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APRESENTAÇÃO

No presente livro, estão reunidos textos produzidos pelos

alunos e alunas do oitavo ano do Colégio João XXIII. A coletânea

faz parte do projeto “Tão longe e tão perto: um olhar sobre os

movimentos migratórios”, realizado no 3º trimestre de 2017,

envolvendo os componentes curriculares de Geografia, Língua

Portuguesa e Música.

A produção dos textos teve como ponto de partida a leitura do

livro “A pequena guerreira”, que narra a trajetória da corredora

somali Samia Omar durante sua infância, adolescência e tentativa

de emigração para a Europa. A obra é escrita pelo italiano

Giuseppe Catozzella, que narra, em primeira pessoa, a vida de

Samia, dando voz à jovem atleta.

A partir de dados coletados em entrevistas com imigrantes

que escolheram o Brasil como destino, os alunos e alunas

produziram seus textos inspirados na obra de Catozzella. Desta

forma, os relatos que compõem esta coletânea estão em primeira

pessoa, como se fossem os próprios imigrantes a contar suas

histórias.

Os imigrantes entrevistados vieram de diferentes países,

como Argentina, Chile, Colômbia, Estados Unidos, Nigéria,

Senegal, fazendo com que este livro apresente uma variedade de

relatos. São histórias reais de pessoas que viram no Brasil um lugar

para começar uma nova vida e que são contadas pelos alunos e

alunas do oitavo ano.

Boa leitura!

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SUMÁRIO

A JORNADA DE MOHAMED .......................................................................................................... 4

Caetano, Matheus e João (turma. 8A)

SINGULARIDADE ................................................................................................................................. 5

Catharina, Luiza, Manoela e Mykelly (turma: 8A)

JAMES BEARDWOOD ........................................................................................................................ 7

Alice, Daphne, Germano e Stella (turma: 8A)

NOVO LAR............................................................................................................................................ 9

Laura M., Cecília, Francisco e Gabriel (turma: 8A)

RELATO DE MIRKO ......................................................................................................................... 10

Tomáz, Bernardo, Luciano e Marcelo (turma: 8A)

LONGE DE CASA .............................................................................................................................. 12

Isadora,Caio, Clara e Laura S. (turma: 8A)

ÁLVARO HENRIQUE DURAN ........................................................................................................ 14

Luca, Luana, Camila, Rafaela (turma: 8A)

ÉDER PIÑA ......................................................................................................................................... 16

Camilly, Rodrigo B., André e Isabella A. (turma: 8C)

UM RECOMEÇO ................................................................................................................................. 18

David, Rodrigo Leão, Juliana e Joaquim (turma: 8C)

BAMBA ................................................................................................................................................. 20

Giovana, Cecília, João e Yasmin (turma: 8C)

DE SANTIAGO A PORTO ALEGRE .............................................................................................. 26

Isadora, Francisco, Artur, Mirella (turma: 8C)

ESPERANÇA ....................................................................................................................................... 27

Nicole, Lívia, Manoela e Maria Eduarda (turma: 8C)

FALL ..................................................................................................................................................... 30

Vitor, Pedro, Thales, Augusto e Sthefany (turma: 8C)

MINAMI ............................................................................................................................................... 32

Leila, Isabela, Matteo e Henrique (turma: 8C)

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EUGENIA ............................................................................................................................................. 33

Luciana, Luísa, Camile e Emily (turma: 8E )

SER NEGÃO, SER LEGAL .............................................................................................................. 35

Laura, Joana, Carolina e Luís Felipe (turma: 8E )

HISTÓRIA DO IMIGRANTE ABENA ............................................................................................. 37

Kalil, Gregório, Artur e Matheus (turma: 8E)

STANLEY LEVIN ............................................................................................................................... 39

Francisco, Franco, Gabrielly e Luana (turma: 8E )

EUGÊNIO ............................................................................................................................................. 40

Fernanda, Gabriela, Renata e Felipe (turma: 8E )

SAUL .................................................................................................................................................... 43

Tiago, Lucas A., Lara e João Vitor (turma: 8E)

ABOU .................................................................................................................................................... 44

Mariana M., Mariana R., Pedro B. e Rodrigo (turma: 8G)

DAVID ................................................................................................................................................... 47

Carolina, Carolinne, Mariana F. e Maria Teresa (turma: 8G)

INEIL ..................................................................................................................................................... 48

Gabriel C., João, Monise e Manuela (turma: 8G)

OMILIEU CLERJUSTO, SÓ MAIS UM IMGRANTE ................................................................. 49

Gabriel S., Ingrid, Gustavo O. e Pedro C. (turma: 8G)

OUSSEYNOU TOULE ....................................................................................................................... 51

Alice, Laura, Antônio e Gustavo C. (turma: 8G)

POR ACASO ....................................................................................................................................... 53

Bruno, Djovanna, Gabriela e Lucca (turma: 8G)

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A JORNADA DE MOHAMED

autores: Caetano, Matheus e João (turma. 8A)

Meu nome é Mohamed Ubamba, eu nasci no ano de 1993, em Dakar, capital

do Senegal, atualmente tenho 24 anos. Dois anos atrás, resolvi buscar um emprego

melhor e melhorar a situação financeira de minha família, que ficou por lá, o que não

seria possível, no Senegal, pois é um país pobre e subdesenvolvido, então resolvi

sair do meu país natal. Após uma breve pesquisa e algumas indicações, escolhi o

Brasil, um país que prosperava,rapidamente naquela época. Depois de um processo

burocrático, fiz minhas malas, fui para o aeroporto de Dakar, desembarquei em

Guarulhos e, posteriormente, viajei para uma cidade mais ao sul, chamada Porto

Alegre.

No início, foi bem difícil, não tinha lugar para morar, e fiquei em um hotel até

conseguir um emprego, sendo sustentado pela minha família no Senegal. Sabia falar

apenas o francês, minha língua materna, mas posteriormente aprendi, com muito

esforço, a falar o português. Muitas pessoas achavam estranho o meu sotaque e o

fato de eu não falar a língua daqui corretamente. Nessa época, sofri muito com

preconceito, por causa do meu tom de pele mais escuro e a minha religião, que não

é tão comum nessa parte do mundo, sou muçulmano. No entanto, naquele tempo,

eu não sabia o que preconceito significava.

Hoje trabalho como cozinheiro no restaurante Monte Líbano e ganho um

salário razoável, provavelmente um pouco melhor do que eu poderia ganhar no

Senegal. Porém as coisas no Brasil são muito mais caras, por causa dos altos

impostos e é principalmente o aluguel do meu apartamento que tenho mais

dificuldade para pagar. Nunca sobra dinheiro no fim do mês. No início, pensei que

essa fase ruim passaria rapidamente, engano meu, isso perlonga até os dias de

hoje.

Em geral, acho que a minha vinda para o Brasil não valeu a pena, pois, hoje,

está muito difícil viver aqui com a grande crise, que afeta todos nós. Eu pretendo

voltar rapidamente para o meu país, pois tenho saudades dos meus familiares e da

minha antiga cidade. Aqui me sinto sozinho, não tenho verdadeiros amigos, apenas

colegas de trabalho e interesseiros que não descolam do meu pé, e sinto que eu não

estou no lugar certo.

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Eu vim para o Brasil pois muitos senegaleses diziam que o Brasil era um lugar

melhor do que o Senegal para se viver e construir uma nova vida, mas hoje discordo

das pessoas que disseram isso para mim, porque, como eu já disse, eu não vivo

muito melhor aqui do que poderia viver no meu país. Pretendo, num futuro breve,

voltar para lá, pois aqui está extremamente estressante e difícil de viver.

SINGULARIDADE

autoras: Catharina, Luiza, Manoela e Mykelly (turma: 8A)

Já estava ao que me pareciam séculos esperando para ser atendido. Quando

a comida finalmente chegou, o prato não era o que eu havia pedido, reclamei com o

garçom e pedi novamente. Além de ter sido incrivelmente rude comigo, aquele

garçom não o trocou e tive de comer algo indesejado.

Esse tipo de situação me faz lembrar meu país, Senegal. Lá as pessoas

sempre eram muito educadas e a comida era maravilhosa. Recordo-me dos pratos

feitos pela minha vó, eram tão deliciosos, ainda podia lembrar daquele sabor

inconfundível. Nunca senti isso de novo desde que cheguei ao Brasil, em 2015.

A princípio a comida brasileira tinha um sabor singular, um gosto antes nunca

experimentados por mim. É diferente, mas não me atrevo a dizer que não é

saborosa. Com o tempo, aprendi a fazer receitas brasileiras e estou ansioso para

ensiná-las à minha avó, principalmente o famoso brigadeiro.

Aos 18 anos, vim para cá, o mundo parecia, ainda é, tão grande, cheio de

oportunidades. Diferentemente de alguns, eu, Mouhamadou Moustapha Cisse, não

sou um cara muito ambicioso. Quando vim, meu único objetivo era enviar dinheiro

para a minha família que ficara no Senegal. Nunca fomos ricos, no entanto nunca

fomos pobres, porém as coisas começaram a ficar difíceis e o medo chegou. Sentia-

me responsável por eles, então, assim que tive a oportunidade, mudei-me.

Com minha mentalidade ainda muito sonhadora e fora do mundo real, não

tinha percebido o quão difícil seria sustentar-me e enviar dinheiro para ajudar minha

família. No início, a quantia de dinheiro para os meus familiares era mínima, mas,

mesmo assim, me sentia orgulhoso por conseguir enviar algo a eles.

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Antes de aprender o português, já dominava outras línguas, o francês e o

inglês, porém o meu português era desastroso, não conseguia me comunicar direito

e era dependente das traduções que meus amigos faziam. Com o tempo, comecei a

compreender melhor as coisas, o português já não era tão assustador, entendia

frases simples e sabia formulá-las. Assim que aprendi esta língua, as oportunidades

de emprego aumentaram e pude finalmente trabalhar em um ambiente no qual

entendia as pessoas ao meu redor.

Nas aulas de geografia, olhava o mapa mundi e sonhava com a vastidão

daquele país, que posteriormente viria a chamar de lar. Nunca antes havia

imaginado que teria de mudar de país por causa de uma certa obrigação, todavia

era o necessário, precisava o fazer para o bem de minha família.

Tenho amigos aqui, desde antes da minha vinda, foram eles que me

recomendaram a vinda para o Brasil. Estes amigos foram os que me arranjaram um

emprego e um teto. Minha gratidão por eles será eterna, eram aqueles que me

fizeram capaz de ajudar a minha parentela.

O meu salário, hoje em dia, não é o dos melhores, mas é o suficiente para me

sustentar e enviar dinheiro para minha família. Com o tempo, passei por vários

empregos e finalmente estou fixo em um há 10 meses. Sempre gostei de meus

trabalhos, diferentemente do que muitos pensam, o meu ofício é de grande

importância e pode ser de extrema dificuldade. Trabalho com serviços gerais, sou

rodeado por pessoas simpáticas e acolhedoras.

Sempre ouvi que o povo brasileiro levava tudo sem responsabilidade, que só

sambavam e jogavam futebol, porém, percebi que aquilo não era inteiramente

verdade. Claro que havia pessoas que sambavam – o famoso carnaval brasileiro – e

jogavam bola, não é à toa que são penta campeões da Copa, todavia, esses atos

não definem os brasileiros, essa população cheia de diversidade cultural. Sentirei

saudade dessa “gente fina” quando retornar para o meu país de origem, em 2022.

Ainda não tive a oportunidade de visitar esse imenso país, ou até mesmo os

países que ficam em suas fronteiras. Contudo, planejo conhecer as distintas culturas

que me circundam e desejo fazer isso ao lado de minha avó, que nunca saíra do

Senegal.

Tenho uma imensa saudade do Senegal, mas fui muito bem acolhido pelo

povo daqui, sinto-me em casa, pertencente a esse território. O Brasil, hoje, é meu

lar, tanto quanto o meu país de origem já foi. A distância não é ruim, ela apenas nos

mostra o quanto amamos o que ficou longe!

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JAMES BEARDWOOD

autores(as): Alice, Daphne, Germano e Stella (turma: 8A)

Nasci em Providence, Rhode Island, nos Estados Unidos. Eu pessoalmente

gostava daquele local, assim como também gostava de morar em Lincoln, última

cidade em que residi antes de migrar para o Brasil.

Quando eu era mais jovem, trabalhava no exército americano como policial

militar, o que me fez morar em Heidelberg, Alemanha, durante três anos. Algum

tempo depois, trabalhei em uma pequena cidade como supervisor no departamento

de recreação de um parque, desta vez sim, como uma profissão de fato. Neste

emprego, eu e meus colegas de trabalho tivemos de administrar e cuidar de doze

campos de basebol, seis campos de futebol e dois campos de futebol americano,

além de algumas pistas de patinação. Cuidar destes campos também significava

retirar a neve dos gramados, esta que vinha em uma quantidade imensa no inverno.

Havia também uma outra parte deste trabalho que incluía participar de um centro de

jovens do Ensino Fundamental, onde fazíamos atividades como jogar pebolim e

concursos de canto. Eu costumava me divertir muito fazendo todas estas coisas!

Recentemente, mais especificamente no ano de 2016, eu e minha esposa

Marie tomamos a decisão de ir morar fora dos Estados Unidos, neste caso, em outro

país, onde as pessoas falam outra língua a qual não estamos habituados. Mesmo

com a barreira da cultura e dos costumes, estávamos empolgados para ir para o

Brasil, muito devido aos motivos que nos levaram a deixar os Estados Unidos e ir

para um local inusitado. Em agosto, fizemos essa grande mudança, aceitando a

proposta de emprego que Marie havia recebido, que consistia em assumir o posto

de Diretora de Tecnologia de Integração em uma escola de graduação. Ela estava

muito ansiosa para assumir esse cargo.

A viagem ocorreu de forma absolutamente tranquila, afinal, viemos de avião.

Já nos primeiros dias, conseguimos nos estabelecer bem na cidade de São Paulo.

Apesar disso, sentimos um certo desconforto em relação à língua. Ainda me lembro

de certas vezes onde estávamos fazendo compras em diferentes lojas e que, ao

perguntar algo ao atendente, nos sentimos um tanto ridicularizados pelo simples fato

de não falarmos português.

Tem sido muito bom morar no Brasil, principalmente porque minha esposa

gosta de seu trabalho, mas também temos tido oportunidades de viajar para alguns

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lugares como, por exemplo, Chile, Rio de Janeiro e Santos, no próprio litoral de São

Paulo. Temos aproveitado para conhecer pontos importantes da capital onde

estamos morando, como o Beco do Batman, o Jockey Club, a Avenida Paulista, o

Embu das Artes, o Parque Burle Marx, entre outros.

Com tudo isso, ainda restam coisas que encaro como desvantagens de

morar aqui. Entre elas, se inclui a questão do trânsito, com o qual ainda estamos um

tanto chocados. Saímos dos Estados Unidos onde estávamos morando em uma

cidade com cerca de dez mil habitantes e viemos para a capital paulista, onde o

trânsito é extremamente pesado e intenso. Acho que isso justifica o fato de ainda

estarmos espantados com essa situação. Um outro aspecto que considero algo que

me faz ter saudade de onde morávamos é a manteiga de amendoim americana, pois

a brasileira é muito doce.

Contudo, o que eu mais sinto falta nos Estados Unidos é poder aproveitar as

quatro estações bem definidas. Em nosso estado, Rhode Island nas proximidades

de Boston, cada estação era mais bonita que a última. A primavera é quando a

chuva vem. No começo é frio, mas depois esquenta bastante, é quando as flores

começam a desabrochar e os insetos aparecem. O verão chega e o clima esquenta,

fica muito úmido nas primeiras duas semanas de agosto. As pessoas vão nadar nos

lagos ou nos oceanos para se refrescar. Então o outono vem e as folhas começam a

mudar para cores maravilhosas e depois caem, os tons de vermelho, dourado, cobre

e laranja inundam a cidade. É como se as árvores estivessem festejando. Quando

as folhas morrem, o clima esfria e o vento se intensifica. A temperatura diminui

drasticamente, os lagos e lagoas congelam, formando uma reluzente camada de

gelo. A neve começa a cair no momento em que a temperatura chega em menos

trinta e cinco graus célsius. Às vezes as tempestades de neve são grandes, às

vezes, pequenas. Na maioria do tempo, são perfeitas para se admirar.

Na realidade não estou aposentado como os documentos atestam. Costumo

dizer que, aos sessenta e quatro anos, meu trabalho é cuidar da minha amada

esposa. Também me voluntario nas comunidades carentes. Tem sido muito bom

morar no Brasil e poder desfrutar de todas essas novas experiências, e o melhor de

tudo, na companhia de minha querida esposa.

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NOVO LAR

autores (as): Laura M., Cecília, Francisco e Gabriel (turma: 8A)

Minha viagem foi muito tranquila apesar da tensão da mudança, passei horas

pensando em como seria minha nova vida, em um país novo e uma cultura nova. De

uma hora para outra, tudo iria mudar. Pensava como seria minha vida sem minha

família. Somente meu marido e minha filha de cinco anos seriam minha única

companhia.

Meu nome é Noélia Coidias, passei trinta anos da minha vida morando no

Paraguai, atualmente, faz dois anos que eu moro em Porto Alegre. No inicio, tudo foi

mais difícil, principalmente por causa do idioma, a maior barreira social entre as

culturas. Eu conseguia entender um pouco, por causa da similaridade do português

com o espanhol, mas no que se refere a me comunicar, o meu desempenho era um

desastre, tinha medo que não me entendessem, escolhendo muitas vezes não falar.

Quando me perguntam do que mais sinto falta é, sem dúvida alguma, da

minha família no Paraguai. Deixei todos para trás e, por vezes, tenho vontade de

voltar para meu país de origem. Sinto falta da comida da minha mãe, da praça onde

passei várias horas brincando, da imagem do meu pai lendo jornal e também das

brigas com meus irmãos.

Quando pensava em como seria aqui, não me vinham na cabeça imagens

positivas, imaginava uma cultura totalmente diferente da minha. Ao chegar ao Brasil,

todas as minhas expectativas não passavam de uma falsa realidade. Há muitas

semelhanças entre as culturas, o que me ajudou em minha adaptação como, por

exemplo, o famoso chimarrão, que na minha terra chamamos de mate. Não tem o

terere, bebida típica paraguaia, que é basicamente um mate frio às vezes tomado

com um suco de frutas e gelo, do qual eu sinto falta.

Uma coisa com que me surpreendi foi a quantidade de lugares de lazer que

Porto Alegre oferece. Quase todo lugar a que eu vou tem uma opção diferente, seja

restaurante, shopping, teatro ou um parque como o da Redenção ou o Parcão. Algo

que me disseram quando pensava em imigrar foi que nunca é como você pensa, e

agora posso confirmar essa afirmação.

Os amigos paraguaios que aqui fiz me ajudaram a matar um pouco da

saudade que sinto diariamente. Tenho amigos brasileiros, mas é bom me reconectar

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com minha cultura e idioma. Quando falo espanhol com eles, lembro das tantas

coisas que deixei para trás. O sotaque forte me dá um gosto da minha terra.

Não posso dizer que não sofri muito preconceito, afinal, é difícil escapar

sendo uma imigrante. Quando descobriam que eu vim do Paraguai, perguntavam-

me se eu era de verdade, esse tipo de comentário, normalmente vinha de taxistas e

de pessoas desconhecidas na rua, um tipo de piada que parece ser inofensiva.

Apesar de ser uma brincadeira, eu me sentia ofendida e tentava esquecer isso, pois

é algo ''comum'' de acontecer quando novas culturas se encontram apesar das

semelhanças entre as duas culturas, como antes citei.

Hoje posso dizer que me sinto bem e feliz no lugar onde estou, apesar das

brincadeiras ofensivas e dificuldades com a língua. Aqui, eu me sinto em casa, e

isso é o que mais importa pra mim. Meu segundo filho, que agora tem dois anos,

nasceu aqui no Brasil, e isso já é motivo suficiente para conseguir me adaptar, nem

se for só pelo meu filho e para seu bem.

Sinto-me sortuda de ter sido uma imigrante que veio pra o Brasil nas

melhores condições possíveis, pois muitos não têm essa mesma sorte. São muitos

os casos de imigrantes que vêm em busca de sobrevivência. Passam pelas piores

condições, ficam refugiados só para chegar aqui e não ter uma vida digna. Estava

feliz e acomodada no Paraguai, mas isso não quer dizer que não consigo ser feliz

aqui do mesmo jeito. Fronteiras nunca foram e nunca vão ser uma barreira pra mim.

O Brasil abriu novas portas para mim e pretendo desfrutar delas e de outras por

muito tempo enquanto ainda posso aproveitar dessa cultura maravilhosa.

RELATO DE MIRKO

autores: Tomáz, Bernardo, Luciano e Marcelo (turma: 8A)

Chamo-me Mirko Salomón Alva Sánchez, tenho trinta e nove anos de idade e

vim do Peru para o Brasil, dois anos atrás, para fazer pós-graduação em

Odontologia na UFCSPA (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto

Alegre).

Ao chegar, já recebi moradia na universidade, fui bem recebido e sem ser

discriminado nenhuma vez até hoje. Não me arrependo de ter feito essa escolha,

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pois lá no Peru a oportunidade de fazer esse curso não existia, já que as vagas

estavam esgotadas.

Tive a oportunidade de conhecer outros imigrantes aqui no Brasil e fazer

novas amizades com o tempo. Nós somos todos como uma espécie de rede, nos

ajudamos, dividimos nossas histórias e nos solidarizamos. Só nesse grupo já incluía

Argentinos, Guatemalenses e também Uruguaios. Com essas companhias, acabo

não me sentindo tão sozinho, pois deixei tudo no Peru, irmão, pais, avós e amigos.

Na rua muitos me questionam como cheguei ao Brasil, muitos acham que vim

de uma forma alternativa, ou até mesmo ilegal. No entanto, verdade é que vim

legalizado de avião mesmo, numa viagem bem tranquila e confortável,

diferentemente de alguns amigos que fiz aqui de outros países que vieram

irregularmente de ônibus.

É normal achar que todos lá no Peru são pobres ou miseráveis. Mesmo que

isso possa se aplicar a uma grande fração da população peruana, não quer dizer

que essa seja a realidade de todos os peruanos. Eu, por exemplo, nunca passei por

muita dificuldade econômica. Claro, passo longe de um milionário, mas pobre

também nunca fui.

Ao chegar aqui, eu havia me surpreendido com as similaridades daqui com o

Peru, principalmente em um aspecto cultural. Até me lembro de lá ser mais

higienizado e limpo em geral, por outro lado, aqui as pessoas são bem mais

amigáveis do que lá, pelo menos isso se aplica às pessoas que eu já conheci aqui.

Eu não pretendo voltar para o Peru tão cedo, mas tenho planos de

economizar dinheiro para poder trazer minha família para cá também. Aos poucos,

vou me estabilizando. No início, eu estava muito apreensivo, não conhecia a cidade,

ou seja, tinha dificuldades até em me orientar, principalmente, nas ruas ou até em

relação à moeda. Sempre tive o receio de não me darem o troco certo, mas agora já

sei os valores corretamente.

Em relação à comida, claro que é impossível de não sentir falta da comida

local do Peru. Mesmo que vários dos pratos que eu comia no Peru sejam bem

populares aqui.

Foi fácil adaptar-me à culinária local, devido à grande variedade de

restaurantes, sendo de vários lugares diferentes do mundo. Até achei recentemente

um restaurante peruano, inclusive fiz amizade com dono, que conta histórias da vida

dele no Peru e sempre faz um precinho especial para mim. Foi mais uma grande

amizade que fiz nesse tempo no Brasil.

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Tenho gostado de passear pela cidade. Seus pontos turísticos sempre são

uma vista a se lembrar. No momento, o meu local favorito de visitar é o Gasômetro,

especificamente durante o pôr do sol. Desde que cheguei, ouvi falar e me apressei

para conhecer.

Nesse tempo, percebi que o povo do sul do Brasil tem alguns costumes

típicos, como tomar chimarrão e andar a cavalo. Já tentei experimentar o chimarrão,

mas achei amargo demais. Quanto aos cavalos, tenho medo, pois em minha terra

não é muito comum vê-los.

O clima aqui no Brasil é muito esquisito. No início, demorei para me

acostumar, pois cheguei no meio do verão africano que colide com o rigoroso

inverno brasileiro. Ao contrário do Peru, aqui as estações do ano não são bem

definidas, como às vezes que, no meio do inverno, temos um dia de 27 graus.

A língua sempre foi algo em que tive dificuldade, mesmo tendo muitas

similaridades com a minha. Quando vim para o Brasil, já estudava o português,

então continuei meus estudos. O contato direto com a língua me ajudou muito e

agora já falo muito bem, podendo me comunicar com as pessoas.

Tirei como conclusão que todo esse tempo no Brasil me ajudou muito, tanto

em minha vida profissional como em minha situação financeira. A vontade de rever

familiares e de poder visitar minhas terras é grande, sei que tudo isso é uma questão

de tempo e de estabilidade financeira. Agora, sigo trabalhando, estudando e me

dedicando para me tornar quem sempre quis ser, eu mesmo.

LONGE DE CASA

autores(as): Isadora,Caio, Clara e Laura S. (turma: 8A)

Meu nome é Giselle Ben David, e Israel sempre foi e sempre será parte de

mim. Desde pequena, esse sempre foi meu lar, onde eu me sentia segura em

qualquer situação. Lá eu era feliz, era onde eu me sentia completa. Mal eu sabia

que, após alguns anos, minha vida mudaria por completo.

Aos sete anos de idade, o que eu mais temia virou realidade. Já fazia algum

tempo que meus pais estavam tendo divergências em suas opiniões e isso sempre

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causava brigas e discussões, mas eu nunca pensei que isso levaria a algo mais

sério, como um divórcio. Devido a isso, minha mãe resolveu se mudar para o Brasil,

onde moravam seus parentes. Eu não sabia nada sobre esse país, mas sabia que

precisaria aprender rápido, para me adaptar a essa nova vida. Então, em 2010, junto

com minha mãe e meu irmão, eu peguei um avião destinado ao território brasileiro.

Desde o primeiro momento em que toquei meus pés no chão de Porto Alegre,

senti um misto de emoções: alegria por finalmente termos pousado sãos e salvos,

afinal, tenho pavor de altura, e medo da nova vida que me esperava aqui. Tudo era

estranho para mim, a língua, os lugares, as pessoas, as comidas e a cultura

principalmente. Na rua, quando eu falava com a minha mãe, as pessoas nos

olhavam torto por causa da nossa língua, e eu me sentia mais deslocada ainda.

Quando minha mãe me matriculou na escola, no primeiro ano do fundamental, meus

colegas da época estranhavam meu modo de falar e muitas vezes faziam

questionamentos como: “Por que você fala assim?” ou “Você veio da onde?”, isso

me incomodava bastante, mas, hoje em dia, tenho orgulho da minha língua então

não ligo para o que falam. Estou tentando retomar o conhecimento do hebraico e de

minha cultura, afinal essas são minhas raízes, as quais acabei deixando de lado ao

passar dos anos.

Com o tempo, fui me adaptando aqui, mas algo me fazia e ainda me faz falta:

a presença de meu pai. Às vezes, me pergunto o que ele está fazendo, porque

mesmo mantendo contato pela internet, não é a mesma coisa. Já visitei Israel depois

de me mudar para cá, mas continuo sentindo falta não só do lugar, como também da

outra metade de minha família. Espero ter mais chances de visitar o país que tanto

amo. Entretanto, não posso desvalorizar o Brasil, porque minha vida aqui é mais que

ótima, tenho muitos amigos, uma família muito unida que sempre me apoia e uma

boa condição de vida. Minha mãe, uma mulher incrivelmente guerreira, trabalha

como cabeleireira em um salão de beleza. Eu realmente a admiro, afinal, ela

trabalha para sustentar dois filhos e ainda pagar escola particular. Mesmo que no

início tenha tido ajuda de sua parte da família, hoje em dia, ela que batalha para

fazer as coisas acontecerem.

Hoje tenho quatorze anos. Já passei por algumas escolas e agora finalmente

estou estabelecida em um colégio em que me sinto feliz com os amigos e com o

ensino, sinto-me adaptada. Meu irmão está crescendo cada vez mais, sendo o mais

novo da família, está começando a ter suas próprias experiências e eu fico feliz de

estar aqui junto a ele para ver. Não sei o que seria de mim se ele tivesse ficado em

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Israel. A saudade de meu pai ainda bate, mas aprendo melhor a lidar com isso a

cada dia.

Estou planejando uma viagem para meu país de origem logo. Como será que

meu pai está desde a última vez que o visitei? Será que lá mudou muito? Pretendo

tirar essas dúvidas o mais cedo possível.

Ano passado, fiquei um pouco preocupada com a minha família por parte de

pai, pois estava tendo muitas guerras e conflitos entre Israel e Palestina. Houve

milhares de mortes. Para a minha sorte e alívio, nada aconteceu com eles.

Tive meus altos e baixos, passei por situações boas e ruins, mas essas

coisas fazem parte da vida, seja no Brasil ou em Israel. Aprendi com muitas coisas

que fiz e vivenciei, acertei várias vezes e, em muitas, errei. Ainda tenho uma longa

vida pela frente e vou fazer de tudo para que ela seja a melhor possível.

ÁLVARO HENRIQUE DURAN

autores(as): Luca, Luana, Camila, Rafaela (turma: 8A)

Chamo-me Álvaro Henrique Duran, mas sempre me chamam de Álvaro.

Tenho 37 anos de idade, nasci no dia 09 de outubro de 1980 e venho de uma cidade

distante, do norte da Colômbia, chamada Santa Marta. Imigrei para o Brasil no ano

de 2011, vindo primeiro para São Paulo, onde fiquei aproximadamente por um mês.

Depois, fui para o Rio de Janeiro, onde morei por mais um ano.

Formei-me na Colômbia em Medicina Pediátrica e vim para o Brasil com o

objetivo de fazer essa especialização. Vim para cá com ''malas'' cheias de sonhos

que estavam destinados à Medicina, os quais, felizmente, consegui realizar.

Consegui um emprego no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, que foi a minha

terceira cidade de moradia. Após isso, comecei a estudar nefrologia pediátrica no

hospital Santa Casa, onde me formei.

Eu escolhi Porto Alegre, pois recebi boas referências de meus colegas que

estudaram aqui e que disseram que possui bons especialistas e professores, além

de ser uma cidade muito bonita. Além disso, já possuía aqui amigos e uma amiga

que considero como uma irmã.

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Eu fiz minha viagem de avião e foi tranquila, porém bem demorada, durou em

torno de umas doze a dezoito horas. Eu saí de Santa Marta (minha cidade natal) em

torno das seis da manhã, passei por Bogotá, a capital da Colômbia, onde fiquei

quase duas horas no aeroporto. Ao final da tarde, peguei outro voo para Lima

(Peru), então outro até Porto Alegre. Chegando lá, minha amiga foi me encontrar e

pegamos um táxi até o seu apartamento, onde ela me ofereceu moradia enquanto

eu não encontrava um apartamento para morar. Ela me ajudou muito a me adaptar

nesse primeiro momento de chegada em Porto Alegre.

No início, fui muito bem recebido, mas, pelo meu sotaque, as pessoas

percebiam que eu não era daqui e, por isso, tiravam vantagens. Um dia eu estava

indo em direção ao meu local de trabalho e para isso chamei um táxi. Demorou em

torno de uns dez minutos até chegar onde eu estava. No carro, o motorista

perguntou-me qual era o meu destino, eu falei e ele, sem entender muito bem, me

retrucou e disse: ''Ahh, essa gente que não mora aqui e tenta falar o português e

não sabe, não deveria nem estar aqui''. Senti-me mal com aquilo tudo e pedi para

descer do carro, pois um motorista não deveria falar daquele jeito com seus clientes,

achei muita falta de respeito.

Minha família está na Colômbia, mas tenho dois irmãos aqui (uma irmã de 33

anos e um irmão de 39), que vieram para minha formatura e acabaram morando

aqui pois gostaram do país e conseguiram arranjar emprego. Minha irmã se chama

Mariah, trabalha como esteticista e meu irmão chamado Pablo está no ramo de

odontologia, como dentista, ambos se formaram na Colômbia.

No início, tive uma certa dificuldade de encontrar algum emprego, pois vim de

um outro país e por isso tive que revalidar o meu título de medicina, o que demorou

em torno de duas semanas. Depois de muita papelada, consegui renová-lo,

entreguei meu currículo em vários hospitais, então consegui arranjar cinco

empregos.

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ÉDER PIÑA

autores(as): Camilly, Rodrigo B., André e Isabella A. (turma: 8C)

Alguém uma vez disse que somos movidos por nossos sonhos, esse alguém

era muito sábio e sabia o que estava dizendo. Sempre tive muitos sonhos em minha

vida, muitos objetivos e metas, mas também muitos obstáculos.

Se tinha algo que eu realmente queria, era completar meus estudos e

finalmente poder sentir a sensação de ter um diploma em mãos, algo que de onde

eu venho é sinônimo de sorte. O que as pessoas não sabem é que sorte nunca é o

suficiente, pois as coisas que vêm de graça para nós são apenas as ruins, aquelas

que só trazem dor e desconforto.

Às vezes eu queria que as pessoas estivessem certas, pois eu tive que me

esforçar muito para chegar onde cheguei. Tive de trabalhar muito e me manter firme

nos momentos difíceis.

Sempre gostei do meu nome, acho que ele combina comigo. Quando tive a

chance de pesquisar no Google e ver o significado do nome Éder Piña, fiquei

encantado com seu significado: “Éder surgiu de origem hebraica e significa rebanho

ou multidão e também belo ou bonito, ou seja, este nome simboliza as

características de uma pessoa vistosa, elegante, com perfil de boas qualidades”,

logo um garanhão em potencial. Não quero ser convencido nem nada, mas acho

que é um nome que me descreve bem.

Eu sabia que para as coisas mudarem eu teria de sair do país e me mudar

para outro que me desse oportunidades para alcançar meus objetivos, ou seja, teria

de me tornar um imigrante. Pesquisei muito para saber qual país seria o melhor pra

mim e descobri que, no Brasil, em uma cidade do sul chamada Porto Alegre, há uma

faculdade com programa de intercâmbio muito bom, a PUCRS. Então, em 2007,

tomei minha decisão, eu sairia de Cabo Verde e iria direto para o Brasil. Pra

conseguir o dinheiro para a passagem e pagar pelos estudos, tive de trabalhar em

uma imobiliária perto de casa. Eu ganhava pouco por mês, então demorei muito

tempo juntando o dinheiro necessário.

No dia em que comprei a passagem, lembro da alegria que crescia em meu

peito, da ansiedade que me prendia aos poucos, me tirando o sono. Lembro de ter

sonhado em estar na frente de um microfone, dizendo algumas belas palavras em

agradecimento pelo diploma que estava em minha mão, e de ter olhado para o rosto

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de minha mãe, molhado pelas lágrimas salgadas de emoção e lhe dado um abraço

apertado. Lembro também do quanto eu queria que isso fosse mais do que apenas

um sonho. Peguei o avião que mudaria meu destino no dia dezessete de fevereiro

de dois mil e sete.

Havia uma garota loira de olhos verdes e face delicada sentada ao meu lado

no avião, parecia que estava olhando para um anjo. Conversamos um pouco e ela

me apresentou sua amiga que estava na nossa frente. Viramos amigos. Contei a

elas um pouco da minha história e o porquê de eu ter decido deixar meu país.

Sabendo de minha situação, Jasmine (um nome lindo para uma linda mulher) disse

que sua avó tinha uma casa pra alugar e que o aluguel não era muito caro. Perfeito!

Quando cheguei a Porto Alegre, logo notei que a cidade não era tão “alegre”

quanto o nome insinuava. Jasmine disse que precisava resolver umas coisas muito

importantes, que não podia me esperar, então ela pegou uma caneta do bolso, que

aliás estava furado, e escreveu o endereço da casa da sua avó em um papel

amarelo. Chamei um táxi e fui até o endereço anotado.

Uma senhora baixinha e adorável atendeu a porta com um sorriso no rosto.

Disse que estava esperando por mim. Informou-me o aluguel e indicou lugares onde

era mais fácil de conseguir emprego. Arranjei um emprego de confeiteiro, já que eu

tinha um pouco de experiência, pois ajudava minha mãe a fazer bolos e doces para

vender. Com o salário, eu conseguia pagar pelo aluguel da casa e comprar o

necessário, somente o necessário, pois o extraordinário é demais.

Com o dinheiro que eu tinha juntado antes de viajar pra pagar por grande

parte dos estudos, eu mantinha a mensalidade da faculdade em dia. Estava tudo

como eu havia planejado, até melhor.

Quando realizei meu sonho e completei a faculdade de Economia, decidi que

precisava ver a minha família novamente, então voltei a meu amado país, Cabo

Verde, África. Vi o orgulho nos olhos de minha mãe quando retornei. Rever minha

família foi um momento com qual eu havia sonhado. Contei a ela pessoalmente

como foi no Brasil, como eram as pessoas, seus hábitos e qualquer coisa que eu

consegui lembrar. Contei também sobre o preconceito que sofri em Porto Alegre,

como as pessoas olhavam estranho e cochichavam, como as mães puxavam seus

filhos para mais perto quando eu passava. E ela percebeu o quanto aquilo me

machucava. Eu sofria preconceito não por ser imigrante, mas por ser negro. Minha

pele é escura e isso se tornou motivo para algumas pessoas me tratarem como se

eu fosse sujo. Só consigo sentir pena das pessoas que não percebem que a sujeira

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está nelas e não nos outros, não conseguem ver que se tornaram podres e

amargas, injustas com o próximo. Parece que, para elas, está tudo bem se as coisas

forem injustas, desde que sejam com os outros. O preconceito nunca me parou, nem

ao menos me enfraqueceu.

No tempo em que estive no Brasil, refleti sobre o que significava “ser alguém

na vida” e percebi que para mim isso significa se olhar no espelho e ter orgulho do

que se vê. Não apenas uma imagem, mas um ser. Olhar para dentro de si mesmo e

perceber o quão brilhante você se tornou.

Meu nome é Éder Pinã, vim de Cabo Verde, tenho 34 anos e em 2007 fui

para o Brasil com o objetivo de completar os meus estudos em Economia. Hoje

posso dizer o quão orgulhoso estou por ter conseguido. Tornei-me alguém na vida e

sou muito feliz por essa façanha.

UM RECOMEÇO

autores(as): David, Rodrigo Leão, Juliana e Joaquim (turma: 8C)

Meu nome é Sonia Gualdron. Sempre tive a vontade de morar em outro país,

vontade essa que, quando eu tinha sete anos de idade, despertou ao ver um

comercial de uma agência que estava passando na televisão, enquanto assistia-a

com meus pais, mostrando alguns clientes viajando. Após ver o comercial, fiquei

curiosa e decidi pesquisar o que era necessário para imigrar e descobri que um

passaporte e um visto são necessários e que aprender a falar inglês me ajudaria

bastante. Por vir de uma família financeiramente estável, comecei a ter aulas em um

cursinho de inglês o qual, aos meus quinze anos de idade, acabei, sendo capaz de

falar normalmente em inglês com alguém.

Com vinte e sete anos, comecei a sentir a necessidade de arranjar um

emprego e, sem sorte na Colômbia, meu país de origem, decidi que era finalmente

hora de ir morar no Brasil. Após procurar muitas agências, acabei escolhendo uma

por acreditar que era obra do destino, pois acabei a encontrando ao receber um

panfleto dela na rua. Depois de ver os diversos preços e regiões, acabei por optar a

ir morar no Brasil, pois além de ser o mais barato, era também o mais perto e com

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linguagem e cultura parecidas. Assim que pude, assinei os documentos necessários

e me preparei para a viagem.

No dia da viagem, após ter arrumado minhas malas, despedi-me de minha

família e de amigos próximos, que tinham me visitado no dia anterior. Embora eu

estivesse triste por ter de deixar minha família e amigos e começar uma nova vida,

eu estava muito feliz também, por poder finalmente realizar meu desejo de morar no

exterior.

A viagem funcionou da seguinte maneira: primeiramente pegaríamos um

avião até São Paulo e de lá pegaríamos diversos ônibus para o destino de cada um

(que, no meu caso, era Porto Alegre) e, em relação ao visto e ao passaporte, a

agência havia cuidado de tudo. A viagem ocorreu bem, restando como problema os

meus questionamentos sobre se eu fiz a decisão correta, que coisas ruins poderiam

acontecer comigo aqui e se era melhor eu ter continuado a morar lá.

Chegando à cidade de Porto Alegre, fui morar no apartamento de Rosângela,

uma pessoa que se ofereceu a dar moradia e a ajudar os imigrantes a conhecer a

cidade. Rosângela mostrou-me diversos pontos da cidade e me contou sobre

algumas diferenças culturais entre a Colômbia e o Brasil. Confesso que no início foi

difícil adaptar-me a essa nova realidade, todo dia eu pensava em voltar para a

Colômbia, mas quanto mais eu pensava nisso, mais ela tentava me animar e, após

algumas semanas, conseguiu me convencer de que eu havia feito a escolha certa.

Alguns dias se passaram e Rosângela decidiu me falar o motivo de ela ter se

candidatado para abrigar imigrantes: ela precisava de alguém para trabalhar na Fisk,

cursinho de inglês o qual ela gerencia. Ela me perguntou se eu sabia falar em inglês,

e, quando respondi que sim, ela então ofereceu a vaga de professora para mim e eu

aceitei. Para ter certeza de que eu seria uma boa professora, ela fez um teste de

inglês comigo, no qual eu passei.

Então comecei a trabalhar na Fisk e conheci muitas pessoas nesse curso, as

quais, a maioria, se tornaram minhas amigas. O combinado que a agência havia

feito com Rosângela era de que o imigrante, no caso eu, ficaria trabalhando por

apenas um ano no Brasil, porém, vendo que eu era uma ótima professora,

Rosângela perguntou para mim se eu não queria ficar por mais um ano e eu, após

refletir sobre o quanto eu gostava de minha “nova vida” no Brasil, acabei por aceitar

a proposta, que se repetiu no ano seguinte. E no presente ano, 2017, continuo

trabalhando na Fisk, com planos de, no próximo ano, ir morar em outro país, para

poder conhecer cada vez mais o mundo e aprender cada vez mais sobre os países.

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BAMBA

autores(as): Giovana, Cecília, João e Yasmin (turma: 8C)

Meu nome é Bamba, tenho vinte e quatro anos e sou da África do Sul. Viver

naquele lugar estava cada dia pior, eu não podia suportar aquilo por muito tempo.

Via gente morrendo de fome e ficava torcendo para que a minha família não fosse a

próxima. Desempregado e sem dinheiro, nem comida eu tinha, o pouco que

conseguia ganhar ia para a minha família. Eu não podia ter certeza do amanhã, não

conseguia, nem tinha certeza do hoje, nada mais me sustentava. Eu não queria ser

ingrato, mas eu queria mais do que essa vida me proporcionava. Estava cansado de

viver só de sofrimento e migalhas…

Estava no meu limite, eu acordoava às três horas da manhã todos os dias

para procurar emprego e voltava de mãos vazias e lágrimas nos olhos. Era tanta

decepção, tanto sofrimento que já não dava mais. Eu estava cansado, me sentindo

inútil, sem rumo, isso que eu vivia não era vida e não sabia se um dia se tornaria. Eu

tinha começado a amadurecer a ideia de sair daquele lugar. Isso me doía! Deixar a

minha família nunca foi uma opção.

Essa ideia de sair do país estava literalmente tomando conta de mim.

Tomando conta de minhas noites e meu pensamento vinte e quatro horas por dia.

Eu chagava a arrumar as malas muitas vezes e depois desfazê-las, deixar tudo para

trás era uma decisão tão difícil. Eu tinha de decidir isso logo, pois como estava já

não dava mais. Tentei o máximo possível adiar essa decisão, mas acabei cedendo.

Eu ia embora daquele país! Minha família ficaria pra trás e todas as minhas raízes

também, essa culpa deixou uma marca em mim pra sempre. Mas, se eu fosse

embora seria para o bem deles. Eu precisava arranjar um emprego e todo o dinheiro

que eu conseguisse, iria pra eles. A vontade de ficar era grande, mas a de ir era

muito maior.

Os dias se passaram e eu dei essa notícia para minha família. Não sabia

como reagiriam, mas isso pra mim estava me sufocando. Comuniquei a todos para

que viessem ao meu encontro: faria o pronunciamento. Com lágrimas nos olhos, me

direcionei à sala com toda minha família reunida no mesmo local. Todos estavam

questionando aquele encontro inesperado, eram perguntas que não acabavam mais.

Com um breve gesto, ordenei silêncio imediato e todos se calaram. Finalmente eu

tinha a palavra, eu poderia dar a notícia, mas as palavras estavam trancadas na

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minha garganta. Lágrimas involuntárias começaram a correr pelas minhas

bochechas de modo discreto, meus parentes sem entender nada foram me consolar

com uma preocupação evidente estampada em seus rostos. Eu me recuperei do

choro e comecei a falar.

Durante a notícia, eu vi as lágrimas nos olhos de minha mãe e a tristeza

estampada no rosto de meu pai. Eu nunca os tinha visto tão tristes. Um aperto no

peito tomou conta de mim, meu coração estava a mil, literalmente. Eu fechei os

olhos e me ajoelhei no chão, a dor era infinta. Depois desse choque, abracei meus

pais e fui arrumar as malas. Com muito sacrifício de todos meus parentes, consegui

arrecadar dinheiro para uma passagem só de ida para o Brasil. A ideia de ir pro

Brasil me encantava, parecia ser a terra de oportunidades, onde minha vida iria do

inferno para o céu, eu queria tanto alcançar a felicidade. Assim como tudo nesse

mundo, o Brasil era um total mistério para mim. Tudo que eu ouvia eram rumores

sobre esse lugar incerto.

Os dias passaram tão rápido, a viagem se aproximava e a tristeza só

aumentava. Eu nunca tinha andado de avião. Para mim, era um sonho que eu

achava que nunca realizaria. Essa ideia de andar de avião tirava um pouco do peso

dessa viagem e aumentava as minhas expectativas para uma vida melhor longe

desse lugar que me fazia tão mal. Uma notícia de que meus amigos iriam comigo

para o Brasil aliviou a dor imensa que eu estava sentindo. Apenas mais uma

semana para partir de vez, e nunca mais voltar. Comecei a sonhar alto, minha vida

finalmente começaria. O cinza iria finalmente ser substituído por cores vivas e o

choro por risadas. Mas a saudade iria ser minha única companhia, pelo menos

assim eu não ficaria sozinho. Eu partiria com a promessa de uma vida melhor para

meus pais e um futuro para mim. Aos vinte quatro anos, eu não sabia ler nem

escrever, minha vida se resumia a trabalho e mais trabalho.

Apenas uma noite para a viagem, apenas mais 12 horas para partir, apenas

mais esse tempo para sonhar com o Brasil. Com certeza, minhas expectativas

estavam altas demais, mas meu lema sempre foi sonhar fora do limite. A ansiedade

me proibia de dormir. No meio da noite, o silêncio da madrugada era tão intenso que

eu podia ouvir o som do meu coração disparar de modo desesperado. Eu tentava

fechar os olhos, mas o sono não vinha e a ansiedade só aumentava. As horas

passavam devagar, o ponteiro do relógio parecia não se mover, estava tudo tão

parado, o mundo parecia deserto. Em menos de horas, eu abandonaria minha

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família, seguiria minha vida sozinho, sem rumo, sem planos...O futuro era um

mistério.

Acordei com um feixe de luz que vinha da janela provocando meus olhos.

Meio confuso, direcionei-me ao guarda-roupa onde uma muda de roupa já estava

pronta para a viagem. A despedida foi a coisa mais traumática da minha vida. Pela

primeira vez, vi lágrimas nos olhos de meu pai. Ele parecia ter um coração de ferro,

mas, no fundo, eu sabia que ele só escondia seu lado sentimental. Minha mãe não

disse sequer uma palavra, apenas me envolveu em seus braços. Ao fechar a porta

de casa, encontrei-me sozinho, sem ninguém. Enxugando as lágrimas, eu fui

andando até o aeroporto, somente com uma mala em cada mão e mil lembranças

em minha cabeça. Olhei para minha humilde casa pela última vez, suspirei e parti.

Eu nunca tinha visto um avião de perto. Nossa! Eu me encantei só de vê-lo de

longe. Em minutos, o avião decolaria. Ao meu lado, estava sentado meu amigo e, no

assento de trás, o outro. Finalmente um bilhete para a liberdade. Estava tudo

confuso, uma explosão de sentimentos tomou conta de mim, eu não sabia se

chorava ou sorria, mas, no final, o choro ganhou. Senti um tremor, o avião estava

decolando. Minha respiração estava ofegante, minhas mãos suavam frio, acho que

isso era medo. Quanto mais nos afastávamos do chão, mais meu coração

ameaçava pular de mim. Ao todo a viagem duraria dois dias e meio, com parada em

vários lugares. Isso era tão empolgante, eu nunca tinha saído do país e agora eu

estava voando pelo mundo sem ninguém pra me impedir de sonhar, apenas com

promessas que eu tinha o dever de cumprir. A refeição era a melhor que tinha

comido nos últimos anos. Eu pedi até um refrigerante. Que luxo!

Depois de me perder nas horas, o avião já tinha pousado na primeira parada.

Finalmente, pude respirar de verdade. Durou pouco o intervalo, já nos direcionamos

para o outro avião com destino a outro lugar. A decolagem foi bem mais tranquila

dessa vez, pois eu já tinha me acostumado com a emoção de voar. O resto da

viagem passou voando e, finalmente, o relógio estava de bem comigo. O meu

destino final se aproximava a cada minuto que passava. A emoção aumentava, eu

não pude evitar de estampar um sorriso de orelha a orelha no meu rosto cansado.

Um momento de silêncio profundo, e um anúncio do comandante: chegamos ao

Brasil.

Desci do avião com mais medo do que felicidade. E agora? Pra onde eu vou?

Essas perguntas martelavam na minha cabeça sem parar. Eu não tinha um plano,

nem um caminho a traçar. A companhia dos meus amigos seria breve, eles também

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tinham seus próprios caminhos para encontrar. Agora sim, era somente eu contra o

mundo, somente eu e minha saudade. Perdi-me em meus pensamentos. Imaginei o

tão duro que seria levantar de manhã sem o cheiro de omelete de minha mãe.

Aqueles ovos frescos que vinham do galinheiro da vizinha sempre foram o meu

modo de começar o dia. Sem o som da risada de meus irmãos e irmãs e suas

provocações que me tiravam do sério. E tinha o meu pai. O cara que me ensinou a

vida, que me orientou nos problemas e que achou as soluções. Ele sempre cuidou

de mim e agora era minha vez de cuidar dele. A vida poderia ser dura comigo, mas

sem minha família eu não me tornaria quem eu sou hoje.

Após poucas horas de caminhada, eu já me encontrava sozinho de novo. A

noite se aproximava e aos poucos a lua tomou conta do sol. Eu estava em Porto

Alegre vagando sem saber ao certo o que eu estava procurando. Por conta do meu

tênis desgastado, minha caminhada foi interrompida e sentei-me no banco mais

próximo que achei. Diferente de minha cidade, Porto Alegre nunca parava. Não

importava o horário, não existia silêncio, muito menos sossego.

O som urbano me distraiu de meus problemas reais e as estrelas

conversaram comigo durante a noite. Eu as vi como minha única companhia naquela

escuridão, de algum modo elas iluminavam meu caminho e tiravam aquele medo

que me contaminava. Sem perceber, adormeci no banco e só acordei com o pôr do

sol, que pelo jeito agora seria meu despertador pelo resto dos dias.

Logo cedo fui em busca de um emprego. Passei em tudo que era lugar. Sei

que minha aparência não era das melhores, mas eu estava determinado a qualquer

custo a arranjar um emprego, qualquer que fosse. Comecei o dia cheio de

esperança, mas à medida que eu fui levando respostas negativas por aí, minha

esperança foi sumindo e a raiva tomava conta de mim. Fui desanimando e depois de

segurar a tristeza até o limite, desabei em choro. Sozinho, sem casa, sem comida,

com uns trocados bolso. Essa situação em que eu me encontrava estava pior do que

a de antes de vir para o Brasil. Minha mãe sempre me dizia que criar expectativas

era um modo de se magoar muito mais, eu deveria ter ouvido suas sábias palavras,

pois estava mais desapontado que nunca. Eu me fazia a mesma pergunta o tempo

todo: será que tudo o que eu tinha passado para vir para o Brasil tinha sido em vão?

A noite chegou de novo, mas isso não foi ruim. Pelo menos agora eu tinha as

minhas amigas estrelas para me dar companhia em minhas mágoas. Elas eram tão

lindas! Pequenos diamantes do céu que me faziam invejar seu Dono. Com elas

percebia que não era errado sentir medo, pois se a noite criou as estrelas é porque

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tinha medo da própria escuridão. De novo eu me encontrava em um banco perdido e

sem rumo. Seria esse meu destino, virar um morador de rua que só tinha as estrelas

como consolo. Eu queria tanto desistir, mas sei que isso não dependia só de mim.

Sei que minha família estava de longe apoiando-me e que nessa altura da minha

vida, desistir estava fora de cogitação. Adormeci no frio daquela escuridão que me

cercava. De novo, sozinho.

Dessa vez não foi o sol que me acordou, nem as estrelas. Foi um vulto que eu

só conseguia enxergar quando esfreguei os olhos para afastar o sono. Quando

finalmente a imagem ficou mais clara pra mim, enxerguei uma mulher

aparentemente idosa, que se encontrava de pé na minha frente. Rapidamente, me

levantei sem entender o que estava acontecendo. Encarei-a diretamente nos olhos

e, antes que eu dissesse qualquer palavra, fui interrompido por ela. Ela me

perguntou qual era o meu nome. Mesmo com o receio de responder, eu falei, eu não

tinha mais nada a perder mesmo. A mulher me olhou da ponta do dedão até a

cabeça e depois se apresentou. Seu nome era Maria, mas ela fazia questão de ser

chamada de Dona Maria. Ela continuou me fazendo perguntas e eu meio sem jeito

respondi a todas elas. Eu não sei se ela percebeu como eu estava tremendo. Eu não

sabia ao certo se era de frio ou de medo, talvez os dois.

Depois de uma breve conversa com a Dona Maria, ela me fez uma proposta

irrecusável. Ela me ofereceu abrigo, comida e emprego. Aquilo só podia ser um

sonho. Fiquei sem chão, abracei aquela mulher que para mim passou de

desconhecida a uma espécie de protetora. Pela primeira vez em anos minhas

lágrimas não estavam voltadas à tristeza, mas sim para uma felicidade

descontrolada e maravilhosa. Abracei-a sem pensar duas vezes e me ajoelhei

agradecendo sua imensa bondade. Ela deu um sorriso puro e me pegou pela mão

me direcionado a sua humilde residência. Chegando lá, descobri que eu não era o

único a quem a Maria, ou melhor, Dona Maria tinha acolhido das ruas. Pelo jeito, ela

dava moradia a refugiados de vários lugares. Lá, encontrei pessoas que fugiam da

guerra e que estavam em situações piores que a minha.

Na minha primeira noite no apartamento de Maria, dormi na parte de cima de

um beliche no fundo do quarto principal. Era um apartamento pequeno, mas todos

nós cabíamos nele. Éramos sete imigrantes. A única coisa que não cabia era a

saudade que tínhamos de nossos familiares. De noite, todos choravam, contando

lembranças de seus pais, contando suas histórias e tudo que tinham passado. Pela

primeira vez, eu me vi em um lugar em que eu me encaixava. Um lugar que mesmo

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pequeno poderia se tornar meu mundo e minha felicidade. O incrível daquela noite é

que não senti medo do escuro. Senti-me acolhido por ele, devo tudo isso às estrelas.

A partir desse dia, comecei a minha vida, eu vou guardar em minha memória

para sempre. Passei a ser vendedor de rua junto com Dona Maria. Eu sabia que não

era o melhor trabalho do mundo, mas pra mim foi uma benção enorme poder

trabalhar. Mesmo não parecendo, é uma atividade perigosa. Não podíamos ser

pegos pela polícia, pois, se nos pegassem, a mercadoria, que se resumia a

carregadores de celular e fones de ouvido, seria confiscada e podíamos até ser

presos. Então tinha de aproveitar cada segundo dessa oportunidade, com

dedicação. Minha família dependia de mim, não podia jamais decepcioná-los.

No final do mês, eu liguei para minha família depois de transbordar de

saudades. Disquei o número de telefone lá de casa e fiquei esperando

ansiosamente pela voz de meus pais. Finalmente, uma voz familiar atendeu o

telefone. Eu não conseguia falar nos primeiros segundos da ligação, só conseguia

chorar ao ouvir o som da voz de minha mãe novamente. Contei a ela sobre tudo e

lhe falei que o dinheiro iria ser encaminhado para eles todo final de mês. Minha mãe

começou a chorar também e só parou depois de esgotar suas lágrimas. Despedi-me

com a promessa de que ligaria para eles todos os meses. Essa não era bem a vida

dos meus sonhos, mas era o meu caminho para realmente alcançar a felicidade nas

pequenas coisas. Passei muito tempo de minha vida chorando e me lamentando dos

meus problemas, mas agora eu sei que posso mudar isso.

Passaram-se seis meses. Meu português está um pouco melhor do que antes

e estou me encaixando aos costumes do Brasil. Minha família está vivendo muito

melhor e, mesmo o dinheiro não sendo muito, as dificuldades diminuíram. Ainda

choro todas as noites por conta da saudade, mas considero isso um sinal de força.

As estrelas continuam a brilhar por mim e o meu caminho continua, mesmo com os

obstáculos, cada vez mais intenso e colorido. Junto com a Dona Maria, estou

abrindo meu próprio negócio, ainda na rua como vendedor. Reencontrei um de meus

amigos que tinha me acompanhado na viagem para o Brasil. Agora ele também foi

acolhido pela Dona Maria e trabalha comigo. Ainda não posso dizer que encontrei a

felicidade, pois estou só começando. Mas, eu sei que chego lá.

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DE SANTIAGO A PORTO ALEGRE

autores(as): Isadora, Francisco, Artur, Mirella (turma: 8C)

Meu nome é Pedro Pablo Skorin Uranga e eu tenho dezessete anos. Eu nasci

e morei no Chile até os meus cinco anos.

Eu não me lembro como era o Chile, mas meu pai me contou um pouco sobre

o lugar. Era um país com uma cultura muito diversa, a culinária típica é muito

famosa por seus vinhos. O rodeio do Chile é o esporte nacional. O objetivo do rodeio

é que dois cavaleiros e dois cavalos parem um touro em um cerco do esporte

chamado medialuna. Os cavaleiros são chamados huasos. Um dos principais

esportes também é o futebol. Sua seleção classificou-se para sete Copas do Mundo

FIFA, a de 1962 foi sediada no país e a seleção nacional terminou em terceiro lugar.

No ano de 2002, meu pai recebeu uma proposta de emprego muito boa, ele

ganharia um salário muito maior, teríamos uma qualidade de vida muito melhor, mas

teríamos que nos mudar para outro país, o Brasil, mais especificamente no sul, em

Porto Alegre, onde moramos até hoje. Meu pai pesquisou sobre a cidade para ver se

era segura para nós vivermos. Gostamos da cidade e decidimos aceitar a proposta.

Seria a minha primeira viagem de avião e eu estava empolgado e nervoso ao

mesmo tempo. Nós teríamos de nos adaptar a uma cultura bem diferente, o que

seria legal no meu ponto de vista. Também conheceríamos outra língua, o

português, que é parecida com a minha, mas tem coisas diferentes. Eu achei que

seria uma experiência incrível. Gostei bastante da nova oportunidade, mas, ao

mesmo tempo, seria um pouco difícil sair do meu país e deixar os meus amigos e

familiares.

Dias antes da viagem, fomos visitá-los. Foi um dia um pouco triste, eu sabia

que não os veria por muito tempo, mas eles estavam felizes por nós, já que teríamos

uma vida melhor e conheceríamos coisas novas.

A viagem de avião se aproximava, nos dirigimos ao aeroporto internacional de

Santiago, o Aeroporto Internacional Comodoro Arturo Merino Benítez. Eu estava

com medo, já que nunca tinha viajado, mas meus pais me tranquilizavam enquanto

a hora do embarque não chegava. Despachamos as malas e fizemos check-in,

então aguardamos para embarcar. Foi mais demorado do que eu pensei, mas

enquanto isso eu estava fazendo um lanche.

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Dentro do avião, as poltronas eram meio apertadas e cinzas e em cima

ficavam os bagageiros, onde guardamos as nossas malas de mão. Então me sentei

e logo veio uma mulher falando algumas instruções, o que foi útil para mim, já que

não tinha experiência no assunto.

Na decolagem, eu tremi bastante, foi uma sensação bem diferente, apertei as

mãos dos meus pais enquanto o avião corria pela pista. Durante o voo, na maior

parte do tempo, eu estava tranquilo, mas de vez em quando havia turbulências,

nessas horas eu fechava os olhos e tentava me acalmar.

Chegando ao aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, pegamos as malas e

fomos para a nossa nova casa em um táxi. A casa não era muito grande, mas eu

gostei dela. Guardei minhas coisas no meu novo quarto e me joguei na minha nova

cama, meus pais fizeram o mesmo. Descansamos da viagem e saímos à noite para

conhecer a cidade onde moraríamos nos próximos anos.

A cultura desse novo país era bem diferente da minha, mas isso não nos

assustava, nos acostumamos rápido. Também havia coisas parecidas com as do

Chile, como o churrasco, isso nos dava conforto.

Eu era muito novo, então me acostumei com a nova língua mais rápido do

que os meus pais, tanto que até hoje eles ainda falam com um sotaque grande, o

que leva as pessoas a os confundirem com argentinos. Para os brasileiros, isso não

é uma coisa tão boa, já que há uma rivalidade entre Brasil e Argentina, porém,

quando os informamos que somos chilenos, seu tratamento muda positivamente.

Viver em Porto Alegre hoje em dia é bom, eu gosto da cidade e do Brasil,

gosto da cultura e das pessoas, tenho muitos amigos e todos me tratam bem. Às

vezes sinto saudade do Chile, mas logo vou visitar minha família por lá.

ESPERANÇA

autoras: Nicole, Lívia, Manoela e Maria Eduarda (turma: 8C)

Eu nunca poderia esquecer e acho que não sou capaz de colocar em

palavras os dias árduos que vivi naquele lugar. Acordava antes mesmo do sol

nascer e voltava quando a lua já tomava conta dos céus, para, no final do mês,

receber uma miséria que dificilmente poderia sustentar meu corpo cansado e magro.

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A casa, aglomerada a tantas outras, pequena e pobre, que quase se rendia aos

raios de sol e as gotas da chuva, dificilmente conseguia dar conta de mim e de todos

os meus irmãos que lá vivíamos.

Meu irmão caçula, e também o meu favorito, era minha fortaleza de

esperança no meio de um país tão miserável como o Haiti, no qual quase todo dia

faltava o básico para sobreviver. Ele tinha apenas dez anos de idade, mas sua

mente já era muito desenvolvida, com seus questionamentos e sua bondade

faziam-me sorrir nos momentos mais complicados. Sua energia fascinante

contagiava-me enquanto corria, alegre e despreocupado, mesmo com o mundo

desmoronando à sua volta. Mas tudo o que me dava motivos para ficar de pé e forte

foi-se embora quando meu irmão morreu, em meus braços, feito só de osso e

desnutrição. O Haiti tirou tudo o que eu tinha. Eu havia de pegar de volta.

Alguns meses depois do acontecimento mais triste da minha vida, perdi meu

emprego, que era a única coisa capaz de sustentar-me, apesar de árduo e ínfimo

salário. Enquanto suportava os gritos de desespero e preocupação de minha mãe,

havia notícias de que milhares de haitianos estavam imigrando ao Brasil, o país

ensolarado e feliz, com música, carnaval e danças. O desejo de contagiar-me com

aquela alegria tomou-me por completo. Faria de tudo para conseguir sair de lá, meu

país de origem, e conseguir sustentar a toda a minha família.

Tinha uma pequena quantia em dinheiro guardada, e junto com as obras de

artesanato produzidas por minha mãe, que eram exportadas, consegui o suficiente

para comprar um visto pra sair do país. E assim iniciou-se uma nova fase da minha

vida. Eu faria de tudo para que esta fosse a melhor de todas!

O momento esperado chegou. Entreguei meus documentos para a moça da

secretaria, e recebi um papel com os dizeres:

REPÚBLICA FEDERTIVA DO BRASIL

Getho Ortholus

35 anos

Visto autorizado de imigração

ao Brasil.

Fevereiro de 2017

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Ver meu nome e minha foto naquele documento encheu-me de esperança.

Algo que há muito tempo não sentia. Estava ansioso para começar minha mais nova

vida, mas, ao mesmo tempo, admito que a preocupação tomou-me. Nunca havia

saído de lá. Nasci e cresci no Haiti. Iria a um lugar completamente diferente, com

uma língua totalmente distinta da minha.

Logo após a despedida da minha família, eu entrei no avião para cruzar a

América. A travessia foi tranquila, pois vim legalmente (diferente de muitos outros

haitianos que enfrentavam o inferno, vindo de forma ilegal). Enquanto voava nos

céus, observava a forma das nuvens e sorria, involuntariamente. Senti-me muito

perto de meu irmão. Senti-o ao meu lado. Poderia jurar que o ouvi sussurrar em

meus ouvidos: “Não tenha medo, irmão. O destino tem um plano para você!”

Desembarquei na capital do Rio Grande do Sul, a bela Porto Alegre. Com

apenas uma mala na mão, não tinha ideia de aonde ir, nem o que fazer. Naquele

momento em que me deparei no meio da cidade, sem nem saber como pedir ajuda,

o desespero tomou-me. Fui abrigado por alguns outros haitianos imigrantes, a

cidade estava cheia deles, os quais me ajudaram com o português e deram-me o

que comer e onde ficar por um tempo.

Com os dias, estabilizei-me. A língua portuguesa era divertida, e eu ia

pegando o jeito. Consegui um emprego no centro de Porto Alegre, em uma loja de

eletrônicos. Aluguei uma pequena peça embaixo da casa de uma mulher. A casa era

pequena, com apenas quatro cômodos. Tudo o que tinha era a única mala que

trouxera. Dormia no chão duro e frio, comia uma vez por dia, com o vale almoço

fornecido pelo trabalho, e assim fora durante meses.

Comprei móveis aos poucos para minha humilde casa, e ainda abri uma

pequena loja! Todo o mês mandava uma quantia em dinheiro à minha família, eles já

não viviam na miséria e nem na desnutrição. Toda noite eu agradecia ao meu bom

Deus por ter me dado a oportunidade de estar vivendo. Finalmente eu estava

vivendo.

Dói em mim saber que há tantas pessoas que sofrem com a precariedade

social e econômica. Estava honrado por poder seguir em frente e ajudar minha

família. Eu honraria essa oportunidade, pelo meu amado irmão e toda a população

haitiana.

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FALL

autores(as): Vitor, Pedro, Thales, Augusto e Sthefany (turma: 8C)

“A falta de dinheiro nos traz um desespero jamais conhecido...”. Foi isso que

eu aprendi antes de vir ao Brasil, e foi isso que me trouxe para esse país. No

Senegal, não havia guerra, não havia conflitos com outros países, mas havia um

problema pior ainda: os conflitos internos causados pela pobreza e pela revolta.

Minha família vivia num casebre bastante humilde. A comida era pouca, diferente da

nossa felicidade. Nunca fui ligado a bens materiais, mas quando a gente precisava

desse mal, não tínhamos saída lá no Senegal, um país cujo IDH era em torno de

0,400.

Em 2015, eu já estava com uma idade bastante avançada para ajudar no

sustento de minha família (26 anos), mas a oportunidade era pouca, diferente do

Brasil, um país muito mais liberto e receptivo. Nesse ano, um grupo de pessoas que

tinha uma média de 25 anos – alguns mais velhos, outros mais novos, mas todos

com o mesmo motivo: livrar-se do desespero – já recebia o aviso de que seria um

trajeto desafiador. A comunicação com os outros era complicada, já que em países

como o Senegal não havia uma língua oficial, cada um falava uma língua. Eu falava

francês, e na viagem, era muito difícil encontrar alguém que falasse francês. A água

era pouca, e a comida também, porém, embarcamos do mesmo jeito.

Eu tinha muitos amigos aqui no Brasil, nos falávamos por mensagens durante

a noite. Lembro-me do dia que comentei com minha amiga sobre os dias seguidos

sem jantar, e ela disse: “Fall, venha logo para o Brasil, eu consigo trabalho aqui no

clube.”. Então, comecei a me preparar para a despedida da minha família. Não foi

fácil, choramos muito e lamentamos pelo fato de eu ficar à mercê do perigo do

trajeto. A parte que mais me doeu foi quando eu abracei minha irmã mais nova – as

lágrimas dela foram as que mais me pareceram pesadas e tristes, mas tudo seria

por uma boa causa.

Então, embarquei na viagem com uma mala com poucas roupas e uma

grande esperança: conseguir um emprego pra ajudar a minha família. A vista,

naquela hora, estava embaçada. Minha cabeça doía, fazendo com que eu só

seguisse as vozes que procuravam me guiar, esperando que a viagem fosse rápida

e nada dolorosa – o que não aconteceu.

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Na metade do trajeto, uma moça que estava com uma criança de 10 meses

vinha amamentando o bebê. Isso só me mostrou a dureza daquela viagem. Fiquei

pensando se a moça não conseguisse amamentar a criança até o fim do trajeto,

porque ela poderia começar a rejeitar o leite, não ficaria totalmente nutrida, pois.

Também, havia um homem que estava na viagem para buscar ajuda médica –

obviamente, não havia recursos médicos no Senegal, mas o homem já sabia que

estava com tuberculose, doença que, em outros lugares, era facilmente curável com

medicamentos. À medida que recebíamos a notícia de que o tempo de viagem seria

maior “devido ao clima não favorável”, o homem piorava e seu diagnóstico se

tornava mais complexo. Eu já tinha uma ideia do que poderia ser: tuberculose

provocada pela bactéria africanum. A sorte é que o risco de contaminação dessa

doença era menor, já que a bactéria torna a tuberculose um sintoma de uma doença

maior, e não a doença principal.

No fim da viagem, mais da metade dos viajantes morrera, e eu estava com

um sério problema de desidratação. Obviamente, a água era mal distribuída para

todo mundo. Aqueles que conduziam a viagem tinham o “mérito” de receber a água

que precisassem, enquanto nós recebíamos aquilo que sobrasse.

Quando chegamos, passamos por São Paulo, onde fiquei um ano numa ONG

que abrigava refugiados da África. Tentei conseguir trabalho em restaurantes, mas

nem pra fazer parte da limpeza – modo “bonito” de dizer, porque, na verdade, eu só

iria lavar as louças – me contratavam. Após várias tentativas, fui finalmente morar

em Porto Alegre, num condomínio perto do supermercado Zaffari, na Avenida

Ipiranga. Em menos de duas semanas, comecei a trabalhar no Clube Inapiários,

mas sem fazer algo específico – o clube é pequeno, então onde eles pudessem me

pôr pra trabalhar, eles colocavam.

Pretendo trabalhar aqui até 2025, e se possível, voltar para o Senegal, para

trabalhar lá junto com meus irmãos e sustentar a casa. Imagino que a volta possa

ser menos dolorosa, para eu poder finalmente conseguir um final feliz.

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MINAMI

autores(as): Leila, Isabela, Matteo e Henrique (turma: 8C)

Era dia 13 de março de 2017, estava bem quente para essa época do ano no

Japão. Eu olhei para a janela e tentei memorizar a vista de casa, pois ia demorar

para eu vê-la de novo. Fechei a minha mala e desci as escadas, respirei fundo e

entrei no táxi.

A rua estava muito trancada, e eu já havia começado a ficar nervosa, talvez

fosse o fato de eu estar indo para o extremo oposto do mundo, mas parecia que

cada minuto durava apenas alguns segundos. Eu não podia perder esse voo, eu

nunca me atraso, nunca me atrasei e justo hoje vou perder esse voo?! Quando o táxi

chegou a alguns quarteirões do aeroporto, eu mandei o motorista parar, joguei um

bolinho de dinheiro amassado no seu colo e sai correndo. Faltavam 15 minutos para

o horário limite de check-in.

A porta automática se abriu e eu me deparei com a minha família esperando

por mim para se despedir. Minha mãe já estava emburrada, meu pai com medo de

eu perder o voo e minha vó estava tirando um cochilo apoiada no encosto de uma

poltrona qualquer. Corri para abraçar meus pais, que me seguraram forte, criando

algo como se fosse uma redoma em volta de mim, como que para me proteger do

mundo exterior. Dei um beijo na bochecha da minha avó, que acordou e disse as

seguintes palavras:

- Adeus, Minami, vou sentir sua falta, estude bastante a língua brasileira e

aprenda muito, não faça com que todo o dinheiro que economizamos para te fazer

aprender outro idioma seja gasto à toa. Ah, e feliz aniversário.

- Vó ainda, faltam três meses para eu fazer 23 anos!- Falei baixinho

- Mas eu não te verei por pelo menos um ano, querida, e você sabe que eu

não gosto dessas coisas como Skype.

Foi então que me dei conta de que passaria tanto tempo sem ver minha

família e que eu ia sentir muito a sua falta. Quando parei de ficar pensando e voltei

ao mundo real, percebi que só havia mais 5 minutos para fazer o check-in, então dei

um aceno pros meus pais e sai correndo até a fila. Acabou dando tudo certo e eu já

estava dentro do voo a caminho de São Paulo. Aconcheguei-me bastante, olhei para

o lado e vi um senhor com uma cara de cansado, ele seria quem ficaria ao meu lado

pelas próximas 12 horas.

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Quando cheguei a Paris para fazer a troca de avião, fui informada de que ele

se atrasaria e que eu teria de ficar vinte e uma horas esperando em um hotel até

meu voo chegar, e foi o que eu fiz. Você pode estar pensando: “Que sorte vai poder

conhecer um pouco de Paris!”. Mas, na verdade, o hotel era longe de tudo e a única

coisa que pude fazer foi dormir e alongar as pernas. Resumindo: foi um tédio.

Quando finalmente pude pegar o voo para São Paulo (que duraria mais 12 horas),

senti um grande alívio e tive o pressentimento de que agora as coisas iriam começar

a dar certo, e na verdade foi isso mesmo que aconteceu. Cheguei a São Paulo sem

nem sequer um minuto de atraso do voo, pude visitar a cidade por três horas e em

seguida peguei meu último voo (rumo a Porto Alegre), depois de uma hora e meia

eu havia chegado ao meu destino.

Eu estudei bastante, conheci pessoas novas e fui muito bem recebida pelos

brasileiros. Eles me ajudaram quando eu me perdi, não tiveram nenhum tipo de

preconceito e demonstraram interesse pela minha cultura, uma menina até me

entrevistou para um trabalho de escola!

A parte mais difícil é ficar longe da minha família e dos meus amigos, quero

vê-los em breve, mas acho que logo meus pais vêm me visitar, vou sentir muito a

falta da minha avó, não sei como vou aguentar ficar tanto tempo sem vê-la. Mas

tudo na vida tem seus ônus e seus bônus, e esse bônus está sendo bem maior do

que qualquer outro.

Kiite kurete arigatō,

minasan,

Minami.

EUGENIA

autoras: Luciana, Luísa, Camile e Emily (turma: 8E )

Meu nome é Eugenia, tenho cinquenta e seis anos e moro há bastante tempo

no Brasil. Vim da Itália com a minha família à procura de melhores condições de

vida, era muito difícil manter o sustento em razão da pouca renda financeira

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adquirida. Na época, tinha parentes no Brasil com quem trocava cartas, por isso

escolhemos o país para nos mudarmos.

Eu tinha cinco anos quando viemos para o Brasil, de barco. A viagem foi

cansativa, o barco estava cheio e, para uma criança, a jornada foi um tanto quanto

assustadora. Era um ambiente em que nunca havia estado antes e ninguém me

dizia o real motivo de estarmos ali, provavelmente, porque era apenas uma criança

pequena. Lembro-me de algumas crianças estarem lá, tinham diferentes idades,

talvez eu não fosse a mais nova.

O trajeto até o nosso novo destino parecia durar uma eternidade. Lembro de

muitas pessoas conversando, muitas delas pareciam estar felizes, outras pareciam

estar preocupadas, eram diferentes rostos, diferentes famílias com seus próprios

assuntos e preocupações.

Demorou muito tempo para chegarmos ao Brasil, em Uruguaiana, mais

especificamente. Foi lá que morei por uns quinze anos, mais ou menos, onde vivi

por muito tempo. Morávamos em uma fazenda, eu e meus irmãos sempre

ajudávamos nossos pais no trabalho, e, todo dia, havia algo para fazer. Às vezes era

um tanto quanto cansativo e chato, mas era o que precisávamos e eu sabia que, se

não fizesse, não seria bom para mim e muito menos para todos. Era assim que

passávamos o tempo.

A minha escola ficava muito longe da fazenda, sempre quando ia, caminhava

muito. Durante o trajeto, eu passava pela casa dos meus amigos e íamos juntos

para o colégio, e eu gostava muito disso na época. Demorava em torno de uma

hora, então acordava muito mais cedo. Estudei até a sexta série e, quando parei,

dediquei meu tempo para trabalhar na fazenda e ajudar a minha família a conseguir

mais dinheiro. A mudança foi difícil e a escolha não foi minha. Eu não iria conviver

mais com meus amigos todos os dias, em vez disso, ficaria trabalhando e ajudando

meus pais e irmãos na fazenda, foi complicado, mas logo após me acostumei.

Após alguns anos aqui no Brasil, minha família estava decidida a me juntar

com alguém para que eu pudesse me mudar e ter condições de vida melhores, em

que teria mais oportunidades. Eles não queriam que me casasse com alguém de

fora da família, mas sim algum parente não tão próximo, para manter os laços, então

arranjaram um primo um tanto quanto distante para se casar comigo. No início, a

ideia de passar o resto da minha vida com alguém que eu não escolhi e com quem

não tinha tanta intimidade me pareceu estranha, mas algumas amigas me

tranquilizaram, pois era algo normal na época. Apesar disso, ainda tinha dúvidas de

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como seria e se eu me sentiria confortável. Sabia que a minha palavra não causaria

mudança alguma na decisão de meus pais, mas existiam sentimentos controversos.

Alguns anos se passaram, eu já estava casada, morando em Porto Alegre,

numa região mediana devido a ainda estarmos numa fase de desenvolvimento das

nossas vidas. Tínhamos uma vida simples e prática, tanto quanto a nossa casa, que,

por mais que fosse pequena, era aconchegante. Quanto mais os anos iam

passando, mais a família crescia e as coisas iam melhorando. Depois que o meu

primeiro filho nasceu, tivemos que comprar uma casa nova, maior, com uma melhor

estrutura, assim fomos conseguindo melhorar a nossa vida. Hoje vivo feliz com o

meu marido e me acostumei com a ideia de estarmos juntos.

Atualmente tenho dois filhos, uma menina e um menino, moramos todos na

mesma casa: meu filho, sua mulher e suas duas filhas no andar de cima e minha

filha embaixo comigo para me ajudar no dia a dia. Meu filho, Cláudio, de 35 anos,

vive uma vida feliz ao lado de sua família e com um trabalho estável que o oferece

uma boa vida. Minha filha, Daniela, de 30 anos, nunca se casou, mas namora. Ela

trabalha sendo uma farmacêutica, também mantendo uma boa sustentação. Valendo

então a pena todos esses anos em que eu me.

SER NEGÃO, SER LEGAL

autores: Laura, Joana, Carolina e Luís Felipe (turma: 8E )

Às vezes me lembro de quando era criança, principalmente de quando era

verão e íamos nos refrescar no lago Retba. Esse era meu lugar favorito. Esse lugar

foi um dos fatores, além da minha família, que me levou a pensar duas vezes antes

de sair do Senegal, mas minha vontade de conhecer o mundo e novas culturas era

maior.

Já faz cinco anos que estou viajando o mundo, já passei pela Espanha, pelos

Emirados Árabes, pela Coreia do Sul e há pouco cheguei ao Brasil. Aqui vendo

artigos diversos no centro de Porto Alegre, com certeza, uma realidade

completamente diferente da minha no Senegal.

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A vinda para o Brasil não foi difícil, já que vim de avião e não trouxe muitas

coisas. Mas a imigração por outro lado, foi complicada. Perguntavam-me sobre tudo,

queriam que eu fizesse exames, provavelmente, por causa da minha origem.

As pessoas têm uma visão errada de nós imigrantes, acham que nós estamos

em fuga de nossos países e que vivemos na miséria, o que nem sempre é verdade.

No meu caso, por exemplo, meu pai tem condições financeiras para bancar minhas

viagens e estou aqui por opção.

Meu amigo, Omar, me acompanha desde Dubai. Já passamos por mais de

dois países juntos e por muitos empregos. Cada vez que trocamos de país,

aprendemos novas línguas e culturas. Quando chegamos ao Brasil, por exemplo,

não sabíamos nada da língua, mas, felizmente, já tínhamos passado alguns meses

na Espanha, o que facilitava o aprendizado de português.

Eu e o Omar demoramos para conseguir pronunciar algumas palavras e

também entender gírias ou diálogos falados rapidamente. Quando chegamos ao

aeroporto, todos falavam apressadamente o vocabulário estranho que nós, mais

tarde, também falaríamos.

Aqui em Porto Alegre me acostumei facilmente ao clima local. Mas não me

acostumei com as pessoas. Muita gente me trata mal e se acha superior a mim, já

me chamaram de nomes horríveis e já me olharam feio pela minha cor de pele.

Dividimos o apartamento com mais dois homens daqui de Porto Alegre.

Ambos são muito compreensivos com nossa situação. Se não conseguimos pagar o

aluguel do mês, por exemplo, eles nos ajudam. Foram os dois, também, que nos

deram nossas primeiras aulas de português.

Pensando nos imigrantes senegaleses e suas dificuldades, eu, Omar e

nossos amigos gaúchos resolvemos criar um coletivo para ajudá-los, o “Senegal,

Ser Negão, Ser Legal”. Esse projeto atualmente conta com vários imigrantes e mais

de 10 encontros já foram realizados. Nossos encontros são feitos para arrecadar

fundos e manter a instituição. Já fizemos brechós, aulas em grupo, palestras, e às

vezes, nos juntamos para fazer cultos religiosos, já que em Porto Alegre não há

Mesquitas.

Aqui na cidade o que mais me cativou foi o pôr do sol, é maravilhoso e me

lembra de casa. Os gaúchos, e agora eu também, têm costume de tomar chimarrão

na beira do Guaíba. Acho que agora já me sinto brasileiro.

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HISTÓRIA DO IMIGRANTE ABENA

autores: Kalil, Gregório, Artur e Matheus (turma: 8E)

Olá, meu nome é Abena Zakitboa. Meu nome veio em homenagem a um

velho guerreiro que habitava a região onde eu morava, em Gana. Minha vó contava-

me histórias sobre ele, dizia que era um homem de barba branca, alto e sabia muito

sobre a natureza.

Quando eu era criança, vivia em uma pequena cidade no sul de Gana, lembro

de que o lugar era muito pobre, existiam prédios tombados, ruínas e diversas

doenças. Mas claro que, como todos os lugares, havia aspectos positivos lá

também, um exemplo disso era sua rica fauna e vegetação.

Lembro que um dia estava caminhando na minha rua e, quando me virei para

o outro lado, havia um enorme leopardo a pelo menos uns 10 metros de distância de

mim. Desesperei-me e comecei a gritar, logo, de dentro da minha humilde casa, veio

minha mãe e meu pai atrás de mim, perguntando o que estava acontecendo, então

apontei para eles o leopardo e eles ficaram sem reação. Minutos depois, o animal

fugiu na mata, que era ao lado de casa.

Aos meus 16 anos, mudei-me para a Nigéria, porque meu pai teve seu

emprego transferido. Ele era um velho bancário que recebeu a oportunidade de

receber melhor salário no outro país. Então lá fomos nós: eu, minha irmã Zilda, meu

pai e minha mãe.

Aos 18 anos, comecei a trabalhar em uma lojinha de eletrônicos na esquina

da minha casa. O senhor que era o dono era muito amigável e conversador, sabia

negociar para sempre sair no lucro. O salário era pouco, o equivalente a R$300,00,

mas era, para mim que recém estava começando, de bom tamanho. Pelo menos,

adquiri experiência nova e era algo eu podia fazer para sustentar a família também,

ou pelo menos tentar.

Com 20 anos, decidi que se eu queria crescer na vida, deveria sair daquele

país e me aventurar em outro lugar. Primeiramente precisava saber o que eu iria

fazer, para onde eu iria, como sustentar e o mais importante: de onde acharia

dinheiro para conseguir imigrar em busca de emprego.

Conversei com meus pais sobre o assunto e eles me apoiaram, falaram que

dinheiro era difícil, mas que poderíamos juntar um pouco e pegar um pouco das

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economias e que tudo ia dar certo. Então se passaram três meses e eu comprei uma

passagem de avião para o Brasil.

Chegando ao Brasil, me deparei com uma grande barreira, o idioma. Com

quatro meses morando em Porto Alegre, já me adaptei com a língua, porém pelo

que eu ouvi dizer, a Região Sul é a região que mais tem expressões populares, no

início por exemplo, não entendia o porquê de falar "bah", mas agora entendo que é

como se fosse um "Meu Deus".

Primeiramente, comecei a trabalhar como pintor em uma firma, mas o salário

era muito baixo e o dinheiro mal dava para pagar meu aluguel. Fiquei em torno de

dois meses trabalhando como pintor, a experiência foi boa, porém não iria conseguir

viver com o salário.

Meu segundo emprego foi assistente de mecânico em uma oficina na Zona

Sul. Esse já era melhor, possuía um salário mínimo e tinha carteira assinada. Mas,

se eu queria crescer na vida, precisava receber mais um pouco, porque se fosse

para viver assim, voltaria para o meu país. Fiquei três meses no emprego e saí.

Agora trabalho em um restaurante, como garçom, próximo ao bairro Menino

Deus. Recebo mais que um salário mínimo, em torno de R$1.200,00 por mês. Posso

pagar tranquilamente meu aluguel e até mandar uma pequena parcela de meu

salário para minha família na Nigéria.

Então, essa foi minha história desde que eu nasci até os dias atuais. Minha

mensagem para todos é de que se você tem um sonho, corra atrás, ninguém pode

conseguir nada por você, apenas você mesmo.

Pretendo ficar no Brasil mais um bom tempo, se nada de ruim acontecer,

acho que vou viver aqui até o fim de minha vida. Acho esse país muito agradável e

muito liberal, por isso também o admiro.

Fui muito bem recebido, achei que não fosse ser, pelo preconceito todo que

se tem pelo imigrante, de achar que todos são bandidos, o que não é verdade, claro

que existem alguns, mas a maioria não é. -

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STANLEY LEVIN

autores: Francisco, Franco, Gabrielly e Luana (turma: 8E )

Meu nome é Stanley Levin. Nasci no Haiti e moro há quase quatro anos em

Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, no Brasil. Adoro a cidade, é limpa e

muito organizada em relação à cidade que eu morava no Haiti (é muito organizada

em relação a todo o Haiti). No início tinha muita dificuldade em me adaptar, mas

agora parece que eu moro aqui desde que nasci. Mas minha história é muito mais

que isso.

Minha infância foi sofrida, nos subúrbios de Porto Príncipe, capital do Haiti. Eu

estudei no colégio Jean Pierre, uma instituição pública de ensino fundamental e

médio, no centro da cidade. O Haiti é um país muito pobre, um dos piores no IDH.

Porém, isso são só números. Quem vive lá sente na pele o que é a pobreza e

aprende a valorizar as coisas mais básicas. Infelizmente isso falta em muita gente,

valorizar o que tem. Atualmente, eu só agradeço.

Após acabar o colégio, eu fui em busca de emprego. As condições não eram

o que eu imaginava. Durante anos, eu busquei os mais variados trabalhos. Em

qualquer lugar. Qualquer emprego. Eu era jovem, mas queria estar estabelecido em

um trabalho desde cedo, para tentar dar a vida que eu sempre quis aos meus filhos.

Tentei mesmo, muito, mas não deu. O Haiti estava cada vez mais inacessível. Até

que um dia, tive uma ideia que fez mudar tudo.

Pensei em me mudar, sair daqui e tentar a vida em outro lugar. Piorar não ia,

eu achava. Soube que uns parentes meus tinham vindo ao Brasil em busca de

emprego, e teriam conseguido e adorado. Eu, precisando de emprego, achei ótimo.

A viagem foi demorada, mas bastante luxuosa para um imigrante. Peguei um voo à

Guiana Francesa, e depois, um outro a São Paulo. Eu podia ter ficado em São

Paulo, porém meus tios quando haviam vindo ao Brasil, depois de um certo tempo,

foram de férias para Santa Catarina e acharam lindo. Pelo que me informei, a região

Sul estava tendo bastantes oportunidades de empregos. Então, vi que tinha uma

passagem de ônibus barata para Porto Alegre, comprei e fui.

Os momentos iniciais foram estranhos, já que eu não sabia falar português

muito bem, mas como era aprender ou não falar, resolvi aprender. Geralmente, sou

bem acolhido pelo povo gaúcho, mas houve poucas ocasiões em que me trataram

mal, ou como inferior. A vez que mais me marcou foi quando uma mulher pediu para

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trocar de lugar no ônibus, pois não gostava de “africanos”. “Vai que me roubem, eu

hein”, ela disse. Que pena. O preconceito é só questão de burrice (ainda mais que o

Haiti fica na América Central).

Depois de algum tempo, eu finalmente me adaptei às mudanças brasileiras

em relação às haitianas, ainda que sinta falta da família e amigos. Também sinto

falta da comida. Já moro há bastante tempo no Brasil, e embora seja muito diferente

da vida de lá, eu me acostumei com a rotina daqui. Hoje em dia, o meu português

evoluiu bastante e já tenho novos amigos que conheci aqui no Brasil. Atualmente

tenho um trabalho fixo como faxineiro e jardineiro numa empresa terceirizada.

Ganho mais do que a média dos Haitianos, infelizmente lá sofremos com catástrofes

causadas pelo clima e a nossa posição geográfica é desfavorecida tendo muitos

desastres naturais (isso influencia na nossa pobreza excessiva).

Minha vida é bem simples, mas eu sou bem feliz aqui. Gosto de ir no Parque

Marinha, que é perto do meu trabalho, e descobri logo depois que me mudei. Lá, eu

tomo um chimarrão (mais uma nova paixão gaúcha). A felicidade é uma coisa que

deve ser constantemente conquistada, e como é fácil! E essa é a minha história, de

um homem que enfrentou tudo e mais um pouco, mas que afirma que tudo valeu a

pena. A vida vale a pena, valoriza e aproveita.

EUGÊNIO

autores: Fernanda, Gabriela, Renata e Felipe (turma: 8E )

Na cidade de Buenos Aires, eu e minha família morávamos em uma casa.

Tinha dois quartos, um para meus pais e outro que eu dividia com meus dois irmãos,

Gaston e Nahuel. Eu, Eugênio, sou o mais velho. Não era uma casa grande, mas

era aconchegante e atendia às necessidades da minha família.

Meu pai nunca teve um emprego fixo: já tinha sido dono de uma fábrica de

queijos e de uma loja de conveniência, ambas faliram e, no momento, estava

desempregado. Minha mãe sempre foi dona de casa. A coisa não estava muito boa

na nossa família, já que ninguém tinha um trabalho e por causa da crise na

Argentina, não tínhamos dinheiro. Meus pais andavam brigando muito, e, como meu

presente de 12 anos, fomos tirar férias no Brasil.

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A viagem estava sendo muito legal, já tínhamos comido sanduíches que

minha mãe tinha preparado e Gaston e Nahuel estavam dormindo ao meu lado, no

banco de trás. Meu pai, enquanto conversava calmamente com minha mãe,

aumentou um pouco o tom de voz, como se fosse para eu ouvir o que estavam

conversando e falou: “Estamos, na verdade, indo morar no Brasil”. A tranquilidade

com que ele me falou isso gerou em mim uma revolta. Soltei um berro, que acordou

meus dois irmãos, os quais quando perceberam o que tinha acontecido, me

apoiaram com o sentimento de raiva e enganação. Claramente eu era o mais

incomodado com a situação, talvez por eu ser o mais velho, ou pelo meu histórico

não tão amigável com meu pai.

Chegando ao Brasil, fomos direto para um apartamento que logo entendi ser

minha nova casa. No novo apartamento, eu e meus irmãos íamos continuar

dividindo um quarto, dessa vez um pouco menor, mas nada que não pudéssemos

aguentar.

Já era noite e eu não conseguia dormir. Acreditava que meus irmãos também

estivessem acordados, pensando nas pessoas que deixamos para trás sem nem ao

menos nos despedir. Pensar que eu podia nunca voltar a ver aqueles que um dia

fizeram parte da minha vida, ia me perseguir todo o tempo que eu fiquei aqui no

Brasil.

Quando tinha 14 anos, já havia estudado em 3 escolas diferentes. As duas

primeiras escolas foram difíceis porque eu acabei sofrendo um pouco com alguns

meninos que decidiram implicar com o meu sotaque e com o fato de eu não ser

daqui. Depois de um tempo, comecei a passar cola para os valentões e eles

começaram a me proteger. Com eles me protegendo eu comecei a fazer amizades

facilmente o que fez com que eu esquecesse um pouco a saudade que eu tinha do

meu país, Argentina, e de Buenos Aires.

Contudo, não houve mudanças na situação financeira da minha família. Isso

porque meu pai gastou todo nosso dinheiro arrecadado comprando um posto de

gasolina. O posto acabou não lucrando nada e falindo, deixando minha família e eu

sem amparo.

Quando tinha 16 anos, minha vida ainda se resumia em decepções

financeiras passadas pelo meu pai e que acabavam prejudicando toda a família.

Dessa vez, ele foi até a Amazônia de ônibus com alguns amigos. Lá, inicialmente,

ele comprou um pequeno barco para ajudá-lo na busca pelo ouro. Quando se deu

conta da dificuldade que seria encontrar este minério, desistiu e resolveu voltar.

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Além de trazer as mãos vazias de ouro ainda trouxe uma enfermeira consigo, para o

seu tratamento de malária, adquirida na Amazônia.

Por 2 meses, passamos sufoco, em que eu, meus irmãos e minha mãe

tivemos que aturar a presença indesejada daquela enfermeira a qual cuidava do

meu pai. Todo dia, pensávamos em mandá-la embora, mas, se o fizéssemos, nas

condições em que estávamos, não teríamos como contratar outra. Assim,

acabaríamos matando o meu pai, o que estava fora de cogitação. Quando ele já

estava curado, não precisamos conviver com enfermeira nenhuma.

Sem ter de me preocupar com a doença do meu pai, comecei em um novo

emprego. Então todas as tardes depois da escola, eu ia direto para o mercadinho na

esquina da minha casa. Lá eu recebia um bom salário que podia ao menos ajudar

com as compras de comida na minha casa. Seu Alberto, o dono do mercado, era

muito simpático. Sabia de todos os problemas financeiros que já havia se passado

na minha casa e, todos os fins de semana, me liberava para ajudar a minha mãe

com trabalhos domésticos.

Um dia uma menina muito bonita e graciosa apareceu lá no final do meu

expediente e eu, cavalheiro, ofereci ajuda com suas compras. Ela me explicou que

logo à frente era a casa da tia dela, mas que vinha ali raramente. Contei que

trabalhava no mercadinho e que também morava ali perto. A conversa estava boa e

fluida, quando demos de cara com o portão da casa de sua tia. Despedi-me dela e,

enquanto olhava fundo em seus olhos, tive certeza de que queria vê-la novamente.

Era pouco provável que isso acontecesse, mas não custava imaginar.

Os dias seguintes se passaram e não teve um sinal dela aparecer de novo ou

eu parar de pensar nela. Quando já estava perdendo as esperanças, no final do meu

expediente, como da outra vez, a menina apareceu. Nesse dia, ela não comprou

nada, achei estranho, mas ela falou que estava procurando Maizena. Logo depois

me dei conta de que nós tínhamos sim Maizena. Será que ela estava lá por minha

causa? Novamente a acompanhei, dessa vez usei a desculpa de que as ruas eram

muito perigosas nessa hora da tarde. Conversamos ate que lembrei de perguntar

seu nome: Ana Cristina.

Agora, vinte anos depois, estamos casados e esperando nossa primeira filha,

Laura. Enquanto pintamos a parede do futuro quarto dela, lembramos de como nos

conhecemos e eu me dou conta de que mudar para o Brasil acabou valendo a pena.

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SAUL

autores: Tiago, Lucas A., Lara e João Vitor (turma: 8E)

Deixei Moçambique no início do ano para vir ao Brasil. Minha filha e minha

mãe ficaram por lá. Pretendo voltar assim que eu conseguir me sustentar melhor e

juntar algum dinheiro. Lá eu trabalhava em diferentes ofícios: trabalhava em obras,

lojas, etc. Mas, mesmo assim, não tinha dinheiro suficiente para dar o conforto

requerido pela minha filha querida. Minha mãe já tinha a vida um pouco melhor por

causa das suas economias, mas eu sempre fui muito orgulhoso e me recusava a

aceitar empréstimos dela.

Resolvi me mudar para o Brasil no momento em que eu me dei conta de que

não conseguiria sustentar minha filha por lá. Então, deixei meu orgulho de lado e

resolvi deixá-la com a minha mãe por um tempo.

Quando cheguei, logo no aeroporto, conheci um outro imigrante que também

era de Moçambique. Ele me apresentou um vendedor de relógios paraguaios que

era bem “gente fina”. Desde lá, eu tenho revendido os relógios e alguns outros

objetos de menor valor na frente de uma farmácia no bairro Menino Deus.

Consegui alugar um apartamento numa área mais periférica na cidade. Saio

dele às oito horas para trabalhar, mas acabo chegando apenas às oito e meia por

conta do atraso do ônibus. Durante o tempo do trajeto do ônibus conheço muitas

pessoas novas, que acabam por conversar comigo por causa da curiosidade de

conhecer uma cultura diferente.

Normalmente, eu sofro bastante preconceito quando vou a restaurantes e

lojas, sempre me olham de um jeito diferente, e as coisas pioram quando eu falo, por

causa do meu sotaque. Ultimamente, as coisas têm melhorado, pois as pessoas

aqui do bairro já me conhecem e sabem o que eu passei para estar aqui batalhando

para oferecer uma vida melhor para minha família. Minha filha é basicamente minha

inspiração e minha motivação. Quando eu morava em Moçambique, todos os dias,

eu fazia questão de dizer o quão importante ela era pra mim e como eu ainda iria

fazê-la feliz. Prometi que ela ainda iria ter a vida que sempre sonhou, e irei cumprir

essa promessa. Como eu havia dito, claramente há pessoas que simplesmente não

conseguem lidar com as diferenças e acabam por me julgar e muitas vezes até me

xingar diretamente. É triste, mas é inevitável.

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Eu já fui assaltado duas vezes enquanto trabalhava. Nas duas vezes, os

assaltantes se passaram por clientes e ficaram olhando as mercadorias e os

arredores apenas esperando a rua ficar vazia, levaram todas minhas mercadorias e

o prejuízo foi enorme.

Comecei a juntar dinheiro desde que eu cheguei aqui e estou investindo nas

coisas que eu estou vendendo. Agora, além de vender relógios e fones de ouvido,

eu estou vendendo caixinhas de som e pulseiras. Tenho atraído mais clientes. Meu

investimento tem dado certo desde que eu comecei com isso.

Espero poder voltar a Moçambique no final de 2018. Segundo meus cálculos,

até lá já terei o dinheiro suficiente para cuidar melhor da minha família, mas, de uns

tempos para cá, estou pensando em trazer as duas mulheres de minha vida para o

Brasil.

Um bom passatempo que eu achei aqui foi alimentar a paixão por futebol que

eu tinha desde minha infância lá em Moçambique. Identifiquei-me com o Grêmio,

pois é um time ótimo e que, na minha opinião, tem um uniforme muito bonito. Até

tenho vontade de ir ver um jogo na Arena, mas, por hora, fico louco vendo o jogo na

minha sala mesmo.

Enfim, essa é basicamente minha história. Espero que futuramente eu ainda

possa fazer minha filha feliz novamente igual a quando ela era menor.

ABOU

autores (as): Mariana M., Mariana R., Pedro B. e Rodrigo (turma: 8G)

Antes estava tão certo sobre a minha decisão, mas agora que finalmente era

a hora de partir para o sul do Brasil a indecisão tomava-me. No aeroporto de Dacar,

capital do Senegal onde vivi minha infância e adolescência, comecei a ficar nervoso

ao lembrar de minha vida, imaginando novas possibilidades em um novo país.

Minha família nunca teve muita capacidade financeira, estudei sempre em

escolas públicas, economizando praticamente tudo o que tínhamos para realizar

meu sonho de me formar em uma universidade. Passei na segunda chamada da

universidade de Dacar, foi uma das maiores alegrias da minha vida, eu poderia

realizar o meu sonho. Formei-me dois anos depois na faculdade de Comércio

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Internacional, eu sentia o mundo se abrindo à minha vida naquele dia quente de

novembro de 2007.

- Última chamada para o voo 135 para Porto Alegre, Brasil. Passageiro Abou

Fall, última chamada para o voo 135 para Porto Alegre, Brasil.

A voz metálica nos alto-falantes do aeroporto me despertou de reviver minhas

lembranças do passado. Peguei meu passaporte e cartão de embarque

apressadamente para não perder o voo, minha chance de uma vida melhor. O

nervosismo de deixar minha vida para trás se modificara, ao invés disso se

direcionava ao meu medo de voar naquele pássaro metálico gigante.

O barulho ensurdecedor das turbinas entrava pelos nossos ouvidos, me

deixando cada vez mais ansioso. Fechei os olhos com força, agarrando os braços

da poltrona quando o avião levantava voo. Abri os olhos só depois de muito tempo,

arriscando dar umas rápidas olhadas pelas janelas semiabertas do meu lado

esquerdo.

Cheguei a Porto Alegre no dia 17 de outubro de 2015. Com meu fraco

português entendia algumas coisas que estavam sendo faladas. Todos comentavam

sobre os temporais que haviam acontecido há alguns dias. Imaginei como estaria no

Senegal, no outro lado do mundo.

No aeroporto ainda, olhares estranhos eram dirigidos a mim, provavelmente

por causa de minha origem. Baixei a cabeça e comecei a andar para fora do

aeroporto carregando minha única e pequena mala na mão. Caminhei sem rumo

pela beira da estrada, avistando ao longe os prédios do centro de Porto Alegre, meu

novo “lar”.

Carreguei minha mala noite adentro, a lua cheia brilhava no alto do céu.

Estava cansado, dei-me por conta de que meu novo “lar” não estava muito

acolhedor aquela noite. Os prédios estavam muito longe ainda, não daria tempo de

alcançá-los antes do amanhecer e meu cansaço me dominava, minha única opção

seria dormir na rua, embaixo do viaduto poucos metros de onde eu estava.

Acordei com o barulho de buzinas ao meu lado. Demorei alguns segundos

para perceber que não estava mais no Senegal. Peguei minha mala e andei em

direção ao centro, meu coração batia forte e acelerado.

* * *

Já fazia seis meses que deixara Dacar, que deixara minha família para trás.

Sem dúvidas ter de abandoná-los foi o maior empecilho de vir para o Brasil, não que

minha vida aqui seja fácil, tampouco melhor do que como vivia no Senegal. Aqui em

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Porto Alegre ninguém te ajuda quando você é um imigrante negro e pobre. Todos te

olham com pena, mas nenhum tenta fazer algo para melhorar.

Minha primeira oportunidade de trabalho surgiu de surpresa, mas foi no

momento certo, já que minhas poucas economias estavam acabando mais depressa

do que eu havia imaginado. Tudo o que tinha estava indo para pagar o hotel

pequeno e sujo em que ficava.

Comecei a trabalhar como tradutor para outros imigrantes, como eu, mas que

não falavam português e não conseguiam se comunicar. Eu me senti muito

orgulhoso de minha conquista, um de meus orgulhos sempre havia sido falar várias

línguas, mas o dinheiro que ganhava era pouco, apenas R$900,00.

Depois de alguns meses, percebi que não conseguiria me sustentar por muito

tempo ganhando tão pouco, comecei, então, a procurar outro trabalho, um que

pudesse ganhar um pouco mais de dinheiro. Mesmo tendo diploma, eu não consegui

ainda validá-lo, então nenhuma empresa especializada me contrataria.

No final de 2016, o Bourbon Ipiranga estava precisando contratar. O salário

era pouco, mas maior que o anterior. Alguns dias depois de fazer a entrevista, recebi

o comunicado de que seria contratado.

Aguentei aquele trabalho por muito tempo, mesmo sendo muito ruim para

minha vida. O preconceito existente naquela empresa era obvio, eu era o único

negro trabalhando nela. Sempre que chegava para trabalhar, todos os meus colegas

brancos achavam um jeito de irem embora, deixando todo o resto do trabalho para

mim, o supervisor sempre concordava apoiando aquele ato racista.

O dinheiro era pouco demais, mal conseguia pagar comida e o hotel em que

ficava. Não aguentava mais, me sentia explorado. Um dia eu tomei a decisão de me

demitir, tinha amigos que trabalhavam como vendedores ambulantes que ganhavam

mais que eu e tinham dinheiro na mão todos os dias.

Comecei trabalhando como vendedor com um amigo que fiz no hotel, as

vendas eram quase constantes, ganhava dinheiro todos os dias. Sentia falta do

Senegal, eu tomei a decisão de emigrar para ter uma vida melhor, mas me

decepcionei. Mesmo no Senegal sendo ruim a situação de vida, no Brasil é ainda

pior.

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DAVID

autoras: Carolina, Carolinne, Mariana F. e Maria Teresa (turma: 8G)

Há dois anos e três meses eu tomei uma das decisões mais difíceis da minha

vida. Deixei meus dois filhos e a minha mulher no Senegal à mercê do meu futuro

incerto no Brasil. Nunca foi uma escolha, nunca houve opções. Foi assim que, em

dezembro de 2015, desembarquei em Porto Alegre. Em minhas mãos, a mala não

pesava quase nada. De companhia, nada além das minhas esperanças: continuar a

trabalhar como pedreiro e poder dar a minha família a vida que eles merecem ter.

Durante dez meses, a primeira esperança se realizou. Trabalhei como

pedreiro em uma empresa que me prometeu muito, porém, em troca do meu

esforço, nada recebi. Todos os dias eu acordava pensando que, mesmo que não

fosse gratificante, aquele trabalho era a minha única opção. Passava todas as horas

do dia dando o meu máximo e melhor porque sempre tive esperanças de que as

coisas melhorariam. O tempo foi passando e nada mudava. Comecei a sentir que

estava desperdiçando minhas forças e minha vida deveria tomar um rumo diferente.

No Senegal, jurei para mim mesmo que nunca iria me sujeitar a condições de vida

que me obrigariam a vender nas ruas. Mas a realidade quase nunca condiz com as

expectativas. Como para a maioria dos imigrantes, essa foi a minha única saída.

Em outubro, minha rotina havia mudado. Comecei as vendas na frente do

Parque da Redenção. Não eram poucos aqueles que realizavam a mesma tarefa

que eu. Não éramos amigos, mas precisávamos apoiar uns aos outros se

quiséssemos sobreviver. As concorrências eram quase inexistentes. Apesar de

cercado por milhares de pessoas todos os dias, eu sentia uma solidão como nunca

havia sentido antes.

De todo o dinheiro que recebia, eu retirava, todo mês, quatrocentos reais para

bancar o meu pequeno quarto de hotel. Diferente de alguns outros imigrantes, não

dividia o quarto, pois não haveria espaço para as minhas mercadorias se eu o

fizesse.

Pegar no sono havia virado uma tarefa extremamente difícil, pois no silêncio

da noite a saudade da minha família pesava mais do que de dia. Tudo o que eu

queria era ver os meus filhos crescerem, olhar nos olhos da minha esposa e me

sentir vivo novamente. Não estar presente nos primeiros passos da minha filha e no

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primeiro dia de escola do meu filho me doía o coração. Só os via através de fotos e

os ouvia através de ligações. Meu medo é nunca poder abraçá-los novamente.

Eram incontáveis as mensagens que recebia de meu pai pedindo para que eu

voltasse ao Senegal. Toda vez que ele via uma notícia de violência em Porto Alegre,

seu coração apertava e surgia a culpa de ter me deixado partir. O que ele não

entende é que, se alguém deve levar a culpa, sou eu. Nunca imaginei que essa

cidade fosse ser tão violenta.

Caminhando pela rua sinto olhares nas minhas costas, às vezes as pessoas

julgam minha cor e às vezes julgam minha situação. Acham que eu estou invadindo

seu país e tirando seus empregos. Sinto-me um estranho entre tantas pessoas

iguais. Destaco-me em todos os sentidos, imagino que isso justifique a violência

silenciosa que sofro. Todos os dias acontece alguma coisa que me faça querer

voltar. Infelizmente, opção não tenho, o que seria da minha família sem o meu

trabalho aqui?

INEIL

autores(as): Gabriel C., João, Monise e Manuela (turma: 8G)

Meu nome é Ineil, tenho 28 anos e vim de uma cidadezinha do Haiti em 2015,

em busca de emprego. Tenho uma esposa, também de 28 anos e uma filha de 1

ano e 9 meses, ambas morando no Haiti. Quando comecei minha trajetória como

viajante, ela ainda não havia nascido. Antes de minha partida, eu e minha esposa

decidimos que a pequena se chamaria Emmanuelle.

Hoje trabalho como cozinheiro no restaurante do Clube do Comércio, mas

não sozinho (falo isso no âmbito de imigrantes). Tenho um colega de trabalho que

também vem do Haiti, o nome dele é Pierre. Pierre e eu dividimos um apartamento

com outros imigrantes, eles vêm de vários países da África e da América Central.

Antes de tudo isso, passei por outros dois países, sendo eles o Equador e a

República Dominicana. No Equador, não consegui bons empregos. Exploravam-me

muito e não me davam o valor e o salário dignos. Sem contar que a partir dali,

comecei a sentir falta da minha família. Tive vontade de voltar, mas eu sabia que

naquele momento o retorno não era uma opção viável.

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Arrisquei, então, a República Dominicana. Outros imigrantes foram também.

Lá, encontrei boas oportunidades de emprego e ganhava bem e muito melhor do

que no Equador. Infelizmente, a relação com as pessoas não era muito boa. Nas

ruas, era horroroso, pois todos me olhavam com cara estranha e pareciam me

desprezar. Quando eu andava por lá, as pessoas me xingavam, algumas vezes de

imundo e outras vezes de nomes que eu não entendia, mas tenho certeza de que

eram desagradáveis

Eu não me sentia à vontade lá, então decidi vir ao Brasil. Ao chegar, notei que

o povo era mais ameno quanto aos imigrantes. Tenho um bom emprego, como já

disse antes, e foi nesse emprego que conheci Pierre. Pierre é garçom, por isso

ganha menos do que eu. Apesar de nossa condição financeira, Pierre tem me

ajudado a guardar dinheiro para trazer minha esposa e minha filha lá do Haiti.

Todos os dias, penso em minha família e sobre como eu não quero que

Emmanuelle cresça sem um pai. Falo isso pois eu nunca conheci meu pai. Ele

também era viajante e acabou morrendo no caminho de volta ao Haiti, devido às

condições precárias do transporte. Trazer minha família em segurança para o Brasil

é o que me da motivação para continuar trabalhando mais e mais, para conseguir

juntar o dinheiro para as passagens.

Pierre também tem uma esposa, mas não tem filhos ainda. Ele está me

ajudando agora, mas prometi para ele que após minha família chegar, eu o ajudarei

a trazer sua esposa para o Brasil. Já vejo nosso futuro nessa cidade: eu e minha

mulher trabalhando duro e Emanuelle indo para a escola, para garantir um futuro

melhor para a nossa família.

OMILIEU CLERJUSTO, SÓ MAIS UM IMGRANTE.

autores(as): Gabriel S., Ingrid, Gustavo O. e Pedro C. (turma: 8G)

Meu nome é Omilieu Clerjusto, tenho 27 anos e moro em Porto Alegre, Brasil.

Meu país de origem é o Haiti. Quando eu tinha 21 anos, vim para Porto Alegre, pois,

em 12 de janeiro de 2010, houve um terremoto em meu país. Por causa do desastre

natural, estava complicado conseguir emprego e as condições estavam péssimas,

por isso vim para cá.

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Meu irmão já morava no país, por isso ele me ajudou a pagar a passagem e

então eu vim para o Rio Grande do Sul e fiquei no município de Encantado. Na

vinda, o avião fez paradas na República Dominicana, no Panamá, em Guaiaquil

(Equador), no Peru e, enfim, cheguei ao Rio Grande do Sul. No total, foram três dias

cansativos de viagem.

Infelizmente, tive de abandonar minha família, tive de largar tudo para tentar

uma vida melhor. Eu não tinha amigos nem conhecidos, só tinha meu irmão aqui. O

mais complicado para mim quando eu vim morar no Brasil foi falar o português, eu

não sabia nada e não entendia também o que as outras pessoas falavam, isso

complicou muito os meus primeiros meses morando aqui.

Depois de três meses, eu comecei a entender um pouco melhor a língua e

meu irmão, desde o início, ajudou-me, junto de algumas outras pessoas. Ele não me

ensinou muito até porque ele não sabia direito, mas o que aprendi foi o suficiente

para eu poder me virar sozinho.

Depois de um ano, vim morar em Porto Alegre, me mudei, pois em

Encantando não consegui arranjar emprego. Só consegui emprego quando cheguei

aqui. Hoje em dia trabalho como açougueiro no Zaffari do Centro.

Desde que cheguei ao Brasil, nem eu nem meu irmão viajamos para ver

nossa família. Nós não fomos visitá-los, pois não tínhamos dinheiro o suficiente e,

para nós dois, as passagens custavam cerca de dez mil reais (ida e volta). Então

nós começamos a juntar dinheiro para trazê-los para cá.

Com o tempo, meu irmão conseguiu formar sua família em Encantado.

Apesar da distância, nós não perdemos o contato, pois nós nos falamos por celular.

Às vezes, quando eu junto dinheiro, vou visitá-los e quando eles podem, saem de

Encantado em vêm para cá.

Quando finalmente meus parentes do Haiti conseguiram juntar dinheiro,

juntamos com o meu e do meu irmão para conseguir comprar as passagens para o

restante da nossa família vir para cá. Hoje eu vivo em uma casa maior, junto de

minha mãe, minha irmã e meu cunhado. Nós alugamos um apartamento grande e,

para pagar o aluguel, pegamos um pouco do dinheiro de cada um.

Brasil foi o país que eu escolhi, pois foi o lugar mais fácil e rápido para o qual

me mudar, até porque meu irmão já vivia aqui e ele me ajudou com tudo: emprego,

moradia e foi a minha maior companhia. Às vezes fico pensando: “será que seria

melhor se eu tivesse escolhido outro país?” Talvez sim, talvez não. Mas eu sei que

me mudar foi uma das ações mais significantes que eu fiz na minha vida.

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A vida aqui é difícil, mas ela é em todos os lugares, pois não existe vida

perfeita. O que nós temos de fazer é aproveitar o máximo possível para que a cada

dia ela fique melhor e melhor. Assim, quando no futuro, olharmos para trás, veremos

que valeu a pena e que faríamos tudo de novo.

A vida é como um jogo, onde nós fazemos nossas escolhas. Elas sendo boas

ou ruins, mas, independente delas, temos de nos divertir, pois a qualquer momento

ela pode acabar.

OUSSEYNOU TOULE

autores(as): Alice, Laura, Antônio e Gustavo C. (turma: 8G)

Chamo-me Ousseynou Toule, tenho 24 anos e sou imigrante. Atualmente

moro em Porto Alegre, no Brasil. É bem diferente do Senegal, meu país de origem,

onde mora minha família. Foi por causa deles que eu vim parar aqui.

O Senegal, assim como minha vida lá, é pobre. Eu passava muita dificuldade,

eu e minha família tínhamos uma vida muito simples. Tenho mais três irmãos, dois

meninos, Keyan e Ousmane, e uma menina de três anos chamada Marahaba. Entre

os quatro filhos, eu sou o com o nome mais estranho. A família é muito grande, por

isso meus pais têm dificuldade de pagar as contas. Em 2012, eles pediram para eu

viajar para algum lugar, conseguir um emprego e mandar dinheiro para eles. Senti-

me na obrigação de fazer essa viagem, eu sou o irmão mais velho e tenho a

obrigação dar uma vida digna para a minha família. Mas não foi tão fácil assim.

Conseguir dinheiro para comprar a passagem foi um sufoco. Pedi emprestado

para algumas pessoas, trabalhei até madrugada em alguns pequenos trabalhos que

eu consegui. Depois de 5 meses de muito esforço, consegui o dinheiro da

passagem.

O avião chegou a Porto Alegre no dia 25 de janeiro de 2013, nesse dia, minha

vida mudou. A comunicação foi a parte mais fácil, pois sou fluente em português,

inglês, francês, espanhol e senegalês. Fiquei um mês sustentando-me com o

dinheiro que tinha levado e procurando um emprego. Busquei na internet e em

anúncios de jornal, queria algo mais voltado para minha área, a cozinha. Mandei

meu currículo para vários bares e restaurantes, mas com poucas esperanças de ser

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contratado, pois eu era um imigrante senegalês que nunca tinha tido um emprego

fixo. Um dia a sorte apareceu e eu fui contratado para trabalhar em um bar chamado

Benedito.

No meu primeiro dia de trabalho, já fiquei impressionado. Quando entrei no

bar, deparei-me com uma parede amarela repleta de quadros. Espalhadas pelo

local, mesas de madeira rústica, que combinavam com o grande balcão, onde pude

ver várias torneiras com diversos tipos de chopp. Ao entrar na cozinha, senti-me no

paraíso. O local era repleto de bancadas, pias e geladeiras de aço inox. Era tudo tão

limpo e organizado que consegui achar com facilidade tudo que eu precisava, como

talheres, pratos, temperos… aquilo era muito melhor do que qualquer trabalho que

eu poderia ter no Senegal, era incrível. Fiquei muito feliz em pensar que seria ali que

eu passaria boa parte dos meus dias.

Quando meu primeiro salário chegou, mandei para casa o máximo de

dinheiro que pude dar. Tive uma ótima sensação, um sentimento de dever cumprido

que me deixou muito animado e com mais vontade ainda de trabalhar.

A minha vida é muito corrida, acordo cedo e vou fazer minhas vendas no

centro. Depois de duas horas de trabalho, faço uma pausa para o almoço, que

geralmente não é muito bom, pois o dinheiro é curto. Sei que miojo não é saudável,

mas é rápido e barato. Volto para o Centro e continuo minhas vendas. Os piores

dias são os com chuva ou com muito sol. Perto das 17:00, vou comer um cachorro-

quente sempre na mesma barraquinha, com tudo que tenho direito: ervilha, milho,

mostarda, maionese, ketchup, queijo ralado...

Às 17:30, vou para o bar, porque ele abre às 18:00 e eu tenho que arrumar

tudo antes das pessoas começarem a chegar. Às 19:00, o bar fica cheio, e tenho

que trabalhar em um ritmo frenético pra conseguir dar conta de todos os pedidos. Às

23:00, o bar começa a esvaziar, e à meia-noite, vou embora para o meu

apartamento, não sem antes comer um X-salada de janta. Chego muito cansado em

casa, tomo banho e logo vou dormir, porque sei que vou ter de trabalhar bastante no

outro dia também, e preciso estar descansado, pois todo o dia é uma luta para

conseguir dinheiro.

Gosto muito daqui, é uma cidade muito bonita e estou me arranjando muito

bem neste lugar. Consegui alugar um pequeno apartamento no Centro, mas estou

com muita saudade da minha família, estou economizando para poder trazê-los para

cá o mais rápido possível. Para conseguir um pouco mais de dinheiro, às vezes eu

consigo vender alguns produtos no centro da cidade. Não dá muito lucro, pois os

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produtos são fones, carregadores, cadarços, meias e alguns brinquedos bobinhos

que as crianças gostam muito de comprar.

Ser imigrante não é fácil. Sofremos preconceito, somos discriminados e

muitas pessoas nos olham torto na rua. Independente de tudo isso, ser imigrante faz

parte do que eu sou e me orgulho de ter conseguido vir para cá por uma causa

nobre, ajudar as pessoas que eu amo. Sinto-me orgulhoso de ter conseguido ter

sucesso em um outro país, pois muitos na mesma situação não têm a mesma sorte

que eu. O preconceito não é o único problema em ser imigrante.

Tenho saudade da minha família, dos meus amigos e de todas as coisas que

eu deixei para trás e que fizeram parte da minha vida. Não consigo me comunicar

direito com eles, porque a internet de lá é muito ruim, e minha carga de trabalho não

me da muito tempo para conversar com eles. Ser imigrante tem suas vantagens e

desvantagens, para alguns não vale a pena, conheço muitos imigrantes que têm

muita vontade de voltar para seu país. Felizmente, para mim, a vida de imigrante

vale muito a pena, tive sorte em ter me adaptado tão bem e espero que, quando eu

trouxer minha família para cá, sejamos muito felizes.

POR ACASO

autores(as): Bruno, Djovanna, Gabriela e Lucca (turma: 8G)

Sou de uma cidade do centro da Síria, Salamiyah, perto de Homs. Fui para

Damasco estudar e formei-me em hotelaria, enquanto trabalhava no Four Seasons.

Fiquei sete anos naquele hotel. Saí da Síria porque não tinha emprego. Com a

guerra, os turistas sumiram, e os hotéis começaram a fechar.

Mudei-me para Erbil, no Iraque, onde trabalhei por um ano. Tentei levar a

minha família junto, mas o custo de vida era muito alto, o aluguel de um apartamento

custava US$800 por mês, o que era tudo que eu ganhava.

Fui então para Turquia, onde fiquei dois meses. Tentei visto para a Europa,

mas não consegui. Em compensação, dois dias depois do meu pedido, saí do

consulado em Ancara, com visto para o Brasil. Viajamos para cá, eu e um amigo

também sírio, que eu havia convencido a embarcar comigo na véspera.

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Não conhecia ninguém aqui. Quando aterrissei em Guarulhos, usei por uma

hora o Wi-Fi grátis que o aeroporto disponibiliza para encontrar um lugar para

dormir. Fui para um hotel em Santa Cecília, que foi o mais barato que encontrei.

No dia seguinte, comecei a procurar emprego. Também comecei a aprender

português, que eu não falava. Entrei para muitas igrejas (que providenciam aulas de

idioma). Eu visitava mesquitas também, mas só de vez em quando. Eu também

sempre levava comigo um caderno e uma caneta para anotar qualquer palavra que

eu ouvia ao redor.

Num dia muito frio, eu estava no metrô, de camiseta, uma pessoa do meu

lado perguntou se eu não sentia frio, mas respondi que não falava português. Ela me

perguntou de onde eu vinha, “Você fala árabe?” Sim, respondi, falo árabe, inglês, um

pouco de francês e turco.” A pessoa me puxou e falou para eu acompanhá-la.

Depois descobri que ela estava me levando para uma entrevista de emprego.

Fiz a entrevista e, só depois, me disseram que eu havia passado, descobri

que ia trabalhar para a FIFA como tradutor durante a Copa de Mundo de 2014.

Foram 40 dias ao total. Eu nem conseguiria acreditar, “pela primeira vez realizo um

sonho da minha vida”, pensei.

Todos os dias eu ligo para meus pais, que ainda estão na Síria. Desejo trazer

a minha família para o Brasil, mas ela é muito grande, são 18 tios. Oito primos

morreram, e tem outros que ninguém sabe onde estão, desapareceram.

Acho que perdi uns 65 amigos e conhecidos. Como Salamiyah é uma cidade

pequena, todo mundo se conhece, todo mundo sabe a vida de todos. Muitos

morreram na Síria, mas também em outros lugares inclusive tentando atravessar a

Europa.

Até agora estou achando os brasileiros muito legais, todo mundo me ajuda

quando eu peço e ninguém me descrimina por ser estrangeiro. No entanto, no

aeroporto, quando cheguei, alguns guardas olhavam-me com um olhar de

desconfiados pensando coisas como “um Sírio aqui não deve ser coisa boa”.

Mesmo tendo essas pessoas que pensavam coisas ruins, havia outras, como

dono de residências para alugar e pessoas que procuravam gente para trabalhar,

que nos tratavam bem como nos fôssemos iguais a elas. Algumas pessoas tinham

desprezo por gente de onde eu venho, não nos empregando por causa da nossa

cor, nos pagando menos e às vezes sendo racistas.

Trabalhei em muitos lugares diferentes, fazendo bicos e, entre outras coisas,

dando aulas particulares de inglês. Estou muito animado para começar a dar aula, aqui

parece tudo muito legal.

Sou Ali Jeratli, tenho 29 anos e essa é minha história.

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