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1 A Produtividade do Investimento em Infraestrutura Armando Castelar 1 Junho 2016 1. Introdução Para o investidor, um projeto em infraestrutura, como qualquer outro investimento, nada mais é do que um fluxo de caixa. Para a sociedade como um todo, porém, ele tem características que o diferenciam de outros tipos de inversões, como aquelas em fábricas e residências. De um lado, porque ele é de mais difícil execução, por conta de suas implicações ambientais, longos prazos de maturação, dimensões elevadas, e a especificidade dos ativos, que os torna vulneráveis a futuras expropriações. De outro lado, porque ele gera externalidades positivas que beneficiam outras atividades. Empresas de água e saneamento não apenas fornecem serviços, elas colaboram para melhorar a saúde da população. Boas estradas não são apenas vias de transporte, elas estendem a vida útil dos veículos e permitem que esses sejam mais bem utilizados, na medida em que passem menos tempo presos em engarrafamentos. Bons sistemas de transporte urbano não apenas aumentam o conforto dos passageiros, eles permitem que as pessoas gastem menos tempo no deslocamento de casa para o trabalho e dessa forma possam ser mais produtivos nas suas atividades. Desta forma, as sérias carências de infraestrutura que o Brasil apresenta, notadamente em transportes (World Economic Forum, 2013), ajudam a explicar porque o Brasil é um país de baixa produtividade. Por que o Brasil tem uma infraestrutura tão ruim? A resposta mais direta a esta questão é que isso deriva da nossa baixa taxa de investimento nesse setor, há três décadas oscilando entre 2,0% a 2,5% do PIB, nível que não permite ampliar a oferta desses serviços no mesmo ritmo que a demanda. Análises feitas a partir de comparações internacionais apontam que o Brasil deveria investir bem mais em infraestrutura, algo na faixa de 4% a 5% do PIB (McKinsey Global Institute, 2013; Credit Suisse, 2013). Tão ou mais importante que a nossa baixa taxa de investimento em infraestrutura é a baixa produtividade desse investimento; isto é, quanto de efetiva expansão na oferta de serviços de infraestrutura se obtém de cada real nela investido. Essa baixa produtividade tem duas consequências negativas. Primeiro, ela faz com que uma parte menor dos recursos aplicados nesses projetos se traduza em efetiva ampliação da capacidade de oferta e, portanto, do potencial de crescimento. Segundo, ela reduz a atratividade econômica dos projetos, 1 Agradeço os comentários de Maria Eduarda Berto, Fernando Camacho e Bruno Rodrigues a versões anteriores deste trabalho, eximindo-os, porém, da responsabilidade por quaisquer erros remanescentes.

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A Produtividade do Investimento em Infraestrutura

Armando Castelar1

Junho 2016

1. Introdução

Para o investidor, um projeto em infraestrutura, como qualquer outro investimento, nada

mais é do que um fluxo de caixa. Para a sociedade como um todo, porém, ele tem

características que o diferenciam de outros tipos de inversões, como aquelas em fábricas e

residências. De um lado, porque ele é de mais difícil execução, por conta de suas implicações

ambientais, longos prazos de maturação, dimensões elevadas, e a especificidade dos ativos,

que os torna vulneráveis a futuras expropriações. De outro lado, porque ele gera

externalidades positivas que beneficiam outras atividades. Empresas de água e saneamento

não apenas fornecem serviços, elas colaboram para melhorar a saúde da população. Boas

estradas não são apenas vias de transporte, elas estendem a vida útil dos veículos e permitem

que esses sejam mais bem utilizados, na medida em que passem menos tempo presos em

engarrafamentos. Bons sistemas de transporte urbano não apenas aumentam o conforto dos

passageiros, eles permitem que as pessoas gastem menos tempo no deslocamento de casa

para o trabalho e dessa forma possam ser mais produtivos nas suas atividades.

Desta forma, as sérias carências de infraestrutura que o Brasil apresenta, notadamente em

transportes (World Economic Forum, 2013), ajudam a explicar porque o Brasil é um país de

baixa produtividade.

Por que o Brasil tem uma infraestrutura tão ruim? A resposta mais direta a esta questão é

que isso deriva da nossa baixa taxa de investimento nesse setor, há três décadas oscilando

entre 2,0% a 2,5% do PIB, nível que não permite ampliar a oferta desses serviços no mesmo

ritmo que a demanda. Análises feitas a partir de comparações internacionais apontam que o

Brasil deveria investir bem mais em infraestrutura, algo na faixa de 4% a 5% do PIB (McKinsey

Global Institute, 2013; Credit Suisse, 2013).

Tão ou mais importante que a nossa baixa taxa de investimento em infraestrutura é a baixa

produtividade desse investimento; isto é, quanto de efetiva expansão na oferta de serviços

de infraestrutura se obtém de cada real nela investido. Essa baixa produtividade tem duas

consequências negativas. Primeiro, ela faz com que uma parte menor dos recursos aplicados

nesses projetos se traduza em efetiva ampliação da capacidade de oferta e, portanto, do

potencial de crescimento. Segundo, ela reduz a atratividade econômica dos projetos,

1 Agradeço os comentários de Maria Eduarda Berto, Fernando Camacho e Bruno Rodrigues a versões anteriores deste trabalho, eximindo-os, porém, da responsabilidade por quaisquer erros remanescentes.

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tornando o seu fluxo de caixa menos interessante do que poderia ser, dessa forma

deprimindo a própria taxa de investimento em infraestrutura.

As evidências disponíveis sugerem que a eficiência do investimento em infraestrutura no

Brasil é baixa, como caracterizado pela incidência de atrasos e sobrecustos em projetos de

infraestrutura (CNI, 2014). Em transportes, dois em cada três projetos do PAC têm atraso de

dois anos ou mais. Em energia, 13 de 50 projetos atrasaram dois anos ou mais. No setor de

saneamento, de 138 obras acompanhadas pelo Instituto Trata Brasil (2013) em 2012, apenas

28 tinham andamento normal, contra 18 não iniciadas no prazo, 25 atrasadas, e 47

paralisadas.

Esse não é um problema exclusivamente brasileiro. O FMI, por exemplo, observa que, ainda

que muitos países emergentes precisem ampliar a oferta de infraestrutura para apoiar seu

processo de desenvolvimento, elevar o investimento nessa área pode incrementar apenas

modestamente a capacidade de oferta, se a eficiência com que ele é realizado não aumentar.

O argumento central deste capítulo é que a governança adota na realização de projetos de

infraestrutura tem grande influência sobre a produtividade desse investimento.2 Por poder

usufruir de uma melhor governança, as PPPs, aí incluídas as concessões tradicionais, são

formas potencialmente mais eficientes de realizar projetos de infraestrutura do que obras

conduzidas diretamente pela administração pública, mas para isso é necessário que elas

sejam bem estruturadas.

Esse argumento é construído em duas etapas. Inicialmente se mostra que a contratação de

obras de infraestrutura pelo setor público tem esbarrado em uma série de problemas, que

podem ser minimizados com estruturas de governança em que mais atividades sejam

desenvolvidas de forma integrada (hierárquica) pelo parceiro privado. Em seguida, se discute

como a carência de recursos no setor público faz com que a estruturação de projetos de

concessão e PPPs dependa de esses projetos serem estruturados pelo setor privado, como

ocorre em geral nas economias emergentes, e que tipos de problemas daí resultantes

precisam ser evitados.

O trabalho está estruturado em sete seções, incluindo esta introdução. A seção 2 situa o

problema de uma perspectiva macroinstitucional, mostrando como a governança que

prevalece na forma tradicional de contratação de obras públicas de infraestrutura leva aos

atrasos e sobrecustos que caracterizam esses projetos. A seção 3 discute outras formas de

governança para esses tipos de projetos, como contratação integrada, concessões e PPPs, em

que o parceiro privado se responsabiliza por mais etapas do projeto. A seção 4 descreve o

papel central da atividade de estruturação de projetos para a realização de concessões e PPPs.

A seção 5 analisa a experiência internacional na construção de uma institucionalidade que

2 A expressão estrutura de governança é utilizada neste texto na acepção que lhe dá Williamson (1996), de ser um arranjo institucional por meio do qual se decide, organiza, acompanha, e administra determinada transação ou conjunto de transações.

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favoreça a realização de bons projetos de infraestrutura em parceria com o setor privado. A

seção 6 avalia como essa institucionalidade está formatada no Brasil. A última seção conclui.

2. A forma convencional de investir em infraestrutura

A Figura 1 apresenta as etapas da realização de um projeto de investimento em infraestrutura

pelo setor público. A primeira delas envolve a seleção do projeto a ser realizado.3 Os países

com melhores práticas dedicam considerável esforço a esta etapa. Isso inclui a construção de

um “business case”, que deve mostrar (i) a necessidade do projeto, (ii) que este é a melhor

opção para se atingir o objetivo pretendido, (iii) que ele tem uma relação custo-benefício

atraente, e (iv) quais as implicações fiscais da realização e operação do projeto.

No Brasil essa etapa é comprometida pelo uso de critérios relativamente frouxos na seleção

de projetos, que muitas vezes refletem apenas motivações políticas. Em geral não se fazem

análises custo-benefício e mesmo as avaliações dos benefícios esperados são muito cruas.

Também não há um cotejamento entre soluções alternativas e nem a seleção se dá com base

na atratividade econômica relativa. E falta um planejamento de longo prazo que explore as

possíveis sinergias entre projetos e dê previsibilidade aos vários stakeholders.

Isso significa não apenas que os projetos selecionados podem não ser os mais interessantes,

mas também que seus prazos e custos podem ser estimados de forma muito otimista.

Flyvbjerg (2011) apresenta algumas evidências de que esse viés de avaliação não ocorre

apenas no Brasil, mas em quase todos os países, e que muitas vezes ele é consciente, servindo

para tornar mais provável que os projetos que interessam a políticos e gestores públicos

sejam selecionados no processo competitivo de garantir recursos do orçamento.

Frequentemente esse viés encontra eco nas empresas interessadas na execução dos

projetos.4

3 Esta e as próximas seções estão parcialmente baseadas em Pinheiro (2016a e 2016b). 4 Gramlich (1994) observa que é surpreendente a escassez de estudos contendo estimativas cuidadosas das taxas de retorno de investimentos de infraestrutura, especialmente, como é o caso dos estudos por ele resenhados, de investimentos realizados pelo setor público.

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Em termos relativos, a Administração Pública dedica bem mais atenção à obra a ser executada

para implantar o projeto. Na Figura 1, isso envolve três etapas principais: a concepção da obra

a ser contratada, o processo de contratação em si e a execução da obra. Trata-se de etapas

de significativa complexidade, em função de características que diferenciam os projetos de

infraestrutura (Flyvbjerg, 2009):

Eles são intrinsicamente arriscados, devido aos longos horizontes de planejamento e

às suas complexas interfaces. É especialmente difícil escrever contratos completos

nessa situação;

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A tecnologia e o 'desenho' são em geral não padronizados, o que significa que é

comum se utilizarem ativos específicos ao projeto;

Os processos de decisão, planejamento, e gestão são tipicamente executados por

atores diversos com interesses conflitantes, abrindo espaço para comportamentos

oportunistas;

O escopo e a ambição do projeto em geral variam ao longo do processo de

planejamento, decisão e execução, o que significa que o contrato precisa ser

renegociado ao longo de sua execução, acentuando a especificidade dos ativos usados

na sua execução e abrindo outras brechas para comportamentos oportunistas;

A evidência estatística sugere que o orçamento reservado para contingências é

frequentemente subdimensionado, outra via pela qual a renegociação contratual se

faz necessária.

Williamson (2002) aponta que, dadas essas características, o desafio se torna conceber

estruturas de governança contratual que sejam eficientes, em termos de economizar em

custos de transação. Cada forma de governança é caracterizada por um conjunto de

incentivos com determinada intensidade, certos controles administrativos e determinado

regime de “direito contratual”, de forma que cada uma tem determinadas vantagens e

desvantagens.

Williamson (2002) considera como casos limite as governanças de mercado e de hierarquia.

Na primeira, o contrato se dá entre partes independentes em uma transação de mercado. Na

segunda, entre partes que integram uma mesma organização. Nesta última, a intensidade dos

incentivos é menor, há mais controles administrativos, estes são mais discricionários e

mecanismos internos de resolução de conflitos fazem o papel que na governança de mercado

é exercido pelo judiciário. A principal vantagem de uma governança de hierarquia é a

capacidade de adaptação. Williamson (2002) enfatiza, em particular, que a necessidade de

coordenar as adaptações fica maior conforme a especificidade dos ativos aumenta, tornando

a hierarquia uma opção atraente se essa é uma característica saliente do contrato.

O investimento público em infraestrutura é organizado no Brasil como um híbrido de

hierarquia e governança de mercado. Cada atividade individual é realizada com uma

governança de mercado, com base em um feixe de contratos, com forte influência das

relações de preço. Disputas são resolvidas com base na lei e, quando necessário, com recurso

ao judiciário. Assim, os projetos de engenharia, os estudos ambientais e, em especial, a

execução da obra são todos contratados de empresas privadas por meio de licitações.

Projetos e obras são divididos em vários componentes. Adota-se aqui o que Reisdorfer (2014)

chama de diretriz de fracionamento do objeto licitado, conforme dita o Art. 23, §1o, da Lei

8.666, que estabelece que:

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“As obras, serviços e compras efetuadas pela Administração serão divididas em

tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis,

procedendo-se à licitação com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos

disponíveis no mercado e à ampliação da competitividade sem perda da

economia de escala”.

Em teoria, essa estrutura tem algumas vantagens. Como há sempre um grande número de

fornecedores aptos e interessados, é possível ter um processo licitatório competitivo, em que

o setor público contrata esses serviços ao menor custo possível. O objetivo é que os licitantes

revelem o verdadeiro custo de realizarem cada atividade. Adicionalmente, como o projeto é

divido em muitos contratos, o setor público tem mais conhecimento sobre o projeto como

um todo do que os particulares, de forma que os problemas de assimetria de informação

ficam limitados aos contratos individuais. Como estes são realizados por intermédio de leilões

competitivos, as empresas não terão como extrair renda a partir do maior conhecimento que

detêm sobre as atividades que desenvolvem como parte do contrato.

Por outro lado, há um componente de hierarquia, na medida em que, ao manter controle

sobre o processo todo, a Administração pode, em tese, facilmente fazer adaptações,

conforme novas informações se tornem disponíveis e/ou ocorram mudanças tecnológicas ou

de mercado. As adaptações podem envolver, por exemplo, alterações do projeto, como

ampliações ou novas obras associadas, como acessos e contornos rodoviários, que alterem a

quantidade ou qualidade dos serviços de infraestrutura a serem oferecidos. Por fim, ao ser o

responsável por operar a infraestrutura, a Administração pode equilibrar objetivos de

eficiência, qualidade e equidade.

Na prática, essa estrutura de governança tem se mostrado pouco apropriada à realidade

brasileira. Focando na fase de investimento, tem-se sete problemas principais:

Os procedimentos licitatórios focam exclusivamente em critérios quantificáveis, que

possam ser verificados pelos órgãos de controle; em geral, o preço. Isso gera

problemas de seleção adversa e risco moral. Assim, por um lado, esse critério de

seleção faz com que a qualidade dos serviços seja sacrificada, às vezes afastando os

fornecedores mais bem preparados. Por outro lado, o foco exclusivo no preço do

serviço enfraquece o incentivo ao esforço na realização de um bom serviço, pois não

há mecanismo reputacional em operação, como deveria ocorrer em um mercado com

repetidas interações: como a qualidade dos serviços prestados anteriormente não é

considerada como critério de seleção, o contratado que prestar um serviço ruim terá

a mesma chance que os demais de vencer futuros processos licitatórios.

Todo projeto de infraestrutura é marcado por várias incertezas, que só vão se

resolvendo com a sua execução. Um exemplo é o tipo de solo a ser trabalhado, que só

se conhece efetivamente a partir das sondagens realizadas durante as obras. Isso

ajuda a tornar o contrato de execução da obra ainda mais incompleto, o que dá

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margem a comportamentos oportunistas, especialmente em contratos por preços

unitários. Como saber se a demanda por uma suplementação orçamentária é

justificada ou não? Nessas circunstâncias, a gestão e o monitoramento dos contratos

tendem a ser muito caros e nem sempre o gestor público dispõe dos recursos para

realizar essas atividades de forma adequada.

Processa-se, especialmente na fase de execução da obra, o que Williamson (1985)

chamou de a Transformação Fundamental: estabelece-se após a licitação uma relação

entre as partes em que sua identidade interessa e em que é importante ter uma

governança que facilite adaptações do contrato individual, pois novos fatos serão

conhecidos ao longo da execução da obra, em função da má qualidade dos projetos

de engenharia e das incertezas intrínsecas ao tipo de serviço.5 A estrutura de

governança existente no setor público é, porém, desfavorável à adaptação contratual,

pela necessidade de comprovação de motivações e fatos perante terceiros, algo

sempre complicado em um mundo de informação imperfeita e na presença de

controles burocráticos que objetivam coibir o oportunismo da parte privada e dos

próprios gestores públicos.

A fragmentação horizontal das atividades exige um grande esforço de coordenação do

setor público, pois partes distintas das obras são contratadas de empresas diferentes.

A experiência mostra que o gestor público tem dificuldade de realizar essa

coordenação, o que eleva o custo total da obra, na medida em que partes diferentes

do projeto ficam prontas em momentos distintos, sem poderem ser utilizadas até que

o todo esteja completo.

A fragmentação vertical das atividades em agentes diferentes provê incentivos para

que eles foquem exclusivamente na sua etapa do projeto, sem se esforçar para reduzir

o custo total da obra. Pelo contrário, ao maximizar seu retorno na execução de uma

etapa, o particular pode elevar o custo de realização de outras etapas. Como cada

contratado sabe mais que o gestor público sobre o esforço que realiza no desempenho

da sua atividade individual, e a qualidade do seu trabalho só será revelada como

resultado do projeto como um todo, abre-se um grande espaço para comportamentos

oportunistas. Cada ator olha exclusivamente sua parte e é difícil (e caro) saber (e

provar) de quem é a responsabilidade pelos atrasos e sobrecustos: dos projetos mal

5 Em suma, surge uma relação de troca em que a identidade das partes interessa – isto é, trocar de parceiro tem custos -- e em que a continuidade da relação tem consequências práticas, no sentido de gerar um excedente total distinto do que se teria se houvesse uma substituição de uma ou ambas as partes no contrato. Essa situação limita a capacidade do gestor público se comprometer a não negociar o preço da obra, o que leva as empresas a oferecer valores irrealisticamente baixos nos leilões de licitação (Mattos, 2011). O processo já começa, portanto, com a expectativa de que haja aditivos. Os casos dos aeroportos de Vitória e Goiânia são bons exemplos de como a relação entre a Administração e o particular executor da obra passa por essa transformação em que a substituição das partes é indesejada por ambas (CNI, 2014).

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elaborados, das adaptações exigidas pelos órgãos ambientais ou de uma execução mal

feita?

A baixa capacidade de fiscalização da Administração Pública facilita o oportunismo dos

fornecedores privados, que acabam entregando obras com qualidade inferior àquela

contratada.

Como o setor público micro gerencia as decisões de implantação do projeto, ele

carrega grande parte dos riscos de execução (Farquharson, Mastle, Yescombe e

Encinas, 2011). As empreiteiras raramente perdem a oportunidade de elevar os seus

preços, que estão ligados aos insumos, e, portanto, esse estilo de contrato está

frequentemente associado com uma visão curto-prazista de “claims culture”. Além

disso, o setor público assume todo risco de demanda e grande parte do risco de prazo

de implantação. No todo, o setor público assume um elevado risco financeiro, de

forma que o retorno social do projeto pode se revelar bem inferior ao previsto

originalmente.

A evidência disponível indica que há problemas diversos na forma que essas três etapas são

realizadas (CNI, 2014). Os problemas começam na fase de concepção, da qual resultam

projetos básicos frequentemente avaliados como incompletos e defasados. É o projeto básico

e o orçamento a ele associado que definem as obrigações entre as partes no contrato de obra

pública. Quando esse é incompleto ou está desatualizado, o contratado não exprime

adequadamente o que deveria ser o seu objeto. Quando se chega à fase de execução da obra

é necessário redimensionar o projeto e o orçamento, o que exige a realização de aditivos

contratuais. Se o valor destes aditivos superar 25% do orçamento original, é necessário

realizar novas licitações.

Mesmo que isso não ocorra na partida, as várias adaptações ao projeto feitas para a execução

da obra acabam atraindo a intervenção do TCU, que limita a abrangência dessas adaptações,

se elas elevam muito o custo do projeto. A dificuldade de realizar as adaptações contratuais

dentro das normas de licitação pública muitas vezes leva à paralisação da obra. Esta, por sua

vez, eleva os custos do empreendimento, pelo acúmulo de custos indiretos e de mobilização

de máquinas e trabalhadores à espera de uma solução.

Outro fator que reduz a eficiência da execução das obras de infraestrutura é a má

coordenação entre as atividades exercidas pelo empreiteiro privado e o contratante público,

enquanto regulador. Um exemplo é a demora em obter as licenças ambientais, que também

incluem temas como o impacto sobre o patrimônio histórico e cultural e populações indígenas

e quilombolas. Além da existência de múltiplos pontos de veto, falta uma institucionalidade

que dê sustentação à negociação de compensações para alguns dos grupos afetados.

Outro exemplo é dar início à execução da obra antes de equacionar os pontos de interferência

(postes de luz, tubulação de gás etc.). Outro exemplo ainda é a falta de planejamento nas

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desapropriações, que não segue uma lógica consistente com a execução da obra. A má

qualidade do planejamento também leva à execução de obras em lotes intermediários do

projeto, sem que os lotes contíguos estejam concluídos, uma das dimensões que revelam a

dificuldade do gestor público de coordenar no tempo e no espaço os inúmeros contratos que

compõem uma única obra de infraestrutura.

Os atrasos e sobrecustos se devem em parte à falta de quadros, recursos e, em alguns casos,

de qualificação técnica e experiência das equipes responsáveis pelos projetos, assim como a

erros “honestos” de planejamento e às dificuldades inerentes a se ter de prever

acontecimentos futuros em cima de informação incompleta sobre a situação real da área

onde o projeto será executado. Os incentivos internos à administração pública também não

ajudam; assim, auditoria operacional do TCU (2013b) no DNIT constatou que:

“Com relação à área de projetos, a principal fragilidade identificada foi a

ineficiência na análise de projetos. Não há priorização na escolha dos projetos a

analisar, a distribuição da equipe é assimétrica entre os diversos setores de

análise (com analistas mais experientes realizando trabalhos menos complexos

e vice versa), faltam procedimentos definidos para análise, focados nas

questões técnica e financeiramente mais relevantes. Além disso, a equipe não

dispõe de software adequado para realizar seu trabalho nem de condições para

conhecer o local em que o projeto será implementado.”

A Figura 1 mostra que após a execução se tem a fase de recebimento da obra, quando deve

haver uma fiscalização mais cuidadosa, complementar àquela realizada na fase de execução.

Como, uma vez pronta, a obra será operada e mantida pelo setor público, é fundamental

garantir que essa esteja de acordo com as especificações contratadas e que não haja

deficiências ocultas. A evidência é que no Brasil essa é mais uma etapa problemática. Assim,

em auditoria sobre a qualidade das obras rodoviárias contratadas pelo DNIT, o TCU (2013c)

concluiu:

“O trabalho de fiscalização revelou problemas estruturais em nove das onze

rodovias selecionadas, ao longo de 408,5 km com patologias construtivas de um

total de 872,73 km submetidos ao ensaio. Em alguns casos, os percentuais de

defeitos estruturais foram extremamente elevados, como na BR-316/MA, com

mais de 82%, e na BR-116/CE, superior a 62%. Destaca-se, também, a rapidez

com que tais problemas ocorreram, cinco meses após a entrega, no caso da BR-

316/MA, e seis meses, para a BR-116/CE. Com relação à precocidade na

ocorrência de problemas dessa natureza, sobressai, também, a BR-230/MA, na

qual, apenas um mês após a entrega, o percentual de problemas estruturais era

de 35,5%”.

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3. Formas não tradicionais de investir em infraestrutura

Ainda que a seção anterior tenha focado o caso brasileiro, os vários problemas identificados

na concepção, contratação e execução de projetos de investimento público não são

exclusividade do Brasil (Flyvbjerg, 2011; Corner, 2006). Dado esse quadro, governos,

academia e setor privado têm se esforçado por conceber formas alternativas de governança

com que estruturar e realizar investimentos de infraestrutura. A filosofia central dessas

alternativas consiste em dar mais responsabilidade ao setor privado pelo projeto, em especial

integrando um maior número de atividades sob uma governança de hierarquia sob controle

privado – isto é, em que várias atividades são organizadas internamente pelo parceiro privado

--, corrigindo e reforçando incentivos e facilitando a coordenação de atividades e a adaptação

a fatos novos.

A ideia central por trás dessa opção é que, ao se responsabilizar por mais etapas da obra, o

parceiro privado, ao realizar cada uma delas, se preocupará não apenas com o retorno que

obtém com a realização dessa etapa, mas também com o que isso implicará para seu retorno

nas etapas seguintes. Assim, por exemplo, ao conceber o projeto da obra, ele também estará

se preocupando em que ele reduza seu custo e seu prazo de execução. Da mesma forma, se

também for responsável pela operação e manutenção, irá levar em conta os custos nesta

etapa quando estiver executando a obra em si. Assim, a transferência para o privado de mais

de uma etapa do investimento altera a lógica dos incentivos a que este está submetido.

Por outro lado, nessas opções contratuais aumenta a assimetria informacional e a

possibilidade de o privado daí extrair rendas. Além disso, pode ser mais difícil fazer

adaptações contratuais, como, por exemplo, impor a execução de obras ou a provisão de

serviços não especificados originalmente. Esses fatores precisam ser considerados na hora de

definir a modalidade a ser utilizada para realizar o investimento e na elaboração do contrato

entre os atores público e privado.

3.1 – Contratação Integrada

Um tipo de estrutura mais hierarquizada de realização de obras públicas é o regime de

contratação integrada, criado como parte do Regime Diferenciado de Contratação. Essa é

definida como compreendendo "a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e

executivo, a execução de obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes,

a pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do

objeto" (parágrafo 1º do Art. 9º da Lei 12.462/2011).

Nesse regime o particular responde por uma parcela maior das atividades envolvidas no

investimento público – nos termos da Figura 1, pela estruturação e execução da obra --, tendo

mais autonomia e controle, ao mesmo tempo em que fica com maior parcela dos riscos. A

pressuposição é que isso aumente a eficiência com que a obra é realizada, pois haverá um

esforço maior de conceituação e planejamento, para se poupar recursos na fase de execução.

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6 Há, portanto, a internalização dos custos de transação, a partir da instituição de uma relação

de hierarquia entre essas duas etapas do investimento. Além disso, o particular terá facilidade

de se adaptar a novidades que exijam uma mudança de projeto.

Ao ter mais responsabilidade e liberdade na definição de como realizar o projeto, o particular

também assume uma maior proporção dos riscos associados às opções técnicas escolhidas e

à execução das atividades contempladas pelo contrato. Isso reduz os riscos financeiros da

Administração, na medida em que, se forem necessárias revisões do projeto (não

demandadas pela própria Administração, como muitas vezes ocorre), essa não será

responsável pelos custos adicionais. De fato, o Art. 9o, § 2o, da Lei 12.462 veda a realização de

aditivos contratuais quando se utiliza a contratação integrada, exceto “para recomposição do

equilíbrio econômico-financeiro decorrente de caso fortuito ou força maior; e por

necessidade de alteração do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica

aos objetivos da contratação, a pedido da administração pública, desde que não decorrentes

de erros ou omissões por parte do contratado”.

A evidência empírica confirma o ganho de eficiência na realização de obras de infraestrutura

com recurso à contratação integrada. Assim, nos projetos do DNIT baseados nesse regime de

contratação, o atraso na entrega das obras caiu significativamente e a necessidade de aditivos

praticamente desapareceu.7 Levantamento feito pela Federal Highway Administration (2006)

com projetos estruturados na modalidade Design and Build, o equivalente norte americano

da contratação integrada, mostra que ela permitiu na média reduzir o custo das obras em

2,6% e o seu prazo em 14,1%, sem sacrifício da sua qualidade.

Por outro lado, na contratação integrada o gestor público precisa se capacitar para saber

definir com precisão as características do investimento que deseja receber ao final da obra e

ser capaz de fiscalizar o produto entregue, além de realizar um processo licitatório

competitivo, buscando atenuar o impacto do seu menor acesso às informações relevantes.

Isto porque, sendo um modelo de contratação que atribui “ao particular razoável autonomia

em relação à própria concepção do objeto contratual, tende a produzir razoável assimetria

de informações entre os contratantes” (Reisdorfer, 2014, p. 164).

Essa necessidade de capacitação é reforçada pelo fato de, na contratação integrada, a

licitação poder ser feita sem a elaboração de um projeto básico, bastando um anteprojeto de

engenharia com “elementos de projeto básico” que permitam caracterizar a obra ou serviço

6 A potência desses incentivos pode ser aumentada com o estabelecimento de uma “remuneração variável vinculada ao desempenho da contratada, com base em metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazo de entrega definidos no instrumento convocatório e no contrato” (Art. 10, Lei 12.462). 7 De acordo com palestra realizada pelo Diretor Tarcisio Freitas no Seminário “Qualidade dos Serviços e Obras Públicas”, Sindicato dos Engenheiros, Porto Alegre, 11 de dezembro de 2014. Ver também Pessoa Neto e Correia (2015), pp 233-241.

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(Inciso I, Parag. 2o, Art. 9o). Nisso, inspira-se no que ocorre nas concessões, que também

prescindem da elaboração do projeto básico.

3.2 -- Concessões e PPPs

As concessões e parcerias público privadas em infraestrutura vão um passo além da

contratação integrada: nelas, todas as atividades da Figura 1, exceto a seleção e estruturação

do projeto, são realizadas pelo parceiro privado. Nesse sentido, Engel, Fischer e Galetovic

(2008) chamam a atenção para três atributos principais das concessões e PPPs. Primeiro, a

agregação sob um mesmo contrato das atividades de concepção e execução da obra e da

operação do projeto. Ao longo da concessão ou PPP, o privado irá construir, manter,

administrar e temporariamente controlar a infraestrutura, recebendo em troca uma

combinação de tarifas de uso e transferências governamentais.8 Segundo, a propriedade

temporária dos ativos pelo parceiro privado (no sentido de que esse tem o controle e

autonomia administrativa, liberdade na escolha da quantidade e qualidade dos insumos e

fatores de produção utilizados e o direito ao fluxo de caixa gerado pelo projeto). Terceiro, a

natureza da divisão intertemporal de riscos entre os parceiros público e privado.

Como na contratação integrada, a agregação de atividades estimula investimentos que

diminuam os custos agregados durante todo o período da concessão/PPP. Uma vez que o

parceiro privado detém direitos de propriedade totais ou parciais, e fica com a maioria dos

ganhos resultantes da minimização dos custos, há fortes incentivos à busca de eficiência. Isto

é importante porque em projetos de infraestrutura os custos de operação e manutenção

dependem dos investimentos feitos no estágio inicial de construção.

As concessões e PPPs podem ser vistas como uma alternativa intermediária entre a obra

pública e a privatização: de um lado, elas dão incentivos mais fortes à busca de eficiência que

a primeira, mas também permitem mais facilmente as adaptações a fatos novos, ainda que

em prazos e a custo mais elevado que na forma tradicional de contratação. Assim, em PPPs e

concessões o poder público pode utilizar o fato de que o controle do privado sobre os ativos

é apenas temporário e sujeito à reversibilidade para tentar resolver problemas de

coordenação e planejamento (por exemplo, extensão ou adaptações nos contratos de

concessão, com a inclusão de novos investimentos), o que é mais difícil no caso da

privatização. De fato, instrumentos como fluxo de caixa marginal e o fator de reequilíbrio

financeiro em contratos de concessão têm exatamente essa finalidade (mais sobre isso à

frente). Além disso, como na privatização, as concessões e PPPs facilitam o financiamento,

mesmo que parcial, por meio da cobrança de tarifas de uso. Por outro lado, quanto mais riscos

forem assumidos pelo setor público, mais a PPP ou concessão se assemelhará a uma forma

tradicional de provisão de serviços de infraestrutura.

8 As transferências públicas podem assumir diferentes formas, como subsídios, garantias, tarifas sombra (shadow fees) e pagamentos por disponibilidade, como em contratos take or pay.

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Um ponto importante é a muldimensionalidade dos serviços produzidos, de forma que pode

haver ao mesmo tempo um forte incentivo ao privado poupar em custo e sacrificar o nível de

qualidade do serviço (ver Holmstrom e Milgrom, 1991). Assim, faz diferença na elaboração

do projeto se tanto a quantidade como a qualidade dos serviços são passíveis de contratação

e monitoramento. Se a qualidade é contratável, o governo pode especificar o padrão de

serviços desejado, deixando a firma livre para escolher a combinação ótima de insumos para

atingir esse padrão. As coisas são menos óbvias quando a qualidade não é contratável. Ainda

que proveja incentivos mais fracos, a provisão tradicional pelo setor público pode ser a

melhor alternativa quando o trade off entre custos e qualidade for muito forte e esta for

impossível de monitorar.

No caso específico das PPPs, porém, Oliveira, Marcato e Scazufca (2013) apontam que uma

série de barreiras que dificultam sua maior utilização no Brasil. Dois dos problemas elencados

pelos autores merecem destaque.

Primeiro, a dificuldade de os governos oferecerem garantias, quando parte ou toda

remuneração do parceiro privado vem de transferências públicas. Isso é mais importante

neste caso do que na provisão tradicional de infraestrutura, pois em uma PPP o parceiro

privado realiza todos os investimentos de início e é pago ao longo do contrato, ao contrário

do que ocorre na forma tradicional de contratação de obras de infraestrutura, em que o

parceiro privado é remunerado mediante e conforme a medição da conclusão de etapas das

obras e serviços realizados. Portanto, em caso de não pagamento, a exposição do parceiro

privado se limita ao recebimento de uma única medição.

Segundo, nem sempre as PPPs são realizadas alocando ao parceiro privado a responsabilidade

por todas as atividades, da concepção e execução do investimento à operação da

infraestrutura. O resultado é ter incentivos mais fracos e problemas de coordenação. Oliveira,

Marcato e Scazufca (2013) discutem, em particular, o caso da Linha 4 do metrô paulista, em

que, de acordo com eles, o parceiro público se encarregou das obras e, como estas atrasaram,

gerou uma disputa entre a concessionária e o governo em torno da necessidade de

reequilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Na visão dos autores, essa situação reflete em parte o fato de as PPPs ainda serem vistas

como forma de financiamento de investimentos voltados para a provisão de serviços

públicos: dependendo das condições de mercado, o setor público pode se financiar a custo

mais baixo que o privado, preferindo ele mesmo bancar o investimento. Sobre essa questão,

Frischtak (2013) observa que sempre será o caso de que “as PPPs, enquanto opção de

financiamento, têm um custo real (a diferença entre o custo que seria incorrido pelo Estado

e pelo setor privado” que teria de ser compensado por um ganho de eficiência.

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4. A Importância da Estruturação de Projetos

4.1 – Uma visão pré-contrato

Analisando os desafios enfrentados pelos governos no recurso às PPPs, Oliveira e Oliveira

Filho (2013) enfatizam a necessidade de construção institucional como elemento comum a

vários diagnósticos sobre esse tema. Porém, a literatura sobre concessões e PPPs tem focado

muito nos aspectos regulatórios e nos mecanismos de garantia e pouco nas questões mais

operacionais. Em particular, um aspecto operacional central para o sucesso dessas formas de

provisão de serviços de infraestrutura é a estruturação e licitação de projetos de forma a

simultaneamente: (i) definir com clareza o serviço que deverá ser fornecido pelo parceiro

privado; (ii) ter um sistema de monitoramento e negociação que ao mesmo tempo garanta a

entrega dos serviços contratados e permita a adaptação do contrato a fatos e objetivos novos;

e (iii) minimizar a parcela do excedente total criado pelo projeto que será dada ao parceiro

privado em troca do investimento e da operação da infraestrutura.

Frischtak (2013) descreve a atividade de estruturação do projeto de PPP ou concessão como

a de “elaboração e negociação de contratos cuja complexidade é dada pela necessidade de

estabelecer um equilíbrio ex ante na alocação de riscos, na identificação (e precificação) das

obrigações assumidas pelo Estado, na definição dos resultados esperados e na estrutura de

compensação da parte privada para diferentes estados da natureza”.

Farquharson, Mastle, Yescombe e Encinas (2011) observam que, globalmente, mais do que a

falta de interesse do setor privado, o que limita a participação privada na provisão de serviços

de infraestrutura por meio de concessões e PPPs é a falta de oferta de projetos bem

estruturados. Estudo do fórum empresarial realizado em paralelo à reunião do G20 (B20

Australia, 2014) também concluiu que “a maior barreira a um maior envolvimento do setor

privado na provisão de serviços de infraestrutura é a falta de uma estrutura de preparação

permanente de projetos de infraestrutura que sejam críveis, lucrativos, financiáveis e prontos

a executar, e ao mesmo tempo ofereçam taxas de retorno atraentes, considerando o risco

assumido”. Camacho e Rodrigues (2014) observam que também no Brasil é exatamente na

estruturação de projetos que se situa um dos maiores gargalos à realização de mais e

melhores investimentos em infraestrutura.

A Figura 2 mostra como a etapa de estruturação do projeto se insere dentro do processo de

realização de investimentos em infraestrutura por meio de concessões e PPPs. Esta engloba

a preparação do projeto e o procedimento licitatório. A primeira “compreende todos os

estudos necessários para o início do procedimento licitatório, ou seja, estudos técnicos (ex.:

engenharia, meio ambiente, demanda) e modelagem econômico-financeira, além de minutas

jurídicas de contrato e edital de licitação” (Camacho e Rodrigues, 2014). Concluída essa etapa,

tem início o procedimento licitatório. Este “engloba então todas as atividades relacionadas

ao procedimento competitivo em si, ou seja, a interação entre o governo e os potenciais

licitantes, aprofundamento de estudos, definição dos documentos finais da licitação,

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apresentação das propostas pelos licitantes e por fim a definição da empresa vencedora, que

será prestadora do serviço de Concessão ou PPP” (Camacho e Rodrigues, 2014).

Figura 2: Estruturação de projetos em PPPs e concessões

Fonte: Camacho e Rodrigues (2014).

O processo licitatório nas PPPs e concessões foca nas especificações dos serviços oferecidos

pelo operador privado. Como observa Ribeiro (2011, p. 69), os “indicadores de desempenho

são o cerne de qualquer contrato de concessão comum e PPP, pois eles estabelecem as

características do serviço que a iniciativa privada deverá prestar” e, ao mesmo tempo, o que

o setor público precisará fiscalizar. Dessa forma, os investidores privados esperam ver nos

contratos de PPP uma definição clara e bem especificada dos serviços que devem fornecer,

em associação aos padrões de qualidade exigidos e os termos em que podem esperar ser

remunerados por um bom desempenho. Os investidores querem entender desde a fase inicial

que riscos se espera que eles venham a assumir.

Farquharson, Mastle, Yescombe e Encinas (2011) notam que as autoridades frequentemente

falham em não perceber as significativas diferenças entre os processos licitatórios em formas

tradicionais de contratação pública e em PPPs, assim como as implicações que isso tem para

o volume de recursos, expertises, e foco em resultados, e os novos processos e instituições

que isso exige. Especialmente nos grandes projetos, é fundamental ter uma boa compreensão

de como os licitantes privados enxergam o projeto e de quais devem ser seus custos efetivos.

A equipe responsável pela preparação do projeto precisa ser continuamente informada com

o input dado pelo mercado privado de potenciais licitantes.

Não se pode esperar que o setor público tenha internamente todos os recursos que são

frequentemente necessários ao longo do processo de estruturação do projeto. Assim, este

em geral irá requerer o concurso de consultores externos -- consultores jurídicos, técnicos,

financeiros e em outros temas. Oliveira, Marcato e Scazufca (2013) citam como uma barreira

à realização de PPPs no Brasil a dificuldade de se contar com o concurso de consultores e

especialistas de fora do setor público na fase de estruturação do projeto.

4.2 – A importância da estruturação para a fase pós assinatura do contrato

Ainda que muito se enfatize a importância da fase de estruturação para se deslancharem

novas concessões e PPPs, não se deve diminuir a importância dessa atividade para garantir a

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boa governança uma vez o contrato assinado. Assim, por exemplo, Frischtak (2013) chama a

atenção para os elevados custos fiscais que podem resultar de um projeto de PPP ou

concessão mal estruturado. Um desses custos resulta da Transformação Fundamental,

também presente, até com mais intensidade, nesse tipo de estrutura de governança: como

“há um custo geralmente significativo e conhecido por ambas as partes de substituir o

provedor (e por vez interromper o serviço ou levar à sua deterioração), há um incentivo ao

setor público de acomodar as demandas da parte privada” (Frischtak, 2013). Não surpreende,

portanto, que a renegociação desses contratos seja tão frequente.

Ribeiro (2011) enfatiza a importância de não se impor um Plano de Negócios vinculante

nessas formas de governança, tendo em vista que objetivo é exatamente dar flexibilidade

para o concessionário ou parceiro privado buscar a forma mais eficiente de prover os serviços

contratados. Fazer de outra forma seria transformar os compromissos de desempenho em

compromissos de investimento e acabar se garantindo uma taxa de retorno fixa ao privado,

com a Administração absorvendo todos os riscos, justamente o oposto daquilo que essas

formas de contratação propõem alcançar.

A maior flexibilidade na coordenação de atividades e na adaptação a fatos novos é uma

característica tão importante dos contratos de concessão e PPPs quanto a maior potência e

consistência dos incentivos dados ao parceiro privado. No Brasil tem-se procurado

desenvolver instrumentos que facilitem as adaptações contratuais de forma a atender esses

dois objetivos: aumentar o excedente total gerado pelo projeto, privilegiando o interesse

público, e evitar que o contrato se torne um impedimento à implantação de alterações no

objeto do contrato. Dois desses instrumentos são o desconto de reequilíbrio e o fluxo de caixa

marginal (Ribeiro, 2011).

O Desconto de Reequilíbrio serve para conectar a remuneração recebida pelo concessionário

ou parceiro privado ao grau com que este atinge os níveis de desempenho contratados.

Suponha, por exemplo, que, por motivos diversos, o concessionário de uma rodovia deixe de

duplicar determinada extensão da estrada no prazo que fora contratado, ficando, portanto,

inadimplente: nesse caso, o desconto de reequilíbrio permite reduzir o pedágio cobrado dos

usuários proporcionalmente, para refletir o fato de que a qualidade do serviço oferecido

também é proporcionalmente inferior. Esse mecanismo permite que a correção seja feita

dentro do contrato, sem necessidade de recorrer a sanções ou processos judiciais.

O Fluxo de Caixa Marginal (FCM) é um instrumento pensado para reproduzir no contrato de

concessão ou PPP a flexibilidade que o gestor público detém no processo tradicional de obra

pública, no sentido de poder incorporar novos investimentos ao projeto original. O FCM

determina que o concessionário será remunerado por esses novos investimentos de forma a

deles obter um valor presente líquido nulo, utilizando uma taxa de desconto calculada de

acordo com uma fórmula pré-determinada, sendo utilizadas as premissas vigentes de

mercado de custos e investimentos, à época do reequilíbrio.

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Como princípio geral, o risco e o custo de adaptação contratual podem ser mitigados

investindo-se mais na fase de preparação do projeto e do contrato de concessão ou PPP, de

forma que mais possíveis contingências estejam previstas, assim como os remédios que serão

adotadas caso elas se materializem (Camacho e Rodrigues, 2014). Isso é especialmente

importante quando, como é o caso brasileiro, os reguladores têm pouco preparo e/ou graus

de liberdade para renegociar os contratos. O Desconto de Reequilíbrio e o FCM têm

exatamente essa função, tendo sido incluídos nos contratos de concessão a partir da

constatação de que os contratos utilizados na segunda rodada de concessões rodoviárias

eram muito incompletos. Não obstante, é importante reconhecer que, assumido o

pressuposto da racionalidade limitada, não é possível, nem seria eficiente, se possível fosse,

ter um contrato completo. É exatamente porque não é possível ter contratos 100% completos

que a governança do projeto é tão importante.

5 – Arranjos institucionais para a estruturação de projetos

5.1 -- A experiência internacional

A seção anterior mostrou que a realização de obras públicas via contratação integrada,

concessões e PPPs tem uma série vantagens, como incentivos mais alinhados e maior

flexibilidade para coordenar e adaptar atividades. Em compensação, ela exige mais do setor

público na fase de estruturação dos projetos. No caso de concessões ou PPPs, por exemplo,

o contrato de outorga precisa prever contingências, deveres e direitos ao longo do período

do contrato, em geral de décadas; determinar como se darão as adaptações a novas

circunstâncias e como elas serão financiadas; e definir com detalhes qual o serviço que será

fornecido e com que padrão de qualidade, com a geração de indicadores que possam ser

monitorados e eventualmente checados por uma terceira parte.

Adicionalmente, é preciso desenhar um projeto que interesse o investidor privado, mas sem

dar a ele uma parcela do excedente total gerado pelo projeto maior do que o mínimo

necessário. Como a assimetria de informações é maior do que na forma tradicional de

contratação, passa a ser mais fundamental ter um leilão bastante competitivo para a outorga

da concessão ou PPP.

A forma como o setor público lida com esses desafios varia bastante de um país para outro.

Naqueles com setores públicos mais equipados em termos institucionais e de recursos

humanos, a estruturação dos projetos é conduzida sob o controle do governo, usualmente

uma unidade de PPPs ou similar, até a conclusão do processo licitatório. Isso significa que é o

governo que seleciona o projeto de investimento a ser realizado; avalia sua viabilidade e

atratividade financeira; define a melhor estrutura de governança para a sua realização (obra

pública, PPP, concessão); prepara os vários estudos necessários à definição dos detalhes da

PPP ou concessão, conforme a estrutura de governança escolhida; interage com os potenciais

licitantes para obter informações e avaliar e gerar interesse pelo projeto; e conduz o processo

licitatório.

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Ainda que coordenadas por agências públicas especializadas, essas atividades

frequentemente também contam com o apoio de consultores com conhecimentos

especializados de natureza técnica, financeira e jurídica. Nesses países há empresas de

consultoria focadas nesse tipo de serviço, sendo que algumas trabalham exclusivamente com

o setor público, para evitar conflitos de interesse nos serviços que venham a prestar

(Camacho e Rodrigues, 2014).

Os custos de estruturação de projetos não são pequenos: tipicamente chegam a 3% ou 4% do

valor do investimento, quando este é inferior a US$ 100 milhões, e a cerca de 2% para projetos

orçados acima de US$ 500 milhões (excluindo custos mais significativos de aquisição de

terras, preparativos iniciais e avaliação dos impactos ambientais) (Farquharson, Mastle,

Yescombe e Encinas, 2011). Por que gastar tantos recursos na preparação de um projeto?

Pois há sempre uma forte preocupação do setor público em ter o máximo de informação

possível sobre o projeto e os potenciais licitantes, de forma a minimizar os rents

informacionais que podem ser auferidos pelos investidores privados.

Em países menos desenvolvidos, o setor público por vezes não dispõe de quadros, recursos

financeiros, organização e aparato institucional para liderar e conduzir o processo de

estruturação do projeto. Nesse caso tendem a prevalecer as chamadas “propostas não

solicitadas”, assim chamadas em anteposição ao caso descrito acima para os países

desenvolvidos, em que só ao fim do processo de estruturação do projeto o setor público

solicita propostas dos investidores privados como parte do processo licitatório.

No formato das “propostas não solicitadas”, a iniciativa em geral é toda do setor privado. Um

investidor interessado em realizar e operar o projeto o identifica e procura o setor público

com propostas para desenvolver o projeto, realizando depois os estudos necessários para o

procedimento licitatório, do qual, futuramente, também participará. Caso considere o projeto

de interesse público, o governo irá então negociar diretamente com o investidor as condições

para que este realize e opere o investimento, ou irá submeter o projeto a um processo

licitatório aberto, em geral dando alguma vantagem ao investidor que propôs e estruturou o

projeto.

5.2 – Brasil: dos PMIs aos PAEs

No Brasil, o setor público também foi historicamente responsável pela estruturação dos

projetos de concessão e PPP de infraestrutura, tanto em nível federal como estadual. Porém,

nos últimos anos se recorreu cada vez mais a arranjos institucionais em que o setor público

delega essa atividade ao setor privado, solicitando-lhe “projetos, estudos, levantamentos ou

investigações que subsidiem a modelagem de parceria público-privada”. O setor público

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permanece responsável pela montagem e execução do processo licitatório. O modelo

tradicionalmente utilizado para isso é o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI).9

O Brasil se assemelha aos demais emergentes em recorrer a empresas privadas para

estruturar os projetos de infraestrutura. Porém, ele se diferencia do padrão descrito acima

para os emergentes em três dimensões centrais:

i. Na maioria dos casos, ainda que os projetos sejam estruturados pelo setor privado,

eles são selecionados pelo setor público. O PMI é, portanto, um híbrido entre

propostas solicitadas e não solicitadas;

ii. A outorga do projeto ocorre sempre por licitação, ainda que em alguns casos não haja

competição;

iii. O privado autorizado a realizar os estudos não goza de qualquer vantagem formal no

processo licitatório.

Um fator que tornou o PMI atrativo foi a garantia, prevista desde 1995, que as empresas

privadas que apresentarem ao governo estudos, por ele autorizados, relativos a um

determinado projeto de concessão, serão ressarcidas de seus custos (Art. 21 da Lei 8987/95):

“Art. 21. Os estudos, investigações, levantamentos, projetos, obras e despesas ou

investimentos já efetuados, vinculados à concessão, de utilidade para a licitação,

realizados pelo poder concedente ou com a sua autorização, estarão à disposição

dos interessados, devendo o vencedor da licitação ressarcir os dispêndios

correspondentes, especificados no edital. ”

O mesmo conceito foi estendido na sua plenitude para as PPPs, por meio do Art. 3º da Lei

11.079/2004. Por fim, a possibilidade de as empresas apresentarem PMIs e MIPs foi

reafirmada – e, para alguns, aclarada – pelo Art. 2o da Lei 11.922/09, que autorizou a União,

os estados e os municípios a estabelecerem regulamentos para incentivar o recebimento de

manifestação de interesse de empresas privadas.

Atualmente há decretos regulando a preparação de projetos de PPP pelo setor privado em

praticamente todos os estados (Carvalho, 2014) e capitais de estado (RadarPPP, 2015), além

de em vários outros municípios. Em nível federal, a legislação regulando a participação

privada na preparação de projetos foi até 2015 baseada no Decreto 5.977/2006. Este

determinava o passo a passo da relação entre a estruturadora privada e o Poder Público,

colocando forte ênfase no fato de que a autorização para preparação de projetos não dar ao

privado qualquer garantia de remuneração ou qualquer vantagem no processo licitatório de

9 Além do PMI, alguns governos subregionais recorreram à Manifestação de Interesse da Iniciativa Privada (MIP). A principal diferença entre os dois instrumentos reside em quem identifica o projeto a ser preparado. No PMI isso é feito pelo governo, que então chama as empresas para ajudar a estruturar o projeto. Na MIP é a empresa privada que identifica o projeto e depois solicita ao setor público autorização para a preparação dos estudos.

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concessão do projeto. Isso contrasta com o que fazem os países emergentes analisados em

Pinheiro (2016c), que também alocam ao setor privado a responsabilidade pela preparação

da PPP ou concessão, mas dando-lhe posteriormente vantagens no processo licitatório, ou

mesmo outorgando-lhes o projeto sem licitação.

O Decreto 5.977/2006 foi revogado pelo Decreto 8.428/2015, que alterou algumas das regras

relativas ao uso de PMIs.10 O Decreto 8.428 tratou em especial de duas etapas do processo:

a publicação do edital de chamamento público e a autorização para a realização e posterior

apresentação dos “projetos, levantamentos, investigações ou estudos”. Em relação ao edital

e às normas que esse estabelece, destacam-se no Decreto:

O PMI pode se originar em iniciativa de qualquer pessoa física ou jurídica interessada, por

meio de proposta que descreva o projeto com o detalhamento “das necessidades

públicas” e os projetos, levantamentos, investigações e estudos que serão depois

necessários (Art. 3º parágrafo único). Ou seja, o Decreto possibilita, em nível federal, que

o setor privado proponha ao Estado a análise de projetos.

O edital de chamamento do PMI deverá indicar as diretrizes e premissas do projeto; o

prazo máximo e a forma em que a autorização para participar do PMI deve ser requerida;

o prazo máximo para apresentação dos projetos, levantamentos, investigações e estudos;

o valor nominal máximo para ressarcimento; critérios de avaliação e seleção dos projetos,

levantamentos, investigações e estudos apresentados; e a contraprestação pública

admitida.

A delimitação do escopo poderá se cingir à indicação do problema a ser resolvido por meio

do empreendimento, dando-se, portanto, bastante latitude para a apresentação de

soluções.

É permitida a fixação de prazos intermediários para a apresentação de relatórios de

andamento, o que facilita a interação entre o estruturador do projeto e o órgão público

por ele responsável.

O valor nominal máximo do eventual ressarcimento não poderá superar 2,5% do valor

estimado pela administração pública para o investimento, ou o total dos gastos de

operação e manutenção durante a vigência do contrato, o que for maior.

O edital deverá condicionar o ressarcimento à atualização e adequação dos projetos,

levantamentos, investigações e estudos em decorrência de alterações normativas,

determinações dos órgãos de controle, e contribuições provenientes de consulta e

10 Além disso, o Decreto 8.428/2015 se aplica a concessões e PPPs, enquanto o Decreto 5.977/2006 era restrito às PPPs.

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audiência públicas. Isso estende o tipo de apoio que o privado dá na preparação do

projeto.

No que tange à autorização para realizar os estudos, são dignos de nota os seguintes pontos:

i. É pessoal, intransferível e não exclusiva; não dá direito de preferência na licitação do

empreendimento; não obriga o Poder Público a realizar a licitação; e não implica, por

si só, direito a ressarcimento de valores envolvidos na sua elaboração. Portanto,

manteve-se o preceito de que o privado que propõe e/ou prepara o projeto não tem

direito a qualquer bônus no processo de licitação do projeto.

ii. A autorização poderá ser revogada, a qualquer tempo, por iniciativa de qualquer das

partes, administração pública ou pessoa autorizada.

iii. Permite um número indefinido de reuniões do Poder Público com a pessoa autorizada

(Art. 8º).

O Decreto 8.428/2015 também trouxe alguns pontos sobre o processo de avaliação e seleção

dos estudos realizados que merecem menção:

a. O órgão governamental responsável pelo projeto pode, a seu critério, abrir prazo para

reapresentação de projetos, levantamentos, investigações e estudos, de forma que

possam ser melhorados (as melhorias deverão ser especificadas no ato de reabertura

de prazo). Isso dá espaço para o Poder Público trabalhar interativamente com a pessoa

autorizada na estruturação de um projeto que reflita a visão das duas partes.

b. A “demonstração comparativa de custo e benefício da proposta do empreendimento

em relação a opções funcionalmente equivalentes” é um dos critérios de avaliação,

assim como o impacto socioeconômico da proposta, se aplicável.

c. O ressarcimento do custo dos projetos, levantamentos, investigações e estudos será

proporcional à parcela destes que for aprovada. Caso a pessoa privada não concorde

com esse ressarcimento parcial, as informações contidas nos documentos que

produziu não serão utilizadas.

d. A comissão de seleção pode solicitar correções e alterações na proposta vencedora,

para atender a demandas dos órgãos de controle ou aprimorá-la. Abre-se, assim, mais

um canal de interação entre a Administração e a pessoa autorizada na coordenação

do trabalho de estruturação do projeto. O ressarcimento a que a pessoa autorizada

tem direito será proporcionalmente corrigido.

e. O ressarcimento dos custos incorridos pela pessoa autorizada será feito

exclusivamente pelo vencedor da licitação, não havendo, em nenhuma hipótese,

qualquer pagamento pelo Poder Público.

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Observa-se, assim, que o Decreto trouxe algumas inovações em nível federal, como a

possibilidade de que o processo tenha início a partir de uma provocação do setor privado, e

o espaço para uma interação mais intensa entre a pessoa autorizada e o órgão público

responsável pelo projeto. Algumas das principais inovações do Decreto são, porém, de outra

ordem. A primeira – e, possivelmente, a mudança mais importante -- consta do seu Art. 18,

cujo caput estabelece que:

“Os autores ou responsáveis economicamente pelos projetos, levantamentos,

investigações e estudos apresentados nos termos deste Decreto poderão

participar direta ou indiretamente da licitação ou da execução de obras ou

serviços, exceto se houver disposição em contrário no edital de abertura do

chamamento público do PMI.” (grifo adicionado)

O Art. 18 avança com dois parágrafos que estendem o conceito de autores a todos que de

alguma forma participaram financeiramente da preparação do projeto e/ou pertençam ao

mesmo grupo econômico. Isso significa, portanto, que, a critério do órgão responsável pelo

projeto, as pessoas físicas ou jurídicas que participarem da estruturação do projeto poderão

ficar impedidas de participar da licitação do projeto em si.

Uma mudança que também merece atenção é que, a partir da promulgação do Decreto

8.428/2015, o PMI também pode ser utilizado para atualizar, complementar ou rever

projetos, levantamentos, investigações e estudos já elaborados (Art. 1º, parágrafo 2º). Outra

inovação é a revogação do §3o do Art. 2o do Decreto 5.977/2006, que limitava o tipo de

projeto para o qual podia ser autorizada a realização de projetos, levantamentos,

investigações e estudos, àqueles em que, “salvo decisão em contrário do CGP, a

contraprestação pública nas parcerias público-privadas cujos estudos sejam recebidos nos

termos deste Decreto” não excedessem 30% do total das receitas do eventual parceiro

privado.11 Abriu-se, portanto, um campo mais amplo de projetos que podem ser estruturados

de acordo com os procedimentos aqui descritos.

Em grande medida, porém, as regras fixadas pelo Decreto 8.428/2015 foram sobrepostas pela

edição da MP 727/2016, que entre outras coisas criou, no seu Capítulo IV, a figura do

Procedimento de Autorização de Estudos (PAE).12 Aplica-se ao PAE o disposto no Art. 21 da

lei 8.987/1995 (ressarcimento pelo vencedor da licitação dos dispêndios autorizado pela

administração pública), com a novidade de que o ressarcimento ao autorizado poderá incluir

não apenas as despesas incorridas, mas também uma “uma recompensa pelos riscos

assumidos e pelo resultado do estudo”. A MP também dá à administração a prerrogativa de

“expedir uma autorização única para a realização de estudos de estruturação integrada”,13

11 O CGP é o Comitê Gestor de Parceria Público-Privada Federal. 12 Para uma análise mais ampla da MP 727 ver Sundfeld (2016). 13 “Considera-se estruturação integrada o conjunto articulado e completo de atividades e serviços técnicos, incluindo estudos, projetos de engenharia, arquitetura e outros, levantamentos, investigações, assessorias,

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caso o interessado renuncie a participar da licitação do projeto, diretamente ou por meio de

partes relacionadas.

A MP 727, no seu capítulo V, também criou a figura do Fundo de Apoio à Estruturação de

Parcerias (FAEP), a ser constituído pelo BNDES. O FAEP “terá por finalidade a prestação

onerosa, por meio de contrato, de serviços de estruturação e de liberação para parcerias de

empreendimentos”. Entre outras determinações, a MP estabelece que o FAEP poderá

recorrer ao “suporte técnico externo de profissionais, empresas ou entidades de elevada

especialização’, em “regime de contratação a ser instituído de acordo com legislação

aplicável”. Os autores dos projetos e estudos a serem contratados pelo FAEP “ficarão

proibidos de participar, direta ou indiretamente, da futura licitação para parceria”.14

5.3 – Incentivos e Problemas na Estruturação de Projetos no Brasil

A forma como o setor privado participa da estruturação de projetos de infraestrutura no Brasil

tem algumas vantagens, mas também alguns riscos. Uma vantagem é que os privados têm

maior facilidade e agilidade na contratação de especialistas para a realização dos “projetos,

estudos, levantamentos ou investigações” do que teria a administração pública se o fizesse

diretamente, via a Lei 8.666/1993. Além disso, é mais fácil o vencedor do certame reembolsar

o privado responsável por esses estudos do que reembolsar o setor público, caso em que

haveria forte pressão para que esse custo não fosse ressarcido.

Como em outros países emergentes, porém, também no Brasil os resultados práticos dessa

alternativa têm ficado aquém do esperado, com a emergência dos mesmos tipos de

problema: poucos projetos chegam à fase licitatória e quando esta acontece quase não há

concorrência. Camacho e Rodrigues (2014) e Vieira (2014) atribuem esses resultados a

diferentes fatores:

Na prática, o processo funciona de forma bem menos suave do que sugere o texto

legal. Quando não há exclusividade na preparação dos “projetos, estudos,

levantamentos ou investigações” o Poder Público pode se ver assoberbado de estudos

que precisam ser analisados, avaliados e eventualmente combinados. Isso aumenta

em muito a carga de trabalho da Administração. Na PPP de iluminação pública de São

Paulo, por exemplo, foram 11 estudos com modelagens distintas. No metrô da Bahia,

sete estudos foram apresentados (Vieira, 2014).

Os estudos apresentados estão em geral longe de uma condição em que podem ser

inclusive de relações públicas, consultorias e pareceres técnicos, econômico-financeiros e jurídicos, para viabilizar a liberação, a licitação e a contratação do empreendimento”. (§2º, Art. 14, MP 727/16). 14 O FAEP segue em linhas gerais as práticas estabelecidas para fundo similar, criado pelo BNDES, também com a finalidade de apoiar a estruturação de projetos de concessão e PPP (ver http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/produtos/download/aep_fep/apresentacao_pro_estruturacao_consultorias.pdf).

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diretamente aproveitados pelo Poder Público.

Quando não há exclusividade da autorização para a realização dos estudos, um grande

número de interessados pode participar do PMI. Isso reduz a chance de cada um deles

vencer e torna mais arriscado o negócio de elaborar projetos, pois ela custa caro e só

será ressarcida se (i) o proponente for selecionado, (ii) o governo for em frente com a

licitação, e (iii) esta tiver sucesso. Isso faz com que a relação custo-retorno seja mais

favorável para os participantes do PMI que também forem depois participar da

licitação da PPP, pois nesse caso sua compensação pecuniária também incorporará o

lucro com a execução da obra e a operação da infraestrutura. Isso lhes permite cobrar

relativamente pouco pela elaboração do projeto, o que inibe a participação de

empresas independentes, focadas exclusivamente na preparação de projetos.

Quando quem elabora o projeto também pretende operar a PPP ou concessão, isso

influi no conteúdo dos estudos que a empresa apresenta ao Poder Público. Em

especial, ela buscará extrair rendas informacionais, que serão tão maiores quanto

maior o grau de assimetria informacional.

O fato de o gestor público ser responsável pela seleção entre as propostas

apresentadas e ter de responder por isso aos órgãos de controle também pode

comprometer a qualidade do processo, levando-o a escolher sempre a mais barata.

Para analisar, completar, corrigir e coligir as informações e propostas apresentadas, o Poder

Público é obrigado a rever os estudos apresentados, duplicando dispêndios e elevando o

tempo médio para a oferta de um projeto. Na prática, o setor público pode estar pouco

equipado para analisar os vários estudos apresentados e corrigir as assimetrias

informacionais deles resultantes. Isso significa que, na maioria dos casos, sobrevive certo grau

de assimetria de informações entre o privado e o público e distorções na matriz de riscos

(Vieira, 2014). Ao fim e ao cabo, ou o gestor público pode não se sentir confortável em levar

o projeto adiante nessas condições, de forma que não há a licitação.

Uma forma de mitigar esses problemas seria ter nos PMIs uma maior participação de

empresas independentes de estruturação de projetos – entendidas como aquelas que não

têm interesse em participar da licitação do projeto em si. Mas os incentivos a que essas

empresas participem são mais fracos que os encontrados elas empresas cujo foco principal é

a operação da concessão ou PPP:

Uma estruturadora independente se remunera pelo projeto preparado. Afora a

remuneração, seu interesse principal é estabelecer uma reputação de qualidade, para

aumentar sua chance de ser outra vez selecionada no futuro, o que se traduz por

estruturar um bom projeto e garantir que o Poder Público se aproprie do máximo

possível do excedente criado pelo projeto; e ela é neutra em relação a quem irá vencer

a licitação da concessão ou PPP.

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Uma empresa interessada na concessão ou PPP que estrutura o projeto tem incentivos

opostos: ela se remunera principalmente pela operação do projeto, razão pela qual

estará disposta a receber remuneração modesta pela estruturação do projeto. De

fato, para participar da licitação a empresa deverá realizar esses estudos, de forma

que o custo marginal de os apresentar ao Poder Público é baixo. Além disso, há sempre

uma chance de que ao participar do PMI a empresa consiga influenciar a estruturação

do projeto de uma forma que lhe favoreça na licitação e/ou na operação do projeto.

Como descrito acima, a MP 727 parte desse diagnóstico e tenta atacar esses problemas por

meio da autorização exclusiva, do impedimento de que quem participou da estruturação

entre na licitação do projeto, e da criação do FAEP, que reduz o risco da participação de

estruturadoras independentes nesses processos.15

6. Observações finais

A má qualidade dos serviços de infraestrutura é uma importante barreira à competitividade

das empresas brasileiras e à aceleração do crescimento econômico do país, além de

comprometer a qualidade de vida dos brasileiros. Ainda que o Brasil seja um país com baixa

taxa de poupança e isso possa vir um dia a limitar sua capacidade de investimento, inclusive

em infraestrutura, a falta de recursos não explica porque o país tem uma infraestrutura

precária investe pouco nesse setor. O problema maior reside na dificuldade de o setor público

implementar projetos de infraestrutura sem atrasos e sobrecustos, ou mesmo a interrupção

ou abandono dos projetos. Em síntese, a produtividade do investimento em infraestrutura é

baixa, o que reduz a atratividade dos projetos e o aumento de capacidade de oferta que deles

se extrai.

Este capítulo listou uma série de problemas que levam a esse resultado, da má qualidade dos

projetos básicos à dificuldade de coordenação dos inúmeros contratos em que se divide a

implantação de um projeto, quando este é realizado na forma tradicional de contratação

pública. O setor público também carece de recursos para fiscalizar adequadamente os

contratos que realiza, agravando os problemas de assimetria de informação e abrindo espaço

para comportamentos oportunistas difíceis de sancionar, pois frequentemente resultam em

disputas judiciais. Assim, argumentou-se que faltam ao Poder Público não apenas os recursos

ideais como os incentivos corretos a que os projetos sejam realizados de forma eficiente.

Para superar esses problemas, o Brasil, assim como outros países, vem recorrendo a formas

diferentes de contratação -- contratação integrada, concessão e PPP -- para a realização de

projetos de infraestrutura e, de maneira mais geral, de obras públicas. A filosofia central

dessas outras modalidades de contratação é integrar mais atividades em um só contrato, de

forma que o particular seja, por assim dizer, seu próprio cliente na etapa seguinte do projeto.

15 Ver, não obstante, os comentários de Ribeiro (2016) sobre as estruturadoras independentes e a linha geral das mudanças regulatórias introduzidas a partir do Decreto 8.428/2015.

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Com isso se criam incentivos mais fortes para a realização eficiente e tempestiva de projetos

de engenharia e da execução das obras, diminuindo o espaço para comportamentos

oportunistas.

Formas de governança que transferem mais responsabilidades para o setor privado ajudam a

alinhar incentivos e lidar com as falhas de governança do setor público, mas não prescindem

da capacidade do setor público desenhar contratos e processos licitatórios que protejam

adequadamente o interesse público. Isso passa por maximizar o excedente total gerado pelo

projeto, minimizar a parcela desse excedente que é entregue ao privado, sem comprometer

a qualidade dos serviços, e estabelecer regras que permitam as necessárias adaptações do

contrato ao longo de seu período de validade.

Não é um desafio pequeno, nem barato. Até a celebração do contrato de concessão ou PPP,

se percorre um longo trajeto que requer a elaboração de estudos técnicos de engenharia, de

demanda, de modelarem econômico-financeira, a formulação dos instrumentos jurídicos, a

realização de consulta pública, a publicação do edital e a realização da licitação. Projetos mal

estruturados têm dificuldade de ser financiados e/ou obter aprovação dos órgãos

reguladores.

Nos países ricos essas tarefas foram entregues à burocracia pública, que além de recursos

próprios conta com o concurso de consultores privados. A interação com potenciais licitantes

é comum no caso de projetos grandes e mais complexos, mas apenas após a conclusão dos

estudos preparatórios e já durante o processo licitatório, sendo que o setor público mantém

um rígido controle sobre a seleção e a estruturação do projeto, incluindo a formatação do

processo licitatório.

Os países emergentes carecem dos mesmos recursos financeiros, humanos e institucionais.

Nesses, a solução tem sido entregar mais da responsabilidade por estruturar os projetos à

iniciativa privada. Essa alternativa tem suas vantagens, incluindo a possibilidade de o privado

incorporar novas tecnologias ou desenhos ao projeto, mas também tem seus defeitos. Os

maiores problemas resultam de os projetos serem frequentemente estruturados por privados

diretamente interessados no projeto; isto é, pelas próprias empresas que posteriormente se

candidatam a concessionárias nos procedimentos licitatórios.

A preparação de projetos por um agente diretamente interessado em uma concessão dá a

ele uma vantagem competitiva frente aos demais interessados, fruto de conhecer melhor o

projeto e, eventualmente, tê-lo desenhado com uma estrutura que lhe favorece. No limite, o

resultado dessa situação é o afastamento de outros potenciais investidores, que se

desinteressam de participar do certame licitatório. Isso reduz a competição e pode colocar o

Poder Público na condição de negociar diretamente com a empresa, de uma posição

desvantajosa, em função da assimetria de informação existente, os termos da concessão ou

PPP. O resultado é que o privado se apodera de uma parcela do excedente total superior à

que se observaria caso ocorresse uma concorrência mais efetiva no processo de licitação.

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A regulação da participação de empresas privadas na estruturação dos projetos no Brasil evita

algumas dessas armadilhas, em especial, outorgando o projeto sempre por meio de licitação

aberta, da qual podem participar, em igualdade de condições, empresas cujos estudos não

tenham sido selecionados ou que sequer tenham participado dessa fase preliminar do

processo. Não obstante, também se observam problemas na operacionalização dessa

regulamentação, como o trabalho ainda excessivo que pode recair sobre o gestor público, a

elevada assimetria informacional que pode existir entre os parceiros público e privado, e o

desincentivo à participação de estruturadoras privadas.

Mudanças regulatórias introduzidas pelo Decreto 8428/2015 e a MP 727/2016 buscam lidar

com esses problemas. Em especial, elas criam a possibilidade de autorização exclusiva para

estruturadoras que abram mão de participar da licitação do projeto em si, facilitam a

interação entre a estruturadora do projeto e o órgão público responsável, permitem

remunerar a estruturadora pelo risco incorrido, e autorizam a criação do Fundo de Apoio à

Estruturação de Projetos, que deverá exercer um papel de gestão e financiamento da

preparação de projetos por organizações privadas. Isso deve permitir que a estruturação de

projetos de PPP e concessão se dê de forma mais parecida ao que ocorre nos países

desenvolvidos e, espera-se, com maior sucesso gerando mais produtividade na realização dos

investimentos.

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