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ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DE ADOLESCENTES NO MUNICÍPIO DE SÃO LUÍS: medida de proteção ou subterfúgio de uma proteção? Mariana Martins Coelho Almeida Nunes * Resumo O acolhimento institucional no município de São Luís é composto por instituições do poder público municipal e por Organizações Não Governamentais. Mas este trabalho tem por objetivo elucidar e problematizar acerca do perfil dos adolescentes que tem sido acolhidos em uma das unidades de acolhimento institucional da execução municipal e a partir disto, tecer reflexões se tais acolhimentos se constituem efetivamente como medida de proteção ou apenas um subterfúgio para conceder “respostas” imediatas às demandas apresentadas de adolescentes em situação de risco. Destaca- se que este trabalho se concretiza mediante experiência profissional à frente da Coordenação de Acolhimento Institucional e Familiar. Palavras-chave: acolhimento institucional; perfil; adolescentes Abstract In the city of São Luis, the institutional accommodation is made of local public power institutions and by Non-Governmental Organizations. However, this paper aims to elucidate and problematize about the profile of adolescents who have been hosted in one of the institutional units on the town and, from this, reflect if these types of shelters are, in fact, an effective protection measure or just a subterfuge to give immediate "responses" to the demands of adolescents at risk situations. It is worth mentioning that this paper came from a more than two years professional experience leading the Coordination of Institutional and Family Accommodation. Keywords: institutional accommodation; profile; adolescents. * Assistente Social graduada pela Universidade Federal do Maranhão, Especialista em Elaboração e Gestão de Projetos Sociais pela Universidade Veiga de Almeida – RJ, Mestranda do Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão e Coordenadora do Acolhimento Institucional e Familiar da Secretaria Municipal da Criança e Assistência Social de São Luís-MA.

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ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DE ADOLESCENTES NO MUNICÍPIO DE SÃO LUÍS:

medida de proteção ou subterfúgio de uma proteção?

Mariana Martins Coelho Almeida Nunes*

Resumo O acolhimento institucional no município de São Luís é composto por instituições do poder público municipal e por Organizações Não Governamentais. Mas este trabalho tem por objetivo elucidar e problematizar acerca do perfil dos adolescentes que tem sido acolhidos em uma das unidades de acolhimento institucional da execução municipal e a partir disto, tecer reflexões se tais acolhimentos se constituem efetivamente como medida de proteção ou apenas um subterfúgio para conceder “respostas” imediatas às demandas apresentadas de adolescentes em situação de risco. Destaca-se que este trabalho se concretiza mediante experiência profissional à frente da Coordenação de Acolhimento Institucional e Familiar.

Palavras-chave: acolhimento institucional; perfil; adolescentes

Abstract In the city of São Luis, the institutional accommodation is made of local public power institutions and by Non-Governmental Organizations. However, this paper aims to elucidate and problematize about the profile of adolescents who have been hosted in one of the institutional units on the town and, from this, reflect if these types of shelters are, in fact, an effective protection measure or just a subterfuge to give immediate "responses" to the demands of adolescents at risk situations. It is worth mentioning that this paper came from a more than two years professional experience leading the Coordination of Institutional and Family Accommodation.

Keywords: institutional accommodation; profile; adolescents.

* Assistente Social graduada pela Universidade Federal do Maranhão, Especialista em Elaboração e

Gestão de Projetos Sociais pela Universidade Veiga de Almeida – RJ, Mestranda do Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão e Coordenadora do Acolhimento Institucional e Familiar da Secretaria Municipal da Criança e Assistência Social de São Luís-MA.

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I. INTRODUÇÃO

Este artigo tem por objetivo evidenciar o acolhimento institucional para

adolescentes no município de São Luís, sobretudo no que se refere à unidade de

acolhimento de execução direta do poder público municipal. Além de demonstrar quem são

estes adolescentes acolhidos, pretende-se realizar uma problematização acerca das

situações ocorridas a partir destes adolescentes acolhidos visando refletir se efetivamente

há o cumprimento e/ou vivencia de uma medida de proteção, ou se determinados

acolhimentos tem se tornado apenas subterfúgio diante das demandas apresentadas.

Para que sejam apresentadas tais reflexões, demarcar-se a necessidade de

breve caracterização acerca da Política de Assistência Social no que se refere ao Serviço de

Acolhimento Institucional.

No primeiro momento retrata-se sobre a contextualização da historicidade do

Acolhimento. Em seguida é realizado o fio condutor nobre as principais normativas que

envolvem este processo. E, por fim, a configuração do acolhimento institucional no

município de São Luís.

Assim, entendendo a importância da compreensão deste processo de

acolhimento, elucida-se então o perfil dos adolescentes encaminhados ao cumprimento de

Medida Protetiva e, diante das situações apresentadas, problematiza-se se há de fato a

Proteção Integral necessária a estes adolescentes ou se o acolhimento de determinados

adolescentes tornou-se apenas um subterfúgio para conceder respostas à sociedade diante

das problemáticas sociais vivenciadas.

Por fim, destaco que a análise a ser apresentada parte da experiência

profissional de mais de dois anos na Coordenação do Acolhimento Institucional e Familiar

neste município.

II. O ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL

2.1 Como um processo histórico

A retirada de crianças e/ou adolescentes do convívio social de seus pais e/ou da

sua família extensa1 para colocação em espaços institucionais não é um fato recente. Há

um intenso processo de institucionalização2 que demarca esta história.

1 Conforme o parágrafo único do Artigo 25 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),

entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade (BRASIL, 1990).

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Exemplificando quantitativamente, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

(Ipea), em 2003, com patrocínio da Secretaria dos Direitos Humanos (SDH) da Presidência

da República – por meio da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do

Adolescente (SPDCA) e do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

(Conanda) – realizou o Levantamento Nacional de Abrigos para Crianças e Adolescentes.

Das cerca de 670 instituições de abrigo beneficiadas, naquele ano, por recursos da Rede de

Serviços de Ação Continuada (Rede SAC) do Ministério do Desenvolvimento Social e

Combate à Fome, foram investigados 589 abrigos, o que representava 88% do total.

Quando da realização do Levantamento, essas instituições acolhiam 19.373 crianças e

adolescentes (ASSIS; FARIAS, 2013).

Assim, entende-se que os espaços institucionais assemelhavam-se a depósito

de pessoas, e que historicamente não houve intervenção pautada na perspectiva da

garantia de direitos e da proteção integral daqueles que necessitavam. Desta forma, via-se a

urgente necessidade de mudança e reordenamento quanto ao processo de acolhimento

como forma de um desenvolvimento social inclusivo e emancipador.

Desta forma, foi no contexto da Constituição Cidadã de 1988 e do Estatuto da

Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, que este público passou a ser compreendido e

analisado através de uma nova perspectiva – a da Proteção Integral – confrontando o

famigerado e histórico contexto burocrático de institucionalização que subjugou um universo

infanto-juvenil neste país de permanentes desigualdades.

Porém, mesmo com o advento do referido Estatuto, que orientou como deve ser

realizado a política de atendimento para crianças e adolescentes, verifica-se que a

institucionalização foi um fato histórico que, mesmo sob moldes diferenciados em cada

momento histórico e social, continua arraigado no espaço relacional do país (BOURDIEU,

2007).

2 De acordo com Assis e Farias (2013, p. 23), “as raízes históricas da institucionalização da infância no

Brasil remontam ao período colonial”. Estes também relatam que foi no século XVII, com o processo migratório, que a situação de crianças e adolescentes pobres foi agravada, haja vista que mediante o abandono, eram deixadas pelas ruas e acabavam morrendo ou sendo devorada por animais. Assim, com o objetivo de amparar crianças como estas, foi criado a primeira instituição chamada Roda dos Expostos, em Salvados em 1726. Em seguida a mesma Instituição também foi criada em outros Estados. Segundo Rizzini (1997 apud ASSIS; FARIAS, 2013), onde no plano ideológico, a Roda dos Expostos tinha como objetivo primeiro proteger a moral das famílias, dando um fim caridoso aos frutos das uniões ilícitas. E foi desta forma que durante boa parte da história crianças pobres, advindas pelos mais diversos motivos, eram deixadas nestas instituições. Estudos relatam que até o ano de 1935 funcionou a última Casa dos Expostos na cidade do Rio de Janeiro. Porém, mesmo não sendo exatamente com esta denominação, continuou existindo espaços institucionais que recebiam crianças e adolescentes com as mesmas características, a saber, pobres os quais os pais, por razões variadas, não poderiam permanecer com seus filhos.

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2.2 Como um processo normativo

A partir deste reordenamento, elencamos aqui três normativas indispensáveis ao

acolhimento institucional, a saber: o ECA; a Tipificação dos Serviços Socioassistenciais e o

Guia de Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento de Criança e Adolescentes.

O Acolhimento Institucional é um dos Serviços que compõem a Proteção Social

Especial de Alta Complexidade da Política de Assistência Social. E é na Tipificação

Nacional dos Serviços Socioassistenciais que possui toda a caracterização e também os

direcionamentos para execução deste Serviço de Acolhimento.

Acolhimento provisório e excepcional para crianças e adolescentes de ambos os sexos, inclusive crianças e adolescentes com deficiência, sob medida de proteção (Art. 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente) e em situação de risco pessoal e social, cujas famílias ou responsáveis encontrem se temporariamente impossibilitados de cumprir sua função de cuidado e proteção [...] Grupos de crianças e adolescentes com vínculos de parentesco – irmãos, primos, etc., devem ser atendidos na mesma unidade. O acolhimento será feito até que seja possível o retorno à família de origem (nuclear ou extensa) ou colocação em família substituta. (BRASIL, 2009a, p. 32).

Quanto ao ECA é nele que se obtém todo o respaldo legal acerca do como,

quando e porque acolher institucionalmente adolescentes.

Como principais artigos que embasam o processo legal para efetivação do

acolhimento institucional dos adolescentes, citam-se o Artigo 19, 93, 94, 98 e o Artigo 101

(BRASIL, 1990).

E, por fim, o Guia de Orientações Técnicas para o Serviço de Acolhimento

de Crianças e Adolescentes. Este é o documento que direciona, tecnicamente, todo o

corpo de recursos humanos das unidades de acolhimento a compreender acerca dos

princípios que norteiam o acolhimento, as orientações metodológicas e os parâmetros de

funcionamento que regem o trabalho.

Assim, aliado a outras normativas que estão no bojo desta discussão, tais como

o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária e a Lei 12010 de 2009, são estes

três principais documentos citados que fundamentam e guiam a execução do Serviço de

Acolhimento Institucional para crianças e adolescentes.

2.3 No município de São Luís

Atualmente, em São Luís, o Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e

Adolescentes é executado através de 08 Instituições, tanto do poder público municipal

quanto de Organizações Não Governamentais (SÃO LUÍS, 2015).

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Destaca-se que, entre estas, 04 instituições acolhem crianças e adolescentes no

mesmo espaço, e somente uma Unidade realiza o acolhimento especificamente para

adolescentes, a qual é o objeto de nosso trabalho, o Abrigo Luz e Vida.

III. O ACOLHIMENTO DE ADOLESCENTES NO LUZ E VIDA: medida de proteção ou

subterfúgios de uma proteção?

O Abrigo Luz e Vida é uma Unidade de Acolhimento Institucional, fundado em 01

de Julho de 2008, executada pelo Poder Público Municipal através da Secretaria Municipal

da Criança e Assistência Social.

O trabalho de acolhimento executado por esta unidade se realiza conforme as

normativas apresentadas anteriormente, as quais orientam acerca de todos os

procedimentos que envolvem o acolhimento institucional para adolescentes.

Inicialmente, há que se destacar que, o Acolhimento é uma Medida de Proteção,

conforme o Artigo 98 do ECA, onde somente será aplicada quando os direitos de crianças e

adolescentes forem ameaçados ou violados; que, no artigo 101, § 3º, os mesmos somente

poderão ser acolhidos nas instituições por meio de uma Guia de Acolhimento expedida pela

autoridade judiciária competente e que, apenas em caráter excepcional e de urgência,

crianças/adolescentes podem ser acolhidos sem previa determinação judicial, de acordo

com o artigo 93 do ECA (BRASIL, 1990).

Além disso, outro aspecto relevante a ser mencionado, é que o acolhimento

institucional é um equipamento da Política de Assistência Social, onde a demanda prioritária

para o acolhimento são as vulnerabilidades sociais. “Acolhimento em diferentes tipos de

equipamentos, destinado a famílias e/ou indivíduos com vínculos familiares rompidos ou

fragilizados, a fim de garantir proteção integral”, conforme descrito na Tipificação (BRASIL,

2009a, p. 31). Isto implica dizer que situações específicas que necessitam de outras

intervenções prioritárias para além da Assistência Social, não necessitam, necessariamente,

de uma Medida de Proteção de Acolhimento para tomada de providências. Sobre isto, que

consiste em um dos Princípios do Acolhimento, citamos o descrito no Guia de Orientações

Técnicas:

Do mesmo modo, caso haja criança, adolescente ou algum outro membro da família com deficiência, doenças infecto-contagiosas, transtorno mental ou outros agravos, isso não deve por si só motivar o afastamento do convívio familiar ou a permanência em serviços de acolhimento. Nessas situações deve-se proceder a encaminhamentos para atendimentos prestados em serviços da rede ou até mesmo no próprio domicílio, os quais possam contribuir para a prevenção do afastamento ou para a reintegração familiar. (BRASIL, 2009b, p. 27).

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Desta forma, mediante estas relevantes prerrogativas e as demais que

compõem todo o seu arcabouço de procedimentos, tem-se a clareza das situações que

configuram as Medidas de Proteção.

Entretanto, o município de São Luís, assim como outras localidades brasileiras,

apresentam determinadas particularidades que incidem diretamente no desenvolvimento

deste Serviço.

Entre elas, citamos: o acolhimento de adolescentes com a vivência de rua e o

significativo comprometimento com uso de substâncias psicoativas; o acolhimento de

adolescentes com histórico relevante de cometimento de atos infracionais e o acolhimento

de adolescentes que estão sob ameaça de morte em virtude das facções criminosas, do

tráfico de drogas e dos atos infracionais cometidos.

Estas são três motivações de acolhimento, encaminhadas pelas autoridades

competentes, para o Abrigo Luz e Vida, que tem gerado momentos de debates entre a

equipe em virtude dos subsequentes acontecimentos causados com tais acolhimentos,

gerando reflexão sobre até que ponto esta é uma Medida de Proteção para aqueles

adolescentes.

Aponta-se esta problemática a partir das seguintes reflexões.

Aos adolescentes acolhidos que já se encontravam em situação de rua por um

período de tempo mais prolongado e, consequentemente, fazendo uso de substâncias

psicoativas, como tabaco, álcool e outras drogas, onde as causas que levam estes

adolescentes a se envolverem com tais substâncias são extremamente complexas,

conforme o Malta et al. (2014), sérias situações compõem o contexto deste adolescente.

Vale destacar que, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar

(Pense), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com alunos do

9º ano (antiga 8ª série) do Ensino Fundamental, um percentual de 9,3% de estudantes de

13 a 15 anos de idade em São Luís já usou drogas ilícitas como maconha, cocaína, crack,

cola, loló, lança-perfume e ecstasy. Dado este que coloca São Luís em 9º lugar entre as

capitais brasileiras com maiores índices (RIBEIRO, 2009).

Em virtude de todas as liberdades adquiridas por meio da vivência no espaço da

rua, ao serem acolhidos, não conseguem conviver harmonicamente com as diferenças

apresentadas pelos demais acolhidos, nem tampouco conseguem seguir a rotina e aos

acordos de convivência que são construídos na coletividade e amparado pelo Regimento

Interno e a Proposta Político Pedagógica da Instituição.

Todos os procedimentos técnicos necessários de ambientações e orientações

para permanência no acolhimento, durante o tempo necessário, e garantia da sua proteção

integral são concedidos. Todavia, em um curto espaço de tempo, as manifestações de

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insatisfação e as características específicas das pessoas com hábitos da vivência de rua e

de comprometimento com o uso de substâncias se tornam latentes, a saber: apresentam

agressividade quando são contrariados; entram em crise de abstinência; utilizam-se de

violência para com outros adolescentes acolhidos e funcionários presentes; cometem

depredação do patrimônio público; desferem ameaças e abandonam a Medida de Proteção.

Este é um contexto vivenciado de forma recorrente nesta Unidade de

Acolhimento. E, por mais que o mesmo adolescente já tenha sido acolhido em momentos

anteriores, é desenvolvido um novo Plano Individual de Atendimento, em virtude das novas

demandas apresentadas por ele. Desde forma, ao longo do acompanhamento que se vem

realizando, mesmo diante da efetivação dos procedimentos e encaminhamentos pertinentes

à Assistência Social e demais Políticas Públicas, a vivência diária com aqueles faz-nos

perceber que o comportamento e as atitudes por eles tomadas, está intrinsecamente

relacionada à dependência do uso das substâncias psicoativas. Que as outras dimensões

do seu contexto de vida também estão co-relacionadas a esta vivência, mas que, o

tratamento efetivo e permanente de saúde mental é condição necessária para que o

adolescente possa cumprir a sua Medida de Proteção em sua integralidade.

A segunda particularidade a qual o Abrigo Luz e Vida tem sido submetido diz

respeito ao acolhimento de adolescentes com histórico relevante de cometimento de atos

infracionais.

São diversos os fatos que envolvem tal contexto. Há situações onde após o

acolhimento em medida de proteção, a equipe detecta que aquele adolescente está com um

mandado de busca e apreensão em aberto para cumprimento de medida sócio-educativa.

Outro fato diz respeito ao pré-conceito já existente tanto em relação ao adolescente quanto

à esta unidade de acolhimento, haja vista que, quando se trata de um adolescente “já

conhecido” pelo Sistema de Garantia de Direitos, o mesmo é automaticamente

encaminhado ao Abrigo Luz e Vida, sem oportunidade de ser encaminhado para outra

instituição, onde escuta-se reiteradamente, por diversos atores do Sistema, a frase: “lá é o

lugar desses meninos”.

Quando “estes meninos” são acolhidos, há uma observância, por parte da

equipe técnica, que de fato possuem inúmeros Boletins de Ocorrência registrados como

autores de algum fato, processos em andamento e cumprimento de algumas medidas

socioeducativas. Dentro da unidade apresentam exímio comportamento nos primeiros dias.

Mas, logo começam a apresentar significativo processo de indisciplina e também o

cometimento de atos infracionais dentro da unidade de acolhimento sob diversos aspectos,

como produção e uso de arma branca, violência física e verbal contra outros adolescentes

acolhidos e funcionários, e ampla depredação do patrimônio público. Todos os

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procedimentos legais são realizados quando há a realização destes fatos. E, quando realiza-

se a busca pela motivação para consumação de tais feitos, relatam dois motivos principais:

“eu ‘afronto’ a equipe para mostrar que faço mesmo e sei que nada vai acontecer comigo”

(SIU).

Ainda sobre esta especificidade faz-se necessário a apresentação de mais um

registro. Conforme as normativas já evidenciadas, o acolhimento deve ocorrer mediante

determinação de autoridade judiciária competente e expedição de guia de acolhimento.

Entretanto, há registros de uma determinação para transferência do adolescente do Centro

de Juventude CANAÃ - unidade de internação provisória, diretamente para unidade de

acolhimento institucional. A realização de tal procedimento, aponta para dois aspectos: o

não cumprimento da legislação quanto ao Artigo 101 do ECA, bem como o empoderamento

do adolescente quando relata que “faço porque já fui mesmo pro CANAÃ e depois volto pra

cá e faço tudo de novo”. (SIU).

E, como terceira peculiaridade que tem sido foco de discussão no Abrigo Luz e

Vida é o acolhimento de adolescentes que estão sob ameaça de morte em virtude das

facções criminosas, do tráfico de drogas e dos atos infracionais cometidos.

Independe qual seja a ameaça de morte uma unidade de acolhimento da

Assistência Social não tem por objetivo acolher adolescentes que estejam nesta condição.

Isto também se concretiza em virtude da existência do Programa de Proteção a Crianças e

Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), conforme o Decreto nº 6.231 (BRASIL,

2007).

O acolhimento de adolescentes em situação de ameaça também tem sido

recorrente no Abrigo Luz e Vida. Em virtude da própria condição de equívoco nestes

acolhimentos, vem proporcionando significativas situações desafiadoras e complexas na

unidade.

Acolher um adolescente ameaçado de morte significa deixa-lo recluso ao espaço

interno da unidade, sem as todas atividades externas, como escolar e de lazer, bem como

sem acesso às demais pessoas que adentram e realizam atividades internas à unidade.

Entretanto, pela própria natureza do Serviço, é inviável que isso ocorra.

Todos os profissionais existentes bem como os procedimentos do acolhimento

direcionam-se ao cumprimento de uma Medida de Proteção e não a uma medida privativa

de liberdade ou de segurança pública.

Permitir que um adolescente nesta condição conviva com outros é fazer com

que a sua ameaça individual se torne coletiva, oferecendo então os riscos iminentes aos

demais adolescentes acolhidos bem como aos funcionários. É fazer com que a unidade

possa tentar se adequar a esta situação na perspectiva da proteção integral sabendo que

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não conseguirá cumprir na sua integralidade tendo em vista que esta não é a sua diretriz

precípua.

Como evidência concreta de que a tentativa de garantir a proteção deste

adolescente ameaçado de morte em acolhimento institucional é um equívoco, cita-se que no

ano de 2015 houve uma tentativa de homicídio a um dos adolescentes ameaçados de morte

que estava acolhido no Abrigo Luz e Vida. Em virtude da percepção ágil do vigilante, a

situação foi contida. Todavia, inúmeros transtornos foram causados ao trabalho, culminando

com a mudança de endereço desta unidade de acolhimento.

Embora a princípio tenhamos relatado que independente qual seja a ameaça de

morte, posto que existe um local apropriado para sua permanência, fez-se questão de citar

quais são as principais ameaças vivenciada pelos adolescentes para elucidar o nexo

existente entre os fatos apresentados e como estes comprometem a execução do

atendimento e desvia o foco do trabalho causando sérios prejuízos ao mesmo.

A partir de uma pesquisa quantitativa realizada com dados do ano de 2014 e

2015 (até o mês de Junho) acerca da motivação dos acolhimentos, constatou-se que a

situação de rua e ameaça de morte teve prevalência nestes anos. Veja a tabela 1:

Tabela 1 - Abrigo Luz e Vida

2014 – JANEIRO A DEZEMBRO

MENINOS MENINAS

Adolescentes Atendidos: 34 Adolescentes Atendidas: 24

Motivos do acolhimento

Perambulando/Perdido

Ameaça de morte

Situação de Rua

Fuga

Transferência de Instituição

2

7

28

1

2

Situação de rua

Fuga de casa

Violência Doméstica/Sexual

Ameaça de morte

Exploração Sexual

Situação de Risco

Transferência de Instituição

Conflito Familiar

9

4

5

1

2

1

3

1

Quantidade de Acolhimentos: 148 Quantidade de Acolhimentos: 58

Conselho Tutelar

Busca

Ativa 1ª VIJ 2ª VIJ

Conselho Tutelar 1ª VIJ

2ª Vara da Comarca

de Lago da Pedra

1ª Vara de Comarca de Santa

Luzia

137 9 1 1 52 4 1 1

2015 – JANEIRO A JUNHO Adolescentes Atendidos: 17 Adolescentes Atendidas: 15*

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Motivos do acolhimento

Situação de Rua

Ameaça de morte

Conflito familiar

12

4

1

Situação de rua

Fuga de casa

Violência Sexual

Violência Doméstica

Ameaça de morte

5

3

3

2

4

Quantidade de Acolhimentos: 34 Quantidade de Acolhimentos: 26

Conselho Tutelar

Casa de

Passagem

VIJ

Vara

Única de

Raposa

DAI Conselho

Tutelar Busca Ativa 2ª Vara da Comarca de Lago da Pedra

29 1 2 1 1 24 1 1

*Algumas das adolescentes atendidas tiveram mais de um motivo de acolhimento.

Desta forma, entende-se que estas demandas encaminhadas ao acolhimento

institucional Luz e Vida, configuram-se como expressivos desafios a serem superados. Que

este panorama traduzido em uma emblemática problemática político-social, necessita de

forma mais contundente, de uma efetiva articulação e execução por parte da Rede

Socioassistencial, bem como do Sistema de Garantia de Direitos. Concretamente, esta não

é uma atividade fácil de ser desenvolvida, mas necessária.

A rede é uma articulação de atores em torno, vamos nos expressar assim, de uma questão disputada, de uma questão ao mesmo tempo política, social, profundamente complexa e processualmente dialética. Trabalhar em rede é muito mais difícil do que empreender a mudança de comportamento [...]. (FALEIROS, 1999, p. 25).

Assim, diante do apresentado acerca do processo de acolhimento, das

normativas vigentes e do contexto vivenciado pela unidade de acolhimento Luz e Vida, faz-

se pertinente a problematização de algumas questões:

Como garantir tratamento de saúde continuado aos adolescentes usuários de

substâncias psicoativas se não há Unidade de Acolhimento Infantil e apenas um Centro de

Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPSI) municipal?

Como manter a integridade da unidade de acolhimento se alguns adolescentes

reproduzem o espaço da rua naquela unidade?

Como garantir um espaço de tranquilidade e proteção integral com adolescentes

que estão permanentemente na iminência de um surto, que realizam ameaças no espaço

institucional a todos os envolvidos e também oferecem ameaça, por já estarem ameaçados

de morte?

Como imprimir um caráter de compromisso, respeito e responsabilização aos

adolescentes pelos seus atos de indisciplina e pelos atos infracionais cometidos se já existe

uma banalização destes atos pelos adolescentes?

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Como garantir uma medida de proteção efetiva aos demais adolescentes

acolhidos que não se encontram neste contexto apresentado?

E, como fortalecer o Sistema de Garantia de Direitos para que, em cada

instância institucional, apresentem providências mais ágeis para tais demandas que os

mesmos já possuem ciência?

IV. CONCLUSÃO

Estar no âmbito da gestão como Coordenadora do Acolhimento Institucional e

Familiar no município de São Luís contribuiu expressivamente para observação e análise

em uma perspectiva de totalidade acerca do que é o acolhimento institucional e como o

mesmo deve se materializar.

É fato que, por estar na Proteção Social Especial de Alta Complexidade as

situações demandadas ao acolhimento serão as mais complexas e desafiadoras possíveis.

Entretanto, observa-se que a execução deste Serviço ainda requer análises, estudos e

pesquisas, haja vista a lacuna existe entre como se configura a execução de uma Medida de

Proteção e como a mesma está sendo concretizada, perpassando pelas diversas

instituições e órgãos que compõem a Rede de Proteção à Infância e Juventude.

Existem também questões muito relevantes e intrínsecas à problematização

apresentada. No entanto obtendo como parâmetro o discutido neste artigo inferimos a

necessidade premente de providências.

Vivencia-se, atualmente, na cidade de São Luís uma problemática sócio-política

e econômica causando sérios prejuízos às famílias vulneráveis com rebatimentos ao

segmento infanto-juvenil e que necessitam da intervenção das Políticas Públicas existentes.

Mas que, por meio da leitura de alguns atores sociais, uma das formas de “controle” desta

“disfunção” incide na determinação das “Medidas de Proteção”.

Porém, diante dos fatos e problemáticas apresentadas, reflete-se: até que ponto

somente “depositar” (tal como realizado no passado) os adolescentes, fruto de um contexto

social, sem garantir de fato e de direito as demais medidas necessárias incidirá efetivamente

na sua proteção integral e superação do acolhimento em um processo de autonomia ou

reinserção familiar?

Assim, concluímos que, em virtude de diversos fatores correlacionados, mas,

sobretudo das ausências/omissões Estatais e/ou familiares, o acolhimento institucional

tornou-se um subterfúgio imediato “maquiando” uma realidade existente, que tenta imprimir

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aos adolescentes com o perfil apresentado e à sociedade em geral, uma “pseudo”

concepção de Medida de Proteção.

REFERÊNCIAS

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