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Brasileiros buscam novas tecnologias nos EUAMissão do Sebrae visita centros de pesquisa da Universidade de Auburn

pós o pico de produção de 300.000 toneladas em 2003, a indústria do catfish no Sul dos Estados Unidos

experimentou severo declínio com a importação de filés de bagres da Ásia, em particular o filé de Pangasius. A tilápia e o salmão importados também ganharam mais importância no mercado norte-americano, contribuindo em parte com o declínio da demanda pelo catfish americano. Hoje, com a produção na metade do que foi, a indústria do catfish dá sinais de recuperação. Campanhas de valorização do produto doméstico têm ajudado em parte nessa retomada. Mas tem sido fundamental a adoção de novas tecnologias voltadas ao uso mais eficiente dos recursos (água, energia, mão de obra e ração), reduzindo custos e harmonizando o setor com as demandas das agências ambientais. A Escola de Pesca, Aquicultura e Ciências Aquáticas da Universidade de Auburn (FAA-AU) durante anos manteve destacado papel no desenvolvimento de tecnologias para o setor aquícola americano. Nessa retomada, a importância e o compromisso da FAA-AU com o setor tem sido fundamental. Além de novas tecnologias para o catfish, a FAA-AU tem se dedica-do a diversas espécies aquícolas, como a tilápia, camarão marinho, peixes marinhos e ostras, aumentando as opções para os fazendeiros do Alabama e outros estados. A atuação da FAA-AU foi decisiva no desenvolvimento da tilapicultura no mundo, contribuindo com a técnica de masculinização de alevinos com o uso da metiltestosterona; com estudos de hibridação como alternativa para produção de alevinos mo-nosexo e aumento da tolerância ao frio e salinidade; com o desenvolvimento das primeiras vacinas para Streptococcus; a tecnologia de tanques-rede de pequeno volume e, com o refinamento das exigências nutricionais. Foi também a ini-ciativa e demonstrações de campo da FAA-AU que fizeram com que fazendeiros do Alabama começassem a produzir Litopenaeus vannamei em antigas áreas de produção de ca-tfish. Essas tecnologias inovadoras foram sempre desenvol-vidas em cooperação com produtores, frigoríficos, empresas de equipamentos, fornecedores de medicamento e vacinas, agências estaduais e ambientais de fomento e regulamen-tação do uso da água e da produção aquícola. Atento a essa reviravolta tecnológica na indústria do catfish, o Sebrae, através do Projeto Estruturante Aquinordeste, organizou

uma missão técnica ao Alabama, USA, para conhecer com mais detalhe o trabalho da FAA-AU, sua integração com o setor produtivo e as novas tecnologias aplicadas à produção de peixes de água doce com baixo uso de água. No interesse do Sebrae também está o trabalho que a FAA-AU vem de-senvolvendo para consolidar o cultivo de ostras no litoral do Alabama e que pode ser de grande utilidade nos projetos hoje em andamento no Nordeste do Brasil.

Participaram da missão o diretor técnico do Sebrae/PB, gestores e consultores do Sebrae em pro-jetos de aquicultura de diversos estados do Nordeste (Sergipe, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão). A missão ainda contou com um produtor de tilápia do Ceará e técnicos/administradores de agências de fomento à pesca e aquicultura, como a Secretaria de Agricultura do Estado de Alagoas e a Bahia Pesca. A organização do roteiro técnico da missão ficou a cargo da Acqua Imagem, que viabilizou os contatos e visitas com o apoio fundamental do professor John Jensen da FAA-AU, atual diretor da Escola de Agricultura da Universidade de Auburn.

Por:Fernando Kubitza, Ph.D.

Acqua Imagem Serviços em [email protected]

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Centros de pesquisa e experimentação da FAA-AU

Com 800 hectares de área total e 140 hectares de tanques e açudes, a estação experimental da FAA-AU em Auburn serve de apoio aos trabalhos de pesquisa, produção e treinamento prático dos alunos nas áreas de aquicultura, biologia aquática e manejo de recursos pesqueiros, genética e patologia, nutrição, fisiologia, manejo de solo e água, entre outras especialidades. Além da estação experimental em Auburn, Alabama, a FAA-AU ainda mantém as seguintes unidades remotas: a) Fish Farming Center em Greensboro, AL, responsável em prover suporte nas áreas de diagnóstico ictiopatológico, análises de água e capaci-tação técnica a aquicultores no oeste do Alabama; b) Centro de pesquisas marinhas Claude Peteet, em Gulf Shores, AL, onde são conduzidas pesquisas com peixes marinhos, camarões e ostras; e, c) Laboratório de pesquisa com moluscos em Dauphin Island, AL, responsável pela produção de pós-larvas de ostras e gerenciamento de um parque aquícola de 20 hectares, que serve como incubadora de empresas e treinamento de produtores e empresários no cultivo comercial de ostras.

Durante a visita à estação experimental, em Auburn, conhecemos protótipos de equipamentos e presenciamos de-monstrações de novas tecnologias que já estão sendo aplicadas em escala comercial em algumas pisciculturas do Alabama e de outros estados.

Colheita e concentração de microalgas - Uma das tecnolo-gias apresentadas, possibilita a colheita e o aproveitamento de microalgas presentes na água de tanques de cultivo de peixes e camarões. Ron Put, um pesquisador associado a FAA-AU, desenvolveu uma máquina que aglutina e concentra microalgas. O processo todo envolve a floculação e separação gravimétrica, filtragem, secagem e granulação das microalgas. Em visita pos-terior a uma fazenda de catfish em Browns, Alabama, observa-mos duas dessas máquinas de tamanho industrial concentrando microalgas da água de um viveiro de cultivo de catfish. Ron Put afirmou que é possível obter quase 20 kg de microalgas secas por dia em um tanque de 4 hectares (padrão de tamanho dos tanques de catfish). E disse ainda que os grânulos secos de microalgas produzidos experimentalmente são vendidos como fertilizante para plantas ornamentais ao preço de US$ 11.00/kg. O custo de processamento dessa microalga, segundo o pesquisador é de US$ 2.20/kg. Com essa matemática, seria possível obter

uma receita líquida de US$ 44.00/dia por hectare de viveiro, com a colheita, processamento e venda de microalgas como fertilizante.

“In pond raceways” - O sistema de cultivo de peixes em raceways instalados dentro de viveiros (“in pond raceways”) começou a ser desenvolvido pela FAA-AU em 1992 e foi aperfeiçoado ao longo dos anos. Inicialmente construídos com madeira e usando sistema de tubos com “air lifts” para promo-ver a renovação de água, o modelo de raceway flutuante hoje usado na estação experimental da FAA-AU é feito com uma moldura de tela rígida, sobre a qual é sobreposta uma manta de polietileno. Os tanques experimentais possuem comprimento padrão de 6 m, largura de 1,5 m e profundidade de 1,2 m, com volume útil de 10,8 m3. As extremidades são fechadas com tela de arame galvanizado recoberto com PVC, com malha de 12 mm (1/2 polegada) ou 16 mm (3/4 polegada). Nas laterais mais longas dos raceways são colocados flutuantes feitos com tubo de PVC de 250 mm, fechados com tampões nas extremidades. Um soprador de 1 HP é suficiente para promover a circulação e oxigenação da água em dois raceways adjacentes. O ar provido pelo soprador é distribuído por uma serpentina de mangueiras microperfuradas, disposta embaixo de uma campânula de chapa galvanizada, que serve para direcionar o fluxo de água para o interior do raceway. Desse modo é mantida uma renovação e aeração contínuas de água nas unidades de cultivo. Como o tanque recebe uma circulação contínua de água, que chega a promover uma renovação completa a cada 2 a 4 minutos, a carga de peixe no interior dos raceways pode ser mantida bem elevada. Nos raceways experimentais a biomassa final é mantida próxima de 200 kg a 250 kg/m3 (2.000 a 2.600 kg/raceway). Já foi possível produzir cerca de 3.600 kg de catfish em um raceway desse tipo.

As vantagens da tecnologia “in pond raceways” são: a) redução no uso de mão de obra na alimentação e des-pesca; b) menor custo de energia com aeração; c) aumento da capacidade de produção por área de viveiro; d) maior sobrevivência dos peixes com a redução nas perdas por predação (aves e outros animais); e) uso mais eficiente da ração, melhorando a conversão alimentar; f) não necessita drenar viveiros para a colheita dos peixes, poupando água; g) possibilita o cultivo de diferentes espécies e diferentes estágios de desenvolvimento em um mesmo viveiro; h)

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(A) Tanque de catfish com grande quantidade de microalgas (água muito verde). (B) Equipamento comercial usado para a concentração de microalgas em uma fazenda de catfish. (C) Detalhe do tanque com as microalgas concentradas, porém ainda com 95% de umidade. O material concentrado é secado e granulado com um filtro/secador rotativo. (D) Na embalagem o produto final que é vendido como fertilizante orgânico

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possibilidade de realizar tratamento dos peixes na forma de banho, com menor uso de medicamentos; i) possibilidade de remover boa parte dos resíduos sólidos (fezes dos peixes), reduzindo a influência dos resíduos sobre a qualidade da água. Para a indústria do catfish em si, que opera com grandes viveiros, os “in pond raceways” permitem a diversificação da produção, por exemplo, com o cultivo de tilápias nas fazendas. Tilápias são peixes difíceis de serem capturados com rede de arrasto nos viveiros. Nos raceways a despesca da tilápia é facilitada. Essas vantagens contribuem para a redução do custo de produção e a pegada ecológica como um todo das pisciculturas.

Sistema de bioflocos com tilápia e aquaponia – Os sistemas de recirculação em aquicultura (RAS, na abreviação da língua inglesa) e os cultivos com bioflocos, são excelentes alternativas em situações com limitada oferta de água, restrições de descarte de efluentes e inverno rigoroso que pode paralisar o crescimento e mesmo por em risco a sobrevivência dos animais. Tilápias são peixes tropicais de carne altamente apreciada nos Estados Unidos. Apesar do inverno rigoroso, diversos produtores de ca-tfish do Alabama já começam a produzir tilápias em sistemas de RAS e bioflocos, aproveitando-se de tecnologias e informações geradas em modelos experimentais instalados na FAA-AU e em outras universidades do país. Os sistemas de recirculação

(A) In pond raceways instalados em um açude na estação experimental da FAA-AU. (B) Um modelo comercial, com revestimento de geomembrana de polietileno, que será instalado em um viveiro da estação experimental da FAA-AU. (C) “In pond raceways” fixos, construídos com blocos de cimento, assentados dentro de um viveiro em uma fazenda comercial de catfish

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possuem água carregada em nutrientes, que podem ser aprovei-tados por plantas de valor comercial, particularmente hortaliças e flores. A integração entre a criação de peixes em RAS ou em sistema com bioflocos e o cultivo de plantas é conhecido como “aquaponia”. Nas instalações da FAA-AU pudemos visitar um sistema de aquaponia integrando produção de juvenis de tilá-pia em sistema de bioflocos com uma estufa para produção de plantas. Para se criar tilápias no Alabama, é fundamental manter estoques de juvenis nas fazendas durante o período de inverno, abrigados em estufas agrícolas, protegendo os peixes do frio. O aquecimento adicional da água ou do ar no interior das estufas pode ser necessário em alguns dias do inverno. Os juvenis de tilápia criados e mantidos no sistema de bioflocos são estocados nos viveiros de engorda ou em “in pond raceways” ao final da primavera, possibilitando um ciclo de cultivo que se estende pelo verão até meados do outono, quando toda a tilápia na engorda precisa ser despescada para não morrer nos meses de inverno. A água do sistema de bioflocos passa por um decantador e, após a remoção da maior parte dos sólidos, é direcionada para uma estufa para produção de hortaliças.

Oeste do Alabama, território do catfish

O Alabama produz hoje 45 mil toneladas de catfish, 30% da produção nacional. Essa produção está concentrada no oeste do estado. Tradicionalmente a criação de catfish é feita em gran-

des viveiros (1 a 6 hectares), abastecidos com água de poços, com uso de aeradores de pás elétricos. A biomassa nos viveiros é mantida entre 5 e 6 toneladas/ha, sendo realizadas colheitas parciais, seguidas da reposição do estoque com juvenis. Antes das colheitas os peixes são amostrados para o teste de sabor e de textura da carne. Somente os viveiros com peixes com carne de características adequadas (sem gosto de barro ou outro tipo de mau sabor), serão despescados. Por motivo de conservação da água e redução na emissão de efluentes, as fazendas de catfish praticamente não drenam mais os tanques. Algumas fazendas já estão começando a adotar novas tecnologias, especialmente a de “in pond raceways” desenvolvida pela FAA-AU.

Tilápia, camarão e aquaponia como alternativa nas fazendas de catfish

As novas tecnologias geradas ou implementadas em unidades demonstrativas pela FAA-AU aos poucos chegam nas fazendas de catfish e começam a diversificar seus produtos. Tilápia e camarão branco do pacífico Litopenaeus vannamei são espécies que podem ser cultivadas nos meses de verão (uma janela de 5 a 6 meses). Algumas fazendas aproveitam os meses de inverno para um ciclo rápido de produção de truta arco-íris, estocando juvenis com tamanho avançado (100 g) e finalizando os peixes antes que a temperatura da água ultrapasse a casa dos 19 a 20ºC no início da primavera. Em algumas fazendas a tilápia

(A) Estufa com produção de juvenis de tilápia em sistema de bioflocos. (B) Fora da estufa há um tanque para decantação de sólidos na água que será direcionada para a estufa de produção de hortaliças (aquaponia). (C) Vegetais produzidos no sistema de aquaponia integrada ao cultivo de juvenis de tilápia em bioflocos

(A) Sistema tradicional de produção de catfish em viveiros com aeração. (B) Nova tecnologia de raceways dentro de viveiros já sendo usada em fazendas comerciais de catfish. (C) Juvenis de catfish com peso entre 50 e 100 g são estocados nos tanques de engorda

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já é cultivada em galpões (celeiros), em sistemas intensivos com recirculação de água (RAS). Enquanto o catfish é vendido aos frigoríficos do Alabama a US$ 2.40/kg, a tilápia é comercializada diretamente para comerciantes em mercados étnicos em grandes cidades a preços entre US$ 6.00 e 6.60/kg. Esse diferencial de preço é um fator de estímulo para que mais produtores de catfish também cultivem tilápia. A tecnologia “in pond raceways”, especialmente por facilitar a colheita dos peixes, permitirá que muitos produtores de catfish diversifiquem a produção, cultivando tilápias nos meses de verão, com investimento menor do que na construção e operação de sistemas de recirculação.

Aquaponia – Com a criação de tilápias em sistemas de recir-culação, alguns produtores começam a ver a oportunidade da produção de hortaliças (verduras, legumes e temperos especiais) aproveitando os nutrientes disponíveis na água de criação dos peixes. Questões de mercado podem limitar o sucesso dos pis-cicultores nos empreendimentos de aquaponia, especialmente se houver a necessidade de escoar grandes volumes de hortaliças. No entanto, os produtores que começaram empreendimentos de aquaponia buscam nichos de mercado locais para as plantas.

Camarão branco do Pacífico – As fazendas de catfish na região conhecida como Greene County, no oeste do Estado do Alabama, estão assentadas sobre um aquífero com água de salinidade ao redor de 4 ppt. Alguns produtores de catfish já adaptaram os viveiros com alterações simples na estrutura de drenagem para

facilitar a colheita dos camarões usando bombas de despesca. A estratégia de produção da Fazenda Greene Prairie, visitada pela comitiva do Sebrae, está concentrada em praticamente cinco meses do ano, com temperaturas favoráveis para o cultivo do camarão do Pacífico. As pós-larvas de camarão são adquiridas junto a um laboratório na Flórida durante o final da primavera. O preço das pós-larvas com 10-12 dias é de US$ 7.25/mil. A aclimatação das PL’s a salinidade de 3 a 4 ppt é feita em berçários dentro de estufas agrícolas. O preparo dos viveiros envolve a aplicação adicional de cal-cário e de cloreto de potássio para equilibrar a composição iônica da água, melhorando o desempenho e sobrevivência do camarão. Os tanques de cultivo contam com aeradores de pás, que são acionados automaticamente por um meca-nismo acoplado a uma sonda que monitora em tempo real o oxigênio em cada tanque. A engorda acontece ao longo do verão (maio, junho, julho e agosto) com uma densidade de estocagem de 35 PL/m2. As colheitas são concentradas nos meses de setembro e outubro (início do outono). O custo de produção do camarão vivo, ao redor de 18 a 23 g, é es-timado em US$ 4.70/kg e, após o processamento (incluso o transporte de ida e volta para um frigorífico localizado na Flórida), o custo final do camarão congelado limpo, sem cabeça e com casca fica próximo de US$ 10.00/kg. O preço de venda desse camarão direto do produtor para um supermercado varia entre US$ 13.20 e 14.30/kg. Nos meses de inverno os tanques ficam ociosos, pois não é possível

(A) Os peixes são transportados vivos até o frigorífico. (B) Após o descarregamento, os peixes são pesados e insensibilizados com um choque elétrico ao entrarem na linha de processamento. (C) Catfish móvel, um dos meios de promoção da imagem do catfish utilizado pela empresa Harvest Select, uma das principais processadoras de catfish do Alabama

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(A) “In pond raceways” como esses instalados em um viveiro de uma fazenda de catfish têm sido aproveitados para produção de tilápias nos meses de verão. (B e C) Tilápias também são produzidas em galpões com a tecnologia de sistemas de recirculação e tratamento de água, como nessa fazenda de catfish no município de Browns, Alabama

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manter os camarões vivos já que a temperatura da água chega a 7ºC. A criação de trutas para mesa, ou mesmo de juvenis de black bass Micropterus salmoides, podem ser boas opções de aproveitamento de parte dos tanques nos meses de inverno.

Produção de farinha e óleo de pescado em processo ABVRS

A equipe do Sebrae visitou a unidade de produção de farinha e óleo de peixes, da empresa Kyser Protein Products, em Greensboro, Alabama, onde foi recebida por Bill Kyser, um dos seus proprietários. O processo utilizado é uma tecnologia inovadora e patenteada pela FAA-AU, denominada pela marca ABVRS - Agricultural Byproduct Value Recovery System (em português, Sistema de Recu-peração de Valor de Subprodutos Agrícolas). Trata-se de um processo altamente eficiente no uso de energia, sem o odor típico encontrado nas fábricas de farinhas animais (graxarias) e sem gerar efluente (ou esgoto) que demande posterior tratamento.

(A) Instalações da Fazenda Greene Prairie. Estufas agrícolas com tanques para a recepção das pós-larvas de camarão e aclimatação à água de menor salinidade (3 a 4 ppt). (B) Viveiros de engorda. (C) Exemplares de camarão branco do Pacífico Litopenaeus vannamei

Resíduos frescos do processamento de catfish são descarregados dentro de uma moega com rosca sem fim e transportados para dentro da linha de processamento da empresa Kyser Protein Products. (A) Os resíduos são triturados e misturados com um pouco de farinha de pescado seca. (B) A mistura é secada ao passar por câmara e ciclones com fluxo de ar quente. A temperatura inicial do ar é de 420ºC. Dentro da câmara e dos ciclones de secagem, a temperatura é mantida constante entre 95 e 100ºC. Na passagem por essa câmara o produto perde rapidamente mais de 90% de sua umidade original. Ao final da câmara, o produto já seco conserva uma temperatura de 70 a 90ºC. (C e D) Após passar pela câmara de secagem, a massa seca recebe antioxidantes e segue para uma prensa (expeller) onde boa parte do óleo é extraído e enviado para reservatórios plásticos para decantação e armazenamento. (E e F) A massa prensada e com teor reduzido de gordura segue para um triturador, onde é transformada em farinha fina, resfriada e armazenada em big bags de 900 kg. O processo todo dura menos de dois minutos, a partir da entrada da massa na câmara de secagem

A empresa Kyser processa 18.000 kg/dia de resíduos frescos provenientes de frigorífico local de catfish (vísceras, cabeça e esqueleto após a retirada do filé). Os resíduos são comprados do frigorífico ao preço de US$ 0.09/kg e transpor-tados de caminhão até a fábrica. A farinha e o óleo produzidos são vendidos a empresas de ração para cães e gatos. Para cada

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tonelada de resíduo in natura que chega à fábrica, são obtidos cerca de 200 kg de farinha seca e 100 kg de óleo de peixe. O custo médio de produção por tonelada de óleo e farinha é da ordem de US$ 660/tonelada. A farinha de peixe é comercializada a US$ 1.210/tonelada, enquanto que o preço de venda do óleo de catfish é US$ 440/tonelada. O calor usado na secagem do produto é obtido através da queima de gás.

Cultivo de ostras em Dauphin Island

A FAA-AU mantém um laboratório de produção de sementes de ostras e um parque aquícola de 20 hectares no estuário de Dauphin Island, servindo aos trabalhos de pesquisa, treinamento e produção de sementes de ostras, como suporte a empreendimentos de produção na Baía de Mobile. No parque aquícola estão instalados 9 cultivos comerciais de ostras, operados por empresários locais, a maior parte deles oriundos da indústria da pesca na região. A espécie cultivada é a Crassostrea virginica, uma ostra nativa da região do golfo do México. Em 2014 o laboratório da universidade de Auburn produziu 188 milhões de semen-tes, que foram usadas nos cultivos locais e em trabalhos de restauração dos estoques naturais de ostras no estuário. A época de reprodução das ostras na região de Mobile segue de maio a setembro (verão nos Estados Unidos). As matrizes vêm sofrendo um trabalho de seleção desde 2003, buscando melhor aspecto externo e maior volume da concha, além de resistência a doenças. As matrizes maduras são mantidas nas áreas de cultivo do parque aquícola. As ostras maduras são trazidas para o laboratório, onde permanecem isoladas em pequenos aquários.

Nos aquários, as ostras adultas são submetidas a um regime de temperaturas variáveis (8 a 10ºC de diferença entre o dia e a noite), imitando o que acontece no ambiente natural nos meses de primavera. Uma solução feita com o sêmen desativado dos machos maduros pode ser aplicada na água dos aquários onde estão as fêmeas para induzir a ovulação. A fecundação dos óvulos é feita misturando a água do aquário dos machos que liberaram sêmen com a água do aquário das fêmeas que desovaram. Após a fecundação os ovos são transferidos para tanques onde nascerão as larvas de ostras (trocóforas). A água que abastece os tanques vem do próprio estuário e é filtrada mecanicamente a 1 micra e passa por tratamento com luz ultra violeta. Assim, sem partículas de alimento na água, as larvas de ostras precisam

(A) Fachada do laboratório de produção de sementes de ostras em Dauphin Island, Alabama. (B) Exemplar da espécie Crassostrea virginica, ostra nativa da região estuarina do Alabama e Golfo do México. (C) Scott Rikard, gerente do programa de recursos naturais, explicando o processo de manipulação da reprodução de ostras, onde os reprodutores são mantidos isolados em pequenos aquários

(A) Concentrado de microalgas marinhas utilizado para alimentar larvas de ostras. Com 20 dias de vida as larvas já estão prontas para se fixarem em um substrato. (B) Recipientes cilíndricos com substrato de conchas moídas finamente (200 a 250 µm) servem para a fixação das larvas de ostras. Esses recipientes ficam suspensos em um tanque de fibra de vidro e recebem fluxo de água de cima para baixo, forçando as larvas de ostras a passarem pelo substrato, onde se fixam. Após 72 horas as larvas já estão fixadas (agora são denominadas sementes). O substrato é peneirado com peneira de malha de 300 µm (0,3 mm). As partículas retidas na peneira são partículas com as larvas fixadas (sementes). (C) As sementes são então transferidas para recipientes cilíndricos com tela de 300 µm no fundo. Esses recipientes são posicionados dentro de tanques de fibra de vidro e recebem fluxo de água de baixo para cima. Nessa etapa é usada água bombeada diretamente do estuário, filtrada apenas com telas de 300 µm. As sementes de ostras passam a se alimentar de partículas presentes na água que passa pela tela do fundo dos recipientes. Os tanques com os recipientes são lavados dia sim, dia não e as telas do fundo dos recipientes são mantidas limpas, para evitar entupimento. (D) Duas semanas após a fixação as sementes atingem tamanho ao redor de 3 mm ou 3.000 µm é já podem ser comercializadas

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ser alimentadas com uma pasta comercial de microalgas. Os tanques de desenvolvimento das larvas são lavados dia sim, dia não.

No parque aquícola gerenciado pela FAA-AU, a equipe de pesquisa e extensão avalia diferentes estratégias e sistemas de cultivo de ostras, e realizam treinamento prá-tico de pessoas interessadas em cultivar ostras. Parte dessa área é reservada para a instalação de cultivos comerciais. Hoje já existem 9 produtores particulares de ostras nessa área. Todos eles passaram pelo treinamento prático ofere-cido pelo FAA-AU. Os produtores pagam uma taxa anual de US$ 250.00 pelo uso da área (2,5 acres ou 1 hectare). Como esses produtores são de pequeno porte, o objetivo é produzir ostras de alta qualidade, com maior valor agregado.

O preço atual das ostras vendidas pelos produtores locais é de US$ 0.50/unidade. As vendas são feitas direta-mente a restaurantes, onde o preço final de cada ostra ao consumidor pode chegar a US$ 2.00 a 6.00 já em pratos preparados. As ostras que não possuem conformação de concha adequada para venda a restaurantes geralmente são vendidas para entrepostos de processamento. Esses entre-postos descascam as ostras e separam a carne que é vendida fresca ou congelada para restaurantes e supermercados. As conchas que sobram como resíduos desse processamento são recolocadas nas áreas do estuário, onde servirão como substrato para a formação de bancos naturais de ostras. Dessa forma, o setor produtivo também contribui com a restauração ambiental. O laboratório de produção de os-tras da FAA-AU ainda produz sementes de ostras que são entregues a moradores locais e pessoas que possuem casas de veraneio na região de Dauphin Island. Esses moradores mantêm as ostras em crescimento nos decks ou “piers” próximos de suas casas. Já adultas, as ostras são devolvidas ao ambiente natural, em uma ação de restauração ambiental provida pelo FAA-AU.

Considerações finais

Os participantes da Missão Técnica Internacional Sebrae – Projeto Estruturante Aquinordeste conheceram um

grande número de novas tecnologias de potencial aplicação na aquicultura no Brasil, seja com tilápias ou peixes nativos, camarões e ostras. Tecnologias essas que servirão tanto para melhorar a eficiência e sustentabilidade de empreendimentos aquícolas no Nordeste, como em qualquer outra região do Brasil. Mais do que simplesmente conhecer novas tecnolo-gias, os participantes da missão técnica puderam apreciar a importância e o compromisso da Universidade de Auburn na geração e difusão de conhecimento e tecnologia, não somente para a aquicultura norte-americana, mas para o setor em nível global. Impressionou a todos, em especial, a forma como a pesquisa e a informação acontecem, em completa integração entre os setores interessados. Produtores, indústrias de ração, frigoríficos, empresas de equipamentos, usuários comuns de recursos hídricos, associações de produtores, agências gover-namentais de regulamentação e fomento do setor, e, natural-mente, a própria universidade, os pesquisadores, professores e extensionistas. O setor produtivo ganha em eficiência e sustentabilidade. A universidade aumenta seu “know how”, melhora a qualidade de suas instalações e possibilita que seus docentes/pesquisadores/extensionistas aumentem seus conhecimentos teóricos e habilidades práticas, e tenham uma visão mais integrada do setor, melhorando cada vez mais a qualidade do ensino e da pesquisa.

Além de conhecer novas tecnologias, a missão inter-nacional do Sebrae estabeleceu contatos importantes para futuras cooperações com a mais conceituada instituição na área de pesca, aquicultura e ciências aquáticas nos Estados Unidos.

(A e B) Vista geral de algumas áreas de cultivo com diferentes sistemas de criação. (C) Bill Walton, extensionista da FAA-AU e responsável pela capacitação de produtores e gerenciamento do parque aquícola, apresenta detalhes do processo de cultivo aos visitantes brasileiros