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IDENTIDADES JUVENIS NA CULTURA DA CONVERGÊNCIA:
UM ESTUDO A PARTIR DO FANDOM ONLINE DE JOGOS VORAZES
Jacqueline Gomes de Aguiar – SMED / ULBRA1
Apresentando algumas considerações:
...Sobre o roteiro da viagem.
O estudo apresentado neste artigo teve por objetivo analisar posições identitárias de
juventude constituídas e postas em circulação a partir do fandom online de Jogos Vorazes nos
espaços de convivência online onde o mesmo se articula. Observou-se que estes espaços de
convivência congregam jovens (de todas as idades) para conviverem de modos aproximados e
mobilizados por produtos culturais da contemporaneidade, inscritos na categoria de produtos
de massa, tais como: livros, filmes, séries, etc. Desta forma, para circular e perceber as
posições identitárias que se desenham nesta conjuntura bem como para perceber e
problematizar situações, questões, posições assumidas que denotam os modos de ser e estar
no mundo destes sujeitos foi preciso debruçar-se sobre temas como: cultura digital, cultura
pop, universo de nerds e geeks, matriz comunicativa, cultura participativa e cultura
convergente, transmídia, e, sobretudo, pensar sobre os impactos que a tecnologia e a conexão
ampliadas propuseram para esta conjuntura sócio-cultural.
A fim de pensar neste todo significativo, a escolha metodológica teve papel
fundamental. A netnografia, ou a etnografia em meios online, foi utilizada para aproximar a
pesquisadora do universo a ser pesquisado, dos sujeitos e das vivências instituídas neste
universo. A diversidade de meios e canais de comunicação e a multiplicidade de aportes de
sentido que acabam circulando neste universo e apresentam-se de formas plurais: imagens,
vídeos, sons, textos, links, etc puderam ser percebidos a partir deste percurso metodológico.
Circular neste universo exigiu planejar, pensar os caminhos, os veículos e,
principalmente o meio como proceder o registro dos dados coletados, em toda a sua
diversidade. Por isso, a fim de atender as peculiaridades destes espaços online, me vi instigada
a pensar em um meio também online e também múltiplo em possibilidades para acolher todos
1 Professora de Língua e Literatura Portuguesa, Especialista em Informática Educativa e Mídias Escolares, Mestre em
Educação e Doutoranda em Educação. Assessora Pedagógica na Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre,
doutoranda na Universidade Luterana do Brasil. Contato: [email protected]
os dados arquivais e documentais coletados. Foi então criado um blog autoral com este
propósito. O blog está postado no sistema Blogger, no endereço
www.cibertributo.blogspot.com.br.
Um blog é um diário de rede e, neste estudo, emprestou todas as suas funcionalidades
tais como: postagens datadas cronologicamente, acolhida a todos os tipos de arquivos, opções
de privacidade de páginas, opções de personalização: ocultar ou tornar públicas determinadas
seções, etc; para figurar como diário de campo ou como denominei, pela peculiaridade do
estudo, como um diário de bordo. Neste espaço constituído foram postados todos os materiais
coletados ao longo da observação participante e também referentes às demais fases da
pesquisa.
...Sobre a comunicação na cultura da convergência
Cada vez mais se torna evidente estarmos vivendo novos tempos, tempos de
convergência comunicativa oportunizada por meios de interação interpessoal inéditos. Na
contemporaneidade, os sujeitos estão cada vez mais conectados. Os sujeitos consumidores e
autores, que em sua grande maioria são jovens, vivem e experimentam essa convergência
comunicativa, midiática e cognitiva. Além disso, tais sujeitos partilham “ideais comuns” que
os fazem conviver, colaborar e compartilhar, através de coletivos virtuais denominados
Fandoms.
É possível dizer que é na conectividade do fandom, a que esses fãs estão associados
em muitos momentos das suas vidas, que esses se percebem e constroem seus modos de ser e
estar no mundo, disso decorrendo o posicionamento deles em algumas peculiares identidades
juvenis. Temos vivenciado tempos em que os jovens descobrem possibilidades de viver,
conversar, criar, interagir e conviver com seus pares, a partir daquilo que entendem como
significativo, ou daquilo que os mantêm entretidos ou do que mobiliza seus gostos, interesses
etc.
Nessa contingência de mobilidade de sujeitos e comunidades, alimentados por
produtos culturais da pós-modernidade, temos nos deparado com processos que envolvem a
comunicação em tempos de ampliadas possibilidades tecnomidiáticas para a interação
humana, potencializada pela conexão à rede mundial de computadores, construindo um
cenário comunicacional a que Jenkins (2009), autor ícone dos estudos sobre convergência,
tem chamado de “cultura da convergência”. Para Jenkins (ibid), o centro da questão implicada
na convergência, a maior mudança vivenciada na dita modernidade líquida, talvez diga
respeito às possibilidades de consumo e produção cognitivas individuais, personalizadas em
rede, o que oportuniza a ocorrência de formas de colaboração, participação e produção
cultural inéditas. Aliás, mais do que oportunizar a percepção crítica, ou a criação de conteúdos
individualmente, através da rede, o que é mais significativo na cultura da convergência é a
produção/consumo partilhados e a atribuição de poder às comunidades de conhecimento que
fazem isso circular, propagar.
Os sujeitos produtores/consumidores deste tempo não são, portanto, pensados como
ocupantes de uma posição periférica, que lhes seria imposta por uma cultura estritamente
comercial e mercadológica, acionada e regulada pelo consumo e pelo valor financeiro
agregado, e passam a ser pensados como tendo a possibilidade de assumir posições centrais de
produção, ou, pelo menos, de figurarem como parte ativa desse processo, discutindo e
propagando bens cognitivos e informacionais, que colaboram para o estabelecimento de
valores sociais.
A comunicação toma o centro das relações sociais e oportuniza experiências de
produção, circulação e participação, sendo essas especialmente mobilizadas pela rede. Assim,
é possível dizer que hoje se consome, mas também se produz; que hoje se recebe, mas
também se propaga, que hoje somos acionados, mas também mobilizados e que, além disso,
compartilhamos informações e, sobretudo, participamos das narrativas postas em circulação
em um mundo mediado pela tecnologia.
...Sobre o fandom: os fãs e as fanarts.
O fandom está inscrito em uma sociedade diversa, espetacular, globalizada e ativada
pelo consumo, inclusive cultural. O fandom é parte desta experiência de convivência
presencial/virtual, e é, também, elemento articulador de posições identitárias. A cultura dos
fandoms pode ser caracterizada como cultura acionada por interesses mercadológicos que
visam atingir os sujeitos, em suas práticas de consumo e a necessidade de reposicionamento
das mesmas. O fandom poderia ser caracterizado dentro do surgimento destes movimentos de
participação "de baixo para cima", tal como sugere Jenkins (ibid), e que resulta em uma
constante movimentação do consumo, que se caracteriza por um tensionamento entre cânones
e por uma sensação de incompletude em relação as obras que experimentam os sujeitos
juvenis que se aglomeram em torno destes artefatos culturais.
E cada vez mais tem sido disso que trata a produção das fanarts e toda a sorte de
conteúdos dentro dos fandoms. Pensar a sociedade tecnomidiática conectada, despertada por
um movimento de consumo que propõe a participação dos sujeitos contemporâneos,
especialmente daqueles em condição de juventude9, que permite a relativização dos papéis
comunicacionais e, nesta medida, também a relativização das produções e das experiências de
consumo e fruição.
...Sobre a Netnografia e a trajetória metodológica
Pensar a prática de pesquisa a partir de referenciais dos Estudos Culturais foi um
desafio e um estímulo. Desafio porque não havia um método estabelecido, não havia cartilhas
de pesquisa a serem seguidas. Despontou daí a necessidade de pensar e estabelecer percursos
próprios para a pesquisa e de considerar cada passo a ser dado, (re)avaliando, continuamente,
o percurso, o que seria observado, e a importância de refletir sobre as produtividades
decorrentes de cada ação, decisão ou escolha.
Quando iniciei este estudo foi preciso considerar, especialmente, a conjuntura sócio-
cultural comunicacional e de interconexão ampliada na qual vivemos na atualidade, para
assim delinear e planejar um processo de observação de sujeitos juvenis pós-modernos e dos
espaços de sociabilidade online articulados e utilizados pelos fandoms.
A leitura de Kozinets (2014) trouxe-me indicações acerca de processos e manejos
investigativos adequados à realização de uma netnografia, ou, mais especificamente, de uma
etnografia em meio online. Em uma pesquisa que objetiva o estudo de fenômenos culturais
que se concretizam em ambientes de interação online, como é o caso dos fandoms criados
pelos sujeitos jovens da contemporaneidade, é adequado pensar a netnografia como
metodologia.
É importante atentar que um fandom online agrega diversos canais de comunicação.
Os membros circulam por grupos em redes sociais, em timelines do Twitter, em redes
específicas de fãs como a Social Spirit, em repositórios de todos os tipos de fanarts
produzidas, em grupos do Watsapp, em canais do Youtube, e em toda a sorte de meios de
propagação de conteúdos referentes a seus gostos compartilhados. Enfim, muitos são os meios,
as plataformas, os canais que colaboram para a convivência compartilhada online. Coube-me,
então, definir qual ou quais canais de interação seriam focalizados na pesquisa.
Para realizar e indicar escolhas foi utilizado o levantamento. Um levantamento pode
fornecer dados importantes sobre comunidades e culturas online. Classificações e
categorizações são possíveis, a partir de levantamentos realizados. Levantamentos podem
dizer muito sobre as atividades de interação dos membros de uma comunidade online.
Segundo Kozinets (2014) levantamentos online são, portanto, bons instrumentos para realizar
pesquisas em culturas e comunidades online. Neste estudo, procedi ao levantamento de
aspectos tais como:
as atitudes mais frequentemente expressas nas comunidades online de JV;
os tipos de produções veiculadas por essas comunidades e como essas poderiam ser
associadas a atitudes e opiniões expressas;
as opiniões, os valores mais frequentemente referidos pelos sujeitos que convivem
neste fandom;
as representações sobre o que fazem, ou pretendem fazer os sujeitos que participam
desta comunidade e como eles falam sobre suas vidas, estudos, afetos, etc;
as atividades mais “populares” e frequentes nestas comunidades online;
a quantidade de sujeitos que participam desta comunidade online;
Desse modo, fui delimitando o “campo” em que procederia o estudo, a partir da
definição (escolha) de dois grupos no Facebook, duas timelines do Twitter, e um repositório
de fanarts: o Social Spirit, espaços onde busquei realizar o levantamento. Para a realização do
levantamento foi utilizada a metodologia “Print Screen”, em um intervalo de vinte e quatro
horas, em data significativa para o fandom, quando uma intensa movimentação e
comunicação foi estabelecida por parte dos membros. E esse momento pertinente foi a pré-
estreia do filme A Esperança – Parte 1, que aconteceu em 19 de novembro de 2014. Este
momento foi então utilizado para a realização do procedimento de levantamento acima
referido.
E foi a partir dos dados oferecidos pelo levantamento que a observação participante
que se desenrolou no 18 meses seguintes, foi estruturada. O levantamento indicou dois
agrupamentos abertos na rede social Facebook como maiores agrupamentos em número de
participantes e em número de postagens e interações procedidas pelo fandom. A obervação
participante se deu então a partir da coleta de dados arquivais e documentais circulados a
partir destes espaços de convívio online indicados.
...Sobre posições identitárias de juventude: os Fanboys e as Fangirls.
Dentro do propósito de encontrar caminhos que respondessem às questões da pesquisa
empreendida, que buscou adensar o olhar para as identidades juvenis nestes tempos de
convergência e participação tecnomidiática superlativa, bem como de interações procedidas
em ambientes online de convivência de fãs denominados fandoms, coube perceber os seus
integrantes – os Fanboys e as fangirls.
Pensar essa juventude ou as identidades juvenis que circulam na contemporaneidade
pressupõe ampliar o olhar para além do entendimento de juventude como uma fase de
transição entre a infância e a idade adulta. Pensando, então, em derreter o “sólido”
entendimento em relação à juventude que a configura como uma fase ou geração entre faixas
etárias, se torna necessário focalizá-la como uma condição: uma condição, um modo de ser e
de viver próprios a indivíduos que não se encontram aprisionados em uma lacuna etária, mas
que se aproximam em gostos, em valores, em atitudes, poderes, pudores e problematizações.
E, a partir deste entendimento, foi possível localizar categorias analíticas que foram
selecionadas para colocar em evidência os sujeitos, em condição de juventude, observados
neste estudo, que inclui as seguintes qualificações: o jovem interminável, irredutível; o jovem
hiperconectado, midiático; o jovem leitor/autor protagonista; o jovem participativo e crítico.
...O Jovem interminável, irredutível
Valendo-me dos estudos de Canevacci (2005), destaco a mudança, ou deslocamento
de entendimento proposto pelo autor sobre aa regulação que a idade dos membros poderia
impor ao fandom. Este autor (ibid) também propõe que pensemos nas culturas juvenis como
uma condição, na qual os sujeitos se localizam, de forma fragmentada, líquida, múltipla,
sempre interminável, para que se entenda, fundamentalmente, que as culturas juvenis são
produtos de uma época e que essas respondem à racionalidade de um tempo. Ou seja, se em
outros tempos o fator etário era definidor para posicionar o sujeito como jovem, hoje esse
limite já parece não ser tão fixo. Ou seja, ser jovem é estar jovem, é posicionar-se por
aproximação e pertencimento a gostos, interesses e modos de viver afins.
Como Canevacci (2005) destacou, o contexto panorâmico que colabora para a
conformação das culturas juvenis de nosso tempo encerra características de um projeto
definido pelo consumo, pelo hibridismo, pelas montagens, bricolagens e fragmentações,
construindo e favorecendo, assim, aportes e movimentos comunicacionais múltiplos. E esse
parece fazer emergir indivíduos irredutíveis, plurais, móveis, cada vez mais distanciados de
comportamentos baseados em valores pré-determinados. Canevacci (ibid) considera que as
culturas juvenis são Ex-termináveis, ou seja, sem fim, sem limites. Aliás, EXtremo é um dos
termos que este autor utiliza para referir as peculiaridades dessa juventude territorial, zonal e
atitudinal.
Ser jovem, hoje, não significa apenas ter entre 18 e 25 anos, ou estudar, ou ter uma
aparência jovial, ou morar com os pais, entre outras tantas características usadas para definir
os jovens em outros tempos. Hoje é comum o borramento ou o alargamento das fronteiras do
ser jovem. As possibilidades e intervenções cirúrgicas, médicas e estéticas, que garantem
aparência jovial para o corpo cada vez por mais tempo, bem como as bolsas que permitem a
continuação dos estudos por especializações, mestrados e doutorados, e, ainda, senão o mais
importante, os gostos compartilhados, os valores e os modos de vida aproximados, além de
vários outros aspectos da vida contemporânea, consolidam essa juventude irredutível e
interminável.
...O Jovem hiperconectado, midiático.
A segunda categoria analítica escolhida para observar e perceber o sujeito juvenil que
circula no fandom online analisa a sua localização como midiático e hiperconectado. Henry
Jenkins (2009), autor já tantas vezes referido neste texto, aprofunda a reflexão sobre os
conceitos de cultura participativa, convergência e transmídia, usualmente associados aos
públicos juvenis que dominam, ampliam e, cada vez mais intensamente, se utilizam de
artefatos tecnológicos para mediar comunicações, veicular produções, bem como conteúdo
cultural, seja esse mercadológico (filmes, músicas, artistas, etc), ou autoral (blogs, fanfictions,
fanarts, etc). E esses sujeitos, que na sua grande maioria estão vivendo uma condição de
juventude, vivem também em uma convergência comunicativa, midiática e cognitiva: eles
podem ser posicionados como sujeitos hiperconectados, pois circulam com familiaridade em
múltiplos canais.
Circular em um universo que compreende veículos de comunicação, publicação e
propagabilidade de conteúdos e produtividades, nos diferentes canais desta matriz
comunicativa em que vivemos hoje; a exigência de fluência digital é uma prerrogativa. E é
nesta esteira, em que é exigida a ampliação desta fluência digital responsável por possibilitar
que os sujeitos estejam cada vez mais hiperconetados e midiáticos, que surge o presente eixo
de análise. É preciso falar essa língua para transitar por blogs, por páginas nas redes sociais,
por timelines no Twitter, ou no Tumblr, por grupos do Watsapp, por repositórios específicos
para fãs. Observamos, assim, que os sujeitos que têm sua fluência digital potencializada e
falam essa língua, posicionam-se cada vez mais na categoria de jovens hiperconectados e
midiáticos.
Todos esses canais de comunicação, que sugerem e solicitam essa ampliada fluência
digital por parte de seus usuários, acabam por confirmar que a formação/produção de
identidades digitais, que se estabelece a partir da criação de perfis, páginas, contas, canais, e
de toda a sorte de espaços de convivência online, é também a produção de uma identidade
midiática e hiperconectada. Confirma-se, também, o poder de participação a que Jenkins (ibid)
se refere relativamente ao movimento gerado pela apropriação, ressignificação e circulação
das informações a partir da conformação desta identidade digital hiperconectada e midiática.
...O Jovem leitor/autor, protagonista.
É este sujeito em condição de juventude, fluente, hiperconectado e midiático, que
circula com naturalidade pelos inúmeros e múltiplos canais de comunicação presentes no
contexto comunicacional atual, que acaba por também se apresentar e representar como
leitor/autor e protagonista; outro eixo analítico do estudo.
Martín Barbero (2002) considera, em seus estudos sobre juventude, que os jovens têm
uma percepção ainda obscura da profunda reorganização ocorrida nos modelos de
socialização; ou seja, nem os pais constituem o eixo padrão definidor de condutas a serem
consideradas, nem as escolas e os livros são os únicos locais legitimados para o alcance dos
saberes, sendo então a multiplicidade de aportes que a matriz comunicacional pós-moderna
apresenta também responsável para imprimir esses modelos de socialização que colaboram na
conformação desses sujeitos.
Barbero (ibid) também salienta haver um certo mal estar por parte dos jovens frente às
formas tradicionais de continuidade cultural, pois estes têm praticado “experiências de
desencaixe”. Ou seja, as mudanças ocorridas nos anos 2000 apontam para a emergência de
sensibilidades desligadas das figuras, dos estilos e das práticas assentadas em velhas tradições
culturais. Disso decorre, talvez, a importância que se passou a atribuir a pertencer a uma
multiplicidade de comunidades de conhecimento, nas quais a leitura, a autoria e o
protagonismo são continuamente exercitados. Além disso, o autor (ibid) aponta para a
empatia dos jovens com a cultura tecnológica, que inclui desde o uso da televisão até a
participação nas redes informáticas, que se amplia a cada dia. Então, o que está em pauta são
as sensibilidades que se instauram com uma dupla cumplicidade cognitiva e expressiva, que
impregna relatos, imagens, sonoridades, ritmos etc, partilhados por esses jovens. Ainda
segundo Barbero (ibid), estamos frente à formação de comunidades hermenêuticas, que
respondem a novos modos de perceber e de narrar as identidades e de conformá-las em menos
tempo, de forma mais precária, mas, também, mais flexível, porque em um mesmo sujeito
moldam-se e convivem elementos de universos culturais muito diversos. E é em função disso
que os sujeitos que integram comunidades, tais como a que foi examinada no estudo aqui
apresentado, podem ser tanto leitores, quanto autores, além de receptores, protagonistas e,
ainda, consumidores, e também propagadores.
...O Jovem participativo e crítico.
A quarta categoria analítica preponderante e proveniente das observações feitas no
fandom online é: o jovem participativo, crítico. Pensar sobre a juventude pós-moderna é
desafiante, pois requer um exercício que exige congregar autores e percorrer conceitos, talvez
diversos, talvez até opostos, mas que colaboram e se justapõem para a formação de uma
caracterização: mutável, cambiante, flexível; mas que se pretende aproximada do que seja a
juventude na pós-modernidade. Assim, perceber uma juventude que se apresenta crítica e
participativa nestes tempos de descontinuidade, opulência informacional e fragmentação é o
desafio presente. Nestor García Canclini (2007) focalizou, em “Diferentes, desiguais e
desconectados”, a vida de jovens latino-americanos, levando em consideração as condições
políticas, sociais e econômicas dos países em que esses vivem, para dar destaque a algumas
peculiaridades que caracterizariam estes jovens. Canclini (ibid) comentou, por exemplo, que
como a maioria desses jovens ainda possuía, à época, acesso irrestrito apenas à televisão de
sinal aberto, em detrimento de mínimas parcelas com acesso à Internet, seria possível
presumir que a informação veiculada e recebida por estes públicos fosse diferente da recebida
por aqueles que têm acesso a uma maior variedade de canais e mídias, disso decorrendo
comportamentos também diferenciados. Para o autor (ibid), decorreriam dessa
impossibilidade, algumas características apresentadas por esses jovens, tais como a incerteza
em relação às possibilidades de segurança no futuro, decorrentes das poucas chances de
trabalho formal. Ao mesmo tempo, o autor (ibid) nos indica que esses jovens dispõem de uma
abundância de informações e de entretenimento advindos de outras fontes, tendo essas
juventudes acesso a fragmentos de informações e saberes midiáticos, mesmo que esses sejam
pouco sistemáticos, porque casuais.
Alias, a fragmentação e a descontinuidade relativamente aos saberes não caracteriza,
apenas, os jovens das camadas mais populares, mas também aqueles que experimentam a
opulência informática e dispõem de recursos de interconexão ampliados. A avalanche de
informações colabora também para esse aspecto. Por isso, o desafio de pensar um jovem
crítico e participativo nesta conjuntura é tão evidente. Contemplar a fragmentação e a
descontinuidade informacional conduz a pensar sobre a formação de identidades juvenis
peculiares. Canclini (ibid) nos convida, então, a atentar para os movimentos de pertencimento
intercultural configurados como expressões genuínas e arquetípicas de uma cultura da
diferença nos comportamentos de uma juventude pós-moderna, associada a contingências
sociais balizadas por um mundo fora de ordem, líquido, fragmentado, descontínuo,
hiperpresente.
E é nessa medida que os fandoms surgem como organizações articuladoras de um
pertencimento e convívio com pares, interação e trocas, que evocam o pensamento crítico
frente às incongruências deste cotidiano fora de ordem. Essa opulência informacional, a
fragmentação de aportes, a multiplicidade de canais e o pertencimento oferecido pelos
fandoms, provocam e sugerem a busca da convivência online a partir de temas que mobilizam
as opiniões.
A crítica, mesmo que deslocada ou efêmera à participação juvenil em contextos
desconexos e em conjunturas sociais adversas, tal como a realidade ficcional da obra, parece
ser a medida para despertar a ação. A juventude que busca circular com fluência pelos canais
de propagação de conteúdo, que se apoia na identidade leitora, que supera e expande tal
posição e se torna autora e protagonista de suas práticas, produções e propagação, mas que
também ultrapassa limites etários e que se constitui na multiplicidade, acaba por experimentar
a adesão à participação e ao posicionamento crítico.
...Sobre as Considerações Finais
Paula Sibilia na contracapa do livro Redes ou Paredes – A escola em tempos de
dispersão, sintetiza a reflexão sobre o desencanto e o desencontro percebido entre a escola e
os tempos contemporâneos e suas superlativas possibilidades tecnológicas. A obra desta
autora refina o olhar para essa sensação de desencaixe de uma instituição secular como a
escola e o seu papel, enquanto tecnologia de época, na sociedade contemporânea. Ou seja, a
escola como ferramenta de conformação de certos tipos de sujeitos para tipos específicos de
sociedades. A escola como aparato de formação de identidades alinhadas a espaços,
racionalidades e culturas de um dado tempo.
Por ser professora, formadora de professores, e também por ter a oportunidade de
atuar em projetos desenvolvidos com alunos adolescentes, tem sido possível sentir e viver de
perto o desencaixe e a distância existente entre os públicos escolares e seus modos de vida, e
as práticas pedagógicas operadas na (e pela) escola, tal como foi denunciado por Sibilia (ibid).
Entendi ser preciso pensar sobre os processos pedagogizantes que circundam os seres no
mundo contemporâneo, valendo-se do conceito de pedagogia cultural, considerando e
acolhendo o princípio de que diferentes artefatos são capazes de ensinar, de conformar, de
oferecer diferentes experiências sociais de mundo aos sujeitos, de forma a oportunizar
múltiplas experiências de negociação de sentidos.
Foi por este caminho que segui no estudo empreendido: buscar perceber o shipp entre
a vida presencial e a vida que se desenrola em ambientes online; levar em conta o tecido
social, cada vez mais tecnologicamente ampliado, que alimenta uma matriz comunicativa
diversa, múltipla, cheia de possibilidades de interações humanas mediadas por tecnologias e
modos sem precedentes de os sujeitos em condição de juventude viverem e configurarem
posições identitárias.
“O desafio é enorme”. E talvez não seja possível elencar passos para resolver o
descompasso entre a vida contemporânea e a escola. O que parece ser possível é suscitar a
discussão, fomentar a reflexão e, principalmente, perceber o desencaixe. Trazer cada vez mais
atores para a arena das ideias voltadas a pensar perspectivas, talvez até ressignificá-las.
Potencializar o exercício de pensamento sobre o papel da escola, sobre as práticas escolares
mais aproximadas da experiência midiática que estamos experimentando hoje. Permitir que o
desconforto abale as paredes da instituição escolar, para que, assim, possamos continuar a
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