo e

do Rio de Janeiro que cada vez mais incorporam à sua arquitetura elementos

utilizados na Idade Média. Há ainda as residências que se assemelham mais a

presídios de segurança máxima, com sistemas sofisticados de alarmes, sensores e

câmeras de vídeo.” (Publicado em 1° de maio de 2005 - Jornal Folha de São Paulo).

“Os castelos medievais do novo milênio dão a dimensão exata do pânico gerado pela

violência no Rio de Janeiro. Esta é uma das conclusões da recente pesquisa

financiada pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do

Rio de Janeiro (Faperj). Estudantes de arquitetura da Universidade Federal

Fluminense constataram que, em alguns bairros da cidade, a “medievalização” da

arquitetura demonstra a preocupação de incluir a segurança como item principal dos

mais novos projetos arquitetônicos no estado. Trata-se da Arquitetura da Violência

ou do Medo, como está sendo chamado o trabalho organizado pela professora Sonia

Ferraz, da UFF.” (Publicado em 14 de abril de 2004 - Jornal O Globo).

Todavia, como já foi revelado nas citações dos autores que trabalham com o conceito

de arquitetura da violência, o que toda esta preocupação com a segurança nas residências e

nos pontos comerciais revela é a insegurança sentida pelos habitantes das cidades onde a

arquitetura da violência se faz visível. Para Caldeira (2011) e Lira (2009) o aumento da

insegurança está intimamente ligada ao crescimento do número de crimes violentos,

analisando a realidade paulistana Caldeira afirma que:

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“O fato de que as formas mais violentas do crime cresceram mais do que as formas

menos violentas pode ser visto ao se juntarem os totais de homicídios, tentativas de

homicídio, lesão corporal dolosa, estupro, tentativa de estupro, roubo e latrocínio

numa única categoria de “crimes violentos”. No início dos anos 80, esses crimes

representam cerca de 20% do total de crimes registrados; depois de 1984, eles

passaram a representar cerca de 30% do total, chegando a 36,28% em 1996. (...) As

taxas de crimes violentos tem crescido de forma constante desde 1988,

especialmente no MSP. Desde 1990, os crimes violentos representam mais de mil

ocorrências por 100 mil habitantes no MSP e mais de 850 no OM.” (CALDEIRA,

2011, pgs 116)

“O crescimento de mortes violentas não é algo exclusivo de São Paulo. As taxas de

homicídio cresceram na maioria das regiões metropolitanas brasileiras durante os anos 80

(Sousa, 1994; 53-5)” (IN Caldeira, 2011, pgs 123). Mas não foram apenas os índices de

criminalidade violenta que cresceram, também cresceu a nossa percepção da quantidade de

crimes violentos e do risco ao qual estamos expostos; afinal, em quase todas as cidades do

Brasil o crime violento tornou-se uma das grandes estratégias para vender notícia, seja na

televisão, nos jornais impressos ou na internet os meios de comunicação dão espaço especial

para o amento da criminalidade violenta. O efeito é que nos tornamos mais reflexivos quanto

ao fenômeno do crime violento e nesse caso reflexibilidade é diretamente proporcional ao

aumento da insegurança.

Como estamos inseguros buscamos segurança nos enclausurando da presença dos

outros, possíveis criminosos; damos a nossa resposta através da arquitetura da violência.

“Assim como na época das epidemias, o medo da violência vem influindo no

surgimento de novas formas de sociabilidade e, sobretudo, na organização sócio-

espacial das cidades. Em urbes como Vitória, os hábitos sociais dos cidadãos foram

alterados a partir das preocupações e medos de se tornarem a próxima vítima de

assassinato, latrocínio, sequestro ou roubo. (...) Mediante a magnitude e intensidade

da violência em cidades como Vitória, as classes médias e altas adotam o

enclausuramento, como estilo de vida, em condomínios residenciais excessivamente

vigiados e auto-protegidos, situados na mancha urbana, e promovem movimentos de

escapismo em direção à franja periurbana por meio da construção de “condomínios

exclusivos” (LIRA, 2009, pgs 50-51)

A clássica e sempre válida explicação para o crime violento é a desigualdade social,

tal tese sempre terá (enquanto existir desigualdade social) seu fundo de verdade, isso não

poderá ser negado. Explicações a partir da segregação social, também clássicas, são ainda

mais realistas porque levam em consideração de forma impossível de separar o próprio

fenômeno da desigualdade social. Caldeira (2011), entretanto, foi mais além e deu uma

grande contribuição para o entendimento desse fenômeno complexo:

“O crescimento da violência é o resultado de um ciclo complexo que envolve

fatores como o padrão violento da ação policial; a descrença no sistema judiciário

como mediador público e legitimo dos conflitos e provedor da justa reparação;

respostas violentas e privadas ao crime; resistência à democratização; e a débil

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percepção de direitos individuais e o apoio a formas violentas de punição por parte

da população.” (CALDEIRA, 2011, pgs 101)

Esse artigo tem a intensão de somar a todas essas causas mais uma que também

consideramos importante e que até aqui não foi diretamente atrelada a arquitetura da

violência, que é a ligação entre escalada da insegurança pública com a cultura da barbárie e o

desencantamento do mundo, ou seja, um paralelo com a sociologia da ética.

Mas antes devemos esclarecer mais alguns pontos sobre arquitetura da violência.

2.2. Arquitetura da violência e a indústria de segurança privada:

A insegurança de nossas sociedades não é fruto nenhum descabimento, o crime não é

uma lenda, estamos verdadeiramente expostos à violência mesmo quando em nossas casas e

mesmo assim há quem coloque a justificativa do crescimento da indústria ligada a segurança

privada na manipulação da realidade pela indústria e a mídia. Tais manipulações podem e é

até bastante provável que existam, mas de forma alguma são totalmente destituídas de

realidade e observando a realidade material não podemos negar que nossos temores não são

infundados; os jornalistas não sentem nem mais e nem menos medo do que todos nós quando

o assunto é violência urbana, o mesmo se dá com os donos com os empresários que vivem da

indústria do medo, alias estes últimos talvez se sintam um pouco mais seguros porque são eles

os que primeiro consomem aquilo que vendem. A segurança enquanto mercadoria é uma

necessidade de todos (sem nenhuma exceção) nas grandes cidades brasileiras; e cada vez mais

isso é uma realidade também para as cidades menores.

Ferraz; Posidônio (2004) se dedicaram a uma análise da ligação entre violência, medo

e mercado, e destacaram:

“A segurança residencial passou a ser complementada, quase sempre, pela lista de

oferta de uma série de elementos e serviços de proteção, que, gradativamente, foi

ampliada nos anúncios para garantir o diferencial. Essas listas, já referenciadas,

passaram a incluir portões automáticos, gradis, instrumentos de identificação de

visitantes, controles automáticos de acesso, guaritas de segurança, portões duplos,

monitoramento por circuito fechado de TV e até simulacros de guardas e cães

ferozes fabricados em material sintético. No entanto, nem sempre constituíram

apelos diferenciais como o desejado, já que começaram a ser oferecidas por todos, e

parte dos componentes, via de regra, passou a ser incorporada graficamente às

perspectivas dos imóveis, como gradeamentos, guaritas e portões.” (Ferraz;

Posidônio, 2004, pgs 85)

Nem toda a indústria de segurança privada contribui para o fenômeno da arquitetura

da violência: A utilização de homens e/ou mulheres como seguranças particulares, cães

treinados, sistemas de vigilância via satélite, sistema de alarmes, blindagem de carros etc., não

podem ser considerados características da arquitetura. Mas a arquitetura da violência está

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diretamente ligada à indústria de segurança privada em diversos elementos que já foram

citados anteriormente quando definimos a arquitetura da violência.

Nas últimas décadas o mercado de segurança privada cresceu muito rapidamente, mas

essas empresas (e o número delas cresce todos os anos) não usam de inverdades para

conquistar seus clientes; utilizam pesquisas cientificas, dados e recomendações oficiais

policias e casos reais de violência cotidiana. Há – e nem sempre isso é necessário – apenas

uma intensidade maior que é típica da forma de linguagem utilizada (como ocorre na

IMAGEM 1).

A forma direta da linguagem da indústria é mais capaz de gerar insegurança do que a

de um artigo ou livro científico. Por mais catastrófico e “apocalíptico” que possam ser os

resultados de uma pesquisa cientifica, ela não possui o mesmo poder de gerar sensação de

insegurança. Além é claro, de que a pesquisa científica será lida, quando muito (e tem de ser

uma pesquisa de muito sucesso para isso), por alguns milhares de pessoas que fazem parte do

campo acadêmico e só. Por usa vez, a mensagem das empresas do ramo de segurança privada

estará em todos os meios de comunicação, de forma acessível e pasteurizada. A pesquisa

cientifica só alcançará divulgação em massa se for com o apoio da Mídia, mas então, a

linguagem também não será mais a mesma e poderá facilmente perder-se a intencionalidade

original.

IMAGEM 1

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Fonte: Texto Publicado na seção de dicas de segurança de uma empresa de

segurança eletrônica com atuação em Belém/PA. Link:

http://www.alcatrazseguranca.com.br/dicas-seguranca-detalhes.asp?codigo=640)

“Ao mesmo tempo, os sentidos da crescente violência nas duas cidades,

veiculados no discurso mediático diário, certamente se desdobram no aumento da

constante sensação coletiva de medo e pânico, o que, sem dúvida, alimenta e

mantém vasto mercado, tanto imobiliário quanto de oferta de variados materiais,

equipamentos e serviços de proteção. Assim, os apelos publicitários relacionados à

proteção e à segurança se tornam determinantes para a dinamização da oferta e do

consumo nesses mercados.” (FERRAZ; POSIDÔNIO; 2004, pgs 81)

Lira (2009, pgs 128) possui uma visão mais enfática; para ele a mídia, os mercados

imobiliários e as empresas do ramo de segurança privada possuem “mecanismos próprios de

disseminação da cultura do medo” e “Através da apropriação enunciativa dos principais meios

de comunicação, a publicidade imobiliária capitaliza o pânico há décadas.”.

Essa ideia de manipulação na propagação da insegurança está muito ligada um termo

muito comumente empregado, que é o de Indústria do Medo, ou indústria do terror, ou ainda

indústria do pânico. Esses termos têm um duplo sentido; o primeiro é o da existência de uma

indústria que se tornou viável graças ao medo; o segundo é o da existência de uma indústria

que produz medos (em forma de espetáculo) e está intimamente ligada a leituras do fenômeno

da indústria cultural (Adorno; Horkheimer) em uma sociedade do espetáculo (Debord).

Parece óbvio que existe manipulação de informações, mas como já foi dito antes, não

possuímos nenhum dado de pesquisa que nos permita medir a intensidade em que tal

manipulação se dá, e também não podemos dizer se as manipulações feitas são sempre em

função de beneficiar o mercado; às vezes manipulações sobre a insegurança tem muito mais

finalidade política do que mercadológica. Afinal, ao mesmo tempo em que cresce a o mercado

de segurança particular, cresce também, no jogo político, a importância das promessas de

melhoria na segurança pública.

Mas para Guy Debord (1997) - sobre o qual muitas interpretações da indústria do

medo se debruçam, não defendia essa visão da manipulação total da realidade por parte da

mídia e/ou do mercado capitalista.

Na sociedade do espetáculo “Tudo o que era vivido diretamente tornou-se em

representação.” (DEBORD, 1997, pgs 13), ou seja, não existe mais a violência urbana em si,

existem imagens propagadas em forma de espetáculo, o criminoso e a vítima agora são parte

do espetáculo, atores de um espetáculo que é a própria vida real, por que a o espetáculo “É

uma visão de mundo que se objetivou.” (DEBORD,1997, pgs 14) e “a verdade é um momento

do que é falso.” (DEBORD, 1997, pgs 16). Os jornalistas, os publicitários e os empresários

não estão livres da alienação imposta pelo espetáculo; “A especialização das imagens do

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mundo se realiza no mundo da imagem automatizada, no qual, o mentiroso mentiu para si

mesmo. O espetáculo em geral, como inversão concreta da vida, é o movimento autônomo do

não-vivo.” (DEBORD, 1997, pgs 13).

“Não se trata de negar, em hipótese alguma, a existência e o possível crescimento da

violência em conflitos sociais nas cidades. Mas de, primordialmente, suspeitar da

exacerbação do medo coletivo com base nos sentidos produzidos pelos discursos

mediáticos e de mecanismos de enunciação jornalística, como as “rajadas”

noticiosas, às vezes apocalípticas, sobre os “terríveis” e “incessantes” perigos nas

cidades, sistematicamente associados ao crescimento da pobreza e da miséria,

portanto, suspeitas provocadoras das necessidades crescentes de proteção e de

segurança. A segurança tem sido inserida na publicidade em geral quase como uma

palavra de ordem.” (FERRAZ; POSIDÔNIO; 2004, pgs 81)

O fato é que dentro ou fora de uma sociedade do espetáculo o fato é que imagens e

notícias não penetram em lugares vazios. Se a nossa realidade fosse à tranquilidade e a

segurança, reportagens e anúncios não nos fariam perder a paz.

2.3. Caráter dual do termo arquitetura da violência:

O termo arquitetura da violência possui uma dualidade interna, pois a arquitetura da

violência como já foi dito acima serve para nos proteger dos outros – de uma realidade social

extremamente conflituosa e violenta, num contexto em que o crime violento se tornou

exageradamente comum -; mas a arquitetura da violência é em sua natureza uma reação

violenta. Ou seja, se por um lado existe a violência da qual desejamos nos proteger nós

também nos defendemos atrás de uma arquitetura que é violenta.

A arquitetura da violência é violenta tanto porque pode causar danos físicos e mesmo a

morte mas também porque existe uma forte carga de violência simbólica que se expressa

através desta arquitetura.

A violência mais “prática” (a que pode causa danos físicos visíveis) está expressa em

mensagens subtendidas dos elementos da arquitetura da violência; um exemplo é a mensagem

expressa pelas cercas elétricas: “- Desde que eu esteja seguro, não me importa se você vai

morrer eletrocutado pela minha cerca elétrica.”, e pouca diferença faz se o você da frase era

um assaltante tentando invadir uma residência para roubar ou uma criança que empinando

pipa enrolou a linha na cerca elétrica. Da mesma forma são as seteiras e arames farpados no

alto dos muros, o primeiro objetivo é afastar invasores, não surtindo o efeito desejado, o

objetivo passará a ser o de ferir o invasor.

Já a violência simbólica é a da segregação social, facilmente percebida e já bastante

estudada no caso dos condomínios fechados. Os muros dos condomínios expressam as

seguintes mensagens: “- Você não é digno de morar na mesma rua e no mesmo bairro que eu

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moro.” e “- Até que prove o contrário você é um criminoso, uma mal que deve ser posto a

mercê. É perigoso e deve ficar longe de mim.”.

Sobre esse viés simbólico da violência exercida pela arquitetura da violência Caldeira

(2011) já nos alertava em seu livro Cidade de Muros:

“Os enclaves fortificados conferem status. A construção de símbolos de status é um

processo que elabora diferenças sociais e cria meios para a afirmação de distância e

desigualdades sociais. Os enclaves são literais na sua criação e separação. São

claramente demarcados por todos os tipos de barreiras físicas e artifícios de

distanciamento e sua presença no espaço da cidade é uma evidente afirmação de

diferenciação social. Eles oferecem uma nova maneira de estabelecer fronteiras entre

grupos sociais, criando novas hierarquias entre eles e, portanto, organizando

explicitamente as diferenças como desigualdade.” (CALDEIRA, 2011, pgs 259)

Portanto, existe a violência da qual a arquitetura da violência quer nos defender e a

violência por ela provocada. O termo tem um duplo sentido.

3. Arquitetura da violência em Belém/PA:

“Nas últimas duas décadas do século XX e nesta primeira década do século XXI a

questão da criminalidade e da violência tornou-se uma das maiores preocupações da

sociedade brasileira em geral, e na sociedade paraense não poderia ser diferente.

Esse é um período no qual se conjugam, em um mesmo contexto, a retomada da

normalidade democrática, períodos de crescimento econômico e diversas crises

globais; as contradições acentuadas por essas dinâmicas produziram um forte

impacto nas formas de sociabilidade porque lançaram um grande número de pessoas

nas condições mais degradantes de exclusão social, seja segregando-as

espacialmente nas regiões periféricas das cidades, seja submetendo-as à precarização

do trabalho e ao desemprego.” (BRITO, D. C.; BARP, W. J, 2008, p.2)

Belém é conhecida como a metrópole da Amazônia e a par de todos os benefícios

que isso possa conter para seus habitantes; Belém é uma cidade com todos os grandes

problemas de uma grande cidade brasileira. Os estudos sobre a arquitetura da violência

concentram-se no sudeste, mas é bastante visível que o fenômeno ocorre em Belém, isso

porque a metrópole da Amazônia registra hoje números de violência dignos dos registrados

no sudeste do país, e as pesquisas sobre violência na cidade de Belém já registram este

quadro; a consequência imediata disso é uma população amedrontada. Em todos os bairros da

cidade pode-se perceber a arquitetura da violência.

As características são as mesmas descritas pelos pesquisadores do sudeste; grades

de ferro, cercas elétricas, seteiras, muros altos, arames farpados, câmeras de vigilância, etc. E

também em Belém há o crescimento bastante visível do número de condomínios; os

“enclaves fortificados” dos quais falava Caldeira (2011) também fazem parte do cenário da

arquitetura da violência em Belém do Pará.

As fotos abaixo retratam a arquitetura da violência na metrópole da Amazônia:

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Fonte: Foto tirada por Diego Amador Tavares

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Fonte: Foto tirada por Diego Amador Tavares

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Fonte: Foto tirada por Diego Amador Tavares Fonte: Foto tirada por Diego Amador Tavares

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4. Arquitetura da violência, insegurança e cultura da barbárie:

No diagnóstico de Adorno; Horkheimer (2006) o homicídio havia se transformado em

um “passatempo pueril” (pgs 42), quando disseram isso eles estavam se referindo ao

contexto do nazismo e dos grandes governos autoritários da primeira metade do século XX, o

auge do que eles chamaram de barbárie, naqueles tempos, foi o holocausto. Mas a Dialética

do Esclarecimento (ADORNO; HORKHEIMER) têm um principio norteador da interpretação

do mundo que é da continua regressão da eticidade, trata-se de uma dialética invertida à

dialética marxista, na qual o principio da evolução humanista é o norte. Adorno (2009) fala

sobre esse caráter regressivo de sua dialética:

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“A expressão “dialética negativa” subverte a tradição. Já em Platão , “dialética

procura fazer com que algo positivo se estabeleça por meio do pensamento da

negação; mais tarde, a figura de uma negação da negação denominou exatamente

isso. O presente livro gostaria de libertar a dialética de tal natureza afirmativa, sem

perder nada em determinação. Uma de suas intenções é o desdobramento de seu

título paradoxal.” (ADORNO, 2009, pgs 8)

Na vida cotidiana do século XXI, o desejo de possuir um tênis, um celular ou uma

roupa de grandes marcas e em “alta na moda” leva um ser humano a por fim a vida de outro

ser humano, e as paginas policiais e os noticiários televisivos estão cheios desses episódios

funestos. Ora, “o passatempo pueril do homicídio” do qual Adorno e Horkheimer falavam é

muito mais uma característica da contemporaneidade do que foi na Alemanha Nazista e nos

outros regimes totalitários da Europa do inicio do século XX. “A racionalidade econômica,

esse princípio de principio tão enaltecido do menor meio, continua incessantemente a

remodelar as últimas unidades da economia: tanto a empresa quanto os homens.” (ADORNO;

HORKHEIMER, 2006, pgs 167)

“Quanto mais complicada e mais refinada a aparelhagem social, econômica e

científica, para cujo manejo o corpo já há muito tempo foi ajustado pelo sistema de

produção, tanto mais empobrecidas as vivências de que ele é capaz. Graças aos

modos de trabalho racionalizado, a eliminação das qualidades e suas conversão em

funções transfere-se do mundo da ciência para o mundo da experiência dos povos e

tende assemelhá-lo de novo ao mundo dos anfíbios. A regressão das massas, de que

hoje se fala, nada mais é senão a incapacidade de poder ouvir o imediato com os

próprios ouvidos, de poder tocar o intocado com as próprias mãos: a nova forma de

ofuscamento que vem substituir as formas míticas superadas. Pela mediação da

sociedade total, que engloba todas as relações e emoções, os homens se reconvertem

exatamente naquilo contra o que se voltara a lei evolutiva da sociedade, o princípio

do eu: meros seres genéricos, iguais uns aos outros pelo isolamento na coletividade

governada pela força” (Adorno; Horkheimer, 2006, pgs, 41)

“Questões perturbadoras são colocadas diante de nós neste século. Não temos mais

Auschwitz, substituído foi ele por espaços difusos de dor sem arames farpados e também por

novas temporalidades.” (MENDONÇA, 2010, pgs 10). Vivemos em “Auschwitz sem arames

farpados” (MENDONÇA, 2010):

“Há possibilidade de se compreender o mal expresso na violência que toma conta do

mundo contemporâneo? Para Paul Ricoeur, a busca especulativa por respostas para

“de onde vem o mal?” deve ser substituída pelo “que fazer contra o mal”. O mal,

não se o compreende, não se o explica, mas se o enfrenta. Embora isso, a reflexão é

necessária, pois há possibilidade de que ele impeça a ocorrência ou recorrência do

mal, ou como diz Garcia-Baró, “O horror deve ser pensado para ser prevenido”. É

certo, porém, que o horror de Auschwitz se infiltrou de modo silencioso no mundo

contemporâneo. Hoje temos o horror com a sutileza da ausência de arames farpados.

Pessoas sem voz e sem memória. Logo sem serem olhadas, sem serem vistas por

uma sociedade ela também marcada pela invisibilidade, ela também incapaz de ver.”

(MENDONÇA, 2010, pgs 5)

O efeito inevitável de tal quadro é a escalada da insegurança quanto à violência, já que

a barbárie agora não possui mais arrames farpados alcançou também ela níveis nunca antes

imaginados, já não é necessário pertencer a uma minoria estereotipada ou a uma maioria

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odiada para que precisemos temer a barbárie. Estamos com medo, todos os rostos, para quem

vive com medo, são temíveis. A insegurança agora é tão grande que temos de cercar ou murar

nossas casas ou então nos sentimos forçados a nos mudar para os enclaves fortificados

(condomínios fechados).

A arquitetura da violência agora toma conta das grandes cidades. As grades estão nas

casas das classes altas, mas também estão nas casas mais humildes da periferia, consumimos a

arquitetura da violência em graus diferentes devido a diferenças sociais, uns podem gastar

mais outros não, mas todos dão o seu jeito de encontrar alguma segurança para suas casas.

Ulrich Beck (2011) escreveu o que talvez seja o mais importante estudo sobre

insegurança na sociologia moderna: Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade.

Para eles os risos adquiriram um caráter de inevitabilidade, o que faz com que os riscos

ultrapassem limites de classe, no passado o grande risco era o da fome e somente os pobres

poderiam padecer dele, os riscos da vida contemporânea não respeitam tal separação. Por sua

vez o risco da violência em uma cultura da barbárie também não respeita tais fronteiras.

“Reduzido a uma fórmula: a miséria é hierárquica, o smog é democrático. Com a

ampliação dos riscos da modernização – como a ameaça à natureza, à saúde, à

alimentação etc. -, relativizam-se as diferenças e fronteiras sociais. Isto ainda

continua a provocar consequências bastante diversas. Objetivamente, porém, os

riscos produzem, dentro, dentro de seu raio de alcance e entre as pessoas por eles

afetados, um efeito equalizador. Nisto reside justamente sua nova forma política.

Nesse sentido, sociedades de risco simplesmente não são sociedades de classes; suas

situações de ameaça não podem ser concebidas como situações de classe, da mesma

forma como seus conflitos não podem ser concebidos como conflitos de classe.”

(BECK, 2011, pgs 43)

Essa universalidade do risco da violência ficou expressa no tópico anterior quando

mostramos fotos das áreas mais pobres de Belém, onde a arquitetura da violência também se

faz presente.

“Paradoxalmente, as cidades – que na origem foram construídas para dar segurança

a todos os seus habitantes – hoje estão cada vez mais associadas ao perigo. Como

diz Nam Ellin, “o fator medo [implícito na construção e reconstrução das cidades]

aumentou, como demonstram o incremento dos mecanismos de tranca para

automóveis ; as portas blindadas e os sistemas de segurança; a popularidade dos

gated and secure communities para pessoas de todas as idades e faixas de renda; a

vigilância crescente dos locais públicos, para não falar dos contínuos alertas de

perigo por parte dos meios de comunicação de massa.” (BAUMAN, 2009, pgs 40-

41)

A insegurança frente ao crime violento é uma marca das cidades de nossos tempos.

Mesmo as sociedades europeias sobe a qual Bauman deita seus estudos, e onde os índices de

violência são muito inferiores aos registrados no Brasil (de forma geral) e em Belém do Pará

(de forma particular), contam com relações de insegurança que ganham representação na

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arquitetura da violência, afinal os “gated and secure communities” são os condomínios

fechados de nosso país.

Nessa cultura da barbárie que generaliza a violência se encontra uma dentre outras

possíveis explicações para o fenômeno da sociedade do espetáculo; se mais atrás nós negamos

que a produção de medo seja uma mera artimanha da indústria e da mídia (embora não o

tenhamos negado inteiramente), por outro lado, consciente ou inconscientemente, a mídia e

ocupa um papel importante na produção e reprodução de uma cultura da barbárie

(MENDONÇA, 2009).

“Banalização da violência: a programação e os noticiários veiculados pela mídia,

devido aos seus conteúdos apelativos, favorecem substancialmente o processo de

banalização da violência. Servida em doses midiáticas diárias, como salientado

anteriormente, as cenas e imagens de violência já não mais causam impacto sobre a

sociedade, sobretudo, quando elas envolvem pessoas oriundas de classes

desprivilegiadas. O consumo trivial dessas cenas e imagens torna-se amplamente

disseminado de forma efêmera na “sociedade do espetáculo” (DEBORD, 1997, pp.

105-106) que busca abstinentemente mercadorias sensacionalistas acessíveis a um

click no mouse, toque no controle remoto ou alguns centavos nas bancas de

jornais.”(LIRA, 2009, pgs 127)

A banalização de imagens violentas corrobora com o processo desencantamento do

mundo; no Brasil os jornais (e em Belém isso é bastante visível) exibem a morte desligada de

qualquer sacralidade, nas novelas os personagens não possuem qualquer vestígio de

comportamento ético, os jogos de videogames mostram para as crianças a violência de jogos

que tem como objetivo cometer crimes. É logico que essas imagens não caem no vazio, elas

formam opiniões e reproduzem comportamentos. Mas mais uma vez não há uma “mão” que

tenta produzir uma realidade violenta, o que é apenas (e é bastante para muita coisa) uma falta

de reflexão ética sobre a utilização das imagens.

A falta de reflexão ética também era denunciada por Adorno; Horkheimer (2006). “O

programa do esclarecimento era o desencantamento do mundo. Sua meta era dissolver os

mitos e substituir a imaginação pelo saber.” (pgs17). Mas o desencanto das coisas e das

pessoas produz uma nova moral:

“A frase de Espinosa: ‘Conatus sese conservandi primum at unicum virtutis est

fundamentum’ [O esforço para conservar a si mesmo é o primeiro e único

fundamento da virtude.]. O eu que, após o extermínio metódico de todos os vestígios

naturais com algo mitológico, não queria ser mais nem corpo, nem sangue, nem

alma e nem mesmo um eu natural, constituiu, sublimado num sujeito transcendental

ou lógico, o ponto de referência da razão, a instância legisladora da ação.”

(ADORNO; HORKHEIMER, 2006, pgs 36)

“Mas a terra totalmente esclarecida resplandece sobre o signo de uma calamidade

triunfal.” (ADORNO; HORKHEIMER, 2006, pgs 17); O diagnóstico aparece também em

Mendonça (2009):

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“Os caminhos da razão instrumental no Ocidente conduziram a uma visão

compartimentada do homem e do mundo, da natureza, do cosmos, naquela

separação das esferas da vida e desencantamento do mundo típicos da modernidade,

diagnosticados por Max Weber. Tal Percepção do mundo se inscreve e ao mesmo

tempo reforça uma cultura que atinge tanto as relações no âmbito da política – como

na esfera da mentira, da corrupção e da violência – quanto as relações

intersubjetivas, o que conduziu a praticas perversas as quais têm sua conclusão

lógica em uma sociedade que se imagina e que se constitui como competitiva,

desigual, violenta, insolidária e anômica. Enfim ao longo desses séculos, se

constituiu uma cultura da violência e da barbárie.” (MENDONÇA, 2007,

p.45)

Na lógica dos grandes governos totalitários da primeira metade do século XX

totalitários “A indiferença pelo indivíduo que se exprime na lógica não é senão uma

conclusão tirada do processo econômico. O indivíduo tornou-se um obstáculo à produção.”

(ADORNO; HORKHEIMER, 2006, pgs167). Na lógica do século XXI o “outro” é um

obstáculo para quem deseja qualquer coisa, se me falta dinheiro eu posso consegui-lo por

meio do roubo e também posso tirar a vida deste “outro” porque para mim de nada vale, nada

significa.

O desencanto e ofuscamento talvez sejam conceitos chaves de uma sociologia da ética

que tenta explicar a crise de valores de nossa sociedade contemporânea. Este mesmo processo

de modernização regressiva que instrumentaliza tudo no mundo é em Buber (2010) o motivo

pelo qual o tipo de relação humana característico da vida moderna é a relação eu-isso.

“Buber irá tipificar a estrutura dual das relações humanas e da existência que

se conforma a partir delas: a relação Eu-Tu e a relação Eu-Isso. O Eu se constitui na

relação com o outro. Na relação Eu-Tu há a presentificação do Eu cuja construção se

dá através da relação com o Outro, o Tu. O encontro entre o Eu e o Tu é um evento

no qual há o olhar face- a -face. Há reciprocidade. Enquanto na relação Eu-Tu o Eu

é uma pessoa, na relação Eu-Isso, o eu é um eu egótico. Mesmo sendo uma

dimensão necessariamente constitutiva da relação do homem com o mundo, a

relação Eu-Isso originalmente não é boa, nem má, porém diz respeito a uma razão

instrumental que permite ao homem se relacionar de modo ordenado e coerente com

o mundo, responsável pelas aquisições científicas e tecnológicas da humanidade.”

(MENDONÇA, 2010, pgs 14)

E infelizmente a afirmação buberiana parece mais coerente a cada dia: “A história do

individuo e a história do gênero humano, embora possam separar-se uma da outra, estão de

acordo em todo o caso em um ponto: ambas manifestam um crescimento progressivo do

mundo do Isso.” (BUBER, 2010, pgs 73). “E com toda a seriedade da verdade, ouça: o

homem não pode viver sem o isso, mas aquele que vive somente com o isso não é um

homem.” (BUBER, 2010, pgs 72), é uma coisa, nenhuma reflexão poderá ser feita por ele ou

em prol dele, está só e é natural que se sinta mais inseguro.

Por essa perspectiva não é que buscamos explicar a arquitetura da violência –

fenômeno que está associado ao aumento do crime violento e da insegurança pública -, pela

via do desencantamento e do ofuscamento.

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Afinal, o Brasil sempre foi um país desigual, a pobreza não é um problema novo, é

antes uma questão secular. Poderíamos aceitar a explicação da escalada do crime não violento

unicamente pela lógica da pobreza - embora não tenhamos necessidade de entrar no debate

sobre se é justo ou não roubar quando já não há outra saída, quando temos fome e nossos

filhos também -, podemos, de forma, racional, compreender, o que não significa abster de

culpa, quem toma tal medida. Mas não há nada que justifique o homicídio, a tentativa de

homicídio, o estupro e a tentativa de estupro, a não ser, talvez, o ódio, e esse não é o caso,

segundo Adorno e Horkheimer (2006, pgs 42) o homicídio tornou-se um “passatempo

pueril”.

Se para Kátia Mendonça (2010) Auschwitz - enquanto símbolo do mal, da barbárie e

da dor -, penetrou todos os espaços da vida no mundo contemporâneo, então a Auschwitz do

século XXI possui sim arames farpados, e também se vale de cercas elétricas, grades de ferro,

seteiras, muros, câmeras de segurança e tudo aquilo que aqui chamamos de arquitetura da

violência. Não há mais arames farpados separando confissões religiosas e ideologias politicas,

mas há arames farpados separando tudo e separando todos.

5. Conclusões:

A conclusão imediata para o observador atento da cidade Belém é que o fenômeno da

arquitetura da violência não esta restrito ao sudeste do país, lugar onde os principais estudos

sobre o tema foram realizados, ao menos em Belém a arquitetura da violência é bastante clara.

Podemos supor mesmo que a arquitetura da violência faça parte da realidade de quase todas as

capitais brasileiras e mesmo de cidades menores do país.

Também não é demasiado difícil tomar a conclusão de que a arquitetura da violência

revela um crescimento da insegurança pública e tal evento ocorre devido ao aumento da

violência nas grandes cidades, ou como já dissemos antes, o aumento da reflexibilidade do

risco da violência. Porque existem regiões onde a violência diminui, mas os investimentos em

segurança residencial aumentam mesmo assim; as pessoas estão mais inseguras mesmo em

lugares onde os dados revelam que os motivos para tal diminuíram. E é claro que a mídia e

chamada “indústria do medo” também contribuem para esse quadro.

Por fim, a insegurança quanto a violência é comumente explicada pelo aumento do

crime violento, entretanto, nos causa grande incomodo o motivo da escalada dessa

modalidade de crime. Encontramos resposta a essa situação em autores que debatem a

modernidade como uma sociedade onde a barbárie tornou-se uma cultura, retormamos então a

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discussão sobre o desencantamento do mundo e o ofuscamento. Obviamente a desigualdade

social esta atrelada ao crescimento do crime violento, mas só essa explicação não basta,

afinal, o Brasil sempre foi um país desigual e Belém/PA não esteve nada distante dessa

realidade.

Bibliografia:

ADORNO, Theodor. Dialética Negativa. Tradução: Marco Antonio Casanova. Ed. Jorge

Zahar, Rio de Janeiro, 2006.

ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento: Fragmentos

Filosóficos. Tradução: Guido Antonio de Almeida. Ed. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 2006.

BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio

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BECK, Ulrich. Sobre a lógica da distribuição de riqueza e da distribuição de riscos. IN

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BRITO, D. C.; BARP, W. J; SOUZA, J. J. C. Subnotificação de Violências e Crimes na

Cidade de Belém. XV. Mudanças, permanências e desafios sociológicos (Anais do XV

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BUBER, Martin. Eu e Tu. Tradutor: Newton Aquiles Von Zuben. Editora Centauro, Sâo

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CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: Crime, segregação e cidadania em São

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DEBORD, Guy. A sociedade do Espetáculo. Tradução: Estela dos Santos Abreu. Ed.

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FERRAZ, S. M. t. (2006, abril). Arquitetura da violência: morar com medo nas cidades.

Quem tem medo de que e de quem nas cidades brasileiras contemporâneas? Publicado em

http://br.monografias.com/trabalhos/arquitetura-violencia-cidadescontemporaneas/arquitetura-

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----------------------------------------. Violência, Medo e Mercado: Uma análise da publicidade

imobiliária. Revista IMPULSO, Piracicaba, v. 15, n. 37, p. 1-135, maio/ago. 2004.

LIRA, Pablo Silva. Instâncias urbanas e violência: Uma Análise Dialética. Dissertação de

Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo - Nível

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MENDONÇA, Kátia Marly Leite (2009) Entre a dor e a esperança: educação para o diálogo

em Martin Buber. Retirado de

http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a17/mendonca01.pdf em 01 de Outubro de 2011.

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Disponível nos Anais do Evento em: www.seminariosociologiapolitica.ufpr.br.

Entrevista e matérias jornalísticas:

ARRUDA, Antônio. "Arquitetura do medo" isola cidadão e provoca fobia social. Matéria

publicada em 1° de maio de 2005 no Jornal Folha de São Paulo. Acesso em 20 de Setembro,

2011, em

http://www.uff.br/arqviol/textos_repercussoes/010503_FSP_Arquitetura%20do%20medo%20

isola%20cidadao%20e%20provoca%20fobia%20social%20.html.

Jornal O Globo. A arquitetura da violência desenha o Rio. Matéria Publicada Publicado em

14 de abril de 2004. Acesso em 20 de setembro de 2011, em

http://www.uff.br/arqviol/textos_repercussoes/140404_OGlobo_Arquitetura%20da%20violen

cia%20desenha%20o%20Rio.html.

Imagens:

Imagem 1: Texto Publicado na seção de dicas de segurança de uma empresa de segurança

eletrônica com atuação em Belém/PA. Link: http://www.alcatrazseguranca.com.br/dicas-

seguranca-detalhes.asp?codigo=640.