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    lissa Soeiro

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    Ilustração e Capa: Paula Zambelli

    Edição: Bruna Rangel

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     ARAMES, CERCAS E MUROSElissa Soeiro

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    Sumário

    SOPHIA

    paralelas

    de féoutsidepor isso, não se esqueça, dóifácilcomo você reagiria?

     você ainda quer morar comigoeightarames, cercas e murosnovember raincachareraover and over again

    my dear, I swear I'll see youshe took my soul

     AEROPORTOS

    o samba mais bonito que eu já viconfessionsminas geraispupila acesa do seu olhoCarolineheads or tailsreparei que tinha ficado lápraqueles que conhecem a parede da casa de DeusNÃO ESTACIONE!não pouse em congonhasghost of youmas eu não choro e você?

     você invadiu minha residência sem limpar o pésilhouette

    BIFURCAÇÃO

    de outro carnavalo tudo e o nadaquem deraI just wanna be thereoh nenashe’s such a charmer, oh noa poem about:coquetel molotov e black blocksgood times don’t come back  gastrite nervosaportos, lemes, faróis e âncoras e eu e vocêcranberrys vendidaana,

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    Prefácio

    Quando eu tinha 14 anos, eu disse pra minha mãe: acho que queroescrever um livro. E ela disse que seria bom que eu treinasse no meu computador,fiz vários rascunhos, rasguei e apaguei muita coisa. Mas, hoje, com 20 anos,alguns porres e poemas me fizeram tirar o mofo e as teias de aranha, e tentar.Como de praxe, os agradecimentos: agradeço aos platônicos de ônibus, da rua, da

     vida. Pessoas que passaram por mim sem eu saber que - e muito menos elas - metirariam o chão, o ar ou nem tanto. À vocês eu devo todo meu aprendizado sobreo amor, sobre o desamor e o peso de ser quem a gente é.

    E um agradecimento muito mais que especial, com carinho e um poucode mágoa, pra Helena, meu cavalo de aposta, meu palpite, minha  Lydia Vance. À

     você, palavras não são suficientes e nem cabíveis. Você me mostrou os dois lados

    da moeda, me fez te amar e odiar o quanto eu te amei – ou amo. Você foi a pessoaque fez arder muito mais que brasa em pele quente. E como naquele cd cheio demúsicas que lembram você pra mim (e eu pra você), esse livro é pra você que mefez ver coisas que eu jamais teria visto. Eu te prometi que faria uma homenagem

     bonita, mas acredito que já não há mais o que fazer. E pra finalizar, queroagradecer à Paula, que recebeu 3 dólares para ilustrar esse livro, vejamos queestamos em crise no Brasil e um dólar custa uns 4 reais.Paula, você é belíssima.

    For Helena, forever ago:

    “Às vezes te odeio por quase um segundo/Depois te amo mais/Teus pelos, teugosto, teu rosto, tudo/Tudo que não me deixa em paz/Quais são as cores e ascoisas pra te prender?” 

    - CazuzaNo mais, estou indo embora.Pra poesia mais bonita que eu nunca terminei.(E nunca vou terminar)Desculpa roubar sua fala, mas quando você falava pra mim, eu sentia o mesmo.

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    Sophia“deixei todos os meus cigarros na tua casa,

    o teu descaso me deixou tão só.” 

    - esteban

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     paralelas

    amanhã eu completo duas décadas pisando nesse chão,ainda procuro uma razão pra comemorar

    mas só vejo guaranis-kaiowás morrendo do meu lado. vejo as torres gêmeas que um dia chamei de nós, tão separadasque não sobraram nem os escombros, as cinzas e os restoshoje você é a linda plantação de palmeiras no meio da amazônia desmatadae eu sou a guimba de cigarro que polui a grande vitória,o pó preto da companhia da vale no mar de camburi.

    pela janela do ônibus eu vejo o desumano,eu vejo as ruínas de uma história bonita entre eu e vocêeu vou comemorar que o preço da cerveja vai aumentar,

    que a corrupção tá destruindo o brasil pelos quatro cantos,eu vou comemorar o maior genocídio que não foi noticiado,mas eu vou de peito abertomesmo que eu te veja no meio do concerto e perca o ar.

    a dor da gente não sai nos jornais,são só números.

    eu te conheci em 2001,quando eu tava assistindo dragon ball z e gelei quando tocou o plantão da globoeu te conheci no tsunami de 2004

    onde você destruiu tudo que eu tinha construído.eu te conheci quando li sobre a bomba em hiroshima e nagasaki,quando o câncer se infiltrou com chernobyl, em 86.eu te vi quando titanic afundou e eu naufraguei.

    eu te conheci em 2011 quando a minhamãe me avisou pra tomar cuidado porque você não olhava no olho dela.

     você causou a terceira guerra mundial,mas amanhã é dia de colocar meu bloco na rua.

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    de fé

    eu encontrei meu passo, meu tom e o samba.ainda só, mas nunca sozinha.de vez enquando a gente se esbarra, você me mostra um vídeo do seu cachorro e

    eu te falo que passei na primeira fase do vestibular. você sorri como quem se importa, mas no fundo você também encontrou seupasso.nosso caminho tinha uma bifurcação e fomos por lados opostos.mas no meio da selva, das onças e canaviais: você.odeio saber que andamos por estradas diferentes, mas me conforta saber que nomeio de tudo: você.

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    outside

    a gente tem que se permitir sair de casa, menina.alçar voo pra tirar os pés do chão.amar o desconhecido

    e perder o medo de altura,do escuro,do mundo.

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     por isso, não se esqueça, dói

    hoje pedi pra olhar seus dedos, sua mão e ajeitei seu cabelo que tava molhadosó pra fingir que ainda tá tudo no lugarou ainda há algum conserto.

    mas assim como há coisas inquebráveishá coisas impossíveis de se colocar de volta.não é como se eu pudesse colocar uma fita crepe na nossa fotoou um remendo na bolsa que você me deu.algumas coisas são impossíveis de arrumarou colocar no lugar.reparei bem na pinta do seu olho direitoe no seu estrabismoreparei na sua calça preta nova e como sua bunda fica extremamente bonitanela.olhem bem nos seus olhos só pra garantir que não vou esquecê-los

    apesar que eu vocêe toda aquelas pessoas que estavam na passarela sabemtalvez você saiba mais do que eu que seu olhar arde mais que bala de carabina.algumas coisas a gente também não consegue tirar do lugar.

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     fácil

    dormir em seu peito.ou quando eu dormia com o nariz enterrado nos seus cabelos louros.o quão era fácil dizer eu te amo ou escrever um bilhete e deixar na porta da

    geladeira da casa dela.acordar às seis da manhã com o sorriso amarelado e com as olheiras dela sorrindopra mim.sua covinha do lado direito.hoje ela está com outra pessoa num bar qualquer e eu fico feliz por isso.ela me ensinou a ter o coração manso e a carregar o peso da vida. ela me ensinoutudo que eu sei e ressignificou tudo que eu já sabia.helena continua sendo a poesia mais bonita mesmo que acabada e a dor tambémme sorri. ela cospe em mim toda vez que me vê e eu acredito que mereça,todo o escarro,todo vômito do pesar.

    eu procurei por isso. temia não encontrar, temia tantoque encontrei.nada é como antes, eu não consigo acompanhar o passo de outra mesmo queminhas pernas tenham aprendido a sempre correr.talvez corri demais.devorei os riscos, as linhas e os potes de borboletas. que hoje pedem liberdade.perdi o senso, a localização.passei do ponto e da validade.ela deixou todos os cigarros na minha casa e o acaso levou algo mais leve.ela merece.suportou demais. suguei demais a energia dela e ela vivia cansada.

    esgotei a sua paciência e seu senso de humor. hoje ela recarrega rindo de outraspiadas. hoje ela ri nas minhas costas e eu até acho graça também.helena soube quando parar enquanto eu passei a quinta marcha.ela sempre disse que eu dirigia mal.

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    como você reagiria?

    queria escrever um livro também, sabe?a personagem principal seria helena.dona dos cabelos meio louros, meio castanho-claro.

    e assim como no poema de bukowski, ela tem olhos castanho-claro,desses olhos que conseguem te levar em outra dimensão ete fazer se perder.não deixaria de citar o seu quadril e o tempo que passei olhando pra ele,aproximadamente 46 minutos.nenhum momento passaria despercebido,como o dia que ela chorou quando,finalmente,descobriu o que eu daria pra ela no seu aniversário.contaria para os caros leitores-sempre quis chamar quem me lê de caros-

    que assim que ela me beijoupela primeira vez,eu sabia que eraamor.contaria dos nossos altos e baixos e que ela éovo-lacto-vegetariana eque não sei como se escreve esse palavrão.

    como helena reagiria se virasse um personagem de um livro meu?

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    você ainda quer morar comigo

     você não tem um vestido azul,mas tem os cabelos da cor do girassol que eu levei pra você.ou eram margaridas?

     you know, minha memória é terrível.eu só preciso ter você por mais um dia.é só poesia.i’m a mess. and

     you know. seeu morrer nãochore, não. ésó a lua.ou a cor do vestido que você não tem.

     você ainda vem morar comigo?

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    eight

    te entreguei a chave da minha cidadee perdi a cópia.amanhã vou atravessar a cidade,ia te pedir pra tocar um sambaenquanto eu como o pão que você assou hojepela manhã.mas eu já te pedi tanta coisa,

     já implorei tanto pra você me amarque agora eu só espero te vere ouvir o seu silênciopor mais que doa.eu quero partilhar com você a viagem até o terminale o que meu cachorro fez com a bolinhaque eu comprei pra ele de aniversário.eu quero ver seu sorriso do outro ladoda plataforma e colocar a mão na sua perna sem perceber.pra você verque tudo que ficouainda tá aqui.

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    arames, cercas e muros

    o amor não é justo, falei.eu já andei por cacos de vidro e

     você tambémos meus medos são iguais aos seus[e as vontades também

    a nossa história é tudo aquilo que não aconteceudesde a primeira vez que eu

    [te vieu sabia que precisava te ver de novofui de bar em bar,em toda esquinaaté achar sua rua,

    [mas você

    não abriu a porta.ainda é cedo, amor vem,que eu vou.mesmo se for pra passar por arames farpadoscercas elétricasou camisa de força

    [ou de vênus

    i think i saw you in my sleep, darlinge eu te amei

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    november rain

    aqui (dentro) chove, aqui é novembro o ano todo

    desde que você se foi, em dezembro é invernoe só toca cacharera no carnaval.o meu samba é sozinho,e você toca pandeiro pra outra mulher.o cavaco chora e eu também

     junto com a chuva de novembro.

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    cacharera

    helena, hoje, pela noite,precisei de ti.pra dividir o disco novo do esteban e o cigarro.

    pra não precisar esconder que eu não consigo ficarsó.sem você.helena, pela noite, rezei pra que você escutasseminha súplica daí da tua cama.corri até meus pulmões sangrarem e terem umaembolia só pra sentir outra dor que não seja a tua falta.“se”. se você estivesse aqui,se você conseguisse escutar a melodia nova,se você sentisse a minha respiração,

    se você ouvisse a minha reza,mais uma vez,pra que daí da tua cidade tu possa ouvir.helena,se você soubesse ainda me tirar do fundo do poço.me salvar do mundo lá fora.se você ainda soubesse o caminhoda minha casa e se seu cavalolembrasse a rota do pé do meuouvido pra sussurrar“eu não quero te machucar”

    enquanto enfias uma faca no meuestômago.se tu voltasse a fazer a minha úlcera sangrar.se o coração batesse tanto até não conseguir mais trabalhar.

    ah, helena.

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    over and over again

    hoje, de novo, pensei em escrever um livro sobre ela.sobre ela,sobre o jeito que ela sorri e

    como ela começa a soluçar quando está bêbada.pensei em várias formas de começar, já que o final já foi escrito.ela mesma se encarregou de escrevero grand finale.pensei em dizer o quanto eugostava do tênis vermelhodela e da calça que deixava a bundadela mais gostosa.tudo que ela já sabe de trás pra frente,tudo que ela já leu e releu.

    até as entrelinhas.não há nada que ela não saiba.aliás, há: eu faria tudo de novo.

    mesmo sabendo o final.

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    my dear, I swear I'll see you

    alice é uma ilhamas não como a ilha de vitória.ela é mais como ilha saint martin,

     você pode estar em dois lugares ao mesmo tempono céu e no inferno.e por ser tão pequena há um grande risco de eu naufragarandar pelas terras de alice é quase que um pecadoninguém nunca ousa chegar perto,mas aqui estou.depois de ter muito rodeado,estudado o mapa, ainda me perco.ainda me afasto.

    alice é tão pequena que não sabe como fazer para que cheguem até ela.

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    she took my soul

    ela não faz com que meusolhos fixassem nela,mas os meus pés sempre

    estão procurando os dela.alice anda fazendo muitamerda ultimamente,completamente doida.só vai e faz.estacionei na porta da casa delasó pra ver o desfecho dessa história.será épico.dessa vez eu vou pagar pra ver.

     vou me ver definhar

    alice já começou a talhar o seu nome no meu tronco.ela pode ser só mais uma loucapra me fazer parar de fumar ouela pode ser o meu câncer de pulmão.

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    aeroportos

    “cartazes te procurando, 

    aeronaves seguem pousandosem você desembarcar” - nando reis

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    o samba mais bonito que eu já vi

    sabe, você sempre me pergunta se eu sinto a sua faltae eu com meu jeito torto, digo que sim,

    mas a minha voz soa tão baixa e tímidaque parece que não disse nada.

    eu vivo errando tentando acertar com você.mas saiba que eu sinto a sua falta,eu sentia muito mais falta dos seus sorrisose agora sei que você tá felizna sua voz do outro lado da linha dizendo quenão vem pra casa hojeou do jeito que você dança quando está por perto.quando você não está, ajeitar a casa não faz sentido,

    não há ninguém pra reclamar da bagunça do meu quartonem pra me lembrar de regar as plantasnem pra me mandar dormir mais cedo.eu sempre vi mãos ao redor do seu pescoçoque tentaram te matar, por vezese é bom saber que as mãos que te seguram agorasão mãos de quem te quer bem.não tem ninguém por aqui pra me pedir pra bater as portas devagarentão me policio como se sua voz estivesse na minha cabeçasinto falta das suas músicas pela manhã e de tomar café com você.só quero que saiba que se eu puder fazer por ti

    o que ninguém jamais fez por mim,eu faço.e as três palavras que eu não me perdôo por não conseguir dizer todo dia,saem com muito mais facilidade hoje:

    eu te amo

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    confessions

    aline,há algo de amargo em você que me faz querer provar mais.

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    minas gerais

     você lembra do jeito que eu fumo,acho que ninguém nunca reparou napose da minha mão no intervalo de umatragada e outra,nas minhas pernas cruzadas e naposição dos meus dedos.

     você me conhece mais do que eu,ninguém nunca pisou aonde os seuspés foram e isso não é privilégio,é pesado demais pros seus ombroscurvados.

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     pupila acesa do seu olho

    tic tac.levanta.diz que tá na hora do meu remédio.

    “já deu comida pro cachorro? olhou as aves?”abre a porta, escova os dentes. volta pra me dar um beijo.

    há vários jeitos de dizer o que a boca não consegue vomitar.

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    caroline

    ela mal chegou e já me fez acordar cedo.respirar aliviada.dormir sem ajuda de remédios.ela mal pisou e jáme fez entender que eu sou só um grão de areiae que ainda há um mar lá fora pra navegar.ela me faz perceber que agora que ela veio eu posso vencer o mundo,desbravá-lo e descobrir o que há de mais bonito que ninguémainda viu.ela trouxe na suas mãos pequenasa coragem de viver a vida.ela é a vida

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    heads or tails

     você pula em carnavalfora de época e tem aleveza de quinze cavalos.

    sempre sei quando vai chegarantes de bater, você me nocauteou, cecília.o amor é como jogar cara ou coroa,querida.

    seu nome soa como os metaisnaquela música do

     bon iver,não pediu licença pra entrar naminha cabeça.

    um dia te compro umhollywood vermelhosó pra gravar tua mão e o

     jeito que você leva o cigarro à boca. você testa a minha memória.antes que eu me esqueça,escreve o teu nome nesse papel.mas, baby, i know.

     já te memorizei.

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    reparei que tinha ficado lá

    ontem voltando da sua casa.(leia o título)faltou o ar.

    faltou o chão.fiquei na xícara do café morno,no sofá,na tevê.mas me contaram que cê é um lobo solitário e pediram pr'eu ir devagar.mas meu bem,com você é mais de 110, 120, 160.a distância não importa,mas eu nunca sei aonde fica o freio.esquerda ou direita?eu reprovei na aula de direção e não lembro bem o sentido das coisas quando

     você está por perto.eu nunca quero ir.mas por você, eu aprendo a dirigir.

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     praqueles que conhecem a parede da casa de Deus

    não conheci o teu rostonão te toquei, nem ouvi as batidas do teu coraçãonão te coloquei no colo e te acalmei até dormir

    não calcei as tuas meias, nem amarrei o teu cadarço como um dia fizeramcomigonão pude te responder nem um terço das dúvidas que também são minhasnão vou te responder porque o céu é azul e que asnuvens não são feitas de algodãoque o tempo aqui embaixo é quente e frio ao mesmo tempoque eu esperei tanto a tua chegada quanto alguémespera uma correspondênciadurante anos que nunca chegaeu não pude te cantar que a casa é sua nempintar as tuas mãos numa folha de A4

    eu não te contei do meu time do coração, nem pude ir com você ao estádioeu não consegui fazer nem metade do que eu tinha planejadomas eu te ameie aonde você estiver, eu espero que você saiba dissoeu te amei com todas as nossas faltas,o relógio não anda depressa e o teto tá de ponta-cabeça.

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     NÃO ESTACIONE!

    Eu deveria ter prestado atenção nos sinais.Nas placas.Deveria ter voltado enquanto havia tempo.

    Eu parei na sua rua, havia uma placa:NÃO ESTACIONE!

    Eu estacionei.

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    não pouse em congonhas

    ela disse que gostou do cheiro do meu cigarroe me pediu um trago após treze copos de cerveja.ela não tem pose nenhuma pra fumar,não há poesia nenhuma no meio dos dedos dela,mas há poesia dentro dos olhos tristes e dentrodos seus dentes tortos.ela também está sangrando como as duas últimas garotas que conheci,talvez eu atraia essas mulheres,talvez elas sejam imãs pra mim.ela achou minha tristeza legal e eu sorri de volta.até mais,num outro bar,numa outra fossa.

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    ghost of you

    uma cerveja.um cigarro.

    disco novo daquele cara que cê gosta e sua falta.falaram hoje pra mim que dói demais ver nossasfotos antigas, imagina se carregassem o meu coração no peito.se tivessem tudo aquilo num filmeem loop na gaveta da memória.imagina se vivessem com o teufantasmaatrás de cada porta,debaixo de cada cama.a dor da gente só é bonita pros outrose a sua ida lateja, maltrata meu cérebro

    fígadoepulmões.a falta de humanidade trouxe o nosso fim.eeu sóme culpo.

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    mas eu não choro e você?

    e tudo continua na mesma.ela ainda pergunta se tenhoalgo de novo e a resposta é

    sempre a mesma.não.o céu é o mesmo,a terra em que piso é a mesma,às vezes, quando eu entro no céu da bocadela,eu vou até a lua.quero gritar socorro e fazê-laentender porque eu corro tanto.às vezes o silêncio dela me consome,come os meus neurônios e assim como a sua pele,

    dá medo.e se eu bater na tua porta com girassóis?e se eu perder o controle?não me jogue no fundo da tua gaveta como fez com o poemaque eu fiz pra você no dia que te levei no concerto de piano.ainda é como se tudo fosse inédito.odeio despedidas,odeio chorar, odeio quando aqui só chove você.e você sabe o que anda ao lado do ódio?

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    você invadiu minha residência sem limpar o pé

    eu gostava de te manter no jardim,enfeitando os dias

     brilhando o dia de domingo.

    mas você é a personificação da bagunça,entrou pela porta de trás eaté hoje acha estranho passar pela da frente.chegou feito vendaval,pintou minhas paredes de terracom sua própria mão.me tirou do comodismo,me fez acordar pra tirar o lixoàs segundas, quartas e sextase suspender a barra da calça pra andar na praia.chegou feito chuva de verão,

    mas insiste em ser tempestadee eu nem sempre gosto de chuva.mas talvez eu compre uma capa.

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    silhouette

    eu acordaria mais cedo só pra poder olhar ela dormir.as costas nuas.o cabelo preto meio liso meio ondulado.a marca desbotada do biquíni.a calcinha rosa-pastel.o jeito que ela dorme calmo serenoe que transfere a paz pra quem vê.acordar ao lado dela me dá vontade de levantar mais cedo,escutar a minha mãe falar de como foi o final de semana,colocar o lixo pra fora e sair dando

     bom dia até mesmo pro português-não-português da padaria.é bom acordar ao lado dela.

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     bifurcação

    “eu me entrego a você como uma cidade derruba os muros

    mostrando a realidade da nossa dupla solidão.

    eu me dei conta de mim mesmoe quando vejo sua foto parece que você tá falando comigo.

    quem vai carregar esse crucifixo?” - selvagens à procura da lei

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    de outro carnaval

    eu sempre tive uma fixação por olhos,mas os olhos dela me prendiam comonenhum outro par de

    olhos.o verde da cor do mar trazia aimensidão e o infinito,a calmaria e o medo de me afogar neles.existe um karma entre o cigarrohollywoode eu,eelaestava entre nós.mais uma vez,

    mais uma vez.queria criar um pseudônimo ouum apelido pra ela, mas eu aindanão sei até aonde esse oceano vai.meu par de olhos verdes.fico com isso.

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    o tudo e o nada

    nós somos aquele poemanão acabado na cabeceirade quem escreve,

    o recado que eu deixei no seusketchbook*que você nunca vai ler.nós somos a cruzadaque faltou uma palavra pra terminar,mas a nossa capacidade de largar coisasinacabadas é maior que a nossa vontade decontinuar.nós somos o beijo de despedidaque não deu tempo,nós somos tudo o que não fomos.

    por caprichoou por falta de vontade.o seu olho verde seria o meu oceanoe eu seria a sua âncora.mas não fomos.somos tudo o que não aconteceu.

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    quem dera

    não sei se é essa sua franjacortada

    torta ouse são os teus péspintados de azul.não sei se é esse jeito

    desaforadoou o jeito com que você manda euajeitar o travesseiro.não sei o que me prende,só sei que tô aqui.sentei num bar hoje e tocava fagner.me concede essa dança?

    meu pobre coração quer te fazer rodopiar.teu furo no queixo me sorriu.

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     I just wanna be there

    somos infames.somos instantes.estantes.

     você fica na minha sala eeu na tuacopa.

     você segura a minha tv eme diverte.eu fico com os pratos ete dou o que comer.pra quem vem de visita é pedante,sem cor e sem força.pra quem mora - apenas nós -é mais do que suficiente.

    a gente dá risada no meioda cenamelodramáticade nós dois.

     você diz que eu terminei com você,eu fecho a cara por cincosegundose solto uma gargalhada, porque a gentesempre volta.

     já perdi a conta e a credibilidade.o crédito negativo é

    quase nulo perto dosaldo positivo.as nossas dívidas sãopagas- e pagãs-com um pouco de atraso,mas nunca vencem.a sua mão estava lána sala de vacina eno velório.minha respiração fica ofegante

    quando você vem, masquando você vai me falta o ar.

  • 8/18/2019 Arames, cercas e muros.

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    oh nena

    pensei em te matar.um final desses de filme,como você sempre mereceu,

    não me entenda mal, baby. você não é desses personagens que sobrevive.só que você foi antes que eu pudesse escrever o teu final.quem não sobreviveu fui eu.morri de amor.ainda não consegui colocar um ponto final em ti, helena.

     você ainda me sacoleja todas as noites,a sua fala mansa ainda me perturba.

     você é quem sempre joga as cartas.eainda blefa, trapaceia, joga sujo.helena, tu és fraude.

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    a poem about:

     your eyes. you looking at me. your chin.

     your lips. your lips kissing me. your messy hair. your thin fingers. your fingers drawingmy face.

     your features. your smile. your big teeth. your feet.my feet in your cold

    feet, or almost there. your ass. your nails. your tongue. your arms. your boobs. your belly. your thighs. your cold hand. your voice. your whisper.

     your ankle. your crooked way.our fingers and legsintertwined.

     your laughter confused with my. you.

  • 8/18/2019 Arames, cercas e muros.

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    coquetel molotov e black blocks

    somos uma espécie de molotov mais bonita(e altamente inflamável)

    que já existiu,uma bomba nuclear que está prestes a explodir.e acabar com um continente inteiro.armas químicas e poemas não são páreos pra nós, meu bem.eu continuo cambaleando.

    pra não perder o desfecho: se caso tudo explodir,eu posso até me acostumar.

  • 8/18/2019 Arames, cercas e muros.

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    good times don’t come back 

    hoje,no mister pizzapedi de calabresa e portuguesa.pra mim e dois amigos.mas lembrei de quando eu pediafrango com catupiry e marguerita,afinal você é vegetariana.dois choppes, por favorpra no final das contas, você largar metade da sua parte na pizza e eu deixar você

     beber meu chopp já que eu não consigo beber e comer ao mesmo tempo.por dois minutos, saí de órbita e voltei no espaço-tempo.

     você sentada na minha frente, dizendo que esse era nosso almoço romântico deum ano de sabe-deus-lá-o-que. bebendo o choppe como se fosse água e meusorriso de orelha aorelha.deus sabe (ou não) do quanto eu queria que esse tempo voltasse.e não volta.tudo o que eu tive no final do dia foi pegar ônibus pra voltar pra casa ouvindoassinado eu da tiêchegar em casa e terminar o dia escutando cuida bem dela.ha ha hao diabo deve estar rindo de mim agora.tudo que eu tive no final do dia foi o que você disse pra mim.

    ou nada. bons tempos.

  • 8/18/2019 Arames, cercas e muros.

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    gastrite nervosa

    na primeira vez que você se foi, você deixou sua gaita e um papel com seu cheiroem cima do criado-mudo.na segunda vez, você me deu um beijo na testa e pediu a gaita de volta.e dessa vez, o perfume acabou sozinho, você devolveu meus remédios e o cigarroque eu esqueci na mesa do seu escritório.o criado-mudo que escutou todo o ranger da cama quando a gente fazia parte doshow, começou a falar e em loop eu escutava o som do vai-e-vem do seu quadril.o café continua amargo, ainda dói a boca do estômago e os remédios parecem nãoajudar.a chuva não ultrapassa a fronteira rio de janeiro / espírito santo, mas aqui dentrocontinua um temporal.não adianta desligar a tv quando você aparece se o som da tua gaita continuatocando na rádio da cidade.

  • 8/18/2019 Arames, cercas e muros.

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     portos, lemes, faróis e âncoras e eu e você

    hoje falei de você pra uma amiga, do dia que te vi pela tv e fui te procurar emtodas as esquinasem uma delas, quase morri

    porque não tenho hábito de olhar pros dois ladoseu não olho pra nenhum.nunca.sabe, têm dias que são como cão, que a gente quer uma mão pra segurarum abraço pra esquecer que é domingouma rosa dos ventos pra se nortear.fiquei pensando se eu tivesse ido até o porto pra gente ver os navios ancorandoou se você tivesse vindo pra ir comigo até a praiae me mandar parar de fumar.eu nunca dei as caras e você nunca apareceu.mas existiu.

     já deve ter quase um ano ou mais.eu gostaria que a gente tivesse se doado por pelo menos um dia desses trezentose sessenta e cinco.

  • 8/18/2019 Arames, cercas e muros.

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    cranberrys

    ela me encontrou enquanto eu tomava caipirinhae fumava um lucky strike na varanda do prédio.calça cor de sorvete de creme

    e eu já quis devorá-la inteira,a comi com os olhos,a cor do seu batom me lembrava cranberrys.o nome dela é fácilgeralmente vem com outro nome pra complementarmas ela não precisa de complementoela por si já é inteira.a gente deve ter trocado uns10 a 13 olhares,o meu, como sempre, muito malicioso.

     já a ingenuidade dela só me deixava a mais um passo do

    transtorno.mas o mais me deixou a ponto de explodir foi ver que o batom dela não saiu anoite inteira.eu queriater borrado aquele batom.

  • 8/18/2019 Arames, cercas e muros.

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    vendida

     você é a pintura que van gogh não pintoumas eu quero me enfiar nas entranhas da noite

    [estrelada do céu da tua boca. você é o jardim de monet em território brasileiro,mesmo que eu não te alcance.e não saiba a rota até a tua casa.mas eu sei, meu bem, que com amor é mais caro.por minutos com você, eu reabro a minha conta no branco do brasileu gasto todo o meu dinheiroeu vendo a minha almasó pra poder me enfiar nas entranhas do céu da tua boca.e poder te amar como eu nunca pudeme deixa te amar, laura.

  • 8/18/2019 Arames, cercas e muros.

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    ana,

    o seu nome combinou com o nome da menina que estava cantando no palco.quando eu te vi, recuei, pensei duas vezes e quase não fui até você.mas se eu não tivesse ido, bem

    melhor não pensar nisso.eu não sei por onde começar, se falo das sardas do seu rostooudo seu lábio cor de salmão.não sei se falo do seu beijo ou do jeito que nossas mãos se tocaram enquanto amúsica dizia:eu vou fazer os meus planetas se alinharem no teu som,quero fazer amor no espaço, quero borram o teu batom.a única coisa que eu sei é que por você eu volto no centro da cidade pra tecombinar com as cores e os sons.eu quero pintar você.