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3684 APRENDIZAGEM EM JÜRGEN HABERMAS: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A METODOLOGIA DO ENSINO DO DIREITO * LEARNING ACCORDING TO JÜRGEN HABERMAS: A CONTRIBUTION TO THE METHODOLOGY TEACHING OF LAW Luiz Henrique Martim Herrera Bianco Zalmora Garcia RESUMO O paradigma pedagógico do ensino do Direito encontra-se alinhavado por supostos conservadores oriundos do tradicionalismo e do tecnicismo e não mais comporta em tempos de pós-positivismo protagonizar um ensino de mera transmissão depositária de saber, de transferência de valores e conhecimentos, na qual a relação professor/aluno se resume à narrativa dum saber pseudo-absoluto, e os ouvintes nesse contexto, reduzem- se a receptores passivos. Esta compreensão que temos do mundo do ensino jurídico se justifica, ademais, ao conceito de sistema a que alude Jürgen Habermas, composto pelo Estado e pelo mercado burocrático, e no qual o conhecimento está vinculado a interesses e à dominação, ambiente em que se desenrolam as ações instrumentais. Sem prejuízo, enquanto novas teorias do direito são desenvolvidas e novos parâmetros hermenêuticos pretensiosamente íntegros são elaborados, entende-se que a superação da crise do ensino do Direito prescinde, antes de tudo, de realocação numa nova fonte paradigmática: a filosofia da linguagem. Para tanto, a Teoria do Agir Comunicativa protagonizada por Jürgen Habermas dá-nos luz a propor um modelo educacional sob ótica da razão comunicativa, em que os sujeitos interajam através da linguagem como instrumento capaz de gerar consenso e entendimento rumo à emancipação e autoconhecimento. Enfim, a superação da concepção instrumental de razão arraigada no ensino do Direito dar-se-á a partir da aplicação do agir comunicativo na práxis pedagógica do ensino do Direito. PALAVRAS-CHAVES: ENSINO JURÍDICO – METODOLOGIA DO ENSINO JURÍDICO – AÇÃO COMUNICATIVA – INTERSUJETIVIDADE ABSTRACT The educational paradigm of teaching of law led by traditional prerequisite that came from “conservatism” and “technicism” is no longer acceptable in our post-positivism era in order to convey an educational system based merely in the transmission of knowledge and values, in which the teacher/student relationship is reduced to narrative of a pseudo-absolute knowledge, where the listeners are merely passive receivers. This understanding that we have on the world of legal education is justified, moreover, for a concept of system defended by Jürgen Habermas, composed by the state and the * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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APRENDIZAGEM EM JÜRGEN HABERMAS: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A METODOLOGIA DO ENSINO DO DIREITO*

LEARNING ACCORDING TO JÜRGEN HABERMAS: A CONTRIBUTION TO THE METHODOLOGY TEACHING OF LAW

Luiz Henrique Martim Herrera Bianco Zalmora Garcia

RESUMO

O paradigma pedagógico do ensino do Direito encontra-se alinhavado por supostos conservadores oriundos do tradicionalismo e do tecnicismo e não mais comporta em tempos de pós-positivismo protagonizar um ensino de mera transmissão depositária de saber, de transferência de valores e conhecimentos, na qual a relação professor/aluno se resume à narrativa dum saber pseudo-absoluto, e os ouvintes nesse contexto, reduzem-se a receptores passivos. Esta compreensão que temos do mundo do ensino jurídico se justifica, ademais, ao conceito de sistema a que alude Jürgen Habermas, composto pelo Estado e pelo mercado burocrático, e no qual o conhecimento está vinculado a interesses e à dominação, ambiente em que se desenrolam as ações instrumentais. Sem prejuízo, enquanto novas teorias do direito são desenvolvidas e novos parâmetros hermenêuticos pretensiosamente íntegros são elaborados, entende-se que a superação da crise do ensino do Direito prescinde, antes de tudo, de realocação numa nova fonte paradigmática: a filosofia da linguagem. Para tanto, a Teoria do Agir Comunicativa protagonizada por Jürgen Habermas dá-nos luz a propor um modelo educacional sob ótica da razão comunicativa, em que os sujeitos interajam através da linguagem como instrumento capaz de gerar consenso e entendimento rumo à emancipação e autoconhecimento. Enfim, a superação da concepção instrumental de razão arraigada no ensino do Direito dar-se-á a partir da aplicação do agir comunicativo na práxis pedagógica do ensino do Direito.

PALAVRAS-CHAVES: ENSINO JURÍDICO – METODOLOGIA DO ENSINO JURÍDICO – AÇÃO COMUNICATIVA – INTERSUJETIVIDADE

ABSTRACT

The educational paradigm of teaching of law led by traditional prerequisite that came from “conservatism” and “technicism” is no longer acceptable in our post-positivism era in order to convey an educational system based merely in the transmission of knowledge and values, in which the teacher/student relationship is reduced to narrative of a pseudo-absolute knowledge, where the listeners are merely passive receivers. This understanding that we have on the world of legal education is justified, moreover, for a concept of system defended by Jürgen Habermas, composed by the state and the

* Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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bureaucratic market, and in which knowledge is tied to interests and domination, the environment where instrumental actions are conducted. Nonetheless, as new theories of law are developed and new hermeneutic standards pretentiously integrated are created, it is understood that the overcoming of the crisis in the teaching of law demands, above of all, the reallocation on a new source of paradigm: the philosophy of language. Thus, the Theory of Communicative Action led by Jürgen Habermas gives us light to propose an educational model based on the communicative reason, in which the subjects interact through language as a tool able to generate consensus and understanding towards the emancipation and self-knowledge. Finally, the overcoming of the instrumental conception of reason focused on the teaching of law will occur from the application of communicative action in pedagogical practice of teaching law.

KEYWORDS: LEGAL EDUCATION - METHODOLOGY OF LEGAL EDUCATION - COMMUNICATIVE ACTION – INTERSUBJECTIVITY.

INTRODUÇÃO

O campo epistêmico do Direito – seja no âmbito da doutrina, da jurisprudência e, por extensão, do próprio ensino do Direito – baliza-se (ainda) nos aportes conceituais advindos do paradigma liberal-individualista e, sobretudo, do paradigma epistemológico da filosofia da consciência, desenvolvido ao longo da modernidade, cujo limite consiste na razão centrada na autoreferencialidade do sujeito monológico, que trata o mundo exterior e a si mesmo a partir de uma relação objectual. Apóia-se na existência de significantes a priori, numa pretensa universalização-generalização conceitual, como que buscando alcançar essências, desconsiderando elementos que envolvem a singularidade e a pluralidade das práticas e formas de vida humana no contexto complexo da realidade atual.

Os operadores de Direito, reduzido à lógica de uma racionalidade cognitivo-instrumental, tem a pretensão de tornar a atividade do intérprete/aplicador uma tarefa simplificada, de concepção textual previamente experimentada e coisificada. Ocorre que, deste modo, o Direito vem sendo conduzido como uma ciência estanque, longe da interlocução com outros campos do saber. Neste sentido, dentre outros aspectos determinantes, entendemos que esta problemática sobre a concepção e prática jurídica afeta e envolve o paradigma atual do ensino jurídico.

Desta forma, reflexo paradigmático da dogmática jurídica, cuja função é pré-normatizar o sentido do texto, concebe-se o ensino jurídico por critérios pressupostamente absolutos e neutros, suprimindo a historicidade da compreensão enquanto princípio hermêneutico. Portanto, torna-se cabível a tarefa de superar tais pré-juízos reducionistas que obscurecem a atividade formativa no ensino do Direito.

Com efeito, ao considerar este problema na perspectiva paradigmática, convém destacar que, desde o início da modernidade, pretendeu-se a autonomia da razão. Entretanto, com base no sujeito que solitariamente representa o mundo, a racionalidade reduziu-se a sua

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dimensão instrumental, capaz de relacionar-se com o mundo e os objetos sob a forma de intervenção e dominação. De acordo com HERMANN (1996a, p. 18),

A racionalidade ocidental se revela, então, no modo de fazer ciência, conforme o projeto baconiano-cartesiano, dominante desde a modernidade até o século XX, quando começou a ser criticado. Nenhum conhecimento pode aspirar legitimidade de verdade e cientificidade se não satisfazer as exigências de um tipo de racionalidade desenvolvida pelas ciências empírico-matemáticas de objetivação do mundo. A idéia é provar, demonstrar, matematizar através de unidades intelectualmente previsíveis, claras, impossíveis de serem recusadas.

Segundo OLIVEIRA (1993), à luz da análise habermasiana, o processo de modernização das sociedades ocidentais desemboca na introdução de novos mecanismos de coordenação da ação, regidos por leis positivas, como a economia e a administração estatal, onde a sociabilidade não é mais gestada a partir de normas tradicionalmente transmitidas e compartilhadas.

[...] trata-se, em última análise, de neutralização diante do pano de fundo normativo dos contextos de ação. É outro tipo de integração que agora assume a primazia no processo de socialização: o mecanismo essencial na integração social, a compreensão lingüística, é de algum modo posto de lado e dispensado pela atuação dos valores instrumentais nos contextos de ação formalmente organizados. No entanto, esses novos mecanismos vinculam-se ao mundo vivido através do direito: todo o processo de modernização vai significar, assim de certo modo, uma substituição da ética pelo direito, no processo de regulação das ações sociais. [...] Na perspectiva da nova forma de socialização, as normas jurídicas tomam o lugar da eticidade tradicional: o direito não mais se radica nas estruturas tradicionais da comunicação, mas gera formas de relações sociais independentes do contexto normativo de comunicação das tradições culturais (OLIVEIRA, 1993, p. 14).

O avanço da modernização da sociedade significa, portanto, o processo de constituição de contextos de ação regrados pelo direito positivo, o que acarreta um processo de formalização das relações interpessoais, que agora são regidas por regulamentações formais. À medida que a base normativa do agir comunicativo vai perdendo seu poder enquanto princípio de integração da sociedade para os novos mecanismos sistêmicos de coordenação das ações, ocorre na Modernidade “um processo de positivação do direito: é direito o que é estabelecido enquanto tal, que vem acoplado a um processo de legalização e formalização” (OLIVEIRA, 1993, p. 17).

É justamente nesta perspectiva que se pode compreender o dogmatismo jurídico, ao fundamentar-se neste modelo instrumental de racionalidade, enquanto cálculo estratégico de ações, controle e previsibilidade que, por sua vez, acaba determinando um ensino engessado pelo reducionismo lógico-formalista com base numa concepção positivista de ciência, especialmente aquela que nega a possibilidade de uma fundamentação racional para as ações prático-morais humanas, reduzindo toda a atividade racional a procedimentos técnicos.

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Neste sentido, propõe-se a superação da concepção instrumental vigente de escola do Direito como agência detentora e promotora do saber, determinada e determinante das relações sociais, formatada e formadora dos valores e crenças sociais. Ora, as condições de possibilidade desta superação só podem ser concebidas, na contemporaneidade, a partir da reconstrução das bases legitimadoras do ensino jurídico no enfrentamento da crise do dogmatismo jurídico, que envolve simultânea e indissociavelmente uma crise de modelo, relativa à tradição liberal-individualista-normativista, e uma crise hermenêutica: relativa ao esgotamento do paradigma da filosofia da consciência. Crises que só podem ser compreendidas quando reportadas à própria crise da modernidade concebida como uma crise da própria razão.

Não se pode deixar de também considerar que no contexto da crise da modernidade impõe-se o desafio de pensar a própria educação contemporânea dado que ela tem suas raízes na filosofia da consciência. Conforme HERMANN (1999) e FÁVERO (2003), diante dessa crise, categorias e conceitos originários da filosofia da consciência que sustentaram a racionalidade emancipatória da educação iluminista, tais como autonomia, individualidade, responsabilidade moral, liberdade, formação do homem virtuoso, dentre outros, perderam suas bases metafísicas de legitimação e validade. É nesse cenário que a teoria de Habermas poderá se constituir em uma alternativa importante em defesa de um projeto que não abandone definitivamente (e resgate) os ideais de emancipação social e individual da educação. O projeto habermasiano de racionalidade comunicativa apresenta-se promissor no sentido de refundamentar as bases normativas da educação e, de modo mais amplo, restabelecer o poder crítico da racionalidade humana frente às correntes que advogam um reducionismo da razão, ameaçando sua unidade: de um lado, a redução cognitivo-instrumental pelo neopragmatismo, representante do cientificismo, e de outro, a redução relativista-niilista pelo pensamento pós-moderno.

Assim, o paradigma da intersubjetividade comunicativa permite promover uma releitura do ensino do Direito com base na reconstrução das bases normativas da relação entre teoria e prática, restabelecendo a ligação entre saber teórico e ação humana a fim de poder verificar como se dá o nexo entre o saber jurídico cientificamente constituído e a práxis social. Para Habermas, o conhecimento está enraizado na práxis social, de modo que a mediação entre teoria e prática vincula-se aos interesses orientadores da ação humana: o interesse teórico, o interesse prática e o interesse emancipatório.

A educação com o propósito da constituição do sujeito pelo agir comunicativo não se enquadra no espaço onde predomina a razão instrumental, mas se efetiva por processos de ensino e aprendizagem orientados pelo entendimento intersubjetivo. Uma ação dialógica nos processos educacionais fundamenta-se na concepção da escola como espaço comunicativo. A racionalidade comunicativa na escola pode ser mediada pelas práticas educacionais em sala de aula, pela organização curricular, pela administração colegiada e outras pelas quais os envolvidos possam articular ações coordenadas comunicativamente pelo entendimento. O aprendizado é centrado no aluno, num processo dialógico de construção coletiva e progressiva do conhecimento. Rompe-se, portanto, com a concepção de prática pedagógica compreendida a partir do modelo de relação sujeito-objeto e, em última instância, com uma racionalidade fundada no sujeito monológico. No ensino do Direito supera-se a plenipotência da regra, o solipsismo do professor na transmissão verticalizada e acrítica do conteúdo, para assentarmos a prática

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pedagógico-jurídica na intersubjetividade, desenvolvida ao longo de um processo simétrico entre seus interlocutores.

O paradigma atual do ensino do direito

O ensino jurídico vive uma crise de criatividade e de identidade. O espaço acadêmico, longe de ser aquilo a que se destina – o campo ideal para fomentar a inquietude, a dúvida, a discussão – transforma-se em um mero laboratório profissionalizante. Se hoje não se formam mais “juristas”, ao menos capacitam (quando capacitam), os futuros “operadores do Direito”.

O ensino jurídico brasileiro e seu modelo interpretativo vigente/dominante pactuam com crenças e velhas práticas, engendradas numa concepção positivista-normativista-formalista que sustenta que o Direito consiste em uma técnica (autônoma, neutra e objetiva): a dogmática. Como conseqüência, podemos afirmar, com isso, que o conhecimento jurídico foi encapsulado na forma institucionalizada de Direito, sem a interpenetração necessária dos fenômenos particulares da vida. Sob este ângulo, avulta o mérito daquele que se dedicou à “purificação” dos conceitos jurídicos e sua sistematização, como é o caso de Hans Kelsen (2006, passim).

Este processo se estabelece, sobremaneira, a partir da prática de uma “metodologia didático-causuística”, que culminou numa cultura estandardizada, que propicia que o jurista conheça de modo confortável e acrítico o significado dos textos jurídicos e das próprias atividades jurídicas. A propósito, como denunciou STRECK (2007) em sua crônica:

Simbolicamente, os manuais que povoam o imaginário dos juristas representam com perfeição essa crise. Há, pois, um profundo déficit de realidade. Os próprios exemplos utilizados em sala de aula, ou nos próprios manuais, estão desconectados daquilo que ocorre em uma sociedade complexa como a nossa. Além disso, essa cultura estandardizada procura explicar o Direito a partir de verbetes jurisprudenciais ahistóricos e atemporais.

Esta conjuntura apresentada encontra-se fundamentada no paradigma da consciência, no modelo positivista de educação, transformando os estudantes em meros repetidores, com pouco ou quase nenhum senso crítico. Nesse processo de inteligibilidade dogmática o conhecimento jurídico reduz-se ao entendimento de “verdades”. Alves (2002, p. 49) afirma que “a matriz positivista foi corroendo e impossibilitando a observação da realidade empírica no ensino jurídico, tornando-o descomprometido com as mudanças operacionalizadas na prática social cotidiana”.

Durante muito tempo, estes pressupostos embasaram com predominância todo o fazer científico, porém, não há de se olvidar que os modelos educacionais, em todos os níveis, estão corrompidos por esta concepção paradigmática. BEHRENS (2000, p. 42) afirma que “na realidade, os paradigmas da ciência afetam a toda a sociedade e principalmente a educação”, de forma que tal discussão não poderia ficar de fora de nossas reflexões.

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Entendemos, pois, que a educação apresentada na seara do Direito se coloca nesta problemática. Esta dicotomização metodológica entre teoria e prática sustentada pelo ensino jurídico projeta o discurso exegético-positivista que identifica texto e sentido do texto, transformando o processo interpretativo em uma subsunção dualística do fato à norma.

FERRAZ JÚNIOR (1980, p. 34) nos ensina que o caráter lógico-formal da subsunção marcou significativamente a Ciência do Direito do século XIX e, citando BERGBOHN, explica que à época “[...] o único método verdadeiramente científico da Ciência do Direito é, de um lado, a abstração e a generalização gradativa a partir de fatos concretos até as premissas imediatas da dedução [...]”. Disso implica a crítica ao positivismo, pois

Reduzir a sistemática jurídica a um conjunto de proposições e conceitos formalmente encadeados segundo os graus de generalidade e especificidade é desconhecer a pluralidade da realidade empírica imediatamente dada em relação à simplificação quantitativa e qualitativa dos conceitos gerais (FERRAZ, 1980, p. 35, grifo nosso).

Nesse ponto avocamos a contribuição de Jürgen Habermas para quem a verdade é algo inseparável da sociedade que a concebe e essencialmente animada por interesses cognitivos. Ora, este modelo que pactua com o esquema sujeito-objeto, de subsunção, que coloca o sujeito isolado do objeto, relega a linguagem a uma mera instrumentalidade.

No lugar do sujeito solitário, que se volta para os objetos e que, na reflexão, se toma a si mesmo por objeto, entra não somente a idéia de um conhecimento lingüisticamente mediatizado e relacionado com o agir, mas também o nexo da prática e da comunicação cotidiana, na qual estão inseridas as operações cognitivas que têm desde a origem um caráter intersubjetivo e ao mesmo tempo cooperativo. (HABERMAS, 1989, p. 25)

Assim, parece claro que os frutos desse pensamento mecanicista não permitem avançar muito no campo educacional do ensino do Direito. O paradigma, que traz em seu bojo um conjunto de idéias, normas e valores determinados pelos pressupostos metodológicos da ciência moderna, envolve uma concepção do universo como um sistema mecânico e o da racionalidade reduzida à sua instrumentalidade. Tais concepções fundamentam a mediação normativa entre a teoria e prática no âmbito da prática jurídico e do seu ensino: a práxis jurídica. Cada vez mais se tornam necessária e urgente a reconstrução e o empreendimento de novos rumos ao ensino do Direito, pois, de um lado, considerando o contexto atual da chamada “sociedade do conhecimento”, forma alunos e profissionais obsoletos, decorrente de um ensino jurídico arraigado no conhecimento dogmático, aprisionado aos referenciais a priori de verdade, esvaziadas de uma crítica hermenêutica e transmitidas por um casuísmo didático. De outro, estas práticas retroalimentam e legitimam a reprodução da dogmática jurídica, cujos reflexos se manifestam no autoreconhecimento reflexivo do jurista, mantendo-o no processo do “interpretar-para-compreender” (descrição e explicação empírica), em detrimento do “compreender-para-interpretar” (explicação hermenêutica do sentido e análise conceitual).

Enfim, no sentido de reconstruir o ensino jurídico e as bases de seu processo de aprendizagem, cabe superar a ilusória concepção asséptica tanto do conhecimento como do estudo do Direito positivo. Torna-se necessário reorientá-lo, a partir de novos

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fundamentos, em direção de novos objetivos sociais, econômicos, políticos e culturais (quais serão eles?) e em consonância com novas bases metodológicas e pedagógicas que conduzem o ensino do Direito a uma instância de maior rigor científico e de maior eficácia para a consecução de seus objetivos emancipatórios enquanto prática educacional. Para que isto ocorra, é necessário que o avanço represente efetivamente o desenvolvimento e fortalecimento de um comprometimento social assumido criticamente. É neste momento que ressaltamos a importância da educação e seus agentes.

Trata-se em síntese, de conceber as escolas de Direito não apenas como local de progresso cultural e científico, mas também como local privilegiado de transformação e liberação social, de modo a não mais se fomentar um formação acrítica e de pretensões objetivistas do conhecimento e da aplicação do Direito.

Na relação entre ciência do Direito e ensino de Direito, observa-se que a questão metodológica do “como ensinar?” vincula-se indissociavelmente, numa reciprocidade dialética, com as questões “o que ensinar?” e “para quem ensinar?”. Portanto, a questão do método – o caminho a ser percorrido e os procedimentos a serem utilizados no desenvolvimento da atividade cognitiva, em termos de disciplina do trabalho intelectual, de organização racional do pensamento e de maior rigor na orientação das informações – constitui elemento significativo para avaliar os problemas da estrutura dos cursos jurídicos num dado contexto histórico-social e valorativo das discussões epistemológicas. Enquanto pressuposto de toda reflexão científica e de toda pesquisa acadêmica, o método permite, no âmbito didático-pedagógico, conquistar um novo valor paradigmático ao ensino do Direito.

Com efeito, vê-se na teoria crítica habermasiana uma possibilidade de tornar os indivíduos conscientes da exclusão, da opressão e do processo de dominação, buscando, assim, uma alternativa para os problemas humanos. Ora, as relações horizontais constitutivas da dinâmica da ação dialógico-comunicativa envolvem interações linguisticamente mediadas entre sujeitos na qual e pela qual os interesses e intenções de todos os envolvidos possam ser compartilhados. Tais interações possibilitam que cada participante reconheça a si mesmo e o outro como sujeito, isto é, como capazes de participar livre e reflexivamente nas deliberações que afetam a si próprio e ao outro numa relação social de igualdade.

A teoria crítica habermasiana reforça a possibilidade de instaurar espaços comunicacionais livres necessários para a compreensão, o esclarecimento e a emancipação dos indivíduos. Pretende-se, pois, corroborá-la como paradigma fundamental ao desvelamento da crise do ensino do Direito, bem como apoiá-la como sustentáculo de um novo processo de aprendizagem do Direito.

AÇÃO COMUNICATIVA COMO PRESSUPOSTO epistemológico da racionalidade prática

Ao desenvolver a teoria do agir comunicativo, Habermas empenhou-se a reconstruir os fundamentos normativos da práxis social e formular uma teoria crítica para a explicação

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das patologias sociais, permitindo a emergência de um novo e mais amplo conceito de racionalidade.

Habermas denuncia a crise da razão, mas não da razão como um todo, mas de uma forma reducionista e atrofiada de razão que tem sido fortalecida ao longo dos últimos séculos. Habermas propõe resgatar o potencial comunicativo da razão, submetendo à crítica a concepção positivista de razão e questões da convivência humana; vem propor uma nova compreensão de razão, explorando a comunicação entre as diferentes experiências dos atores a partir das particularidades e da pluralidade do mundo da vida. Habermas (1990b, p. 81) diz que “não é propriamente a razão que está em crise, mas uma forma atrofiada e reducionista de razão que se fez dominante nos últimos séculos, fazendo-se necessário resgatar o potencial de criticidade por meio da elaboração de uma teoria ampla de racionalidade”.

Contrário ao determinismo social da razão instrumental, base da interpretação pessimista dos teóricos frankfurtianos, GARCIA (1999, p. 73) destaca:

Habermas procura situar adequadamente a razão instrumental no bojo de uma teoria mais ampla da racionalidade, que inclui também as dimensões prático-morais e estéticos-expressivas, rejeitando qualquer relação necessária que se possa estabelecer entre a racionalização técnica e a racionalização social. Na verdade, segundo Habermas, a racionalidade cognitivo-instrumental só se torna nociva à emancipação de uma sociedade, quando ela sai da sua esfera própria e pretende substituir a racionalização social, nas suas esferas específicas das interações sociais mediadas linguisticamente. Em outras palavras, o problema não é a razão técnica enquanto tal, mas a sua universalização, que obscurece a possibilidade de elaborar um conceito mais compreensivo de razão em favor da validade exclusiva do pensamento científico e tecnológico.

Na linha da reflexão habermasiana, no que se refere à reconstrução do conceito de racionalidade, compreende-se que o paradigma da subjetividade, tributária da filosofia da consciência, dá lugar ao paradigma da filosofia da linguagem, do entendimento intersubjetivo ou da comunicação e insere a dimensão parcial – cognitiva-instrumental – em uma racionalidade mais ampla – a comunicativa. Através deste novo conceito de racionalidade ampliam-se as possibilidades de coordenara as ações sem recorrer à coerção e de solucionar consensualmente os conflitos de ação.

Deste modo, segundo GARCIA (1999, p. 87), Habermas alcança seu intento de reconceituação da mediação normativa do nexo teoria-práxis, para além da relação entre racionalização social e reificação desenvolvida por Horkheimer e Adorno, com base em Lukács e Weber, e de distinção entre o agir racional-teleológica e agir comunicativo, a partir de sua crítica ao materialismo histórico. Com Habermas, com base no giro pragmático, a razão resgata sua pretensão emancipatória.

As fissuras do conteúdo normativo da modernidade também atingem as bases de legitimação da educação e do direito, dentre outras formas da práxis social que envolve a interação dos sujeitos de ação. Deste modo, em razão de sua fecundidade, a teoria do

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agir comunicativo permite avaliar os déficits teóricos que atingem a prática jurídica e seu ensino na contemporaneidade.

Segundo o próprio Habermas, a teoria do agir comunicativa tem por escopo três finalidades que se relacionam entre si, organizam-se da seguinte forma: a) desenvolver um conceito de racionalidade que não esteja limitado pelas premissas subjetivistas e individualistas da filosofia da consciência; b) construir um conceito de sociedade em dois níveis, que integre sistema (Estado e pelo mercado burocrático) e mundo da vida (modelos culturais, as ordens legítimas e as estruturas de personalidade) e c) buscar uma teoria crítica da modernidade que analise e encontre as causas de seus problemas.

Resgatar o potencial comunicativo e ampliar o conceito de racionalidade expande o horizonte no campo das Ciências Sociais, uma vez que põe como foco principal às interações sociais do ser humano. Habermas, ademais, tematiza e reconstrói as condições da convivência humana, ou seja, da interação entre sujeitos competentes que utilizam a linguagem com a finalidade de se entenderem sobre o mundo em que vivem, através das tradições culturais, das solidariedades sociais e das identidades individuais.

Segundo Habermas, o único caminho possível para a emancipação são as ações constituídas no e orientadas ao entendimento. A meta do entendimento é a produção de um acordo, que termine na comunidade intersubjetiva da compreensão mútua, do saber compartilhado, de confiança recíproca e da concordância de uns com outros. O acordo descansa, respectivamente, sobre a base do reconhecimento de quatro pretensões de validade: inteligibilidade, verdade, veracidade e retitude (HABERMAS, 1989, p. 301).

Na ação comunicativa, pode-se avaliar o acordo alcançado pelo entendimento, em cada caso, pelo reconhecimento intersubjetivo das pretensões de validade, implícitas em qualquer ato de fala. Sobre o entendimento mútuo enquanto mecanismo da coordenação das ações comunicativas, Habermas afirma: “Entendimento significa a obtenção de um acordo entre os participantes na comunicação acerca da validez de uma emissão” (HABERMAS, 2003, II, p. 171). Como se pode observar, o entendimento não se constitui no objetivo final da interação entre os sujeitos, mas um “processo de obtenção de um acordo entre sujeitos lingüisticamente e interativamente competentes” (HABERMAS, 2003, I, p. 143). Os processos de entendimento mútuo visam um acordo que depende do assentimento racionalmente motivado ao conteúdo de um proferimento. O acordo não pode ser imposto à outra parte como também não pode ser extorquido ao adversário por meio de manipulações estrategicamente elaboradas. Este acordo assenta-se sempre em convicções comuns determinadas pela razoabilidade argumentativa nos espaços discursivos.

No contexto do agir comunicativo, portanto, a linguagem deixa de possuir um uso puramente instrumental-cognitivo e a de ser abordada apenas como tal, sendo a orientação consensual a que deve nortear a interação dos sujeitos envolvidos: o paradigma monológico da filosofia da consciência – a da auto-referência que marca o conhecimento e agir determinado pela relação epistêmica sujeito-objeto – é substituído pelo paradigma da compreensão mútua. O resgate da dimensão intersubjetiva da linguagem traz implícita uma nova idéia de objetividade que remete à relação sujeito-sujeito na dinâmica da ordem social, não sendo considerada tão-somente como uma simples representação da realidade tal como ela é. Esta concepção paradigmática de interação mediada linguisticamente que constitui as ações orientadas ao entendimento

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mudou o padrão da objetividade epistêmica, que abandona a certeza privada de um sujeito que passa por experiências para a prática pública de justificação dentro de uma comunidade comunicativa. A objetividade da experiência centrada no sujeito agora é assimilada à intersubjetividade do entendimento (GARCIA, 2005, p. 104).

Submetida a falibilidade, a racionalidade comunicativa apresenta um caráter processual, que abre espaço à contingência e à pluralidade, sem abandonar as pretensões de validade universal. Segundo GARCIA (2005, p.105), o entendimento, no pensamento habermasiano, apresenta-se como um conceito normativo, que se radica no próprio conceito de linguagem, isto é, que constitui o telos imanente da comunicação lingüística. Deste modo,

[...] o entendimento funciona como mecanismo coordenador da ação do seguinte modo: os participantes da interação,ao efetuarem atos de fala, desde que possam compreender-se acerca da inteligibilidade das expressões simbólicas empregadas nos enunciados que proferem, se colocam de acordo com a validade que pretendem para suas emissões, isto é, reconhecem intersubjetivamente as pretensões de validade que se referem (a) à verdade acerca do estado-de-coisas no mundo objetivo, isto é, a pretensão de que o enunciado seja verdadeiro ou que se cumpram, com efeito, as condições de existência do conteúdo proposicional mencionado; (b) à sinceridade ou autenticidade das locuções apresentadas que exprimem os sentimentos incluídos no mundo subjetivo, de tal forma que os ouvintes possam considerar o seu discurso crível, após verificada a consistência de seu comportamento; (c) à adequação às normas e valores de modo que os falantes possam concordar mutuamente sobre uma base normativa reconhecida, isto é, a pretensão de que a ação reivindicada seja correta por referência a um contexto normativo vigente ou de que o contexto normativo a que a ação se atém seja reconhecido como legítimo. Portanto, todo sujeito que participa em uma comunicação na busca processual do entendimento pretende se expressar inteligivelmente, estar dando a entender algo que seja reconhecido como verdadeiro, estar dando-se a entender a si mesmo sendo reconhecido como sincero e, por fim, possuidor de intenções normativas reconhecidas, pretende estar se entendendo com os outros.

No paradigma da intersubjetividade, altera-se o enfoque da ação humana, isto é, de um enfoque objetivamente da consciência em relação ao mundo sobre o qual se atua para o enfoque performativo de sujeitos que interagem buscando entender-se sobre algo no mundo que se inserem e atuam. A relação comunicativa só pode ser efetivada partindo de uma relação entre sujeitos livres e iguais que, por sua inserção crítica e ativa em práticas discursivas, pensam e agem visando um acordo ou entendimento na coordenação da ação. Assim, segundo GARCIA (2005, p. 122), considerando o substrato ético-normativo do entendimento construído e alcançado intersubjetivamente em práticas comunicativas mediadas linguisticamente, se pode conceber que a legitimação de princípios e normas funda-se em procedimentos argumentativos e discursivos que se orientam, na perspectiva emancipatória, para a construção de sentidos humanos compartilhados de forma solidária e comunicativa.

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Requer-se, pois, a constituição de uma ética do discurso, ocupada com o estabelecimento de regras e condições que garantam a racionalidade da argumentação e a legitimidade dos consensos construídos comunicativamente. Tal aplicação, por seu turno, requer procedimentos, procedimentos institucionalizados e procedimentos (meramente) cognitivos, realizados no âmbito dos primeiros, em que se dá o confronto das diversas argumentações, criando assim as condições para discussões e decisões, cuja racionalidade se pode aferir, na medida em que são objetivamente fundamentadas.

Em suma, a teoria do agir comunicativo apresenta uma análise das diferentes formas de interação humana, destacando nelas distintos mecanismos de coordenação de ações, modelos de racionalidade e paradigmas filosóficos. Seu objetivo centra-se em construir uma teoria crítica da sociedade e em denunciar a crise da razão e a perda da capacidade do ser humano de objetivar criticamente o mundo em que vive.

Proponho que entendamos as sociedades simultaneamente como sistema e como mundo da vida. Este conceito dual de sociedade se apóia na teoria da evolução social, que faz a distinção entre racionalização do mundo da vida e o aumento da complexidade dos sistemas sociais (HABERMAS, 2003, II, p. 168).

A teoria do agir comunicativo é, portanto, uma maneira reflexiva de observar o processo social e apontar as patologias sociais. Apresenta-se como uma forma de descrever criticamente a razão funcionalista e de iniciar um processo de crítica social na busca da emancipação e do esclarecimento. A emancipação, no contexto da teoria do agir comunicativo, admite a participação ativa do indivíduo, exige responsabilidade de sua parte, como indica Habermas (1993, p. 99) ao afirmar que:

Emancipação tem a ver com libertação em relação a parcialidades que, pelo fato de não resultarem da casualidade da natureza ou das limitações do próprio entendimento, derivam, de certa forma, de nossa responsabilidade, mesmo que tenhamos caído nelas por pura ilusão.

São, pois, essas correspondências estruturais entre atos de fala comunicativos e a reprodução dos componentes simbólicos do mundo da vida que garantem ao conceito de ação comunicativa toda sua fecundidade teórica no campo das ciências sociais.

Sob o aspecto funcional do entendimento, a ação comunicativa serve à tradição e à renovação de saber cultural; sob o aspecto de coordenação da ação, serve à ação social e ao estabelecimento de solidariedade; sob o aspecto de socialização, finalmente, a ação comunicativa serve ao desenvolvimento de identidades pessoais [...] A esses processos de reprodução cultural, de integração social e de socialização correspondem, como componentes estruturais do mundo da vida, a cultura, a sociedade e a personalidade. (HABERMAS, 1989, p. 497).

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Para que possamos entrar, portanto, no âmbito da Educação através de reflexões a respeito de interações sociais, faz-se necessário, traçarmos em breves linhas as relações entre educação e racionalidade na perspectiva habermasiana.

A aprendizagem na ótica habermasiana

Se concordarmos que as tarefas gerais dos processos educativos se colocam no contexto da reprodução da cultura, da sociedade e da personalidade, então a pertinência do conceito de ação comunicativa para a educação é uma decorrência lógica. A propósito HABERMAS (1993, p. 105), nesse sentido afirma que:

Quando os pais querem educar os seus filhos, quando as gerações que vivem hoje querem se apropriar do saber transmitido pelas gerações passadas, quando os indivíduos e os grupos querem cooperar entre si, isso é, viver pacificamente com o mínimo de emprego de força, são obrigados a agir comunicativamente.

As situações mencionadas por Habermas correspondem, em nosso ver, às três grandes tarefas educativas: a formação de identidade, a reprodução cultural e a integração social. Assim podemos dizer que é no horizonte dessa tríplice tarefa que a escola “instituição fundamental da esfera do agir comunicativo” (OLIVEIRA, 1989, p. 24), encontra o sentido exato de suas contribuições e de suas finalidades a perseguir:

A escola, por sua própria natureza, exerce um papel fundamental na transmissão cultural, na socialização e na construção da personalidade individual, isto é, na reprodução das estruturas simbólicas do mundo da vida, e, portanto, para o seu bom funcionamento ela dever ser regulada pelos processos de ação comunicativa com vistas a alcançar o entendimento (PINTO, 1996, p. 152).

Estabelece-se, dessa forma, um parâmetro para o diagnóstico de muitas das patologias no campo da educação. Patologias que, à luz de nossas referências, podem ser identificadas, por um lado, como desvios da comunicação, isto é, como situações em que a linguagem já não é utilizada para a busca do entendimento, mas para finalidades como o constrangimento, a imposição, a manipulação, etc. e, por outro, como cerceamento dos espaços do agir comunicativo, pelo avanço dos mecanismos sistêmicos de controle sobre âmbitos do mundo da vida.

Como atividade lingüisticamente mediada, que possibilita aos sujeitos entenderem-se sobre o mundo, coordenarem suas ações e afirmarem-se como identidades pessoais, a educação realiza-se, segundo MARQUES (1993, p. 108), como processo de “alargamento do horizonte cultural, relacional e expressivo”. Alargamento que implica, necessariamente, a revisão crítica e criativa dos saberes culturais, dos padrões de convivência e dos modos de ser e de expressar.

De igual forma, o conceito habermasiano de racionalidade relaciona-se tanto com capacidade dos sujeitos de falarem e agirem em espaços discursivos e na coordenação das ações, utilizando o saber, como com a produção do saber propriamente dito. Importa

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dizer: a racionalidade comunicativa corresponde à capacidade de fazer acordos sem coação, de gerar consensos através da fala argumentativa, onde diversos participantes superam a subjetividade inicial de seus respectivos pontos de vista em favor de uma comunidade. A este mecanismo analítico, Habermas vai denominar de “situação ideal de fala”.

Chamo ideal a uma situação de fala em que as comunicações não somente não vêem impedidas por influxos externos contingentes, mas também pelas coações que derivam da própria estrutura da comunicação. A situação ideal de fala exclui as distorções sistemáticas da comunicação. E a estrutura da comunicação deixa de gerar coações só se para todos os participantes no discurso está dada uma distribuição simétrica de oportunidades de eleger e executar atos de fala (HABERMAS, 1989, p. 153).

Como foi destacado anteriormente, o entendimento comunicativamente construído ocorre quando os participantes unem-se através da validade de seus atos de fala, em uma ação comunicativa, pressupõe três pretensões de validez: a) a pretensão de que o enunciado seja verdadeiro; b) a de que seja correto em relação ao contexto; e c) a de que o expresso pelo falante coincida com o que ele pensa. Desta forma, a dimensão da aprendizagem sai do âmbito individual para firmar-se na esfera social, deixando revelar que, embora a evolução pode se fundar sobre capacidades individuais de aprendizado,

[...] não significa, entretanto, que o processo evolutivo depende exclusivamente das capacidades de aprendizagem dos membros individuais da sociedade. Fator relevante são as estruturas de consciência partilhada coletivamente, as quais são dotadas de conhecimentos empíricos e convicções morais, que contribuem para o processo evolucionário quando utilizadas socialmente (BANNWART JÚNIOR, 2008, p. 209).

Tal processo é de tamanha valia à emancipação do sujeito que, conforme esclarece BANNWART JÚNIOR (2008, p. 212), “quando a ação comunicativa é dissolvida na prática social, permitindo a tematização discursiva, não se tem apenas uma orientação para o entendimento mútuo, mas também de resolução de problemas e/ou correções normativas que por si só configura um potencial processo de aprendizagem”. Desta forma, quanto maior for o grau de racionalidade comunicativa, maior será a possibilidade de coordenar ações sem recorrer a coerções e de solucionar consensualmente os conflitos. Nela excluem-se as distorções sistemáticas do processo de comunicação o que permite distinguir os consensos enganosos dos consensos fundados.

A racionalidade sob a ótica habermasiana se resgata da capacidade de entendimento linguisticamente mediada entre os sujeitos, enquanto capacidade de argumentação, de troca e de diálogo, e não enquanto mera capacidade de utilização de um instrumento de transmissão de informação à semelhança do método reducionista predominante na educação do Direito. Assim como os modelos de racionalidade, os paradigmas filosóficos também se distinguem sob o ponto de vista das relações que o homem estabelece ao realizar suas ações:

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[ou o paradigmático é] a relação de um sujeito solitário com algo no mundo objetivo, que pode ser representado e manipulado [...], [ou o paradigmático é] a relação intersubjetiva que estabelecem os sujeitos capazes de linguagem e de ação quando se entendem entre si sobre algo. (HABERMAS, 2003, I, p. 499).

A utilização não comunicativa da razão é chamada por Habermas de “manipulação instrumental da linguagem”, que toma o mundo de forma ontológica como soma de tudo e onde as ações têm fundamentalmente o caráter de intervenções visando alcançar um determinado propósito. A utilização comunicativa constituiria, de outro modo, no entendimento a partir do qual o mundo é tomado de forma fenomenológica ao perguntar-se reflexivamente sobre as circunstâncias daqueles que se comportam racionalmente, questionando o mundo objetivo. Portanto, é justamente este entendimento construído comunicativamente o responsável pela segurança e manutenção do contexto de mundo da vida.

Assim, para que a educação potencialize-se plenamente enquanto ação comunicativa é importante que os saberes científicos, os valores culturais, as normas sociais, enfim, tudo o que é apresentado como conhecimento, seja percebido como entendimento historicamente construído, passível de revisão, “abrindo-se à tematização crítica e à suscetibilidade de correção” (BANNWART JÚNIOR, 2008, p. 217).

Segundo FÁVERO (2003, p.31), ao analisar a educação na perspectiva do paradigma da comunicação, com base nas análises de MÜHL (2003), afirma que:

[...] pensar a educação numa perspectiva habermasiana implica reacoplá-la ao mundo da vida e transformar a escola num espaço público onde são apropriadas as conquistas socioculturais da humanidade de modo crítico e criativo a fim de contribuir para a formação de uma visa global e concreta da realidade, podendo, assim, identificar as patologias e redirecionar o agir social.

Ainda segundo FÁVERO (2003, p. 31), a própria filosofia passa a ter um novo papel no projeto habermasiano. Não é mais sua função oferecer um conhecimento totalizador como a tradição lhe atribuía, nem a função profética de prever o futuro, nem de fazer a crítica externa da vida social e, menos ainda, ser responsável pela reconstrução da lógica da ciência , como queriam os neopositivistas ligados ao Círculo de Viena. Para Habermas, uma das tarefas que a filosofia contemporânea deveria assumir, seria o entendimento da razão crítica que, por sua vez, rejeita o projeto de desenvolver uma teoria que proponha verdades universais a respeito da natureza humana. Por isso, não é função da filosofia orientar as demais ciências, nem indicar o lugar delas, muito menos ser a juíza suprema da cultura. A filosofia, enquanto guardiã da racionalidade, assume a função de intérprete hermenêutica a fim de devolver ao saber em geral, por meio da cooperação entre as diferentes ciências, a pretensão de unidade e universalidade. Ora, algo que aparentemente possa ser irracional para determinado grupo, pode ser normalmente aceito por outro grupo, com outras práticas sociais, pois toda cultura estabelece suas próprias crenças e práticas, compartilhadas através da linguagem, mesmo por que, todas as práticas sociais estão circunscritas pela linguagem.

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Considerando a derrocada metafísica acerca da existência de verdades universais, parece claro que nos contextos discursivos apresentados por Habermas – contextos intersubjetivos mediados linguisticamente – , os sujeitos envolvidos assumam a responsabilidade pelo desenvolvimento da racionalidade crítica e comunicativa. Faz-se necessário, portanto, uma reflexão que, à luz da racionalidade comunicativa, proponha uma compreensão modificada do que seja propriamente ter um saber ou um conhecimento. Neste contexto e, a partir desta compreensão, é que o processo de uma educação crítica e reflexiva do Direito se insere, se justifica e que visamos propor.

Ação comunicativa e redimensionamendo paradigmático da aprendizagem do direito

Toda prática pedagógica envolve processos interativos, porém, uma pedagogia tradicional tende a cercear a ação comunicativa porque se utiliza de mecanismos constrangedores e manipuladores que controlam o mundo da vida de forma sistêmica.

Uma educação alicerçada nos pressupostos da racionalidade comunicativa, ao contrário, visa alargar os horizontes culturais, relacional e expressivo pela revisão dos saberes, dos padrões de convivência, dos modos de ser e se expressar. Uma educação comunicativa requer a estruturação dos processos educativos para que se torne em uma ação intersubjetiva, uma troca entre sujeitos em busca do entendimento consensual sobre o mundo.

Será uma escola que deixa de ser mera reprodutora de conhecimentos e passa a se apropriar deles; a pedagogia nessa escola passa a ser a interpretação da sala de aula como ambiente enriquecido por relações dialógicas entre educadores e educandos.

O conhecimento é a compreensão inteligível de realizada, que o sujeito humano adquire através de sua confrontação com essa mesma realidade. Ou seja, a realidade exterior adquire, no interior do ser humano, uma forma abstrata pensada, que lhe permite saber e dizer o que essa realidade é. A realidade exterior se faz presente no interior do sujeito do pensamento. (LUCKESI, 1991, p. 122).

Visto como produtor de uma relação argumentativa entre sujeitos, o conhecimento, em sua concepção comunicativa, acentua, sobretudo, o caráter histórico da educação e dos saberes por ela veiculados. Nada do que está posto se apresenta como verdade absoluta; todas as possibilidades podem ser vazias se não nos atermos para a possibilidade da invasão do sistema, que pode conduzir a perda de identidade coletiva e alienação social, o que dificulta a própria formação do ser humano enquanto indivíduo e pode levar a perda do sentido da educação que, por sua vez, conduz novamente à perda da identidade coletiva, tornando-se este um círculo vicioso.

Assim, os saberes veiculados, bem como os valores ensinados, se tornam objeto de discussão e de redefinição a partir do momento em que novas questões forem levantadas e o consenso, a seu respeito, deixar de existir. Os conhecimentos escolares, à luz desse

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entendimento, constituem complexos de relações construídos pelo processo de mútuo entendimento e aparecem sob formas de conceitos.

Por isso, de frente a um conteúdo de saber a atitude passiva e resignada deve dar lugar à suspeita crítica e à audácia criadora. A escola, dessa forma, deixa de ser o lugar da mera reprodução, repetição, cópia de conhecimentos, para tornar-se o lugar da sua problematização, da sua apropriação crítica, de lócus privilegiado de condução da racionalização argumentativa.

Essas vicissitudes sobre da educação deixa transparecer, não só a necessidade de mudança, de uma verdadeira transformação, mas também a visão de uma crise, de uma ruptura de modelo que até hoje o ensino do Direito vem praticando.

O paradigma conservador, caracterizado pela pedagogia tradicional e tecnicista, direciona o aluno à submissão, ato reflexo à passividade. Com efeito, na recorrente mecanização da ordem normativa, todos os olhares se voltam para a paisagem tecnicista, o mandamental domínio do “saber fazer” – não há tempo para a contemplação dos problemas, para especulações mais profundas. “O efêmero e o volátil parecem derrotar o permanente e o essencial”. (BARROSO, 2001)

Assim se pode encarar o ensino operado na academia de Direito; cinge-se a uma visão parcial e míope, calcada em tradições que melancolicamente se arrastam por anos, isenta de uma revigorante atualização. Trata-se em verdade de método-fator proibitivo do próprio processo de aprendizado do alunado.

Neste contexto, o conceito de agir comunicativo torna-se importante para compreender a idéia de uma educação crítica e reflexiva que procuramos defender. Se as interações sociais assumem, nesta teoria, papel central, evidencia-se, portanto, sua fecundidade para a questão da educação, uma vez que a educação é fundamentalmente e antes de tudo uma ação social, uma interação. É o exemplo da abordagem progressista de pedagogia.

No bojo do próprio processo argumentativo, a possibilidade de crítica, que se faz presente, denota as condições de se aprender com os erros identificados, fazendo com que o conceito de aprendizagem utilizados por Habermas seja visto como causa e fomento de sua teoria da evolução social. (BANNWART JÚNIOR, 2008, p. 217).

Esse modelo educacional vem reconstruir a subjetividade pela dimensão da intersubjetividade provocada pela racionalidade comunicativa que explora o potencial de linguagem e entendimento entre os homens. Dessa forma, os processos pedagógicos serão procedimentos dialógicos desenvolvidos no mundo da vida, e a aprendizagem será a estimulação da capacidade discursiva para compartilhar saberes e normas que surgem dos consensos.

Em cada fase de uma interação, ainda que só seja de forma vaga e intuitiva, podem saber se, de frente aos demais participantes, estão adotando uma atitude estratégica-objetivante ou uma atitude orientada ao consenso (HABERMAS, 1989, p. 456)

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Igualmente à perspectiva habermasiana calcada no paradigma dialogal a abordagem progressista e sistêmica coadunam com o pressuposto central de transformação social, instigação ao diálogo, superação da fragmentação do conhecimento, participação crítica e reflexiva dos alunos e dos professores, etc.

Logo, tomar como base uma teoria crítica da sociedade à luz comunicacional habermasiana possibilita reflexões aprofundadas em torno da aprendizagem como um todo, de suas funções e possibilidades, eis que compatível às novas perspectivas pedagógicas, bem como, por outro lado, rebate e desloca os lados negativos da pedagogia conservadora.

Assim sendo, os processos pedagógicos de aprendizagem têm a finalidade de produzirem “novas competências nos campos da cultura, da vida em sociedade e da expressão das personalidade libertas de qualquer amarra”. (MARQUES, 1993, p. 111)

A educação, neste sentido, possibilita um alargamento de horizonte cultural através da revisão crítica e criativa dos saberes culturais. Se for interagindo comunicativamente que os agentes constroem e negociam sentidos e estruturas sociais, a noção de educação deve estar além da noção formal desenvolvida pela escola, estendendo-se para toda a sociedade.

O universo, enfim, é relacional, no qual há integração sujeito-sujeito e, portanto, há dependência do ser em relação ao seu ambiente geral, ou seja, o contextualismo. A realidade só será revelada ao indivíduo por meio de uma construção ativa na qual ele participa.

Dentre essas dificuldades, encontramos, no caso do Brasil, os problemas relacionados à política educacional que não prevê uma prática coerente com o novo modelo do paradigma emergente; com propostas pedagógicas que não contemplam a educação como um sistema aberto que comporta indivíduos com diferentes estilos cognitivos e ainda, continuam oferecendo uma educação fechada em que todos são considerados como iguais, uma educação dissociada do mundo da vida, da realidade do sujeito da educação. O paradigma emergente aponta para o

[...] resgate do ser humano, com base em um visão sistêmica, ecológica, interativa, indeterminada. O aluno passará a ser visto como aquele ser que aprende, que atua na sua realidade, que constrói o conhecimento não apenas usando o seu lado racional, mas também utilizando todo o seu potencial criativo, seu talento, a sua intuição, o seu sentimento, as suas sensações e as suas emoções (MORAES, 1998, p. 94).

Esse quadro requer novo processo de aprendizagem, um novo método pedagógico e de práticas que integrem razão e emoção, que promovam o potencial humano e que facilitem a cooperação e solidariedade nas relações humanas.

Assim, parece-nos bastante oportuno atentar para a teoria habermasiana principalmente porque ela aponta para o caminho dialógico que busca a validez lingüística dos atos

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intersubjetivos praticados na vivência cotidiana, tudo como forma de se obter o entendimento consensual que vem ao encontro dos anseios das sociedades pós-modernas, que buscam se estruturarem solidariamente.

A linguagem é o médium de toda ação social. O que marca a principal diferença no agir comunicativo é o fato de que o mecanismo de coordenação da ação é um processo discursivo para se alcançar um entendimento mútuo. Assim, o agir comunicativo é a forma de ação que tem o maior potencial para encadear processos de aprendizagem, tanto no nível individual quando no nível coletivo. É por meio desse tipo de ação social que a racionalização da sociedade alcança seu nível mais avançado e que, portanto, a razão se manifesta na história. (BANNELL, 2006, p. 48 apud BANNWART JÚNIOR, 2008, p. 224).

Segundo as idéias de Habermas, portanto, não seria eliminar o conteúdo da escola, mas adicionar a ele sempre um comportamento crítico. A educação comunicativa, centrada na intersubjetividade, propõe três grandes tarefas: reprodução cultural (apropriação de saberes), formação da identidade e integração social.

A escola deve ter como objetivo tanto fazer com que o aluno aprenda o conteúdo ensinado, como fazer com que desenvolva uma postura crítica perante as informações e perante a realidade na qual se encontra inserida e que possa, assim, exercer, plenamente, sua criatividade, individualidade e cidadania. Afinal, pesquisar é pensar, refletir, ler, discutir, perguntar, criticar, descobrir, enfim, é buscar uma visão, uma explicação, uma idéia, uma solução para as perguntas e problemas que nos movimentam e interessam; é construir, formar e organizar um pensamento (próprio ou não); é alcançar um resultado que apazigúe ou que confirme a inquietude inicial. Saber pesquisar é uma maneira para enfrentar qualquer desafio novo, e a vida dos profissionais é uma constante renovação destes desafios.

Segundo BOUFLEUER (1997, p. 54), a educação comunicativa é responsável por um “alargamento” do horizonte cultural, que implica na revisão crítica e criativa dos saberes culturais, dos padrões de convivência e dos modos de ser e de expressar. Para que este alargamento ocorra, é importante, no entanto, que saberes científicos, valores culturais, normas sociais, enfim tudo o que representa o conhecimento seja percebido como um entendimento historicamente construído e, portanto, inacabado e passível de revisão e de transformação.

Numa concepção comunicativa de educação, portanto, a escola não deve ter por objetivo negar as dinâmicas sistêmicas, mas privilegiar uma perspectiva de análise centrada nas possibilidades inerente ao mundo da vida e “dar primazia ao papel criativo dos atores sociais e aos modos de construir, reconstruir e negociar os significados sociais do mundo” (BERNSTEIN, 1994, p. 142).

Diferente do que se encontra recorrente nos modelos tradicionais na história da educação no Brasil, e especificamente na do ensino do Direito, intensificar o aspecto humano da formação, através da ênfase na reflexão e discussão crítica, torna-se especialmente importante na atual época em que emergem novas concepções sobre o mundo, aceleradas reformatações pelas quais passam a ciência, a economia e a política,

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dentre outras. Tais fatores são mais que suficientes para provocar graves fissuras no modo de ver o Direito e a tão propalada justiça social: crise dos paradigmas sociais, crise do Direito, crise dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), etc.

Destarte, se pactuarmos com uma educação comunicativa, que atenda o processo ensino-aprendizagem como um espaço discursivo de assimilação dialógico-crítica e de produção do conhecimento a partir da realidade e do contexto no qual se insere, certamente atender-se-á tanto os interesses técnicos e práticos quanto aos conhecimentos instrumentais e ao controle de objetos, mas deve, sobretudo, ser emancipatória, ou seja, visar expor e, com isto, “desmoronar” as condições alienantes e paralisantes que envolvem o mundo da vida.

Em última análise, trata-se da opção por um modelo de racionalidade que conduzirá ao aperfeiçoamento e atualização do ensino do Direito em contraposição ao modelo anterior, estagnado e petrificado; será a implementação de uma mudança de paradigmas que implica tomarmos a linguagem como ponto de partida para a abordagem do tema do conhecimento no âmbito acadêmico do ensino do Direito. Em suma:

Enquanto os conceitos básicos da filosofia da consciência impuserem que se compreenda o saber exclusivamente como saber de algo no mundo objetivo, a racionalidade limita-se ao modo como o sujeito isolado se orienta em função dos conteúdos das suas representações e dos seus enunciados. A razão centrada no sujeito encontra os seus [critérios em] padrões de verdade e sucesso que regulam as relações do sujeito que conhece e age com o mundo dos objetos possíveis ou dos estados de coisas. Quando, pelo contrário, entendemos o saber como transmitido de forma comunicacional, a racionalidade limita-se à capacidade de participantes responsáveis em interações orientarem-se em relação a exigências de validade que assentam sobre o reconhecimento intersubjetivo. A razão comunicacional encontra os seus critérios no procedimento argumentativo da liquidação direta ou indireta de exigências de verdade proposicional, justeza normativa, veracidade subjetiva e coerência estética. (HABERMAS, 1990a, p. 291).

O desenvolvimento da racionalidade comunicativa configura-se como ato educativo dado que permite a interpretação das manifestações simbólicas dos sujeitos que encarnam saberes partilhados intersubjetivamente nos contextos e nos enunciados do mundo da vida.

Enfim, possibilitar a construção temática de um conteúdo de saber dentro do processo dialógico-comunicativo significaria, na perspectiva do paradigma da comunicação intersubjetiva, apresentar pedagogicamente as razões que o tornam um saber válido. É nesse sentido que podemos falar de reconstrução do processo de aprendizagem no ensino do Direito.

Ensaios pragmáticos do uso do agir comunicativo no ensino do direito: por uma formação crítico-reflexiva

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Tratando-se esta pesquisa de ensaio voltado ao método do ensino jurídico na contemporaneidade, o que se propôs à luz da concepção paradigmática do agir comunicativo habermasiana, creio ser nosso dever desenvolver, ao menos, idéias norteadoras para a realização de um projeto comunicativo no âmbito do ensino do Direito.

Assim, a partir da racionalidade comunicativa carece reinventar a prática pedagógica nos cursos jurídicos utilizando-se para isso de procedimentos didáticos alternativos que conjuguem o aprendizado da ciência com outras formulações de racionalidade. Para tanto é preciso que os processos de aprendizagem da ciência e da técnica sejam sempre amparados na criticidade criativa.

Para a área jurídica é indispensável à adoção do agir comunicativo, pois o sistema legal só se impõe legitimamente a partir da ação de cidadãos livres e, por sua vez, a pretensão à legitimidade só é possível quando a implementação da norma é submetida ao processo discursivo que garanta a partição de todos.

Considerando a aprendizagem do Direito à luz da ética do discurso, podemos, em resumo, compreender que o entendimento mútuo construído comunicativamente por meio de processos discursivos mediados comunicativamente confere as bases de legitimidade da educação jurídica, consolidando-se respeito tanto no aspecto técnico-formal (sistema jurídico), como em sentido deontológico (sistema suprajurídico) de adequação argumentativa pelo elemento democrático.

Em outras palavras: “o aprender evolutivo se faz baseado no aprendizado de idéias jurídicas e morais que contemplam novas imagens de mundo e, por sua vez, permitem a reorganização dos sistemas de ação e a configuração de novas formas de integração social” (BANNWART JÚNIOR, 2008, p. 218).

Ora, as normas são válidas quando todos os participantes as consideram justas. Para Habermas a “liberdade comunicacional” se realiza quando todos participarem do discurso, com independência e autonomia, tomam posições e reconhecem as pretensões de validade dos envolvidos. A todos deve ser assegurada a participação na implementação dos direitos.

Para a consecução dessa ação, em primeiro lugar parece necessário que os agentes do processo de aprendizagem cheguem a um consenso a respeito das regras que vão reger as discussões, fundamentando e justificando essas regras. Para que os participantes alcancem um consenso verdadeiro, é também fundamental que cheguem a um entendimento sobre questões de cunho filosófico e pedagógico, que estão na base de uma ação comunicativa de cunho interdisciplinar. Ou seja, se faz necessário embasar o alunado sobre o processo cognitivo que se desenvolverá na busca pelo conhecimento, e qual serão seus pressupostos de desenvolvimento, ou seja: intersubjetividade e consenso.

Essas questões referem-se, primeiramente, a concepções de educação e conhecimento. Pensamos que seja impossível chegar a um consenso real, se os participantes não partilharem de concepções básicas comuns, ou se ao menos não tiverem claramente explicitadas as concepções de todos. Vale dizer, um processo de ação comunicativa deve ter em seu bojo um princípio de não-dominação, na medida em que se buscam a

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participação de todos os elementos do grupo e o consenso em relação às próprias regras que vão orientar as discussões.

Para que o entendimento funcione como mecanismo coordenador da ação, é necessário que os participantes na interação ponham-se de acordo acerca da validade que pretendem para suas emissões ou manifestações, isto é, que reconheçam intersubjetivamente as pretensões de validade com que se apresentam diante dos outros. O consenso, ou seja, o acordo alcançado comunicativamente, realiza-se simultaneamente nos três planos e se mede por essas três pretensões de validade suscetíveis de crítica. Quem rejeita a oferta feita com um ato de fala que foi entendido questiona pelo menos uma dessas três pretensões. Com base nas pretensões de validade, nas reuniões os participantes ao tentarem se aproximar da situação ideal da fala deverão reunir esforços no sentido de preencher as seguintes condições ético-discursivas:

Todos os participantes das discussões têm a mesma chance de se comunicar por meio de atos da fala, argumentando, questionando e respondendo às questões.

Todos os participantes têm a mesma chance de apresentar interpretações, opiniões, recomendações, declarações e justificativas e de problematizar sua validade, fundamentar ou rebater, de tal modo que nenhuma idéia preconcebida seja ignorada na continuidade da tematização.

Todos os participantes têm a mesma chance de expressar atitudes, sentimentos e desejos referentes à sua subjetividade, devendo ser verdadeiros nas suas manifestações, significando que assim se colocam perante si mesmos e deixam transparecer sua interioridade.

Os participantes das discussões têm a mesma chance de empregar atos regulativos, isto é, ordenar e rebelar-se, permitir ou proibir, prometer e aceitar promessas, dar explicações e solicitá-las.

As expectativas de comportamento são recíprocas e os privilégios, afastados. Com o modelo de ação comunicativa de Habermas, pressupõe-se que os participantes na interação intencionalmente mobilizem o potencial de racionalidade que encerram as três relações do sujeito agente com o mundo, com o propósito de chegarem a um entendimento.

Definidos e estabelecidos em consenso as regras de participação e os conceitos básicos para a construção dos fazeres pedagógicos, em um segundo momento a ação educativa consiste de sessões de comunicação e diálogo, nas quais o esforço coletivo do grupo se concentra no sentido de buscar eixos articuladores entre as disciplinas do currículo, limitando-se, obviamente, ao conteúdo jurídico cotejado até aquele momento; isto é, respeitando-se, por outro lado, as limitações individuais e coletivas.

Se numa alegação de verdade o orador está empenhado em apoiar a sua formulação empírica, com uma máscara de retidão, o orador oferta uma obrigação de justificar a sua emissão normativamente correta; da mesma forma, qualquer ato de fala pode ser criticado como inválido, no sentido de não correto em relação aos contextos normativos vigentes ou criticando, mais radicalmente, a própria legitimidade da norma que pressupõe (ARROYO, 2000, p. 53)

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Busca-se neste novo processo lingüístico a compreensão, o entendimento entre os indivíduos diferentes, que por meio da linguagem chegam a um consenso, mas não abandonam suas diversidades. O consenso só é possível se preservada a individualidade de cada sujeito. Na argumentação, em todo caso, a atitude orientada para o sucesso dos competidores vê-se incluída numa forma de comunicação que prossegue com outros meios, o agir orientado para o entendimento mútuo. Na argumentação, o oponente e o proponente disputam uma competição com argumentos para convencer um ao outro, isto é, para chegar a um consenso. (HABERMAS, 1989, p. 194)

O objetivo das discussões, neste momento, é encontrar caminhos comuns e devidamente articulados, para proporcionar aos alunos experiências que lhes possibilitem construir conhecimentos vinculados à sua vida concreta e que lhes permitam uma visão crítica da realidade onde estão inseridos, e, ao mesmo tempo, incentivem sentimentos e pensamentos relacionados a uma participação ativa nos assuntos comunitários, dentro de princípios éticos de cooperação e justiça social.

A direção do processo interativo emerge do próprio grupo e não está sujeita a convenções predeterminadas, exigindo o esforço de todos no sentido de preencher os princípios de realização de uma ação comunicativa com as suas pretensões de validade, e de buscar uma comunicação simétrica, cada vez mais livre e isenta de coação. Esse esforço tem em seu cerne um princípio ético que se concretiza em um processo comunicativo no qual cada elemento do grupo é considerado um parceiro de diálogo, cujas falas são oferecidas à interpretação dos outros, ao mesmo tempo em que ele abre possibilidades para criticar as próprias interpretações.

Em arremate e por fim, salienta-se que na área jurídica podemos vislumbrar claramente as possibilidades de reconstrução do atual modelo de ensino, incorporando elementos tradicionais dentro de um novo referencial paradigmático ao mesmo tempo aberto para novos elementos, dinâmicos, críticos e contextualizados, aberto à interlocução com outros saberes. Aqui se ressalta a importância da interdisciplinaridade como condição epistemológica e metodológica necessária para a busca de entendimento. Ou seja, sendo assim, compreende-se que é nesse espaço de convergência entre o tradicional e o crítico, entre o novo e o velho, entre o estratégico e o comunicativo, que as práticas educacionais são construídas e transformadas. Dessa forma, o desenrolar do processo comunicativo é imprevisível a superar os vícios do tradicionalismo-retrogrado do ensino do Direito, que pactua com o dogmático, o acrítico, tendo em conta que enraizado em uma cultura positivista de ciência.

CONCLUSÃO

O ensino do Direito na contemporaneidade compreende-se reduzido ao modelo das ciências empíricas e, por isso mesmo, submetido ao domínio de uma racionalidade técnico-instrumental, porquanto se apóia na filosofia da consciência, isto é, a racionalidade constituída por uma concepção centrada exclusivamente no sujeito; deturpou-se a essência do Direito reduzindo-a a mera legalidade.

Sem embargo, o ensino jurídico arraigado no conhecimento dogmático, de referenciais de verdade ideológicas, de casuísmo didático, legitima uma crise de reprodução da

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dogmática jurídica que tem reflexos funestos no processo de compreensão do jurista, mantendo-o no processo do “interpretar-para-compreender” (descrição e explicação empírica), em detrimento do “compreender-para-interpretar” (explicação hermenêutica do sentido e análise conceitual).

Logo, estamos diante de um ensino tido como dogmático, conservador, acrítico, reprodutor de verdades inalteráveis, embasado na concepção de conhecer para dominar, gerando um processo de aprendizagem descontextualizado, centrado na relação sujeito-objeto. Diante deste cenário, uma mudança de paradigma se faz necessária abrindo-se a novas possibilidades de um método pedagógico implementado como uma ação comunicativamente constituída, em que os sujeitos interagem através da linguagem como instrumento capaz de gerar consenso e entendimento através da busca pelo reconhecimento.

Há, portanto, aqui, uma dupla preocupação: o descentramento das práticas pedagógicas do indivíduo-receptor do conhecimento (modelo subjetivista) e; o desenvolvimento da idéia de que a prática pedagógica deve facilitar a formação de habilidades instruídas dentro da lógica dos processos contínuos de construção do conhecimento compartilhado (modelo intersubjetivista).

Nesse processo o estudante é estimulado a lançar-se à discussão com maior autonomia, organizando suas idéias em relação ao conteúdo abordado, constantemente avaliando o seu próprio desempenho, do grupo e do professor. No momento em que expõe seu pensamento, encontra idéias contrastantes que podem possibilitar, quando há preparo do docente, um movimento dialético e contínuo de reavaliação de idéias e posições adotadas anteriormente. Enfim, mais vale a reconstrução da finalidade do ensino jurídico do que seguir a literalidade do seu propósito. A partir desta idéia, os aportes teóricos do pensamento de Jürgen Habermas acerca da racionalidade comunicativa e da ética do discurso oferecem a oportunidade de reavaliar e reconstruir modelo educacional do ensino de Direito.

Entendemos, pois, que o conhecimento não é transmitido, mas resultado de um processo de construção e que assim assume seu caráter provisório. Assim, a escola assume o papel de possibilitar a problematização e a apropriação crítica dos saberes. Neste contexto, a linguagem permite uma gradual virada paradigmática do cartesianismo-dogmático da filosofia da consciência para incutir a possibilidade de consenso e entendimento através da busca pelo reconhecimento intersubjetivo de pretensões de validade na práxis pedagógica do ensino do Direito, distanciando-se de uma educação como ação instrumental e resultado de intervenções que visam à manipulação e ao êxito, ao controle e à dominação.

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Durante todo este artigo será utilizado, por diversas vezes, a palavra “escola” sem complemento nominal, haja vista, embora tratar-se de trabalho voltado ao ensino do Direito, a abordagem teórico-pedagógica se faz fundada em referências teóricos específicos da área de Educação. Logo, o termo “escola” há de ser lido sob a ótica do ensino do Direito.

A teoria crítica de Habermas “não se limita à construção de uma teoria [...] restrita a reconstrução do materialismo histórico, operando simplesmente na explanação retrospectiva dos desenvolvimentos passados, mas, com base nesse suporte teórico, mantém, sobretudo, uma análise historicamente orientada da sociedade contemporânea com intenção prática, o que significa segundo Mc Carthy, a reconstrução da crítica da sociedade capitalista. A intenção de Habermas é compreender o ‘processo formativo da sociedade como um todo, reconstruindo a situação contemporânea com a visão não somente do passado, mas também de antecipação do futuro. Isto será a teoria crítica da sociedade’”. Conferir a respeito: BANNWART JÚNIOR, Clodomiro José. Habermas: Evolução Social e Aprendizagem. In: SGRÓ, Margarita (Org). Teoria Crítica de La Sociedad, Educación, Democracia y Ciudadanía. Tandil/Buenos Aires: Universidade Nacional Del Centro de La Província de Buenos Aires, 2008. Ver ainda: NOBRE, Marcos. A Teoria Crítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. Coleção passo a passo, 2004.

O mundo da vida não forma um ambiente cujas influências o indivíduo teria que combater a fim de se auto-afirmar, nem constitui uma espécie de recipiente no qual os indivíduos estariam incluídos como parte de um todo, mas sim, um complexo simbolicamente estruturado que se compõe de três elementos entrecruzados: a cultura, que constitui o armazém do saber; a sociedade, composta de ordens legítimas; e a personalidade, que garante a identidade própria do sujeito. “Para mim, cultura é o armazém do saber, do qual os participantes da comunicação extraem interpretações no momento em que se entendem mutuamente sobre algo [...] A sociedade compõem-se de ordens legítimas através das quais os participantes da comunicação regulam seu pertencimento a grupos sociais e garantem solidariedade [...] Na personalidade encontram-se todos os motivos e habilidades que colocam um sujeito em condições de falar e agir, bem como de garantir sua identidade própria” (HABERMAS, 2003, II, p. 196).

A razão como objeto de reflexão teórica exerce sobre Habermas uma fascinação tão poderosa que será o assunto central de toda sua investigação filosófica. Na introdução a sua Teoria de Ação Comunicativa, afirma que “o tema principal da filosofia é a razão” (HABERMAS, 2003, I, p. 143); não por menos que todo seu esforço reside em re-pensar – a fundo – a idéia de razão e a teoria de uma sociedade democrática baseada nela.

A potencialização do agir comunicativo não implica, porém, o abandono da ação instrumental. Segundo MAZZI (1992, p. 97) “Se se prioriza a contribuição da educação no plano da constituição da socialidade solidária, se se enfatiza a função de potencialização do agir comunicativo é porque é nessa dimensão que se coloca a

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questão dos fins e do sentido da existência humana, é nela que se faz a mediação da instituição de uma sociedade democrática”