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Equipe envolvida no projeto deste Ebook da 4ª Edição do Diálogos 2016

Realização:Sindiveg (coordenação - Paula Arigoni, gerente da Área de Uso Correto e Seguro)

Projeto e Organização:Facto Estratégia e Comunicação (Daniela Reis, Juliana Rodrigues, Rosi Gonçalves, Kátia Numakura)

Fotos:Sindiveg/Divulgação/ShutterStock/Freepik/Pixabay

argumentos e perspectivas a fim de criar bases sólidas para a promoção de soluções viáveis.

A composição de painéis de diálogo, envolvendo diferentes atores do campo – acadêmicos, pesquisadores, produtores rurais, apicultores, representantes, além da interação com a plateia de mais de cem pessoas – possibilitou uma visão abrangente dos múltiplos fatores que envolvem a temática. Reafirmamos, assim, o nosso papel na construção de uma relação mais produtiva entre agricultura e apicultura como incentivador do diálogo entre agricultores e apicultores.

Boa leitura!

Sílvia FagnaniDiretora-Executiva Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg)

EDITORIAL

Dois dias dedicados ao diálogo em um ambiente de troca e encontro entre diferentes perspectivas. Na quarta edição do encontro Diálogos vivenciamos verdadeiramente a razão de ser do Colmeia Viva, buscando a interlocução entre agricultura e apicultura para que juntos possamos encontrar caminhos para uma relação que valorize a proteção racional dos cultivos, o serviço de polinização realizado por abelhas, a proteção das abelhas e do meio ambiente e o respeito à apicultura.Ao longo do desenvolvimento desse projeto, estamos cada vez mais avançando para promover o ambiente de diálogo e interlocução entre diferentes pontos de vista existentes na intersecção entre agricultura e apicultura. Enquanto no debate cada um defende o seu ponto de vista, no diálogo cada um expõe o seu ponto de vista, mas exercita, acima de tudo, uma postura empática e de abertura, buscando entender o problema pela perspectiva do outro. Manter o equilíbrio do diálogo, integrando a agricultura e a apicultura, é a chave para garantir a produção sustentável de alimentos e a proteção das abelhas e do meio ambiente. Ao ampliarmos nossa compreensão para perceber os pontos de conexão e de divergências temos terreno fértil para construir soluções que, com certeza, serão muito melhores e mais efetivas. Essa publicação é um resumo da rica interação realizada nos dias 01 e 02 de setembro de 2016. Um encontro que possibilitou ampliar a discussão de fatos que já temos sobre o tema e abordar diferentes

Esta publicação retrata os pontos mais relevantes do que foi discutido entre os especialistas convidados nos painéis de diálogos promovidos nos dois dias da quarta edição do workshop, com base nas transcrições das gravações realizadas durante o evento.

4ª Edição Diálogos 2016. Realização: Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg). Projeto Editorial da Publicação, Redação e Infográficos: Facto Estratégia e Comunicação. 156 páginas. Versão digital disponível para download www.colmeiaviva.com.br.

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APRESENTAÇÃOÍNDICE

Apesar de todas as tecnologias das quais a humanidade dispõe hoje em dia, o diálogo continua sendo a melhor maneira pela qual as pessoas se comunicam, trocam perspectivas e conhecimentos e, dessa forma, constroem seus relacionamentos. Esse é o principal objetivo do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) na realização da quarta edição de Diálogos - Colmeia Viva: convidar representantes dos setores de defensivos agrícolas, agricultura e apicultura para participarem de mais um diálogo. É também intuito desenvolver e aprofundar a troca de ideias, de forma a evoluir para soluções satisfatórias e

APRESENTAÇÃO

DIÁLOGO 1: A INTEGRAÇÃO ENTRE A AGRICULTURA E AS ABELHAS CRIADAS E SILVESTRES

DIÁLOGO 2: DEFENSIVOS AGRÍCOLAS - APLICAÇÃO AMIGÁVEL ÀS ABELHAS

DIÁLOGO 3: BOAS PRÁTICAS NA AGRICULTURA PARA INCENTIVO À VISITAÇÃO DE ABELHAS SILVESTRES

DIÁLOGO 4: BOAS PRÁTICAS - RELAÇÃO MAIS PRODUTIVA AGRICULTURA-APICULTURA

DIÁLOGO 5: PLANO NACIONAL DE BOAS PRÁTICAS - DESAFIOS DE IMPLEMENTAÇÃO NUM CENÁRIO HETEROGÊNEO

PALESTRA MAGNA: PROCESSO DE REAVALIAÇÃO AMBIENTAL E AVALIAÇÃO DE RISCO - IBAMA

05

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37

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intersecções com mais produtividade entre a agricultura e apicultura.

O evento ocorreu nos dias 01 e 02 de setembro, em Ribeirão Preto, com o apoio do Ibama e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

A iniciativa faz parte do Colmeia Viva, uma realização do setor de defensivos agrícolas, criada com a intenção de estimular uma relação de diálogo entre agricultores e apicultores. Acredita-se que a partir da exposição de diferentes experiências, é possível alcançar uma interação entre agricultura e apicultura.

054ª EDIÇÃO - DIÁLOGOS 2016 | APRESENTAÇÃO

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As trocas de conhecimentos e de pontos de vista possibilitam o surgimento de meios, sugestões e soluções focadas na conservação e proteção das culturas, no processo de polinização como vocação das abelhas domesticadas e silvestres, na biodiversidade, na agricultura e na apicultura.

Com esses propósitos, o evento tem o intuito de aproximar os atores de toda a cadeia produtiva do agronegócio brasileiro, estabelecer por meio de conversas produtivas a busca por rumo a congruências positivas para todos os envolvidos,

Levando para mais pessoas diferentes ângulos de visão, resultados de pesquisas, cases de benchmark, propostas e panoramas, a quarta edição cumpriu a sua missão abarcando os contextos das realidades agrícola e apícola. O evento mostrou que, por meio do diálogo, é possível também discutir e apresentar

boas práticas a fomentar o agronegócio tendo a apicultura como parceira. O intuito dessa publicação é expandir o alcance do conteúdo abordado no evento, ao compartilhar, informar e colaborar com a construção de um conhecimento mais amplo do tema, permitindo a interação entre defensivos agrícolas, agricultura, apicultura e abelhas.

Ao todo cinco Diálogos, divididos entre os dois dias de evento, trouxeram variadas experiências nos âmbitos corporativo, acadêmico, governamental, do meio ambiente, da agricultura e da apicultura. Esses momentos impulsionaram reflexões, com vistas a colaborar com significativas mudanças do cenário atual, transformando de fato a apicultura, a agricultura e a biodiversidade brasileira, a maior do mundo.

Trata-se de um formato próximo a reuniões proativas de grupos dispostos a promoverem conversas de interesses

comuns, a fim de chegar ao melhor resultado, para todos os atores envolvidos. Durante os diálogos, os esforços entre os especialistas tiveram como foco a ampliação do entendimento em diferentes perspectivas, a complementação de informações de variadas naturezas e o aprofundamento de ideias e conhecimentos. O conceito Diálogos estimula a participação de atores com diferentes perfis e trajetórias dentro de cada tema, substituindo o formato de palestras e apresentações em projeções, de modo a criar um ambiente leve e de

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Conheça a dinâmica do evento e entenda como os presentes participaram deste grande diálogo:

Os participantes têm em média 20 a 30 mnutos para discutir sobre o tema do painel com a condução técnica do mediador.

Os presentes também são convidados a participar do diálogo. Fichas de perguntas e comentários entregues para a equipe de apoio.

As considerações recebidas da plateia são encaminhadas para a mesa de diálogo e os especialistas podem responder às perguntas e comentários recebidos.

Contextualização do tema em diálogo.Duas perguntas centrais feitas pelo mediador a todos os debatedores e cada um terá de 5 a 10 minutos para expor sua visão sobre cada pergunta.

DINÂMICA DO EVENTOentendimento por meio da exposição e contraponto de diferentes experiências e pontos de vista. Cada Diálogo contou com um aquecimento cujo conteúdo mesclou música, poema e perguntas que nortearam as conversas. Esse lirismo na abertura de cada sessão simbolizou o

intuito de presentear os participantes com a lembrança de que a prosa (discussões, debates) e o verso (a delicadeza dos poemas e imagens retratando a beleza das abelhas e da natureza) podem harmonicamente caminhar para o bem comum.

094ª EDIÇÃO - DIÁLOGOS 2016 | EDITORIAL08 4ª EDIÇÃO - DIÁLOGOS 2016 | APRESENTAÇÃO

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COMERCIAIS (Criadas) SILVESTRES

Ex: Meliponídeos

Aluguel de colmeia

Ex: Melipona sp Ex: Bombus sp e Xylocopa sp

Criação de ninhos

Produtos: Mel e cera

Serviço dePolinização na

Agricultura

EXÓTICAS

Produtos: Mel, cera, própolis, pólen, geleia real,

apiterapia.

Serviço dePolinização na

Agricultura

Ex: Apis mellifera

SILVESTRES CRIADAS

Principal função:Polinização de

áreas naturais eagroecossistemas

Abelhas

+3000espéciesno Brasil

4

2

3

1

*

Projet o

DIÁLOGO 1

A INTERAÇÃO ENTRE A AGRICULTURA E AS ABELHAS CRIADAS E SILVESTRES

ABELHAS SILVESTRES.ABELHAS CRIADAS. PAPÉIS?COMPETIÇÃO?

DOIS UNIVERSOS DIFERENTESEM UM SÓ CENÁRIO – A PAISAGEM AGRÍCOLA.ATRATIVIDADE. INTERDEPENDÊNCIA.MEL E POLINIZAÇÃO.

ABELHAS E AGRICULTURA.TEORIA OU PRÁTICA?SONHO OU REALIDADE?NECESSIDADE OU OPÇÃO?

Bandeiras 2/4/5

10 4ª EDIÇÃO - DIÁLOGOS 2016 | APRESENTAÇÃO 114ª EDIÇÃO - DIÁLOGOS 2016 | EDITORIAL

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DIÁLOGO 1Vencer os desafios para promover uma interação entre as abelhas e a agricultura foi a afirmativa que norteou o primeiro diálogo ao sugerir a reflexão sobre o fato de a busca por soluções e medidas, para um convívio entre a agricultura e as abelhas criadas (manejadas) e silvestres, se tratar de um sonho ou de uma realidade. As conversas que fizeram parte deste momento, com vistas a apontar caminhos nesse sentido, foram mediadas pelo engenheiro agrônomo e professor titular da Universidade Federal do Ceará, Breno Magalhães Freitas, também responsável pelo setor de abelhas nessa instituição e PhD (doutor da filosofia, traduzido do inglês) em abelhas e polinização, pela University of Wales College of Cardiff, na Grã-Bretanha.

Breno Freitas direcionou as discussões entre o presidente (gestão 2014-2016) da Associação Gaúcha dos Produtores de Maçã (Agapomi) José Maria Reckziegel, o presidente da Confederação Brasileira de Apicultura (CBA) José Soares de Aragão Brito, o engenheiro agrônomo e professor da Universidad Rio Negro, na Argentina, Lucas Alejandro Garibaldi, o professor e pesquisador da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, campus de Rio Claro, Osmar Malaspina e o diretor de assuntos científicos da CropLife Latin America Mauricio Rodríguez.

A missão desse time de especialistas foi responder as duas questões inerentes a esse diálogo inicial:

1) Como se dá a interação das abelhas silvestres e abelhas criadas (manejadas) na agricultura?

2) Como trazer a abelha para o campo? Afinal, os valores divulgados para Polinização na agricultura são potenciais e não refletem ainda a prática na agricultura brasileira

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“A biodiversidade é muito importante no campo e tem um papel funcional sobre a produção de alimentos. Da mesma forma, a biodiversidade de abelhas e de insetos polinizadores também depende da biodiversidade de plantas.”

- Lucas Alejandro Garibaldi, professor da Universidad Rio Negro - Argentina.

Para o doutor em ciências agropecuárias, Lucas Garibaldi, a primeira questão é fundamental para o campo. “Precisamente, essa é uma das perguntas que temos feito ao longo dos últimos sete, oito anos. Tenho trabalhado muito intensamente em pesquisas envolvendo polinização de abelhas melíferas (Apis mellifera) e de abelhas selvagens (silvestres), assim como de insetos selvagens. Uma das ideias prévias, em desenvolvimento com muitos parceiros, também aqui no Brasil, traz certas dúvidas ainda não solucionadas. A primeira corresponde ao fato de as abelhas melíferas serem ou não suficientes, do ponto de vista da polinização. A segunda é se elas podem substituir o fluxo que têm os insetos selvagens.”

O estudioso em interação entre plantas, cultivos e polinizadores, com trabalhos publicados pela Revista Science, defende a proteção do espaço da vida nativa. “Por meio de um estudo, envolvendo 600 diferentes lugares ao redor do mundo, consideramos que as abelhas melíferas cumprem um papel importante na polinização. Porém, para se obter a máxima produção e a máxima polinização, ambas espécies são necessárias e desempenham funções complementares.”

Segundo Lucas Garibaldi, as práticas que promovem a biodiversidade, envolvendo os insetos silvestres, também são as mesmas que promovem a atividade apícola. (...), ”Há um benefício mútuo na promoção de práticas para a diversidade de flores, a manutenção de habitats naturais. Também beneficiam a apicultura como uma atividade muito importante para o desenvolvimento local”, diz ele, também diretor do Instituto de Investigaciones en Recursos Naturales, Agroecología y Desarrollo Rural (IRNAD).

Na sequência, o presidente da Confederação Brasileira de Apicultura (CBA) José Aragão falou em defesa da interação entre a agricultura e a apicultura. “Não existe uma união mais perfeita do que essa. Ela deve se perpetuar, até porque nós lidamos com vidas vegetal, animal e humana. É nessa concepção que nós buscamos interagir com a população e com o mundo, nas condições de produtor, apicultor e meliponicultor”.

“Dentro dessa interação, precisamos remontar uma lógica que possibilite um resultado perfeito, a fim de que todos nós caminhemos dentro de uma concepção de compartilhamento.”

- José Soares de Aragão Brito, presidente da CBA.

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“Na época da florada é comum os produtores de maçã, que não têm as próprias colmeias, contratarem um serviço de polinização. Temos tecnicamente a recomendação de utilizar no mínimo duas colmeias de 40 a 60 mil abelhas por hectare de maçã.”

- José Maria Reckziegel, presidente da Agapomi (2014-2016).

Porém, para levar esse anseio à vida real, Aragão enfatizou a necessidade de unir não somente as abelhas silvestres e manejadas, como também todos os que atuam na agricultura, de maneira a colaborar com a sociedade. “Dentro dessa interação, precisamos remontar uma lógica que possibilite um resultado perfeito, a fim de que todos nós caminhemos dentro de uma concepção de compartilhamento”.

De acordo com ele, é notório a necessidade de suprir a demanda mundial por mais

O campo, pelo prisma da produção, foi representado pelo presidente da Associação Gaúcha de Produtores de Maçã (gestão 2014-2016) José Maria Reckziegel. O engenheiro agrônomo trouxe suas experiências para tentar responder a primeira questão. Como base para os seus argumentos, ele explorou a sua experiência de 25 anos na maleicultura (cultivo e produção comercial de maçãs), como, por exemplo, a contribuição direta das abelhas na produtividade agrícola. “Nós vivemos uma relação de dependência pura e simples, devido à grande importância da polinização para a nossa atividade. Outro aspecto é que a polinização interfere na qualidade final do nosso produto. É sabido, por exemplo, que a polinização confere, além de um tamanho maior e um formato melhor ao fruto, melhores propriedades nutricionais, devido à ação de hormônios que são produzidos na semente, proporcionando uma fixação maior de cálcio no fruto”.

Nesse setor, a polinização é considerada, inclusive, um dos principais serviços a serem prestados, dentro da atividade apícola, para a agricultura, movimentando essa mão-de-obra em diversas regiões do

alimentos. Por isso, o representante da CBA reconhece a demanda da área agrícola na busca de meios que impulsionem mais tecnologia, visando aumentar a produtividade. “Eu defendo a integração entre a agricultura, a prática da polinização, os insetos e as abelhas. Não adianta nós estarmos aqui trabalhando se não tivermos uma consciência sobre essa base produtiva que está no campo. É fundamental o conhecimento sobre polinização, esse importante meio de produção”.

Aragão ressaltou a carência de informação englobando esses aspectos e apontou o evento como uma forma de contribuir não somente para mais esclarecimentos como também para a aproximação entre todas as forças de trabalho. “Nós estamos aqui justamente para falarmos das falhas e sobre o que podemos estar construindo. Não vejo momento mais perfeito do que esse. Se nós temos um propósito de chegarmos a uma condição favorável de produtividade, precisamos nos unir para buscar os resultados compatíveis dentro da realidade. Para mim, a concepção não é a de que todos saiam ganhando e, sim, a de que todos cumpram o seu papel social”.

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Brasil. Segundo José Maria, isso acontece, sobretudo, na época da florada do cultivo de maçã, sendo comum os produtores que não possuem suas próprias colmeias contratarem apicultores, para a realização desse trabalho. “Nós temos tecnicamente a recomendação de utilizar no mínimo duas colmeias hospedando de 40 a 60 mil abelhas por hectare de maçã. Se multiplicarmos isso pelos 38,5 mil hectares com plantações no Sul do Brasil, pode-se ter uma ideia da quantidade de abelhas que estão trabalhando para nos ajudar”.

Tendo em vista esse cenário, o especialista reforça os argumentos de Lucas Garibaldi sobre a relação complementar das espécies criadas e nativas. “Além da abelha Apis mellifera, queremos contar com as silvestres”, frisou José Maria. Apesar de elas competirem pelas mesmas flores do pomar, o fato de as abelhas silvestres trabalharem, também durante as temperaturas mais baixas, complementa a atuação entre as espécies, uma vez que a Apis mellifera comumente fica “em casa” nessas condições climáticas. “Como vocês sabem, a região em que atuo é a mais fria do Brasil, atingindo entre 12 e 10 graus durante o dia. Mesmo assim, podemos ver a movimentação das abelhas mamangavas, das mirins, daquelas abelhas silvestres que saem

para trabalhar”. Conforme ele, que também atua como diretor da Associação Brasileira de Produtores de Maçãs (ABPM), essa paisagem tem evoluído bastante, mas ainda enfrenta problemas.

O professor Osmar Malaspina é especialista em pesquisas sobre a influência dos defensivos agrícolas nos polinizadores e livre docente do departamento de Biologia, além de pesquisador do Centro de Estudos de Insetos Sociais do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista de Rio Claro (Unesp). Ele ressaltou a problemática desse tema, pois não há parâmetros para análise. “No Brasil, a espécie mais manejada é a Apis.” Porém, há cerca de 3000 espécies de abelhas no Brasil. A ausência de estudos mais aprofundados sobre o conjunto da paisagem e o conjunto das espécies no País aumenta a complexidade para a compreensão do cenário, a fim de se direcionar medidas de integração, pois, como explica ele, em cada região do Brasil existem espécies diferentes, com comportamentos e integração com a florada, também, distintos. “Não temos estudos nisso, os primeiros estudos estão aparecendo agora”, afirmou, citando como exemplo um dos trabalhos conduzidos pelo professor Breno de Freitas, em 2013. Esse levantamento demonstra que a combinação de abelhas africanizadas, Apis mellifera, e nativas possibilita um aumento considerável na produção agrícola. Considerando um assunto relevante, ele chamou a atenção para a necessidade de

“No Brasil, a espécie mais manejada é a Apis, porém nós temos espécies chamadas silvestres.”

- Osmar Malaspina, professor da Unesp de Rio Claro.

investimentos significativos em pesquisas sobre esses fatores, devido ao pouco conhecimento sobre o contexto no Brasil. “A gente vai ter de voltar a estudar todos os elementos que fazem parte das flores, o horário de abertura, a quantidade de néctar, de pólen e qual abelha estará mais disposta em determinados momentos”.

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“As empresas estão pesquisando mais sobre os efeitos provocados pelo acúmulo ou presença de produtos químicos nos campos e como desenhar bioquimicamente moléculas que têm menos interação com essas espécies.”

- Mauricio Rodríguez, diretor de assuntos científicos da CropLife

vezes em equilíbrio com o ecossistema. Lembrem-se de que é uma competição, a biodiversidade é frágil, mas, ao mesmo tempo, é resistente e muitas espécies se adaptam mais facilmente às mudanças”.

Com esse argumento, Rodríguez arriscou traçar um cenário diferente do atual. “Um novo ecossistema pode ser a agricultura e algumas espécies de abelhas serem mais facilmente adaptáveis, podendo ameaçar outros animais selvagens, o que acontece com pragas. Elas, muito facilmente se adaptaram às culturas agrícolas e começaram a competir pelos mesmos recursos com as espécies selvagens (silvestres) e a Apis mellifera”. Em sua opinião, devido a esse tipo de concorrência, muitas espécies, talvez, alimentam-se de pólen das flores, mas também de plantas e, por isso, acabam com os cultivos agrícolas, usados pelos polinizadores.

Osmar Malaspina defende a proteção e preservação de todas as espécies de abelhas, pois, ainda as silvestres não são generalistas e contribuem para culturas específicas e, principalmente, são fundamentais para a manutenção da biodiversidade. “Eu tenho certeza absoluta de que se a gente conseguir manter as manejadas e as chamadas silvestres, teremos sempre um ganho. Nós vamos descobrir coisas belíssimas nessa biologia”.

Em consonância com Osmar Malaspina, o mediador Breno de Freitas salientou a importância demais abelhas nativas para a polinização na agricultura, pois, conforme ele “a realidade é que não têm colmeias para atender a demanda toda da polinização. A gente sabe como é também [no cultivo] do melão, no Nordeste, por exemplo. O mesmo se refere aos polinizadores nativos. Esses, sim, estão lá e ninguém está fazendo muito por eles por enquanto. Mas no momento

em que se conseguir preencher esse déficit, provavelmente a gente vai conseguir dado de polinização bem próximo de potencial da cultura”. Ele revelou ter um pensamento constante: “de que adianta fazer o melhor preparo da terra, escolher a melhor semente ou a melhor muda, fazer a melhor correção do solo, a melhor atuação, os melhores tratos culturais, se na hora da florada vai precisar “picar” o seu fruto porque você não tem o polinizador? Então, não vai adiantar nada se não tiver a polinização. Isso vai variar de cultura para cultura, mas o índice será aquém de potencial de expressão do cultivo. Muitas vezes, deixa-se de ganhar mais. Essa é a diferença entre certa área dar lucro ou prejuízo”.

A exposição do diretor de assuntos científicos da CropLife Latin America Mauricio Rodríguez finalizou essa primeira etapa. Ele falou sobre a contribuição do setor de defensivos agrícolas, englobando o conhecimento aplicado na integração entre as abelhas e a agricultura e a influência da tecnologia nessa relação, a colaborar com a biodiversidade. Segundo o cientista, a comunidade acadêmica a qual pertence tem reunido cada vez mais esforços no intuito de preservá-la. “As empresas estão pesquisando mais sobre os efeitos provocados pelo acúmulo ou presença de produtos químicos nos campos e como desenhar bioquimicamente moléculas, que têm menos interação com essas espécies. Mas, devemos levar em conta a multiplicação excessiva de pragas, não estando muitas

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Com mais clareza, dando sequência a suas ideias, ele afirmou que “se [os defensivos agrícolas] forem estudados de forma específica, talvez ajude a vida selvagem e polinizadores a terem fontes de alimentação no forrageamento. Em conformidade, o controle de pragas pode ter um efeito positivo, em alguns casos, para certos polinizadores”. De acordo com ele, embora esse cenário tenha de ser mais estudado, os defensivos agrícolas podem auxiliar espécies de abelhas, muitas vezes de forma sinérgica para proteger o forrageamento, fonte de alimento para muitos polinizadores.

Conforme Rodríguez, ele e sua equipe estão muito interessados em saber mais sobre a interação entre a agricultura e os

polinizadores silvestres, principalmente na América Latina, região rica em biodiversidade. “Estamos nos esforçando para que em diferentes países, sob diferentes governos, seja aceito o apoio do setor de defensivos agrícolas, nos permitindo oferecer os melhores pesquisadores acadêmicos para que se avance o conhecimento”. Segundo ele, muito se sabe sobre as interações entre espécies, na Europa e Estados Unidos e, embora, tenha havido avanço, nesse aspecto, no Brasil e na Argentina, ainda é necessário entender mais o assunto nas localidades andinas. “De fato, é a oportunidade de aumentar esse conhecimento, permitindo a indústria [de defensivos agrícolas] oferecer inovações para que as culturas agrícolas sejam cada vez mais compatíveis com os ecossistemas e às abelhas”. Breno de Freitas deu prosseguimento ao diálogo, fazendo a

segunda pergunta, acompanhada de uma provocação: Como trazer a abelha para o campo? Afinal, os valores divulgados para polinização na agricultura são potenciais e não refletem ainda a prática na agricultura brasileira? A pergunta estimulou os contrapontos das perspectivas de cada participante.

Nessa etapa José Maria Reckziegel trouxe o olhar de produtor agrícola sobre um tipo de cultivo dependente da polinização por abelhas: a maçã. Ele reforçou o surgimento de novos desafios em função de certos impactos ambientais no atual momento da pomicultura (cultura frutífera), que influenciam a relação de dependência direta que existe entre abelhas e a produção de maçãs e, portanto, para o serviço de polinização na agricultura. “Em função de mudanças climáticas, começaram a acentuar um problema terrível, já conhecido na agricultura, o granizo. Muitos produtores estão cobrindo os pomares com telas. Isso altera o espaço que a abelha tem para movimentação, porque essa cobertura fica entre 4,5 a

Acima (da esquerda para a direita):

Breno F. Magalhães, José M.Reckziegel,

Mauricio Rodriguez, Silvia Fagnani,

Osmar Malaspina, Lucas Garibaldi,

José Soares A. Brito

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5 metros. Por isso, nós estamos procurando alternativas, já que ela perde a orientação, não conseguindo atingir toda a área”. Essas alterações, por outro lado, estimulam o uso de outras espécies, além da Apis mellifera, visando melhores práticas para lidar com tais ocasiões. “Então, isso está fazendo com que a gente procure exatamente possibilidades de usar essas abelhas silvestres ou as chamadas bumblebees nessas circunstâncias”.

Indo ao encontro do teor da exposição de José Maria, Osmar Malaspina defende o fato de as abelhas estarem no campo, pelo menos na região de São Paulo, “porém não há mensuração abrangente que possa confirmar com consistência se o número diminuiu ou não”. Por isso, ele ressaltou a importância de se entender o entorno e os impactos ambientais nas mudanças das paisagens. Como exemplo, o pesquisador chamou a atenção para a ausência das melíponas quadrifasciatas, uma espécie de abelha silvestre, símbolo do estado paulista, seu habitat de origem, que pode ter migrado ou desaparecido. “Isso é extremamente grave e preocupante. Nas décadas de 1960 a 1980, ela era extremamente abundante na região. Uma espécie muito bonita e extremamente polinizadora”.

Dentro das práticas de plantação de maçãs, conforme José Maria, a busca por alternativas e por estímulo para a polinização é bastante influenciada pela conscientização dos produtores do fruto, sobre a relação de dependência das abelhas nesses cultivos. “Objetivamente trazer a abelha, nós já trazemos. Queremos trazer mais ainda, porque temos plena consciência da importância dela para o sucesso da da nossa atividade.” Segundo José Maria, os produtores de maçã têm consciência sobre a importância da abelha e os cuidados na aplicação dos defensivos nesse tipo de cultura.

Para isso, é importante conhecer os aspectos de interação entre as tecnologias aplicadas, a cultura agrícola e as abelhas. Como explicou o produtor, nas condições do clima brasileiro, o cultivo de maçãs é extremamente dependente também da aplicação de defensivos agrícolas, ao menos no nível de tecnologia atualmente disponível. Jose Maria mencionou as dificuldades de produzir maçã orgânica no Brasil, apesar de inúmeras tentativas dele, assim como de outros produtores. Segundo ele, em outras regiões do mundo, com clima bastante diferente em relação ao Brasil, há pessoas alcançando êxito nesse quesito. “Aqui, devemos investir na

aplicação correta e no manejo correto desses defensivos. E para aprofundarmos a reflexão, eu pergunto: até que ponto os defensivos podem ser manejados?”

Na tentativa de responder a sua própria pergunta, José Maria reforça a importância de aliar o conhecimento científico à experiência para entender as mudanças dos processos, a interação com o entorno e os impactos específicos de cada composição, como é o trabalho de reavaliação ambiental de defensivos agrícolas conduzido pelo Ibama (ver mais na página 139).

Mauricio Rodríguez explorou o assunto dizendo acreditar na possibilidade de um novo ecossistema ser formado na agricultura, tendo certas espécies [de abelhas] mais adaptabilidade do que outras. Conforme ele, é possível contar com o apoio do setor de defensivos agrícolas,

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no sentido de avançar o conhecimento a respeito das interações entre a agricultura e apicultura, promovendo uma convivência favorável a todos os envolvidos.

Como afirma Rodríguez, as fórmulas de defensivos agrícolas são desenvolvidas para serem usadas de modo adequado e com responsabilidade. Desse modo, o impacto negativo é incipiente e gerenciável pela própria fisiologia do organismo das abelhas, não causando colapso nas colônias, mais conhecido como CCD. “Temos todas as evidências científicas de que se os produtos forem usados responsavelmente, os efeitos não serão a morte e nem a desorientação das

abelhas, como se sugere. Outros cientistas, não somente representantes da indústria, mas, pesquisadores independentes, estão demonstrando que quando realizados testes em laboratórios podem aparecer resultados negativos sobre as abelhas. Porém, em condições reais e com aplicações assertivas, essas consequências não são constatadas. Ou seja, não observamos esses efeitos no campo a curto, médio e longo prazos”.

Outro ponto que pode colaborar com a manutenção das abelhas nas culturas, para Rodríguez, é a vantagem dos países localizados nas zonas tropicais – considerando as altas temperaturas - sobre os que estão em regiões mais frias. Isso devido à tendência de degradação dos produtos químicos quando expostos à radiação solar intensa, resultando em baixa quantidade de seus resquícios nas plantas. “Então, temos de pesquisar diretamente o ambiente no campo. Já existem alguns projetos na América Latina estudando como esses resíduos de defensivos agrícolas estão presentes ou não em diferentes culturas e se podem ou não causar um risco inaceitável para espécies como as abelhas”. Ele adiantou o fato de essa deterioração

colaborar para a segurança das Apis mellifera, insetos e abelhas silvestres como um dos esperados resultados científicos dessas investigações.

Já o professor Osmar Malaspina acredita na possibilidade real de manter grande número de Apis mellifera no campo desde que haja um bom planejamento, capaz de usufruir com eficiência os recursos tecnológicos disponíveis atualmente para a reprodução e quantificação da espécie. Porém, no que diz respeito às abelhas silvestres, o estudioso reconhece a dificuldade em atrair e dar manutenção a elas. Para completar a sua exposição, ele trouxe para o evento, com base em suas experiências, a informação sobre o crescimento da procura, em regiões do interior do estado de São Paulo, por certas espécies nativas polinizadoras de tomate, pimentão e berinjela. Mas, lamentou o fato de não haver para essas espécies [de abelhas] soluções tecnológicas a suprir a demanda comercial. “Por isso, eu sugiro aos jovens que estão aqui para pensar em serem empreendedores e inovadores, enxergando a polinização como um grande negócio para o futuro”.

Fomentar o empreendedorismo na área de polinização é também uma boa ideia para o cientista Mauricio Rodríguez. Segundo ele, a maioria dos países da América Latina não conta com apoios dos governos para a apicultura e nem para o ofício de polinização na agricultura como um empreendimento econômico empresarial sério e relevante. Porém, ele aposta ser esse um dos caminhos já iniciados na região. “Pouco a pouco, apicultores estão se organizando mais. Eles estão comunicando muito melhor o valor de seus serviços de polinização para os agricultores. Creio existir um esforço nessa direção, no Brasil”.

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principalmente na Europa e nos Estados Unidos. A constatação clara desses estudos é o fato de existir a presença considerável de defensivos agrícolas nas plantas, concentrados menos nas partes de cima e mais nas partes de baixo delas. “Isso porque muito desses produtos são concebidos para centrar a sua ação bioquímica sobre as folhas ou pétalas, onde as pragas se alimentam. Por isso, os resíduos que muitas vezes ficam no pólen das flores estão diminuindo”, explicou Rodríguez.

Ele reforçou a sua missão de participar do evento como cientista, especializado em funcionamento químico e bioquímico da biologia das espécies, e não somente como representante da indústria de defensivos agrícolas. “Pode haver incidentes quando cometemos erros, como misturas inadequadas. Em alguns países não existe regulamentação ou rotulagem correta, mas na maioria tem regulamento. Se há validação do produto e gestão de risco para prevenir incidentes, - digamos evitar acúmulos de moléculas, que podem causar um efeito negativo sobre a saúde dos polinizadores -, muito provavelmente as estratégias desenhadas para incentivar a polinização contam com o apoio e atuam igualmente em cooperação com a existência e uso dos defensivos agrícolas”.

Lucas Garibaldi apontou mais um aspecto da discussão. A respeito de como levar as abelhas para o ambiente agrícola, ele sugeriu o investimento na diversidade de plantas. Conforme o cientista, a variedade da flora fornece recursos como pólen e néctar a diferentes tipos de polinizadores, incluindo as Apis melliferas, as quais necessitam de sortimento em sua alimentação. “O pólen de uma única espécie não é suficiente para uma colmeia saudável. As abelhas também dependem de pólen de espécies diferentes. E, ao contrário disso, estamos vendo muitos lugares na Argentina, Brasil e América Latina perdendo a sua biodiversidade vegetal.

Sobre os valores potenciais da polinização não refletirem ainda a realidade da agricultura brasileira, Garibaldi defende mais investigações no âmbito da polinização, incluindo as peculiaridades de cada cultura, localização e gerenciamento de casos especiais. “Qualquer agrônomo em um pequeno polo agrícola será capaz de dizer muito precisamente o nível necessário para determinada adubação. Mas, não saberá responder quais os níveis de diversidade de polinizadores, a quantidade e a qualidade de colmeias de Apis mellifera devidas para certo cultivo. Falta muita pesquisa para avançar o manejo da polinização.

“O pólen de uma única espécie não é suficiente para uma colmeia saudável. As abelhas também dependem de pólen de espécies diferentes.”

- Lucas Alejandro Garibaldi, professor da Universidad Rio Negro, Argentina.

Além do fomento da polinização na agricultura como serviço e empreendimento, o diretor da CropLife enfatizou a necessidade de adequar as práticas do campo para potencializar o uso correto dos defensivos agrícolas. Ele lembrou, por exemplo, cálculos estatísticos demonstrando o quanto a polinização na agricultura contribui positivamente para o agronegócio, variando de países e culturas agrícolas.

Pelo seu ponto de vista, a preocupação com o uso de defensivos agrícolas e como eles afetam a capacidade de atrair abelhas silvestres para executar com segurança a polinização tem sido muito estudado em laboratório, quando não é possível realizar a pesquisa no campo,

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Teoria e prática em torno das abelhas na agricultura

A proposta desse Diálogo tem também o objetivo de esclarecer as comparações equivocadas que circulam na internet e em alguns veículos de comunicação em torno dos valores da polinização na agricultura.

A possível perda no valor de 15 bilhões de dólares por ano na agricultura dos Estados Unidos e a estimativa do potencial dos valores de polinização no Brasil até 12 bilhões de dólares por ano não são comparáveis essencialmente por duas razões:.

1. Polinização na agricultura versus polinização na biodiversidade: Os dados nos Estados Unidos refletem a prática que já ocorre nos Estados Unidos da contratação de aluguel de colmeias, que é um serviço comercial de polinização na agricultura onde as abelhas são intencionalmente levadas às plantações. No Brasil, os dados teóricos são atribuídos em potencial de polinização na biodiversidade, gerando uma confusão em torno do papel das abelhas na polinização.

2. Teoria e Prática: Nos Estados Unidos, as perdas são reais na agricultura. Aqui no Brasil, os valores servem de orientação para o potencial atribuído às abelhas em torno do serviço prestado pelas abelhas na polinização de plantas na biodiversidade. Fala-se inclusive em perdas entre 4,8 e 14,5 bilhões de dólares por ano no Brasil que representariam uma redução de 6,4% a 19,3% da contribuição no PIB brasileiro, mas são teóricos e não refletem ainda a prática na agricultura brasileira. Nos Estados Unidos e na Europa, é comum a prática de aluguel de colmeias. No Brasil, essa prática ainda é restrita a algumas regiões e culturas dependentes da polinização, a exemplo das culturas de maçã, melão, melancia, caju e maracujá.

O mediador Breno de Freitas converge com Lucas Garibaldi sobre o fato de não ser coerente esperar apenas pelas espécies silvestres para darem conta das flores na fase de reflorescimento. “Então, tem de ter ajuda dos polinizadores manejados para fazer a complementação. Mas nós temos de ter em mente a necessidade de dar condições para que os dois grupos estejam presentes na área. Seja produzindo as manejadas na quantidade suficiente para atender aquela demanda naquele momento, como também dar condições ao cultivo e ao entorno para que os polinizadores silvestres se façam presentes quando a cultura floresce”.

A falta de informação, comunicação, investimento e monitoramento de todo o processo da polinização, somados, representam um grande problema para José Aragão, da CBA, frisando a importância de se amparar as bases, as roças. “Esse papel cabe aos órgãos de assistência e de extensão rural técnica do nosso País. Infelizmente o sucateamento e a extinção dessas entidades é uma realidade, em determinados estados. Desse jeito, como nós vamos avançar nesse ponto?”, interroga Aragão.

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QUESTÕES DA PLATEIAORGANIZADAS PELO MEDIADOR

Breno Freitas: Para a produção de maçã, é utilizado o serviço de aluguel de colmeias? Se, sim, qual o valor aproximado para alugar uma colmeia de Apis e por quanto tempo?

José Maria Reckziegel: Sim. No ano passado o preço girou em torno de R$ 55 a R$ 60 reais, por colmeia. O tempo estabelecido é o tempo necessário para efetuar a polinização. Normalmente, a gente procura estabelecer essas colmeias dentro do pomar em torno de uma semana antes de serem abertas pelo

menos 30% de gemas (botões das plantas). Se colocarmos [as colmeias] muito cedo, pode-se criar um hábito de desvio, ou seja, as abelhas vão procurar outra flora apícola pela região. A florada da maçã comumente se estende por um período de 14 dias.

Breno Freitas: Como é a relação com o apicultor?

José Maria Reckziegel: A empresa em que eu trabalho, por exemplo, tem um departamento

dirigido à apicultura. Mantemos atualmente 800 colmeias. A maioria dos produtores pequenos e médios entra em contato com funcionários dessa área, por telefone, e combinam quando será feita a colocação e remoção delas. Um pequeno parênteses: normalmente acontece um problema nessa relação. Muitos apicultores repartem [as colmeias] e entregam caixas de abelhas, não colmeias. Assim, não vai ter a polinização, porque a tendência delas é desaparecer quando há uma interferência na colmeia.

Breno Freitas: Tem um estudo recente recomendando a utilização de sete colmeias por hectare. Por que você falou em duas?

José Maria Reckziegel: Recomendamos duas, porque existe um conceito chamado fruticultura de precisão, que permite o controle da polinização. Se eu deixar um pé de macieira vingar todos os frutos, ele vai quebrar. Além disso, terei toda a produção em um ano e no seguinte ela não retornará à florada. Outro aspecto é comprometer o fruto. Ele será muito pequeno e com qualidade inferior à desejada. Então, a gente procura, desde a operação de poda, analisando o tamanho da planta, disponibilizar a quantidade suficiente de gemas (botões das plantas). No final, o objetivo é chegar em torno de 90, 100 frutos, por metro cúbico de planta. Colocando sete colmeias, eu teria de fazer uma atividade muito onerosa, chamada raleio químico de frutos. Na verdade, com a aplicação de duas [colmeias por hectare], já temos a necessidade de fazer isso. O primeiro

passo é feito com a aplicação de produtos químicos para a derrubada da flor e, depois, um repasse manual do produto para a maçã, no momento da colheita, chegar ao tamanho, formato e coloração já conhecida no mercado.

Breno Freitas: Como vocês fazem para estimular as abelhas nativas na área e como evitam os impactos dos defensivos?

José Maria Reckziegel: Estamos trabalhando com as abelhas nativas de forma muito incipiente, ainda. O que temos realmente é a observação do comportamento das espécies no pomar. Não temos, infelizmente, um trabalho mais desenvolvido. Temos realmente a observação de campo ao caminhar pelo pomar, mas temos feito contato com a Embrapa para iniciar pesquisas nesse sentido, que possam nos ajudar porque realmente o ano que passou foi bem característico. A temperatura na época da floração estava bastante baixa, tivemos problema de queda na produção em função disso. Então, é um trabalho que ainda precisa ser mais bem desenvolvido. Com relação aos cuidados, envolvemos não só as abelhas nativas, mas principalmente a Apis mellifera. A maioria dos produtores tem consciência sobre os produtos usados e seus efeitos para a abelha. Por exemplo, nós utilizávamos um inseticida para fazer o raleio químico. Com isso, a aplicação somente era feita após o término da florada e, no final do dia, quando as abelhas já retornavam para as suas colmeias. Era uma forma de proteger contra o efeito nocivo do produto.

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Breno Freitas: Osmar Malaspina, o senhor afirmou que conhecemos pouco as abelhas no Brasil, o que precisamos conhecer?

Osmar Malaspina: No caso das abelhas sociais, ou seja, das melíponas e das trigonas, o caminho é investir em modelos tecnológicos que viabilizem a produção em grande quantidade, a fim de atender a demanda existente no momento, além das necessidades futuras, que serão maiores. A gente conhece muito pouco sobre a biologia da reprodução dessas espécies. Quanto às abelhas solitárias, é mais fácil criar abrigo para elas e a um custo zero. Estamos chamando de “hotéis das abelhas”. Na cultura de maracujá, por exemplo, essa prática tem obtido um resultado bastante interessante. É simples. Basta fazer vários furos e de diversos diâmetros em uma madeira sem uso ou em um bambu para atrair abelhas solitárias. Desse jeito, podemos repovoar, evidentemente de forma parcial, as áreas pretendidas. Então, com pequenas ações, estamos construindo algumas iniciativas. Mas, acho que muito breve a gente vai ter um grande avanço nessa direção.

Breno Freitas: Como pode haver mais integração das pesquisas dos países da América Latina?

Mauricio Rodríguez: Acredito que é uma excelente pergunta, porque eu tenho uma oportunidade para avançar a pesquisa sobre o uso responsável de produtos agroquímicos e defensivos agrícolas e como eles se relacionam com a biodiversidade, com as abelhas e outras espécies de polinizadores. Teremos muitas informações para compartilhar e cientistas muito relevantes abrindo caminho necessário, como suponho, os professores Osmar Malaspina, Lucas Garibaldi e outros pesquisadores que nos ajudam muitíssimo a gerar conhecimento específico para a nossa região. É uma circunstância oportuna para aproveitarmos, incluindo governo, academia, indústria, produtores. Em algum momento, o setor de defensivos agrícolas poderá servir como um canal de comunicação para começar a compartilhar informações e gerar conhecimento sobre os acontecimentos em nossos países. Devemos remover da mente o pensamento sobre a agricultura

ser algo artificial e não natural. Ela e a apicultura são agentes de modificações no ecossistema. Em última análise, as medidas necessárias precisam estar em harmonia com a biodiversidade e com o ecossistema. Não se trata de opções para o ser humano, são práticas que precisam ser realizadas. A pergunta é como fazer isso funcionar de maneira simétrica em sua totalidade.

Breno Freitas: Se a polinização pode impulsionar a produtividade de ambos os segmentos, agricultura e criação de abelhas, quais os desafios ou pendências para impulsionar a atividade? O que precisa ser feito?

Lucas Garibaldi: Sem dúvida há uma tendência de homogeneização da paisagem, que está fazendo desaparecer em muito a biodiversidade nos ambientes agrícolas. Os apicultores estão vivendo isso tanto na Argentina quanto no Brasil, como também em outros diferentes países. Então, a pesquisa deve caminhar de forma a promover habitats naturais e seminaturais, com diversidade de ambientes dentro das paisagens agrícolas,

tendo um impacto positivo sobre a polinização e muitos outros serviços. Por exemplo, falaram que as pragas não estão em equilíbrio ou em desequilíbrio e essa diversidade de ambientes, com habitats naturais e seminaturais também promove outros aspectos benéficos para os seres humanos, mas não têm valor de mercado. O exemplo disso está no controle biológico de pragas, um controle natural que, inclusive, é beneficiado pela mesma prática que beneficia a Apis mellifera e insetos silvestres. Esses habitats podem ser realizados perto de fontes de água, de maneira a filtrar certa contaminação de agroquímicos. O nosso desafio é justamente começar agora a trabalhar na ecologia dos cultivos e não olhando somente para a parcela individual e, sim, para a paisagem. O que nós colhemos em determinado lugar não depende somente desse local em particular, decorre do que acontece com a paisagem. Essas são algumas observações para levar a campo e executar de modo concreto.

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A biodiversidade cumpre um fundamental papel produtivo, além de ser considerada patrimônio cultural e biocultural. Abelhas precisam ser protegidas e preservadas, tanto as manejadas quanto as silvestres.

É importante fomentar a apicultura como atividade comercial e de prestação de serviços para a agricultura.

Os polinizadores criados e silvestres também são complementares, pois, juntos, compensam suas deficiências e promovem benefícios para agricultura e para a biodiversidade.

Apesar de variar de cultura para cultura, já é um consenso o fato de a polinização ter a capacidade intrínseca de impulsionar o potencial de expressão do cultivo. Quem ainda não enxergou esse beneficio está deixando de ganhar mais e, talvez, tendo prejuízo.

O desenvolvimento de conhecimento aplicado às condições brasileiras, é fundamental para avançar a integração entre agricultura e abelhas.

O setor de defensivos agrícolas está interessado em contribuir, por meio de pesquisas, para a interação entre a agricultura e os polinizadores silvestres, principalmente na América Latina, região rica em biodiversidade.

A união de todos os atores do setor de agronegócio é uma importante iniciativa para atingir condições favoráveis de produtividade, com resultados compatíveis dentro da realidade.

Defensivos agrícolas não representam um perigo ao serem utilizados corretamente. As aplicações deve ser feitas conforme recomendações de bula e receituário.

Quando expostos a altas temperaturas, os defensivos agrícolas tendem a se deteriorarem. Essa é uma vantagem de países tropicais em relação aos localizados em regiões mais frias, quando o assunto é manutenção das abelhas nas culturas.

Ainda é difícil atrair e manter as abelhas silvestres para a agricultura. Não há estudos suficientes sobre elas e nem soluções tecnológicas destinadas a suprir a demanda comercial. Um novo tipo de empreendedorismo pode ser uma das soluções, evidenciando a polinização como um grande negócio futuro.

Misturas inadequadas de defensivos agrícolas, uso e manipulação incorreta que não seguem a regulamentação e as informações dos rótulos e bulas de embalagens representam riscos para a saúde dos polinizadores.

Investimento na diversidade de plantas, valorizando a variedade da flora é uma boa alternativa para o fornecimento de pólen e néctar a diferentes tipos de polinizadores.

TÓPICOS PRINCIPAIS DO DIÁLOGO 1

DIÁLOGO 2

DEFENSIVOS AGRÍCOLAS:APLICAÇÃO AMIGÁVELÀS ABELHAS

COMBATE ÀS PRAGAS.INCENTIVO ÀS ABELHAS.PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL DE ALIMENTOS.ROTAS DE EXPOSIÇÃO.

FLORADA. MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS.APIÁRIOS. ABELHAS.USO CORRETO. APLICAÇÃO.

ABELHAS E DEFENSIVOS.CONTRÁRIOS? COMPLEMENTARES?FATORES DE UMA MESMA FUNÇÃO?

Bandeiras 3/4/5

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DIÁLOGO 2Como um cenário rico em biodiversidade pode, ao mesmo tempo, garantir a produtividade agrícola brasileira, uma das maiores do mundo, numa interação com defensivos agrícolas, apicultura e abelhas. O Diálogo 2 foi pautado por essas discussões, estimulando os participantes e a plateia ao aprofundamento desses temas ainda carregados de questões a serem esclarecidas e desafios a serem solucionados. Os temas debatidos tiveram a mediação do professor e engenheiro agrônomo, Décio Luiz Gazzoni, que abriu os diálogos permeados pelo tema Defensivos Agrícolas: Aplicação Amigável às Abelhas, envolvendo tanto estudiosos e pesquisadores quanto profissionais de práticas agrícolas que buscam a integração com os polinizadores.

Décio Gazzoni mediou as conversas entre o coordenador geral de defensivos agrícolas e afins do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Júlio Sérgio de Britto, a analista ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Flávia Viana Silva, o professor do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Hamilton Humberto Ramos, o representante da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), Leonardo Minaré Braúna, e o presidente (gestão 2014-2016) da Associação Gaúcha dos Produtores de Maçã (Agapomi) e diretor da Associação Brasileira de Produtores de Maças (ABPM), José Maria Reckziegel.

Dessa forma, o Diálogo prosseguiu com as questões ao lado, estimulando os presentes a refletirem e a participarem pelas discussões sobre os assuntos propostos:

1) Quais os cuidados que devem ser tomados nas aplicações (aérea e terrestre) para reduzir a exposição das abelhas?

2) Como utilizar a rota de exposição das abelhas para realizar uma aplicação amigável?

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O mediador Décio Gazzoni iniciou o painel reforçando os objetivos do diálogo e a oportunidade para apresentar meios a impulsionar e criar medidas, visando a boa utilização das abelhas e dos defensivos agrícolas, sem empecilhos para ambos. “Há quatro anos, nós estávamos meio perdidos. Não tínhamos objetivos comuns,

orientação e nem coordenação. E agora já estamos aos poucos encontrando os caminhos, solucionando problemas e aparando arestas. Ainda tem um longo caminho a trilhar, mas acho importante que juntos estamos aprendendo a encontrar pontos e aspectos comuns”.

O coordenador geral de agroquímicos e afins do Mapa, Júlio Sérgio de Britto, iniciou o debate reforçando essas possibilidades, sendo, para ele, fundamental a parceria entre o Sindiveg e o governo para que a esfera pública federal tenha conhecimento e dados técnicos, com vistas a aprimorar suas avaliações e decisões ao necessitar emitir aprovação de produtos para o uso na agricultura. “Do jeito que o sistema agrícola é desenhado e nas condições de clima tropical e subtropical brasileiro, sem esses insumos nós não atingiríamos os níveis de produtividade que temos hoje. Não aplicamos os produtos porque gostamos e, sim, por precisar. A cada dólar investido em defensivo agrícola, nós produzimos 142 quilos de alimentos, enquanto o Japão produz apenas oito, para o mesmo dólar gasto”.

Reconhecendo a significância das discussões, ele ressaltou o surgimento de preocupações do Ibama. Em 2012, o órgão começou o trabalho de reavaliação ambiental de defensivos agrícolas, baseado nos indícios de mortalidade de abelhas, que passaram a ocorrer no Brasil. Na época, o fenômeno já havia sido

constatado em outros países, chamando a atenção daqueles governos, no sentido de reavaliarem a utilização desses produtos.

Segundo Júlio de Britto, o Instituto Brasileiro do Algodão (IBA), com a reunião de vários pesquisadores renomados, realizou um estudo aprofundado para discutir e traçar planos, envolvendo os aspectos inerentes ao cultivo do algodão. A ideia foi estabelecer medidas de mitigação a permitirem a convivência entre os polinizadores e os produtos químicos aplicados nas plantações. “Eu acho que é a linha a seguir e precisamos dar continuidade. Esse trabalho nos levou a diversos encaminhamentos, como por exemplo, não fazer aplicação de defensivo entre 10 e 15 horas.”.

Outro aspecto destacado por Britto foi a importância de seguir as recomendações contidas na rotulagem e bulas dos produtos. Conforme a sua opinião, elas surgiram a partir de avaliações realizadas, do ponto de vista econômico, ambiental e toxicológico, garantindo a possibilidade de utilizá-los da melhor maneira possível. Mas, ele enxerga que “o país precisa evoluir em tecnologia de aplicação, porque nós perdemos muito e temos de trabalhar mais nesse sentido”.

Décio Gazzoni, ao passar a palavra para o professor Hamilton Humberto Ramos,

“A cada dólar investido em defensivo agrícola, nós produzimos 142 quilos de alimentos, enquanto o Japão produz apenas oito, para o mesmo dólar gasto.”

- Júlio Sérgio de Britto, coordenador geral de aqroquímicos do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

reforçou a pergunta se a tecnologia de aplicação responde ao menos por 50% da solução do problema em questão. “Sim, na realidade, vemos que o Brasil, assim como alguns países do mundo, acordou muito tarde para a tecnologia de aplicação. Até a década de 1990, todos sabiam aplicar [os defensivos agrícolas] e o importante era o produto funcionar. Mas, a ferrugem da soja começou a mostrar quem aplicava e quem jogava água na cultura”. Dessa forma, despontou-se a necessidade de se rever a prática. Ele afirmou que a indústria tem reduzido muito a toxicidade de produtos, “mas ainda existe um caminho muito grande nesse trabalho, englobando os níveis de exposição dos polinizadores aos defensivos agrícolas e, isso, depende diretamente de tecnologia de aplicação”.

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Para Hamilton Ramos, sobre a tecnologia de aplicação, atualmente no país há três setores a serem consideravelmente melhorados. “É preciso desenvolver a área de máquinas, de produtos e de pessoas”. Nessa última, conforme o pesquisador, um problema bastante sério está relacionado ao nível de formação educacional. Ele esclareceu que apesar de existir tecnologia, como piloto automático e GPS, em áreas agrícolas, há uma deficiência na qualificação do trabalhador do campo para o uso desses equipamentos, pois o seu perfil corresponde à média de quatro ou cinco anos de escolaridade. “Semana passada, eu estive com um agricultor que tem sessenta pivôs, variando entre 120 e 200 hectares na propriedade. Notei que os problemas que a gente encontra para o uso de aplicação são os mesmos daquele que tem 20 hectares produzindo. Então, a informação que existe precisa chegar para eles”.

Além disso, Hamilton Ramos apontou peculiaridade de cada cultura, a qual necessita de informações mais precisas e ricas em detalhes sobre o uso dos produtos em diferentes tipos de condições e fenômenos climáticos,

além de comunicação mais assertiva. Esse conjunto de fatores, se mal geridos, impede o uso ambientalmente adequado de defensivos agrícolas. Ele citou alguns exemplos como horário de aplicação, tipos de pragas, tamanho de gotas, luminosidade, classificação da intensidade de ventos, espaçamento de plantas, tipos de aplicação e cultivo. “Eu cansei de ver aplicação em algodão, entre 11 e 14 horas, porque é a hora em que o bicudo está exposto”. Mas, além disso, é importante saber em quais condições climáticas ela sendo realizada e qual a quantidade está efetivamente chegando à planta, segundo o especialista. “Para cada tamanho de gota tem um determinado tipo de vento. Como o agricultor vai entender o que é vento forte, por exemplo? Adequar tamanho de gota está escrito na bula, mas como o produtor faz essa adequação? Qual é a gota mais adequada? Se nós não tivermos uma preparação do trabalhador para saber como tirar proveito dessas informações, vamos continuar tendo problemas”, enfatizou o cientista. Segundo o representante do IAC, a estimativa hoje é de 2 milhões de trabalhadores exercendo a função de aplicadores de agrotóxicos no Brasil. Para ele, esses profissionais precisam ter informação de qualidade para garantir uma aplicação amigável não só às abelhas, mas ao ambiente.

Um dos pontos abordados por José Maria Reckziegel, nesse segundo Diálogo, foi o desafio entre a polinização e o controle

“Podemos seguir um caminho alternativo, mas é interessante utilizar essas tecnologias ao mesmo tempo em que se tenham produtores mais instruídos e com consciência.”

- José Maria Reckziegel, presidente (gestão 2014-2016) da Associação Gaúcha dos Produtores de Maçã (Agapomi)

de pragas. Nesse primeiro momento, ele falou, como produtor de maçãs, sobre a importância dos cuidados com os defensivos agrícolas, de forma a não prejudicar as abelhas. “A pulverização implica, necessariamente, em utilizar fungicida ou inseticida ou acaricida, ou seja, são produtos destinados a matar um determinado alvo biológico que nós

queremos controlar e que de certa forma se tornou praga para o nosso propósito dirigido a certa cultura. Dentro disso, o primeiro ponto que eu considero importante é saber quais são os potenciais riscos daquele defensivo, a partir da indicação técnica, e, obviamente, considerar o ambiente como um todo: as abelhas e outros insetos que são importantes”.

José Maria revelou que recentemente começou um trabalho em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em Bento Gonçalves, no estado do Rio Grande do Sul. “Trata-se de um projeto com vistas a investir em tecnologia alternativa para o controle de pragas”.

De acordo com ele, o setor espera contabilizar mais êxito à preservação de inimigos naturais em alguns anos. Isso significa priorizar a produção integrada, a qual envolve uma série de técnicas de controle de pragas, com a preocupação em manter insetos úteis, além dos polinizadores, como os parasitoides, predadores e outros desse conjunto. “Podemos seguir um caminho alternativo, mas é interessante utilizar essas tecnologias, ao mesmo tempo em que se tenham produtores mais instruídos e com consciência. Temos uma lacuna a preencher que é dar mais treinamento para essas pessoas”.

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“Estudamos a pressão, o tipo de gota a ser aplicada e a deriva, em vários estados, tentando achar uma aplicação mais perfeita possível para evitar dano tanto para o apicultor como para o agricultor.”

- Leonardo Minaré Braúna, representante da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja).

“Às vezes tem consórcio e elas [as abelhas] são colocadas sem que o dono da cultura saiba.”

- Flávia Viana Silva, analista ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

A Aprosoja tem promovido treinamentos, por meio de programas de capacitação. Essa ideia permeou a exposição do responsável pelas áreas de meio ambiente, defesa vegetal e trabalhista, da Associação Brasileira dos Produtores de Soja do Brasil (Aprosoja), Leonardo Minaré Braúna. Por exemplo, há um programa ambiental do cultivo de soja, com forte presença no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e que está se expandindo com a intenção de abranger todo o Brasil. O conteúdo envolve questões trabalhistas, uso correto da terra e tecnologia de aplicação e já é reconhecido pela China.

Leonardo Braúna contou que no caso da pulverização de produtos químicos, a Associação tem aconselhado o produtor a buscar informações sobre a existência de apicultores e colônias de abelhas próximas às suas culturas e discutir o melhor horário para a atividade. Conforme o especialista, o melhor momento para a aplicação de

A analista ambiental do Ibama, Flávia Viana Silva, reforçou as afirmações dos especialistas Júlio de Britto e Hamilton Ramos sobre a relevância de seguir as orientações da bula e investir nas tecnologias de aplicação. Ela, ainda, fez um apelo sobre o essencial cuidado de não utilizar os produtos não recomendados durante a florada e certos horários, em que possivelmente poderá ter abelhas no cultivo. Recomendações como essas diminuiriam significativamente a exposição das abelhas aos defensivos agrícolas, como apontou a especialista. Uma medida aconselhada por ela, completando a sugestão de Leonardo Braúna, é o apicultor avisar ao produtor sobre a existência de colmeias na região de sua cultura, mesmo não sendo dele. “Às vezes tem consórcio e elas são colocadas sem que o dono da cultura saiba”.

“É realmente um desafio que nós precisamos superar, porque temos uma legislação

defensivos agrícolas é à tarde, porém é necessário cumprir as leis trabalhistas. “Se o trabalhador começar a aplicar um produto às 17 horas, provavelmente, passará uma parte da noite trabalhando”. Isso implicará em um pagamento diferenciado em relação ao período diurno. O painelista afirmou que existem tecnologias com o GPS e, desse modo, os produtos poderiam ser aplicados à noite, a partir da orientação desse dispositivo, no entanto, a legislação não permite a utilização noturna do equipamento.

Na área técnica, o programa ambiental do cultivo de soja é o carro-chefe dos programas da associação. Ele é destinado a estudar meios de preservação das abelhas na cultura de soja. “Estudamos a pressão, o tipo de gota a ser aplicada e a deriva, em vários estados, tentando achar uma aplicação mais perfeita possível para evitar dano tanto para o apicultor como para o agricultor”.

implantada há 70 anos e o Brasil e mundo evoluíram”, concluiu o mediador Décio Gazzoni. Também pesquisador da Embrapa, desde 1974, ele aproveitou o ensejo para compartilhar uma experiência dentro do contexto discutido. “Eu trabalho especificamente numa comunidade em Ortigueira, perto de Londrina, onde tem grande produtor de mel do país, essa convivência é muito harmoniosa. Na região é possível ter colmeias dentro de lavouras. Cada um cedeu uma parte e ficou todo mundo contente, alegre e feliz com pequenas medidas”.

O raciocínio do coordenador geral de agroquímicos e afins do Mapa, Júlio de Britto, sugere a expansão dessa rede de relacionamento. Ele acredita na comunicação para melhorar não somente as conversas entre produtores agrícolas e apicultores, no sentido de definirem os horários de aplicação de defensivos agrícolas e locais de colocação das

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colmeias, como também investir no diálogo entre outros atores diretos e indiretos desse processo. “Eu acho que nós temos de aprimorar muito a nossa comunicação, pois está falha enquanto produção, governo, sociedade em geral”.

Na sequência, ele resgatou o tema manejo integrado de pragas com o intuito de aprofundar a conversa a respeito desse assunto. “Há a necessidade de rever essa questão, que a gente tinha esquecido um pouco”, disse Britto. Ele considera interessante o fato da recente crise com a Helicoverpa armigera (nova praga que causou problemas sérios no período de 2013 e 2014 nas lavouras de soja e milho) ter sido um motivo para rever o tema. “A Embrapa nos auxiliou muito e nos trouxe de volta a preocupação com o manejo integrado de pragas”. Segundo o especialista, o governo tem se preocupado cada vez mais os produtos biológicos e o monitoramento

de pragas. Nos últimos anos, por exemplo, o uso de produtos biológicos nas lavouras aumentou sensivelmente e o governo espera fechar 2016 com mais registros nessa linha, em relação ao ano passado. “A tendência é cada vez maior. O próprio setor de defensivos agrícolas tem incentivado e procurado desenvolver esse tipo de produto. Vemos uma cobrança muito grande da sociedade nesse sentido”.

Para ele, reflexões sobre o controle maior dos produtos que trazem riscos do ponto de vista toxicológico - seja para humanos ou meio ambiente - são importantes para incentivar a substituição deles na medida do possível. “Então, eu acho que essa preocupação é fundamental. Temos de desenvolver mais políticas de comunicação para melhorar as relações, fomentando medidas que promovam a redução de danos existentes no campo”.

É preciso profissionalizar ainda mais o produtor.

- Leonardo Minaré Braúna, representante da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja).

O profissional da Aprosoja, Leonardo Braúna, afirmou que o produto biológico já é uma realidade em propriedades de cultivo do grão. Cerca de 10 a 15% do material utilizado para controle de pragas é de origem biológica, mas existe resistência entre muitos produtores a adotar esse tipo de defensivo. Um dos motivos apontados pelo painelista é o fato de que nem todos os produtos biológicos existentes no mercado apresentam segurança à produção. Com isso, o produtor se sente inseguro para investir nessa modalidade de aplicação, por se tratar de novas abordagens e adaptações de tarefas. Ele também cita a necessidade de misturar o produto ao óleo para ser aplicado e em mais quantidade ao final do dia do que no seu início, além de diferentes ciclos e fontes de mapeamento de um cultivo. “O biológico é uma ferramenta

nova. Está chegando, ampliando sua atuação, mas o produtor confia muito mais no defensivo químico”.

Nesse aspecto, a Aprosoja tem abordado o tema em seus informativos semanais e no programa SojaPlus, o qual se dedica fortemente ao uso correto do solo, técnicas de aplicação, entre outras informações. “Mas, é preciso profissionalizar ainda mais o produtor”, alertou Leonardo Braúna. Como ele disse, a entidade tem buscado também, por meio de seus programas de conscientização, orientar os agricultores de soja. “Temos comitivas internas que percorrem lavouras, mostrando as melhores formas de aplicação, produtos existentes e prestando diferentes informações”.

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Como ressaltou o pesquisador Hamilton Ramos, falar sobre produtos biológicos é bastante complexo, pois envolve diversos fatores implicando a sua utilização, assim como questões que, segundo ele, ainda não podem ser respondidas. Um dos exemplos é olhar o ciclo completo, desde o que está sendo aplicado, mas também quais componentes chegam efetivamente até as abelhas e seus impactos. Para o especialista, ainda é necessário investimento em pesquisas científicas, em capacitação profissional, além de adequações práticas e de equipamentos destinados ao agronegócio. Para Ramos, inclusive, não há, nos dias de hoje, um teste preliminar satisfatório a indicar se a mistura, constituída pelo produto biológico, depositada em tanques de aviões que fazem pulverização aérea, poderá resultar em efeitos aditivos, sinérgicos e/ ou antagônicos. No laboratório do Centro de Engenharia e Automação do Instituto Agronômico de

Jundiaí, no estado de São Paulo, a equipe da qual faz parte está trabalhando seriamente para desenvolver métodos relacionados aos adjuvantes, “pois há muito deles aumentando a velocidade de recuperação da praga”, afirmou o pesquisador.

Outro problema, conforme a sua explanação, é o fato de a quantidade de calda desse produto evaporar significativamente durante o caminho percorrido pelo avião até o local desejado. “E se existe uma mudança de comportamento na cadeia como um todo temos de começar a pensar naquilo que está chegando e não naquilo que se tem jogado. É com isso que se controla praga. O equipamento faz a necessidade e não há preocupação com isso. Nós vemos adjuvantes mudando tamanho de gota, velocidade da operação, além de escorrimento de calda e diminuição da quantidade de produto para uma planta. Tudo isso tem uma interferência na eficácia”.

O estudioso declarou ser extremamente a favor do controle biológico, mas, como pesquisador, tem dúvidas a serem elucidadas. Por isso, ele defende a necessidade de haver mudanças, propostas a partir de pesquisas consistentes. “Nós estamos colocando bactéria, fungo dentro do tanque de pulverização e aplicando esse material sob uma média de seis bar de pressão, que diminui para zero em fração de segundo. Isso pode estar interferindo na eficácia do produto ou não? Será que a interferência é igual para todos os materiais biológicos e resíduos? E será que boa parte das falhas da aplicação deve-se à variação de pressão, que está interferindo na viabilidade desse produto?”

Diante dessas incertezas, não é correto pensar a tecnologia de aplicação como única ferramenta, para Hamilton Ramos. “Ela não é a antítese do manejo integrado e, sim, o complemento do manejo integrado. Existe uma frase muito antiga dizendo que no sistema de produção, a tecnologia de aplicação tem de ser usada como um bisturi e não como uma foice. Por isso, os produtos estão cada vez mais específicos, pois dessa forma, exercerão a sua melhor função na planta. Então, precisa analisar o produto, a tecnologia, o controlador, ou seja, o conjunto”.

Portanto, conforme Ramos, é importante saber como gerir as rotas para o produto químico não atingir as abelhas, sem esquecer-se de um cenário real sobre uma

prática poder funcionar para uma região do país, mas não ser assertiva para outra. “A boa aplicação é aquela que usa a tecnologia para colocar o produto no alvo em quantidade necessária de forma econômica e com o mínimo de contaminação. Qualquer falha em um desses fatores vai piorar os problemas com abelhas, com segurança do trabalhador e com o ambiente”.

“No sistema de produção, a tecnologia de aplicação tem de ser usada como um bisturi e não como uma foice. Por isso, os produtos estão cada vez mais específicos, pois dessa forma, exercerão a sua melhor função na planta. Então, precisa analisar o produto, a tecnologia, o controlador, ou seja, o conjunto.”

- Hamilton Humberto Ramos, professor do Instituto Agronômico de Campinas (IAC).

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QUESTÕES DA PLATEIAORGANIZADAS PELO MEDIADOR

A plateia também participou dos diálogos, por meio de perguntas escritas, as quais foram coletadas pelas pessoas responsáveis a entregá-las ao mediador. Por sua vez, ele cuidou de dirigi-las aos debatedores sinalizados ou distribui-las, de acordo com cada especialidade e experiência sobre o assunto em questão. A primeira pergunta, desse segundo momento do encontro, abordou a mortalidade das abelhas e foi direcionada à analista ambiental Flávia Viana:

Décio Gazzoni: A preocupação com outras abelhas é uma extrapolação do problema ou uma medida de precaução?

Flavia Viana: É uma preocupação real. Temos casos de mortandade de abelhas nativas também no nosso levantamento. Não foi feito laudo para saber o que causou, mas existe o problema. O Ibama trabalha com espécies nativas, então, a preocupação é real. Utilizamos as Apis porque é um modelo já bem definido, mas tem de pensar nas nativas também.

Décio Gazzoni: José Maria, como otimizar a aplicação de defensivos, não desfavorecendo as abelhas na florada, quando a praga aparece em época de florada e ataca diretamente a flor?

José Maria Reckziegel: Cada cultura tem as suas particularidades e pragas mais importantes. No caso da maçã, normalmente no período da florada, em que temos abelha dentro do pomar, não se manifesta outra praga importante. Existem algumas lagartas que eventualmente aparecem no entorno. Dificilmente um produtor de maçãs vai aplicar inseticida que pode ser deletério para a abelha durante a florada. E muitas vezes, depois que a abelha vai embora, nos vemos obrigados a fazer a limpeza, a roçada do chão, porque crescem muitas outras espécies atrativas para ela. Um exemplo é o trevo branco, extremamente procurado pela abelha, além de algumas crucíferas, os nabos, nabiças. Fazemos isso, porque teremos de aplicar inseticida e não podemos atrair mais abelhas.

Décio Gazzoni: Isso no próprio pomar. Mas de alguma maneira você tem de preservar abrigo e alimentação no entorno daquele período fora da floração?

José Maria: Sim. A região produtora de maçãs é permeada de mata nativa. Eu espero que, com a implantação do novo código florestal do Cadastro Ambiental Rural (CAR), haja realmente uma

conscientização dos nossos produtores rurais no sentido de mantê-la preservada. A parte que compete ao aplicador é fazer com que não aconteça deriva para essas áreas nativas. Uma das tecnologias de aplicação que estamos testando, há dois anos, é o sistema de pulverização eletrostática e tem funcionado muito bem. Inclusive, permitindo reduzir doses de produtos da ordem de 20%, 30% com a mesma eficiência e melhor cobertura no caso do alvo.

Décio Gazzoni: Doutor Júlio de Britto, roubo de carga de defensivo, contrabando, falsificação, adulteração, pirataria, qual é o impacto desses fatores na aplicação adequada e, consequentemente, evitando danos às abelhas e outros organismos vivos?

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Júlio de Britto: Total. Absurdo dos absurdos, ou seja, não há conhecimento sobre a qualidade de insumo dessa natureza, não se tem controle nenhum na aplicação, nem devolução de embalagem vazia, não se sabe o tipo de produção, de contaminação do solo, do ambiente, enfim, é o que existe de pior. Mas é caso para a Polícia Federal, porque o governo federal controla o comércio legal, não o ilegal. Controlamos produção, importação e exportação. O bandido aproveita das falhas, seja de governo, seja das dificuldades do ponto de vista estrutural, como avaliação e registro de produto adequado, em tempo hábil. É uma série de fatores, que nos preocupa muito. O Sindiveg tem o apoio do Governo e da Polícia Federal, na tentativa de controle e diminuição dessas preocupações. Muito se faz, mas é uma situação ainda grave que precisamos atacar e não têm ferramentas e meios adequados para gerir isso. E não é um problema só nosso, é um problema internacional. Temos participado de discussões, em níveis de OECD [em português, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] e dentro da própria FAO [em português, Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura], sobre contrabando e uso de produtos ilegais. Esse nível de discussão, temos especificamente no Órgão das Nações Unidas, para tratar e trocar experiências, para tentar diminuir a ilegalidade no setor.

Décio Gazzoni: O que é possível fazer além de monitorar a aplicação de defensivos agrícolas?

Leonardo Braúna: A Aprosoja tem criado programas para melhorar o sistema de aplicação, equipamentos e capacitação. Temos incentivado também a comunicação, a aplicação de acordo com a bula e as recomendações técnicas. A Associação, com o programa Soja Brasil, tem realizado treinamentos, explicações, palestras, dias de campo. Temos corrido o país inteiro, abarcando cerca de quinze estados, visitando aproximadamente 10 milhões de pessoas. São vários carros percorrendo o país, levantando informação. Passa todos os dias no Canal Rural.

Décio Gazzoni: Flávia Viana, há quatro perguntas direcionadas para você. A primeira é: Quando se fala em poeira como se dá a exposição?

Flavia Viana: A poeira ocorre durante o plantio das sementes tratadas. Quando as sementes são tratadas com os neonicotinóides e acontece a semeadura gera uma poeira. Essa poeira pode afetar as abelhas, que estão voando por ali ou ficarem depositadas em alguma superfície em que as abelhas vão ter contato.

Décio Gazzoni: A restrição de aplicação aérea é para todos os defensivos agrícolas?

Flavia Viana: Não. São para o fipronil, imidacloprido, tiametoxam e clotianidina.

Décio Gazzoni: Qual a previsão para que a Instrução Normativa para avaliação de risco de agrotóxicos para abelhas seja publicada? E enquanto ela não for publicada, qual o impacto na reavaliação do neonicotinóides e outros ingredientes ativos?

Flavia Viana: Estamos finalizando as contribuições para serem discutidas, verificando legislações e buscando as melhores formas de organização de todo o conteúdo. Já fizemos grande parte, mas ainda precisamos discutir bastante internamente. Enquanto ela não

é publicada, impacto nenhum, porque estamos fazendo o que escrevemos na IN [já publicada em 2012]. Nós estamos analisando os estudos que estão chegando sobre imidacloprido, tiametoxam e clotianidina. As empresas estão enviando os estudos que já possuem e fazendo os cronogramas de envio dos que ainda serão realizados.

Décio Gazzoni: O que significa o termo Revisão de Produtos Já Registrados?

Flavia Viana: A revisão é um termo que propomos na Instrução Normativa (IN). Realmente ela ainda não foi falada em nenhuma outra legislação. A maioria das contribuições estava relacionada a esse tema. A revisão seria fazer em alguns ingredientes ativos os procedimentos da IN, mas não por indícios de mortalidade

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e, sim, porque talvez em uma molécula que foi registrada há muito tempo possa estar causando danos. A reavaliação ambiental ocorre quando tem esses problemas, que está na legislação, ou quando tem algum problema em algum país, que avisa os outros países que fazem parte da Convenção. A revisão seria um chamamento quando não for por esses indícios, mas a equipe técnica propôs esse termo e acabou passando para a IN. Tivemos muitas contribuições sobre fazer uma normativa própria para a revisão. Então, estamos avaliando como ficará o termo.

Décio Gazzoni: Hamilton Ramos, hoje no Sudeste e Centro-Oeste, vemos vários consultores recomendando o UBV (Ultra baixo volume) para controle de pragas do algodoeiro, você não acha que a Embrapa, o Mapa e a academia deveriam se posicionar claramente contra essas aplicações aéreas de UBV, visto que vão contra as boas práticas agrícolas?

Hamilton Ramos: Hoje nós temos alguns pulverizadores eletrostáticos e alguns produtores são extremamente a favor e outros contra. Mas, não é o equipamento o problema e, sim, é a forma de utilização. Eu acho que a academia não tem de se posicionar contra ou a favor de uma técnica. O que ela deve fazer é mostrar como ser bem aplicada. O UBV é uma técnica utilizada em diferentes países do

mundo, óbvio que a forma de eu usar o UBV no Rio Grande do Sul vai ser totalmente diferente no Piauí. Por exemplo, nós temos condições de produções totalmente diferentes, envolvendo clima e forma de utilização da técnica. Vai ter algumas condições climáticas, em a técnica será restritiva? Não tenho dúvida de que vai existir. Quando usamos qualquer que seja a técnica, inclusive com o UBV com baixo conhecimento, a chance de nós termos uma boa eficácia nessa aplicação fica bastante comprometida.

Décio Gazzoni: Do ponto de vista da tecnologia da aplicação, qual a sua opinião sobre a avaliação de risco ambiental para defensivos agrícolas sistêmicos ou não sistêmicos?

Hamilton Ramos: O que eu tenho de analisar é o que está chegando à planta. Sistêmico ou não, ele vai tóxico ao chegar à flor. Se ele chegar à folha ele não vai ser. Mesmo sendo sistêmico, ele não vai ter condição de penetrar e chegar à flor para ser tóxico para abelha. Então, esse sistema de avaliação tem de ser feito tanto se o produto for sistêmico ou não sistêmico. Ele tem de ser feito com o produto aplicado na flor. Isso que é importante.

Décio Gazzoni: Com base na sua experiência de campo, pensando na rota de exposição, qual a localização mais segura para a instalação de apiários e

quais medidas devem ser tomadas para a proteção dos apiários, em relação a uma proximidade de um cultivo que necessita de aplicação de defensivo?

José Maria Reckziegel: Bom, eu posso responder essa pergunta dando um exemplo de ordem bastante prática que nós adotamos na cultura da maçã [que utiliza as abelhas para fins de polinização]. As caixas de abelhas são posicionadas dentro do pomar. Dependendo do comprimento da fila, faz-se uma estação no meio dela, ou nas pontas das filas. Mas, em momento algum nós pensamos em colocar abelha afastada, até por uma questão de evitar que ela vá procurar outra flora apícola e não haja o serviço de polinização na maçã. Isso dá uma ideia de como manejamos a rota de exposição e como maneja também as pulverizações, que são efetuadas mesmo durante o período de florada, porque nós continuamos fazendo e especialmente agora aplicações de fungicidas, durante esse período. Eu não vejo necessidade de isolar essa colocação das colmeias nas culturas de maçãs.

Décio Gazzoni: Você acha que a polinização pode se tornar uma ferramenta da agricultura de baixo carbono, na realidade de baixas emissões de carbono, do Programa ABC? Para soja sabemos dos trabalhos com o incremento de 22 a 28% na produtividade com polinização?

Leonardo Braúna: Eu já li alguma coisa sobre isso. Desconhecia. É uma relação muito baixa da abelha com soja. Pode, se tiver dados ou programadores sendo viável, claro. Eu acho que se são dados que comprovam essa eficiência, porque a floração de soja é muito pouca, se tivesse efeito não tem como ficar contrário a isso.

Décio Gazzoni: Na verdade, nós estamos trabalhando justamente para isso. Assumimos um compromisso junto com Aprosoja e com o Mapa e, nos próximos quatro anos, estaremos justamente estudando essa relação abelha-soja-produtividade. À parte toda essa questão de defensivos, nós estamos justamente trabalhando, com isso, porque a grande aposta é manter o mesmo custo fixo e de maquinaria, de mão-de-obra, de insumos diversos, sementes, fertilizantes, agrotóxicos. Se tiver um acréscimo qualquer 5, 10, 15% de produtividade será um ganho enorme e, realmente, isso reduz emissões.

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Bandeiras 2/3

Meios para impulsionar e criar medidas capazes de favorecer as boas condutas para o aproveitamento dos serviços prestados pelos polinizadores são fundamentais para resolverem problemas que ainda impendem a boa utilização dos defensivos agrícolas.

Boas práticas já implantadas em culturas como a do algodão e frutos devem servir como exemplos para a incorporação de novas demandas de trabalhos que envolvem a agricultura e apicultura.

Bulas, rotulagens e regras de boa utilização dos produtos químicos devem ter atenção especial devido à relevância de suas recomendações, garantindo a possibilidade de utilizá-los da melhor maneira possível.

Uma forma para a evolução da tecnologia de aplicação está em investir na formação educacional de pessoas envolvidas nessa prática nos âmbitos da agricultura e apicultura. Há hoje a estimativa de dois milhões de trabalhadores exercendo a função de aplicadores de defensivos agrícolas no país.

O desafio entre a polinização e o controle de pragas implica fundamentalmente em boas técnicas de aplicação de defensivos agrícolas e outros meios de preservação de inimigos naturais. Para isso, é essencial haver uma gestão de risco eficiente, considerando as especificidades de cada região e culturas e priorizar a produção integrada, com a preocupação em manter insetos úteis.

A aproximação entre produtores e apicultores é uma das formas de decidir os melhores horários de aplicação de defensivos agrícolas, sem deixar de respeitar as leis trabalhistas. No entanto, a legislação não permite a utilização noturna do equipamento.

Existe um apelo do Ibama sobre o respeito e seguimento das orientações previstas nas bulas dos produtos e o investimento em tecnologias de aplicação, além da não utilização de alguns defensivos agrícolas durante a florada e certos horários, em que possivelmente haverá exposição de polinizadores nas culturas.

O manejo integrado de pragas é um tema essencial a ser aprofundado em diversos aspectos do agronegócio e da biodiversidade. Deve-se fomentar estudos sobre a utilização e aprimoramento de produtos biológicos e monitoramento de pragas.

O produto biológico já é uma realidade em propriedades de cultivo do grão. Cerca de 10 a 15% do material utilizado para controle de pragas é de origem biológica, mas ainda há resistência entre muitos produtores. Um dos motivos apontados é o fato de que nem todos os produtos biológicos existentes no mercado apresentam segurança à produção.

TÓPICOS PRINCIPAIS DO DIÁLOGO 2

DIÁLOGO 3

BOAS PRÁTICAS NA AGRICULTURA PARA INCENTIVO À VISITAÇÃO DE ABELHAS SILVESTRES

ABELHAS SILVESTRES.PAISAGEM. ENTORNO.INCENTIVO À VISITAÇÃO.

FRAGMENTOS. CORREDORES.CAPACIDADE, SUPORTE.CULTURA AGRÍCOLA.ATRATIVIDADE E COMPETIÇÃO.

TEORIA?VIABILIDADE?COMO TRANSFORMAR IDEIAS EM BOAS PRÁTICAS E AÇÃO?

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DIÁLOGO 3Propostas de boas práticas desenvolvidas na agricultura, priorizando a presença das abelhas silvestres em culturas agrícolas, foram objetos de discussão de um grupo de especialistas dedicados ao assunto. A mediadora do Diálogo 3, a professora doutora Claudia Inês da Silva, é bióloga e trabalha em temas relacionados à ecologia, manejo e conservação de abelhas. Atua no Laboratório de Abelhas do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e no Laboratório de Abelhas da Universidade de São Paulo (USP), como colaboradora em projetos de pesquisa. A pesquisadora coordena (2015-2019) o projeto intitulado “Study of flora and pollen grains for inclusion in the online pollen catalogue ‘Rede de Catálogo Polínico online’ (RCPol): a tool for the management and conservation of bees” (em tradução livre para o português, Estudo sobre a flora e grãos de pólen para inclusão no catálogo on-line de pólen ‘Rede de Catálogo Polínico on-line’ (RCPol): uma ferramenta para a gestão e conservação de abelhas), desenvolvido em parceria com a Escola Politécnica da USP, Universidade Federal do Ceará e outras instituições nacionais e internacionais.

Como debatedor, participou o biólogo com doutorado pela Universidade de São Paulo (USP) e experiência na área de biologia e manejo de abelhas, com ênfase na multiplicação de colônias de abelhas sem ferrão, Cristiano Menezes. Atualmente, o estudioso é pesquisador na Embrapa Amazônia Oriental (Belém-PA), na área de meliponicultura. O painel também reuniu o presidente da Comissão Nacional do Meio Ambiente, da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o advogado e engenheiro agrônomo, Rodrigo Justus de Brito, o professor do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), da Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, Hamilton Humberto Ramos, o professor da Universidad Nacional de Rio Negro (Argentina), Lucas Alejandro Garibaldi, e o professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Breno Magalhães Freitas.

De maneira a ampliar o debate e propor novos horizontes, eles reuniram esforços, a fim de contribuírem para novas técnicas a promoverem a frequência e manutenção das abelhas silvestres no campo, respondendo as questões ao lado:

1) O que deve ser observado para incentivar a presença de abelha em culturas agrícolas?

2) Como implementar boas práticas no sistema agrícola atual?

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A mediadora Claudia Inês da Silva, antes de iniciar o Diálogo 3, apresentou aos presentes livros produzidos por sua equipe, que vem estudando há cerca de dez anos, as interações entre abelhas e plantas e o efeito delas na qualidade do entorno de áreas de cultivo. Em outras palavras as publicações abordam a manutenção e conservação de abelhas a promoverem o serviço de polinização em ecossistemas naturais e agroecossistemas. Com distribuição gratuita, “O Manejo de Polinizadores da Aceroleira”, “Guia Ilustrado de Abelhas Polinizadoras no Brasil” e o “Manejo dos Polinizadores e Polinização de Flores do Maracujazeiro” tiveram suas

“Quem poliniza maracujá é uma abelha chamada mamangaba. Imagina quando um pesquisador da área chama o polinizador, que é uma abelha, de vespa. Então, a gente vê o nível de desinformação que existe.”

- professor Breno Magalhães Freitas, da Universidade Federal do Ceará (UFC).

leituras indicadas pela especialista. Ela destacou também a obra “Agricultura e Polinizadores”, editada pela Associação Brasileira de Estudo das Abelhas (A.B.E.L.H.A.), que reuniu pesquisadores brasileiros, com vistas a debaterem o tema. Essa publicação traz informações bem interessantes e propostas de manejo e conservação dos polinizadores, visando à manutenção de ecossistemas naturais e o aumento da produção em agroecossistemas, conforme ela. O livro está disponível em formato PDF nos portais da A.B.E.L.H.A., do Instituto de Biociências da Usp (IB-USP), do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do ResearchGate.

Após a exposição das literaturas pela professora Claudia Inês, o professor titular da Universidade Federal do Ceará (UFC), Breno Magalhães Freitas, iniciou a exposição. “Essa primeira pergunta sobre o que deve ser observado para incentivar a presença de abelhas em cultura agrícolas, os nossos colegas principalmente o Cristiano Menezes e o Lucas Garibaldi, que trabalham em pesquisa como eu, provavelmente vão apresentar coisas bem semelhantes. Por isso, eu prefiro contar uma estorinha bem rápida: Eu sou agrônomo desde 1988. Naquela época, já criava abelha, era apicultor e como aluno de agronomia eu não vi nada sobre polinização agrícola [no curso]. Para não dizer que eu não escutei nada, um professor falando sobre a cultura do feijão disse certa vez – Ah, o feijão não precisa se preocupar com polinização, porque a planta se autopoliniza. Pronto, foi o que eu ouvi falar de polinização”.

Breno de Freitas pesquisou em seu mestrado a identificação de pólen e mel, referenciando as plantas da caatinga com potencial para apicultura. Quando fazia a livre docência, no Reino Unido, ele conheceu o professor John Free, mundialmente conhecido na área de polinização agrícola. Na época, o assunto estava em voga na Europa. “Quando tomei conhecimento dessa situação, eu conversei com o meu orientador, mudei o meu projeto de pesquisa e fui trabalhar com polinização agrícola”. Em quatro anos de estudos,

Freitas ajudou a desenvolver modelos matemáticos para avaliar a eficiência de polinizadores no campo. “Nós comparamos uma cultura da maçã no clima temperado e outra do cajú, de cunho tropical”. O cajú era a principal cultura agrícola do Ceará, o maior exportador mundial, entre outros produtos.

Ainda sobre sua pesquisa, Breno Freitas narrou outro acontecimento. “Quando eu, na época, falei na Embrapa que ia pesquisar polinização por abelhas no cajú, me falaram: – Ah, não te preocupa com isso não, porque o caju é polinizado pelo vento. Eu respondi: - Poxa, mas uma planta que tem todas as características de polinização por animais. Ou seja, flores que mudam de cor, com néctar, odor, com todas as características associadas à polinização animal. Eles responderam: – Não, os indianos já trabalharam com isso na década de 50 e mostraram que é pelo vento. Bem, eu procurei esses trabalhos. Na verdade eram três e nenhum deles tratava de polinizações agrícolas”.

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Conforme o professor da UFC, os estudos descreveram a biologia floral do cajueiro e em um deles, o texto apontou a probabilidade de a polinização ocorrer por meio do vento, devido à proporção em flores masculinas para flores hermafroditas ser muito grande. “O outro dizia acontecer [a polinização], provavelmente pelo vento, porque o caju é uma planta de dunas, de área costeira, onde venta muito”. O último presumia ser também pelo vento, porque nas zonas costeiras, em dunas, têm poucos insetos. “Então nenhum tinha testado nada. É o achismo. Aquilo virou uma verdade”. Porém, durante as suas pesquisas foram constatadas as abelhas polinizadoras, como importantes fenômenos para o cajueiro. “Ao voltar para o Brasil, eu era mais ou menos um peixe fora d’água, porque tudo era produção de mel, com raras exceções (...). Éramos três ‘gatos pingados’ que, naquele período, falávamos sobre a importância da polinização para produtores, em vários meios. Achavam a estória muito bonita, mas na prática ninguém realmente pegava aquilo para valer”, concluiu Freitas.

O cientista considera uma deficiência a ausência de conteúdos teóricos e práticos sobre polinização agrícola na universidade, pois, como ele notou, o tema não faz parte de maneira expressiva do curso superior de agronomia. “Estuda-se as culturas, a escolha da muda, da semente, o preparo, os tratos culturais etc. e parece que se for feito tudo isso a polinização vem como

prêmio. O que não é verdade”. Segundo ele, a tendência ao comodismo é uma lógica geral entre a maioria das pessoas e esse comportamento favorece a falta de inovação e desenvolvimento. “Se eu estou fazendo desse jeito e está dando para eu pagar os meus custos e ter lucro, por que vou inventar outra coisa?”. Conforme Freitas, esse pensamento acontece envolvendo todas as plantações. Os exemplos disso são as culturas do feijão e da soja, as quais não se autopolinizam. “É verdade, elas pagam o custo, dá lucro, mas os trabalhos mostram que se tiver o polinizador, aumentará a produtividade. Aumentando a produtividade, se consegue produzir o mesmo em menor área, com menos investimento e impacto ambiental e, assim, uma série de consequências”.

Breno Freitas salientou ter feito essas narrativas para demonstrar o quanto é importante os polinizadores serem tratados na área educacional. “Essa reunião, me deixa muito satisfeito, porque esse é um dos poucos eventos que a gente reúne praticamente toda a cadeia produtiva agrícola. Têm os representantes dos agricultores, dos apicultores, da indústria de defensivos, dos pesquisadores etc., debatendo esses assuntos, mas nada adianta se não abordarmos a educação. Nós não precisamos mudar o currículo, só precisamos convencer os professores de agronomia a incluir a polinização, ao falarem dos sistemas de produções da soja, acerola, manga, caju, algodão, por exemplo.”

Assim como Lucas Garibaldi alertou no painel anterior, Freitas chama a atenção ao lamentar o fato de agrônomos brasileiros não conhecerem a importância da polinização agrícola, por falta de acesso aos seus detalhes. Como exemplo, ele conta que uma revista do setor de agronegócio publicou uma reportagem sobre o maracujá e ao final da entrevista um pesquisador dessa cultura no Brasil disse ser a vespa o polinizador desse tipo de cultivo. “Quem poliniza maracujá é uma abelha chamada mamangaba. Imagina quando um pesquisador da área chama o polinizador que é uma abelha de vespa. Então, a gente vê o nível de desinformação que existe. Como esperar que o produtor lá na ponta tenha acesso a esse conhecimento

se os nossos extensionistas, seja do estado ou da iniciativa privada, não conseguem perceber ou não conhecem a importância daquele ponto? Eu estou falando do ponto de vista da polinização, mas serve para todos os outros aspectos debatidos aqui, inclusive a tecnologia da aplicação”, alertou Breno Freitas.

Estimam-se cerca de 350 mil apicultores no Brasil, mas nem todos dominam a prática polinizadora, conforme o professor. “Quantos são capacitados para fazer polinização agrícola? Para criar abelhas muitos são, mas criar abelha é uma coisa, botá-la na polinização é outra totalmente diferente”. Com isso, ele enfatiza o incentivo da presença da abelha na cultura agrícola, por meio das informações sobre a relevância do seu papel no setor. “A polinização não é fórmula de bolo. Não adianta pensar que se fizer determinada coisa

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“Não só a cultura serve de comida [para a abelha], a gente precisa plantar ao redor das culturas fontes de alimentos para essas abelhas.”

- Cristiano Menezes, pesquisador na Embrapa Amazônia Oriental (Belém-PA).

de um jeito, vai aumentar tantos por cento a produção em qualquer lugar e de qualquer jeito. Vocês viram [nos diálogos anteriores], tudo vai depender dos níveis de polinização natural, da cultura, da variedade de planta, flor, cor, tamanho da flor, conteúdo de néctar secretado, concentração de açúcar naquele néctar. Ou seja, uma coisa é diferente da outra. A abelha pode visitar uma variedade e não visitar outra”. Freitas conclui que todos esses fatores devem ser considerados, portanto, capacitar o pessoal é prioridade para disseminar as mensagens a contento.

Há quatro anos, no primeiro workshop, o pesquisador na Embrapa Amazônia Oriental (Belém-PA), Cristiano Menezes, havia começado um projeto para usar

abelha sem ferrão na polinização do cultivo do morangueiro. “Fomos a campo, a diversas áreas de produção para ver se tinha déficit de polinização. A primeira pergunta foi se as pessoas precisavam de abelhas no morango. Depois, quais estavam ali naturalmente e, por último, a hora que a gente colocasse as nossas abelhas, precisaria saber se elas seriam eficientes”. Munidos dessas questões, a equipe da qual Menezes fazia parte visitou diversos produtores com níveis de manejo diferentes da área. “Verificamos desde produtores que usavam bastantes produtos químicos, passando por outros intermediários que usavam químicos e controle biológico e outros que não usavam químicos nenhum ou alguns produtos orgânicos, somente”.

Como Cristiano Menezes disse, essa primeira avaliação trouxe surpresas. “A gente encontrava abelha praticamente em todos esses ambientes. Onde se aplicava produto orgânico a gente encontrava menos abelhas”. Já nos cultivos em que havia aplicação considerável do defensivo químico, o grupo de pesquisadores encontrou uma grande quantidade de abelhas. “Foi um choque. Achamos estranho, não foi o que naturalmente se pensou”. Porém, uma informação foi extremamente importante, capaz de mudar as expectativas sobre o levantamento. “As espécies que a gente encontrou nas flores de morango não dependiam de ocos de árvores para sobreviver. Ou seja, encontramos a Apis mellifera”.

Rapidamente, os pesquisadores perceberam que havia apicultores com suas colmeias pela região. “A arapuá é uma abelha que faz ninho num cacho externo. A jataí constrói seu ninho na parede das casas. Então, não precisa de árvores para viver. Achamos também uma grande quantidade e diversidade de abelhas que fazem ninho no chão. Isso chamou a atenção para o primeiro ponto importante: as abelhas precisam de um lugar para morar”. Ele lamentou a ocorrência do grande desmatamento constatado atualmente no estado paulista. “Na nossa região de São Paulo temos cerca 5 ou 10% de matas”.

O segundo tópico relevante para o estudioso é a alimentação das abelhas. “A cultura nem sempre oferece o que as abelhas estão precisando para se alimentar e quando a gente fala de abelhas, significa um universo no Brasil, em torno de três mil espécies diferentes. Só de abelhas sem ferrão está em torno de 240 espécies conhecidas”. É um ambiente muito diversificado e distinto. “Não só a cultura serve de comida, a gente precisa plantar ao redor das culturas fontes de alimentos para essas abelhas”, destacou Menezes.

Conforme o painelista, o terceiro fator diz respeito à sobrevivência das abelhas. “Não basta dar casa e comida. E aí entram as soluções existentes para elas sobreviverem, ou seja, os métodos mais coerentes de aplicação de químicos e o controle biológico, uma ferramenta que está explodindo nos últimos dez anos. Nós temos hoje diversas soluções de microbiológicos e macro-organismos para controle biológico, que podem compor o cenário de controle de pragas, um ambiente muito mais favorável”.

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Cristiano Menezes revelou, durante o encontro, a expansão de seus trabalhos na Embrapa, por meio da cultura do açaí, na região de Belém. A fruta [o açaí] atualmente é relevante economicamente e, por conta de sua rentabilidade, pessoas estão retirando as árvores das áreas de várzea (ao redor de rios) para investirem na monocultura de açaí. “Com isso, a produção [que era normalmente] de três toneladas por hectare ao ano chega até oito no mesmo período. Então, em curto prazo, aumenta a luz e os nutrientes disponíveis para a plantação”. Ele ainda alertou para o declínio do cultivo, após cinco a dez anos, voltando a níveis basais. “Nós estamos surpresos de ver que algumas áreas que a gente visitou não tinham abelhas para fazer a polinização. Praticamente as abelhas que a gente encontrava no meio da Amazônia eram das mesmas espécies encontradas em São Paulo – a Apis mellifera e a arapuá. Então, lá eles não usam produtos químicos, mas por causa do manejo do açaí, estão

“Quando queremos criar uma diversidade de abelhas e insetos polinizadores, em geral, não podemos colocar trinta espécies de insetos em uma caixa e manejá-las como manejamos a abelha que produz mel”. Essa foi a resposta do professor da Universidad Nacional de Rio Negro, na Argentina, Lucas Alejandro Garibaldi à mediadora Claudia Inês ao lhe indagar sobre como consorciar abelhas silvestres com abelhas manejadas. “O que temos de fazer é começar a manejar o habitat para prover comida, basicamente o pólen e néctar, e casa, onde elas possam ter como ninho tronco de árvores ou solo etc”. Além dessas medidas, o especialista aconselha reduzir a fonte de mortalidade direta por inseticidas e por pássaros, adotando práticas dentro e fora do cultivo. “O problema nos cultivos é que demandam muitos recursos, mas em pouco tempo, e as abelhas e os insetos necessitam de um tempo mais longo do que o da floração da cultura. Aliás, eles necessitam aninhar e dentro das plantações, muitas vezes, não é fácil por causa das máquinas e inseticidas. A prática fora do cultivo vai prover diversidade e abundância de flores durante o ano”.

Garibaldi enfatizou dois métodos de plantação. O primeiro é o das herbáceas e chama-se Flower Strip. O segundo diz respeito às arbóreas, nomeado Redflows. Conforme ele, esses dois métodos ocupam pouca superfície e muitas vezes não competem com o cultivo, porque podem nascer em lares onde há, por exemplo,

“Quando queremos criar uma diversidade de abelhas e insetos polinizadores, em geral, não podemos colocar trinta espécies de insetos em uma caixa e manejá-las como manejamos a abelha que produz mel.”

- professor Lucas Alejandro Garibaldi, da Universidad Nacional de Rio Negro (Argentina).

retirando os polinizadores que vivem ali”. Menezes considera que para cada cultura é necessário pensar na espécie de abelhas desejada. “Se for a de maracujá terá de se bolar a estratégia de moradia, de alimentação e sobrevivência delas. Ou seja, a gente tem que juntar essas três ferramentas”.

Claudia Inês afirma serem imprescindíveis os recursos ecológicos. “A gente já tem vários trabalhos na literatura, mostrando que a distância do fragmento determina o sucesso da produção. Outro fator importante é a qualidade desse fragmento, porque as culturas, por si só, não são capazes de sustentar nenhum polinizador”. Conforme ela, o curto ciclo reprodutivo, a florada massiva e outros fatores, juntos, compõem o cenário de baixa produtividade, relacionada diretamente à falta de polinizador, ao manejo e a ausência de conhecimento sobre a biologia floral, polinizadores efetivos etc.

pouca produtividade. “Às vezes, planta-se todos os dois mil hectares de um mesmo cultivo, mas não necessariamente todos eles têm alta procura [dos polinizadores]. Há algumas partes com baixa procura, onde se pode fazer práticas amigáveis para os polinizadores, que competem economicamente, beneficiando [a produção], através da polinização”.

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isso em prática. E provar a um produtor a necessidade de quatro anos para ter um benefício, às vezes é algo impensável. Normalmente, a gente quer um resultado imediato e na verdade temos de pensar a longo prazo”. Segundo ela, falta amadurecer esse pensamento, pois, por exemplo, para recuperar uma área degradada pode custar muito, porém as vantagens futuras podem ser incalculáveis, garantindo um significativo retorno.

Para completar, de acordo com Garibaldi, é preciso quantificar os benefícios privados, os quais visam rendimentos, e públicos, cujos interesses devem ser as mudanças climáticas, fixação do dióxido de carbono, assoreamento do solo, proteção das fontes de água etc., a fim de investir no uso correto da terra. “Um dos grandes desafios mundiais é encontrar um equilíbrio entre diferentes interesses e benefícios particulares e sociais, o que não está tão determinado em nível global”.

Segundo a professora Claudia Inês, o cientista está se referindo a uma rede de interações, em que esses benefícios não são diretamente relacionados ao produtor e, sim, a uma cadeia de eventos. “É incrível como a gente acaba chegando aos mesmos problemas: falta de informação, educação e comunicação correta para chegar a quem precisa realmente usar, além da aceitação de quem vai aplicar o conhecimento”.

O professor do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Hamilton Humberto Ramos, lembrou que as estratégias são diferentes para cada região do Brasil, mesmo em culturas como o citrus. “Talvez uma forma de incentivo seja plantar talhões de variedades precoces, médias e tardias próximas uma da outra, para aumentar o período de floração e de alimentação dessas abelhas. Mas, qualquer que seja a estratégia - o Cristiano está mais do que certo quando diz que a abelha tem de encontrar um lugar agradável para ela ficar -, pois nem abelha, nem inseto e nem a gente fica muito tempo num lugar onde não é agradável. A tecnologia de aplicação tem de ser vista como uma ferramenta e não como uma única

“A tecnologia de aplicação tem de ser vista como uma ferramenta e não como uma única ferramenta. Ela precisa entrar num conceito de manejo integrado, ecológico.”

- Hamilton Humberto Ramos, professor do Instituto Agronômico de Campinas (IAC).

ferramenta. Ela precisa entrar num conceito de manejo integrado, ecológico”.

É comum no Brasil haver plantações de soja com cerca de cem mil hectares. Produções orgânicas dessa natureza não são simples de se alcançar, conforme Hamilton Ramos. Mas, quando se têm pequenas propriedades e os produtores estão mais próximos de sua cultura, possuindo métodos alternativos, se consegue levar abelhas para essas culturas. “É possível colocar duas caixas de abelhas por hectare e, mesmo assim, além de trazer abelhas, vamos incentivar a atrair as abelhas nativas”, disse ele. Para o pesquisador, é fundamental buscar meios

Outro aspecto chave apontado pelo painelista é fomentar os ambientes seminaturais e naturais revolucionados pelas abelhas nativas. Nesse sentido, estão as espécies que necessitam dessas abelhas e insetos em geral, para prover os recursos e alimentos que necessitam.

Para Garibaldi, somente haverá estabilidade da polinização quando os cultivos estiverem perto dos habitats naturais e seminaturais, mas é importante haver mais estudos a respeito. “A respeito dos benefícios, uma maior polinização, assim como a sua estabilidade depende das informações e dos estudos a respeito. Os estudos sobre o desenvolvimento da polinização e seus beneficios a longo prazo são poucos. Um exemplo é a plantação de mirtilo (blueberry), com uma vantagem econômica sobre a flower strip, que são perenes e levam tempo para florescer, desenvolver e estabelecer uma população de abelhas nativas. Com isso, a produção de uma e de outra leva quatro anos de comparação para saber qual das práticas vale a pena economicamente, ou seja, a longo prazo. E muitas vezes essas práticas se pagam por si”.

A mediadora Claudia Inês ressaltou que os obstáculos enfrentados pelo Brasil são comuns em toda parte do mundo. “Então, a gente já tem uma lista de possibilidades e de soluções para esses problemas. A gente precisa ter a ação para realmente colocar

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Após o tópico sobre técnicas e aplicação de defensivos agrícolas, o Diálogo 3 englobou o incentivo ao produtor para promover a atração e preservação de abelhas no campo, com relação às leis, como tema. Esse assunto foi abordado pelo presidente da Comissão Nacional do Meio Ambiente, da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rodrigo Justus de Brito. “Eu dividiria essa questão em dois aspectos. Uma delas é o manejo de paisagem, relacionado à conservação de vegetação nativa. A outra está mais ligada à segunda pergunta que é sobre o uso da área de produção dentro do imóvel rural”.

Conforme ele, o Brasil é um dos poucos países com uma legislação sobre a conservação da vegetação nativa. “Nós temos uma legislação florestal, o Código Florestal. Nele, o produtor tem obrigação de conservar as matas ciliares, as regiões de nascente, as áreas com morros e montanhas. O produtor também tem de manter a Reserva Legal, um percentual de sua propriedade, onde ele tem de ter os remanescentes de vegetação nativa. Aqui na região da Mata Atlântica 20% do imóvel precisa ficar ou deveria estar conservado”. Nessa área, segundo ele, há a diversidade, englobando os polinizadores silvestres, como abelhas, vespas, borboletas, pássaros. “Nós temos a legislação e instrumentos atuais georreferenciados, o cadastramento rural. A implementação dessa legislação está em andamento. Então, significa que os

produtores têm que fazer a sua adequação do seu imóvel rural, visando estar dentro da lei”, disse Rodrigo de Brito.

Seguir a lei, para o advogado e engenheiro agrônomo é a parte menos difícil. “Quando o poder público verificar que um imóvel rural está abaixo do mínimo que a lei determina, o produtor terá que fazer essas adequações e a restauração de vegetação nativa. O produtor tem que cumprir a legislação sobre defensivos agrícolas e do uso adequado dos produtos”.

a permitir a criação de um sistema dentro de um ambiente de produção, para elas encontrarem um ecossistema adequado. “Essa conjuntura de ações é que pode trazer resultado positivo, a conjunção entre agricultura, abelhas e o desenvolvimento de técnicas”, completou.

Conforme o especialista, existem técnicas que permitem usar favoravelmente os produtos químicos na agricultura. Ramos trabalha com treinamento de agricultores e técnicos há mais de 20 anos e usa esse dado para sustentar a sua afirmação sobre o agricultor não ser avesso a novas tecnologias. “Dizem que agricultor usa defensivos agrícolas demais. Mas eu pergunto: quem paga por eles? Quem é o principal prejudicado por comprar um produto e fazer aplicação sem necessidade. Se ele vai vender [o seu produto] a preço de mercado e conhece uma tecnologia que permite produzir mais barato, o lucro dele vai aumentar. Se ele está adequadamente convencido de que num investimento de quatro anos, vai ter o retorno e ver isso [favorável] financeiramente, não será contra a ganhar dinheiro. Pelo contrário, qualquer cultura tem que produzir até recurso, porque se ela não produzir recurso, o agricultor não sobrevive e não teremos agricultura”.

Segundo ele, as técnicas aplicadas de forma apropriada, garantindo boa tecnologia e resultando em benefícios, possivelmente não terão resistência por

parte do produtor e resulta em mais qualidade. “Isso como consequência é a boa agricultura. E a boa agricultura no meu ponto de vista cria uma condição ideal para que a gente incentive essa visitação e esse aumento de produção que a gente está vendo que traz a técnica”.

“Temos que nos preparar para investir na conservação dos remanescentes de vegetação, melhorar a performance no que se refere a recuperação de áreas degradadas e fazer o bom manejo da área de utilização de produção agropecuária.”

- Rodrigo Justus de Brito, presidente da Comissão Nacional do Meio Ambiente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

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Cristiano Menezes (Embrapa) – Para as culturas que precisam de abelhas sem ferrão é só plantar essas árvores que fazem oco ao redor [dos cultivos]. Hoje, as pessoas vão ter de recompor as áreas de reserva legal. Podemos escolher as árvores para plantar. Aqui na região [de Ribeirão Preto], por exemplo, eu sugeriria a sibipiruna e pequi, árvores que faz muito oco e abrigam as abelhas sem ferrão.

Outras abelhas, para o maracujá por exemplo, poderia plantar árvores que atraíssem os adultos para próximo do plantio de maracujá, fora do período de floração do maracujá, porque elas se alimentam de suas flores. Depois que acabam essas flores elas vão precisar de outras coisas. A mediadora Cláudia Inês Silva tem um livro ótimo com uma lista de espécies com período de florescimento. Assim, podem ser escolhidas para serem plantadas. Só com isso já aumentaria a quantidade das abelhas no [cultivo de] maracujá.

No caso de acerola, por exemplo, as abelhas gostam de buracos para fazer ninhos. Então, basta comprar uma

furadeira e furar troncos e pedaços de madeira ao redor da sua plantação. Vai encher dessas abelhas na plantação de acerola. Também é possível plantar na reserva legal plantas que essas abelhas gostam e que floresçam fora do período de florescimento da acerola. São práticas simples, muitas vezes baratas e resolvem o problema.

Rodrigo Brito (CNA) – A utilidade do receituário agronômico, conforme a legislação, é como se [a cultura] estivesse indo num médico, mas na dinâmica da atividade atual isso não funciona, porque se compra antecipado. O produtor precisa se programar para uma safra. Precisaria fazer uma reciclagem dos profissionais. Você pode ler cem receitas e não encontrar indicação relacionada e, mais, o produtor chega e diz – Eu quero o produto X. Ele diz o que quer. Essa cultura precisa modificar também nesse aspecto, então nós temos muito a fazer, mas é possível se toda a cadeia tiver dentro desse processo engajada nós vamos conseguir melhorar tudo isso.

ESPECIALISTAS SUGEREM BOAS PRÁTICAS

“A regularização dos imóveis rurais está acontecendo. Isso significa que teremos ganhos no que se refere à polinização. O que em outros países muitas vezes os produtores fazem, tendo em vista as vantagens que o produtor terá no seu imóvel em relação a sua produção.”, completa.

Embora exista a legislação regulatória sobre o registro e o uso dos produtos, falta informação aos produtores sobre a superdosagem e uso de produtos, que nem sempre estão recomendados para aquelas culturas”, ressaltou Rodrigo de Brito. Contudo, ele admite haver problemas dentro do setor agrícola, nessa ordem. “Nós precisamos resolver todas essas questões. Temos que nos preparar para investir na conservação dos remanescentes de vegetação, melhorar a performance no que se refere a recuperação de áreas degradadas e

fazer o bom manejo da área de utilização de produção agropecuária”.

Mesmo diante de problemas complexos, Rodrigo de Brito acredita na possibilidade de conjugar a legislação brasileira com as boas práticas. “Nós poderemos evitar problemas relacionados a essa deficiência de polinização, vamos ter o remanescente de vegetação nativa, onde temos, vamos dizer assim, os habitats das abelhas e o produtor fazendo a coisa correta.”, finalizou.

Falar sobre incentivos e benefícios no setor de agronegócio é, automaticamente, tratar também de boas práticas de sistema agrícola. Com isso a mediadora Claudia Inês pede aos especialistas para darem sugestões a serem possivelmente adotadas. “Como você resumiria as boas práticas no sistema agrícola?”, perguntou.

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É essencial também o manejo integrado de pragas. Não adianta um produtor cumprir as boas práticas indicadas, se o seu vizinho desrespeita as regras, eventualmente, e não cumpre normas relativas a restos de cultura, vazio sanitário. Ou seja, vira um criatório de pragas e doenças nos imóveis limítrofes. Então, nós precisamos de um programa de educação diretamente vinculado à assistência técnica e extensão rural, além de reciclar os profissionais.

Hamilton Ramos (IAC) – A gente vai tentar implementar boas práticas a partir do momento em que os processos de treinamento, existentes no Brasil hoje, deixarem de ser avaliados por número de pessoas treinadas, mas em quão eficientes eles são para mudar a atitude dos produtores. Nós temos empresas trabalhando, até que não são tantas, porque um dado que nós temos no Centro do

Engenharia do IAC apresenta dois milhões de trabalhadores para serem treinados e todos os sistemas de treinamentos em boas práticas no Brasil hoje atendem no máximo umas cem mil pessoas. Ou seja, nessa toada nós vamos levar 20 anos para treinar os trabalhadores dentro e fora do mercado.

Nós precisamos implementar a nossa capacidade de treinamento e melhorar a sua qualidade, fazendo com que ele efetivamente faça com que o agricultor mude atitudes. Nós só vamos conseguir isso, se o aplicador de defensivo passar a ser uma profissão, eu sou um defensor [dessa mudança] há muitos anos. Ele trabalha com produto perigoso para ele, o cliente e consumidor. Então, ele tinha que ter uma habilitação específica para fazer essa operação. Ele tem que saber reconhecer os riscos envolvidos naquela operação não só para ele, mas para as pessoas no entorno e no ambiente entorno também.

Neste sentido, Hamilton contou um pouco de um projeto com os apoios do Sindiveg e da Andef. Em maio de 2016, foi lançada a Unidade de Referência em Tecnologia e Segurança na Aplicação de Agrotóxicos. (www.unidadedereferencia.com.br) O objetivo é desenvolver treinamentos para agentes multiplicadores – extensionistas, professores universitários, para todos aqueles que vão levar a necessária

informação sobre a polinização [para os envolvidos nesse processo]. O máximo que um agrônomo aprende hoje na universidade é como fazer um pulverizador jogar duzentos litros [de defensivos agrícolas] por hectare. Isso é um absurdo. É um absurdo também falar que isso é tecnologia de aplicação.

Então, para que as boas práticas cheguem ao campo, os treinamentos desenvolvidos devem visar a mudança de atitude dos agricultores. Fazer com que eles entendam que aquela atividade dele está envolvida num ambiente maior e quais as consequências que uma ação errada pode trazer, não só a ele como ao ambiente. Por outro lado mostrar qual o lucro que uma atividade feita de forma adequada pode trazer ao sistema produtivo? É aí que eu vejo a grande mudança.

Lucas Garibaldi (Universidad Nacional de Rio Negro) – É muito importante saber sobre os detalhes de cada boa prática para também pensar na homogeneidade. É importante eleger espécies nativas, diversidades de espécies, de local, de nível de paisagem e de habitat, além de estabelecer oportunidades que garantam custo baixo e benefícios altos. Portanto, precisamos identificar essas oportunidades e desenvolver locais para aplicar essas práticas. Creio também que deve haver uma forte relação entre a indústria e produtores, com pesquisas para não cometer erros. Por exemplo, se uma pessoa diz que vai restaurar um lugar e aparecem ervas daninhas em curto prazo, ela pode desistir em pouco tempo. São plantas que o produtor não gosta. Isso pode trazer uma imagem negativa. Por isso, deve haver um bom estudo para não desanimar o produtor com essas práticas.

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QUESTÕES DA PLATEIAORGANIZADAS PELO MEDIADOR

As perguntas foram entregues pelos participantes à organização do evento. Enquanto acontecia o Diálogo, a equipe responsável realizou o trabalho de compilação e as entregou à mediadora Claudia Inês da Silva. A primeira questão dessa segunda parte do Diálogo 3 foi dirigida a todos os painelistas.

Claudia Inês: Como vocês pesquisadores avaliam a introdução de espécies exóticas, largamente comercializadas na Europa

e nos Estados Unidos, para aumentar a polinização? E atualmente a nossa legislação impede essa prática comercial por causar possíveis impactos ambientais, esse impacto existe e em qual grau? Existe estudo sobre impacto ambiental?

Breno de Freitas: As boas práticas são boas práticas. Se elas funcionam para aquele cultivo e dentro daquela realidade, ou seja, a gente tem uma lista de possíveis boas práticas, mas que não

necessariamente vai ajudar naquela área, se não beneficiar aquela cultura ou aquele polinizador. Eu vou dar um exemplo. Em melão e em melancia, as abelhas Apis vão para a cultura muito cedo, a partir das 5 horas da manhã, até 7, um pico até 10 horas e depois já começa a cair. À tarde tem bem pouco. Já na maçã, elas já vão nas horas mais quentes do dia. Então, por exemplo, um horário de pulverização pode ser diferenciado, quero dizer que precisa adotar prática certa para aquele horário ou para aquela abelha ou para aquela situação que você está vivendo. A mesma coisa acontece no maracujá ao lado de melancia. Aconteceu conosco, as Apis saíam e ao invés de virem na melancia iam ao maracujá do vizinho e roubava o pólen todo, aí o sujeito falou: – Olha, ou vocês dão um jeito ou eu vou jogar inseticida e vou matar as suas abelhas tudinho. Aí o produtor chegou desesperado pra gente, mas o maracujá abre a partir do meio-dia. O que a gente passou a fazer? Colocar a entrada inversa, de modo que as abelhas pela manhã ficassem liberadas. Elas iam para a melancia e a partir das 10 horas a gente colocava o invertido lá e elas entravam e não podiam mais sair. À tarde elas não saiam para o campo. Isso resolvia o problema, porque elas polinizavam a melancia de manhã e à tarde não estavam no campo para pegar o maracujá. Então, isso é boa prática, é o manejo, mas que está dentro de uma prática que pode ser feita junto com todas essas outras que

existem, a gente tem que pensar nisso.

Quanto às espécies exóticas, eu e a grande maioria das pessoas que trabalha com polinização temos um consenso. Somos completamente contra essa introdução de espécies exóticas, porque isso já está mostrado não só na polinização, mas em todas as diversas áreas que as espécies exóticas quando são introduzidas de uma maneira geral causam mais problemas do que benefícios e é muito difícil, depois de introduzidas, controlar essas espécies. Na apicultura mesmo, nós vemos o exemplo do varroa que é uma praga mundial e ninguém consegue controlar e até hoje causa prejuízos enormes. Nós temos o próprio impacto da Apis mellifera quando foi introduzida no Brasil. Hoje ela é muito boa para apicultura. Mas, ainda tem uma grande discussão sobre os impactos que ela causa em determinadas espécies de

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abelhas com as quais ela compete em determinadas plantas. Recentemente, o Lucas pode falar melhor do que eu, introduziram o Bombus terrestris no Chile, que escapou e entrou na Argentina e hoje está transmitindo doenças para as abelhas nativas, ameaçando o Bombus dalbomii, uma espécie endêmica da região da Patagônia na Argentina. Exemplos existem inúmeros e no Brasil nós não precisamos disso, nós temos uma fauna de abelhas riquíssima, o Cristiano mostrou, por exemplo, 240 espécies de abelhas sem ferrão. – ah eu crio em estufa em ambiente protegido. Nós temos a opção

de botar uma abelha que não ferroa, por exemplo, está certo? Nós temos os nossos bombus que podemos tentar trabalhar aqui, são agressivos? São, mas a Apis mellifera também era agressiva, era a abelha assassina, todo mundo falava, hoje a gente não domina, não trabalha com ela? Então, o que a gente tem que fazer é usar essa nossa rica fauna e trabalhar com ela ao invés de ficar copiando modelos desenvolvidos para outra realidade totalmente diferente. Eu acho que isso daí não tem nem o que discutir, exemplos de impactos negativos têm muitos ao redor do mundo e inclusive na América do Sul e no Brasil e nós temos os nossos recursos. Se a gente não tivesse abelha aqui para trabalhar, mas nós temos.

Claudia Inês: Quais impactos são causados pelas Apis quando no mesmo ambiente das abelhas nativas?

Lucas Garibaldi: Esse é um dos grandes temas em discussão hoje em dia. Nossos trabalhos focaram desde a polinização e não há impactos negativos quando o cultivo está em flora. Ao contrário é melhor ter abelha melífera, silvestres e nativas, porque justamente quando o cultivo está florescendo sobram flores e faltam polinizadores e, por isso, há um déficit de polinização e essas abelhas nativas e melíferas se complementam.

Esse trabalho tem serventia. O problema é quando o cultivo não está em floração e nos grandes monocultivos há poucos recursos, variedades. Ali poderia haver competência da Apis mellifera e dos insetos nativos. Essa é uma questão muito debatida e mundialmente estão começando experimentos, não havendo até agora uma conclusão dos prós e contras desse tipo de prática. O que mais importa é o manejo do apicultor, porque muitos apicultores vão se guiando pelas florações. Essas práticas amigáveis são tão boas para a Apis mellifera como para os insetos nativos. E os apicultores ao invés de promover a variedade de flores, retiram as abelhas melíferas. Isso não é nada bom para os polinizadores e práticas amigáveis entre eles. Mas, a ciência não é clara quanto a isso. Faltam ainda experimentos nesse assunto.

Claudia Inês: Como lidar com a questão entre o vendedor de defensivos agrícolas que ganha comissão de vendas e pode incentivar a compra por agricultores?

Hamilton Ramos: Corta a comissão. Na realidade toda grande modificação não começa de cima para baixo, ela começa de baixo para cima. Se nós começarmos a levar informação para o agricultor, ele vai começar a exigir desse vendedor e esse vendedor se não estiver qualificação

o suficiente vai ficar mais difícil para ele levar um produto errado para o produtor. Nós temos que investir na base, a base é o produtor, ele é quem compra. Se ele definir que não vai comprar, a margem do vendedor vai ser prejudicada. O produtor entende quais são os padrões de qualidade que deve avaliar para saber se um produto é bom ou ruim, mas, muitas vezes, pode faltar a base. Ele pode ser um excelente produtor, mas o nosso grande problema de treinamento hoje no Brasil é que o principal treinador dos nossos agricultores são leigos, são outros agricultores ou membros da família. Esses produtores via de regra nunca passaram por um treinamento para exercer aquela profissão de agricultor e de aplicador, então quando não se tem esse conhecimento, aquilo que você aprendeu é certo. Até que alguém não traga uma informação diferente você está fazendo certo, então o que nós precisamos é mostrar para o agricultor onde estão os problemas e como corrigir.

Outro fato que a gente já notou e é errado, é a grande maioria dos programas de treinamento [apontar] para o agricultor:

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– Isso aqui está errado, isso aqui está errado, isso aqui está errado. Não é o errado o fator de mudança é o certo. Se você chegar no agricultor e falar que está tudo errado, a chance de mudar vai ser muito pequena porque ele vai falar – não, mas eu produzi assim a vida inteira como que eu posso estar errado? Agora se você falar assim para ele: – Olha, 80% disso que você faz está certo, mas você precisa mudar esses 20% para ficar perfeito. O estímulo para corrigir aqueles 20% é maior. Então, a ação tem que ser no produtor, tem que ser levada informação de qualidade e não é qualquer informação.

Hamilton Ramos: Acho que o grande passo está em investir no agricultor, aí nós mudamos a cadeia.

Claudia Inês: Nas políticas públicas voltadas à recuperação de áreas, restauração e construção de corredores ecológicos não são indicadas espécies de interesse apícola, existem fornecedores de mudas e sementes, existe conhecimento suficiente?

Rodrigo de Brito: Na verdade, o objetivo da legislação florestal não está direcionado para a apicultura. O que se pretende é a recuperação dos remanescentes nativos, mas que se podem introduzir outras espécies. A legislação permite que haja o consórcio de espécies nativas com espécies não nativas, não necessariamente exóticas, mas aquelas espécies que existem no bioma, não necessariamente na região. Então, só que essas recomendações técnicas reproduzidas pelo órgão ambiental não têm a princípio essa preocupação, mas sim de recuperar parte da propriedade, onde não vai ter uso alternativo do solo. Eu penso que isso pode ser revisado, através de recomendações aos órgãos para que eles autorizem a utilização dessas espécies também, desde que não ocorra aquilo que foi falado em relação às espécies exóticas, que têm poder, muitas vezes, de multiplicação e se transformar em espécies invasoras. Nós temos as ruderais que estão espalhadas e, na sequência, aquelas invasoras de difícil erradicação que vão trazer mais problemas do que soluções. É possível fazer uma adequação disso nos programas de regularização ambiental.

Claudia Inês: Um ponto muito importante nessa questão de recuperação de áreas degradadas é que muitos dos profissionais que atuam nessa área não são formados e não têm competência na aplicação [devido] um conhecimento não adquirido. A gente está falando em biodiversidade, a gente sabe que a diversidade é que vai garantir também uma boa produtividade ou a manutenção de diversidade de polinizadores etc. Hoje, para ter ideia, no cerrado de 80 a 85% das plantas dependem das abelhas para a polinização. Em floresta tropical é 50%. Se a gente não conhecer quais são as plantas importantes na manutenção dos polinizadores, não somente abelhas, mas de outros agentes,

isso fica um buraco. [Alguém] vai restaurar uma área, mas não vai atender a demanda daquele tipo de vegetação sociável, então isso é um problema gravíssimo.

Rodrigo de Brito – Na realidade, os profissionais que elaboram esses projetos sentem que são de sucesso, porque o órgão ambiental aprovou. E como tudo que dá certo se copia, existe uma replicação desse tipo de projeto. É preciso mudar essa cultura e essa questão relacionada à polinização passe a ser também preocupação do órgão ambiental e que ele nas exigências básicas desses programas de regularização ambiental também incorporem esse assunto.

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Bandeira 1

Estimam-se cerca de 350 mil apicultores no Brasil, mas nem todos dominam a prática polinizadora. Esse dado enfatiza a necessidade de haver o incentivo da presença da abelha na cultura agrícola, por meio das informações sobre a relevância do seu papel na produção para diferentes tipos de cultivo.

É essencial capacitar todos os profissionais do campo, assim como disseminar as informações corretas, a fim de promover o uso correto dos defensivos agrícolas e boas práticas para garantir a visitação de diversas espécies de abelhas nas diferenciadas culturas.

Atualmente, já é possível verificar os avanços nesse sentido, como um debate mais amplo sobre a polinização e paisagem agrícola de forma a caminhar para pontos comuns em relação à necessidade de se criar um ambiente propício aos polinizadores.

Especialistas concordam com a necessidade de se reduzir a fonte de mortalidade direta por defensivos agrícolas, adotando práticas dentro e fora do cultivo.

É importante ter benefícios claros e bem estabelecidos para estimular o produtor a um processo de reflexão e conscientização, sobre o correto uso de defensivo agrícola estar associado à atração e manutenção de polinizadores nas plantações.

Boas práticas amigáveis podem contribuir para mais abelhas nos cultivos, mais benefícios aos produtores e mais lucro, com o aumento da produção.

Recuperar as áreas degradadas é fator primordial, que envolve não somente a garantia de atrair e manter espécies polinizadoras no campo, como também preservar e respeitar a biodiversidade brasileira. Haverá estabilidade da polinização quando os cultivos estiverem perto dos habitats naturais e seminaturais, mas é importante desenvolver mais estudos na área.

É preciso quantificar e equilibrar os benefícios privados, públicos e interesses sociais, no que diz respeito às práticas aplicadas no campo, visando à polinização, a paisagem agrícola e a biodiversidade.

A tecnologia de aplicação de defensivos agrícolas tem de ser vista como uma ferramenta e não como uma única ferramenta. Ela precisa fazer parte de um conceito de manejo integrado, ecológico.

O Código Florestal estabelece a obrigatoriedade de conservação das matas ciliares e reservas legais, com base nisso, é fundamental alcançar essas determinações.

Os imóveis rurais estão passando por regularização. Essa situação deverá significar ganhos no processo de polinização.

Ainda há uma confusão na discussão e uma mistura nos argumentos entre a polinização na biodiversidade e a polinização agrícola.

TÓPICOS PRINCIPAIS DO DIÁLOGO 3

DIÁLOGO 4

BOAS PRÁTICAS:RELAÇÃO MAIS PRODUTIVA AGRICULTURA E APICULTURA

RELAÇÃO PRODUTIVA.RELAÇÃO GANHA-GANHA.COMUNICAÇÃO.

APIÁRIO. ONDE?GANHOS? RISCOS?RESPEITO MÚTUO.REGULARIZAR A RELAÇÃO.

O QUE CABE AO AGRICULTOR?O QUE CABE AO APICULTOR?DIÁLOGO. TROCA.POSSIBILIDADES REAIS DA INTEGRAÇÃO?

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DIÁLOGO 4O penúltimo Diálogo da série de debates sobre temas envolvendo os defensivos agrícolas, agricultura, apicultura e abelhas girou em torno de discussões e proposta sobre haver mais educação, comunicação e investimento na relação entre os produtores agrícolas e os apicultores brasileiros. Os especialistas demonstraram-se preocupados com os desafios e buscaram apontar possíveis soluções, a fim de contribuírem com um cenário mais favorável entre esses importantes setores, ressaltando a importância econômica, ambiental e social das respectivas áreas. O professor da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (Unesp) ,campus Rio Claro, Osmar Malaspina, foi convidado a mediar o Diálogo 4, intitulado “Boas Práticas – Relação Mais Produtiva Agricultura e Apicultura”. O debate envolveu o professor da Universidade de São Paulo (Usp), campus Ribeirão Preto, David De Jong, o representante da Fibria Celulose, Israel Batista Gabriel, o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho de Bento Gonçalves, Marcos Botton, e o presidente da Câmara Setorial Federal do Mel e Produtos das Abelhas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e vice-presidente da Confederação Brasileira de Apicultura (CBA), Nésio Fernandes de Medeiros. Conjuntamente, esses painelistas estiveram dispostos a dialogarem sobre as questões:

1) É sempre possível ter uma relação ganha-ganha na relação agricultores-apicultores?

2) Quais as práticas e responsabilidades de apicultores e agricultores na construção da relação mais produtiva?

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O professor Osmar Malaspina, antes de iniciar o debate, lembrou aos presentes a primeira vez em que palestrou sobre mortandade de abelhas. “Fui convidado há cerca de sete anos pela Andef [Associação Nacional de Defesa Vegetal]”. Na época, os agentes envolvidos no tema não costumavam abordar o assunto e nem conversar amigavelmente entre eles. “O primeiro encontro do Workshop não teve, vamos dizer assim, um diálogo. Hoje, eu considero um diálogo”. Conforme ele, na versão inicial do evento, as partes convidadas a exporem suas opiniões e realidades, abarcando a agricultura, apicultura e as abelhas na biodiversidade, estavam distantes umas das outras. “Eu senti muito naquele momento, mas hoje, me sinto muito feliz pelo grande avanço que nós tivemos e por conseguir reunir toda a cadeia produtiva”.

Malaspina reconhece a necessidade de obter novos avanços, mas considera que o setor tem evoluído na direção de consolidar as conversas, a fim de atingir interesses comuns. Ele também ressaltou a iniciativa de pesquisa de Mapeamento de Abelhas Participativo (MAP) do Colmeia Viva. “Com a pesquisa, a gente consegue dar algum tipo de resposta para as pessoas que nos procuram, como por exemplo, se estão no caminho certo ou não, o que antes, sozinho, eu não tinha condições de fazer”.

“Se o cultivo é beneficiado pela abelha é preciso fazer o agricultor entender [as vantagens]. Alguns cultivos são óbvios e outros nem tanto.”

- David De Jong, professor da USP - Ribeirão Preto.

Com o intuito de contribuir com um entendimento mais produtivo entre os setores do agronegócio, o professor David De Jong, da Universidade de São Paulo (Usp-Ribeirão Preto), falou de suas experiências na América do Norte, região de sua origem. “Esse convívio depende muito do interesse de cada um. Nos Estados Unidos, por exemplo, o cultivo que mais usa abelhas é o da amêndoa. Eles produzem amêndoas, na Califórnia. A florada é em fevereiro e são usadas em torno de dois milhões de colmeias da Apis mellifera. No país inteiro têm cerca de 2,5 milhões, quer dizer, praticamente toda colmeia que dá para desgrudar do chão e levar para um vale na Califórnia eles levam”.

O apicultor, segundo o especialista, desloca suas colmeias para as plantações, porque os agricultores norte-americanos pagam, em média, entre 180 e 200 dólares por cada uma delas, para permanecerem nas culturas por aproximadamente um mês. “Esse produtor de amêndoa toma todo o cuidado porque ele está pagando por hectare uns 900 dólares para a polinização. Não é pouco dinheiro, então ele não quer obviamente matar as abelhas. Quando eu saí dos Estados Unidos, em 1980, 75%, 80% da renda do apicultor era o mel, agora 70% correspondem à polinização”, enfatizou o pesquisador, que vive no Brasil há mais de 20 anos. “Quem planta amêndoa precisa das abelhas, porque sem elas não produz o suficiente para competir no mercado ou tem retorno de investimento. Estou falando de

um cultivo específico que precisa muito de abelha”, falou David De Jong.

Conforme ele, o estado da Califórnia sofre com a falta de água, principalmente, onde estão localizadas as plantações de amêndoas e pistache, as quais precisam de abelhas. “Mas outros cultivos que precisam também [de abelhas], como o citrus, por exemplo, está no deserto e só funcionam porque tem irrigação. A água vem de outra região do Estado. Não tem como manter abelhas nativas lá se não tiver outras [espécies]. Nem a Apis sobrevive [naquela região] se não tiver alimento [para ela]. Então na Costa Leste, onde se pode ter as espécies nativas interagindo tem um projeto, focando polinizar vários cultivos. Eles estão experimentando. O aspecto de interação aparentemente demonstra maior produtividade quando se tem duas espécies”.

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O especialista em patologia e nutrição de abelhas aponta a união dos agricultores daquela região, tendo como objetivo proteger e preservar as abelhas. Nas observações do pesquisador, existem culturas não visitadas por abelha, como o milho, polinizado por vento, porém com abelhas ao redor interessadas no seu pólen. Nos Estados Unidos, há uma exigência legal no país com relação ao meio ambiente, objetivando a redução desse impacto sobre elas. Com isso, os agricultores procuram ter culturas livres da necessidade desses produtos ou, ainda, investir em alternativas para mitigar ou dirimir riscos. “Se o cultivo é beneficiado pela abelha é preciso fazer o agricultor

entender [suas vantagens]. Alguns cultivos são óbvios e outros nem tanto”.

David De Jong falou também de sua bagagem norte-americana no setor de algodão. “Metade dos defensivos agrícolas usados nos Estados Unidos hoje está no algodão. Mas, por outro lado, se conseguir manter o algodão com manejo integrado usará pouco defensivo”. Ele acredita no bom relacionamento entre abelha, mel e algodão, pois já conviveu com um fazendeiro que uniu esses três itens em nome da produtividade e biodiversidade, alcançando significativo êxito. “Eu conheci um grande produtor de algodão que era um grande apicultor também. Ele produzia muito algodão e tinha muito mel, vindo das abelhas que visitavam o seu cultivo. Ele percebeu - existem dados sobre isso - que quando o algodão é bem polinizado, a produção aumenta”.

Para o professor, a questão a ser solucionada passa pela motivação para dispor de meios técnicos, capazes de permitir ter abelhas saudáveis polinizando o algodão, ou seja, promover um ambiente seguro para elas. “Nem sempre é fácil, mas dá para fazer, porque eu vi isso na prática. Sabemos que para alguns cultivos a abelha é importante, mas na verdade o produtor não se convenceu disso ou talvez ele dependa

de variedade etc. Temos de juntar esses dados, investigar e fazer essa informação chegar ao produtor de modo que a gente tenha um convívio mais saudável [com as abelhas]”. E para as áreas agrícolas, onde o polinizador aparentemente não seja importante, os esforços devem ser focados em conscientizar os envolvidos sobre os impactos ambientais, a biodiversidade e a necessidade do inseto para as outras plantações, na opinião de De Jong. Ainda em seu trabalho com abelhas, De Jong exerce o papel de consultor das Organizações Internacionais, incluindo a

FAO (em tradução livre para o português, Organização da Agricultura das Nações Unidas). Com base em suas experiências, nos Estados Unidos, Canadá e outros países, com boa tecnologia de aplicação, o produtor, às vezes, esquece ou não conhece os benefícios dos polinizadores. “No Canadá, eu tive um convívio na produção de maçã. Fizemos as primeiras pesquisas, demonstrando a importância da abelha para aquele tipo de plantação e encontrei uma situação perfeita para pesquisa, mas muito ruim para a agricultura”.

De Jong narrou ter presenciado certo produtor canadense cultivando maçãs, o qual colaborou muito para seus estudos. “Ele tinha 108 árvores, distribuídas em 12 por fileira de apenas uma variedade e não polinizava, porque nessa cultura precisa intercalar variedade para ter polinização”. A circunstância foi perfeita para a pesquisa. “A gente conseguiu ver o comportamento, a gente não iria ver isso em outros lugares. Nós começamos a cortar galhos das variedades dos polinizadores e deu para mostrar, [colocando os galhos na água, o que promoveu a] flor.”, finalizou ele, também doutor em entomologia, com especialização em estudos dedicados às abelhas, demonstrando a possiblidade de benefício mútuo entre economia agrícola e biodiversidade.

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O analista de sustentabilidade da Fibria Celulose, Israel Batista Gabriel, não tem dúvida sobre a possibilidade de estabelecer uma relação de ganha-ganha entre agricultores e apicultores. A empresa de base florestal possui um milhão de hectares de floresta distribuído em seis estados brasileiros. “Naturalmente, tem uma demanda muito grande de apicultores para utilizar essa área como pasto apícola, porque a gente sabe do potencial da floração do eucalipto”. Com isso, ele explica que, para o apicultor, o benefício é explorar esses territórios de produção de mel. Já no caso da empresa, as benfeitorias estão em ter apicultores treinados em combate ao fogo, primeiros socorros e uma série de metodologias e procedimentos aplicados nessa extensão florestal. “Ao longo desses dez, 12 anos, nós nunca tivemos um problema de incêndio florestal, causado por apicultor.

Ou seja, funcionou a nossa estratégia de oferecer treinamentos intensivos e adotar medidas amigáveis”.

No primeiro momento, há mais de uma década, esse tipo de integração era impensável. Conforme Gabriel, permitir a apicultura na floresta de eucalipto significava levar o fogo – o maior risco do negócio florestal – para dentro dessa atividade. A plantação de eucalipto é conhecida por ser muito densa e com bastante biomassa, portanto, além de ser incendiária permite que as chamas se alastrem rapidamente.

Somada a essa realidade, o negócio vivia em conflito com a apicultura, porque era muito comum a empresa fazer uma operação florestal e encontrar colmeias entre as árvores de eucalipto. “Ninguém

“O mais forte realmente é a comunicação. A gente preza muito pela comunicação entre as partes – apicultor e empresa – para prevenir incidentes.”

- Israel Batista Gabriel, representante da Fibria Celulose.

sabia de quem era aquele apiário. Aquilo trazia um transtorno muito grande para a empresa. Tínhamos de parar toda a operação e tentar identificar o apicultor. Geralmente, ele não aparecia, pois como não tinha autorização e temia alguma represália, preferindo perder a colmeia a se apresentar”.

Outra situação problemática era o ataque por enxame a funcionários. Diante dessa conjuntura, a empresa providenciava a remoção dos apiários, no entanto, depois de algum tempo, eles eram reinstalados em locais diferentes dos anteriores. “Com todos esses problemas, a gente via uma demanda para tentar regularizar essa situação e ao mesmo tempo a gente tinha uma necessidade muito grande de relacionamento, atrelada à licença social para operar”, revelou Gabriel. Contudo, havia a demanda de construir uma relação com os moradores locais, com vistas a gerar oportunidades para a aproximação e transformação dos conflitos em benefícios para ambas as partes.

No entanto, os obstáculos foram vencidos e o resultado, na opinião de Gabriel, foi satisfatório, nascendo um projeto de geração de trabalho e renda. “Num primeiro momento do programa, a relação ganha-ganha era o apicultor realmente produzir mel e gerar renda com aquela produção, enquanto para a empresa era criar trabalho e contribuir com o desenvolvimento da região”. Com o passar do tempo, o projeto cresceu

e propiciou novos vínculos, possibilitando expandir a relação ganha-ganha, até então despercebida. “Nesse um milhão de hectares de florestas, nós temos 800 apicultores participando desse programa de 29 associações. Cada um deles atua como se fosse vigilante patrimonial dentro das nossas áreas”.

De acordo com o profissional em sustentabilidade, a Fibria Celulose está realizando um trabalho de mensuração para verificar as ocorrências ligadas a incêndios florestais, feitas por apicultores por meio do 0800. “Temos conseguido mensurar e começado a valorar quanto a empresa desembolsaria para pagar uma vigilância patrimonial para percorrer toda essa área que hoje os apicultores estão rodando. Quando a gente começa a colocar no

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lápis e mostra [os ganhos] para a diretoria é percebido o benefício”, explicou Gabriel.

Segundo ele, 2015 foi um ano muito atípico para a área florestal, quando ocorreram muitos casos de enxameação natural. Todas as vezes em que o fenômeno ocorre as operações são suspensas. “O pessoal da segurança isola a área, mas mesmo assim, tivemos casos de incidentes com picadas de abelha. Em um deles, o colaborador era alérgico”. E para a surpresa das lideranças da empresa, a solução desse problema partiu justamente dos apicultores. “Nós não sabíamos que eles poderiam fazer um controle de enxameação, através de caixas de capturas, caixas iscas. Então, foi feito um projeto paralelo com esses apicultores em toda a área operacional, ou seja, com movimentação de pessoas, equipamentos,

viveiro, produção de mudas, instalações e uma série de caixas iscas. Já com certa metodologia, estamos preparados para capturar enxames, que eventualmente, passe por um local”.

Essa ação dos apicultores resultou na redução de quase 100% de casos de incidentes com abelhas, provocados por enxameação, de acordo com o painelista. “Colaboradores deixaram de ser picados e isso é importante, já que em pessoas alérgicas [esse incidente] pode ser fatal. Sem dúvida nenhuma hoje temos uma relação de ganha-ganha muito grande dos dois lados. A operação florestal é totalmente integrada ao manejo da apicultura, de maneira que uma atividade acontece independente da outra, sem causar nenhum prejuízo ou transtorno para os envolvidos”, relatou Gabriel.

A floresta de eucalipto tem um ciclo de vida de sete anos, desde a muda até a colheita e 80% de seu manejo ocorrem nos dois primeiros anos. Os 20% restantes acontecem nos cinco anos seguintes, de forma gradual. Nas plantações de eucalipto, embora, não na mesma escala da cultura agrícola, há também a aplicação de defensivos agrícolas. No entanto, a Fibria não registrou nenhum acontecimento de perda de colônia em decorrência de produtos químicos. “Nunca houve nenhum caso, porque temos uma metodologia muito voltada para o diálogo. Se a comunicação falha entre uma das partes vai ter alguma consequência lá na frente, então a gente previne isso através de um plano de comunicação entre apicultor e operação da empresa muito forte”, contou Gabriel. Sendo assim, todo espaço com apiário passa por uma varredura georreferenciada, pelo sistema de GPS, antes e depois da instalação de colmeias.

Atualmente há muitos apicultores espalhados pelas áreas florestais da Fibria.

Devido à grande quantidade, eles estão ficando, às vezes, bem próximos das áreas, onde terão aplicação de algum defensivo agrícola. Mas como há um planejamento focado em precaver ação nociva contra as abelhas, o setor responsável gera informação sobre o fato, a qual chega rapidamente aos apicultores. Havendo a necessidade, eles retiram as colônias do ponto que sofrerá a interferência do produto até finalizar o período de carência da aplicação, prevenindo, dessa forma qualquer risco. “Se não é possível retirar aquele apiário, porque está num período de produção e, por isso, vai causar impacto negativo, a gente aciona a assistência técnica que trabalha junto com o apicultor. A equipe orienta como proteger as colmeias e minimizar possíveis danos”. De acordo com Gabriel, a empresa desenvolveu ao longo de dez anos diversas práticas, visando resguardar as colmeias. “O mais forte realmente é a comunicação. A gente preza muito pela comunicação entre o apicultor e a empresa”.

A floresta de eucalipto tem um ciclo de vida de sete anos, desde a muda até a colheita e 80% de seu manejo ocorrem nos dois primeiros anos. Os 20% restantes acontecem nos cinco anos seguintes, de forma gradual. Nas plantações de eucalipto, embora, não na mesma escala da cultura agrícola, há também a aplicação de defensivos agrícolas. No entanto, a Fibria não registrou nenhum acontecimento de perda de colônia em decorrência de produtos químicos.

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O pesquisador Marcos Botton também acha fundamental haver muito diálogo para aprofundar a relação entre apicultura e agricultura. Ele trabalha na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa–Uva e Vinho de Bento Gonçalves), área de manejo de pragas na fruticultura e lembra que, no começo de suas atividades na companhia, enxergou a abelha como uma praga por conta do ataque aos trabalhadores do campo. “Eu não sei se o professor Malaspina se lembra, mas eu fiz contato com ele numa época e perguntei como fazia para controlar [a presença de] abelha em uva. Ele respondeu: - Aqui, em São Paulo, o problema é para quem vende garapa de cana [de-açúcar] na cidade, porque as abelhas também atacam. Então, eu diria, o primeiro ponto chave é enxergar uma abelha também como praga, porque muitas vezes o produtor contrata mão de obra para a colheita e podem existir pessoas alérgicas a picada de abelha”. Segundo o pesquisador esse tipo de acidente é considerado uma importante causa trabalhista para o produtor, sendo

um ponto merecedor de atenção dos agentes envolvidos. “Quando se está numa floração, se consegue ver um tripes causando dano ou um visitante floral que tanto pode ser um polinizador como não, mas acho que começar essa discussão é interessante”.

Porém, mesmo reconhecendo problemas nessa interação, Botton acredita no êxito do relacionamento entre apiários e paisagem agrícola, indo ao encontro das opiniões de Israel Gabriel (Fibria), porém utiliza o cultivo de frutos como exemplo. “Pensar no agricultor e apicultor é pensar no ganha-ganha, não vejo outro caminho. Nós somos felizes em ter o setor da maçã como um dos modelos, mas não é o único. A gente tem o setor do melão também que tem uma relação muito interessante”. O pesquisador ainda percebe novas possibilidades. “Hoje, boa parte da produção de frutas e hortaliças está indo para cultivo protegido em estufas. Então, a gente está vendo um espaço bem interessante para as abelhas sem ferrão, sendo trabalhadas também nesse contexto”.

Para isso, o pesquisador argumenta a relevância de haver a conscientização do produtor sobre o polinizador ser fundamental para o seu negócio. “Em algumas culturas isso já está muito claro, mas têm muitas culturas que isso não está claro ainda, até porque a academia não gerou dados. Sabemos que a videira é autopolinizável, mas se tiver um serviço de polinizador lá será que não pode ter algum ganho de qualidade? Somente para gente pensar. Dados recentes da soja, que todo mundo falava que não era importante a polinização, mostra o aumento de produção, muitas vezes, além de mais qualidade de frutos”.

Como entomologista, Botton alerta para o fato de muitas vezes o setor estar preso aos 5% de uma dada perda de produção, devido às chamadas pragas, ao invés do aumento de certos 25 a 30% em produtividade, por conta de algum tipo de manejo envolvendo polinizadores. Nessa matemática o ganho é de 20 a 25%. “Isso nós temos que discutir inclusive nas faculdades de agronomia, quer dizer, o que eu estou ganhando e o que eu

estou perdendo em determinada estratégia de manejo. Às vezes se pode acabar eliminando um grande agente que aumenta a produção. O que é mais importante numa cultura: a polinização ou as perdas causadas por pragas?”

Na concepção de Botton, os polinizadores têm um valor e um serviço muito maior além de produtores de mel e o agronegócio não está conseguindo mensurar esse ganho. “Ouvi recentemente um termo chamado agrointeligência e eu gostei, é agricultura com inteligência. Eu acho que podíamos lançar a polinteligência, a polinização com inteligência. Quando se fala em tecnologia de aplicação se fala de avião, de pulverização, mas nós temos outros métodos, como drains, aplicação de tronco. Podemos transformar um agente que pulverizado é altamente prejudicial numa tecnologia permitindo o uso do mesmo ingrediente ativo sem prejudicar a abelha. Isso é perfeitamente possível dentro de uma seletividade ecológica a ser pensada”.

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O pesquisador da Embrapa aposta no manejo como aspecto da paisagem agrícola e cita como exemplo a sua experiência nos Estados Unidos. Segundo ele, na região de Napa Valley é feito um trabalho de ecologia de paisagem, como sugerido por Cristiano Menezes e Claudia Inês, anteriormente. De acordo com Botton, esse mesmo cenário deve ser empregado no Brasil. Uma forma de ele tornar-se realidade é investir em um ensino prático e não somente teórico como acontece nas universidades, além de formar empresários focados em investirem no segmento de abelhas. “Temos um monte de gente que conhece a ciência da polinização, como fazer levantamento, coletar abelha, identificar espécie. Mas, hoje um aluno com doutorado não faz manejo na prática. Muitos com doutorado estão

desempregados. Como transformar esse know-how em produto ou serviço para que o produtor contrate, pague e vire renda?” Segundo ele, esse é um aspecto não reconhecido ainda pelo setor, porém pode ser um ótimo negócio devido à grande demanda. “Como é a conservação de um fruto bem polinizado, se comparado com o que não é bem polinizado? E o que o produtor não deve aplicar na floração?”, disse, buscando tais reflexões. Para ele, essas questões são dúvidas a serem esclarecidas e o investimento na polinização como empreendimento pode ser uma nova frente de mercado para os estudiosos sobre o assunto.

A fim de o profissional estar bem preparado para essa possível realidade, Botton prevê

um processo de formação em assistência técnica, além da tecnologia de aplicação, como parte do currículo de agronomia nas universidades. “A agricultura está mudando e nós precisamos parar de achar que todo produtor é ‘coloninho’. Nós achamos que qualquer um empurra defensivos agrícolas para ele. A negociação de produtos hoje é uma coisa muito forte. O vendedor que empurra [um produto] pode vender em um ano, mas no ano seguinte ele se queima. A gente está achando que todo agricultor de baixa escolaridade é um ignorante. Vamos rever os nossos conceitos, tem muita gente boa e se ele não sabe o filho dele está estudando e aprendendo”.

Apesar de o especialista defender a educação como um importante e eterno investimento, ele não enxerga o produtor como uma pessoa alheia à realidade do setor. “Eu tenho certeza de que se alguém

provar por A+B que a polinização numa cultura X que hoje não usa polinizadores é importante e, ao mesmo tempo, ter tecnologia disponível, eu duvido que o produtor não vai usar”.

Um dos caminhos para alcançar um patamar mais alto em polinização é dar mais condições ao pequeno trabalhador do campo, criando leis para permitir formalizar as atividades e geri-las de forma propícia e rever as atuais. “Quem consegue ter um meliponário hoje legalizado? Eu quero ter um meliponário, quero levar essa colmeia para dentro de uma estufa, fazer um negócio, coletar esse material, como é que eu coleto isso de maneira preservada? Nada pode. Se eu penso em meliponicultura, também como um agente de polinização, eu tenho que ter uma legislação amigável e hoje a legislação proíbe tudo, não é? Você não pode fazer nada praticamente”, acredita Botton.

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dependerá do tipo de cultivo. “Tem cultura que só dá lucro para um lado. Mas, em Santa Catarina, nós temos em torno de 30 mil colmeias dirigidas à produção de maçã. E no Rio Grande também [existe polinização]”. Nessas regiões, ele aponta uma valiosa interação. “Todo negócio é bom, se é bom para os dois lados. Quando ele é bom só para um lado esse negócio não vai durar, então nós precisamos ter o equilíbrio nisso”.

Segundo o presidente da CBA, o serviço de polinização na agricultura no Brasil é pouco valorizado. “Enquanto em Santa Catarina, um apicultor ganha 18 dólares para levar uma abelha a um apiário na maçã, nos Estados Unidos, são 180”. Isso prova que o setor ainda não descobriu o valor da polinização na agricultura. “Nós temos muito ainda a avançar. Eu sou uma pessoa comprometida com o resultado. Por onde passei, na Câmara [do Mel], na Federação [da Apicultura], eu busquei pelo resultado. Não adianta nós ficarmos dias e dias conversando, temos que ter o compromisso com o resultado”.

Medeiros frisou ser visível em todo o mundo o desaparecimento dos polinizadores. “Algo estranho está acontecendo. As pesquisas ainda não mostraram pontualmente o quê, mas está acontecendo um declínio dos polinizadores”. Para ele, abelha e defensivos agrícolas são temas conflitantes, mas o diálogo entre as partes é fundamental para boas soluções.

O presidente da Câmara Setorial Federal do Mel e Produtos das Abelhas, no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e vice-presidente da Confederação Brasileira de Apicultura (CBA) Nésio Fernandes de Medeiros também crê na possibilidade da relação ganha-ganha entre produtores e apicultores. Porém, para ele,

“O trabalho de extensão bem feito pode ajudar na aplicação de defensivos agrícolas. Se é aplicação errada, nós precisamos treinar os aplicadores.”

- Nésio Fernandes de Medeiros, vice-presidente da CBA. MAPA.

“No nosso entendimento é utopia pensar que vamos banir o defensivo do Brasil como é difícil ou utopia dizer que vamos banir as abelhas do Brasil. Nós precisamos dos defensivos, nós precisamos de alimentos e precisamos também dos polinizadores e cada vez mais dos polinizadores”.

Em sua opinião, não se pode transferir responsabilidades e, sim, buscar soluções para as falhas. “Foi dito aqui, diversas vezes, que o problema está no aplicador, não está no produto, está na aplicação errada. Ora, se a aplicação está errada, nós temos que criar uma frente e capacitar esses aplicadores e não está aqui o serviço de extensão rural”. Ele afirmou ter exercido, por 20 anos, funções como extensionista de campo da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) e 14 anos no gerenciamento estadual na mesma empresa e em outras entidades. “Digo que o trabalho de extensão bem feito pode ajudar na aplicação de defensivos agrícolas. Se é aplicação errada, nós precisamos treinar

os aplicadores. Quem vai treinar? Não é problema meu? É problema da sociedade, de todos os envolvidos. Nós precisamos ir atrás de quem vai treinar – se são as empresas vendedoras, se são os serviços de extensão, se são as universidades”, enfatizou Medeiros. Além disso, afirma que é preciso incrementar o controle integrado. “Não é só o defensivo que controla. Foi dito aqui que às vezes aplicamos produtos para combater uma praga que vai dar 5% de prejuízo e estamos matando abelha que poderia dar 20% de aumento da produtividade. Essa é uma realidade, então isso também precisa ser considerado”. Ele sugeriu para o próximo evento convites aos órgãos de assistência técnica. “Eu acho que é interessante porque eles também são responsáveis pela extensão. Estamos dizendo que uma das grandes falhas é a aplicação. Alguém tem que orientar esse povo a aplicar corretamente o defensivo agrícola”.

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QUESTÕES DA PLATEIAORGANIZADAS PELO MEDIADOR

Iniciando a segunda fase do Diálogo 4, o mediador recebeu as perguntas por meio da organização do evento, que as recolheu e as organizou de maneira a manter o dinamismo do debate e fomentar a participação da plateia. A primeira questão foi dirigida ao especialista Israel Batista Gabriel.

Osmar Malaspina: Qual a área ocupada pelos 800 apicultores em hectares ou em quilômetros quadrado, qual é essa porcentagem?

Israel Gabriel: A gente não tem número de percentual ocupado. No caso de Capão Bonito, por exemplo, nós temos 100% da área ocupada por um número de apicultores. O que a gente tem de recomendação, com base no material genético nosso e espécie de eucalipto, é o uso de cinco caixas por hectare, mas a gente não tem o número de ocupação global.

Osmar Malaspina: Vocês têm manejo orgânico?

Israel Gabriel: Temos. Como a gente tem um uso de 80% do manejo da floresta nos dois primeiros anos, nos demais anos a gente consegue ter uma carência sem nenhum pico de aplicação de produto químico. Então, nesse período, do terceiro ao sétimo ano, conseguimos ter produção de mel orgânico, inclusive boa parte dos produtores que estão dentro do programa de apicultura da Fibria produzem mel orgânico. Eles são credenciados pelas principais certificadoras do Brasil e, inclusive, exportam mel para fora do país.

Osmar Malaspina: Vocês planejam deixar a apicultura em 100% da área?

Israel Gabriel: A gente não consegue 100% da área, porque a colheita da floresta é muito dinâmica. Num determinado momento, a floresta está sendo plantada e em outro está sendo colhida. Então usar 100% da disponibilidade do espaço apícola não vai ser possível pela dinâmica da operação florestal. Mas enquanto houver demanda de apicultores para utilizar essas áreas, a Fibria vai continuar cedendo essas áreas para a apicultura.

Osmar Malaspina: A biodiversidade depende da polinização em torno de 70-80% e na agricultura de quanto é essa dependência? Os agricultores sabem desses valores?

Marcos Botton: Eu não sou especialista

em polinização, acho que esses dados são públicos. Tem culturas que é 100% e outras na verdade que é o mínimo possível. Esses dados estão disponíveis, eu não sei, mas acho que o Breno, o pessoal deve ter. Cada cultura tem a sua porcentagem de polinização. Jong, você quer comentar pontualmente?

David de Jong: Eu responderia de outro modo. Dependendo da região do mundo, 35% do que a gente consome em termos de calorias etc., por exemplo, grãos não são polonizados. A gente consome arroz que não é polinizado, milho etc., então, parece que a abelha não é tão importante, mas em termos de variedade das coisas que a gente consome. E se a gente for retirar da nossa alimentação. A gente já tem fotos de um café da manhã com abelhas e sem abelhas, a diferença é muito grande, quer dizer os frutos, os sucos, muitas coisas.

Agora se for pensar em termos de porcentagem da dependência da abelha, por exemplo, a maçã precisa da abelha, porque sem ela não se consegue produzir direito. Se investe e tem que ter garantia de produção de boa qualidade. Agora, eu me lembro de dados que a gente tinha nos Estados Unidos, na produção de maçã, vamos supor 7 anos, em 10 tem polinização a mais, quer dizer tem formação de maçã a mais, em uns 2 anos... Isso sem colocar abelhas normais. Se não tomar cuidado em 2 anos, talvez não vai ter produção

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suficiente por causa do clima e em um ano vai ter desastre.

O problema é o seguinte, como as abelhas polinizam mais, tem muita fruta formada, tem que ter uma poda e se essa poda esperar até formar os frutos, teria que fazer poda mecânica e, isso, é muito caro, inviável. Então, o que a pessoa faz? No caso da maçã, ela prefere ter 100% da polinização e fazer uma poda química. Tem uma programação. O cultivo não é totalmente dependente da abelha, tem que usar a abelha para garantir a polinização completa para depois fazer o outro tipo de manejo.

Agora amêndoa, 100%. Ou seja, a maçã depende de como se mede, mas a gente fala de 70-80%. Um cultivo muito interessante é a pera, que produz tão pouco açúcar no néctar, que se não for abelha e muita abelha por perto, não se produz nada. Eu já vi cultivos de pera que não produziram nada. Era só colocar abelha do

lado e de repente, puxa, nunca vi tanta pera antes. O que produzia uma vez a cada dez anos, passou a produzir todo ano.

Marcos Botton: Só complementando. Nós deveríamos ter mais dados sobre o que significa em algumas culturas, que tem dados gerais, introduzindo abelhas, sabendo o que representaria em aumento tanto de produção como de qualidade. Nós temos muitos poucos dados nesse sentido. Eu considero que abelha é importante no manejo de controle de pragas, porque, às vezes, se faz um tratamento e acaba tendo um efeito secundário. Quando se fala de colônias, na verdade, se consegue mensurar mais facilmente o efeito secundário. Então, é mais um fator a pensar duas vezes, antes de fazer um tratamento quando não é necessário.

David de Jong: Eu queria fazer uma colocação. Vamos focar o benefício da mamangava para o produtor. Mamangava ou qualquer polinizador desse tipo, para

a produção de tomate. Os holandeses descobriram uma maneira de como criar as mamangavas em grande escala, porque o fruto tomate era mais saboroso e mais bonito etc. Tinha um prêmio para tomate polinizado. E com o tempo passou-se a não ter procura por outro tomate. Então, todos os produtores de tomate tiveram que usar essas mamangavas, na Europa, nos Estados Unidos. Então, criou uma indústria de produção de ninhos de mamangavas e mais de um milhão de ninhos por ano. Agora vamos pensar sobre o consumidor, porque a maior parte da população não produz nem tomate, nem colmeias de mamangavas, mas o que resultou? Um tomate mais gostoso, mais rico em vitaminas etc. Por outro lado, para manter as mamangavas custa 200 dólares por colmeia, com cento e poucas abelhas. Se usar estufa e aplicar defensivos, o que acontece? Mata 200 dólares e perde a produção. Por isso, tiveram de mudar o sistema de controle de pragas, minimizar a aplicação de produtos ou usar manejo integrado, de modo que não matasse as

mamangavas. E para o consumidor um tomate não só bonito, gostoso, com muita vitamina. Quer dizer o consumidor ganhou muito com isso. Então, esse é um modelo interessante para gente pensar.

Osmar Malaspina: Qual é a utilização das espécies nativas para polinização de culturas em estufa?

Marcos Botton: Bom esse é um tema que está muito incipiente ainda, os projetos que eu tenho acompanhado é o da Promip de São Paulo [empresa privada que desenvolve tecnologias para o MIP], em que temos trabalhado alguma coisa com plebeia nesse momento, em estudos iniciais. O desafio é justamente não ter metodologia de multiplicação da maioria das espécies. Nós ainda não sabemos qual é a melhor espécie nativa para cada cultivo. Então, esse é um outro ponto importante. Por outro lado, a gente está apostando que, em algumas espécies, vamos ter de avançar mais nesse processo todo, colocar mais gente, principalmente por causa das estufas.

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Osmar Malaspina: Seriam necessárias quantas colmeias por hectare na soja?

Breno de Freitas: Vai depender enormemente do sistema de produção que está sendo trabalhado, da variedade de soja, da distribuição das colmeias na área. Uma coisa que, às vezes, os próprios apicultores não percebem é ter uma colmeia numa área nativa, onde ela tem três, quatro, dez, quinze opções de plantas florescendo. Ela voa quinhentos metros, mil metros para ir naquela flor preferida. Mas, na área agrícola só tem um tipo de flor e a abelha não é burra, ela não vai voar duzentos metros para pegar uma flor que ela pega a dez metros da colmeia. Por isso, que na área agrícola quando a gente pensa no raio de ação das abelhas, esse raio é reduzido enormemente. É no máximo 100 metros em torno da colmeia e, por isso, a distribuição das colmeias na área é importante. Às vezes, a gente chega em área de melão, por exemplo, e diz: - São quatro colmeias por hectare. O sujeito

chega e diz: - Eu tenho seis hectares aqui e vinte e quatro colmeias. E as 24 colmeias estão uma do lado da outra e aquela área está super bem visitada, mas o resto dos hectares mais para frente quase não se vê abelha. Tudo isso vai se levar em consideração.

Com a soja nós trabalhamos com uma média de quatro colmeias por hectare e foi aquele trabalho para implementar 12%, 18% etc. Mas, isso, vai depender muito da região, das condições climáticas, do layout do plantio, da proximidade com matas, do nível de polinização natural. O problema é que as abelhas são teimosas, não se quer atrair e elas vão de qualquer jeito. A gente vê na soja, o pessoal usando aquele tratamento normal e quando se observa tem abelha dentro da soja. Naturalmente, elas vão. Claro, que para ter as quantidades necessárias que a gente precisa é necessário aquele manejo amigável. Mas, a gente trabalhou com quatro hectares. Geralmente a gente sempre faz os distanciamentos de quatro colmeias por hectare. Isso é a medida básica para a grande maioria das culturas e das que se tem referência e na medida em que se vê o resultado, percebe se vai precisar aumentar aquela intensidade ou se pode diminuir, em função dos resultados que a gente obtém.

Osmar Malaspina: Em citrus, não é meu trabalho, tem um artigo publicado, recomendando duas colônias ponto cinco por hectare, mas é só uma referência. Outra pergunta é se existem culturas mais ou menos arriscadas para a instalação de apiários ou para as abelhas? As culturas não dependentes podem realmente conviver com apicultura?

Osmar Malaspina: Então nós estamos trabalhando nesse experimento em São Paulo, uma relação de não dependência mesmo. As abelhas não têm interesse nas flores da cana-de-açúcar e, sim, em seu colmo açucarado. Quando se podia queimar a cana era um problema, no Brasil, porque tinha mais liberação dos açúcares e as abelhas procuravam mais. Agora, essa frequência é menor, mas as abelhas continuam indo lá. Mas, de qualquer maneira, como as abelhas no estado de São Paulo estão nos fragmentos do entorno da cana, há uma relação não de dependência um do outro, mas de convivência entre a cultura e as abelhas. Nós estamos fazendo alguns projetos nessa direção de convivência, de coexistência e, principalmente, com as fazendas.

O processo é mais ou menos o mesmo que o Israel [Gabriel] contou da Fibria. A

gente entra em contato com a fazenda, a usina, a produtora, explica todo o problema. Principalmente, se já houve casos de mortalidade naquela usina, os produtores ficam muito mais sensíveis. O trabalho é ir até lá, conversar e convencer. Inclusive das terceirizadas, porque as usinas usam muita área terceirizada. Depois, nós aproximamos os apicultores via associação. Conversamos com a associação, fazemos reuniões com os apicultores. No início há uma repelência, principalmente, se já teve caso de mortalidade. Não se acredita muito no projeto. A gente tem uma dificuldade razoavelmente grande.

Mas de qualquer maneira, nós estamos conseguindo fazer um bom trabalho. Já

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temos pelo menos três grandes usinas que aceitaram fazer parceria entre os apicultores, envolvendo a associação, passando por ela e pela usina. Numa das usinas, por exemplo, já tem uma pessoa que é responsável pelas abelhas. Todas as vezes que a gente precisa de alguma coisa, é só falar com ela. Os apicultores têm o celular do responsável e é só ligar para ele. A gente já tem uma cartilhinha, os termos de conduta entre as partes. Fizemos uma convivência das boas práticas. A usina se compromete a avisar com 72 horas de antecedência, onde ela será a aplicação, para que a gente possa ver quais serão as providências a serem tomadas. Nessas usinas muitos dos apicultores não têm boas práticas. Eles têm uma dificuldade muito grande. Alguns vão lá de quinze em quinze dias, outros de trinta em trinta. Nós

incluímos um treinamento intensivo para eles, como produção de rainha, de manejo, e do que eles quiserem. Se ele precisar de mais cinco colmeias para melhorar o plantel, oferecemos as cinco colmeias, para que ele possa produzir melhor e estabelecer boas práticas.

Esse experimento está entrando agora no segundo ano e os resultados têm sido muito favoráveis, bastante interessante principalmente um dos casos a gente teve em 2013, um grande número de colmeias mortas. Em 2014, isso já não ocorreu, a mortalidade foi muito menor, então já houve um avanço e os apicultores começaram a acreditar no projeto. Sempre lembrando que como não é uma dependência o que acontece? Como as abelhas estão nos fragmentos, que são pequenos, normalmente, eles colocam na beira do fragmento e qualquer tipo de aplicação que possa ocorrer na cana ou após o corte da cana, acaba de uma maneira ou outra atingindo as abelhas muito próximas, causando a morte delas. A gente não consegue ter uma comprovação se isso é verdade ou não. Há uns 15 ou 20 dias, um apicultor, engenheiro agrônomo falou: – Eu entendo toda essa questão sobre ter de usar os defensivos. Só que minhas abelhas morreram. Ele descobriu que o dono da terra fazia uma aplicação para maturação, usava um tipo

de maturador. Não foi aplicação aérea foi aplicação com trator.

Precisamos avançar, ter mais tempo, mais dados, porque ainda está no início. Mas, de qualquer maneira, é um projeto de uma cultura não dependente e que é preciso estabelecer uma relação. Parece que tem todo potencial e deve funcionar.

O trabalho de convencimento é bastante intenso. Tem de conversar com o dono da usina, falar com o gerente e mostrar as vantagens. Ele diz: - Mas o que a minha cana tem a ganhar com isso? Não precisa de polinização. Temos de explicar para ele que a questão é de preservação das espécies de polinizadores, das abelhas nativas que estão lá. A gente acaba até, de vez em quando, oferecendo umas colônias de meliponídeos para ele e fica melhor de colocar.

Osmar Malaspina: Como os apicultores encaram a formalização e regulamentação do pasto apícola, junto aos proprietários das áreas e órgãos competentes? Quais os desafios dessa regularização da relação?

Osmar Malaspina: Não é fácil, porque os apicultores também são bastante arredios. Quando falamos que vamos colocar o GPS para localizar o apiário e ter informação, eles não concordam,

porque ficaremos sabendo onde estará o apiário dele. Ele diz – Alguém vai roubar, vai passar essas informações para o governo, que vai cobrar impostos... Então, a gente tem de dizer que é para tentar ajudá-lo. O que ajudou muito foi a participação da associação. A gente pede a interferência da Faamesp [Federação dos Apicultores e Meliponicultores do Estado de São Paulo] junto à associação. Nós também convencemos ao representante da usina e o apicultor a assinarem um termo de compromisso, para que haja a comunicação sobre o momento da aplicação e a localização do apiário. A ideia é estabelecer esse modelo para a cana. O Israel [Gabriel] tem o modelo para o eucalipto e que a gente possa pensar em modelos para

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Colmeia Viva

Relatório prévio da iniciativa

de pesquisa Mapeamento de

Abelhas Participativo (MAP)

As informações detalhadas dos primeiros resultados da iniciativa de pesquisa com a participação da Unesp e UFSCar podem ser obtidas no site do Colmeia Viva:www.colmeiaviva.com.br

Israel Gabriel – Só uma observação. Você falou a palavra citrus e eu me lembrei de um caso que talvez fosse interessante rapidamente compartilhar com vocês, que reforça muito a necessidade da comunicação entre apicultores e agricultores. A região do Sudoeste Paulista tem algumas áreas compostas por uma grande área de reflorestamento, no caso eucalipto de um lado e mata nativa de preservação de outro, além de áreas com grande pomar de laranja, de citrus. Alguns apicultores quando se instalam dentro das áreas da Fibria, nessa região, não precisa nem praticar apicultura migratória, porque está em determinado ponto e já aproveita a floração do eucalipto, da laranja e floração silvestre sem precisar mudar o apiário de lugar.

Só que muitas vezes no caso da exploração do citrus da laranja, sai um pouco do centro da Fibria e vai até a divisa. E o que acontece? Não há comunicação nenhuma entre os apicultores locais com a empresa de citricultura e isso traz conflitos, porque a empresa de citrus não sabe que o apicultor está ali e o apicultor não sabe a forma, quando e de que maneira vai ser feita a aplicação de defensivo. A gente começou a mediar essa relação, entre a citricultura local e os grupos de apicultores. Começamos um diálogo e por meio dessa conversa a gente conseguiu agora num

citrus, para café, algodão. Começar a programar mais modelos e espalhá-los para o Brasil inteiro. É importante que possamos fazer isso. Não dá para fazer um modelo para todos, infelizmente.

Osmar Malaspina: Como fazer os produtores agrícolas entenderem a polinização como um fator de produtividade e qual o papel dos apicultores nisso?

Osmar Malaspina: É capacitação, treinamento, educação. Que a gente não fique colocando leis, leis, leis. Se a gente tiver uma capacitação, educação, não precisa colocar muita lei. As pessoas vão respeitar e ser mais amigáveis e ter um diálogo melhor.

primeiro momento algo que era impensável, ou seja, a empresa fazer um piloto local para tentar integrar a atividade de apicultura com a citricultura. Então, tem uma operação super complexa e isso foi um passo gigante, conseguir essa abertura. E foi por meio do diálogo. Esse exemplo é só para reforçar a importância da comunicação entre as partes e a evolução vai acontecer naturalmente.

Nésio Medeiros – O Brasil é um gigante adormecido na apicultura. Nós não exploramos 10% do nosso potencial. O Brasil colhe menos de 5 quilos de mel por quilômetro quadrado e nós agora, em Santa Catarina, fizemos um Censo Apícola e o estado produz 62 quilos de mel, por quilômetro quadrado. Nós temos o nome, endereço, CPF do apicultor e as coordenadas do apiário. Não é estimativa, é dado real. Olhem quanto a apicultura pode aumentar. E para finalizar, estão todos convidados para o Congresso Brasileiro de Apicultura, em Joinville, Santa Catarina, 16 a 19 de maio de 2018.

David De Jong – Eu acho muito importante que haja pressão para incluir a apicultura nos cursos de agronomia, zootecnia e até de veterinária, porque os veterinários internacionalmente são responsáveis pela certificação dos apiários. Agronomia, obviamente, a pessoa que sabe produzir

frutos tem que saber como funcionam as abelhas. Se olharmos para as faculdades está faltando muito [informações do gênero]. Até em universidade que tinha apicultura, por exemplo, Jaboticabal, não tem mais. Pirassununga que tem agronomia e veterinária não tem. A gente chegou a dar um curso e teria professor de apicultura, mas não puseram. Temos que pressionar porque senão as universidades não vão incluir.

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Fique por dentro das principais conclusões do Diálogo 4, que contou com o mediador Osmar Malapina (Unesp-Rio Claro) e os especialistas David De Jong (Usp-Ribeirão Preto), Israel Batista Gabriel (Fibria Celulose), Marcos Botton (Embrapa–Uva e Vinho de Bento Gonçalves) e Nésio Fernandes de Medeiros (CBA).

Fundamentalmente a comunicação permite um avanço significativo para o relacionamento entre os produtores e apicultores, em diversas culturas, já que muitas vezes ambos não têm informações e nem boa prática capazes de se favorecerem simultaneamente.

É real a possibilidade de criar e adotar metodologias com competências para beneficiar mutualmente a economia agrícola, a apicultura e a biodiversidade.

Na Fibria houve um grande avanço na relação entre o produtor e o apicultor de forma até ser possível obter um controle eficiente de enxameação, por meio de caixas de capturas, por exemplo, lá são encontrados vários cases de sucesso em diversos tipos de operações, envolvendo ambas as partes.

Entre as soluções para promover a relação ganha-ganha entre apicultores e agricultores está em criar possiblidades de treinamento para a aplicação de defensivos agrícolas, como responsabilidade dos órgãos de serviço de extensão rural.

É necessário calcular os benefícios oferecidos pelo controle integrado de pragas, em relação ao manejo de polinizadores na agricultura, uma vez que cenários reais demonstram que a praga pode causar um prejuízo de 5% em desvantagem ao aumento de produtividade, variando entre 20 e 25%.

As pesquisas colaboram em muitos aspectos, inclusive para testar e estabelecer modelos diversos, uma vez que cada cultivo apresenta peculiaridades diversas, necessitando diferenciadas técnicas. Dessa forma, os casos de sucesso devem ser disseminados pelo Brasil.

Um dos desafios ressaltados pelos acadêmicos é a relevância de incluir a apicultura nos cursos de agronomia, zootecnia e até de veterinária, porque os veterinários internacionalmente são responsáveis pela certificação dos apiários.

TÓPICOS PRINCIPAIS DO DIÁLOGO 4

DIÁLOGO 5

PLANO NACIONAL DE BOAS PRÁTICAS: DESAFIOS DE IMPLEMENTAÇÃO NUM CENÁRIO AGRÍCOLA HETEROGÊNEO

AGRICULTURA.DIFERENTES REALIDADES.PECULIARIDADES.CARACTERIZAÇÃO.

REGIÕES, BIOMAS.MODELO AGRÍCOLA.FAMILIAR, MONOCULTURAS, GRANDES, PEQUENOS.DEPENDENTES E NÃO DE POLINIZAÇÃO.

PLANO NACIONAL.PROTEÇÃO DOS CULTIVOS, DAS ABELHAS E DO MEIO AMBIENTE.RESPEITO À APICULTURA.VALOR DA POLINIZAÇÃO .BOAS PRÁTICAS EM NOSSAS MÃOS.

Bandeiras 1/4/5

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DIÁLOGO 5Com foco na proposta de implementação, manutenção e propagação de boas práticas, predominantemente, nos segmentos agrícola e apícola, em todo o Brasil, o último diálogo trouxe relevantes reflexões sobre essas possibilidades. Entre as questões mais debatidas pelos convidados estão os diferentes aspectos do país – economia, clima e formação educacional, incluindo o grau de conhecimentos dos profissionais desses setores, entre outros fatores. O intuito foi sugerir melhores alternativas para estimular o manejo de polinizadores na agricultura, a eficiência e eficácia da tecnologia de aplicação de defensivos agrícolas e a conscientização sobre a importância da biodiversidade.

Os painelistas também destacaram atividades como conservação de solos, gerenciamento de resíduo sólido e manejo de dejetos na propriedade, usos adequados dos recursos, como água, clima e fenômenos naturais. Ainda, eles consideram relevante um amplo debate a fim de conscientizar não somente produtores e apicultores, mas também envolver a sociedade, educadores e ambientes universitários na construção de um conhecimento mais profundo sobre os temas do agronegócio de forma geral. Dessa forma, o diálogo 5, “Plano Nacional de Boas Práticas: Desafios de Implementação num Cenário Agrícola Heterogêneo”, buscou elucidar essas perspectivas e abrir caminhos para próximos passos rumo uma interação entre os defensivos agrícolas, a agricultura, a apicultura e as abelhas.

O mediador desse último Diálogo foi o presidente da Comissão Nacional do Meio Ambiente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) Rodrigo Justus de Brito. Para compor esse painel de conversas, o Colmeia Viva convidou a diretora-substituta do Centro de Fiscalização de Insumos da Coordenadoria de Defesa Agropecuária do Estado de São Paulo, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, Ane Beatriz Camargo Veronez, o engenheiro agrônomo e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Décio Luiz Gazzoni, o presidente da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas) Luiz Roberto Maldonado Barcelos, a professora do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar-Campus Araras), Roberta Cornélio Ferreira Nocelli, e, por último, o professor titular do Departamento de Engenharia Rural da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp- Campus de Botucatu), Ulisses Rocha Antuniassi. Juntos, eles debateram sobre as perguntas direcionadores para o diálogo:

1) Quais são as peculiaridades na agricultura que devem ser consideradas para a implantação de boas práticas em território nacional?

2) Diante das peculiaridades, como disseminar as boas práticas nacionalmente?

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Antes dar início às respostas, o mediador Rodrigo Justus de Brito ressaltou a relevância da discussão de um plano nacional de boas práticas, para além dos polinizadores, de maneira a abarcar todas as relações inerentes à agricultura. “Acho importante falarmos de tudo aquilo que engloba a atividade, como o plano de conservação de solos, o resíduo sólido na propriedade, o manejo de dejetos na propriedade, o uso correto da água e o uso dos herbicidas, inseticidas, fungicidas etc.”. Ele entende o termo boas práticas como um conjunto de atitudes do produtor em seu dia-a-dia, envolvendo, inclusive impactos ambientais e licença ambiental.

“A parte mais fácil é estabelecer o conteúdo do programa, o que deve ser feito. A parte mais difícil é realmente levar essa comunicação, educar uma diversidade de pessoas sob diferentes condições e fazer com que a mudança ocorra, mudança de hábito não é fácil.”

- Décio Luiz Gazzoni, professor e pesquisador da Embrapa.

“Na verdade o produtor tem que ter conhecimento e aplicar todas as regras, todas elas, inclusive essas questões que nós estamos aqui discutindo”.

Após esse alerta, ele enfatizou a necessidade de refletir os temas propostos pelo Diálogo 5, considerando todas as especificidades regionais, como a dimensão da propriedade, área de produção, biomas, clima e problemas inerentes à cada localidade. Para Brito, ao se pensar em um plano nacional deve-se levar em conta as fases de implantação, disseminação e manutenção de boas práticas na agricultura.

O primeiro a refletir sobre as questões foi o pesquisador da Embrapa Décio Luiz Gazzoni. “Quando eu ouvi a pergunta me veio à mente uma figura que tem tudo a ver, e por isso, eu vou rapidamente contar uma historinha. Há exatos 26 anos, o país Peru faliu, quando assumiu o ex-presidente [Alberto Fujimori] e, para ter uma ideia do que era falência, ele não tinha mais reservas e, sim, dívidas de aproximadamente 200 milhões de dólares, uma fortuna para aquele país, naquela época. Foi montada uma comissão de task force [força tarefa] internacional para ajudar a reconstruir o país com recurso do [Banco Mundial] BID. Eu fui convidado a participar dessa task force para reconstruir o setor agrícola, as organizações, as instituições agrícolas. Dar um novo sentido à agricultura e, aliás, muito me orgulho”.

Fujimori é engenheiro agrônomo e naquela época voltou a sua atenção pra o setor, o qual, provavelmente, tinha bastante familiaridade, impulsionando um crescimento além de sua região, envolvendo também políticos e profissionais brasileiros. “Uma das criações à época foi o Serviço Nacional de Sanidade Agropecuária, o Senasa. Eu me orgulho sempre de dizer que foi cria dessa task force. Eu trabalhei nele e, hoje, é um dos três melhores serviços de defesa agropecuária do continente. O Peru está crescendo a quase 7%, enquanto, no Brasil, nós estamos numa recessão de menos 3%. O Peru é um grande exportador agrícola de frutas, hortaliças e uma série de produtos.

Mas à época não era fácil, havia o Sendero Luminoso [Grupo de guerrilha peruano de inspiração maoísta, criado nos anos de 1960. O seu principal intuito era acabar com as instituições capitalistas e burguesas daquele país]. Ele atacava com carro-bomba a todo instante”.

Além desse momento de revolução, Décio citou a diversidade natural do Peru. “Esse país vai desde a fronteira com a Amazônia, onde chove muito, passa pelos Andes, com geleiras, com temperatura máxima de cerca de 11 graus, do outro lado dos Andes é um deserto de mais de dois mil quilômetros. Ou seja, não chove uma gota d’água o ano inteiro. São 53 rios de degelo (temporários) e a agricultura se faz a 50 metros de margem a margem, quando há água, com muitos problemas fitossanitários e uma diversidade étnica muito grande. De alguma maneira me lembrou que nós precisamos enfrentar isso no nosso país”.

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Já o Brasil vai de 33 graus de latitude Sul a seis graus de latitude Norte, do Chuí ao Oiapoque, além das extensões Leste-Oeste, contando com diferentes biomas. “Nós temos matas tropical e atlântica, caatinga, pantanal, pampa, com diferentes explorações, e tudo se produz nesse país, frutas tropicais e temperadas, hortaliças, grãos, com uma diferença étnica, social, agrária, de clima muito grande, então são diversas camadas que compõem esse desafio, portanto não há solução única”, comparou Décio.

O pesquisador usou os dois países para exemplificar o fato de não considerar uma tarefa fácil o estabelecimento de boas práticas agrícolas, pois para ele a dificuldade está em implantá-las, efetivamente. “Nós precisamos considerar as diferenças regionais, educacionais, de biomas, de capacidade empresarial, de percepção, de idade, de formação. Então, podia citar diversos exemplos entre o sertanejo do Nordeste, para fazer um contraste muito forte, com o produtor

extremamente avançado de cana-de-açúcar ou de citricultura de São Paulo, os grandes produtores de grãos do Centro-Oeste com diferentes capacidades empresariais e diferentes capacidades de absorção. Não há solução única para o país, temos de encontrar formas de comunicação, saber como chegar a essas pessoas (via televisão, programas dedicados, mídias sociais, escolas). Nós temos de pensar na nova geração, não só para treiná-la, prepará-la, mas para que ela seja como um ícone dentro das famílias, levando isso [informações e conhecimentos]”.

Décio também destaca o papel das universidades brasileiras em preparar profissionais mais conscientes e capacitados a levar informações adequadas, diretamente ao produtor. Para ele, é fundamental incluir as boas práticas em políticas públicas e programas de governo, enxergando os problemas do campo como responsabilidade do setor privado. “Temos de pensar na CNA, no sistema sindical todo, na contrapartida dos

“Se realmente não aplicarmos as boas práticas agrícolas, não vamos conseguir modificar essa sensação da sociedade, de que nós estamos envenenando aquilo que estamos produzindo, ou seja, a gente produz frutas e legumes e, ao invés de estarmos produzindo algo saudável, a impressão que dá à sociedade é que aquilo não é salutar.”

- Luiz Roberto Maldonado Barcelos, presidente da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas).

quatro colmeias por hectare, estritamente utilizadas para a polinização. “A minha empresa planta em 300 hectares por semana, no auge da safra. Eu chego a ter mais de 1.200 hectares na fase de floração, o que me dá uma necessidade de 3.000 colmeias praticamente o ano inteiro e não vendemos um quilo de mel, sequer. Na época da chuva, as abelhas produzem o mel da caatinga, nós retiramos esse mel e na época da seca, um período muito mais longo, devolvemos o mel, senão elas não conseguem sobreviver”.

Segundo Barcelos, para as culturas dependentes dos polinizadores, o cuidado com elas [as abelhas] é evidente. Toda empresa exportadora inserida na Abrafrutas, necessariamente possui certificações de boas práticas agrícolas. Essa rotina começou nos anos 2000 como Europe Gap e hoje é o GlobalGap. O Gap significa Good Agriculture Practice (Boa Prática de Agricultura Global) por conta da segurança dos produtos, impacto ambiental, saúde, segurança e bem-estar dos trabalhadores. Além disso, cada supermercado tem o seu programa de qualidade, de acordo com suas peculiaridades. O Tesco tem o Tesco Nature Choice, o Mark & Spencer tem o Field to Fork (F2F), por exemplo. Hoje, conforme Barcelos, para exportar produtos agrícolas é primordial apresentar a certificação de boas práticas na agricultura. “Se não tiver a certificação, não poderá exportar”.

sindicatos de trabalhadores rurais, nas diversas associações, como de produtores de frutas, hortaliças e grãos. É um esforço hercúleo, precisa ser organizado, com metas e objetivos claros, distribuídos ao longo do tempo, que sejam factíveis e mensuráveis. Ou seja, resumindo tudo, a parte mais fácil é estabelecer o conteúdo do programa, o que deve ser feito. A parte mais difícil é realmente levar essa comunicação, educar uma diversidade de pessoas sob diferentes condições e fazer com que a mudança ocorra, mudança de hábito não é fácil”.

Proprietário de uma empresa que produz nove mil hectares de melão e melancia, com gotejamento no semiárido brasileiro, na região da Chapada do Apodi, entre o Ceará e o Rio Grande do Norte, Luiz Roberto Maldonado Barcelos (Abrafrutas) salienta a indispensabilidade da abelha em suas culturas. “A gente tem de plantar o melão toda semana para colher depois de 60 dias”. Segundo ele, a floração acontece durante todo o ano, onde são utilizadas

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De acordo com o produtor, no Brasil, os hábitos são diferentes e isso resulta em um obstáculo para o emprego de boas práticas e conscientização sobre a importância do uso correto das tecnologias agrícolas disponíveis. Ao entrar em contato com um supermercado para oferecer mercadorias, o responsável pela compra leva em consideração o preço e não as ações empregadas adequadamente às culturas. Ele espera uma transformação nesse comportamento a partir de pressões da sociedade, exigindo mais fiscalização nos canais de venda, e dessa maneira atingir os produtores agrícolas. “É muito difícil o poder público chegar ao produtor, mas se você colocar a mão no bolso dele de alguma forma você consegue chegar”.

Ele cita, como exemplo, a lei de obrigatoriedade do uso do cinto de segurança aplicada há 18 anos ter se transformado em hábito dos brasileiros. “Isso virou uma política pública de governo. Hoje todo mundo entra no carro e coloca o cinto de segurança, mesmo sabendo que não vai passar por um lugar com policiamento”. Em relação ao seu negócio, Barcelos admite ter duvidado do cumprimento de obrigações ligadas às boas práticas agrícolas. “Eu achei que era impossível seguir as normas e determinações e hoje se o mercado externo disser não precisa mais, nós vamos continuar, porque elas trouxeram uma série de benefícios, controle do processo produtivo e tudo o mais. Essa mudança só vai acontecer quando o produtor sentir no bolso dele a diferença. Quem não executa boas práticas agrícolas está executando as más”. Conforme ele, o nome agrotóxico contribui para o prejulgamento social em relação aos defensivos agrícolas. “Hoje a sociedade tem preconceito contra nós. É o remédio da planta e chamam de agrotóxico”.

Por outro lado, ele reforça o fato de os produtores contribuírem para esse comportamento, por meio de suas atitudes. “Se realmente não aplicarmos as boas práticas agrícolas, não vamos conseguir modificar essa sensação da sociedade, de que nós estamos envenenando aquilo que

estamos produzindo, ou seja, a gente produz frutas e legumes e, ao invés de estarmos produzindo algo saudável, a impressão que dá à sociedade é que aquilo não é salutar”. Barcelos acredita na introdução de ações acertadas, principalmente considerando os polinizadores, se houver interferência do governo no sentido de incluir tais operações como uma política pública sanitária de necessidade. “Se o banco para financiar um produtor exigir licença ambiental, outorgas de água e um certificado por uma empresa idônea de acreditação da cultura já é uma forma [de estimular a mudança,

assim como] se o supermercado para comprar de um produtor. Enquanto nós não aplicarmos um sistema de controle confiável de rastreabilidade, desde a produção no campo até a gôndola do supermercado ou da indústria, não vamos conseguir punir quem não cumpre adequadamente as boas práticas agrícolas”.

Barcelos concluiu a sua fala defendendo uma legislação específica e forte, com punições no formato de multas como a maneira mais eficiente de promover a conscientização do agricultor sobre a necessidade de se utilizar boas práticas na aplicação de defensivos agrícolas nos cultivos. Para ele, a vontade política, nesse sentido, pode ser capaz de propiciar as transformações necessárias. “É preciso levar a ele a informação correta especificamente sobre a questão das abelhas, ou seja, se ele não assumir essa boa prática como uma atitude, ele sairá perdendo dinheiro. Contribuir com a educação e assistência técnica ao produtor para que ele mude o seu comportamento. O comando e controle são necessários e existem, mas o Estado não tem perna para fazer isso para todos, é feito por amostra”, argumentou o mediador Rodrigo de Brito.

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A professora da Universidade Federal de São Carlos, Roberta Nocelli, não crê em via de mão única, por isso, aposta em iniciativas a transitar por duas direções. “Eu concordo que nós precisamos de políticas públicas que sejam favoráveis à implantação e à aplicabilidade das boas práticas, mas eu também acho que a gente já tem condições de implantar e cumprir boas práticas direto com o produtor. Eu concordo que nós não conseguiríamos atingir 100% do que pretendemos para o Brasil, principalmente, visando à conservação da

nossa biodiversidade, que é muito grande. (...) Eu conheço boa parte das pessoas que aqui estão, da indústria, das universidades, do setor apícola, muitos deles já têm projetos com resultados excelentes. Não precisamos simplesmente aguardar que as coisas venham, já temos condições de fazer muitas coisas”.

A pesquisadora reconhece a grandeza das propriedades rurais brasileiras, assim como a enorme diversificação da cultura regional. Portanto, ela sugeriu um plano nacional norteado por diretrizes

“Eu concordo que nós precisamos de políticas públicas que sejam favoráveis à implantação e à aplicabilidade das boas práticas, mas eu também acho que a gente já tem condições de implantar e cumprir boas práticas direto com o produtor. Não precisamos simplesmente aguardar que as coisas venham, já temos condições de fazer muitas coisas.”

- Roberta Nocelli, professora da Universidade Federal de São Carlos.

gerais, porém levando em conta as diferenças. “A gente tem uma diversidade cultural do produtor agrícola, do apicultor e do meliponicultor, pelo Brasil afora, a respeitar. Então, eu acho que não depende de legislação. (...) Temos de expandir essas experiências e esses diálogos, também para dentro da UFSCar, Unesp, USP e outras universidades e associações”, salienta Nocelli.

Segundo ela, outra boa iniciativa é convidar representantes de municípios para participarem das discussões promovidas pelo Colmeia Viva, pois as pessoas envolvidas naturalmente no processo das questões abordadas têm pouco ou nenhum conhecimento sobre polinização. “Um plano nacional vai ser fantástico se nós conseguirmos atingir os pequenos municípios. Talvez, por exemplo, pensando nos produtores de maçã, soja, melão seja bem fácil de nos comunicarmos, por causa das associações. Mas a gente não consegue atingir os não associados”. A pesquisadora argumenta a relevância de unir esforços para achar meios de propagar as informações, soluções, sugestões e conhecimentos disponíveis até agora, por meio do diálogo. “Eu concordo que punir às vezes no bolso é uma solução imediata que tem resultado, mas a gente tem de pensar também que às vezes nós estamos lidando com pessoas que não têm informação como já foi falado neste e nos Diálogos anteriores. Então, esse grupo que está aqui tem de fazer

essa divulgação chegar ao campo para todos, para ser um plano nacional de verdade”, acentuou a professora Roberta Nocelli.

A pesquisadora questionou o papel da universidade no Brasil, no sentido de exigir publicações de artigos em vez de se interessar pelas extensões. “Todo mundo me cobra que eu tenho que publicar de preferência na [revista científica] Nature and Scientific American, mas nunca ninguém me perguntou sobre o que eu estou produzindo de conhecimento e como estou atendendo a população que sustenta a universidade com seus impostos. Nunca recebi uma cobrança dessas”.

Para Nocelli, os próximos Diálogos Colmeia Viva devem estender o convite a representantes da área da educação no Brasil. “O cumprimento da legislação não pode ser eterno. Para ele deixar de ser eterno, como as crianças que entram no carro hoje e usam naturalmente o cinto, elas também têm de conhecer as boas práticas. Aí a gente pode extrapolar não é só na agricultura, o que são boas práticas, mas também o que é ética, o que é correto, e abordar a importância das abelhas, da polinização, expandindo o olhar para além da apicultura”. Isso, porque, segundo ela, o Brasil tem as abelhas nativas, como um patrimônio genético único no planeta, o qual deve ser preservado, independente das espécies estarem relacionadas à produção agrícola. “Como nós vamos lidar com as

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governo, sobre uma lei ser considerada boa por gerar muitas multas e arrecadar quantias significativas para os cofres públicos, principalmente aquela ligada a órgãos de fiscalização ambiental. Mas, para ele, uma boa lei, é mais do que proporcionar rentabilidade, é propiciar a prática natural de suas determinações. “O objetivo da lei não é arrecadatório, e sim, que ela seja cumprida, embora as penalidades sejam necessárias, porque não existe ordem sem regras a compelir o cidadão a cumprir essas normas”.

O professor da Universidade Estadual Paulista, campus de Botucatu, Ulisses Rocha Antuniassi, possui grande quantidade de trabalhos na área de extensão. Com base em suas experiências, ele ressalta ser fundamental entender as necessidades em cada segmento produtivo, bem como os pacotes tecnológicos a serem enfocados dentro do processo de boas práticas. “Se o entendimento de quem trabalha com isso é de que o conceito de boas práticas pode ser um elemento de preservação das ferramentas de trabalho, então isso pode ser colocado de uma maneira positiva para todos os segmentos”.

Conforme o especialista, alguns elementos do processo produtivo podem ser mais dependentes de tecnologias, requerendo investimento técnico e outros são menos dependentes. “Há setores que precisam

culturas que não são dependentes? Não é uma questão da cana-de-açúcar não ser dependente. Pode não depender diretamente, mas depende delas para se alimentar. Então, essa conscientização é importante. Às vezes me incomoda a gente ficar só na questão do serviço de polinização e aí fica às vezes a impressão de que é essa relação direta de cultura que depende de que aumenta a produtividade e que não depende nada como é o caso da cana-de-açúcar. Então eu acho que isso é uma questão que tem que circular também”.

Coincidindo com o evento, notícias daquela semana nos canais de comunicação da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) apontavam investimentos em capital humano e em pesquisa como causa de aumento de produtividade da agricultura. “Cada Real investido em pesquisa na educação superior, em extensão rural, gera de dez a 12 Reais só no estado de São Paulo. Não existe investimento que dê esse lucro”, encerrou Nocelli. O mediador Rodrigo Justus de Brito comentou a existência de uma visão do

“(...) Um dos primeiros itens previa não fazer nenhuma aplicação de produtos fitossanitários com temperatura ambiente acima de 25 graus. Maravilha, talvez na Alemanha, mas isso para o Brasil sem a tropicalização [do processo ou da regulamentação] fica uma coisa meio grotesca.”

- Ulisses Rocha Antuniassi, Universidade Estadual Paulista, campus de Botucatu.

de mais legislação e trabalho regulatório e outros menos. O uso dessas ferramentas pode se tornar mais fundamental para uns e menos para outros. Eu me lembro de uma ocasião, discutindo aspectos de boas práticas, na minha área, que é a tecnologia de aplicação, e tive acesso a um protocolo de boas práticas de origem europeia. Um dos primeiros itens previa não fazer nenhuma aplicação de produtos fitossanitários com temperatura ambiente acima de 25 graus. Maravilha, talvez na Alemanha, mas isso para o Brasil sem a tropicalização [do processo ou da regulamentação] fica uma coisa meio grotesca”.

Fundamentado nesses exemplos, o pesquisador reforça ser essencial entender a peculiaridade tecnológica a viabilizar cada sistema. “Na cultura de cana-de-açúcar existe um momento em que o sistema produtivo depende, por exemplo, da aplicação aérea [de defensivos agrícolas]. Em outros segmentos, a dependência é por aplicação manual. Cada sistema tem o seu pacote tecnológico e o contexto da aplicação de boas práticas depende do entendimento de cada um desses pacotes para que o conceito de boas práticas seja de fato uma forma de preservar as devidas ferramentas, assim como a liberdade de escolha dessas ferramentas”.

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inclusive ponderando as realidades regionais brasileiras. Isso facilitaria a implantação de um plano único de boas práticas para o país, pelo menos em termos gerais. A especialista acredita na chance de êxito dessa iniciativa, somente se o teor do plano for discutido junto aos estados, devido à aplicação das leis ser regional. “Cada Estado tem a sua lei para ser aplicada. Então, eu acho que passa pelo debate”. Veronez, em concordância com Roberta Nocelli, defende a ampliação do diálogo promovido pela iniciativa do Colmeia Viva. “Mais pessoas precisam participar. O pessoal da extensão, da assistência técnica tem de fazer parte dessa plenária, tem de estar aqui, porque sem eles a gente não avança”.

“Vamos conseguir junto com a extensão levar esse trabalho de educação, convidando, entendendo a realidade e vendo como o estado pode ser um facilitador dessas ações.”

- Ane Beatriz Camargo Veronez, diretora-substituta do Centro de Fiscalização de Insumos da Coordenadoria de Defesa Agropecuária do Estado de São Paulo, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento.

A diretora-substituta do Centro de Fiscalização de Insumos da Coordenadoria de Defesa Agropecuária do Estado de São Paulo, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, Ane Beatriz Camargo Veronez, começou a sua apresentação falando sobre a sensação negativa das ações fiscais. “O fiscal é aquele que vem nos trazer aquela advertência, a multa. Mas a nossa proposta aqui é não necessitar de fazer aplicações de sanções. O que a gente quer fazer é contribuir, sendo um agente proativo dentro desse sistema. Para isso, precisamos ouvir de vocês, tanto da academia quanto do produtor e do apicultor quais as dificuldades”.

Ela frisou o fato de haver possibilidades de atualização de leis para melhorá-las,

Além do aumento de pessoas a participarem das discussões, a representante do governo também apresenta congruência com o pesquisador Marcos Botton, no que diz respeito a investir mais e mais na educação. “Mas não tentando ensinar o que o apicultor ou o agricultor já faz há anos. Tem de ser conversando, identificando os problemas e auxiliando. Talvez a gente precise mudar cinco, dez por cento de sua prática? Precisa ter esse diálogo. Então, o que eu trago aqui, como Secretaria de Agricultura, a possibilidade de abertura desse diálogo e nos colocando à disposição para fazermos esse link entre todas as associações: os apicultores, os agricultores, a extensão, a academia, ou seja, como que a gente faz isso?”

Na ocasião a diretora-substituta da Coordenaria de Defesa Agropecuária colocou ao dispor as 40 regionais do órgão, distribuídas em todo o estado de São Paulo, no sentido de colaborar com o contato direto tanto com as partes envolvidas na agricultura quanto na apicultura. Veronez citou a implementação de vários programas, pela Coordenadoria de Defesa Agropecuária, sobre a rastreabilidade de todo o processo envolvendo a aplicação de defensivos agrícolas. “Mais dois ou três meses [no final de 2016], nós vamos saber o que foi aplicado e de que forma. Se

houve assistência ou não, qual o agrônomo fez a recomendação [do produto] e em que cultura. Nós vamos conseguir ter acesso à rastreabilidade e, ao mesmo tempo, nós estamos com um programa de análise de resíduos de defensivos agrícolas dentro da propriedade rural. Nós estamos saindo daquela análise feita só nos supermercados, só nos Ceagesps, vamos começar a fazer essas análises dentro da propriedade”.

Para Veronez, um programa complementa outro e, dessa maneira, o trabalho na coordenadoria fluirá propiciamente. “Detectamos onde temos o problema, o pessoal da associação entra em contato com a Coordenadoria e nós vamos fazer o link entre apicultores que estão sentindo os problemas e agricultores que, às vezes, desconhecem que estão causando tais problemas”. Ela aposta na viabilidade de o órgão governamental conseguir, em conjunto com a extensão rural, levar mais conhecimento, entendendo a realidade e encontrando alternativas para o estado agir como um facilitador das ações primordiais. “Estamos muito felizes em podermos ser proativos e começarmos talvez como um piloto no estado de São Paulo, mostrando ser possível as conversas para a gente conseguir avançar nesse sentido”.

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O pesquisador da Embrapa Décio Luiz Gazzoni, além de concordar com adoções de boas práticas em todo o país, considerando as particularidades de cada região, ideia defendida pelos painelistas desse Diálogo, citou a capilarização como palavra chave. “Para isso, precisamos contar com as estruturas das associações, sindicados, pequenos produtores e empregados rurais para ter essa capilaridade e chegar bem próximo da base. Outra questão também colocada é a similaridade de certificação. Nós temos de parar de pensar que o governo é responsável por tudo. Eu faço uma crítica, porque eu sou do governo, há 44 anos, e reconheço essas dificuldades. Nós temos de pensar num conjunto da sociedade atuando – iniciativa privada, ONGs etc”.

Como ferramentas a facilitar a capilarização, Décio cita o diálogo, a melhora no nível de instrução dos trabalhadores rurais e a transferência de conhecimento, entre outros meios factíveis, além da compreensão de que não haverá uma transformação imediata, mas é um processo a evoluir com o passar dos anos, a partir de 2017. Ou seja, uma demanda de adequação progressiva, considerando o tempo e o espaço. “É bom lembrar os exemplos do cinto de segurança e

da certificação do setor de fruticultura. Ambos levaram um tempo, mas se consolidaram e hoje são irreversíveis. Nós temos de pensar também em metas agregadas a uma construção no tempo. Por isso, eu havia mencionado antes a questão das escolas, começando a trabalhar crianças e adolescentes, preparando-os, mas também para que eles sirvam como instrumentos de transmissão disso dentro de suas famílias, do seu contexto social”.

“É bom lembrar os exemplos [da obrigatoriedade do uso] do cinto de segurança e da certificação do setor de fruticultura. Ambos levaram um tempo, mas se consolidaram e hoje são irreversíveis. Nós temos de pensar também em metas agregadas a uma construção no tempo.”

- Décio Luiz Gazzoni, professor e pesquisador da Embrapa.

“Precisamos estender também esses Diálogos para as pequenas comunidades. Inclusive, às vezes, não temos muito contato com agricultores e com apicultores exportadores, porque ficamos um pouco dentro da zona de conforto.”

- Roberta C.F. Nocelli, professora da Universidade Federal de São Carlos.

A professora da UFSCar Roberta Nocelli enxerga a dificuldade de implantar as sugestões debatidas no encontro, porém admite que esse tipo de evento ajuda a unir esforços e formas de superar as barreiras apresentadas. Ela também crê na extensão rural como um meio para vencer os problemas, de forma que deve ser retomada, para cumprir o papel de colaborar com a adoção das boas práticas no campo. Diante disso, Nocelli defende o tripé formado pela extensão rural, ensino e pesquisas. “A gente costuma dizer que o nosso tripé está manco porque o investimento em pesquisa para extensão, de uma forma geral e não só a rural, é muito menor. Nós precisamos aumentar o investimento nas instituições, além da extensão”.

Rodrigo de Brito comunga da mesma ideia de Décio, dizendo ser importante buscar apoio de mais entidades. “Existe o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), presente em todos os estados. O governo recentemente recriou a Agência de Extensão Rural Nacional. Nas décadas de 70 e 80, houve a muito atuante Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Governo do Distrito Federal (Emater) e, infelizmente, foi extinta, ao invés de ser reformulada. A extensão rural foi considerada uma despesa, isso foi uma falha grave lá atrás e precisa ser revista”. Para ele, os conhecimentos oriundos da academia e de eventos, como o Diálogos do Colmeia Viva, devem ser capilarizados e internalizados nas diversas instituições do setor de agronegócio.

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“As boas práticas agrícolas têm três pilares fundamentais: o meio ambiente, a responsabilidade social e a segurança alimentar. É nisso que as empresas que são certificadas são auditadas.”

- Luiz Roberto Maldonado Barcelos, presidente da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas).

A especialista também sugeriu aumentar a acessibilidade das instituições, órgãos e secretarias estaduais e municipais no setor agrícola aos produtores, apicultores e meliponicultores. “Precisamos estender também esses Diálogos para as pequenas comunidades. Inclusive, às vezes, não temos muito contato com agricultores e com apicultores exportadores, porque ficamos um pouco dentro da zona de conforto, tanto em termos pessoais quanto institucionais. Eu acho que a gente já tem discutido um pouco isso dentro do Sindiveg, por meio das cartilhas, que podem ser divulgadas não somente para a cadeia produtiva, mas para toda a população, ampliando a conscientização sobre a importância da agricultura da importância da apicultura, da

conservação [da biodiversidade]. Para que no futuro, não precisemos fazer esse tipo de diálogo, seja uma coisa natural no Brasil, de que as pessoas entendam todo o contexto e suas importâncias”.

Entre os temas relevantes a serem levados à sociedade, de acordo com Roberta, está criar a profissão de aplicador de defensivo agrícola, assim como o seu entendimento como parte essencial do processo agrícola, de polinização e preservação do meio ambiente. Ela ainda salienta incluir no plano nacional, a convivência e o diálogo com a sociedade sobre a ideia de que a agricultura, a apicultura e a conservação sejam um tema nacional e não só dos participantes da cadeia produtiva.

O presidente da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas) Luiz Roberto Maldonado Barcelos usou o exemplo do Programa Soja Plus como um bom diferencial para o agricultor. Essa certificação, até setembro de 2016, foi aplicada para cerca oito bilhões de hectares. Isso significa que tais produtores executam boas práticas agrícolas na condução daquelas culturas. Conforme Barcelos, em um momento de dificuldade de mercado, eles venderão seus produtos primeiro, em relação a quem não possuem a certificação. “As boas práticas agrícolas têm três pilares fundamentais: o meio ambiente, a responsabilidade social e a segurança alimentar. É nisso que as empresas que são certificadas são auditadas”.

Segundo ele, essa mudança de mentalidade garante mais eficiência e competitividade ao produtor, evita reclamações trabalhistas e autuações por parte de órgãos ambientais de meio ambiente e gera produtos de melhor qualidade. “Como nós vivemos numa economia de livre comércio, o produtor que adotar as boas práticas agrícolas vai ter um diferencial, resultando na diminuição de custo ou em aumento de preço. Temos também de reconhecer que a forma como os nossos avós e pais faziam agricultura vai se modificando naturalmente para melhor, a partir da nossa geração e a da que vai vir, porque nós estamos tendo mais acesso à tecnologia e

à informação. Acho importante a extensão”, opinou Barcelos.

Ele admitiu criticar, às vezes, teses de doutorado e mestrado, por elas estarem longe da realidade. Por isso, o especialista defende mais ainda a aproximação entre os setores produtivos e a academia de ensino. “De certa forma, esse fato já vem acontecendo e é por isso que o Brasil ocupa esse lugar de destaque no agronegócio”. Por fim, Barcelos ressalta as boas práticas agrícolas como um benefício econômico e financeiro, independente da área a serem aplicadas. “É uma questão de sobrevivência de mercado, o mais eficiente vai conseguir melhores resultados”.

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Mas para o mediador Rodrigo Justus de Brito, existe um desafio para incluir os pequenos e médios produtores, pois, na maioria das vezes, eles não têm condição de fazer a certificação como uma grande empresa que exporta diretamente. O produtor menor vende o seu produto normalmente para as companhias especializadas em comércio internacional (trading companies). “Lá, o produto é misturado com outros em milhões de toneladas. O Soja Plus é um sistema de verificação de conformidade. Selos têm um custo de gestão, devido à certificadora e tal. O pequeno e o médio não têm condições de chegar lá. Então, esse sistema das entidades

fazerem certa verificação dos quesitos e conformidades está ampliando o tipo de trabalho como o do Soja Plus”.

Brito ainda ressaltou a diferença de cursos de agronomia no Brasil que ampliam esse desafio e o apego a algumas posturas políticas que impedem o avanço do debate em termos práticos e que possam acomodar diferentes perspectivas. “Nós temos aqueles que estão direcionados a fazer pesquisa, a aprimorar o sistema atual. (...) mas, ao invés de avançarmos, ficamos rediscutindo chavões de antigamente e na verdade precisamos subir um andar de sermos contra isso ou a favor daquilo”.

“De certa forma, esse fato [a aproximação entre os setores produtivos e a academia] já vem acontecendo e é por isso que o Brasil ocupa esse lugar de destaque no agronegócio.”

- Mediador Rodrigo Justus de Brito (CNA) – presidente da Comissão Nacional do Meio Ambiente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)

Retomando a discussão sobre questões envolvendo as técnicas de boas práticas aplicadas na aviação agrícola, por exemplo, o professor Ulisses Rocha Antuniassi falou sobre determinada crueldade, quando não há a participação dentro de uma cadeia já estruturada. Para ele, é difícil convencer um produtor a adotar as boas práticas com o argumento de seus benefícios, quando há consumidor não valorizando as boas práticas. “Por que eu vou investir nas boas práticas, se ela vai fazer custar mais à minha atividade? Em tese é o que acontece na aplicação aérea que é voluntária,

certo? Então qual tem de ser o processo do ponto de vista de todo o universo fora dos programas de certificação, por exemplo, de rastreabilidade das grandes corporações?”. Segundo o especialista a resposta está na união do conceito da extensão à educação e aplicação das boas práticas.

Com base nesse pensamento, Antuniassi sugere a atualização das leis pertinentes ao setor, de maneira a incentivar as melhores condutas. A legislação e as normas têm de se adequarem a uma realidade mais moderna. Além disso, opina o especialista,

“Se a legislação colocar todos em um mesmo processo ficará igual para todo mundo. É importante ter a diferenciação do melhor e do pior, ou de um produtor mais engajado e outro menos. A liberdade é ótima, mas alguns elementos precisam estar colocados de uma maneira correta na legislação. Junto com isso, tem de ter o mercado consumidor exigindo.”

- Ulisses Rocha Antuniassi, professor da Unesp.

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se para tais orientações for requerido investimento financeiro, o ideal é inseri-las como processo legal e não como práticas consideradas como geradoras de custo. “Por exemplo, se certa aplicação aérea exigir um equipamento mais caro e o seu uso for requisito legal, não terá como alguém dizer.”

Antuniassi crê em contrapartidas, pois para ele ficar preso a regras antigas impede a mudança de hábitos mais nobres.

“Por exemplo, não é obrigatório participar do processo de certificação para vender tomate na feira. Mas se eu quiser vender [no supermercado], provavelmente, terei de ser certificado”, esclareceu Antuniassi. Para ele, cada caso deve ser tratado de modo diferente. “Se a legislação colocar todos em um mesmo processo ficará igual para todo mundo. É importante ter a diferenciação do melhor e do pior, ou de um produtor mais engajado e outro menos. A liberdade é ótima, mas alguns elementos precisam estar colocados de uma maneira correta na legislação. Junto com isso, tem de ter o mercado consumidor exigindo”, finalizou Antuniassi, defendendo uma troca comercial favorável.

Brito concorda com Antuniassi e reforça a ideia de haver as boas práticas obrigatórias e as voluntárias. “No Brasil inclusive a certificação é o mero cumprimento de uma legislação. Na verdade, o serviço de fiscalização de atividade deveria tirar aqueles que estão fora de um padrão, mas a legislação tem de ser revista, porque senão todo mundo vai ser jogado na ilegalidade. Se for para cumprir a norma geral, é preciso que para cada atividade tenha o que é especificamente a boa prática obrigatória do que aquilo que seja adicional”, contribuiu o mediador.

Ane Veronez acredita na possibilidade de transformação do setor com o passar do tempo. Para justificar a sua crença, ela citou programa implantado há 10

anos no Estado de São Paulo, visando o recolhimento de defensivos agrícolas proibidos por lei, os organoclorados. No começo, segundo ela, nada foi feito em relação a esses produtos, porque exatamente a lei prejudicava aquele agricultor com quantidade considerável dos produtos. “O governo proibiu a utilização deles em 1985, mas havia pessoas com

“O agricultor tem a desconfiança de abrir a sua propriedade para mim e o apicultor de dizer quantas caixas ele tem. Então, a gente precisa, primeiro, ter a tranquilidade de que as coisas demoram, não sendo intolerante e nem ansioso.”

- Ane Beatriz Camargo Veronez, diretora-substituta do Centro de Fiscalização de Insumos da Coordenadoria de Defesa Agropecuária do Estado de São Paulo, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento.

toneladas deles em algumas regiões. Simplesmente a lei proibiu e pronto. Passaram-se todos esses anos, até que dialogando a sociedade, os agricultores, as secretarias de Agricultura e de Meio Ambiente foi definido um período para aquele agricultor declarar a posse do produto e obter isenção de qualquer sanção administrativa e problema ambiental”.

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Naquela ocasião, com vistas a solucionar tal impasse, houve envolvimento, no âmbito do estado de São Paulo, das Secretarias de Agricultura e Abastecimento e de Meio Ambiente. Juntas, definiram prazos e formas de declaração de cada lote dos produtos proibidos. Para ela, o cumprimento da Lei foi simples, o problema estava em conversar e convencer cada agricultor a confiar na decisão e admitir a existência dos defensivos em sua propriedade. Esse trabalho levou dez anos. Segundo a diretora-substituta da Coordenadoria da Defesa de Agropecuária, a demora se deu devido ao processo de aproximação junto ao produtor para que declarasse a posse e quantidade daquele tipo de defensivo agrícola. “O agricultor tem a desconfiança de abrir a sua propriedade para mim e o apicultor de dizer quantas caixas de abelhas ele tem. Então, a gente precisa, primeiro, ter a tranquilidade de saber que as coisas demoram, não sendo intolerante

e nem ansioso. Estamos no quarto evento e vemos que isso obrigatoriamente nós vamos ter de mudar. O trabalho é difícil e obrigatório”.

Ela reafirmou fazer parte do papel de todas as esferas governamentais, as discussões abordadas nos dois dias do evento, com vistas a englobar a extensão rural, mesmo deficiente e os órgãos de fiscalização e das áreas sanitárias e aumentar o fórum já estabelecido. Veronez ressaltou, ainda, a necessidade de se estender o mesmo convite para escolas, educadores e representantes desses setores de outros estados. “Eu trago uma palavra de quem vem trabalhando em vários projetos. Às vezes pensamos que elas não vão chegar, mas eles se concretizam, aparecem e passam a ser plataforma de governo. Portanto, vamos continuar. A gente vai conseguir, pode demorar um pouquinho, mas a gente consegue”.

QUESTÕES DA PLATEIAORGANIZADAS PELO MEDIADOR

As questões enviadas pelos participantes foram direcionadas ao mediador Rodrigo Justus de Brito para promover uma interação proativa e uma discussão mais abrangente. As duas primeiras perguntas do último Diálogo se ativeram à área da educação: Quais são as esferas e áreas específicas para participar e mobilizar para essa discussão sobre a educação?

Roberta Nocelli: Se a gente for pensar no currículo nosso que é determinado dentro

da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, considerando o currículo básico determinado pelo Ministério da Educação (MEC), deveríamos trazer [os responsáveis dessas esferas] para essa discussão e divulgar esse assunto para que todos saibam e possam contribuir na formação da pessoa. Depois, trazer o consumidor que faça a exigência e o ciclo.

Tanto os cursos de agronomia como de biologia, tratam do tema polinização como

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sendo a transferência do grão de pólen da parte masculina para a parte feminina e nada mais. Os cursos que se aprofundam [nesses temas] são os que formarão pessoas para trabalhos [específicos de polinização]. Mas, a gente não tem isso efetivamente fazendo parte do curso. Então, talvez, convidar coordenadores de cursos ou das áreas da agronomia, da biologia, das Secretarias ou do MEC, responsáveis pelos currículos.

Eu não sei se seria uma questão de currículo, mas levar a discussão para [essas esferas]. Eu concordo que a gente não precisa pôr no currículo as disciplinas apicultura e polinização, mas a discussão tem de chegar lá. Então, eu acho que trazer coordenadores para cá, um representante da Secretaria Estadual de Educação vai ampliar a discussão. Eu também sou contra a gente ficar aumentando disciplina. Não é essa a questão. Se houver uma boa discussão já melhora muito, mais do que ter a disciplina em si.

Rodrigo Justus de Brito: Quais as prioridades sobre o que se deve fazer, já que sabemos o que não é feito na educação?

Roberta Nocelli: A primeira prioridade é aquela que pode ser a mais imediata e que vai surtir mais efeito, a conversa. É expandir isso aqui para outras esferas. A Ane mencionou isso, fazer mais macro, ampliar para outros Estados. Mas, eu acho que a primeira ação é sair daqui e disseminar os vários projetos que já estão sendo efetivamente aplicados e dando certo para os municípios, como a gente está com um projeto inicial no Estado de São Paulo.

A gente já tem e muitos deles já são regionais, só que eles acabam, porque esbarramos, também pensando na universidade, em custos muito restritos e a gente só consegue fazer aquilo lá. Às vezes eles acabam e não são expandidos. Eu acho que a gente já tem boas propostas, bons exemplos que deram certo nessa convivência entre a produção e a apicultura e na questão da conservação, tendo novos levantamentos, alguns estudos de como a agricultura, a apicultura e as abelhas das matas vão se comportar. A gente já tem alguns resultados que podem ser aplicados, basta expandir os dados que já temos e fazer desses diálogos uma rede estabelecida efetivamente. Que a gente

saia daqui com a possibilidade de fazer um levantamento sobre o que está dando certo. Esses [levantamentos] a gente já está com eles na mão, então, daí vamos implantar as outras ações. Mas, o que a gente já tem de positivo, eu acho que tem de ser divulgado, expandido e apoiado para que possa ser aplicado em outras propriedades e regiões dependendo do projeto.

Rodrigo Justus de Brito: No ambiente regulatório, as boas práticas agrícolas compreendem o atendimento integral das recomendações do rótulo e bula. Em um contexto mais amplo o que ou quais demandas estão inseridas nas boas práticas agrícolas no Brasil?

Ulisses Rocha Antuniassi: Isso hoje se tornou um drama, porque existe todo tipo de uso do conteúdo. Vamos pensar na parte de aplicação, para o bem e para o mal sentido. Vamos supor que haja interesse em proibir tal atividade. Então, alguém vai e olha a bula como está e vai lá no campo e pensa: - Ah não está sendo seguido, então vamos proibir. Mas, alguém argumenta: - Mas, espera aí, o que está sendo colocado na bula? Coloca isso, coloca aquilo. E o outro diz: - Mas como? Isso não faz parte, isso não está seguindo conceitos de boas práticas. E o primeiro retruca: Bom, mas essa bula foi feita vinte anos atrás. E o outro diz: Mas, é muito difícil mudar a bula.

Então, o grande problema é a dificuldade de mudar a bula? Talvez tenha de mudar a legislação para tornar a bula uma coisa mais flexível, mais adaptável ao contexto de cada utilização e, com isso, a gente possa inserir esses conceitos de boas práticas na bula. Eu acho que isso do ponto de vista de colocação em prática de um processo de boas práticas é bastante daninho.

Roberta Nocelli: Só para complementar o comentário, ela não é completa, você não vai conseguir colocar tudo na bula, então você nunca vai conseguir atingir. Eu acho que restringir as boas práticas à bula nunca vai conseguir fazer tudo. Por exemplo, se a gente for pegar e listar tudo o que é possível fazer para proteger as abelhas, terei 50 páginas de bula. Eu acho que além dela estar desatualizada, não atender a tudo, ela nunca vai conseguir ser completa. As boas práticas têm de ser muito além de uma bula.

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As boas práticas devem levar em consideração um plano de conservação de solos, o manejo de resíduo sólido e dejetos na propriedade, os usos corretos da água e dos herbicidas, inseticidas, fungicidas e outros. Elas estão intrinsecamente ligadas ao comportamento e atitudes de todos os atores do agronegócio.

É fundamental considerar todas as especificidades regionais, como a dimensão da propriedade, área de produção, biomas, clima e problemas inerentes a cada localidade, para a elaboração de um plano nacional de boas práticas.

Seguir normas e determinações legais, assim como criar nova legislação, pode ser um caminho para implantar as boas práticas em todo o país, porém, já é possível começar o trabalho nesse sentindo, tendo um planejamento progressivo de aprimoramento.

A sociedade, claramente, prejulga o setor de defensivos agrícolas, portanto, é necessário traçar meios para que ela seja mais bem informada sobre os assuntos pertinentes ao tema. São remédios para as plantas, bem como os seres humanos ao utilizar medicamentos para promover a saúde.

A certificação e licença ambiental outorgadas pelo governo podem garantir a idoneidade de empresas ligadas ao agronegócio, agricultores e apicultores, em prol da polinização e proteção à biodiversidade brasileira.

As experiências oriundas dos Diálogos do Colmeia Viva devem ser expandidas para dentro das principais universidades, entidades sindicais e órgãos do governo. Um número maior de pessoas com suas respectivas especialidades devem participar do processo de conscientização sobre a importância dos polinizadores para o campo.

Representantes de municípios também devem participar das discussões promovidas pelo Colmeia Viva. Desse modo, eles podem ser envolvidos na implantação do plano nacional de boas práticas desde o início, a começar com as ideias e projetos já existentes.

Unir esforços para achar meios de divulgar as informações, soluções, sugestões e conhecimentos disponíveis até o momento deve ser o próximo passo a ser adotado por toda a comunidade já envolvida nas conversas promovidas pelo Colmeia Viva.

A atualização de leis deve ter o intuito de melhorá-las, ponderando as realidades regionais brasileiras, facilitando também a criação de um plano único de boas práticas para todo o país. Representantes do governo presentes no encontro acreditam nessa possibilidade.

Boas práticas têm de ser muito além de uma bula.

TÓPICOS PRINCIPAIS DO DIÁLOGO 5

PALESTRA MAGNA

SITUAÇÃO ATUAL DA REAVALIAÇÃO AMBIENTAL DOS DEFENSIVOS AGRÍCOLAS

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A reavaliação ambiental dos defensivos agrícolas, realizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), nos neonicotinóides (imidacloprido, tiametoxam e clotianidina) e no fipronil, ocupa um lugar de destaque entre as discussões sobre as práticas agrícolas atuais. Entender mais sobre como funciona o processo torna-se fundamental para avançar o diálogo sobre a complementaridade entre as tecnologias agrícolas e a polinização realizada pelas abelhas. Para tanto, o 4º Colmeia Viva - Diálogos promoveu a palestra magna “Situação Atual da Reavaliação Ambiental dos Defensivos Agrícolas”, um dos pontos altos do encontro, com a participação da analista ambiental do órgão, Flavia Viana Silva.

Desde 1989, quando foi sancionada a lei de defensivos agrícolas, determinando que os produtos fossem avaliados também pelo prisma ambiental, coube ao Ibama a responsabilidade de realizar a avaliação de no meio ambiente. A avaliação dos produtos inicialmente era feita de acordo com a classificação do perigo, de acordo com o ranking de sua toxicidade. Desde 2012, o IBAMA passou a implementar a avaliação do risco, que já havia sido prevista no Decreto 4.047/02, que regulamenta a Lei 7.802/89. Mas o processo ainda está sendo estruturado.

A avaliação de risco ambiental tinha sido aplicada apenas para alguns produtos específicos e sem uma metodologia a respaldar os trabalhos. Já o processo

CONCEITOS IMPORTANTES:

Exposição: contato ou co-ocorrência de um agrotóxico com um organismo.Toxicidade: a capacidade de uma substância causar efeitos adversos.Efeito: mudança no estado ou dinâmica de um organismo, sistema ou população causada pela exposição a um agente estressor.Efeito adverso: mudança na fisiologia, morfologia, crescimento, desenvolvimento, reprodução ou tempo de vida de um organismo, sistema ou população que resulta em uma incapacidade funcional ou incapacidade em compensar o estresse adicional ou um aumento na susceptibilidade a outras influências.Endpoint: resposta mensurável a um estressor; parâmetro que representa o efeito e é expresso numericamente (ex: DL50, CL50, NOEC, etc).

de reavaliação ambiental de forma mais sistematizada começou, de fato, no momento em que essas poucas verificações indicaram alto risco de contaminação para alguns produtos específicos, como os neonicotinóides e o fipronil, além dos relatos sobre eventos de mortalidade da vida animal, realizados por outros países. Por esses motivos, os registros desses produtos começaram a ser revistos.

Para melhor compreensão sobre o tema, é importante conhecer as definições dos principais aspectos do processo. Conceituar risco é um dos primeiros pontos a serem esclarecidos. Na definição utilizada pelo

Ibama, apresentada por Flavia Viana, o risco consiste na probabilidade de efeito adverso, resultante da exposição de um organismo vivo a uma única ou mais substâncias tóxicas. O oposto a esse conceito é a segurança, descrita como a certeza calculada de que aquela exposição não irá decorrer de nenhum efeito adverso. “Já o efeito adverso é a mudança na fisiologia, morfologia, crescimento, desenvolvimento, reprodução ou tempo de vida de um organismo, sistema ou população, resultando em uma incapacidade funcional, ou incapacidade em compensar o estresse adicional ou um aumento na susceptibilidade a outras influências”.

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METODOLOGIA

A metodologia padronizada de reavaliação ambiental dos defensivos agrícolas se apresenta em quatro fases minuciosas e com interação entre elas. Ou seja, não é preciso finalizar uma etapa para seguir adiante.

A fase de formulação do problema gera a base inicial da avaliação de risco ambiental, criando a hipótese de risco. Logo, todas as informações disponíveis são levantadas, construindo, assim, os diagramas conceituais e os objetivos de proteção. Essas informações, no caso considerando os defensivos agrícolas, vão compor os rótulos, as bulas e as recomendações de uso dos produtos avaliados, pelos técnicos da equipe, entre outras medidas.

A fase 1 é o nível mais básico da avaliação de risco ambiental. Ela opera como uma ferramenta de triagem. Nesse momento, são aplicados pressupostos conservadores, com relação à exposição, e utilizadas as estimativas mais sensíveis de toxicidade, provenientes de estudos em laboratório com cada abelha selecionada. Tais pressupostos compõem o chamado cenário de pior caso.

A partir dessas informações, portanto, busca-se medir e analisar a chance de acontecer algum efeito adverso. “Nesse contexto, a avaliação de risco ambiental consiste no processo de verificar a probabilidade de um efeito ecológico adverso que possa ocorrer ou esteja ocorrendo, como resultado da exposição de um organismo a um ou mais defensivos agrícolas ou a outros produtos. À Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) cabe a avaliação de risco na saúde e ao Ministério da Agricultura e Pecuária e Abastecimento (Mapa) à agronômica. Atualmente, o Ibama realiza a avaliação de risco ambiental para organismos aquáticos, aves e abelhas”, explicou a palestrante, formada em ciências biológicas, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Ao ter os conceitos sobre risco, avaliação de risco e efeito adverso como base, é possível aprofundar o entendimento sobre a metodologia aplicada pelo Ibama nos processos de reavaliação ambiental

dos defensivos agrícolas em relação às abelhas que são os organismos indicadores de insetos polinizadores, grupo sob a coordenação da palestrante.

Nessa etapa, a exposição geralmente é superestimada, ou seja, toma-se por base a dose máxima aplicada e considera-se o fato de a substância não sofrer a influência dos fatores ambientais. “E, por esse motivo, se a fase 1 não indicar risco, já se considera que ele [o risco] é baixo ou aceitável, não significando, necessariamente, que ele não existe. Esse estágio apenas aponta para um potencial risco. Da mesma forma, não

Fonte: USEPA, Guidelines for Ecological Risk Assessment, 1998.

se pode afirmar que há risco, pois, vários fatores que influenciarão o comportamento da substância foram propositalmente desconsiderados”.

A avaliação de risco ambiental passa por refinamento, ou seja, mais variantes vão sendo contabilizadas, além da caracterização da exposição, dos efeitos e do próprio risco. Todos processos

AVALIAÇÃO DE RISCO ECOLÓGICO

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FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

CARACTERIZAÇÃO DO RISCO

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CARACTERIZAÇÃO DA EXPOSIÇÃO

CARACTERIZAÇÃO DOS EFEITOS

- Hipótese de risco - Todas informações disponíveis- Diagramas conceituais- Objetivos de proteção

- Cenários (solo + cultivo + clima)- Fontes, distribuição e concentrações esperadas no ambiente- Vias de exposição

Estudos dos registrantes- Uso de modelos preditivos- Dados de monitoramento- Dados de literatura

- Rótulo / bula- Recomendações de uso propostas

FASES DA REAVALIAÇÃO AMBIENTAL DOS DEFENSIVOS AGRÍCOLAS Metodologia padronizada de reavaliação ambiental dos defensivos agrícolas

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vão se tornando mais complexos, pois é acrescentada à análise uma série de variáveis, que não pode mais ser estritamente controlada, dificultando a relação de um determinado efeito à ação da substância ou produto testado.

“Nas etapas mais complexas, muda-se o foco da avaliação dos efeitos, saindo do nível individual para o coletivo [a colônia]. Já o foco da avaliação da exposição é redirecionado para chegar a valores medidos em condições de campo. Se o risco se confirma nesse contexto mais realista, se pode afirmar a sua real existência”. Caso essa fase indique a necessidade de refinamento da avaliação, outros estudos serão necessários, dependendo do potencial de risco indicado. Sendo assim, a partir da fase 2, a necessidade de estudos passa a ser definida conforme cada caso.

Nessa fase da avaliação, segundo a especialista, são requeridos estudos, englobando temas envolvendo a toxicidade por contato aguda (abelhas adultas), a toxicidade oral aguda (abelhas adultas e larvas), toxicidade crônica (abelhas adultas), toxicidade oral crônica (larvas) e toxicidade dos resíduos na folhagem (abelhas adultas).

A metodologia integra, ainda na fase 1, objetivos de proteção gerais e específicos focados na preservação das abelhas. Os gerais buscam proteger os insetos

polinizadores e sua biodiversidade e garante os serviços ecossistêmicos e de polinização, além da produção de mel, própolis, cera etc. e a provisão de recursos genéticos. Já os específicos são mais precisos em termos de qualificação do material a ser protegido e mais diretamente ligado aos procedimentos de avaliação de risco. Um objetivo de proteção específico pode conter, por exemplo, a definição de impacto significativo e de risco aceitável ou inaceitável. Sua definição envolveu a participação de um grupo técnico de trabalho, formado desde 2015 e composto por profissionais do Ibama, da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef) e professores da academia.

Para atuar na fase 2, primeiramente devem ser determinados os resíduos em matrizes relevantes para abelhas em condições reais de aplicação em campo, considerando o

pior caso, novamente. De acordo com a sua fala, essa condição [de pior caso] depende das características do produto, culturas agrícolas onde ele é indicado, doses utilizadas, o modo e a época de aplicação, entre outros.

Entretanto, até se tenha conhecimento de uma cultura representativa de pior caso para concentração de vestígios de defensivos agrícolas, nas matrizes relevantes às abelhas, será necessário conduzir estudos de resquícios de produto em campo. “Após a obtenção do nível adequado de resíduos em condições realísticas, deverão ser recalculados os Quocientes de Riscos (QRs), substituindo-se as estimativas iniciais conservadoras pelos valores encontrados. É importante acrescentar que, dadas as limitações para contabilizar a variabilidade temporal e geográfica, deverão ser utilizados os valores máximos encontrados em cada matriz para o cálculo do risco agudo e a maior média diária encontrada, para o cálculo do risco crônico”.

A segunda fase é a caracterização da exposição ao produto químico, buscando pré-determinar como os organismos vão ser expostos a certas substâncias, considerando cenários, consistindo no conjunto das condições daqueles organismos, os quais sofrerão as influências. Nela, admite-se também o solo, os tipos de cultivos, o clima, as fontes, as rotas de exposição, o tipo de contato,

o determinado defensivo agrícola e as possíveis concentrações do produto.

Conforme a analista, “se for detectado o risco, nós passamos para uma análise nas colônias, a fim de averiguar a sua possibilidade real. Por outro lado, se não for acusado risco [fase 1], com certeza o defensivo agrícola é seguro. Além disso, mesmo que acuse risco nesse momento inicial, não significa que o risco existe de fato, porque como é uma exposição superestimada pode ser que ainda com refinamento chegue-se à conclusão de que o produto não contém substâncias nocivas”.

A terceira fase são os efeitos do produto avaliado no campo. Com as colmeias presentes no cultivo, depois de utilizados os defensivos agrícolas da forma recomendada, são observados como acontecem ou podem acontecer os tipos de exposições. “Após certo tempo verificamos os itens: danos, mortalidade, força da colmeia e assim por diante”. Por isso, é preciso realizar todas as etapas, sendo a última fase, a 4, a mais complexa em que acontece o monitoramento para se chegar a dados mais precisos. [a fase 4 é o monitoramento].

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ESTRESSOR

FONTE

MODO DE EXPOSIÇÃO

RECEPTORES

ATRIBUTO MODIFICADO

DERIVA DO ATRITO DA SEMENTE TRATADA

ABELHAS FORRAGEADORAS

(TRABALHADORAS)

CAPTURA DÉRMICA E INALAÇÃO

CAPTURA DÉRMICA INGESTÃO

PROCESSAMENTO DO PÓLEN E NÉCTAR

INGESTÃO, PRODUÇÃO DO FAVO DE MEL

CENÁRIOS DE EXPOSIÇÃO DE ABELHAS A DEFENSIVOS AGRÍCOLAS

Considerando o cenário da área tratada e fora dela, as abelhas podem ser expostas, em decorrência do contato direto com a nuvem da pulverização. Às vezes, elas estão forrageando e entram em contato com alguma gotícula restante da aplicação ou devido ao consumo direto do néctar e pólen contaminados, ou ainda, pela translocação, no caso de produtos sistêmicos. “Já fora do espaço tratado, as abelhas podem ter contato com a deriva, seja passando por superfícies atingidas ou por sementes tratadas”.

Além disso, de acordo com Flavia Viana, como elementos a colaborar para a reavaliação ambiental, ainda estão o estressor, fontes, modos de exposição, receptores e os efeitos em potenciais. A partir de um slide de sua apresentação, ela pontuou cada um deles. “Por exemplo, o estressor pode ser um defensivo agrícola sistêmico. As fontes são os variados tipos de deriva. Os modos de exposição podem ser as diversas formas de contatos. Os receptores são as abelhas forrageadoras, as abelhas das colmeias e o ninho. Por último, temos o atributo modificado, o qual pode ser os efeitos causados”.

AGROTÓXICOS SISTÊMICOS: APLICAÇÃO NO TRATAMENTO DE SEMENTES

RESÍDUOS NAS SEMENTES PLANTADAS

RESÍDUOS EM PÓLEN NÉCTAR,

EXUDATOS E HONEYDEW*

NINHO

RAINHA***

DEPOSIÇÃO NOS SOLOS, PLANTAS E ÁGUA SUPERFICIAL

TAMANHO DA POPULAÇÃO E ESTABILIDADE DAS COLÔNIASREDUÇÃO DA FORÇA E SOBREVIVÊNCIA DA COLÔNIAREDUÇÃO DA FECUNDIDADE DA RAINHA E SUCESSO DO NINHOREDUÇÃO DA SOBREVIVÊNCIA DO INDIVÍDUO E ALTERAÇÕES COMPORTAMENTAIS

* SOLUÇÃO AÇUCARADA EXCRETADA POR AFÍDEOS

** O NINHO SE ALIMENTA DE GELEIA DO NINHO E GELEIA REAL, MAIS TARDE, NO PERÍODO DE DESENVOLVIMENTO, ELE CONSOME PÓLEN E MEL PROCESSADOS, ENQUANTO A RAINHA SE SUSTENTA APENAS DE GELEIA REAL.

*** A INTERCEPTAÇÃO COM PARTÍCULAS DE POEIRA É UMA ROTA DE EXPOSIÇÃO POTENCIAL DURANTE VOOS DE ORIENTAÇÃO E ACASALAMENTO.

QUANTIDADE E QUALIDADE DOS PRODUTOS DA COLMEIAREDUÇÃO DA PRODUÇÃO DE MEL, CERA E PRÓPOLIS

CONTRIBUIÇÃO PARA BIODIVERSIDADE DE POLINIZADORESREDUÇÃO DA RIQUEZA E ABUNDÂNCIA DE ESPÉCIES

ABELHAS DA COLMEIA(ENFERMEIRAS,

TRABALHADORAS, ZANGÕES)

TRANSLOCAÇÃOVIA SEMENTE

TRANSLOCAÇÃOFOLIAR

TRANSLOCAÇÃOVIA XILEMA

INGESTÃO

ALIMENTAÇÃO DO NINHO**

CERA, PRÓPOLIS

GELÉIA REAL

REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DA HIPÓTESE DE RISCO CRIADA PELA EQUIPE DE AVALIAÇÃO DE RISCO

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Tendo em vista esse panorama, na sequência dos trabalhos, para detectar a possibilidade de contaminação são realizadas seis perguntas inter-relacionadas:

- O produto é aplicado na floração? - A cultura é visitada por abelhas? - Há exposição delas dentro da área?- O produto é aplicado na floração? - O produto é sistêmico? - Pode ter a exposição por translocação?

ÁRVORE DE DECISÃO PARA DETERMINAR SE HÁ EXPOSIÇÃO DAS ABELHAS

O PRODUTO É APLICADO NA FLORAÇÃO?

A CULTURA É VISITADA POR ABELHAS?

A DERIVA DA PULVERIZAÇÃO É SIGNIFICATIVA?

O PRODUTO É SISTÊMICO?

HÁ ÁREAS DE VEGETAÇÃO NATURAL PRÓXIMAS À ÁREA TRATADA?

NÃO HÁ EXPOSIÇÃO DAS ABELHAS NA ÁREA TRATADA (CONTINUE PARA AVALIAR EXPOSIÇÃO

FORA DA ÁREA TRATADA)

NÃO HÁ EXPOSIÇÃO DAS ABELHAS FORA DA ÁREA TRATADA

HÁ EXPOSIÇÃO DAS ABELHAS NA ÁREA

TRATADA

- CONTATO DIRETO COM A NUVEM DA PULVERIZAÇÃO- CONTATO COM RESÍDUOS NAS FOLHAS

- CONSUMO DE PÓLEN E NÉCTAR CONTAMINADOS PELA DEPOSIÇÃO DO PRODUTO

HÁ EXPOSIÇÃO DAS ABELHAS FORA DA

ÁREA TRATADA

NÃO

SIM

NÃO

NÃO NÃO

NÃO

SIM

SIM SIM

SIM

SIM

NÃO

A partir das respostas e cruzamentos de informações, o próximo passo é a classificação sobre o fato de haver ou não a possibilidade de contato e, consequentemente, o risco. Caso seja confirmada a exposição, é realizado um cálculo para atribuir um valor a ela, a fim de se descobrir o nível de Concentração Ambiental Estimada (CAE), por meio de modelos matemáticos.

Com isso, essa valoração é utilizada na fase 1 do processo, podendo, então, ter mais clareza para indicar a existência ou não do risco. Encontrando esse dado, compara-se com os valores de toxicidade. Se for constatado o risco, os estudos passam para uma próxima etapa, de acordo com a melhor indicação naquele momento. Caso não haja risco, encerra-se a avaliação.

DESCOBERTAS E ANÁLISES

Realizados todos esses estágios, passa-se para a descoberta e análise dos possíveis efeitos, partindo para a sua caracterização. “Assim, vamos descobrir a magnitude dos tipos de efeitos e qual a relação do defensivo agrícola com a resposta, ocorrências, acidentes e estudos dos registrantes. Também, selecionamos os endpoints (resposta mensurável a um estressor), que vão ser responsivos às hipóteses de risco. Esses dados, nós conseguimos através de literatura e quando há ocorrência de

acidentes, buscamos descobrir detalhes sobre a ingestão para tentar calcular os efeitos possíveis”.

Após isso, os técnicos começam a caracterizar o risco, pois ele é a interação da exposição com os efeitos. Dessa etapa, definem-se as incertezas, os pontos fortes, as fraquezas e as limitações das análises realizadas. “Atualmente a avaliação de risco que fazemos é determinística. Nós usamos as estimativas pontuais, para fazermos o seu gerenciamento, definindo a tomada de decisão regulatória, utilizando, às vezes, medidas de mitigação para diminuir esse risco constatado. O estudo de avaliação do risco ambiental é só um dos fatores. Há muitos outros que influenciam na decisão a ser tomada, como legais, sociais, econômicos, políticos”.

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REAVALIAÇÃO AMBIENTAL

Após todas essas verificações é feita a reavaliação ambiental de risco. Em 2009, houve a reavaliação de dois ingredientes ativos - o tricloflon e o florato. O tricloflon era suspeito de causar danos em aves, abelhas e organismos aquáticos. Como as empresas, donas dessa molécula, não realizaram a defesa, o Ibama cancelou o Potencial de Periculosidade Ambiental (PPA) desse produto. A palestrante contou que o florato também tinha suspeita de causar malefícios em aves e organismos. As empresas aportaram novos estudos e informações para o Ibama, porém a Anvisa o suspendeu, sendo, posteriormente, cancelado pelo Ibama.

Atualmente, o Ibama, como demonstrou a analista ambiental, está reavaliando ambientalmente três produtos do grupo químico dos neonicotinóides e o fipronil. Em 19 de julho de 2012 foi publicado no Diário Oficial da União, um comunicado que marcou o início formal do processo de reavaliação ambiental de defensivos

agrícolas, relacionados a efeitos nocivos às abelhas. “O neonicotinóide corresponde [entre outros,] a três ingredientes ativos: o imidacloprido, tiametoxam e clotianidina, selecionados devido a indícios de danos em abelhas [no âmbito internacional]. Eles apresentam alta toxicidade aguda, são sistêmicos e, por isso, também têm translocação. Temos indicativos de casos de mortandade de abelhas, no Brasil, suspeitas de estarem relacionadas a esses defensivos agrícolas, entre 2010 e 2012. Estamos fazendo um levantamento, que compõe informações veiculadas na mídia, artigos científicos e denúncias. Nós não fazemos nenhum estudo para checar a presença de algum ingrediente ativo e nem vamos a campo. Então, por isso também a importância da iniciativa de pesquisa do Colmeia Viva com o Mapeamento de Abelhas Participativo (Map), porque os grupos de trabalho vão ao local e fazem as análises, diretamente”.

Conforme Flávia Viana, a reavaliação ambiental do imidacloprido começou em julho de 2012 e tem uma força tarefa, unindo aproximadamente 30 empresas que geram os estudos sobre resíduos para oito culturas (cana-de-açúcar, citrus, milho, soja, café, algodão, melancia e melão). Foi solicitado também o RT25 (pesquisa sobre toxicidade residual foliar). Os relatórios finais das investigações sobre resíduos já foram entregues e o Ibama está em fase de finalização.

As análises do tiametoxam, iniciadas em abril de 2014, estão em andamento, no órgão governamental. Para esse ativo, foram solicitados estudos de resíduos em 13 culturas (cana-de-açúcar, cebola, algodão, café, citrus, feijão, girassol, melancia, melão, soja, tomate, morango e pepino), além de roiba, RT25 e deriva, de acordo com a palestrante. Também em abril de 2014 iniciou-se a reavaliação ambiental do clotianidina, momento em que foram requisitados o RT25, o roiba e estudos sobre deriva e resíduos para seis culturas (algodão, feijão, melão, pepino, soja e tomate).

Apesar de esses processos de reavaliação ambiental em andamento, ela avisa que medidas de mitigação já foram tomadas. Entre elas, um comunicado com regra para ser obedecida pelas empresas fabricantes de todos ou alguns dos produtos em questão. Trata-se da advertência a ser impressa nas bulas e nos rótulos: Esse produto é tóxico para abelhas, a aplicação aérea não é permitida. Não aplique esse produto em época de floração e nem imediatamente antes do florescimento ou quando for observada a visitação de abelhas

na cultura. “O descumprimento dessas determinações constitui crime ambiental. Todos os produtos devem ter essa frase”, alertou Flavia Silva.

A reavaliação ambiental e a reanálise do ingrediente ativo puro ou com mistura de substâncias, em todos os produtos, com indícios de risco ao meio ambiente ou redução da eficiência ambiental estão sendo verificadas após a concessão do registro e presença no mercado para comercialização.

A base legal para esse procedimento é a Lei de defensivos agrícolas n° 7.802/89, regulamentada pelo Decreto 4.074/02 e pela Instrução Normativa Conjunta n° 2/2006 publicada pelo MAPA, IBAMA e ANVISA - órgãos responsáveis por criaros procedimentos para a reavaliaçãoagronômica, toxicológica e ambiental dosdefensivos agrícolas, seus componentese afins. Além desses instrumentos, aInstrução Normativa 17/2009, instituiu osprocedimentos administrativos no âmbitodo Ibama, também para a reavaliaçãoambiental dos defensivos agrícolas.

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MEDIDAS DE MITIGAÇÃO

A aplicação aérea de defensivos agrícolas, à base dos ingredientes ativos imidacloprido, tiametoxam, clotianidina e fipronil, foi suspensa pelo Ibama, mas é autorizada para a soja, cana-de-açúcar, arroz e trigo, de acordo com o disposto na Instrução Normativa Conjunta nº 1, de 28 de dezembro de 2012. O algodão também está na lista das plantações liberadas, porém, obedecendo à autorização da Instrução Normativa Conjunta nº 1, de 31 de dezembro de 2014. Ainda para esse cultivo, outra Instrução Normativa (complementar informações) determina que a técnica é proibida entre o 55º e o 100º dias, após a emergência das plantas (período de floração), bem como durante o horário de mais visitação das abelhas, ou seja, entre 10 e 15 horas. Contudo, é fundamental respeitar a distância de cerca de 300 metros da divisa com áreas de vegetação natural, culturas agrícolas em fase de florescimento e culturas de inverno. Já a aplicação terrestre é permitida para todas as culturas, mas fora do período de floração.

Como medida de mitigação para estes ativos, o órgão ambiental indica também que os produtores rurais notifiquem os

apicultores, com colmeias localizadas a um raio de seis quilômetros de suas propriedades, sobre possíveis aplicações, com no mínimo 48 horas de antecedência. Além disso, utilizar técnicas para diminuir a deriva, como ajustes de equipamentos e do tamanho da gota e evitar aplicação sob ventos fortes são outras recomendações, visando à diminuição de risco.

Conforme a apresentação da especialista, ao final do processo de reavaliação ambiental são definidas as medidas a serem tomadas para cada produto, dependendo do resultado obtido. Dessa forma, o órgão poderá adotar sete medidas. São elas: permanecer com o registro sem alterações; manter o registro, mediante a necessária adequação; propor a mudança da formulação, dose ou método de aplicação; restringir a comercialização; proibir, suspender ou restringir a produção ou importação; proibir, suspender ou restringir o uso e cancelar ou suspender o registro.

CONSULTA PÚBLICA

“Recentemente, com o intuito de estabelecer as diretrizes, os requisitos e os procedimentos, voltados à avaliação de

risco ambiental de defensivos agrícolas para abelhas, assim como assegurar a transparência do processo, fizemos uma proposta de Instrução Normativa, submetida à consulta pública, de forma a obtermos comentários do público em geral. Quando essa Instrução Normativa (IN) for publicada, ela será a primeira a delinear os procedimentos para uma avaliação de risco ambiental, baseada nesse organismo [abelha]. A intenção é a de que tenha uma IN para os aquáticos e outra para as aves também”, explicou Flavia Viana.

Para as abelhas, o escopo da IN está baseado nos ingredientes ativos ainda não registrados, além dos que estão sujeitos à reavaliação ambiental ou à revisão. O aviso de consulta pública foi realizado em maio de 2016 e já acabaram os prazos para as contribuições.

De acordo com a palestra, as respostas à consulta pública representaram a academia e instituições de ensino e de pesquisa em 25%, órgãos ou entidades do governo contribuíram com 13%, associações ou entidades representativas do setor apícola tiveram 11% de participação e as associações ou entidades representativas do setor regulado, 10%. A opção outro foi escolhida por 41% dos respondentes, que afirmaram ser parte da comunidade, de apicultores e meliponicultores, empresas do setor regulado e laboratórios de pesquisa.

A equipe de técnicos envolvida considerou a ação bem representada, somando 14

estados participantes, como São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Bahia, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Pará e outros. Condizente com dados apurados, o Diário Oficial da União e o portal eletrônico do Ibama foram responsáveis por divulgar a consulta pública a aproximadamente 20% dos respondentes. Entretanto, a maioria se informou sobre o evento por meio de redes sociais, e-mails e amigos.

Conforme Flavia Viana, uma das perguntas averiguou a aprovação da proposta de IN. “Mais da metade respondeu ser fortemente favorável. Então, isso representa uma carência de normativa para esse tipo de procedimento. Por isso, acreditamos que a publicação dessa IN será mais um avanço para os estudos e para estabelecer legalmente o procedimento de avaliação de risco ambiental de defensivo agrícola para abelhas”.

Ao final, a Instrução Normativa será divulgada em conjunto com a análise das contribuições recebidas e um manual de avaliação de risco ambiental para as abelhas, explicando didaticamente o processo de reavaliação de risco. “Queremos que todos entendam cada etapa do que estamos fazendo. Até mesmo para nos ajudar se for necessário”.

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