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Arqueologia histórica

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  • Dossi Arqueologias Brasileiras, v.6, n. 13, dez.2004/jan.2005 Disponvel em http://www.seol.com.br/mneme

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    Arqueologia Colonial: as Casas Fortes (de Pedra) como unidades de defesa

    e ocupao no Rio Grande do Norte no Sculo XVII

    Roberto Airon Silva

    Mestre em Histria UFPE Professor do Departamento de Histria da UFRN

    Coordenador do Laboratrio de Arqueologia- Larq E-mail: [email protected]

    Resumo

    O incio do sculo XVII marca segundo a historiografia sobre o perodo colonial no Brasil, a

    expanso e o demonstrado interesse da Coroa portuguesa em explorar reas antes no ocupadas

    pelo proces]so de colonizao. Novas datas e sesmarias determinaram esse avano e para tanto

    foi necessrio desenvolver novas estratgias de ocupao e defesa do territrio colonial. No Rio

    Grande do Norte esse processo foi determinado pelo avano da ocupao alm da linha

    demarcatria da linha litornea, exigindo que nesses pontos se instalasse postos fortificados: as

    Casas Fortes. Citadas pela historiografia potiguar esses postos fortificados, na segunda metade do

    sculo XVII adequaram utilizao civil e militar no contexto de explorao de novas terras e na

    guerra contra o ndio,. Um trabalho histrico e arqueolgico sistemtico poder evidenciar a

    dimenso das relaes scio-econmicas e tnicas existentes nesses espaos na Capitania do Rio

    Grande.

    Palavras-chave

    Arqueologia colonial, Capitania do Rio Grande - sculo XVII e Casas Fortes

    Os usos de fontes escritas, etnogrficas e histricas na pesquisa arqueolgica tm

    constitudo importante instrumento do conhecimento acerca das cronologias, dos eventos e

    tambm dos sistemas culturais de sociedades do passado e das transformaes e modificaes

    desses mesmos sistemas culturais ao longo do tempo1.

    Desde os primrdios da disciplina arqueolgica, na Arqueologia Clssica, por exemplo,

    arquelogos tais como Edward Clark, na pesquisa de stios sagrados na Judia, em 1801; de

    1 Idem. Pg.36

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    Edward Robinson, em 1837, no reconhecimento e estudo de cidades abandonadas nos lugares

    descritos na Bblia. Tambm, o exemplo de Johann Winckelmann, que em 1764, desenvolveu a

    cronologia da arte antiga e da arquitetura com base nos escritos clssicos, produzindo a primeira

    cronologia sistemtica dos vestgios; e por fim, Heinrich Schliemann, que em 1870, no

    encontrando templos e esculturas belas e clssicas, com suas exploraes, entretanto, contribuiu

    para o recuo de mais de 2000 anos na histria da rea do Mar Egeu, usando textos clssicos como

    a Ilada e a Odissia.2

    Na Arqueologia Americana, os relatos dos cronistas e viajantes contriburam para o

    nascimento do interesse arqueolgico e forneceram informaes importantes para a Etnologia,

    Histria e Arqueologia. No Brasil, em reas como a Amaznia, Gois, locais com pinturas rupestres

    e pesquisa etno-histrica aliada Arqueologia, dados sobre os aldeamentos, origens das cidades

    e as doaes de terras, permitem hoje um melhor entendimento das relaes que envolviam a

    colonizao.

    Busca-se ento, nessa pesquisa trabalhar no mbito da Arqueologia Histrica, que dentro

    das novas possibilidades tericas da arqueologia hoje no Brasil, abrem um vasto campo de estudo

    dos vestgios materiais no mbito da pesquisa em Histria Colonial no Brasil. Segundo a

    historiadora Maria S. Ferraz3, a arqueologia brasileira tem sido uma importante fonte para a

    Histria Colonial tanto quanto os registros histricos tm levado os arquelogos a buscarem pistas

    necessrias ao incio das escavaes.

    Pensamos tratar aqui de uma arqueologia, no somente como simples coleta de dados

    isolados, mas estudar as relaes existentes entre os achados, ou seja, assim como a Histria,

    buscar constituir a vida material das sociedades. Todos os vestgios de uma determinada

    sociedade sejam de ordem arqueolgica ou histrica, apenas uma pequena parte daquilo que os

    homens produziram; a Histria precisa, portanto, de todos os vestgios possveis para a

    reconstruo do coletivo e do particular. Partimos, assim, da compreenso de que:

    ... j no cabem discusses sobre a relevncia de determinadas fontes histricas

    sobre outras, no resgate do passado humano, se tornando, ao contrrio, cada dia mais

    necessrio interdisciplinaridade entre as cincias que buscam refletir sobre esse

    passado.4

    2 William Stiebing Jr.Uncovering the past. 1993 3 Ma. Do Socorro Ferraz. Misses religiosas no Mdio So Francisco: uma abordagem histrica. 1994. pg. 335. 4 Virgnia Ma. Almoedo de Assis. Subsdios documentais pesquisa arqueolgica: as Misses Religiosas em PE, PB e RN. 1994. Pg. 341.

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    Pretende-se assim, seguir os caminhos terico-metodolgicos tratados pela Arqueologia

    chamada Ps-processual, na recuperao e anlise dos vestgios materiais, considerando a

    preocupao dessa linha terica com aquilo que se denomina como Arqueologia dos Contextos.

    Isto equivale a dizer que se uma pesquisa arqueolgica pretende estudar de forma sistemtica

    certo objeto de estudo material, esta deve ser vista como re-presentao do passado, e, na

    tentativa, como diz-nos Ian Hodder, de introduzir-se ao interior dos acontecimentos, buscar

    intenes e pensamentos dos atores subjetivos. 5

    O desafio apresentar respostas aos desafios da importncia do significado cultural do

    indivduo ativo e da Histria e no simplesmente de uma pesquisa demarcada pelos interesses

    ligados tradies historiogrficas, aos cones e/ou monumentos tradicionais da historiografia

    local.

    Tal aporte terico centra-se, portanto em trs grandes reas fundamentais da investigao

    arqueolgica: a relao entre a cultura material e sociedade; as causas das mudanas scio-

    econmicas e culturais, e por ltimo, a epistemologia e a inferncia como mecanismo de

    interpretao.

    Ian Hodder estabelece que a Arqueologia Contextual uma linha de pensamento que

    pretende fazer um estudo dos dados contextuais atravs de mtodos especficos de anlise. A

    Arqueologia como Histria, nestes termos, se fixa no conceito que o arquelogo deve exercer as

    funes de historiador, sistematizando a partir de uma anlise cada vez mais profunda do fato

    concreto dentro do seu contexto. 6

    Em termos de limites conceituais, primeiramente o termo contexto aporta-se ao sentido do

    meio fsico e do comportamento presente na ao; segundo, a idia de con-texto, ou seja, os

    traos da cultura material (o texto), que esto colocados em tempo e lugar, e, tambm em relao

    com outros objetos; e por ltimo, inclua-se tambm neste, o contexto do arquelogo, a

    subjetividade do observador impressa em sua prpria anlise.

    5 Ian Hodder. Symbols in action: ethnoarchaeological studies of material culture. Cambridge: 1982. 6 Ian Hodder. Interpretacion en arqueologia: corrientes actuales. 1988.

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    Procura-se com este trabalho de pesquisa, registrado como Projeto na Base de Pesquisa:

    Histria e Historiografia do Perodo Colonial no Rio Grande do Norte, suprir a ausncia de

    pesquisas que considerem a dimenso das estruturas fsicas remanescentes do perodo colonial,

    ou seja, um estudo arqueolgico sistemtico no mbito dos conhecimentos sobre o perodo

    colonial no Rio Grande do Norte, tendo em vista os avanos j obtidos nas pesquisas histricas

    documentais, nos ltimos vinte anos, sobre a histria do estado.

    Tambm busca preencher lacunas nas pesquisas sobre as unidades de defesa e de

    conquista do territrio no Nordeste colonial, em particular na Capitania do Rio Grande, no sculo

    XVII, perodo considerado importante na historiografia potiguar porque marca primeiramente, a

    conquista e ocupao definitiva das reas situadas prximas do litoral; tambm; a guerra contra o

    ndio (gentio bravo) e a luta por espaos para colonizao, espaos que depois sero ocupados

    em parte pelas Misses de Aldeamento ou pelo avano da colonizao s reas dos sertes da

    Capitania.

    Alm dessas lacunas, por ltimo, a pesquisa pretende dedicar ateno especial ao estudo

    das chamadas Casas de Pedra, ou Casas Fortes, enquanto restos materiais citados na

    historiografia potiguar. Essas estruturas, em forma de restos arquitetnicos, carecem de estudos

    sistemticos e aprofundados, no somente das evidencias materiais construtivas mas tambm de

    um estudo que considere a dimenso da anlise de toda a cultura material que poder ser

    evidenciada atravs de prospeces e escavaes. As variadas dimenses do contato intertnico

    produzido nesses espaos tambm podero ser mais bem identificadas com a utilizao de uma

    metodologia arqueolgica que privilegie no somente os chamados grandes achados, mas d

    nfase no estudo de todo e qualquer vestgio material a ser identificado nas prospeces

    arqueolgicas.

    Alm dessas, outras mais foram citadas por historiadores como Tavares de Lira, em sua

    Histria do Rio Grande do Norte que baseado na existncia, segundo o autor, de referncias

    documentais a tais construes surgidas no final do sculo XVII, afirma a existncia de vrias

    outras Casas fortes. No entanto, j se buscou tambm dimensionar a presena e as funes

    dessas casas fortes, tais como o historiador Hlio Galvo e Olavo Medeiros Filho, em particular

    sobre uma delas: a Casa de Pedra do Pium. Estes dois autores basearam suas hipteses

    interpretativas com base na documentao e nos relatos etnogrficos conhecidos, mas no

    realizaram nem propuseram quaisquer trabalhos sistemticos sobre a cultura material

    remanescente nesses locais.

    As Casas Fortes ou como, melhor dizendo, na fala dos habitantes do interior potiguar, as

    Casas de Pedra, so edificaes com caractersticas coloniais e que j suscitaram a ateno dos

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    historiadores desde longa data, sendo referenciada por diversos autores que se debruaram sobre

    a documentao de histria colonial do Rio Grande do Norte.

    O primeiro destes foi Vicente Lemos (1912), que em seu trabalho descreve os feitos

    administrativos dos Capites-Mores e governadores do Rio Grande do Norte, e afirma ser no

    governo de Manoel Muniz, em 1685, que comearam os levantes indgenas, e, que no governo

    anterior, 1665, j se havia aberto caminho aos sertes da Capitania do Rio Grande7. Segundo o

    mesmo autor, no governo de Paschoal Gonalves de Carvalho, que no Termo de Vereao,

    datado de 02 de dezembro de 1687, escrevendo ao Governo Geral, comunica aos membros da

    Cmara de Natal que os gentios assaltaram os colonos da ribeira do Cear - Mirim, a cinco lguas

    da capital, os quais mal podiam defender-se dentro das Casas Fortes.

    Acerca do Capito - Mor da Capitania do Rio Grande, Vicente Lemos informa que: ... em carta de

    01 de maro de 1695, Agostinho Cezar de Andrade, dirigindo-se ao Senado da Cmara afirma ter

    encontrado os moradores da capitania recolhidos s casas fortes e o gentio sem oposio.8

    Afirma ainda o autor que o mesmo Capito-Mor, em 1695, saiu da cidade do Natal e com

    os homens que retirou das Casas Fortes, formou um contingente de 160 homens que mandou do

    Mopib ao serto9.

    Depois de Vicente Lemos, o historiador Tavares de Lira refere-se s mesmas Casas-Fortes

    de Lemos, dando detalhes inclusive acerca do nmero destas no territrio da Capitania do Rio

    Grande10.

    Lemos, refere-se ainda ao cerco feito pelos ndios Casa-Forte do Cu (atualmente Caic,

    na regio do Serid), atravs das Cartas do Assu, falando que o Coronel Antnio de Albuquerque

    Cmara, em 1687, na perseguio aos ndios subiu at s cabeceiras do Assu, travando

    combates, vendo-se obrigado refugiar-se na Casa Forte da ribeira do Rio Piranhas11. Sendo o

    trabalho de Lemos, uma descrio dos feitos e fatos administrativos dos Capites-mores, no se

    ateve, assim, em determinar a localizao ou a origem dessas Casas Fortes, bem como, sua

    presena como estratgia de ocupao portuguesa no espao dos chamado Serto. No entanto,

    o primeiro trabalho publicado que tornar divulgado o assunto das Casas Fortes.

    Rocha Pombo (1920) tambm fez diversas referncias, em sua obra, s Casas Fortes,

    afirmando ser durante o perodo holands que os ndios tapuias mataram a todos os portugueses

    que puderam, em redor de vinte lguas em torno dos postos fortificados12. Segundo Pombo, nas

    7 Vicente Lemos. Capites-Mores e Governadores do Rio Grande do Norte. 1912. Pg. 31, 37. 8 Idem. Pg.46 9 Id. Ibid.pg. 65 10 Idem. Pg. 41 11 Id. Ibid.pg. 44-45. 12 Rocha Pombo. Histria do Estado do Rio Grande do Norte. 1921. Pg. 123.

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    vizinhanas do Antigo Engenho Ferreiro Torto, setenta pessoas refugiaram-se dos holandeses e

    de Jacob Rabbi, e afirmando, baseado em outro historiador, ser neste engenho, pertencente a

    Joo Lostau Navarro, que se refugiou aquela gente13.

    Apresenta, de acordo com documento de 21 de janeiro de 1670, que o Senado da Cmara

    de Natal clamava Corte contra a insuficincia da guarnio de Natal e de todos os meios de

    defesa, atentando assim para a necessidade de colonos para a Capitania. No mesmo trabalho,

    afirma ainda, que os postos fortificados serviram de refgio para os moradores da Capitania que

    fugiam dos ataques indgenas, da a providncia de se construir muitas Casas Fortes em todos os

    pontos da capitania mais expostos ao dos ndios, dado a falta de homens preparados para

    guerra14.

    O autor toma o cuidado de conceituar Casa Forte como: ... um posto entrincheirado e

    guarnecido de alguns homens. Servia de refgio aos moradores em caso de perigo.15 Faz

    referncia tambm a Agostinho Cezar de Andrade, que quando Capito-Mor do Rio Grande, em

    1688, observou os moradores recolhidos nas Casas Fortes e o gentio bravo sem oposio. No

    mesmo governo deste Capito-Mor ps-se em prtica a providncia de fundar dois postos militares

    na ribeira do Au, chamando-os de quartis. 16 O autor no chega, porm, a determinar a

    localizao destas Casas Fortes, nem relacion-las a quaisquer outros eventos alm dos embates

    contra o ndio gentio tapuia.

    Augusto Tavares de Lira (1920), talvez seja o historiador que mais contribuiu para o estudo

    da histria colonial potiguar, pois em seu trabalho, Histria do Rio Grande do Norte, elaborou um

    grande esboo, base de todos os trabalhos que vieram depois dele. Em relao s Casas Fortes,

    d ateno especial a estas, visto que, faz meno sua existncia, de acordo com a

    documentao do Instituto Histrico e Geogrfico do Rio Grande do Norte (IHGRN)17.

    Tavares de Lira faz referncia s Casas Fortes tambm como parte integrante dos postos

    de vigilncia nas proximidades das ribeiras dos rios Cear-Mirim, do Serid, do Assu, do Pirangi e

    do Potengi. Dos vrios autores, o que nos d a dimenso do alcance das Casas Fortes, como

    unidades de defesa dos pontos importantes da Capitania. Segundo Tavares de Lira, foram nove as

    Casas Fortes existentes, ao final do sculo XVII, na Capitania do Rio Grande, sendo estas,

    construdas nos pontos mais povoados desta.

    Desses pontos, seis esto localizados, segundo Lira, em antigos Engenhos; e trs nas

    proximidades das margens de rios. So citadas pelas localidades em que estas tais Casas Fortes

    13 Idem. Pg. 129. 14 Id. Ibid.pg. 152. 15 Id. Ibid.pg. 152, nota 27. 16 Id. Ibid.pg. 160. 17 Tavares de Lira. Histria do Rio Grande do Norte. 1920. Pg. 110-111.

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    estavam situadas, na dcada de 1680, que so: Cunha, Goianinha, Mipib, Guaras, Utinga e

    Aldeia de So Miguel nos engenhos de cana-de-acar, e, Tamatanduba, Potengi e Cu, em

    ribeiras de rios do mesmo nome18.

    Mesmo com esses trabalhos publicados nas primeiras dcadas do sculo XX, o que

    encontramos so obras que reproduzem os primeiros autores, exercendo profunda influncia na

    produo historiogrfica das dcadas de 1970 e 1980 sobre o Rio Grande do Norte, com trabalhos

    que privilegiaram os aspectos econmicos e sociais em detrimento dos aspectos administrativos e

    descritivos.

    Tarcsio Medeiros, outro historiador, em sua obra: Proto-Histria do Rio Grande do Norte,

    destaca os aspectos da ocupao pr-histrica no estado, e as caractersticas dos materiais

    arqueolgicos encontrados at o incio da dcada de 1980.

    A obra de Tarcsio Medeiros interessante, na medida em que destaca os conhecimentos

    adquiridos na pesquisa arqueolgica sobre o Rio Grande do Norte, e ao estudo dos povos nativos

    desta regio. Ainda assim no encontramos referncias sobre a arqueologia histrica, no s em

    Tarcsio Medeiros, mas em toda a historiografia produzida sobre o Rio Grande do Norte, haja vista

    que os destaques dados aos trabalhos arqueolgicos restringem-se ao perodo pr-histrico ou

    pr-colonial19. Porm, na dcada de 1980, que surgiro trabalhos com temtica especfica, e no

    somente grandes snteses da histria do Rio Grande do Norte.

    Tal exemplo est presente nas obras do pesquisador Olavo de Medeiros Filho, tais como:

    ndios do Assu e Serid e No rastro dos flamengos, onde, apoiado por vasta documentao e

    sistemtico trabalho de organizao de fontes primrias do Instituto Histrico e Geogrfico do Rio

    Grande do Norte (IHGRN), o autor aborda aspectos pontuais tais como: ndios, domnio

    holands, e ocupao efetiva do espao potiguar colonial. Faz referncia s Casas Fortes, no

    livro No rastro dos flamengos, atribuindo a existncia no relato de Roulox Baro, sucessor de

    Jacob Rabbi, no trato com os ndios Tapuia, de um episdio no Engenho Cunha, onde os

    portugueses abrigaram-se na Casa Forte existente no stio de Joo Losto Navarro, sogro do

    tenente coronel holands, Joris Garstman 20.

    Segundo Medeiros Filho, citando o cronista Lopo Curado Gorro, houve mortandade na

    mesma Casa Forte. E ainda segundo o autor, o local do stio de Joo Losto Navarro acha-se

    assinalado no mapa de Marcgrave, referente Capitania do Rio Grande. 21

    Na obra ndios do Au e Serid o mesmo historiador afirma ser a Casa de Pedra, da

    localidade chamada Pium, as runas da Casa-Forte de Joo Losto Navarro, mostrando-a inclusive 18 Idem. Pg. 111 19 Tarcsio Medeiros. Proto-histria do Rio Grande do Norte. 1985. Pg. 56. 20 Olavo de Medeiros Filho. No rastro dos flamengos. 1989 21 Idem. Pgs. 24-25

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    atravs de fotografias22. Localiza a dita Casa Forte como distando meia lgua do mar, perto do rio

    Pirangi, no municpio de Nsia Floresta. Alm desta Casa Forte, o mesmo autor apresenta a Casa-

    Forte do Cu, na fazenda do Penedo, no municpio de Caic, e que segundo o autor alojou as

    tropas do Coronel Albuquerque da Cmara, em pleno perodo da Guerra dos Brbaros, sendo

    construda entre os anos de 1686-1687. O autor tem a preocupao de mostrar, inclusive, as

    fotografias das runas e os alicerces dessa construo. 23

    Em trabalho recentemente publicado sobre o Rio Grande do Norte, a historiadora Denise

    Matos Monteiro afirma que em relao ao perodo relativo Guerra dos Brbaros:

    Assim, foram construdas, os reforadas, casas fortes nos principais ncleos de

    povoamento da faixa litornea que se estendia em direo sul Paraba nos atuais

    municpios de So Jos do Mipib, Ars, Goianinha, Canguaretama e Pedro Velho

    alm da ribeira do rio Potengi e da Aldeia de So Miguel do Guajir.24

    A hiptese principal de que partilhamos que o surgimento das Casas Fortes (ou de

    Pedra) se deu logo no incio do sculo XVII ou mesmo aps a expulso dos holandeses no final da

    primeira metade do mesmo sculo, e que estas foram prioritrias nas ltimas dcadas do mesmo

    sculo XVII, principalmente em funo das novas estratgias de ocupao e colonizao do

    espao colonial ps-restaurao portuguesa exigindo a adequao de espaos de uso civil, mas

    com caractersticas de defesa militar, e tambm a sua importncia, no contexto dos combates

    contra o gentio bravo, a Guerra dos Brbaros.

    Foram assim, as Casas Fortes, importantes para a ocupao e defesa do espao da

    capitania no sculo XVII, sendo deixadas de lado ao longo da primeira metade do sculo XVIII, em

    funo do surgimento das Misses de Aldeamento de carter permanente. Tais Misses no s

    catequizaram, reduziram e pacificaram em geral, o gentio bravo, mas tambm representaram o

    carter de substituio na estratgia de ocupao, explorao e controle efetivo do espao nesta

    capitania.

    Como hipteses adicionais, pensamos inicialmente que, a respeito das caractersticas

    tanto do uso dos materiais quanto estruturais das Casas Fortes no Rio Grande do Norte colonial,

    existiram em funo de terem sido criadas dentro do processo de doao das novas datas e

    sesmarias, como parte primordial da estratgia de ocupao efetiva das reas interioranas da

    capitania.

    22 Olavo de Medeiros Filho. ndios do Au e Serid. 1984. 23 Idem. Pgs. 90-96. 24 Denise Matos Monteiro. Introduo Histria do Rio Grande do Norte.,2000. pg.64-65.

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    Segundo o pesquisador Paulo Pereira dos Santos, falando sobre a evoluo econmica da

    capitania do Rio Grande no sculo XVII diz que: ...para se ter uma idia da estrutura de produo

    da capitania do Rio Grande, j em 1614 existiam 185 doaes de sesmarias, cobrindo as reas

    das ribeiras do Potengi, Jundia, Pirangi, Mipib (Trairi) e Cear-Mirim.25

    Devido a isto, a localizao destas Casas dar-se- inicialmente nos entroncamentos dos dois

    nicos engenhos conhecidos de cana de acar poca, na Zona da Mata e depois, das primeiras

    datas e sesmarias nas ribeiras dos rios Assu, Apodi, Piranhas e Serid. Tais localizaes podero

    ser atestadas pela identificao dos restos remanescentes dessas estruturas.

    Em segundo lugar, pensamos que a arquitetura das Casas fortes na Capitania do Rio

    Grande seguiu padres j estabelecidos, planejados pelas autoridades portuguesas, mas

    colocadas em prtica por particulares, dateiros ou sesmeiros que haviam recebido terras para uso

    e colonizao. A concepo do espao construdo, as dimenses e as caractersticas na

    distribuio dos espaos, ao mesmo tempo em que seguiram padres rgidos pr-estabelecidos

    pela engenharia civil e militar portuguesa, adquiriram tambm padres prprios locais, quanto

    escolha do local, quanto ao uso e s funes e materiais construtivos envolvidos.

    O pesquisador da arquitetura colonial do Brasil, Robert C. Smith, ao abordar sobre as

    caractersticas da construo civil e religiosa desse perodo afirma ser de 1545, o Regimento de D.

    Joo III, que serviu de base para as instrues do Governador Geral do Brasil, Tom de Sousa,

    sobre as edificaes ao qual determinava que: ... quem quisesse fundar um engenho era obrigado

    a prover-lhe a proteo por meio de hua torre ou casa forte. 26 Ainda sobre as disposies legais

    sobre as construes do perodo colonial afirmava que as primeiras Casas Fortes foram

    inspecionadas pelo prprio Governador Geral, Tom de Sousa, em 1552 e que ao findar o sculo

    XVI, havia pelo menos quarenta casas fortes na Bahia e cerca de sessenta em Pernambuco.

    Mesmo, que segundo o autor, as Casas Fortes do Brasil tenham desaparecido quase todas, em

    muito de suas caractersticas, se pode ver que elas lembram as igrejas e conventos fortificados do

    interior do Mxico no sculo XVI. Para este pesquisador, a arquitetura desses espaos coloniais,

    em especial as Casas Fortes, remetem arquitetura de carter domstico, das regies do Minho e

    Douro, em Portugal, onde os solares chamam-se Casas da Torre, pois foram construdas todas

    com pedras de grandes dimenses, tanto nos cunhais, quanto nos pilares das arcadas e nos

    umbrais. Alm disso, foram feitas pelo processo de empilhamento de pedras com argamassa de

    cal de conchas, material abundante no litoral.

    Outro dado importante fornecido por Robert Smith que, os arquitetos do perodo colonial

    no Brasil eram arquitetos militares portugueses residentes na colnia e que alguns foram formados

    25 Paulo Pereira dos Santos. Evoluo econmica do Rio Grande do Norte. 1994, pg. 14 26 Robert C. Smith. Igrejas, casas e mveis: aspectos da arte colonial brasileira. 1979, pg.221.

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    nas Aulas de Fortificaes e Artilharia, fundadas em Salvador em 1699 e no Rio de Janeiro em

    1735, cabendo ento a estes toda a sorte de edifcios civis. 27

    Em suma, nessas reas de possesso portuguesa, possibilitar aos colonos ao mesmo

    tempo defesa e ocupao para explorao, exigiu esforos quanto s adaptaes e adequaes

    prprias s condies naturais locais, inclusive no uso da mo-de-obra indgena para a construo

    destas Casas Fortes.

    Alm disso, pensamos ter sido considervel o poder poltico e econmico desses

    sesmeiros, ao conseguir construir tais estabelecimentos com recursos prprios, dado que

    inexistem referncias participao financeira direta do Estado portugus nesses

    empreendimentos. Tais afirmaes podero ser atestadas pelos materiais arqueolgicos

    encontrados nesses lugares e pela comparao destes com outros j porventura, pesquisados em

    reas de ocupao portuguesa no sculo XVII.

    Bibliografia

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