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Aquisição e Avaliação de Dados para Projetos de Geomecânica do Petróleo Flavia Mara Guzmán Villarroel Geomechanics International/Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro. Ewerton Moreira Pimentel de Araújo Geomechanics International, Houston, Texas, USA. RESUMO: Na indústria do petróleo as atividades são integradas e muitas delas apresentam um alto risco na de execução, especialmente na fase de desenvolvimento e exploração de um campo. Para diminuir o risco que essas atividades apresentam, diversos estudos são realizados para se desenvolver um plano de exploração. Neste trabalho é apresentada a fase inicial de um projeto geomecânico aplicado a campos de petróleo – a coleta e avaliação dos dados disponíveis. Essa primeira etapa é muito complicada e de fundamental importância para o sucesso do projeto. Num primeiro instante serão apresentados os tipos de dados/informações requeridos. Em seguida, será mostrado o porquê da necessidade de tal dado (para que ele será utilizado). E por último, exemplos práticos de uma eficiente versus ineficiente aquisição. PALAVRAS-CHAVE: Projeto/Modelo Geomecânico, Avaliação/ Aquisição/ Disponibilidade de Dados, Exploração de Campos de Petróleo. 1 INTRODUÇÃO O primeiro passo antes de começar qualquer estudo geomecânico de um campo de petróleo é a verificação dos dados disponíveis, pois isso irá definir a viabilidade do estudo. Além disso, muitas empresas de consultoria nesta área, fixam o preço do projeto de acordo com a quantidade de dados existentes. Algumas vezes a disponibilidade dos dados depende da existência dos mesmos. Esses dados podem não existir porque testes deixaram de ser realizados, amostras deixaram de ser recolhidas e analisadas – ou simplesmente porque é um novo campo que ainda não foi explorado. Uma outra forma de obtenção de dados para um estudo geomecânico é o uso combinado de informações. Para isso, define-se uma região em que supostamente as características não se alteram (onde não hajam, por exemplo, falhas ou fraturas que a cortem) e todos os dados coletados em poços já explorados naquela área são usados para definir um único modelo. Com isso, se algum teste deixou de ser realizado em um poço e o foi em outro, a falta daquele dado não deixará uma lacuna e se o teste foi realizado em vários poços, há mais pontos para a construção do modelo. 2 ANÁLISE DOS DADOS 2.1 Dados das Operações Diárias de Perfuração: Os dados necessários para a construção de um modelo geomecânico normalmente são encontrados nos relatórios ou boletins de perfuração. Entretanto, outros dados devem ser incluídos no sumário, normalmente encontrados em tabelas à parte ou como análises realizadas fora do poço. Como exemplo, está a análise da formação, com os testemunhos que foram coletados em campo. Entre os dados fundamentais para o projeto estão: Peso de fluido de perfuração utilizado e densidade equivalente da lama esta informação é utilizada para correlacionar eventos de estabilidade que podem ter sido causados por uso do fluido fora dos limites da janela de estabilidade. O peso de fluido alto causa fraturas e o baixo breakouts; Profundidade perfurada – para referenciar a que profundidades ocorrem os eventos; Data da operação – para referenciar com a profundidade perfurada e com os eventos descritos. Também é necessária para saber se o programa está sendo cumprido;

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Aquisição e Avaliação de Dados para Projetos de Geomecânica do Petróleo Flavia Mara Guzmán Villarroel Geomechanics International/Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro. Ewerton Moreira Pimentel de Araújo Geomechanics International, Houston, Texas, USA. RESUMO: Na indústria do petróleo as atividades são integradas e muitas delas apresentam um alto risco na de execução, especialmente na fase de desenvolvimento e exploração de um campo. Para diminuir o risco que essas atividades apresentam, diversos estudos são realizados para se desenvolver um plano de exploração. Neste trabalho é apresentada a fase inicial de um projeto geomecânico aplicado a campos de petróleo – a coleta e avaliação dos dados disponíveis. Essa primeira etapa é muito complicada e de fundamental importância para o sucesso do projeto. Num primeiro instante serão apresentados os tipos de dados/informações requeridos. Em seguida, será mostrado o porquê da necessidade de tal dado (para que ele será utilizado). E por último, exemplos práticos de uma eficiente versus ineficiente aquisição. PALAVRAS-CHAVE: Projeto/Modelo Geomecânico, Avaliação/ Aquisição/ Disponibilidade de Dados, Exploração de Campos de Petróleo. 1 INTRODUÇÃO O primeiro passo antes de começar qualquer estudo geomecânico de um campo de petróleo é a verificação dos dados disponíveis, pois isso irá definir a viabilidade do estudo. Além disso, muitas empresas de consultoria nesta área, fixam o preço do projeto de acordo com a quantidade de dados existentes.

Algumas vezes a disponibilidade dos dados depende da existência dos mesmos. Esses dados podem não existir porque testes deixaram de ser realizados, amostras deixaram de ser recolhidas e analisadas – ou simplesmente porque é um novo campo que ainda não foi explorado.

Uma outra forma de obtenção de dados para um estudo geomecânico é o uso combinado de informações. Para isso, define-se uma região em que supostamente as características não se alteram (onde não hajam, por exemplo, falhas ou fraturas que a cortem) e todos os dados coletados em poços já explorados naquela área são usados para definir um único modelo. Com isso, se algum teste deixou de ser realizado em um poço e o foi em outro, a falta daquele dado não deixará uma lacuna e se o teste foi realizado em vários poços, há mais pontos para a construção do modelo.

2 ANÁLISE DOS DADOS 2.1 Dados das Operações Diárias de Perfuração: Os dados necessários para a construção de um modelo geomecânico normalmente são encontrados nos relatórios ou boletins de perfuração. Entretanto, outros dados devem ser incluídos no sumário, normalmente encontrados em tabelas à parte ou como análises realizadas fora do poço. Como exemplo, está a análise da formação, com os testemunhos que foram coletados em campo. Entre os dados fundamentais para o projeto estão:

Peso de fluido de perfuração utilizado e densidade equivalente da lama – esta informação é utilizada para correlacionar eventos de estabilidade que podem ter sido causados por uso do fluido fora dos limites da janela de estabilidade. O peso de fluido alto causa fraturas e o baixo breakouts;

Profundidade perfurada – para referenciar a que profundidades ocorrem os eventos;

Data da operação – para referenciar com a profundidade perfurada e com os eventos descritos. Também é necessária para saber se o programa está sendo cumprido;

Trajetória do poço – indica a orientação do poço. Este dado é recolhido em poços desviados e horizontais;

Litologia da região – para adequar o modelo de acordo com o comportamento das rochas. Além disso, dependendo das características da formação, podem ocorrer mais ou menos problemas de estabilidade;

Diâmetro do poço e pontos de assentamento das sapatas de revestimento – para determinar as regiões “livres” de problemas;

Diâmetro da broca – esta informação é usada juntamente com o caliper para avaliar se ocorreram desmoronamentos ou seções com estreitamento;

Dados de FIT’s / LOT’s/ XLOT’s – testes de absorção com resultado negativo, positivo e extendido (a injeção continua mesmo depois de alcançada a absorção), respectivamente. Indicam valores da tensão horizontal menor da rocha, que deve ser adotada em projeto.

Testes de fraturamento hidráulico e minifracs – medem a pressão e a taxa de fluxo versus tempo. Indicam valores da tensão horizontal menor da formação.

Dados dos RFT’s/ MDT’s/ DST’s (Reference Formation Test) – são dados pontuais que auxiliam na calibração das curvas de poropressão;

Dados de testemunhagem, com fotos, descrições, testemunhos e ensaios mecânicos – indicam as propriedades químicas e mecânicas das rochas;

Relatos de ROP (Rate of Penetration) – O aumento ou diminuição brusca da taxa de penetração pode indicar mudança na litologia;

Relatos de Sidetracks – a necessidade de desvio do poço indica que houveram muitos problemas de estabilidade, não permitindo o prosseguimento da perfuração;

Relatos de ocorrência de influxos ou kicks – que ocorrem devido à diferença de pressão entre o fluido de perfuração e o fluido no interior da rocha (a);

Relatos de ocorrência de perda parcial ou total de circulação – também ocorrem pela diferença de pressão entre o furo e a rocha (a);

Relatos de ocorrência de cascalhos em grande quantidade – podem indicar

desmoronamentos ou problemas de instabilidade no interior do furo (b);

Relatos de problemas durante a limpeza do poço ou necessidade de limpeza severa – a ocorrência destes relatos podem remeter aos problemas anteriores – excesso de cascalhos e desmoronamentos (b);

Relatos de ocorrência de colunas presas (stuck pipe) ou estreitamento do furo (tight hole) – também são indicadores de um poço com problemas de estabilidade (b);

Relatos de operações de reaming e back-reaming – podem remeter a problemas de estreitamento do furo, entretanto, muitas vezes, essas operações podem ser apenas indicativas de operações de prevenção ou de problemas mecânicos (b);

Relatos de ocorrência de “arraste” (drag elevado) - remete a um possível problema de estreitamento de furo (b);

Relatos de aumento ou diminuição brusca de torque – também remete a um possível problema de estreitamento de furo (b);

Necessidade de pesca ou ocorrência de peixe preso – a operação de pesca nem sempre significa que o equipamento ficou preso devido a um estreitamento ou desmoronamento, entretanto, esse é um evento que deve ser destacado para que se avalie se foi um problema do equipamento ou de estabilidade da formação (b); A ocorrência desses últimos eventos identificados com “(a)” e “(b)”, normalmente indicam a ocorrência de uma fratura no poço e de um desmoronamento ou colapso, respectivamente. Como pôde ser observado, para a determinação da tensão horizontal maior não existe um teste que indique valores diretamente. Sendo assim, esta é estimada a partir de correlações com outras informações. 2.2 Dados de Perfil Além dos apresentados acima, outros dados muito importantes para a construção do modelo são as curvas de perfilagem, adquiridas a partir de testes no interior do poço durante a perfuração. Os mais comuns são:

Perfil Sônico – usado na determinação

das propriedades mecânicas e poropressão; Perfil de Densidade – usado no cálculo da

tensão vertical e poropressão; Perfil de Resistividade – indica se o fluido

armazenado no interior das formações é óleo, gás ou água;

Perfil de Radioatividade (raios gamma) – dado complementar na identificação da litologia;

Perfil neutrônico – usado na determinação da porosidade;

Caliper – indica as regiões com breakouts e fraturas. A presença de breakouts e fraturas auxiliam na determinação da orientação e magnitude das tensões horizontais, respectivamente. 2.3 Dados de Imagem Os dados de imagem podem ser adquiridos em três formas: ótica, eletrônica ou acusticamente. Através da análise dessas imagens, é possível identificar falhas, fraturas, breakouts, camadas estratigráficas e outras ocorrências. 3 COMPARAÇÕES DE CASOS REAIS Nesta seção serão mostrados casos reais em que a coleta ineficiente ou insuficiente dos dados pode alterar o modelo. Também serão mostrados casos em que é possível afirmar que os dados foram coletados erroneamente. 3.1.1 Comparação dos Relatórios de Perfuração Olhando para as figuras 1 e 2 (abaixo), pode-se claramente observar a diferença entre os dois sumários de perfuração do mesmo poço. O primeiro apresenta apenas a profundidade perfurada por dia, a densidade do fluido de perfuração utilizado, os sidetracks, diâmetro do poço e alguns dos eventos de estabilidade ocorridos durante a perfuração. Provavelmente este foi feito baseado apenas nas descrições de um relatório que não continha grande detalhamento.

Figura 1. Resumo de Perfuração sem detalhamento

Figura 2. Resumo de Perfuração com detalhamento

A segunda figura é um exemplo de sumário de perfuração completo, contendo, além dos parâmetros do anterior, indicações mais precisas do que ocorreu em cada um dos eventos relatados, como indicação dos pontos de assentamento de sapata, litologia perfurada e valores dos teste de formação. Isto é importante para correlação dos eventos de instabilidade, por exemplo, com a litologia ou com o peso de fluido de perfuração. A terceira figura representa um resumo de perfuração mais usual, onde aparecem menos informações (devido à real dificuldade de aquisição desses dados), porém com os parâmetros bem detalhados.

Figura 3. Sumário de Perfuração usual.

A partir dos resumos de perfuração é possível calibrar o modelo geomecânico criado, acrescentando a ele os eventos pontuais ocorridos durante a perfuração. Sendo assim, justifica-se a necessidade da maior quantidade de dados possível, pois isso aproximará o modelo da realidade. 3.1.2 Comparação de Dados de Perfil O maior problema relacionado aos perfis é a aquisição dessas curvas para toda a extensão do poço.

Observe na figura 4 que a curva de densidade está cortada e não se extende até o topo do poço. Para poder proceder com as análises e desenvolver o modelo geomecânico, um ajuste, a partir da curva da velocidade, foi feito – construindo a curva de “pseudodensidade”. 3.1.3 Comparação dos Dados de Imagem A coleta de dados de imagem deve ser feita cuidadosamente, para que se tenha uma clara visualização.

A figura 5 mostra a aquisição acústica normal interpretada de uma seção de um poço. Como não é possível, fisicamente, que existam 4 “picos” (figura da direita), percebe-se que houve algum erro ao tentar coletar essa imagem. Possivelmente este erro ocorreu devido a problemas com a ferramenta de aquisição.

Figura 4. Curvas de Perfilagem (velocidade, densidade, caliper, raios gamma, litologia, curva de densidade ajustada)

Figura 5. Dado de aquisição acústica normal – breakout.

Outros problemas devido a ferramentas descalibradas também são comuns. A figura 6 mostra o mesmo dado de imagem coletado duas vezes e corrigido. Na parte esquerda da figura pode-se observar que aparecem “retângulos” em que não é possível identificar o que está ocorrendo naquela região/seção. A figura 7 mostra outro caso de aquisição de dados com ferramentas descalibradas. À esquerda a ocorrência de um breakout, que tem por característica o afastamento de 180 graus. À direita, outro caso de breakout, porém com o espaçamento de 130 graus, o que nos mostra claramente que é um problema de calibração, pois o espaçamento que a imagem nos mostra não é possível fisicamente.

Figura 6. Dado de Imagem com má resolução (esquerda) vs. boa resolução (direita)

Figura 7. Aquisição de dados com ferramentas descalibradas.

A figura 8 mostra mais um caso em que a aquisição de dados está descalibrada. Neste caso, os braços da ferramenta estão atuando de forma independente, ao invés de trabalharem conjuntamente. Isso faz com que ocorra a situação representada na esquerda da figura, com a linha de fratura descontinuada. A obtenção de dados de imagem por qualquer que seja o método, pode ser prejudicada se o fluido de perfuração for

inadequado para a ferramenta. Por exemplo, a aquisição de dados de imagem só é justificada se estes forem coletados em um ambiente em que a água ou o fluido de perfuração são “transparentes”, para que a visualização seja possível.

Figura 8. Aquisição de dados incorretamente (esquerda) e corretamente (direita).

A figura 9 mostra a má resolução decorrente da imagem captada utilizando-se fluido de perfuração base óleo. Pode-se observar que a imagem fica distorcida e com ruídos. 4 CONCLUSÕES O presente trabalho mostrou a importância da coleta e avaliação da qualidade de dados para um projeto de geomecânica do petróleo. Como pôde ser observado, o sucesso de um modelo geomecânico – e por conseqüência de um projeto de exploração – está diretamente ligado com esta etapa. Entretanto, é importante não apenas uma quantidade massiva de dados, mas também e principalmente que esses apresentem uma boa qualidade a fim de minimizar as incerteza associadas à determinação indireta de eventos ocorridos durante a perfuração e às propriedades das rochas. Sendo assim, vemos também que é importante determinar todos os parâmetros possíveis para selecionar aqueles que farão parte do projeto.

Figura 9. Dado de imagem captado utilizando-se fluido de perfuração base óleo.

AGRADECIMENTOS Os autores gostariam de registrar os seus agradecimentos ao diretor para a América do Norte e América do Sul, Dr. Chris Ward bem como a toda equipe da Geomechanics International (www.geomi.com) pelo suporte e pela disponibilização dos materiais. REFERÊNCIAS Villarroel, F. (2006) Relatório de Estágio

Supervisionado, Departamento de Engenharia Civil, PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ.

Wiprut, D. (2006) Oilfield Geomechanics: Application to Drilling, Completions, Reservoir, Production, Geology and Geophisics, Houston, TX, USA.

Zoback, M. (2004) Geomechanics Short Course for BHP Billiton in Houston, Houston, TX, USA.

Barton, C. (2006) Induced Features Presentation, Palo Alto, CA, USA.

Celis, E (2006) Drilling Summaries, Houston, TX, USA.