APRENDIZAGEM DOCENTE E DESENVOLVIMENTO … · intelectuais e profissionais. Este agradecimento não...

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Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática - PPGECEM Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemáticas - REAMEC Curso de Doutorado Turma 2010 EMERSON BATISTA GOMES APRENDIZAGEM DOCENTE E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA INVESTIGAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS COLABORATIVAS NO CONTEXTO DA AMAZÔNIA PARAENSE BELÉM-PA 2014

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Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática - PPGECEM

Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemáticas - REAMEC

Curso de Doutorado – Turma 2010

EMERSON BATISTA GOMES

APRENDIZAGEM DOCENTE E DESENVOLVIMENTO

PROFISSIONAL DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA INVESTIGAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS COLABORATIVAS NO CONTEXTO DA

AMAZÔNIA PARAENSE

BELÉM-PA

2014

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Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática - PPGECEM

Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemáticas - REAMEC

Curso de Doutorado – Turma 2010

EMERSON BATISTA GOMES

APRENDIZAGEM DOCENTE E DESENVOLVIMENTO

PROFISSIONAL DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA INVESTIGAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS COLABORATIVAS NO CONTEXTO DA

AMAZÔNIA PARAENSE

Tese apresentada como exigência parcial para obtenção do título

de Doutor em Educação em Ciências e Matemáticas à banca

examinadora da REAMEC-UFMT/UFPA/UEA, sob orientação

do Professor Doutor Dario Fiorentini.

Banca Examinadora:

______________________________________________________

Orientador: Prof. Dr. Dario Fiorentini

______________________________________________________

Co-Orientador: Prof. Dr. Tadeu Oliver Gonçalves

______________________________________________________

Examinador Externo: Prof. Dr. Iran Abreu Mendes

______________________________________________________

Examinador Externo: Prof. Dr. José Messildo Viana Nunes

______________________________________________________

Examinador Interno: Prof. Dr. Renato Borges Guerra

______________________________________________________

Examinadora Interna: Profa. Dra. Rosália Maria Ribeiro de Aragão

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DEDICATÓRIA

À mulher da minha vida Marcela e às minhas filhas Emily, Milene e

Elen pelo apoio incondicional em todos os momentos e pela paciência

em razão de minhas ausências e temperamento inconstante.

Sem vocês nenhuma conquista valeria a pena.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que colaboraram com a produção desta tese, em

especial ao meu Ilustre Orientador Prof. Dr. Dario Fiorentini que

pacientemente teceu suas considerações sobre este trabalho e

contribuiu imensamente com minha formação profissional, ao meu Co-

Orientador Prof. Dr. Tadeu Oliver Gonçalves, que nunca mediu

esforços no sentido de viabilizar minha produção e construção de

minha autonomia como pesquisador, à Profa. Dra. Rosália Aragão,

que me acolheu como uma mãe em seu lar para que eu pudesse estudar

e cumprir com minhas obrigações doutorais, à Profa. Dra. Isabel

Lucena que deu seu voto de confiança para que eu percebesse os

recursos financeiros necessários à viabilização deste instrumento

acadêmico e à Profa. Terezinha Valim por sua incansável luta na

criação de oportunidades para que pessoas como eu acesse seus sonhos

intelectuais e profissionais. Este agradecimento não estaria completo

sem um especialíssimo agradecimento aos meus colaboradores do

Grupo Colaborativo de Educação Matemática – CGEM, professores

supervisores e professores em formação inicial que tornaram possível

a reificação que ora faço, por seu tempo, críticas, participação,

diálogo, produção, discussão e carinho.

Agradeço também às instituições e programas que diretamente ou

indiretamente financiaram esta produção, CAPES, UEPA, UFPA,

UFMT, UEA, SEDUC-PA, SEMED Igarapé-Açu, Campus X e Escolas

parceiras.

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EPÍGRAFE

Nunca ensino meus discípulos; apenas tento dar a eles as condições

necessárias para que possam aprender.

- Albert Einstein

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RESUMO

Este estudo tem por objetivo identificar, descrever e analisar evidências e processos de

aprendizagem e desenvolvimento profissional docente de professores de matemática situados

em contornos de experiências colaborativas na interface entre a Universidade e a Escola. A

experiência colaborativa situada nessa interface, e que foi tomada como campo empírico desta

pesquisa, foi desenvolvida no interior do Estado do Pará, envolvendo licenciandos em

matemática, professores de matemática da rede pública e formador da universidade, que

participaram de um projeto de iniciação à docência (PIBID). O foco de análise da aprendizagem

e do desenvolvimento profissional dos participantes dessa experiência colaborativa incidiu

exclusivamente sobre seis professores em processo de formação inicial. Para descrever e

compreender esses processos de aprendizagem e de desenvolvimento profissional do professor

de matemática, foi desenvolvido um modelo analítico-descritivo, o qual consistiu, de um lado,

em tecer relações conceituais e teóricas entre experiência, aprendizagem, socialização e a teoria

das catástrofes e, de outro, identificar e explorar indícios de aprendizagem situada em

experiências significativas de prática da docência dos licenciandos em matemática, ao longo do

período de investigação, em um percurso de formação e desenvolvimento profissional, no qual

foi possível mapear relações entre a formação em disciplinas específicas, disciplinas didático-

pedagógicas e as atividades extracurriculares. Este percurso de formação pôde ser apreendido

pelos depoimentos e registros de atividades dos professores tomados por sujeitos, como

relatórios de pesquisa, diários reflexivos e entrevistas. A pesquisa contou com duas fases: a

primeira denominada pesquisa de primeira ordem em que se desenvolveram as experiências de

docência e estudos em grupo; e a segunda, dita pesquisa de segunda ordem ou meta-análise,

desenvolvida exclusivamente pelo autor desta tese, momento em que foram tecidas análises e

interpretações sobre o ocorrido na pesquisa de primeira ordem. Este processo de investigação

configura, portanto, uma pesquisa de natureza qualitativa e interpretativa em que foram feitas

análises textuais discursivas sobre informações individuais e coletivas de seis sujeitos

principais, selecionados pelos critérios de participação ativa e qualidade de suas reificações

sobre a práxis docente. Como um dos subprodutos dessa pesquisa de segunda ordem, foi

produzido um modelo analítico para a interpretação do desenvolvimento profissional docente

em uma perspectiva catastrófica (DPDPC). Este modelo auxiliou descrever e compreender a

aprendizagem e o desenvolvimento profissional docente dos professores em formação inicial,

a partir de experiências de formação e de docência nas quais ocorrem momentos de conversão

catastrófica com potencial de promover mudanças de atitudes e de relação com o saber escolar

e também uma progressiva socialização e identificação dos licenciandos com outras formas de

ser e fazer docente em uma comunidade profissional. Este trabalho apresenta também, como

subproduto, o mapeamento de um processo de formação e aprendizagem em que foi possível

identificar tipologias de aprendizagem da docência, tais como reflexividade crítica sobre a

realidade, curiosidade epistemológica do conteúdo e do sujeito, dialogicidade da comunicação

e da atuação docente, instrumentalidade tecnológica e estratégica do ensino, inacabamento e

consciência social da profissão, sensibilidade ecológica, domínio didático-pedagógico do

currículo e do ensino e assunção da autoridade docente.

Palavras-chave: Formação de Professores de Matemática, Experiência, Pesquisa-ação

Colaborativa, Aprendizagem e Desenvolvimento Profissional Docente, Catástrofe.

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RESUMEN

Este estudio tiene como objetivo identificar, describir y analizar los procesos de pruebas y de

aprendizaje y desarrollo profesional docente de los profesores de matemáticas ubicados en

experiencias colaborativas en los contornos de la interfaz entre la Universidad y la Escuela. La

experiencia de colaboración situado en esta interfaz, y se tomó como campo empírico de esta

investigación fue desarrollada en el Estado de Pará, con la participación de pregrado en

matemáticas, profesores de matemáticas de la escuela pública y entrenador de la Universidad,

que participaron en un proyecto para la iniciación de la enseñanza (PIBID). El foco de análisis

del aprendizaje y el desarrollo profesional de los participantes en esta experiencia de

colaboración sólo examinó seis profesores en formación inicial. Para describir y comprender

estos procesos de aprendizaje y desarrollo profesional de los profesores de matemáticas, hemos

desarrollado un modelo analítico-descriptivo, que consistía en un mano a tejer relaciones

conceptuales y teóricas entre la experiencia, el aprendizaje, la socialización y la teoría de las

catástrofes y por otro, identificar y aprovechar las experiencias de aprendizaje significativas de

pruebas que se encuentren en la práctica de la enseñanza de los estudiantes en matemáticas,

durante el período de investigación, en un curso de formación y desarrollo profesional, en la

que era posible mapear las relaciones entre la formación disciplinas específicas, cursos

didácticos y pedagógicos y actividades extracurriculares. Esta trayectoria educativa podría ser

aprovechada por las actividades testimonios y registros de maestros tomadas por temas, tales

como informes de investigación, de reflexión diaria y entrevistas. En la investigación

participaron dos fases: primero se llama la primera orden de búsqueda en el que se desarrollaron

las experiencias de enseñanza y el estudio en grupo; y la segunda, dijo investigación de segundo

orden o meta-análisis, desarrollado en exclusiva por el autor de esta tesis, en el que se analizan

y se hicieron interpretaciones sobre lo que ocurrió en la investigación de primer orden. Por

tanto, este proceso de investigación establece una investigación cualitativa e interpretativa en

la que se hicieron análisis textual discursiva de la información individual y colectiva de los seis

grandes temas seleccionados por los criterios de la participación activa y la calidad de su

reificación de la práctica docente. Como un subproducto de esta pesquisa de la segunda orden,

se produjo un modelo analítico para la interpretación del desarrollo profesional de docentes en

una perspectiva catastrófica (DPDPC). Este modelo ayudó a describir y comprender el

aprendizaje y desarrollo profesional docente de los profesores en formación inicial, a partir de

experiencias de capacitación y enseñanza en el que se producen momentos de conversión

catastrófica con potencial para promover cambios en las actitudes y relaciones con el

conocimiento escolar y también una socialización progresiva y la identificación de los

estudiantes con otras formas de ser y de hacer la enseñanza en una comunidad profesional. Este

trabajo presenta también, como un subproducto, la asignación de un proceso de formación y el

aprendizaje que era posible identificar tipologías de enseñanza y aprendizaje, como reflexión

crítica sobre la realidad, la curiosidad epistemológica del contenido y el tema de la

comunicación y el diálogo de la actuación la enseñanza, la tecnología y la instrumentalidad

estratégica de la educación, la conciencia sin terminar y social de la profesión, la sensibilidad

ecológica, didáctico y pedagógico área del plan de estudios y la enseñanza y la asunción de la

autoridad docente.

Palabras clave: Educación del Profesor de Matemáticas, Experiencia, Acción de Investigación

en Colaboración, Aprendizaje y Desarrollo Profesional de los Maestros, Catástrofes.

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ABSTRACT

This study aims to identify, describe and analyze evidence and learning processes and teacher

professional development of mathematics teachers located in collaborative experiences

contours at the interface between the University and the School. The collaborative experience

situated in this interface, and it was taken as empirical field of this research was developed

within the State of Pará, involving undergraduates in mathematics, mathematics public school

teachers and trainer University, who participated in a project initiation to teaching (PIBID). The

focus of analysis of learning and professional development of participants in this collaborative

experience only examined six teachers in initial training. To describe and understand these

processes of learning and professional development of mathematics teachers, we developed an

analytical-descriptive model, which consisted of a hand at weaving conceptual and theoretical

relationships between experience, learning, socialization and catastrophe theory and on the

other, identify and exploit significant learning experiences of evidence located in the practice

of teaching of undergraduates in mathematics, during the investigation period, in a course of

training and professional development, in which it was possible to map relationships between

training specific disciplines, didactic and pedagogical courses and extracurricular activities.

This educational path could be seized by the testimony and records activities of teachers taken

by subjects, such as research reports, daily reflective and interviews. The research involved two

phases: first is called the first search order in which they developed the teaching experiences

and group study; and the second, said second rate research or meta-analysis, developed

exclusively by the author of this thesis, at which analyzes and interpretations were made about

what happened in first-order research. This process of research sets therefore a qualitative and

interpretative research in which they were made discursive textual analysis of individual and

collective information of six major subjects selected by the criteria of active participation and

quality of its reification of the teaching practice. As a byproduct of this research of second

order, was produced an analytical model for the interpretation of teacher professional

development in a catastrophic perspective (DPDPC). This model helped describe and

understand learning and teacher professional development of teachers in initial training, from

training and teaching experiences in which occur moments of catastrophic conversion with

potential to promote changes in attitudes and relationship with the school knowledge and also

a progressive socialization and identification of undergraduates with other ways of being and

doing teaching in a professional community. This paper presents also, as a byproduct, the

mapping of a process of training and learning it was possible to identify teaching learning

typologies, such as critical reflexivity about reality, epistemological curiosity of the content and

subject of the communication dialog and the performance teaching, technology and strategic

instrumentality of education, unfinished and social awareness of the profession, ecological

sensitivity, didactic and pedagogical area of the curriculum and teaching and assumption of

teaching authority.

Keywords: Math Teacher Training, Experience, Collaborative Learning, Action Research and

Teacher Professional Development, Catastrophe.

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ÍNDICE DE FIGURAS

Fig. 01 – Singularidade Cúspide de Whitney ...............................................................63

Fig. 02 – Modelo Cúspide da Aprendizagem da Docência ...................................................64

Fig. 03 – A espiral de ciclos auto-reflexivos na pesquisa-ação .......................................74

Fig. 04 – Síntese dos múltiplos sentidos e modalidades de trabalho

coletivo e suas relações com a pesquisa ...............................................................75

Fig. 05 – Eixos de Trabalho/Pesquisa do GCEM ...............................................................87

Fig. 06 – Percurso de Formação do PIBID ...........................................................................95

Fig. 07 – Contorno Experienciais da Formação Inicial ..................................................111

Fig. 08 – Tipologias de Aprendizagem da Docência ..................................................122

Fig. 09 – Página do livro Exame de Artilheiro de 1744 ..................................................125

Fig. 10 – Macro-contornos da formação docente ..............................................................137

Fig. 11 - Experiência e Sujeitos Principais (Sp) e Sujeitos Secundários (Ss) ...............161

Fig. 12 – Desenvolvimento Natural Esperado de Grupos ..................................................164

Fig. 13 – Esquema de (co)determinação didático (CHEVALLARD, 2009) ...............224

Fig. 14 – Representação da dialética do desenvolvimento ecológico por níveis

de co-determinação e sucessão de formas ..............................................................225

Fig. 15 – Gráfico de DPC G1 ......................................................................................230

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................................21

COMPOSIÇÃO I

CONTORNOS TEÓRICO-EPISTEMOLÓGICOS DA PESQUISA .............................................................36

Contornos e tessituras da experiência ........................................................................................................ 37

Tecendo relações entre Experiência e Aprendizagem Profissional Situada em Comunidades de Prática

(CoP) ............................................................................................................................................................ 45

Identidade e Desenvolvimento Profissional Docente (DPD) ...................................................................... 49

(Re)construindo significados a partir da experiência ............................................................................49

Desenvolvimento Profissional Docente em uma Perspectiva Catastrófica (DPDPC) ............................... 56

A Pesquisa-Ação Colaborativa (PAC) ........................................................................................................ 66

Aspectos constitutivos da pesquisa-ação colaborativa ...........................................................................72

Convergências e projeções da Composição I .............................................................................................. 76

COMPOSIÇÃO II

CONTORNOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA ....................................................................................83

Contornos institucionais e empíricos da pesquisa de primeira ordem: a constituição do grupo e a

Pesquisa-Ação Colaborativa (PAC) ............................................................................................................ 83

Colaboradores da pesquisa .......................................................................................................................90

Contornos didático-pedagógicos e formativos da PAC .............................................................................93

Contornos metodológicos do processo de meta-análise da pesquisa de segunda ordem .......................... 96

Os instrumentos da metanálise ...............................................................................................................98

Construção das categorias de aprendizagem docente .............................................................................. 104

COMPOSIÇÃO III

CONTORNOS META-ANALÍTICOS DA PESQUISA .................................................................................109

Marcos conceituais das tipologias de aprendizagem da docência ........................................................... 112

1) Reflexividade crítica sobre a realidade............................................................................................... 113

2) Curiosidade epistemológica do conteúdo e do sujeito ........................................................................ 113

3) Dialogicidade da comunicação e da atuação docente ........................................................................ 115

4) Instrumentalidade tecnológica e estratégica do ensino ...................................................................... 116

5) Inacabamento e consciência social da profissão ................................................................................ 117

6) Sensibilidade ecológica ...................................................................................................................... 118

7) Domínio didático-pedagógico do currículo e do ensino da matemática ............................................. 119

8) Assunção da autoridade docente ........................................................................................................ 120

A Formação Específica e a articulação entre as disciplinas específicas e didático-pedagógicas ............. 122

~ 20 ~

A formação didático-pedagógica e a articulação entre teoria e prática.................................................... 131

Os contornos das atividades extracurriculares .......................................................................................... 134

O percurso de formação ....................................................................................................................... 137

Análises do Percurso Formativo no PIBID de Matemática ..................................................................... 138

Experiências de preparação para o ingresso em sala de aula.............................................................. 138

A produção do glossário básico de educação ....................................................................................... 139

A produção de resenhas ........................................................................................................................ 142

A produção dos diários reflexivos ........................................................................................................ 145

A passagem através do espelho e instalação da dualidade ....................................................................... 149

Experiências de incursão em sala de aula ............................................................................................ 149

Experiências de participação do grupo em eventos científicos ............................................................ 154

Experiências de elaboração de Sequências Didáticas .......................................................................... 159

Situações de elaboração dos Trabalhos de Conclusão de Curso ......................................................... 197

Convergências e projeções da Composição III ......................................................................................... 211

COMPOSIÇÃO IV

CONTORNOS DE CONVERGÊNCIAS DA PESQUISA

Um modelo analítico-descritivo do Desenvolvimento Profissional Docente em uma Perspectiva Catastrófica

(DPDPC) ..............................................................................................................................................................217

Princípios relativos ao professor, sua aprendizagem e seu desenvolvimento profissional ..................... 218

A ecologia das práticas e dos processos de mudança no DPDPC ............................................................ 223

A condição atropológica e a representação topológica do Modelo de DPDPC ....................................... 228

O Percurso de um Desenvolvimento Profissional Docente em uma Perspectiva Catastrófica ............... 230

A trajetória escolar e seu impacto no DPDPC de Sena ....................................................................... 231

A trajetória formativa durante a Licenciatura em Matemática e seu impacto no DPDPC de Sena e

Queiroz: a passagem pelo espelho e escolha da carreira ...................................................................... 234

A entrada em sala como professor e o princípio da dualidade ............................................................... 240

A dualidade operante no estudo em grupo e construção de sequências didáticas .................................. 242

A dualidade operante nas regências de classe e nos projetos de pesquisa sobre a prática docente ........ 244

A conversão catastrófica enquanto consolidação provisória do processo de sujeição ............................ 246

CONTORNOS CONCLUSIVOS ......................................................................................................................255

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................................261

APÊNDICE ……………………………………………………………………………………….……………279

~ 21 ~

INTRODUÇÃO

As altercações a respeito dos processos de aprendizagem e do desenvolvimento

profissional do professor há muito têm circunscrito as pesquisas acerca da problemática da

formação docente. Longe de figurarem como o único foco de perscrutação e análise das

investigações que visam a melhoria da qualidade da Educação em nosso país, ou de

engendrarem soluções definitivas à problemática assinalada, compõem, entretanto, aspectos

importantes do matiz deste sistema complexo. Isto porque se elegeu historicamente entre os

elementos constitutivos da Educação a formação docente como um dos seus pilares de

sustentação.

Mudam-se, no entanto, as políticas e com elas as perspectivas conceituais sobre a

formação de professores. O advento do século XXI, com suas dinâmicas aceleradas e complexo

sistema tecnológico, expressa uma realidade diferente daquela que se apresentava no início do

século XX. Em cada tempo as características sociais e econômicas têm dado suportes

diferenciados à formação docente. Com efeito, o paradigma de ciência moderna, em que a

realidade era vista como existindo em si mesma, separada do sujeito do conhecimento

(MIZUKAMI et al., 2002), sendo que este pretendia descrevê-la por meio de leis e agir sobre

ela por meio de técnicas (CHAUÍ, 1997) gerou, até o final da década de 1970, uma formação

docente cuja preocupação central era modelar o comportamento do professor, treiná-lo em

tarefas específicas produzidas por estudos experimentais quantitativos realizados em grandes

centros de formação (FERREIRA, 2003).

A partir dos anos 70, sob o paradigma do processo-produto, os pesquisadores

procuravam descobrir comportamentos genéricos dos professores que estivessem relacionados

com a aprendizagem dos estudantes quando medidos por testes estandardizados. Nesta

perspectiva, a formação, embora buscasse uma compreensão sobre o comportamento do

professor, suas metodologias e disposição física em sala de aula, focava a construção de

modelos eficientes que, pressupunha-se, influenciariam no processo ensino-aprendizagem nas

escolas (FERREIRA, 2003).

~ 22 ~

Na década de 80, com a ampliação das questões referentes à educação escolar, passou a

predominar a formação cujo ponto importante era o desenvolvimento cognitivo e moral dos

professores. Diante do que podemos chamar de paradigma naturalista-interpretativo, a

formação de professores se mantinha pouco reconhecida e se orientou principalmente para a

atualização do conhecimento específico do professor. A partir da década de 80, inúmeros

trabalhos foram desenvolvidos acerca do que pensa o professor – suas crenças, suas concepções,

seus valores, por exemplo -, como numa tentativa de superar o modelo até então vigente, em

que o professor não era percebido como um profissional com uma história de vida, crenças,

experiências, valores e saberes próprios (FERREIRA, 2003).

Nesse novo contexto, surgem perspectivas de formação que percebem o professor como

um agente cognoscente e problematizam como os professores se comportam e como eles fazem

(em lugar de o que fazem), como eles dão sentido ao seu mundo e que significados eles atribuem

às suas experiências (COONEY, 1994). Subjaz a esse processo o paradigma comunicativo-

dialógico, que tem como base a racionalidade comunicativa, em que o ensino se faz pela

construção e reconstrução da identidade pessoal e profissional dos sujeitos que interagem em

determinados ambientes de aprendizagem (FELDMANN, 2009).

Por este breve retrospecto, é possível perceber uma nítida passagem de uma concepção

de formação docente em que o professor é objeto passivo para uma formação em que este

começa a ser considerado como sujeito com participação ativa e, em alguns casos,

colaborativa. Nessa trajetória se modifica também o lócus dessa formação, deslocando-se das

Universidades e centros de pesquisa e formação superior para o chão da Escola, depois desta

para ambientes de interface entre as duas instituições, pressupondo uma relação harmônica e

produtiva à formação docente. Articulam-se nesse processo a formação inicial1 de professores

- por meio de estágios, práticas de ensino e projetos de iniciação à docência -, bem como a

chamada formação continuada2. Contudo, essa transição, como quase tudo relacionado à

educação, não tem se dado de forma tão simples. Isto porque a relação Universidade-Escola

tem apresentado aspectos políticos e culturais que obstaculizam tal articulação.

1 A Formação Inicial de Professores compreende a graduação em licenciatura em determinada área ou campo

científico de atuação, constituindo uma habilitação profissional relativa à prática docente. 2 Atualmente a Formação Continuada tem valorizado uma modalidade de formação do docente centrada nas

práticas de ensino e na problemática do professor no exercício da profissão. Possui respaldo pela Lei de Diretrizes

e Bases da Educação Nacional (LDB/Lei Nº 9.394/96) em seu Artigo 87, parágrafo 3, inciso III, que determina ser

dever de cada município, e supletivamente ao Estado e União, realizar programas de capacitação para todos os

professores em exercício, utilizando também, para isto, os recursos da educação a distância.

~ 23 ~

Configurada a necessidade de perscrutar os complexos processos da formação docente,

em especial dos professores de matemática, em meio a articulação entre estas instituições

potencialmente formadoras (Universidade e Escola), percebo o imperativo de tomar como

referência as pesquisas que visam encontrar caminhos viáveis à melhoria da aprendizagem dos

alunos nas escolas. Estes estudos têm dado especial atenção à constituição identitária do

professor e seu consequente desenvolvimento profissional. Destaco a especificidade da questão,

uma vez que a categoria de docentes de matemática há muito tem sofrido com a indefinição

identitária da profissão, visto que os currículos da formação não têm acompanhado de perto as

mudanças e transformações que têm marcado a vida social nas últimas décadas. O

desenvolvimento das tecnologias da informação, a globalização da comunicação e a

mundialização da economia têm contribuído para o acelerado progresso das descobertas

científicas e padronização da produção e relações sociais. Vivemos hoje em uma sociedade de

mudanças aceleradas, caracterizada pela incerteza e provisoriedade. O que implica a

constituição de um quadro que torna mais complexo e difícil a tarefa do estabelecimento de

padrões de referência para a vida social e, em específico, para a vida profissional do professor

de matemática.

A sociedade tem elaborado demandas - como o letramento matemático, capaz de situar

os cidadãos em sua realidade por meio da interpretação de dados e resolução de problemas

provenientes de seu contexto social, ou da Etnomatemática, que postula um sujeito capaz de

articular a sensibilidade antropológico-cultural, de resgate e respeito dos saberes locais, aos

processos formativos globais -, que quase nunca são atendidas pelos profissionais de ensino da

matemática. Essa defasagem tem contribuído para o estabelecimento de altos índices de

reprovação, baixos níveis de motivação dos alunos e uma séria depreciação da carreira do

professor de matemática.

Para amenizar os problemas causados por esta insuficiência das práticas formativas, se

tem buscado por estratégias que promovam uma melhor preparação deste profissional, seja no

nível de sua formação inicial seja na formação continuada. Diante dessa perspectiva, nos

últimos trinta anos, percebemos se acentuar o número de trabalhos narrando experiências de

formação docente que privilegiam as dinâmicas colaborativas, indicando uma forte transição

do tipo de pesquisa técnica para o da pesquisa-ação emancipatória3. Tais publicações

3 A Pesquisa-Ação Colaborativa será objeto de discussão em tópico específico neste trabalho.

~ 24 ~

destacam o reconhecimento de iniciativas de professores do Ensino Básico que assumem o

papel de reflexivos sobre suas práticas, isto é, em que os professores tomam maior consciência

de seus próprios atos, interpretam a reflexão como conhecimento do conhecimento (LIBANEO,

2006), pensam sobre suas ideias, examinando-as, modificando-as, formando teorias que

orientam suas práticas (ZEICHNER, 1993).

Não obstante, longe de ser uma realidade geral, a emancipação do professor da educação

básica ainda é algo distante para muitos grupos de professores, sobretudo daqueles residentes

nas periferias e localidades afastadas dos grandes centros intelectuais. Assim, ainda é

hegemônico nesses locais que a iniciativa ao debate sobre as perspectivas teóricas da educação

se deem a partir das instituições de ensino superior (GOMES, 2012). É neste contexto, de

emergência de estratégias formativas com vistas a preparação de profissionais docentes situados

às demandas do século XXI, que destaco o caso da formação do Grupo Colaborativo de

Educação Matemática (GCEM)4, sitiado no município de Igarapé-Açu, Nordeste da

Amazônia Paraense.

A complexidade do enfrentamento da realidade que despontava me levou a propor uma

adequação do projeto institucional do grupo para o curso de doutoramento do Programa de Pós-

Graduação em Educação em Ciências e Matemática (PPGECEM) da Rede Amazônica de

Educação em Ciências e Matemática (REAMEC). Essa estratégia se mostrou eficiente, pois

com a publicação de um edital pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior (CAPES), pudemos apresentar uma variação do projeto doutoral aos critérios do

Projeto Institucional - Universidade e Escola: desafios e caminhos para a form(ação) de

professores no contexto amazônico -, para o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à

Docência (PIBID), a partir do qual conseguimos a institucionalização do Subprojeto de Área

Formação de Multiplicadores em Educação Matemática Colaborativa – o Lúdico em Questão5.

4 Este grupo surge em resposta à demanda da comunidade igarapeaçuense por ocasião do planejamento estratégico

(2010) do Campus X da Universidade do Estado do Pará (UEPA), quando identificamos a necessidade de ações

que promovessem uma maior articulação entre a Universidade e as Escolas Públicas do município, bem como do

aumento do número de projetos formativos que problematizassem a inter-relação entre pesquisa, ensino e extensão

no Campus. 5 Este projeto visa atender a iniciação à docência dos professores em formação inicial da licenciatura em

matemática da UEPA de Igarapé-Açu e promover ações afirmativas nas escolas conveniadas. O projeto conta com

financiamento pela Coordenação de Apoio ao Pessoal de Ensino Superior (CAPES) e formalizou convênio de

cooperação entre a UEPA e as secretarias Municipal de Educação do Município de Igarapé-Açu (SEMED-IA) e

de Estado de Educação do Pará (SEDUC-PA). Reúne uma equipe composta por 1 (um) coordenador de área,

docente da UEPA, 20 (vinte) estudantes da licenciatura em matemática e 4 (quatro) professores da rede pública de

Ensino Básico de Igarapé-Açu.

~ 25 ~

Particularmente, depois desta formalização, tornou-me evidente que dispúnhamos de

dois direcionamentos a seguir: o primeiro direcionamento dizia respeito à ação política de

gestão e de formação docente em que nos predispúnhamos - eu, os professores escolares e os

acadêmicos - a discutir o ensino da matemática por meio de atividades de pesquisa, ensino e

extensão, mediatizadas por dinâmicas colaborativas em ambientes de interface entre a

Universidade e as Escolas; e um segundo direcionamento, que passei a definir como meta-

analítico, em que ponho em suspensão o primeiro direcionamento e reflito sobre os registros

fornecidos pelas dinâmicas colaborativas supracitadas, com fins à compreensão dos processos

de aprendizagem e desenvolvimento profissional desses docentes, estabelecendo, assim, o

objeto e foco do presente trabalho.

Ao institucionalizarmos o GCEM junto ao PIBID, assumimos o pressuposto de que o

professor de matemática pode se propor de forma competente a desenvolver pesquisa baseada

em sua experiência, levantando e respondendo questões relevantes sobre os problemas do

ensino da matemática, refletindo e produzindo ações em colaboração com acadêmicos e

professores em exercício, bem como contribuindo para a (re)formulação de teorias e práticas

que propiciem a melhoria das condições de trabalho e ensino nas escolas públicas de Igarapé-

Açu/PA (GOMES, 2012). Essas atividades têm sido desenvolvidas, desde então, mediante a

proposição de projetos elaborados em ambientes de discussão e pela problematização de temas

levantados a partir de dinâmicas colaborativas de investigação e processos reflexivos na ação,

sobre a ação e para a ação (SCHÖN, 2000), realizados a partir/nas/para as práticas educativas

acadêmicas e escolares (COCHRAN-SMIT & LYTLE, 1999).

Comprometido com as atividades do GCEM, que impunham um olhar mais específico

à formação inicial dos professores de matemática e por meio das leituras aprofundadas pela

participação no curso de formação doutoral, evidenciei que a dificuldade de articulação entre

Universidade e Escola se apresenta acompanhada de outros processos dissociativos como os

intervenientes na articulação entre teoria e prática, e entre as disciplinas específicas e didático-

pedagógicas. Percebi, ainda, que essas características estão presentes tanto na Universidade

como na Escola, logo, tendem a impregnar a relação entre ambas, e isso tem implicado na

formação dos professores, produzindo o que Veenman (1984) chama de “choque de realidade”,

situação em que o professor iniciante defronta-se com a diferença entre o idealizado nos cursos

de formação e o encontrado na realidade das escolas.

~ 26 ~

Em contraposição a este choque de realidade, a promoção de atividades

extracurriculares como as que promovemos no GCEM, por exemplo, tendem a favorecer a

construção de caminhos e sentidos para articulação entre Universidade e Escola, teoria e prática

e entre disciplinas específicas e didático-pedagógicas, visto que tanto as experiências em

contextos de pesquisa colaborativa quanto a problematização das práticas de ensino nos

ambientes de interface entre a Universidade e a Escola, vivenciadas pelos professores de

matemática em formação inicial, desencadeiam processos de aprendizagem docente que criam

condições para o desenvolvimento profissional desses professores. Constitui função deste

trabalho lançar luz a essa assertiva. Mas, parece-me plausível afirmar que as estratégias

formativas planeadas e desenvolvidas pelo grupo tornam-se imprescindíveis para a superação

de uma visão de valência negativa6 assinalada acerca das atividades docentes do professor de

matemática, além de propiciarem um prolífero campo para debates sobre a constituição

identitária e desenvolvimento profissional dos professores envolvidos.

Assumindo estes aspectos, acessíveis pela elucubração das práxis7, experienciadas neste

projeto, sou levado a interpretar a aprendizagem docente sob a perspectiva conceitual da

categoria experiência de Dewey (2011) definida pelos princípios de interação e continuidade8,

e as dinâmicas de socialização e desenvolvimento profissional como resultado de um processo

identitário, de assimilação das práticas de uma comunidade (DUBAR, 1997; FIORENTINI,

2006, 2009, 2013b), bem como a formular a tese de que a aprendizagem docente, pode ser

interpretada como o resultado da interação de um sujeito com práticas situadas em uma

experiência educativa significativa, capaz de ressignificar posturas, redirecionar atitudes e

impulsionar o desejo de continuar aprendendo. Sendo, nestes termos, o desenvolvimento

profissional docente um processo de conversão catastrófica - de identificação dos sujeitos a

um corpo de conhecimentos, valores, teorias, saberes e práticas de um grupo tomado por

referência -, resultante, pois, da aprendizagem docente frente a situações de práticas

6 Este termo é empregado por Kurt Lewin (1973) para designar experiências em que há perdas nas relações

estabelecidas entre um dado sujeito e seu contexto experiencial. 7 Assumida aqui indistintamente como experiência prática, prática da experiência ou simplesmente prática, desde

que levada em conta seu sentido ampliado de indissociabilidade com a teoria. 8 Aprofundarei os conceitos de interação e continuidade mais à frente. Por ora assumo a noção de interação e

continuidade como princípios indissociáveis da teoria da experiência de Dewey, sendo que a interação respeita

as condições objetivas (mundo exterior) e condições internas (psicológicas). Já o princípio da continuidade,

quando aplicada à Educação, significa que o futuro tem de ser considerado em cada estágio do processo educativo

(DEWEY, 2011).

~ 27 ~

colaborativas com intencionalidade de mudança, tanto pelo sujeito quanto pelo grupo

institucional de referência.

Diante deste contexto, assumo a hipótese de que o professor aprende e se desenvolve

profissionalmente a partir do momento em que ele compartilha uma relação positiva para com

as “regras” objetivas (práxis docentes) e subjetivas (valores e crenças) de uma comunidade de

práticas9 docentes. Vale assinalar que interpreto experiência educativa como toda espécie de

relação do sujeito docente com o contexto educacional, seja em um ambiente proporcionado

por uma comunidade de práticas, por grupos de investigação, por processos de ensino em classe

ou mesmo pela leitura de livros, pelos debates despretensiosos sobre a educação, pela

participação em eventos e cursos, pela manipulação de instrumentos de ensino e pela

investigação colaborativa. E por significativo, me refiro aos significados atribuídos pelos

sujeitos durante uma experiência, dos quais me interessam aqueles que são potencialmente

mobilizadores de novas práticas e de identificação com o grupo de referência.

Investigo, neste contexto de experiências, as evidências de aprendizagem situadas ao

longo do processo interativo dos sujeitos no grupo e compreendo o desenvolvimento

profissional dos professores como resultado do envolvimento ativo destes sujeitos nos

processos de formulação colaborativa dos objetivos partilhados e na construção de práticas

investigativas e reflexivas da/sobre/na ação docente, assumindo, invariavelmente, o GCEM

como a principal instituição de referência. Produzindo assim um desenvolvimento profissional

com características bot-top-up10, cuja centralidade dos atores nos seus processos de

aprendizagem é premissa fundante e válida (FORMOSINHO J., 2009).

Esta noção de aprendizagem apresenta afinidades com a Teoria Social da

Aprendizagem de Lave & Wenger (1991), em que toda aprendizagem é situada em uma prática

social que acontece mediante participação ativa em práticas de comunidades sociais e

construção de identidades com essas comunidades. De acordo com Fiorentini (2013b) os

saberes em uma comunidade de práticas (CoP) são produzidos e evidenciados através de

9 A expressão comunidade de práticas (CoP) foi cunhada por Lave & Wenger (1991, p. 99) para designar a prática

social de um coletivo de pessoas que comungam um sistema de atividades no qual compartilham compreensões

sobre aquilo que fazem e o que isso significa em suas vidas e comunidades (FIORENTINI, 2009). 10 Termo cunhado por mim em oposição à formação top-down (de cima para baixo) empregado em Zeichner (1993)

e que quer dizer “de baixo para cima”, isto é, a partir das decisões e necessidades do grupo em formação.

~ 28 ~

formas compartilhadas de fazer e entender dentro da comunidade, as quais resultam de

dinâmicas de negociação, envolvendo participação11 plena e reificação12 na/pela comunidade.

Com base no material reunido, na tese formulada e nas referências assumidas, elaborei

as seguintes questões de pesquisa:

Que evidências de aprendizagem ocorrem e que processos as produzem nas

experiências colaborativas de professores de matemática em ambientes de interface entre a

Universidade e Escola?

Em que sentido as manifestações de aprendizagem docente de professores de

matemática situadas nas experiências colaborativas em ambientes de interface entre a

Universidade e a Escola promovem o desenvolvimento profissional do professor de

matemática?

Visando levar a termo meu trabalho de pesquisa qualitativa e de natureza interpretativa,

busquei definir meu objeto de investigação implicando a concepção da pesquisa-ação

colaborativa, na formação do professor reflexivo e na concepção de aprendizagem

profissional pela experiência da docência em ambientes de interface entre a Universidade e a

Escola. Nesta perspectiva, delimitei meu foco de análise na formação inicial de professores de

matemática e procurei construir os seguintes objetivos como subsídios para a elucidação das

questões de pesquisa supracitadas:

Objetivo Geral:

Identificar, descrever e analisar as evidências de aprendizagem, os processos de

aprendizagem e o desenvolvimento profissional docente de professores de matemática situados

nos contornos das experiências colaborativas em ambientes de interface entre a Universidade

e a Escola.

11 Participar significa engajar-se na atividade própria da comunidade, apropriar-se da prática, dos saberes e dos

valores da mesma e também contribuir para o desenvolvimento da própria comunidade, sobretudo de seus

membros e de seu repertório de saberes (FIORENTINI, 2009). 12 Reificar significa tornar coisa. Não se refere apenas a objetos materiais ou concretos (textos, tarefas, materiais

manipulativos), mas também conceitos, ideias, rotinas, registros escritos e teorias que dão sentido às práticas da

comunidade (WENGER, 2001).

~ 29 ~

Objetivos Específicos:

Identificar e analisar os contornos das experiências colaborativas em que se evidenciam

processos de aprendizagem que criam condições para a problematização e desnaturalização

da prática docente;

Caracterizar/explicitar um modelo heurístico pelo qual se avalie em que termos as

evidências de aprendizagem docente, dinamicamente, promovem o desenvolvimento

profissional do professor de matemática.

Os resultados da pesquisa, que tratarei oportunamente, serão abordados sob a

perspectiva dos objetivos traçados manifestando a pertinência da ação, pois como sugere Tardif

(2007) é preciso rever a visão de que a prática dos professores é somente um espaço para

aplicação de saberes provenientes da teoria, mas também um espaço de produção de saberes

específicos oriundos dessa mesma prática.

Ao perceber a dinâmica imbricada do trabalho a ser delineado, considerei imperativa a

construção de uma trama igualmente complexa para o tratamento e compreensão das

experiências do grupo. Essa tarefa me fez refletir sobre a adoção de uma perspectiva

multirreferencial para que eu pudesse produzir um novo olhar sobre o professor de matemática

em formação inicial, sob uma perspectiva humana plural, a partir da conjugação de várias

correntes teóricas não conflitantes. Nesses termos, tenho em vista a florescência de uma

epistemologia coerente de construção do conhecimento sobre os fenômenos da experiência e

aprendizagem docentes, produzindo, assim, um modelo heurístico plausível e dialógico que

verse sobre o desenvolvimento profissional desses sujeitos.

Para explicitar os meios pelos quais justifico, conduzo e analiso as evidências de

aprendizagem in procesu, os processos de aprendizagem e o desenvolvimento profissional dos

professores de matemática situados em contextos de experiências colaborativas, pretendo, neste

relatório final de pesquisa, apresentar os argumentos elucidativos sobre as questões de pesquisa

e avaliação de minha tese, circunscrevendo-os pela seguinte configuração:

~ 30 ~

Na primeira composição13, intitulada Contornos14 Teórico-epistemológicos da

Pesquisa15, busco realizar um aprofundamento teórico multirreferencial sobre as temáticas:

formação de professores, aprendizagem docente e desenvolvimento profissional. Defino a

experiência como unidade fundamental de estudos sobre a aprendizagem docente situada e o

desenvolvimento profissional enquanto identificação com um grupo de práticas por meio da

participação ativa e reificação dos processos interativos dos sujeitos no ambiente social. Com

o objetivo de substanciar teoricamente os argumentos reflexivos sobre os fenômenos formativos

e desenvolvimento profissional docente, resgato as teorias sobre a experiência e o contínuo

experiencial (DEWEY, 1979, 2011), a investigação reflexiva e a pesquisa-ação-colaborativa

(LEWIN, 1973; ZEICHNER, 1993; PIMENTA, 2005b; FIORENTINI & LORENZATO, 2006;

IBIAPINA, 2008) e o desenvolvimento profissional como um processo de socialização e

constituição identitária (DUBAR, 1997), bem como os conceitos de sujeitamento e

conformidade institucional (CHEVALLARD, 1991) na ocorrência da aprendizagem situada

(LAVE & WENGER, 1991; FIORENTINI, 2006, 2009, 2010, 2013a). Introduzo também as

noções de catástrofe e desenvolvimento profissional docente em uma perspectiva catastrófica16

com base em Thom (1977, 1995). Saliento que os referencias teóricos desta composição serão

assumidos por mim como principais por apresentarem caráter longitudinal à obra, enquanto os

demais serão considerados como secundários ou auxiliares, uma vez que darão suporte a

composições específicas.

Na segunda composição, denominada Contornos Metodológicos da Pesquisa,

apresentarei, inicialmente, os pressupostos metodológicos da ação formativa do GCEM e

estabelecerei os parâmetros metodológicos da pesquisa de primeira e de segunda ordem, em

que apresento os critérios de escolha dos sujeitos principais17, o tipo de pesquisa adotada, os

13 O termo composição é utilizado no lugar de capítulo para caracterizar seu sentido de inacabamento, de parte que

somente assume sentido completo em conjunto com as demais partes do trabalho. Conceituação que está presente

na Teoria Gestalt de Wertheimer, Wolfgang e Köhler (apud MARX & HILLIX, 2008), nos princípios de Psicologia

Topológica de Kurt Lewin (1973) e na Teoria das Catástrofes de René Thom (1977, 1995), referências estas que

atribuem grande sentido às análises do presente trabalho. 14 O termo contorno assume neste trabalho o sentido de força estrutural, isto é, de força de organização da forma

que tende a se dirigir ao observador tanto quanto permitem as condições dadas no sentido da clareza, da unidade

e do equilíbrio do observado, sendo grande o valor da experiência no fenômeno da percepção (GOMES FILHO,

2009). 15 Saliento que outros referenciais serão introduzidos se demandados no decorrer deste trabalho de pesquisa,

perspectivando tratamentos mais pormenorizados dos assuntos e adequada conformação de cada composição. 16 Temas estes que terão continuidade e aprofundamento na Composição IV. 17 Os demais sujeitos, em condição de interação com os sujeitos principais da pesquisa, serão denominados sujeitos

secundários ou periféricos.

~ 31 ~

instrumentos de coleta de informações, o gênero discursivo e as técnicas e instrumentos de

análise. Apresentarei ainda a caracterização do lócus da investigação, em que situo os diferentes

ambientes de integração dos sujeitos investigados discriminando os microssistemas,

mesossistemas e macrossistemas18 que definem as relações ecológicas institucionais em que os

indivíduos do grupo experienciam a docência e se desenvolvem profissionalmente (macro-

percurso de formação e instâncias formativas); Exporei as motivações legais que regem

institucionalmente as ações do GCEM no Projeto de Área Matemática do PIBID/UEPA e o

perfil dos seus integrantes colaboradores; e finalizo com uma descrição da dinâmica de trabalho

dos projetos e ações desenvolvidas pelo grupo, ampliando o olhar sobre os principais destaques

que tomarei em consideração como objetos de perscrutação da pesquisa, como os indicativos

das tipologias de aprendizagem emergentes dos processos de formação/prática reflexiva

docente.

Reservo a terceira composição, que chamo de Contornos Meta-analíticos da Pesquisa,

para tecer um diálogo teórico analítico – em que me valho de entrevistas, diários de atividade,

gravações, filmagens, relatórios e outras produções escritas –, para estabelecer relações entre

as percepções significativas dos sujeitos sobre suas experiências em contextos de prática

colaborativa e o referencial teórico proposto na Composição I, que dão suporte à caracterização

dos processos de aprendizagem e identificação de tipos de aprendizagem nestes contextos de

experiência. Apresento, nesta composição, um quadro conceitual sobre as tipologias de

aprendizagem e um percurso longitudinal, no qual destaco as evidências de aprendizagem

relativas às experiências de: entrada em sala de aula e análise da práxis docente; participação

em eventos como estratégia formativa; atividades em grupo de estudo para a identificação de

organizações matemáticas e construção de sequências didáticas com base na Teoria

Antropológica do Didático (TAD); de incursões em sala de aula e proposição de projetos de

intervenção e investigação da própria prática; e da percepção pessoal dos sujeitos investigados

sobre sua aprendizagem da docência e seu desenvolvimento profissional, por meio de

entrevistas realizadas ao término de sua formação inicial.

Na quarta composição, denominada de Contornos de Convergências da Pesquisa –

apresento a construção de um modelo heurístico de análise do desenvolvimento profissional

docente a partir de uma compreensão dos processos desencadeados pelas experiências dos

18 Esses termos são objeto de consideração especifica na Psicologia Topológica de Kurt Lewin (1973), que define

as relações dos indivíduos com o ambiente em que estão inseridos.

~ 32 ~

professores investigados, valendo-me, para tal, de uma metáfora do modelo acúspico da Teoria

das Catástrofes (THOM, 1977, 1995; ARNOUD, 1989) para explicitar o processo de

identificação dos professores em formação inicial com as perspectivas profissionais da

docência. Este projeto tem por ambição tornar inteligíveis os contornos das formas e conteúdo

das práxis docentes inerentes às experiências colaborativas definidoras do percurso de

identificação com a docência, ou seja, visa identificar os tipos de aprendizagem e processos de

aprendizagem que dão sentido à constituição identitária e desenvolvimento profissional docente

dos integrantes de um grupo de professores de matemática em formação inicial.

Na quinta e última composição, de Contornos Contributivos Finais, estabeleço o que

considero uma síntese possível dos principais resultados da pesquisa, em que procuro elucidar,

a partir dos referenciais assumidos, os elementos que justificam as questões e objetivos da

investigação para com as situações de aprendizagem e processos formativos experienciados,

bem como teço considerações sobre os resultados alcançados acerca das evidências de

aprendizagem docente e subjacente desenvolvimento profissional, procurando, assim, construir

argumentos plausíveis à sustentação da tese que assumo neste trabalho.

~ 33 ~

~ 34 ~

COMPOSIÇÃO I

Nesta composição realizo um aprofundamento teórico multirreferencial

sobre as temáticas: formação de professores, aprendizagem docente e

desenvolvimento profissional docente (DPD). Para isso introduzo o

conceito de Experiência como unidade fundamental de estudos sobre a

qual se revela a aprendizagem docente resultante da reflexão,

investigação e reificação dos processos interativos e de socialização

dos sujeitos em comunidades de prática e/ou grupos colaborativos.

Conceituo o desenvolvimento profissional como um processo de socialização e constituição identitária que ocorre por meio da

(re)estruturação de formas definidas pela aprendizagem por conversão

catastrófica, originando o que chamo de Desenvolvimento Profissional

em uma Perspectiva Catastrófica (DPDPC). Discuto ainda a

construção conceitual da Pesquisa-Ação Colaborativa (PAC) que

assumo como suporte teórico da ação mobilizada na pesquisa de

primeira ordem, em análise neste relatório. Figuram como principais

referências desta composição Dewey (1979, 2011), Lewin (1973),

Zeichner (1993, 2003), Barbier (2007), Ponte (1998), Fiorentini &

Lorenzato (2006), Lave & Wenger (1991), Fiorentini (2006, 2010,

2013b), Ibiapina (2008), Formosinho J. (2009), Chevallard (1991,

1992, 1996, 2009), Dubar (1997), René Thom (1977, 1995) e Arnoud

(1989).

~ 35 ~

~ 36 ~

COMPOSIÇÃO I

CONTORNOS TEÓRICO-EPISTEMOLÓGICOS

DA PESQUISA

Estar na vida como um ser pensante significa um contínuo querer saber, que não é

diferente de um contínuo pesquisar. Para nos situarmos na vida e construirmos nossa

ideia da realidade, precisamos: observar, explorar, experimentar, deduzir, concluir. A

vida toda é uma grande pesquisa. Pesquisar é um processo apaixonante, apesar da

frustação que pode gerar caso não se encontrem respostas completas e

tranquilizadoras. Pesquisar é estar vivo, é ser sujeito.

(MATALOBOS, 2005)

Refletindo sobre o que expressa a epígrafe acima, fico convicto de que partilhamos de

uma mesma utopia sobre a pesquisa, qual seja, a de que somos todos capazes de pesquisar, isto

por ser a pesquisa uma ação inerentemente humana. Partindo desse pressuposto me parece

plausível afirmar que pesquisar sistematicamente a própria prática no âmbito da docência,

embora não se constitua um hábito comungado por todos os professores, é algo perfeitamente

exequível.

Parto dessas considerações para situar uma ferramenta que considero imprescindível

para a construção de um instrumental teórico, metodológico e analítico, de abordagem das

evidências de aprendizagem e do desenvolvimento profissional de professores de matemática

associados aos contextos de experiências colaborativas. Com este intuito, nesta primeira

composição, reúno referenciais que me auxiliam na construção desta trama reflexiva e

argumentativa que tece uma compreensão sobre a educação como vida e a aprendizagem como

reflexo das experiências (DEWEY, 2011; LARROSA, 1995; COCHRAM-SMITH, 1999;

JOSSO, 2010); busco as bases para a definição dos contornos ontológicos dos fluxos das

experiências perceptuais dos sujeitos que aprendem (PERLS, 1977) e se desenvolvem a partir

de práticas de investigação-ação dos processos de experimentação criativa de suas realidades

concretas (HARGREAVES & FULLAN, 1992; WENGER, 1998).

Oriento-me nessa perspectiva pelas definições da teoria do contínuo experiencial de

Dewey (2011) que me conduzem à compreensão dos campos de motivação, descritos pelos

contornos do comportamento humano dentro de uma totalidade de contexto social e físico,

~ 37 ~

portanto institucional, que manifestam evidências de aprendizagem da docência por parte dos

sujeitos tomados para observação, que por sua vez refletem sobre suas ações e se dão conta das

potencialidades da investigação em ação solitária ou em grupo (FORMOSINHO J., 2009)

como forma de intervenção em problemáticas sugeridas pela interpretação de dados da prática,

desencadeando processos de mudança e avaliação de todo o percurso de experiências (LEWIN,

1973; ZEICHNER, 2003; LISONDO, 2011).

Contornos e tessituras da experiência

Situando-me quanto à trajetória descrita pela formação docente em seu movimento de

passagem do século XX para o século XXI percebi, nas pesquisas desenvolvidas a esse respeito,

algumas idiossincrasias ou peculiaridades expressas por antagonismos tais como: educação

tradicional e educação progressista, marginalização e profissionalismo, formação academicista

e formação profissional, desenvolvimento profissional training19 e desenvolvimento

profissional ecology20. Longe de pretender esgotar tais questões, reservo-me à tarefa não menos

simples de construir e expressar uma reflexão crítica que aponte para ruptura com o que tenho

considerado uma visão de precedentes dissociativos, que adotam posturas dualísticas e

maniqueístas de ‘bem e mal’, do ‘certo e errado’, ‘mente e corpo’, para em seu lugar, tratar de

uma percepção holística perspectivando uma compreensão de totalidade da ação do professor

que lhe propicie aprendizagem significativa21 baseada em suas experiências e lhe oriente a um

desenvolvimento profissional condizente com as necessidades da atualidade.

Para cumprir essa meta, assumo neste trabalho a categoria experiência como uma

unidade fundamental de estudo. Tomando-a como categoria de pesquisa, procuro estabelecer

os critérios conceituais que me possibilitam definir em que sentido os tipos de aprendizagem

docente em contexto de experiências colaborativas contribuem para o desenvolvimento

profissional dos professores de matemática. A noção de experiência permeia tanto a pesquisa

de primeira ordem (empírica) – dando-lhe suporte à ação -, quanto a pesquisa de segunda

19 Desenvolvimento profissional concebido por meio de cursos. 20 Desenvolvimento profissional associado às relações do homem e seu ambiente. 21 Por ora me refiro por aprendizagem significativa à apreensão advinda de sentidos atribuídos pelos sujeitos a

uma dada experiência, que são potencialmente mobilizadores de novas práticas e de identificação com o grupo de

referência.

.

~ 38 ~

ordem (meta-análise) – auxiliando-me na evidenciação dos tipos de aprendizagem, na

identificação dos processos de aprendizagem e, ainda, no delineamento dos processos de

desenvolvimento profissional dos sujeitos tomados para observação e análise. Lamentável,

porém, foi constatar em minhas apreciações sobre a formação docente os distanciamentos, em

termos semânticos, promovidos por publicações22 pouco comprometidas com a construção

epistemológica do conceito de experiência.

O termo experiência quando caracterizado somente por seu conteúdo emocional, o

reduz a um nível naturalista e imediatista, eliminando o sujeito ativo do processo. De outro

modo, abordagens baseadas em pressupostos positivistas empregam uma conceituação que se

limita ao experimentalismo, considerando por experiência apenas o que é passível de

comprovação empírica, eliminando valores ou relacionamentos pessoais, considerando-a

apenas enquanto representação ou reação. Considero que essas reduções trazem sérias

consequências à Educação, visto que o distanciamento da inteligibilidade da complexidade

desse termo impossibilita compreender o fenômeno humano em sua unidade e totalidade,

fragmentando o real e impondo um método inadequado ao objeto em questão.

De modo a reconduzir a categoria experiência à sua epistemologia da práxis23, inicio

minhas arguições por uma das primeiras e mais notórias discussões sobre a questão da

experiência com repercussão na Educação e Formação de Professores, realizada pelo filósofo,

educador e psicólogo John Dewey (1859-1952). Este importante pesquisador nasceu em

Brurlington, Vermont nos Estados Unidos, e sua vivência em uma comunidade formada por

pequenas propriedades rurais protestantes em que prevalecia o espírito de igualdade e autêntica

democracia religiosa foi, certamente, uma das grandes influências de sua constituição

identitária e produção com perfil pragmático de preocupações democráticas sobre a educação.

Em Dewey temos que o educador é o responsável por desenvolver, mediante o ato

pedagógico24, a capacidade de reflexão. Entendendo por reflexão a melhor maneira de se

22 Refiro-me ao contingente de publicações comumente encontradas na rede mundial de comunicação e informação

que se valem da experiência em seu sentido de senso comum. 23 A epistemologia da práxis surge em contraposição a uma epistemologia da prática profissional, segundo a qual

o universo da prática social se restringe à prática profissional em seus aspectos puramente empíricos, técnicos e

utilitários, à mercê das demandas do mercado e em detrimento das ilimitadas possibilidades de desenvolvimento

que o existir humano potencialmente provoca (SCALCON, 2007). Busca-se na epistemologia da práxis uma

unidade teórico-prática para os processos de produção e reprodução do conhecimento e uma consequente

compreensão da estrutura objetiva da realidade que reconheça o significado do valor teórico da prática aliançado

ao valor prático da teoria (SCALCON, 2008). Deste modo, neste trabalho, o termo prática será usado

perspectivando o sentido de práxis. 24 A prática docente relacionada ao ensino e afazeres do professor.

~ 39 ~

pensar, ou seja, a espécie de pensamento que consiste em examinar mentalmente o assunto e

dar-lhe consideração séria e consecutiva (DEWEY, 1979, p.13). Dewey asseverava que o

pensamento reflexivo visa uma conclusão, orienta-se a algum lugar e nos impele à indagação.

O ato de pensar reflexivo seria intelectual, pois se diferencia da forma de pensar rotineira por

abranger um estado de dúvida e um estado de pesquisa, uma vez que envolve a necessidade de

encontrar uma forma de resolver a dúvida.

A noção de ato reflexivo de Dewey sofreu séria influência da concepção de crença de

Charles Pierce que atribuía o significado de crença para a ação de pensar, incitada por uma

dúvida que nos lança à busca de sua cessação. A esse processo transcorrido na relação entre a

dúvida e a crença chamou de inquérito ou investigação (WESTBOOK & TEIXEIRA, 2010).

Dewey (1979, p. 16) explica que,

Uma crença refere-se a algo além de si própria, por onde se aquilata o seu valor: faz

uma afirmação sobre algum fato, algum princípio ou lei. Significa que determinado

fato ou lei é aceito ou rejeitado, que é algo que é próprio a se afirmar ou, pelo menos,

aquiescer.

Essas conceituações de Dewey e Pierce sobre a crença foram revolucionárias em seu

tempo, pois colocavam como hipótese e passível de alteração conceitos antes tidos como coisas

bem definidas, estáveis, imutáveis e tradicionalmente assumidas como pertencente a uma

instância situada acima da ação humana, resultante de processos de ação próprios da vida que

vivemos neste mundo, um mundo de transitoriedade.

Dewey, utilizando-se da noção de crença e de transitoriedade, interpretou a experiência

como atitude empírica ou atitude experimental da mente e, como tal, não poderia ser algo rígido

e acabado, mas algo vital e, por isso, em permanente desenvolvimento (DEWEY, 1979).

Expressou que a experiência, quando dominada pelo passado, pelo costume ou pela rotina,

muitas vezes se opõe ao racional, ao reflexivo. Contudo, asseverou que a experiência também

inclui a reflexão que nos libera da influencia limitadora dos sentidos, do desejo e da tradição.

Essa interpretação assegura que a mente humana, pela experiência, pode acomodar e assimilar

tudo o que descobre o pensamento preciso e penetrante. Na realidade, segundo Dewey, poder-

se-ia definir a tarefa da educação como ‘emancipação e ampliação da experiência’.

Dewey ocupou boa parte de seu tempo em trabalhos sobre educação que tinham por

finalidade estudar as consequências de seu instrumentalismo para a Pedagogia e comprovar sua

validade mediante a experiência.

~ 40 ~

Dewey estava convencido de que [somos] seres ativos que aprendem mediante o

enfrentamento de situações problemáticas que surgem no curso das atividades que

merecem seu interesse. O pensamento constitui, para todos, instrumento destinado a

resolver os problemas da experiência e o conhecimento é a acumulação de sabedoria

que gera a resolução desses problemas. (WESTBOOK & TEIXEIRA, 2010, p.15,

adequação minha)

Há de se compreender, porém, que nem todas as experiências são verdadeiramente ou

igualmente educativas. Algumas experiências são deseducativas, isto é, qualquer experiência

que tenha o efeito de impedir ou distorcer o amadurecimento do sujeito para futuras

experiências é deseducativa.

Uma experiência pode ser de tal natureza que produza indiferença, insensibilidade e

incapacidade de reação, limitando, assim, as possibilidades de experiências mais ricas

no futuro. Uma outra experiência pode aumentar a destreza de uma habilidade

automática, de forma que a pessoa se habitue a certos tipos de rotina, limitando-lhe,

igualmente, as possibilidades de novas experiências. Uma experiência pode ser

imediatamente prazerosa e, mesmo assim, contribuir para a formação de uma atitude

negligente e preguiçosa que, desse modo, atua modificando a qualidade das

experiências subsequentes, impedindo a pessoa de extrair dessas experiências tudo o

que elas podem proporcionar. (DEWEY, 2011, p. 27)

Podem ocorrer ainda experiências desconectadas umas das outras, que, apesar de

agradáveis e até excitantes, não se articulam cumulativamente. Dewey dizia que neste caso a

energia se dissiparia e a pessoa se tornaria dispersa. Considero importante esse aspecto, pois a

falta de conexão entre as experiências pode gerar hábitos dispersivos, desintegrados.

Experiências de gênero dispersivo são a tônica da educação tradicional, que privilegia o ensino

pontual25. Por isso é pertinente aprofundar a questão da necessidade de continuidade das

experiências.

Para Dewey a educação depende da qualidade das experiências, para as quais atribuiu

dois aspectos: o aspecto imediato de ser agradável ou desagradável e o segundo aspecto que diz

respeito a sua influência sobre experiências posteriores. O primeiro aspecto me parece óbvio

julgar, por estar intimamente associado ao caráter motivador26 da experiência, enquanto o

25 O ensino pontual, segundo minha acepção, é aquele cujos procedimentos de ensino estão centrados na

metodologia e negligenciam a construção histórica e epistemológica do objeto de ensino, bem como suas

manifestações passadas e futuras no horizonte curricular. 26 Reporto-me à motivação em seu sentido etimológico que vem do verbo latino movere e que se relaciona ao

substantivo motivum, logo motivação é “aquilo que move uma pessoa ou que a põe em ação ou a faz mudar de

curso” (BZUNECK, 2004, p. 9).

~ 41 ~

segundo associa-se a tarefa de proporcionar situações e atividades mais do que imediatamente

agradáveis, mas que estimulem e preparem os sujeitos para experiências futuras27.

Assim como nenhum homem vive e morre para si mesmo, nenhuma experiência vive

e morre para si mesma. Totalmente independente do desejo ou da intenção, toda

experiência vive e se perpetua nas experiências que a sucedem. Portanto, o problema

central de uma educação baseada na experiência é selecionar o tipo de experiências

presentes que continuem a viver frutífera e criativamente nas experiências

subsequentes. (DEWEY, 2011, p. 29)

Dewey define assim um princípio da continuidade da experiência ou o que podemos

chamar de contínuo experiencial. Com esta proposição atribui a suas ideias o status de uma

teoria da experiência, para a qual estabelece critérios que auxiliam em seu direcionamento e

aplicação, os quais elenco na seguinte ordem:

Categoria da continuidade - esse princípio atua como um critério de discriminação na

seleção de experiências com perspectivas humanísticas e democráticas, isto é, está envolvido

em toda tentativa de discriminar as experiências de valor educativo das que não possuem tal

valor;

Hábito28 - sua característica básica é a de que toda ação praticada ou sofrida em uma

experiência modifica quem a pratica e quem a sofre. Significa também que toda experiência

tanto toma algo das experiências passadas quanto modifica de algum modo a qualidade das

experiências que virão;

Crescimento como educação e educação como crescimento – o crescimento não é apenas

físico, mas de desenvolvimento intelectual e moral dos sujeitos. Por esse ponto de vista se

avalia se o crescimento em determinada direção promove ou atrasa o crescimento geral, se

cria condições para crescimentos subsequentes ou estabelece condições que impedem a

pessoa que cresceu nessa direção específica de ter acesso a situações, estímulos e

oportunidades para continuar crescendo em outras direções.

Os princípios teóricos do contínuo experiencial explicitados por Dewey demandam

algumas considerações complementares e nos alertam sobre certas consequências. Por

exemplo, quando avalio que toda experiência exerce, em algum grau, influência sobre as

condições objetivas sob as quais novas experiências ocorrem, devo ter consciência das

27 Esse princípio remonta às discussões sobre a crítica ao ensino pontual pelos investigadores da didática francesa. 28 A concepção ampla de hábito envolve a formação de atitudes emocionais e intelectuais; envolve nossas

sensibilidades básicas e nossos modos de receber e responder a todas as condições com as quais nos deparamos na

vida (DEWEY, 2011, p. 36).

~ 42 ~

consequências de certas escolhas que realizo, a saber, se decido ser professor de matemática,

ao pôr em prática essa intenção, essa escolha, de certa forma, necessariamente limita o ambiente

em que irei atuar no futuro. Isto é, a pessoa se torna mais sensível e responsiva a certas

condições, e relativamente imune a coisas que lhe poderiam ser estimulantes se ela tivesse

feito outra escolha (DEWEY, 2011, p. 38).

Outra advertência de Dewey diz respeito ao que chamou de excesso de indulgência.

Neste caso o processo contínuo decorrente de excesso de indulgência cria no sujeito uma atitude

que opera como um mecanismo automático que exige que as pessoas e objetos atendam a seus

desejos e caprichos no futuro. Caso não tenha limites, o sujeito buscará por tipos de situação

que lhe possibilitem fazer o que gostaria e não o que deve fazer no momento, mostrando-se

adversa a situações que requeiram esforço e perseverança para superar obstáculos, tornando-a,

assim, incapaz de enfrentar tais situações. Nestes termos, o princípio da continuidade da

experiência opera isolando a pessoa em um baixo nível de desenvolvimento, de forma a limitar

posteriormente sua capacidade de crescimento.

Ao evocar o princípio do continuo experiencial e associá-lo ao campo da Educação,

percebi que o professor tem a grande responsabilidade em acompanhar a direção do crescimento

dos sujeitos com os quais se dispõe trabalhar. Isto se dá pela proposição de situações e

atividades que lhes proporcionem o despertar da curiosidade e o fortalecimento de iniciativas

que deem origem a desejos suficientemente intensos que levem as pessoas, no futuro, a lugares

além de seus limites. Concordo, nestes termos, com Dewey (2011, p. 38) quando afirma que

toda experiência é uma força em movimento, competindo a nós, professores, acompanhar

responsavelmente as direções para as quais caminham as experiências de nossos estudantes.

Outro aspecto sobre a experiência, relevante segundo Dewey, é o das condições

objetivas29 em que essa experiência se processa. Tais condições implicam a compreensão de

que a experiência não ocorre apenas no interior da pessoa, onde se processam os desejos,

atitudes e propósitos, mas é fortemente influenciada pelas condições externas, ambientais que

lhe conferem condições de desenvolvimento.

29 Considero oportuno situar que repercussões de tais considerações em minha atuação como educador implicaram

tanto em estar atento ao princípio geral de que as condições ambientais modelavam minhas experiências presentes,

quanto exigiam que eu reconhecesse, concretamente, que as circunstâncias ambientais conduziam as experiências

que levavam meus interlocutores e a mim ao crescimento. Essa compreensão me responsabilizava como formador,

saber como utilizar as circunstâncias físicas e sociais existentes, delas extraindo tudo o que pudesse contribuir para

a construção de experiências válidas pelo grupo de professores com o qual trabalhava.

~ 43 ~

Vivemos do nascimento à morte em um mundo de pessoas e coisas, em grande

medida, é o que é por causa do que vem sendo feito e transferido a partir de atividades

humanas anteriores. Quando esse fato é ignorado, a experiência é tratada como algo

que passa exclusivamente dentro do corpo e da mente de um indivíduo. Não deveria

ser necessário dizer que a experiência não ocorre no vácuo. Há elementos fora do

indivíduo que dão origem às experiências que são constantemente alimentadas por

esses elementos. (DEWEY, 2011, 40)

A este princípio que atribui direitos iguais a ambos os fatores da experiência – condições

objetivas e condições internas – chama-se interação (DEWEY, 2011, p. 43). Qualquer

experiência se dá por intercâmbio entre esses dois grupos de condições. Quando consideradas

em conjunto, isto é, em interação, as condições objetivas e internas formam o que chamamos

situação30.

A afirmação de que os indivíduos vivem em um mundo significa, concretamente, que

eles vivem em uma série de situações. E quando dizemos que eles vivem em uma série

de situações, o significado da palavra em é diferente do seu significado quando

dizemos que as moedas estão “em” um bolso ou que a tinta está “em” uma lata. Isso

significa, mais uma vez, que está ocorrendo interação entre um indivíduo, objetos e

outras pessoas. (DEWEY, 2011, p.44)

Neste sentido, interação e situação são inseparáveis, isto é, minha experiência sempre

é o que é por conta de uma íntima relação entre o que acontece interiormente comigo e o que,

no momento, constitui o ambiente em que estou. Integram este ambiente, portanto, as pessoas

com quem estou conversando, o assunto da conversa, o livro que estou lendo, o material com o

qual realizo um experimento, ou seja, o ambiente é quaisquer condições em interação com

minhas necessidades pessoais, desejos, propósitos e capacidades de criar a experiência pela qual

estou passando.

Os princípios de continuidade e interação também são indissociáveis. Constituem, pois,

os aspectos longitudinal e lateral da experiência. Estes aspectos conferem dinâmica a sucessão

das situações, sendo que por conta da continuidade, algo é levado de uma situação anterior para

outra posterior. Assim, o que aprendo no processo de aquisição de um conhecimento ou

habilidade em uma determinada situação, torna-se instrumento para que eu possa lidar com uma

situação posterior.

Para Dewey a união ativa entre continuidade e interação é o que dá a medida do valor

da experiência e cabe ao educador regular, ao nível de suas possibilidades, as condições

objetivas da experiência. Dentre estas se inclui o que é feito e como é feito pelo educador, como:

30 Apresento um breve estudo sobre as situações de ordem didática na Composição III deste trabalho.

~ 44 ~

as palavras faladas e o tom de voz em que são faladas; os equipamentos, livros, aparelhos,

brinquedos e jogos; materiais com os quais os sujeitos interagem e, acima de tudo, a ampla

organização social e cultural na qual uma pessoa está envolvida.

Em relação à teoria do contínuo experiencial de Dewey há muito que explorar.

Entretanto, reservo-me, por ora, a tratar de conclusões decorrentes dos princípios da

continuidade e interação, para assentar que toda experiência presente deve preparar o aprendiz

para uma experiência futura, isto quer dizer que o futuro deve ser considerado em cada estágio

do processo educativo, tomando-se cuidado, porém, com certos aspectos traiçoeiros desta

preparação. Por exemplo, é um equívoco supor que a simples aquisição de certa quantidade de

conhecimento, deva ser ensinada e estudada porque pode ser útil em algum momento no futuro,

assim como é também um equívoco supor que a aquisição de certas habilidades constituirá

automaticamente a preparação para seu uso futuro. Isto porque as condições futuras podem ser

bem diferentes daquelas em que os conhecimentos ou habilidades foram adquiridos.

A questão da preparação dos sujeitos para as condições futuras merece séria atenção, é

importante termos em mente que sempre vivemos o tempo em que estamos e não outro tempo,

e é só extraindo de cada tempo presente o sentido completo de cada experiência presente que

estaremos preparados para fazer o mesmo no futuro (DEWEY, 2011, p. 50-51). Carecemos,

portanto, de parâmetros a nossa ação educativa, ao que Dewey estabelece como os elementos

que nos auxiliam na condução das experiências e atribuição de significados a aprendizagem,

mantendo sob supervisão os impulsos e desejos dos sujeitos até que possam sobre eles operar a

observação e o julgamento, a esta operação chamou de atividade inteligente.

Os procedimentos de uma atividade inteligente envolvem, segundo Dewey (2011, p.

70), o seguinte:

1) Observação das condições que a cercam31;

2) O conhecimento do que aconteceu em situações similares no passado, um conhecimento

obtido parcialmente pela recordação, como também pelas informações, conselhos e

advertência por parte daqueles que já possuam uma maior experiência e;

3) Pelo julgamento que nos permite juntar o que observamos com o que recordamos para

compreender o que significa toda a situação.

31 Convém salientar que nem sempre tais condições são perceptíveis ou estão claras.

~ 45 ~

Uma preocupação que considero pertinente sobre esta condução das experiências, se

relaciona com o fato de, apesar de sempre planejar as atividades julgando-as inteligentes e, por

isso, pensava atender às expectativas da maioria dos os integrantes do grupo, percebi, porém,

que nem sempre obtinha o retorno esperado, em termos de aprendizagem, de boa parte dos

envolvidos. Questionava-me sobre o que faz com que os professores atribuam significado a

certas situações e outras não?

Parece-me adequado concluir, com base no contínuo experiencial, que cada um dos

sujeitos passa por um processo distinto, atribuindo significados diferentes ao contexto

experienciado por compreendê-lo como uma situação diferente, sob condições diferentes,

mesmo que compartilhem um mesmo ambiente. Torna-se de fundamental importância que os

professores em formação tenham à disposição uma preparação a mais rica possível de situações

que suscitem a integração entre a dimensão objetiva e subjetiva de cada sujeito em prol de

significações propícias ao desenvolvimento da aprendizagem da docência.

Tecendo relações entre Experiência e Aprendizagem Profissional Situada em

Comunidades de Prática (CoP)

Em sua obra - Como Pensamos – Dewey (1979) nos possibilita compreender com mais

propriedade o significado que ele atribuía à experiência. O termo experiência, segundo o autor,

pode ser interpretado como a atitude empírica ou experimental da mente. A experiência não

seria algo rígido e fechado, mas sim algo vital e, portanto, em movimento e em

desenvolvimento. Quando esta experiência está dominada por um passado, pelo costume e pela

rotina, invariavelmente se opõe ao racional e à reflexão. Contudo, a experiência também pode

incluir a reflexão que nos libera da influência limitadora do sentido, do desejo e da tradição.

Neste sentido, poder-se-ia definir a tarefa da educação como emancipação e ampliação da

experiência e o seu trabalho exerceria a função social de proporcionar ao jovem a oportunidade

de julgar a partir de seu ponto de vista o planejamento e construção de sua realidade, de forma

criativa e reflexiva, sem por isso cortar as relações emocionais com sua história.

Mais uma vez evidenciamos a função reflexiva como relação entre condições internas

(subjetividade do sujeito) e condições objetivas (ambiente) da experiência, formando uma

situação ou série de situações. A experiência de um sujeito é o que é por causa de uma transação

que acontece entre este sujeito e o que, no momento, constitui seu ambiente. Vivemos, portanto,

~ 46 ~

em uma série de situações e em contínua interação com o meio (DEWEY, 2011). Condições

internas e objetivas constituem, pois, princípios inseparáveis na noção de experiência que

resgato para fundamentar alguns pressupostos sobre a aprendizagem neste trabalho,

estabelecendo interlocução com as quatro premissas32 de Jean Lave (2001) sobre o

conhecimento e a aprendizagem situados em uma comunidade de práticas (CoP) (WENGER,

2001).

Neste sentido, uma vez que a experiência é constituída de condições internas (1) A

aquisição de conhecimento não é uma simples questão de absorver conhecimento. Contudo, a

experiência não se processa simplesmente no interior da pessoa. Embora seja certo que lá se

processa, pois influencia a formação de valores, de atitudes e desejos, além de que toda

experiência genuína muda as condições objetivas em que se passam as experiências, isto é,

experiências prévias mudam as condições objetivas em que se passam as experiências

subsequentes (DEWEY, 2011, p. 40), ou seja, (2) o conhecimento sempre se constrói e se

transforma ao ser usado. Exemplos disso são as construções de ferramentas, utensílios, novas

tecnologias etc. Se assim não ocorresse e fossem destruídas as condições externas da

experiência civilizada, nossa experiência regrediria a um nível mais primitivo, o que não ocorre

porque (3) A aprendizagem é parte integrante da atividade no/com o mundo, em todos os

momentos. O que leva a crer que construir aprendizagem não constitui problema. Mas deve se

desenvolver a partir de condições de experiência que deem origem a uma busca ativa por

informações novas, visto que nenhum problema surgirá a não ser que uma dada experiência

conduza a um campo que não seja previamente conhecido, que apresente novos problemas,

estimulando a reflexão (DEWEY, 2011, p. 82), isto é, (4) o que se aprende é sempre

complexamente problemático.

Fiorentini (2013b), tomando por base essas premissas de Lave (2001) no contexto da

aprendizagem situada, questiona-se sobre: O que seria uma aprendizagem docente em uma

comunidade de professores de matemática? Que práticas seriam formativas no interior dessa

comunidade? e; Faz sentido transmitir conhecimentos descontextualizados e formais para essa

comunidade, sem estabelecer relações com as suas práticas cotidianas?

32 As quatro premissas de Lave (2001, p. 20) são: 1) O conhecimento sempre se constrói e se transforma ao ser

usado; 2) A aprendizagem é parte integrante da atividade no/com o mundo, em todos os momentos. Ou seja,

produzir aprendizagem não se constitui um problema; 3) O que se aprende é sempre complexamente

problemático; 4) A aquisição de conhecimento não é uma simples questão de absorver conhecimento.

~ 47 ~

Valendo-me destes questionamentos e dos referenciais destacados, oriento-me na

análise das participações e reificações33 dos professores tomados como sujeitos desta

investigação. Concordando com Fiorentini (2013b, p. 2) que:

Nesse contexto de aprendizagem situada, parece fazer muito sentido [o] estudo,

análise e problematização das práticas de ensinar e aprender dos próprios professores

envolvidos. Os formadores e professores podem, juntos e colaborativamente, elaborar

tarefas de ensino ou analisar episódios de sala de aula, os quais podem ser registrados

em vídeos ou narrados oralmente ou por escrito pelos próprios professores

participantes.

Deste modo, considero pertinente, ao investigar a aprendizagem profissional situada em

uma comunidade específica de professores e professores de matemática em formação inicial,

no interior do Estado do Pará, desenvolver um estudo meta-analítico sobre as experiências

formativas que desenvolvemos. Nesta meta-análise, tomarei como foco analítico as evidências

de aprendizagem profissional produzidas pelos participantes do projeto PIBID, tendo como

referência, a produção, transformação e mudança histórica das pessoas que participaram

daquela comunidade34.

Algumas pistas sobre as situações em que se evidenciam a aprendizagem docente de

sujeitos que participam de comunidades investigativas podem ser consultadas ainda em

Fiorentini et al. (2005) e Fiorentini (2009). Uma reflexão constante nestes trabalhos é a da

evidenciação de que comunidades investigativas35 possuem por característica comum a

heterogeneidade, isto é, contam com a participação de professores da Escola e de formadores e

acadêmicos da Universidade. Contudo, essa heterogeneidade não é vista de maneira hierárquica

ou desigual (FIORENTINI, 2013a, 2013b), mas com diferentes conhecimentos e excedentes de

visão entre os participantes (BAKHTIN, 2011). Conforme nos expressa Fiorentini (2013, p.4):

Os professores da escola básica, por exemplo, trazem como excedente de visão, em

relação aos formadores e futuros professores, um saber de experiência relativo ao

ensino da matemática nas escolas e conhecem as condições e as possibilidades de

determinadas tarefas e práticas letivas. Os conhecimentos que mobilizam e produzem

são situados na complexidade de suas práticas, sendo esta a principal referência nos

processos de negociação de sentidos e significados durante a elaboração de tarefas, de

33 Definirei tais termos mais à frente. 34 Darei atenção especial às reificações produzidas pelos (ou com os) participantes nessa comunidade, as quais

compreendem a elaboração e discussão de tarefas de ensino, registros ou episódios de aulas narrados, tais como

capítulos de livro, artigos publicados em periódicos ou em anais de congressos, dissertações de mestrado, atas

ou gravações de encontros do grupo, dentre outros (FIORENTINI, 2013b). 35 Comunidades investigativas são comunidades de prática, geralmente colaborativas, formadas por professores

que têm se interessado em investigar suas próprias práticas de ensinar e aprender matemática em contextos

escolares (FIORENTINI, 2011, p.10).

~ 48 ~

análise de episódios ou situações de ensino-aprendizagem. Os formadores da

universidade, por sua vez, têm como excedente de visão as teorias e metodologias a

partir das quais produzem análises, interpretações e compreensão das práticas

escolares vigentes, com o propósito de problematizá-las e desnaturalizá-las. Os

futuros professores apresentam como excedente em relação aos demais participantes,

suas habilidades no uso das tecnologias de informação e comunicação e uma maior

proximidade ou compreensão das culturas de referência dos alunos da escola básica.

Em relação à caracterização de excedente de visão expresso por Fiorentini (2013b),

tenho a inferir que tal estrutura não deve ser assumida de forma rígida, visto existirem

comunidades investigativas com características variadas em que, por exemplo, o excedente de

visão tecnológico ou compreensão das culturas de referência dos alunos é mais próprio dos

professores da escola básica ou dos formadores do que dos ‘futuros professores’ e, ainda, é

possível, e não excludente, que ‘futuros professores’ manifestem excedentes de visão em

relação aos demais participantes do grupo sobre as teorias e metodologias provenientes de sua

formação na Universidade. Ou seja, é prudente compreender que os excedentes de visão,

embora próprios de uma categoria, assumem caráter relativo e isso possibilita que os integrantes

do grupo, apesar da heterogeneidade, comportem-se de maneira participativa e colaborativa.

Cumpre assim destacar, nas comunidades de prática, nas comunidades investigativas e nos

grupos colaborativos, a importância do nível de participação e reificação dos seus integrantes,

visto que toda aprendizagem é situada em uma prática social que acontece mediante

participação ativa em práticas de comunidades sociais e construção de identidades com essas

comunidades (LAVE & WENGER, 1991). Ou seja,

Os saberes em uma comunidade de prática são produzidos e evidenciados através de

formas compartilhadas de fazer e entender dentro da comunidade, as quais resultam

de dinâmicas de negociação, envolvendo participação plena ou periférica legítima e

reificação na (ou a partir da) comunidade (FIORENTINI, 2013b, p. 6).

Conforme esta interpretação, a participação se apresenta como um processo pelo qual

os membros de uma comunidade compartilham, discutem e negociam significados sobre o que

fazem, falam, pensam e produzem conjuntamente, enquanto a reificação significaria tornar em

coisa, referindo-se não apenas aos objetos materiais (textos, tarefas, materiais manipulativos),

como a conceitos, ideias, rotinas e teorias que dão sentido às práticas da comunidade. A

participação e a reificação são, portanto, processos interdependentes e essenciais à

aprendizagem e à constituição de identidades de/em uma comunidade (FIORENTINI, 2013b,

p. 6).

~ 49 ~

Outro ponto importante de auxílio à identificação de evidências de aprendizagem

docente segundo este autor, diz respeito à construção de uma profissionalidade investigativa

pelo professor. Esta profissionalidade docente estaria calcada no trabalho de investigação, que

se distingue da simples reflexão da prática, em que o professor assume uma postura

investigativa tanto em relação ao conhecimento gerado por outros de fora do contexto local

como do que é construído por meio dos esforços conjuntos dos integrantes da comunidade

(COCHRAN-SMITH & LYTLE, 2009).

Essa profissionalidade não deve ser definida ou caracterizada apenas pelos saberes de

base de uma profissão, mas também a partir dos princípios e valores ético-políticos cultivados

pelos profissionais em uma comunidade (FIORENTINI, 2009, 2013a). Por isso considero que

este caráter de profissionalidade investigativa pode e deve ser cultivado desde a formação

inicial dos professores, sob uma perspectiva planejada de formação compartilhada de

professores, buscando a indissociabilidade entre pesquisa, ensino e extensão (GONÇALVES,

T, 2005, 73). Esta ação implica uma relação estreita entre experiência, desenvolvimento

profissional e constituição de uma identidade docente.

Identidade e Desenvolvimento Profissional Docente (DPD)

(Re)construindo significados a partir da experiência

Temos visto neste trabalho que experiência é um termo de conceituação complexa e

muitas vezes de difícil apreensão. Talvez isso ocorra devido abranger diferentes maneiras pelas

quais podemos apreender e construir a realidade, desde os mais diretos como a audição, olfato,

paladar e tato, passando pela percepção visual ativa até chegar a uma maneira mais subjetiva e

indireta como a simbolização.

A experiência não é desprovida de emoção. Pelo contrário, é esta que lhe confere

qualidade por meio dos sentimentos. Os sentimentos por sua vez são intencionais, dizem

respeito a “alguma coisa” – um calor sufocante, uma provocação irritante, um amável elogio.

Os sentimentos, nestes termos, são reveladores de duas facetas da experiência: uma que indica

qualidades sentidas quanto às coisas, às pessoas e ao mundo; e outra que desvela a maneira

pelo qual o eu é afetado intimamente (RICOEUR, 1967, p. 127).

~ 50 ~

O termo experiência, assumido aqui como uma categoria de pesquisa, não deve ser

tomado como o resultado de uma situação de passividade, como a de alguém que é experiente

por ter lhe acontecido muitas coisas, tampouco como alguém que adquire experiência por ter

estado dentro de uma situação como a de um “botão que está dentro de um bolso”. A experiência

que julgo apropriada e necessária à construção que promovo neste trabalho é a que implica a

capacidade de aprender a partir da vivência. Experienciar é aprender, significa atuar sobre o

dado e criar a partir dele (TUAN, 2013, p. 18). Exploro, pois, experiências relativas a

constituir-se como professor de matemática. Experiências estas que, constatei, constituem uma

aprendizagem complexa, visto que as situações investigadas evidenciam que lidar com as

contingências da sala de aula implicam discernimentos, habilidades e competências que

superam em muito a simples transferência de conhecimentos.

Neste sentido, embora pesquisas mostrem que situações vivenciadas como alunos são

forte influência no trabalho do professor em sala de aula, porque correspondem a experiências

reiteradas relativas ao ensino, à aprendizagem, à avaliação, à relação professor-aluno, ao papel

do professor e do aluno em aula (CAMARGO, 1998), o que confere um valor autêntico ao

discurso de que o processo de aprender a ensinar começa muito antes dos alunos

frequentarem os cursos de formação de professores (FEIMAN-NENSER & BUCHMANN,

1987, p. 62 apud DARSIE & CARVALHO, 1998). É, entretanto, nossa responsabilidade na

formação inicial, levá-los a exteriorizarem suas ideias e auxiliá-los na elaboração de concepções

mais apropriadas sobre o ensino e a profissão docente.

Este processo de constituir-se professor de matemática ganha consistência, portanto, se

orientado e acompanhado por um pensamento reflexivo, que Dewey (2011) define como uma

espécie de pensamento que consiste em examinar mentalmente o assunto e dar-lhe

consideração séria e consecutiva. Deste modo, o objeto da reflexão do professor em formação

inicial passa a ser a prática de ensinar e aprender, posto que,

É a partir da problematização da prática que o professor passa a refletir e produzir

significados para os acontecimentos que vivencia. Os saberes específicos de conteúdo

– muitas vezes adquiridos nos cursos de licenciatura – sofrem (re)significações

quando trabalhados em sala de aula, pois passam a ser imbricados com as questões

pedagógicas e curriculares. Constituem, assim, uma unidade em que não é mais

possível separar o conteúdo específico, do pedagógico e do curricular. (NACARATO

et al., 2006, p. 200)

Desta forma, é de suma importância o professor em formação inicial atuar o quanto

antes em sala de aula, visto que esta experiência pode se configurar como uma formação para

~ 51 ~

o docente iniciar seu desenvolvimento profissional (GONÇALVES T., 2000). O que,

infelizmente, parece não acontecer, com frequência, com os estudantes da licenciatura

(MENDES & GONÇALVES, 2007, p. 49).

Sobre este contexto, Mendes & Gonçalves (2007, p. 50) afirmam que unir a formação

ao desenvolvimento da profissão possibilita ver a formação como uma aprendizagem

constante. Esta visão é corroborada por pesquisadores como Ponte (1996, 1997), Polettini

(1999) e Fiorentini (2009, 2010, 2013a), que admitem que o desenvolvimento profissional

envolve sempre alguma aprendizagem e, por consequência, alguma mudança. Para Ponte (1997,

p. 44), por exemplo,

O desenvolvimento profissional do professor corresponde a um processo de

crescimento na sua competência em termos de práticas lectivas e não lectivas, no

autocontrolo da sua atividade como educador e como elemento activo da organização

escolar. O desenvolvimento profissional diz assim respeito aos aspectos ligados à

didáctica, mas também à acção educativa geral, aos aspectos pessoais e relacionais e

de interacção com os outros professores e com a comunidade extra-escolar.

A noção de desenvolvimento profissional do autor é próxima à noção de formação, mas

não deve ser tomada como uma noção equivalente a ela. Pois ele alerta para algumas diferenças

que são observadas quando percebemos que a formação está mais associada à ideia de

“frequentar” cursos, numa lógica mais ou menos “escolar”; enquanto o desenvolvimento

profissional ocorre por meio de múltiplas formas e processos, que inclui a frequência de cursos,

mas também outras atividades, como: projetos, troca de experiências, leituras, reflexões.

Enquanto a formação seria um movimento de fora para dentro, cabendo ao professor absorver

os conhecimentos e informação que lhes são transmitidos; com o desenvolvimento profissional

está-se a pensar num movimento de dentro para fora, na medida em que o professor toma as

decisões fundamentais relativamente às questões que quer considerar, aos projetos que quer

apreender e ao modo como os quer executar, ou seja, o professor é objeto de sua formação,

mas é sujeito no desenvolvimento profissional (PONTE, 1996, p. 142).

Polettini (1999), por sua vez, chama a atenção para a existência de pontos críticos e

incidentais em comunhão com nossos interesses para mudar ou resistir à mudança. Dessa

maneira, é de suma importância o professor analisar os desafios e experiências que poderiam

ter influenciado as mudanças, enfatizando a sua percepção do que ocorreu. Além disso, a

profissão do professor é repleta de desafios, que embora possam ser os mesmos para um

conjunto de pessoas, cada sujeito deste grupo é diferente, e reage diferentemente aos mesmos

~ 52 ~

estímulos. Neste sentido, ao refletirmos sob a lógica da noção de experiência em Dewey, é

possível percebermos que, embora os desafios externos (componentes sociais e objetivos)

possam influenciar uma mudança, o desenvolvimento não ocorre somente em resposta a

desafios externos, mas, também em resposta a perturbações internas (componentes subjetivos).

Faz-se necessário, portanto, analisar mais profundamente o “interplay” entre o componente

social e o componente individual no estudo do desenvolvimento profissional do professor.

Nestes termos, parece plausível dizer que ninguém muda ninguém, isto é, a mudança

ocorre, em grande parte, de dentro de cada um, segundo seu desejo e disposição para enfrentar

os riscos inerentes às inovações e inseguranças de novas abordagens. Entretanto, é possível

dizer que a aprendizagem do professor ocorre quando ele adquire a capacidade de ver, ouvir

e fazer coisas que não fazia antes (CHRISTIANSEN & WALTHER, 1986). Para Chevallard

(1991, 2003), esta aprendizagem ou manifestação de mudança é uma mudança de relação a

um objeto de saber (de comportamento, de valor moral, de compreensão de um conteúdo

disciplinar, de um procedimento metodológico ou técnica) sob o constrangimento da relação

institucional, ou seja, o sujeito aprende e se desenvolve na medida em que estabelece relações

em conformidade com as instituições – família, escola, universidade, sociedade. Neste sentido,

a aprendizagem da docência e o desenvolvimento profissional implicam, para o professor, um

processo contínuo de sujeitamento e construção de identidade em relação aos saberes de uma

instituição de referência, como um grupo de professores, uma escola, um grupo de estudo,

dentre outros.

O Processo de socialização e mudança

Para Dubar (1997) o caráter de mudança e desenvolvimento constitui o que chama de

socialização, definido, essencialmente, como uma construção lenta e gradual de um código

simbólico. A socialização é, enfim, um processo de identificação, de construção de identidade,

ou seja, de pertença e de relação. Socializar-se é assumir o sentimento de pertença a grupos (de

pertença ou referência), ou seja, assumimos pessoalmente as atitudes do grupo que, sem nos

percebermos, guiam nossas condutas.

O sinal decisivo de pertença a um grupo é a aprendizagem de um “saber intuitivo”, que

está de acordo com a interessante fórmula de começar a pensar com os outros. Este saber

implica assumir-se de acordo com o passado, o presente e o projeto do grupo, tal como eles

~ 53 ~

exprimem no código simbólico comum que fundamenta a relação entre os membros

(DUBAR, 1997, p. 32). Assim, se as experiências constitutivas de identidades sociais são

produzidas pela história dos indivíduos, elas também são produtoras da sua história futura (à

semelhança do contínuo experiencial em Dewey).

Este futuro depende não só da estrutura “objetiva” dos sistemas nos quais se

desenvolvem as práticas individuais e nomeadamente do estado das relações sociais

no interior destes campos, mas também do balanço “subjetivo” das capacidades

individuais que influenciam as construções mentais das oportunidades destes campos.

As identidades resultam, portanto, do encontro de trajetórias socialmente

condicionadas por campos socialmente estruturados. (DUBAR, 1997, p. 59)

O destaque acima me leva a interpretar que esta construção identitária é dialética, visto

que a aprendizagem é singular ao sujeito e produzida a partir de interações do indivíduo da

consciência e da estrutura social, na qual este está inserido, sendo a identidade um fenômeno

que deriva da dialética entre um sujeito e a sociedade. Esta identidade forma-se e é remodelada

através de processos de relações sociais (BERGER & LUKMAN, 1985, p. 228).

É a partir desta perspectiva social que Lave & Wenger (1991) asseveram que toda

aprendizagem é situada em uma prática social que acontece mediante participação ativa em

práticas de comunidades sociais e construção de identidades com essas comunidades. Para

estes autores, os saberes em uma comunidade de prática (CoP) 36 são produzidos e evidenciados

através de formas compartilhadas de fazer e entender dentro da comunidade, as quais resultam

de dinâmicas de negociação, envolvendo participação ativa e reificação de sua prática.

Segundo Fiorentini (2010) é a participação dos professores nas práticas reflexivas e

investigativas do grupo que os tornam membros legítimos da comunidade profissional, sendo

o desenvolvimento profissional e a melhoria de sua prática docente uma consequência dessa

participação. Pesquisas desenvolvidas por este autor junto a grupos colaborativos trazem

indícios de que o desenvolvimento profissional do professor de matemática pode ser expresso

a partir de:

1) Mudanças na produção do currículo escolar, reconhecendo outras possibilidades mais

efetivas de promoção da inclusão escolar de alunos com dificuldades de aprendizagem da

matemática;

36 Comunidade de Prática (CoP) designa uma prática social de um coletivo de pessoas que comungam um sistema

de atividades no qual compartilham compreensões sobre aquilo que fazem e o que fazem e o que isso significa em

suas vidas e comunidades (FIORENTINI, 2010, p. 571).

~ 54 ~

2) Aprendizagem de novos conhecimentos matemáticos a partir da vivência nesse ambiente

exploratório-investigativo;

3) Mudança de atitudes em relação ao saber matemático e à atividade matemática em sala de

aula, assumindo uma postura mais questionadora e aberta a negociação de significados;

4) Acentuação das críticas em relação a si mesmo e às práticas vigentes de ensino da

matemática nas escolas e processos de formação docente.

Algo importante neste processo de mudança é o duplo movimento pelo qual os

professores de matemática se apropriam subjetivamente de um “mundo social”, “do espírito”

da comunidade a que pertencem e, ao mesmo tempo, se identificam com os papéis, ao aprender

a jogar de uma forma pessoal e eficaz neste campo institucional. Na realidade, no processo de

desenvolvimento profissional, os professores em formação inicial começam por “absorver” o

mundo social geral, mas filtram-no à sua maneira através de atitudes particulares que,

simultaneamente, definem as suas relações específicas com os outros membros do grupo e

selecionam determinados papéis em detrimento de outros.

Pesquisadores como Goffman (1963), Berger & Luckmann (1985) e Dubar (1997),

asseveram que o desenvolvimento de um sujeito ocorre mediante um duplo processo de

“mudança de mundo” e de “desestruturação/reestruturação de identidade” que pressupõem as

seguintes condições:

1) Um assumir de “distanciamento de papéis” que inclui uma disjunção de “identidade real” e

de “identidade virtual”37;

2) Técnicas especiais que asseguram uma forte identificação ao futuro papel visado, um forte

“compromisso pessoal”38;

3) Um processo institucional de “iniciação” que permita uma transformação real da “casa” do

indivíduo e uma implicação dos socializadores na passagem de uma “casa” para outra39;

4) A ação contínua de um “aparelho de conversão” que permite manter, modificar e reconstituir

a realidade subjetiva incluindo uma “contradefinição da realidade” (transformação do

37 A identidade real é a interiorizada ou projectada pelo indivíduo, enquanto a identidade virtual é proposta ou

imposta pelo outro. (DUBAR, 1997, p. 85) 38 Como as técnicas de socialização presentes em cursos de formação inicial e continuada, que propiciam a

problematização de contextos e conscientização dos sujeitos no sentido do desenvolvimento de uma inclinação

pessoal a fazer o que é certo. 39 Como os ritos promovidos pelas passagens do sujeito do ensino básico à graduação (vestibular) e da graduação

ao exercício profissional (defesa do Trabalho de Conclusão de Curso - TCC).

~ 55 ~

mundo vivido pela modificação da linguagem)40;

5) A existência de uma “estrutura de plausibilidade”, isto é, de uma instituição mediadora (o

laboratório de transformação), que permita a conservação de uma parte da identidade antiga

acompanhando a identificação a novos outros significativos, percepcionados como

legítimos41.

Segundo Dubar (1997) quando observadas estas condições, a ruptura seria notória,

assiste-se verdadeiras “altercações”, isto é, transformações totais da identidade. O resultado

deste processo de socialização é chamado de ruptura biográfica e é legitimado como uma

“separação cognitiva entre trevas e luz”. Constitui-se, assim, o processo de incorporação da

identidade, que implica uma nova relação frente a si e em relação ao grupo de referência para

o qual se constituiu a mudança psicossocial durante a trajetória vivida42.

Sobre isso, Hughes (1955, apud Dubar, 1997) afirma que a socialização profissional

apresentaria cumulativamente as características de (i) “iniciação” à cultura profissional e (ii)

“conversão” do indivíduo a uma nova concepção do eu e do mundo, ou seja, o assumir de uma

nova identidade. Este autor indica os seguintes mecanismos específicos no processo de

socialização profissional:

A passagem através do espelho - olhar o mundo às avessas, levando à descoberta da

realidade desencantada do mundo profissional;

A instalação da dualidade entre o modelo ideal que caracteriza a “dignidade da

profissão” e o “modelo prático” que se refere às tarefas quotidianas, muitas das quais

bem desagradáveis, e que tende a ser ultrapassada pela identificação com um grupo de

referência (que nem sempre é o grupo de pertença), que representa uma antecipação de

posições desejáveis e uma instância de legitimação;

O ajustamento da concepção do “eu” - que constitui a solução habitual da fase de

conversão última – por abandono e rejeição dos estereótipos – e da dualidade entre o

modelo ideal e as normas práticas.

É por esta razão que qualquer análise dos processos de mudança identitária, de

desenvolvimento profissional ou de inovação se confronta com a questão da aprendizagem

40 Papel assumido mais propriamente pelas instâncias formadoras (Escola, Universidade, Institutos de Formação). 41 Função exercida pelo campo de práticas e sustentado por um corpo teórico/simbólico que permeiam as atividades

de uma comunidade. 42 A noção de "trajectória vivida" designa a forma como os indivíduos reconstroem subjectivamente os

acontecimentos da sua biografia social que julgam significativos (DUBAR, 1997, p. 85)

~ 56 ~

situada nas práxis de um coletivo de atores com potencial para invenção de novos jogos, de

novas regras e de novos modelos relacionais. Nestes termos,

A transação objetiva entre indivíduos e as instituições é, antes de mais, aquela que se

organiza à volta do reconhecimento e do não-reconhecimento das competências, dos

saberes e das imagens de si e que constituem os núcleos duros das identidades

reivindicadas. (DUBAR, 1997, p. 94)

Em suma, para realizar a construção biográfica de uma identidade profissional e,

portanto, social, os indivíduos devem entrar em relações de trabalho, participar de uma forma

ou de outra em atividades coletivas de organizações, e aprender como intervir de uma forma ou

de outra no jogo de atores. O espaço de reconhecimento das identidades, portanto, é inseparável

dos espaços de legitimação dos saberes e competências associados às situações de

aprendizagem constitutivas da identidade e do desenvolvimento profissional.

Desenvolvimento Profissional Docente em uma Perspectiva Catastrófica

(DPDPC)

A formação de significados e traição desses significados no ato de contar; o paradoxo

de um conhecimento voltado para o que é de mais marcante e específico na

experiência, mas fadado a perder a especificidade exatamente ao torna-la

compreensível; o esquecimento do evento que, aqui é sinônimo aberratório da

lembrança: este é o pano de fundo contra o qual vêm se dar tantas obras da nossa

cultura.

(NESTROVSKI & SELIGMANN-SILVA, 2000)

Os autores da epigrafe acima fazem menção sobre algo semelhante ao que tenho tomado

emprestado de Lave & Wenger (1991) como reificação. Não necessariamente ao ato ou

processo de reificar, mas a seu produto, que uma vez tornado em coisa deixa de ter autoria,

passa às considerações da coletividade, às ressignificações43 de sentidos e negociação de

significados para uma possível institucionalização. A perspectiva de desenvolvimento

profissional docente que aqui desenvolvo tem esse caráter, pois embora me tenha utilidade na

forma que reifico seu conceito, tomarão de mim a posse dos significados. Mas farei o possível

para que se torne inteligível, mesmo que por alguns momentos, de sorte que me permita aplica-

43 Adoto neste trabalho o termo ressignificação segundo Fiorentini & Castro (2003, p. 127), que o conceituam

como um processo criativo de atribuir novos significados a partir do já conhecido, validando um novo olhar sobre

o contexto em que o sujeito está imerso.

~ 57 ~

lo ao menos como uma boa metáfora44 ao processo identitário dos professores de matemática,

para os quais busco tecer uma compreensão sobre seus processos de aprendizagem, eventuais

tipos de aprendizagem e desenvolvimento profissional docente, acreditando poder fazer

referência a aspectos sobre esses temas abordando propriedades fundamentais ainda não

aprofundadas pela literatura na forma que as reifico. Neste sentido, o primeiro conceito que

reifico é o de catástrofe.

A catástrofe costuma trazer em si um problema de representação (NESTROVSKI &

SELIGMANN-SILVA, 2000) uma vez que a acepção mais comum está associada a desastres

de ordem natural ou acidentes em larga escala provocados pelo homem, ou seja, experiências

de contingências traumáticas. O que parece ser natural, visto que a etimologia da palavra

catástrofe, que vem do grego, significa, literalmente, “virada para baixo” (kata+strophé).

Outra tradução possível é “desabamento”, “desastre”. Assim, por definição, a catástrofe é um

evento que provoca um trauma, que em grego traduz-se por “ferimento”. A palavra trauma

tem origem indo-europeia, a qual se pode atribuir o sentido de “passar através”, “suplantar”.

Superando esta linha de pensamento, estudos modernos, como os de Freud (apud

NESTROVSKI & SELIGMANN-SILVA, 2000), definem o trauma como uma experiência que

traz à mente, num período curto de tempo, um aumento de estímulo grande demais para ser

absorvido, isto é, uma lembrança que o sujeito não sabe que lembra, mas que se manifesta por

meio de atos sem ligação consciente com a atualidade. Neste sentido, em uma situação, não há,

uma plena assimilação da experiência no momento em que ocorre, mas a posteriori, na repetida

possessão daquele que a experienciou.

Sobre isso, Dewey (2011) afirma que a experiência anterior vive de algum modo na

experiência presente. Visto que, neste momento de retomada, certas circunstâncias recuperam

marcas do passado - saber e não saber se confundem -, o que há de mais concreto e

característico nas memórias traumáticas. Essas memórias imputam complexidade à

44 O modelo heurístico a ser construído apresentar-se-á como uma metáfora do modelo matemático acúspico

desenvolvido por René Thom, que apresenta uma geometria no espaço tridimensional, e encontrará paralelos na

filosofia da experiência de Dewey (2011), bem como em pesquisas com base no paradigma comunicativo e nas

asserções do campo da complexidade. A utilização de metáforas é largamente utilizada nas Ciências Sociais.

Segundo Santos (1989), as imagens, analogias e metáforas desempenham um papel importante e essencial,

responsável em boa medida pelo desenvolvimento e pela inovação científica. Para Contenças (1999), as metáforas

substantivas ou constitutivas (utilizadas pelos cientistas para expressar teses teóricas para as quais não se conhecem

paráfrases literais adequadas) surgem quando há ou parece haver boas razões para acreditar que existem relações

de similaridade e analogia teoricamente importantes entre o assunto principal da metáfora e o assunto secundário.

~ 58 ~

temporalidade da situação, envolvendo construções recíprocas do passado e do presente.

Resgatar as marcas que nos dão consciência da catástrofe nos faz modificar o nosso modo de

perceber e representar o que nos acontece (NESTROVSKI & SELIGMANN-SILVA, 2000).

Torno, com vistas a amenizar o impacto semântico, o termo memória traumática

equivalente ao de memória significativa. Com efeito, e sem perda de generalidade, afirmo que

a memória significativa, assim como a traumática, responde a evocação do sujeito em nova

situação de experiência o que se lhe tem marcado ao espírito por experiências passadas em

situações assemelhadas. É consenso na neurologia que a evocação se faz mediante a ação de

recriação do maior número possível de sinapses pertencentes aos estímulos condicionados dessa

memória (IZQUIERDO, 2011). O sujeito, deve, pois, reconhecer-se em um contexto cujos

sentidos sejam próximos daqueles em que tenham vivenciado experiências no passado.

Antecipo o inquérito afirmando que há, nesse sentido, espaço para a criatividade, posto

que a capacidade criativa de adaptação é, na verdade, influenciada por uma memória

traumática/significativa vivenciada em um contexto passado que por evocação empresta

sentido à nova experiência. Interpreto assim, que é, de modo específico, a evocação que

possibilita o contínuo experiencial apontado por Dewey e dá sentido à possibilidade da

formação docente, posto que, parece ser um consenso geral, que experiências de prática

antecipadas, estimuladas por situações de prática profissionais a serem vivenciadas pelos

professores no futuro, possibilitam a construção de significados próprios para a ação exercida

e constituição de uma identidade profissional pelos professores, mediante a construção de

sinapses permanentes, ou pelo menos duradouras, que venham constituir memórias

significativas que possibilitarão sua evocação no futuro.

Memórias significativas evocadas em situações de práxis são indicativos de que uma

dada experiência teve, de algum modo, efeito sobre o sujeito que a vivenciou. Isto é, são

indicativos de que o sujeito estabeleceu uma (nova) relação para com um objeto do saber

mediante os constrangimentos de uma instituição. Houve, neste sentido, uma mudança do

sujeito, houve uma aprendizagem significativa nos termos que a tenho definido, ou seja,

aprender é dar-se conta, é uma mudança catastrófica. Isto se dá porque nosso mundo é mutante,

e a variabilidade estará sempre presente entre as pessoas, nos produtos ou serviços, em todos

os processos da vida, e também em nós mesmos que somos pessoas diferentes em diferentes

lugares, em diferentes momentos e em diferentes instituições.

~ 59 ~

O mundo muda e com ele mudam nossas relações. Esse processo dinâmico estimula

nosso potencial interior de realização, isto é, uma série de mudanças contextuais estimulam

nosso potencial de desenvolvimento pessoal, em específico, mudanças no contexto profissional

estimulam nosso potencial de desenvolvimento profissional. Esse potencial pode vir a ser

realizado em maior ou menor grau dependendo, especialmente, de dois fatores: a história de

vida do sujeito e o ambiente no qual interatua – a sua vida relacional/institucional (LISONDO,

2011).

Esta concepção de mudança ou desenvolvimento catastrófico é suportado pelo

paradigma pós-moderno que rompe, segundo Kuhn (2006), com as bases da ciência moderna

mediante a apresentação de anomalias e emergência de descobertas que viriam se caracterizar

como novas teorias científicas. Esta perspectiva de mudança ganhou importante contribuição a

partir de uma teoria matemática surgida no final dos anos 60 e consolidada no início dos anos

80, denominada de Teoria das Catástrofes, formulada pelo matemático francês René Thom.

A Teoria das Catástrofes fornece um método universal para o estudo de todas as

transições por saltos, descontinuidades e súbitas mudanças qualitativas. Estas transformações

nada mais são que mudanças de forma. Sobre isso, René Thom (1995) destaca, em sua Teoria

das Catástrofes, que toda ciência é antes de tudo o estudo de uma fenomenologia, isto é, que os

fenômenos que são o objeto de uma disciplina científica dada aparecem como acidentes de

formas definidas em um espaço dado que se poderia chamar o espaço substrato da morfologia

estudada, o qual, nos casos os mais gerais, é tão simplesmente o espaço-tempo habitual. Assim,

à Teoria das Catástrofes interessa de perto às relações entre continuidades e descontinuidades

das formas, fornecendo, como observa Arnoud (1989), um método para a perscrutação das

transições de formas ocorridas por meio de súbitas mudanças qualitativas.

Uma vez que a finalidade deste tópico é apresentar a dinâmica dos processos de

aprendizagem docente a partir da Teoria das Catástrofes de René Thom, o elemento

fenomenológico a ser estudado, em meio a um processo dinâmico, é a aprendizagem docente,

identificada por uma conversão catastrófica, que se caracteriza por uma ocorrência súbita e de

difícil predição. A aprendizagem por conversão catastrófica, como tenho construído,

corresponderia a uma reestruturação abrangente não só do sujeito como de seu entorno objetivo

(aquilo que constitui seu ambiente), posto que ele passa a operar interativamente com os

sistemas ecológicos, sobretudo, estabelecendo uma nova relação com os elementos

~ 60 ~

constitutivos deste contorno, como por exemplo: os outros sujeitos, os objetos de saber, os

valores e princípios institucionais e as restrições econômicas, políticas e culturais.

Antes de prosseguir à construção de um modelo plausível para interpretar a questão da

aprendizagem docente e seus desdobramentos, é imperativo clarificar que não tomarei o termo

catástrofe na acepção corriqueira de "desastre", e sim numa acepção mais fenomenológica

associada à ideia de mudança súbita de estado. No caso específico do estudo em tela, esta

mudança corresponde à conversão devida à aprendizagem docente e à constituição identitária

do sujeito socializado segundo uma instituição de referência.

Outra ressalva que faço, diz respeito às formas. As evidências de desenvolvimento

profissional do professor não são algo simples de se observar, visto que constituem-se em um

processo complexo de mudança. Um modo perspicaz de identificar alguma mudança é delimitar

a forma de uma cultura institucional. A forma da cultura docente consiste nos modelos de

relação e formas de associação características entre os participantes dessa cultura

(HARGREAVES, 1998a). A forma pode ser percebida nas condições concretas em que se

desenvolve o trabalho do professor, mais especificamente o modo como este sujeito articula

suas relações com os demais colegas (FARIAS, 2006, p. 85). E eu acrescentaria, com seus

alunos e com o saber de referência.

Todavia, a respeito das formas, Henri Lefebvre (1991) releva a sua dupla existência,

mental e social, esforçando-se por existir no estado puro como abstração mental e coisa social,

lembrando que a mesma não pode existir no estado puro, sem conteúdo, pois não há forma sem

conteúdo e, reciprocamente, não há conteúdo sem uma forma, o que há é uma unidade

conflituosa e dialética da forma e do conteúdo. Neste sentido, o conteúdo configura-se como

um componente mais conceitual da cultura docente institucional. Consiste pois, nas atividades

substantivas, valores, crenças, hábitos, suposições e formas de fazer as coisas, as quais são

compartilhadas por um grupo de professores ou por uma coletividade mais ampla de docentes

(HARGREAVES, 1998a).

O meio pelo qual os professores se apropriariam mutuamente destes conteúdos e formas,

passa: pela participação ativa nas práticas sociais do grupo, marcada, de um lado pelo

compartilhamento de experiências e problemas relativos à prática pedagógica de ensinar e

aprender em sala de aula e aos múltiplos constrangimentos e possibilidades do trabalho

docente e, de outro, pela realização de leituras, reflexões, investigações e escritas sobre esse

modo de ser-estar na profissão docente (FIORENTINI, 2009, 2013); e pela reificação que

~ 61 ~

sugere o processo de dar forma e sentido à experiência humana mediante a produção de objetos

tais como artefatos, ideias, conceitos ou textos escritos (WENGER, 2001).

Retomando minha inspiração na obra de René Thom, percebo que a modelização das

formas é fugidia, de difícil precisão. Por exemplo, em relação ao desenvolvimento da

criatividade do professor de matemática. Apesar da existência de trabalhos, como o de Tobias

(2004), em que este afirma que o desenvolvimento da criatividade como um dos objetivos do

trabalho pedagógico com a Matemática pode colaborar para a superação da ansiedade

envolvida em sua aprendizagem, além de quebrar barreiras que impedem o sucesso nessa área;

não há, nos documentos oficiais, uma definição do que seja potencialmente criativo ou de

criatividade, ou orientações sobre estratégicas de como estimular a criatividade no campo da

Matemática. Há, porém, uma vasta produção de estudos, pesquisas e experiências que

correspondem a referenciais diferentes, e muitas vezes divergentes, sobre como estruturar uma

boa aula de Matemática. Contudo, recaímos mais uma vez em uma questão do tipo: O que

constitui uma boa aula de Matemática? E com isso surgem inúmeras outras referências

igualmente não convergentes sobre o assunto.

Pelo exposto, vejo que a forma é, por essência, deformável, sendo por isso uma noção

fundamentalmente qualitativa, não sendo uma grandeza do mesmo tipo que o comprimento, a

velocidade, a massa, a temperatura. Assim, Thom (1995) destaca que um dos problemas

centrais postos ao espírito humano é o problema da sucessão das formas, pois qualquer que seja

a natureza última da forma, é inegável que o Universo não é um completo caos, já que neste se

discerne seres, objetos e outras coisas designadas por palavras. Esses seres ou coisas também

são formas, estruturas dotadas de uma certa estabilidade, ocupando uma certa porção do espaço

e durando um certo lapso de tempo, permitindo admitir que o espetáculo do universo é um

movimento contínuo de nascimento, desenvolvimento e destruição de formas, tornando-se o

objetivo de toda ciência prever essa evolução das formas e, se possível, explicá-la.

Sobre a sucessão das formas, René Thom (1995) afirma que o primeiro objetivo consiste

em caracterizar um fenômeno quanto a sua forma, forma espacial, o que significa dizer, antes

de tudo, geometrizar para a partir daí poderem ser estudadas, quer dizer, reconhecidas e

conceitualizadas, de modo que as morfologias devem de alguma maneira usufruir de uma certa

estabilidade, que no caso específico das experiências formativas e processos de aprendizagem

docente, baseia-se na observação repetida de certas situações que fornecem um indicativo um

tanto seguro de sua estabilidade.

~ 62 ~

Na Teoria das Catástrofes se define forma como sendo sempre em última análise uma

descontinuidade qualitativa sobre um certo fundo contínuo (THOM, 1977), sendo próprio de

toda forma, de toda morfogênese, expressar-se por uma descontinuidade das propriedades do

meio. Ou seja, há catástrofe quando uma variação contínua das causas origina uma variação

descontínua dos efeitos, sendo a oposição contínuo/descontínuo, em efeito, a base da percepção

ingênua das coisas e do mundo, recordando a distinção gestaltiana do fundo (continuidade) e

da forma (descontinuidade), levando-o a afirmar que quando uma função apresenta uma

descontinuidade em um ponto, quer dizer muda de valor bruscamente nesse ponto, esse ponto

será dito catastrófico (BOUTOT, 1993).

Analogamente, na interpretação que tenciono, a definição de forma é a que explicitei a

pouco, isto é, diz respeito à cultura institucional. A descontinuidade de ordem qualitativa é

relativa à forma assumida pelo sujeito em processo de socialização/constituição identitária, isto

é, a cada nova relação que o sujeito estabelece com o objeto institucional ocorre, por isso, a

constituição de uma nova forma. Em específico, a cada nova experiência em que ocorra

aprendizagem da docência, o professor de matemática reestrutura sua relação para com pelo

menos um objeto em específico, e constrói, assim, uma nova forma de ser e estar na profissão.

Neste sentido, acredito que oportunidades diferentes em que o professor tenha a

possibilidade de problematizar as situações de ensino-aprendizagem, promovem a evocação de

memórias significativas que provocam a conversão catastrófica. O fundo contínuo é, neste

caso, definido por um percurso formativo, que embora possa ser estratificado para efeito de

estudo45, constitui-se no espaço-tempo usual, caracterizado pelas contínuas e sucessivas

experiências de vida dos sujeitos que, a seu tempo e modo, criam condição para a constituição

identitária do professor, ou melhor, promovem o desenvolvimento profissional em uma

perspectiva catastrófica.

Para Marramao (1995) a verdadeira catástrofe é a criação de identidade por meio da

produção de uma forma, pois toda forma se constitui por meio de um recorte de contornos que

é imposição violenta de limites. Assim, o grande mérito da Teoria das Catástrofes foi dizer que

se poderia produzir uma teoria dos acidentes, das formas, do mundo exterior,

independentemente do substrato, de sua materialidade (THOM, 1977). Com este objetivo René

Thom investigou sete modelos catastróficos, dos quais a catástrofe do tipo cúspide é a de meu

45 A exemplo do que faço na descrição do percurso formativo constante na Composição III deste trabalho.

~ 63 ~

interesse aprofundar, uma vez que este esquema matemático de mudança se manifesta com

maior frequência no mundo, em específico nas dinâmicas estudadas pelas ciências humanas.

A cúspide é uma singularidade que surge quando uma superfície como a da figura 01 é

projetada num plano. Essa superfície é dada pela equação 𝑦1 = 𝑥13 + 𝑥1𝑥2 relativamente às

coordenadas espaciais (𝑥1, 𝑥2, 𝑦1) e projeta-se sobre o plano horizontal (𝑥2,𝑦1). Em

coordenadas locais o mapeamento é dado por 𝑦1 = 𝑥13 + 𝑥1𝑥2, 𝑦2 = 𝑥2.

Fig. 01 – Singularidade Cúspide de Whitney.

Sobre o plano horizontal é possível perceber uma parábola semicúbica, com uma

cúspide (ponta) na origem. Essa curva divide o plano em duas regiões, uma maior à esquerda

da figura, e outra menor à direita. Os pontos da região da direita têm três imagens inversas, isto

é, três pontos da superfície projetam-se em um único ponto do plano. Enquanto isso, pontos da

região da esquerda têm somente uma imagem inversa, e pontos sobre a curva têm duas imagens

inversas. Quando nos movimentamos da região da direita para a da esquerda, duas das três

imagens inversas fundem-se ao atingirmos a curva, e desaparecem em seguida quando

penetramos na região da esquerda, onde cada ponto só tem uma imagem inversa (aqui a

singularidade é uma dobra). Se atingirmos a curva exatamente na cúspide, todas as três imagens

inversas coalescem de uma só vez.

No caso da cúspide aplicada à descrição do fenômeno da aprendizagem e

desenvolvimento profissional docente, o modelo assumiria uma feição dinâmica de

~ 64 ~

compreensão de um sujeito em face a uma dada experiência de ensino e aprendizagem. Nesta

situação de apropriação de uma nova forma da cultura docente o objetivo central é a

aprendizagem da docência e ascensão no nível de compreensão da complexidade das práxis de

ensinar, que aqui definirei pelo eixo vertical A. As obras de inúmeros educadores da atualidade,

dentre os quais posso citar Fiorentini (2006, 2009, 2013), Vázquez (2011), Pimenta (2006a),

Chevallard (1991, 1999), cada uma a seu modo, indicam que o professor deve saber articular

teoria e prática, assumindo-as no processo de ensino como componentes indissociáveis. Neste

sentido, atribuo aos eixos horizontais os componentes domínio da prática P e Compreensão

Teórica T, assim temos esses três parâmetros relacionados entre si constituindo uma superfície

no espaço tridimensional com coordenadas (P, T, A).

Projetando essa superfície no plano (P, T) na direção de A, temos o modelo cúspide da

aprendizagem, que possuiria a seguinte representação:

Fig. 02 – Modelo Cúspide da Aprendizagem da Docência.

Observemos como, nas condições assumidas, a aprendizagem da docência pode ser

modificada devido a relação Teoria-Prática. Se a compreensão teórica T do professor não é

grande, a aprendizagem da docência A cresce monotônica e lentamente com a prática do ensino

P. Se a compreensão teórica T do professor é suficientemente grande, então produz-se um

fenômeno diferente, pois com o aumento da prática de ensino P, a aprendizagem da docência

A pode aumentar com um salto (tal salto ocorre, por exemplo, no ponto 2 da figura 02, à medida

~ 65 ~

que a compreensão teórica e a prática de ensino variam ao longo da curva 1). A região de alta

aprendizagem na superfície é indicada pela atuação de um “bom professor”.

Por outro lado, um crescimento de compreensão teórica T sem estar sustentado por um

aumento correspondente da prática de ensino P conduz a uma catástrofe negativa (no ponto 4

da curva 3 da figura 02), na qual a aprendizagem da docência A reduz-se bruscamente, caindo

na região denominada “Professor Tradicional”46. É possível observar que o salto do estado de

bom professor para professor tradicional e vice-versa se produz ao longo de várias linhas, de

modo que, para valores de aprendizagem da docência A suficientemente grandes, um bom

professor e um professor tradicional podem ter níveis de aprendizagem docente A equivalentes,

diferindo apenas pelo percurso de experiências que constituem a história de vida dos dois

sujeitos.

É importante registrar que tanto um salto qualitativo positivo como uma queda

qualitativa, constituem uma mudança na forma, isto é, configuram uma catástrofe. Tais saltos

ou quedas ocorrem devido perturbações exercidas nas variáveis de controle. Como professores

formadores pouco temos como interferir internamente nos sujeitos para que ocorram saltos

qualitativos positivos, mas é nosso dever propiciar os elementos ambientais que possibilitem o

estabelecimento de novas relações do sujeito para com o objeto de saber, ou seja, nos cabe levar

o sujeito ao encontro do saber (CHEVALLARD, 1991).

O modelo heurístico da Aprendizagem da Docência por conversão catastrófica, sobre

o qual inicio consideração, assumirá uma estrutura mais inteligível quando estiverem explícitos

os elementos do percurso formativo cujas experiências de reflexão individual e coletiva sobre

a prática de ensinar matemática substancializarem os tipos de aprendizagem condizentes com

o que assumo constituir a identidade docente de bons professores de matemática. Contudo, é

possível adiantar que a concepção de desenvolvimento profissional com base na conversão

catastrófica alinha-se com a concepção construtivista, que reconhece que os professores em

formação trazem, por evocação, experiências anteriores a cada nova situação, possibilitando-

lhes constituírem uma nova forma de socialização e identificação com a profissão. Ou seja, a

aprendizagem por meio de experiências ou, como tenho agora definido, aprendizagem por

conversão catastrófica, ocorre ao longo do tempo, e não em momentos isolados, de modo que

46 Esta “queda” catastrófica não deve ser compreendida como uma dezaprendizagem, mas simplesmente como um

investimento de tempo e recurso na condução de uma experiência que não surtiu os efeitos desejados na perspectiva

de uma apreensão pelo sujeito.

~ 66 ~

a aprendizagem ativa requer oportunidades de acessar experiências passadas em novas

situações problemáticas. O modelo que representa esta dinâmica será retomado na Composição

IV como culminância da meta-análise do percurso de formação e convergências deste trabalho.

Para mobilizar a conversão catastrófica do grupo de professores de professores de

matemática em formação inicial, assumi a pesquisa-ação colaborativa como estratégia

formativa e de desenvolvimento profissional, visto que seus princípios e métodos apresentam

potencialidades reflexivas sobre a prática docente que propiciam a problematização da

realidade e projeção de mudanças não só dos sujeitos investigados, mas do coletivo do grupo,

dos alunos das escolas parceiras e da comunidade em geral. Além é claro de fornecer os critérios

necessários à investigação das experiências e evidências de aprendizagem, bem como de um

possível desenvolvimento profissional destes sujeitos, como apresentarei nas composições

subsequentes.

A Pesquisa-Ação Colaborativa (PAC)

A prática docente crítica envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o

pensar sobre o fazer porque os sujeitos envolvidos nesta prática são

epistemologicamente curiosos e por estarem pensando criticamente a prática de hoje

ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática.

(FREIRE, 1996)

As raízes genealógicas da Pesquisa-Ação Colaborativa estão relacionadas à história da

formação dos professores, mais especificamente ao momento em que se acentuam os

movimentos emancipatórios dos professores no sentido de caracterização do que conhecemos

por professor reflexivo (ZEICHNER, 1993). Este movimento, de proporções internacionais, foi

considerado uma reação contra o fato dos professores serem vistos como técnicos que se

limitavam a cumprir o que os outros lhes ditavam de fora da sala de aula, isto é, foi um

movimento de rejeição às reformas feitas “de cima para baixo”, na qual os professores eram

tidos como meros participantes passivos.

Encontrei indícios de tais reformas na literatura científica47 a partir da caracterização de

três grandes fases do percurso evolutivo da investigação pedagógica: a primeira distingue-se

47 As bases teóricas de cada fase podem ser encontradas em Saviani (2002, 2003), no Brasil, a partir de estudos

que caracterizam as teorias pedagógicas “em três grupos: teorias não-críticas, teorias crítico-reprodutivas e teorias

críticas. As teorias não-críticas partem do pressuposto de que a educação tem autonomia em relação à estrutura

social e que podem determinar a equalização das relações sociais; as teorias crítico-reprodutivistas entendem a

educação como um instrumento de discriminação social, que reproduz as relações sociais de produção; e,

~ 67 ~

pela procura das características intrínsecas ao “bom” professor; a segunda define-se pela

tentativa de encontrar o melhor método de ensino; e a terceira caracteriza-se pela importância

concedida à análise do ensino no contexto real da sala de aula (NÓVOA, 2000).

Nas duas primeiras fases a posição dos professores em termos participativos na

construção de propostas formativas era predominantemente passiva, visto que dos anos de 1960

a 1970 os professores foram “ignorados”, parecendo não terem existência própria enquanto

fator determinante da dinâmica educativa, sendo uma das características da fase a redução da

profissão docente a um conjunto de competências e capacidades que realçavam essencialmente

a dimensão técnica da ação pedagógica; enquanto no período de 1970 a 1980 os professores

foram ‘esmagados’, sob o peso da acusação de contribuírem para a reprodução das

desigualdades sociais, uma vez que eram considerados marionetes dos sistemas educacionais e

hegemonias políticas.

A partir do levantamento bibliográfico sobre o tema encontrei evidências de uma recente

mudança de perspectiva no quadro situacional docente, recolocando os professores no centro

dos debates educativos e das problemáticas da investigação de suas práticas, mais

especificamente, a partir da publicação de duas importantes obras: a primeira delas é o

conhecido livro de Donald Schön, The reflective practitioner48, publicado em 1983, que

apresenta como pontos fundamentais da prática reflexiva a valorização dos processos de

produção do saber docente a partir da prática e a pesquisa como um instrumento de formação

de professores (PASSOS et all, 2005, p. 471); a segunda, de acordo com Nóvoa (2000) é a

publicação em 1984, nos Estados Unidos, do livro L’enseignant est une personne49 de Ada

Abraham, em uma importante reunião internacional, em que destaca que a profissão docente

está ligada à construção da identidade profissional através da construção do Eu profissional.

Após estas publicações a literatura pedagógica foi invadida por obras e estudos sobre a

vida dos professores, as carreiras e os percursos profissionais, as biografias e autobiografias

docentes ou desenvolvimento pessoal dos professores. Esses esforços, que exploravam as

possibilidades formativas das práticas reflexivas dos professores ganharam novo ânimo,

fazendo com que fossem resgatados antigos referenciais sobre a prática docente e princípios

finalmente, as teorias críticas compreendem a educação inserida no movimento histórico da tendência de

transformação da sociedade (FACCI, 2004, p. 23). 48 O professor reflexivo. 49 O professor é uma pessoa.

~ 68 ~

democráticos da educação, como os livros Como pensamos (1910), Democracia e Educação

(1916) e Experiência e Educação (1938) de John Dewey.

A partir da valorização do tema reflexão a causa da valorização docente assume

contornos políticos mais profundos como a de promover a profissionalização dos professores

em paralelo com a construção de uma sociedade mais justa e decente (ZEICHNER, 1993, p.

14). E implicou ainda,

No reconhecimento de que os professores são profissionais que devem desempenhar

um papel ativo na formulação tanto dos propósitos e objetivos do seu trabalho, como

dos meios para os atingir. Isto implica que a produção de conhecimentos sobre o que

seria um ensino de qualidade não é propriedade exclusiva das universidades e centros

de investigação e desenvolvimento e de que os professores também têm teorias que

podem contribuir para uma base codificada de conhecimentos de ensino (ZEICHNER,

1993, p. 16).

Conjuntamente a essa dinâmica de valorização dos professores se viu avançarem as

perspectivas de pesquisa como prática social. Uma destas “abordagens”, senão a mais

significativa foi a pesquisa-ação, para a qual situo pelo menos dois grandes períodos: o

primeiro, mais norte-americano, a partir da emergência do termo “cunhado” por Kurt Lewin

nos anos anteriores à Segunda Guerra Mundial, indo até os anos de 1960; e o segundo, mais

europeu, australiano e canadense, do final dos anos 1960 até os dias atuais (BARBIER, 2007).

Assim, a pesquisa-ação variou de uma leitura com perspectivas explicativas/experimentais

(LESSARD-HÉRBERT, 1991) até projetos de ações com vistas à solução de problemas de

ordem social (THIOLLENT, 1986; ZEICHNER, 2005).

Apesar de pesquisas cuidadosas (MCKERMAN, 1991) de cunho historiográfico darem

conta de que a pesquisa-ação fora empregada em diversas iniciativas desde o século XIX, foi

Kurt Lewin quem, em meados de 1940, a teorizou como um procedimento em uma espiral de

passos, cada um dos quais é composta de planejamento, ação e avaliação do resultado da

ação (KEMMIS & MCTAGGERT, 1990, p. 8). Lewin argumentava que “in order to understand

and change certain social practices, social scientists have to include practitioners from the real

social world in all phases of inquiry” (MCKERNAN, 1991, p. 10), isto é, a fim de compreender

e mudar certas práticas sociais, os cientistas sociais têm de incluir os profissionais do mundo

real social em todas as fases da investigação. Foi a partir desta construção de Lewin que a

pesquisa-ação se tornou um método de pesquisa aceitável.

Um dos casos mais citados sobre a pesquisa-ação de Kurt Lewin está registrado em uma

publicação póstuma de 1965, e diz respeito a célebre pesquisa sobre os esforços de

~ 69 ~

convencimento das donas-de-casa norte-americanas a se abastecerem de pedaços de carne de

baixo preço (coração de boi, testículos, tripas), tradicionalmente pouco apreciados por esse tipo

de público. A ocasião fora oportuna para se trabalhar a pesquisa-ação apoiada na ação dos

grupos e necessidades de fazer com que as pessoas participassem na própria mudança de atitude

ou de comportamento num sistema interativo (BARBIER, 2007, p. 29). O caso também

expressa a pesquisa-ação em uma dimensão de emergência, ao que Lewin afirma:

Quando nós falamos de pesquisa, submetemos Action-Research, quer dizer, uma ação

em um nível realista sempre seguida por uma reflexão autocrítica objetiva e uma

avaliação dos resultados. Uma vez que o nosso objetivo é aprender rapidamente,

nunca teremos medo de enfrentar nossas deficiências. Não queremos ação sem

pesquisa, nem pesquisa sem ação (apud MARROW, 1972).

O modelo de Lewin discutia a pesquisa-ação como uma forma de investigação

experimental baseada nos grupos que experimentavam problemas e defendia que os problemas

sociais deveriam servir como lócus de pesquisa das ciências sociais. A morte de Lewin em 1947

não interrompeu o progresso dos trabalhos em pesquisa-ação, que se multiplicaram depois da

segunda grande guerra.

Nos anos cinquenta e início dos anos sessenta a pesquisa-ação foi utilizada no estudo da

indústria, que desenvolveu uma sequência de projetos nos EUA, no Instituto de Tecnologia de

Massachusetts, e no Reino Unido no Instituto Tavistock. (MCKERNAN, 1991). Sob esta

perspectiva a pesquisa-ação se volta para as decisões de grupo, a auto-organização, a

formação dos quadros, a modificação dos estereótipos e a resistência à mudança (BARBIER,

2007, p. 29). No âmbito social, a Escola de Chicago, realizou investigações sobre o

comportamento de grupos de adolescentes, a influência das leis sobre a mudança social, a

integração dos vendedores negros, a solidariedade de grupo, a integração nos prédios

residenciais. Enfim, surgem trabalhos de toda ordem que segundo Barbier (2007) podem assim

serem enumerados:

1) A Action-Research diagnóstica – visa produzir planos de ação encomendados em que uma

equipe de pesquisadores intervém numa situação existente (motim racial, ato de

vandalismo) e estabelece um diagnóstico e recomenda medidas saneadoras;

2) A Action-Research participativa – envolve, desde o início, no processo de pesquisa, os

membros da comunidade em risco;

3) A Action-Research empírica – consiste em acumular os dados das experiências de um

trabalho cotidiano nos grupos sociais semelhantes;

~ 70 ~

4) A Action –Research experimental – exige um estudo controlado da eficácia relativa das

diferentes técnicas utilizadas em situações sociais aproximadamente idênticas.

A pesquisa-ação que a época de Lewin dava habitualmente ênfase a “pesquisa” na sua

concepção, paulatinamente torna a “ação” mais importante. Perspectiva a partir da qual Jacques

Ardoino (1989 apud BARBIER, 2007) diz ser possível categorizar em:

Axiológica – visa amenizar o sofrimento humano, ao trabalhar as disfunções sociais e ao

privilegiar as formas de gestão democrática;

Praxiológica – que otimiza a ação e facilita a decisão;

Metodológica – dividida entre uma clínica de situações sociais, ainda em estado inicial, e

uma opção francamente experimentalista;

Epistemológica – como uma teoria de campo e do contexto e uma oposição entre um modo

de pensamento aristotélico e um modo de pensamento galileano.

Não posso deixar de comentar a importante contribuição de Stenhouse (1971, 1975)50

que, no Reino Unido, desenvolveu um trabalho fundamental sobre o projeto curricular em

Ciências Humanas, assumindo o professor como pesquisador. Stenhouse declarou que todo o

ensino deve ser baseado em uma pesquisa, e que o desenvolvimento da pesquisa e currículo

eram privilégios dos professores (MCKERNAN, 1991, p. 11).

Posso afirmar que a partir desta época a pesquisa-ação dá uma guinada radical,

assumindo tanto no campo social como na educação conceituações tão diversas quanto eram os

projetos desenvolvidos. A exemplo disso destaco as seguintes enunciações sobre a pesquisa-

ação:

Investigação sistêmica, que é coletiva, colaborativa, auto-reflexiva, crítica e realizada

pelos participantes na pesquisa (MCCUTCHEON & JURG, 1990, p.148, tradução

minha).

Uma forma de investigação auto-reflexiva, coletiva, realizada pelos participantes em

situações sociais, a fim de melhorar a racionalidade e a justiça de suas próprias

práticas sociais ou educacionais, bem como a sua compreensão dessas práticas e as

situações em que essas práticas são realizadas (KEMMIS & MCTAGGERT, 1990, p.

5, tradução minha).

Visa contribuir tanto para as preocupações práticas de pessoas em uma situação

imediata problemática e para os objetivos da ciência social pela colaboração conjunta

dentro de um quadro ético mutuamente aceitável (RAPOPORT, 1970, p. 499 apud

MCKERNAN, 1991, p. 4, tradução minha).

50 Apud MCKERNAM, 1991, p. 11.

~ 71 ~

É possível evidenciar nas perspectivas apresentadas pelo menos quatro temas básicos:

1) o empoderamento dos participantes; 2) a colaboração através da participação; 3) a aquisição

de conhecimentos e 4) a perspectiva de mudança social. O processo pelo qual o pesquisador

passa para alcançar esses temas se dá por uma espiral de ciclos de investigação-ação que

consiste em quatro atividades principais: planejamento, ação, observação e reflexão (ZUBER-

SKERRIT, 1992).

Auxilia-me na compreensão dessa evidenciação pensar como Grundy & Kemmis (1981,

apud GRUNDY, 1988) que afirmam existirem três requisitos mínimos para a pesquisa-ação.

Estes requisitos incorporariam as metas de melhoria e envolvimento que caracterizam qualquer

projeto de pesquisa-ação. Tais condições necessárias e conjuntamente suficientes para

pesquisa-ação seriam:

1) O projeto ter como objeto uma prática social, considerando-o como uma ação estratégica

suscetível de melhoria;

2) O projeto desenvolver-se através de uma espiral de ciclos de planejamento, ação, observação

e reflexão, com cada uma dessas atividades a ser sistematicamente e autocriticamente

implementadas e inter-relacionadas; e

3) O projeto envolver os responsáveis pela prática em cada um dos momentos da atividade,

ampliando a participação no projeto gradualmente para incluir os outros afetados pela prática

e manter o controle colaborativo do processo.

Foi assumindo essas condições que a pesquisa-ação passou a tomar por objeto a prática

escolar e posicionar o professor como usuário reflexivo e crítico do saber elaborado por outros,

além de requerer deste professor-pesquisador que desenvolva sistematicamente um saber

educacional que justifique suas práticas educativas assim como as situações educativas

constituídas através de tais práticas (CARR & KEMMIS, 1988). Este professor, de sujeito

passivo, consumidor de ações formativas que conduziam seus trabalhos nas escolas, ou como

“obreiro de uma fábrica” (ELLIOTT, 1990), passa a ser reconhecido, sob a perspectiva reflexiva

e por meio da pesquisa-ação, como agente capaz de promover mudanças sociais.

Como já enunciei, com o resgate das obras de John Dewey no início da década de 1980,

passa-se a reconhecer o professor como prático reflexivo e a riqueza da experiência que reside

na prática dos bons professores. Na perspectiva de cada professor, significa que o processo de

compreensão e melhoria do seu ensino deve começar pela reflexão sobre a sua própria

~ 72 ~

experiência e que o tipo de saber inteiramente tirado da experiência dos outros (mesmo de

outros professores) é, no melhor dos casos, pobre e, no pior, uma ilusão (ZEICHNER, 1993).

Para assumir essa postura promotora de pesquisa-ação-crítico-reflexiva, Zeichner

(1993) resgata em Dewey três atitudes necessárias:

1ª) Abertura de espírito – refere-se ao desejo ativo de se ouvir mais do que uma opinião, de se

atender a possíveis alternativas e de se admitir a possibilidade de erro, mesmo naquilo em que

se acredita com mais força;

2ª) Ponderação cuidadosa das consequências de uma determinada ação – deve-se ser

responsável, perguntando-se porque se está fazendo o que se está fazendo, de modo que se

ultrapasse as questões de utilidade imediata e se pense de que maneira se está obtendo resultado

e para quem. Esta atitude gera pelo menos três tipos de consequências: consequências pessoais

– os efeitos do seu ensino nos autoconceitos dos seus alunos; consequências acadêmicas – os

efeitos do seu ensino no desenvolvimento intelectual dos alunos; e consequências sociais e

políticas – os efeitos do seu ensino na vida dos alunos;

3ª) Sinceridade – a abertura de espírito e a responsabilidade devem ser os componentes centrais

da vida do professor reflexivo, que tem que ser responsável pela sua própria aprendizagem.

Assumir tais princípios significa compreender que a reflexão não consiste em um

conjunto de passos ou procedimentos específicos a serem usados pelos professores

(ZEICHNER, 1993, p. 18). Pelo contrário, é uma maneira de encarar e responder aos

problemas, uma maneira de ser professor.

Aspectos constitutivos da pesquisa-ação colaborativa

Quando a busca de transformação é solicitada pelo grupo de referência à equipe de

pesquisadores, a pesquisa tem sido conceituada como pesquisa-ação colaborativa,

onde a função do pesquisador será a de fazer parte e cientifizar um processo de

mudança anteriormente desencadeado pelos sujeitos do grupo.

(PIMENTA, 2005a)

Ao encontro da formação de grupos de professores de espírito aberto, responsáveis e

sinceros, tem-se buscado práticas de pesquisa que privilegiem processos de intervenção que

visem transformar determinadas realidades, emancipando os indivíduos que dela participam. É

diante desse contexto que a pesquisa-ação em educação começa a adquirir intencionalidade

~ 73 ~

claramente emancipatória, via reconhecimento da dimensão política que a pesquisa assume no

âmbito do desenvolvimento profissional docente (IBIAPINA, 2008).

A pesquisa-ação desenvolvida com o propósito de transformar as escolas em

comunidades críticas de professores que problematizam, pensam e reformulam práticas, tendo

em vista a emancipação profissional, postula o professor como um sujeito que compartilha com

os pesquisadores a atividade de transformar as práticas, a escola e a sociedade. Portanto, as

pesquisas deixam de investigar sobre o professor e passam a investigar com o professor,

trabalhando na perspectiva de contribuir para que os docentes se reconheçam como produtores

de conhecimentos, da teoria e da prática de ensinar, transformando, assim, a compreensão e o

próprio contexto do trabalho escolar (IBIAPINA, 2008).

A perspectiva sobre os objetivos da abordagem de pesquisa-ação defendidos por

Thiollent (1986) - articular o desenvolvimento profissional dos professores envolvidos;

analisar os processos de construção dos saberes pedagógicos pela equipe escolar; estimular

mudanças na cultura organizacional escolar; e oferecer subsídios para as políticas públicas

de formação contínua de professores – me remete a uma dimensão importante de ser

explicitada, que diz respeito a: como fazer pesquisa-ação?

Diante dessa questão, e considerando o potencial formador da prática (da pesquisa da

prática) assumo que a mediação entre pesquisa educacional e ação reflexiva docente é a base

de nossa epistemologia da prática, pois o profissional não pode constituir seu saber-fazer,

senão a partir de seu próprio fazer (PIMENTA, 2005a, p. 17), o que me leva a crer ser possível

desenvolver a pesquisa/formação docente por meio de um processo em forma de espiral de

ciclos auto-reflexivos51 de:

Planejamento de uma mudança;

Ação e observação do processo e das consequências dessa mudança;

Reflexão sobre esses processos e suas consequências, e então;

Replanejamento, e assim por diante.

51 KEMMIS & WILKINSON in PEREIRA & ZEICHNER, 2011.

~ 74 ~

Fig. 03 – A espiral de ciclos auto-reflexivos na pesquisa-ação.

Kemmis & Wilkinson (2011) advertem que o processo de pesquisa-ação não é tão

organizado como essa espiral de ciclos autocontidos de planejamento, ação e observação e

reflexão sugere.

Esses estágios sobrepõem-se e os planos iniciais rapidamente tornam-se obsoletos à

luz do aprendizado a partir da experiência. Na verdade, o processo é provavelmente

mais fluido, aberto e sensível. O critério para avaliar o sucesso da pesquisa-ação não

se trata de os participantes terem ou não seguido os passos fielmente, mas se eles têm

um senso definido e autêntico do desenvolvimento e da evolução de suas práticas, se

deu entendimento acerca de suas próprias práticas e das situações em que exercem

tais práticas. (p. 44)

A forma como concebo particularmente a pesquisa-ação a situa em uma dimensão

colaborativa, em que os professores devem, eles próprios, constituírem-se como pesquisadores

de sua prática, podendo ou não ter um auxiliar externo, geralmente um professor-pesquisador

universitário (FIORENTINI & LORENZATO, 2006). A dinâmica de espiral reflexiva não se

constitui, nessa perspectiva, uma ação solitária, mas conjunta, compartilhada, formada por

ciclos sucessivos de:

Planejamento Ação Observação Registros Sistematização/Reflexão/Análise

Avaliação Planejamento de novas ações Novas ações Novas observações

Novos registros Novas análises e avaliações e assim por diante ...

~ 75 ~

Essa concepção de pesquisa-ação colaborativa deve ser seguida com cautela, posto que

Fiorentini & Lorenzato (2006) nos advertem dos cuidados que se deve ter em relação ao

emprego do termo colaboração que não pode ser confundido com outras formas de trabalho

coletivo como, por exemplo, o cooperativo.

Embora as denominações “cooperação” e “colaboração” tenham o mesmo prefixo co,

que significa ação conjunta, elas diferenciam-se pelo fato de a primeira ser derivada

do verbo latino operare (operar, executar, fazer funcionar de acordo com o sistema) e

a segunda de laborare (trabalhar, produzir, desenvolver atividades tendo em vista

determinado fim). Assim, na cooperação, alguns ajudam os outros (co-operam),

executando tarefas cujas finalidades geralmente não resultam de negociação conjunta

do grupo, podendo haver subserviência de alguns em relação aos outros e/ou relações

desiguais e hierárquicas. Na colaboração, as relações, portanto, tendem a ser não-

hierárquicas, havendo liderança compartilhada, confiança mútua e co-

responsabilidade pela condução das ações. (FIORENTINI & LORENZATO, 2006, p.

115)

Como forma de mapear os múltiplos sentidos e modalidades de trabalho coletivo e suas

relações com a pesquisa, em particular os sentidos dados à pesquisa-ação e à pesquisa-

colaborativa, Fiorentini (2012, p. 58) define o seguinte esquema:

Fig. 04 – Síntese dos múltiplos sentidos e modalidades de trabalho

coletivo e suas relações com a pesquisa.

O pesquisador adverte, porém, que apesar de a representação ser uma simplificação da

realidade, seu esboço pode nos ajudar a compreender as diversas formas de trabalhos coletivos,

~ 76 ~

com a ressalva de que na prática tais distinções nem sempre são possíveis ou perceptíveis. Por

isso o autor prefere representa-las por sobreposição, a fim de retratar possíveis zonas de

indefinição.

Adotar, portanto, uma perspectiva colaborativa para a pesquisa-ação é condiciona-la a

um conjunto de práticas diferenciadas que Araújo (2004) denomina “cultura de coletividade”

que, uma vez instaurada, as pessoas nela envolvidas passam a reconhecer o que sabem, o que

os outros sabem e o que todos não sabem - atitudes que resultam na busca de superação dos

limites do grupo. Nono & Mizukami (2001), por sua vez, salientam a importância do

compartilhamento de experiências entre professores, explicando que pode favorecer o

desenvolvimento da destreza na análise crítica, na resolução de problemas e na tomada de

decisões.

Convergências e projeções da Composição I

A problemática da formação docente em nosso país tem suscitado inúmeras pesquisas,

as quais inevitavelmente passam pela questão da posição assumida pelos professores neste

processo. Compreender os aspectos que envolvem esta questão implica uma imersão

epistemológica complexa, posto que sendo a formação docente um dos pilares de sustentação

da educação, acabamos percebendo que ao longo do tempo houve sobre o tema uma grande

variação de sentidos, pois, mudam-se as políticas e a sociedade e, com elas, mudam também as

perspectivas conceituais e as práticas relativas à formação docente.

Em cada tempo as características sociais, políticas e econômicas dão suportes

diferenciados à formação docente. Com efeito, no decurso de um pouco mais de um século a

ciência e a educação variaram do paradigma de ciência moderna, com fortes marcas no início

do século XX, em que a realidade era vista como existindo em si mesma, separada do sujeito

do conhecimento (MIZUKAMI et al., 2002) passando, a partir dos anos 70, ao paradigma do

processo-produto, em que os pesquisadores procuravam descobrir comportamentos genéricos

dos professores na busca de modelos de eficiência (FERREIRA, 2003). Também houve, na

década de 80, o chamado paradigma naturalista-interpretativo em que passou a predominar a

formação com foco no desenvolvimento cognitivo e moral dos professores. E finalmente, nos

últimos trinta anos, com a massificação do paradigma comunicativo-dialógico, que tem como

~ 77 ~

base a racionalidade comunicativa, em que o ensino se faz pela construção e reconstrução da

identidade pessoal e profissional dos sujeitos que interagem em determinados ambientes de

aprendizagem (FELDMANN, 2009), tem-se considerado o professor como sujeito com

participação ativa e, em alguns casos colaborativa, na sua formação e desenvolvimento

profissional.

Nessa trajetória se modifica também o lócus dessa formação, deslocando-se das

Universidades e centros de pesquisa e formação superior para o chão da Escola, depois desta

para ambientes de interface entre as duas instituições, pressupondo uma relação mais efetiva e

produtiva à formação docente. Articulam-se nesse processo a formação inicial de professores -

por meio de estágios, práticas de ensino e projetos de iniciação à docência -, bem como a

chamada formação continuada.

Diante dessa perspectiva, tem-se destacado pesquisas que reconhecem as iniciativas de

professores do ensino básico que assumem o papel de reflexivos sobre suas práticas, isto é, em

que os professores tomam maior consciência de seus próprios atos, interpretam a reflexão como

conhecimento do conhecimento (LIBANEO, 2006), refletem sobre suas experiências e ideias,

formando teorias que orientam suas práticas (ZEICHNER, 1993).

Neste interim o conceito de experiência tem sido utilizado em ciências e educação sob

múltiplos sentidos. Ainda que, em muitas situações se compreenda experiência como sinônimo

de prática, o emprego que abordo neste trabalho rompe com a noção de ação/prática. Muito

embora se subtenda a prática como inerente ao contexto que assumo, visto que se aproxima do

sentido de acontecimento, que não deve ser, contudo, confundida com este. Mesmo que a

experiência seja constituída, nos termos de Dewey (2011), por uma situação ou conjunto de

situações.

O sentido de experiência que atribuo às situações estudadas neste trabalho não se refere,

necessariamente, ao que se faz, ao que se produz, mas ao que nos passa, nos acontece e,

essencialmente, ao que nos marca. Isto é, a perspectiva aqui assumida não procura situar a

noção de experiência vinculada, exclusivamente, ao sentido de experimento ou método, de um

plano inteligível, racional, lógico e universalizável. Pelo contrário, abrange reflexões que,

embora sejam possíveis projetar, planejar, perspectivar, ainda assim devem dar margem à uma

lógica do flexível, volátil, contextual, finito, singular.

Neste sentido, a experiência é algo que nos passa, que nos toca, o que nos forma e

transforma.

~ 78 ~

A experiência requer: parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar

mais devagar, olhar mais devagar, escutar mais devagar para sentir, sentir mais

devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender

a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir

os olhos e ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar os

outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, dar-se tempo e espaço. (LARROSA,

2002, p. 24)

A experiência suscita, portanto, uma introspecção cuidadosa. Tal situação, requer

consideração sobre o sujeito desta experiência. Para Dewey (2011), este sujeito é um ser

pensante, protagonista porque de algum modo suas atitudes, desejos e propósitos mudam as

condições objetivas. Contudo, é preciso reconhecer que as circunstâncias ambientais também

modelam a experiência presente, não estando subordinadas às condições internas do sujeito.

Existe, pois, uma interação que atribui direitos iguais às condições objetivas e condições

internas nas situações de experiência. Uma experiência é sempre o que é por causa de uma

transação acontecendo entre um indivíduo e o que, no momento, constitui seu ambiente.

Outra atenção necessária, é devida ao princípio de continuidade da experiência ou

contínuo experiencial, que significa que toda experiência tanto toma algo das experiências

passadas quanto modifica de algum modo a qualidade das experiências que virão (DEWEY,

2011, p. 36). Este princípio nos possibilita, enquanto educadores, operar concretamente sobre

algumas circunstancias ambientais que conduzem as experiências de nossos alunos

perspectivando seus crescimentos.

A manifestação objetiva deste crescimento, que ora assumo por aprendizagem, ocorre

quando um indivíduo manifesta uma nova relação para com um determinado objeto de saber

institucional (CHEVALLARD, 1991). Este objeto de saber identifica-se, na perspectiva da

formação de professores, com uma prática comum de uma comunidade educativa. Daí dizer-se

que a aprendizagem da docência constitui uma aprendizagem situada em uma prática (LAVE

& WENGER, 1991), A aprendizagem da docência constitui, neste sentido, um processo

denominado por Dubar (1997) de socialização, que implica a constituição de uma identidade

institucional e, de modo específico, identidade profissional que, nos termos de Chevallard

(1991, 1992, 2009), ocorre mediante situações de sujeitamento do indivíduo em relação às

praxeologias52 próprias de uma instituição.

52 Abordarei mais detidamente o conceito de praxeologia na composição de meta-análise.

~ 79 ~

A identidade profissional docente, em seu turno, constitui um processo complexo e

contínuo de experiências de aprendizagem que envolvem o professor como uma totalidade

humana permeada de sentimentos, desejos, utopias, saberes, valores e condicionamentos

sociais e políticos (FIORENTINI & CASTRO, 2003). Esse processo contínuo de experiências

de aprendizagem e sujeitamento, que acontece ao longo da vida do professor, que envolvem

também, conforme García (1999), a formação inicial, constitui uma caminhada que

conceituamos por desenvolvimento profissional docente (DPD).

As evidências de desenvolvimento profissional do professor não são algo simples de se

observar, visto que constituem-se em um processo complexo de mudança em relação a duas

dimensões, as quais sejam: o conteúdo e a forma. O conteúdo configura-se como um

componente mais conceitual da cultura docente institucional. Consiste pois, nas atividades

substantivas, valores, crenças, hábitos, suposições e formas de fazer as coisas, as quais

compartilhadas por um grupo de professores ou por uma coletividade mais ampla de docentes.

A forma da cultura docente consiste nos modelos de relação e formas de associação

características entre os participantes dessa cultura (HARGREAVES, 1998b). A forma pode

ser percebida nas condições concretas em que se desenvolve o trabalho do professor, mais

especificamente no modo como este sujeito articula suas relações com os demais colegas

(FARIAS, 2006), com seus alunos e com o saber.

O meio pelo qual os professores se apropriariam mutuamente destes conteúdos e formas,

passa: pela participação ativa nas práticas sociais do grupo, marcada, de um lado pelo

compartilhamento de experiências e problemas relativos à prática pedagógica de ensinar e

aprender em sala de aula e aos múltiplos constrangimentos e possibilidades do trabalho

docente e, de outro, pela realização de leituras, reflexões, investigações e escritas sobre esse

modo de ser-estar na profissão docente (FIORENTINI, 2009, 2013); e pela reificação, que

sugere o processo de dar forma e sentido à experiência humana mediante a produção de objetos

tais como artefatos, ideias, conceitos ou textos escritos (WENGER, 2001).

Entretanto, embora se possa afirmar que uma vez efetivada a socialização, houve

aprendizagem docente mediada pela participação ativa e reificação, meus estudos sobre as

experiências e processos de socialização, de sujeitamento e aprendizagem do ensino,

evidenciam que a identidade profissional não se constitui apenas pela ocorrência

interdependente da participação ativa e reificação. Há, ainda, a necessidade da ocorrência de

uma conversão catastrófica, que constitui o ápice do processo de socialização mediante

~ 80 ~

determinado saber, de modo que seja possível distinguir, na trajetória do contínuo experiencial

do sujeito, um intervalo de contorno ou vizinhança em que ocorre um insight ou conversão

catastrófica. Esta conversão ocorre mediante a mudança de sentido atribuída pelo sujeito em

relação a determinado objeto devido tornar-se sensível a algum aspecto pregnante nas

experiências passadas que, por cumulação ou reorganização, promovem uma devolução ao

sujeito na forma da conversão. Esta mudança se apresenta como uma mudança de forma que

constitui o desenvolvimento profissional deste sujeito.

As conversões geralmente são identificadas com os ritos de passagem e envolvem

passos efetivos para a ocorrência de aprendizagem e consequente mudança de relação do sujeito

para com a prática docente. Nestes termos, o sujeito consolidará o processo de socialização ao

efetivar uma mudança tipo biográfico (identidade para si) e uma mudança do tipo relacional,

sistemático, comunicacional (identidade para outro). A esse processo de mudança Dubar

(1997) chama de processo de incorporação da identidade, que implica uma nova relação frente

a si e em relação ao grupo de referência para o qual se constituiu a mudança psicossocial durante

a trajetória vivida.

O trabalho investigativo aqui registrado incidirá, pois, sobre a identificação dos

processos de aprendizagem que constituem o percurso formativo e socialização dos professores

de matemática em formação inicial. Esta ação implica a devida identificação e categorização

das tipologias de aprendizagem manifestadas nas experiências, relativas às dinâmicas

colaborativas de investigação da própria prática, e de vivências de outras situações ocorridas

no ambiente de interface entre a Universidade e Escola, a serem destacadas no campo que

denominarei de atividades extracurriculares.

A metodologia de promoção da ação desenvolvida neste trabalho é a da pesquisa-ação

crítico colaborativa, entendida por mim como capaz de mobilizar o grupo de professores do

PIBID em atividades de reflexão sobre suas práticas e promoção de novas ações que orientam

o processo de socialização destes sujeitos no sentido de sua mudança pessoal e construção de

identidades profissionais docentes, bem como de mudanças na ordem social, desencadeadas por

estes sujeitos em seus projetos de intervenção e experiências junto à comunidade escolar. As

descrições dos percursos formativos construídos e experiências vivenciadas são objetos de

consideração e análise nas composições subsequentes.

~ 81 ~

COMPOSIÇÃO II

Nesta composição apresento os contornos metodológicos que

caracterizam as experiências formativas de primeira ordem vivenciadas

pelos integrantes do grupo colaborativo em investigação. Situo os

processos vivenciados como uma pesquisa-ação colaborativa,

apresento uma descrição dos ambientes de formação, bem como

discorro sobre os objetivos institucionais da formação e problematizo a

formação profissional dos professores como um percurso complexo que

se inicia mesmo antes da graduação e que durante a formação inicial apresenta características formativas oficiais (disciplinas específicas e

didático-pedagógicas) e extracurriculares (formais e informais).

Finalizo a composição com uma caracterização do percurso formativo

no PIBID – situações de formação, embasamentos teóricos das ações e

principais instrumentos de análise utilizados –, com o traço do perfil

dos colaboradores/sujeitos investigados e delineio as tipologias de

aprendizagem evidenciadas nos processos colaborativos desenvolvidos

pelos sujeitos.

~ 82 ~

~ 83 ~

COMPOSIÇÃO II

CONTORNOS METODOLÓGICOS DA

PESQUISA

A pesquisa ora apresentada orienta-se pela perspectiva da pesquisa-ação colaborativa e

trata do relato reflexivo sobre uma investigação nos moldes da pesquisa qualitativa com vista a

caracterização da formação docente como pilar da educação, em específico, como elemento

articulador da relação entre a Universidade e Escola, e foca as evidências de aprendizagem

resultantes de processos de investigação/reflexão da própria prática de professores de

matemática em formação inicial. Com o objetivo de identificar, descrever e analisar a

aprendizagem docente, os processos de aprendizagem e o desenvolvimento profissional desses

professores, assumi a postura colaborativa e seus métodos de formação e condução de grupos,

os quais descrevo a seguir.

Contornos institucionais e empíricos da pesquisa de primeira ordem: a

constituição do grupo e a Pesquisa-Ação Colaborativa (PAC)

O Grupo Colaborativo de Educação Matemática (GCEM)53 tem desenvolvido suas

ações a partir de um subprojeto de Matemática de formação de multiplicadores em educação

colaborativa de matemática e se articula a um projeto institucional referente à relação

Universidade e Escola, enfocando desafios e caminhos para a form(ação) de professores

no contexto amazônico. O subprojeto de Matemática referido visa o atendimento de uma

demanda social de professores de matemática por meio da formação de qualidade de futuros

professores de matemática e o aprimoramento do ensino daqueles que já se encontram em

atuação na rede pública.

53 Institucionalizado em junho de 2011 pela Universidade do Estado do Pará, mais especificamente, no Campus

Universitário de Igarapé-Açu/PA, interior da Amazônia Paraense.

~ 84 ~

O GCEM possui entre suas atribuições: a promoção de ações diferenciadas de ensino da

matemática para os alunos e professores da rede pública do município, e a preparação de

professores em formação inicial por meio de atividades que se ambientam na interface entre

Universidade e Escola. Isto se dá, ora na Universidade participando de atividades formativas

de natureza extracurricular (reuniões, encontros, eventos), ora desempenhando atividades de

observação e/ou intervenção nas escolas públicas conveniadas (regências de classe, oficinas e

minicursos). As escolas que mantêm relação institucional com o GCEM abrangem juntas um

percentual de alunos equivalente a 10% da população do município54 no qual se situa.

Essas escolas se situam na área urbana da cidade de Igarapé-Açu, que está localizada às

margens da extinta Estrada de Ferro de Bragança, pertence à mesorregião nordeste paraense, e

está a 110 km da capital do Estado, Belém. A população do município está disposta em zona

urbana com cerca de 21.013 habitantes e zona rural em torno de 12.983 habitantes. A economia

do município é voltada basicamente para a agricultura familiar, sendo a mandioca a principal

cultura agrícola cultivada nesta categoria, com baixos níveis tecnológicos. Outros meios

econômicos do município provêm da indústria do dendê e do comércio, este último sendo

responsável por grande parte dos empregos no município. Investe-se relativamente pouco no

turismo, muito embora no município haja grande potencial devido suas típicas festividades

culturais e religiosas, bem como um belo conjunto de igarapés (FREITAS, 2005).

É neste contexto pitoresco e acolhedor que desenvolvemos nossas ações educacionais

com perspectivas a melhoria dos índices nas avaliações institucionais (Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB) e na qualificação dos professores para uma

atuação mais adequada às novas demandas sociais.

O grupo GCEM, embora reflita sobre sua prática como uma dinâmica colaborativa, por

receber incentivo financeiro da CAPES, necessita cumprir dois conjuntos de objetivos

institucionais:

Objetivos Institucionais da CAPES:

a) incentivar a formação de docentes em nível superior para a

Educação Básica;

b) contribuir para a valorização do magistério;

c) elevar a qualidade da formação inicial de professores nos cursos de

licenciatura, promovendo a integração entre a Educação Superior e a

Educação Básica;

54 Que segundo o último senso conta com uma população de 33.996 habitantes (dados do CENSO do IBGE/2010).

~ 85 ~

d) inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de

educação, proporcionando-lhes oportunidades de criação e

participação em experiências metodológicas, tecnológicas e práticas

docentes de caráter inovador e interdisciplinar que busquem a

superação de problemas identificados no processo de ensino-

aprendizagem;

e) incentivar escolas públicas de Educação Básica, mobilizando seus

professores como coformadores dos futuros docentes e tornando-as

protagonistas nos processos de formação inicial para o magistério; e

f) contribuir para a articulação entre teoria e prática necessárias à

formação dos docentes, elevando a qualidade das ações acadêmicas

nos cursos de licenciatura. (BRASIL, Portaria 260 de julho de 2010)

Objetivos Institucionais do Projeto PIBID/UEPA:

a) A formação dos licenciandos da UEPA, possibilitando a esses

alunos experiências significativas que valorizem a carreira do

magistério;

b) A valorização da escola pública como espaço social para a

construção do conhecimento na educação básica do sistema público de

ensino;

c) O fortalecimento da universidade pública como determinante na

formação de professores [...] integrando ensino, pesquisa e extensão;

d) O trabalho continuado na formação dos professores da rede pública, proporcionando práticas docentes inovadoras, articuladas

com a realidade local da escola;

e) A divulgação dos resultados decorrentes das ações desenvolvidas

em eventos científicos, encontros e palestras;

f) A integração de áreas de conhecimento, focadas para o contexto

socioeducacional, cultural, territorial, político-econômico e ambiental

amazônico, buscando de forma integrada e interdisciplinar, contribuir

com o diálogo e articulação entre universidade e educação básica

públicas, tendo em vista a qualidade social. (Projeto Institucional

PIBID/UEPA – Maio de 2011)

Ao refletir sobre os encaminhamentos assumidos em nosso grupo, vislumbrei o desafio

de nos distanciarmos da pesquisa técnica e transcendermos da pesquisa prática à pesquisa

emancipatória55. Entendendo ser este um caminho complexo, mas que ilustrava meu desejo de

55 A pesquisa técnica indica que a presença do pesquisador como agente externo ainda é muito forte. Nesta

modalidade o pesquisado é comumente chamado de participante, as teorias guiam os passos dos participes, a

comunicação e informação predominam mais que a cooperação e há um distanciamento da prática por parte do

pesquisador para melhor compreende-la e construir suas teorias. A perspectiva prática surge a partir do

pensamento de que o professor pode se transformar em pesquisador de sua prática, como alternativa à perspectiva

técnica. Nessa modalidade existem preocupações comuns entre os participes e pesquisadores, mas não há nenhum

desenvolvimento sistemático do grupo como comunidade reflexiva. A prática guia os passos dos participes e a

cooperação predomina sobre a colaboração, havendo uma supervalorização dos conhecimentos tácitos e a

teorização dos saberes da prática. Na pesquisa emancipatória as decisões são tomadas coletivamente e as relações

~ 86 ~

colaborar para a construção de uma educação de qualidade que desse retorno à comunidade em

que me inseria, formei a equipe assumindo por referência os grupos colaborativos como o grupo

de Prática Pedagógica em Matemática (PraPem) e Grupo de Sábado (GdS) da UNICAMP. Com

base nesses referenciais e perspectivando o cumprimento das metas e objetivos institucionais,

bem como o enfrentamento das problemáticas da relação entre Universidade e Escola, me foi

possível estruturar uma metodologia de trabalho em que pudéssemos desenvolver nossas

pesquisas e ações de ensino da matemática a partir de eixos de trabalho/pesquisa.

A perspectiva de trabalho por eixos nos surgiu da necessidade de coadunarmos as ações

de pesquisa e ensino com base nos referenciais teóricos e metodológicos que nos eram

disponíveis e que fossem de relativo domínio dos integrantes do grupo. Também contribuíram

para esta estruturação as intenções de pesquisa dos colaboradores, que já vinham da formação

específica com esboços previamente orientados por determinada tendência metodológica com

vista à produção de seus trabalhos de conclusão de curso (TCC).

Por termos criado o hábito de tratarmos as decisões do grupo democraticamente, os

temas das pesquisas se tornaram objeto de problematização e, invariavelmente, mediante

negociações sofreram modificações, sobretudo que se adequassem a princípios como: 1) as

pesquisas deveriam versar sobre questões emergentes das salas de aula e não serem impostas

a este ambiente; 2) os trabalhos deveriam ser orientados pelo coordenador do grupo e co-

orientados pelos respectivos supervisores dos bolsistas e; 3) toda produção do grupo deveria

assumir o princípio da publicização, isto é, deveria ser publicado e retornar às escolas na

forma de ações educativas.

Os eixos escolhidos por este processo de negociação foram: a Formação Colaborativa

e Didática e Ludicidade como eixos estruturantes transversais; a Informática e Educação,

Modelagem Matemática, Matemática e Avaliação e Matemática e Inserção Social como eixos

independentes de pesquisa.

de poder ficam diluídas pelas negociações. Isso pressupõe um movimento dialético entre teoria e prática e

movimentos de revalidação dos conhecimentos teóricos e práticos por meio da reflexividade crítica em que a

colaboração e a coprodução predominam (CARR & KEMMIS, 1988).

~ 87 ~

Fig. 05 – Eixos de Trabalho/Pesquisa do GCEM.

A Formação Colaborativa e a Didática e Ludicidade surgem como eixos transversais e

articuladores por estarem presentes na concepção teórica do subprojeto de área submetido à

agência financiadora, e assim permaneceram dando suporte teórico aos projetos e garantindo

certa coesão/identidade epistemológica ao grupo. Uma das propostas iniciais da formação do

GCEM era a de atender a uma demanda de produção de materiais e atividades lúdicas que

auxiliassem o trabalho do professor da escola pública no ensino da matemática, e para isso os

integrantes do grupo iriam investigar as necessidades dos alunos, reuniriam para discutir

estratégias de ação e construiriam suas propostas com base nessas observações e discussões.

Contudo, a complexidade dos problemas da sala de aula observados e os anseios pessoais dos

colaboradores, tencionaram as práticas investigativas para um outro sentido, criando os eixos

“independentes entre si” de pesquisa em Informática e Educação, Modelagem Matemática,

Matemática e Avaliação e Matemática e Inserção Social. Considero atualmente que a decisão

de readequarmos as pesquisas foi acertada, visto que o que se produziu se tornou o mais

apropriado para atender às necessidades formativas de ambos os grupos – alunos da escola

pública e os acadêmicos.

Os eixos de trabalho/pesquisa construídos deram origem aos seguintes temas de

pesquisa:

~ 88 ~

Quadro 01 – Projetos de Pesquisa defendidos pelo PIBID de 2011 a 2012.

A CONCEPÇÃO DOS PROFESSORES SOBRE O USO DOS JOGOS NO ENSINO DA MATEMÁTICA (Ss6) *

INFORMÁTICA EDUCATIVA: CONTEXTO E ASPECTOS OBSTACULARIZANTES DO USO DO COMPUTADOR NAS ESCOLAS PUBLICAS DE IGARAPÉ-AÇU (Ss 7)

A BELEZA NA MATEMÁTICA: UMA PROPOSTA MOTIVACIONAL PARA O ENSINO DA MATEMÁTICA (Ss8)

O DIÁLOGO COMO INSTRUMENTO DE IDENTIFICAÇÃO DE ERROS DECORRENTES DE OBSTÁCULOS DIDÁTICOS E EPISTEMOLÓGICOS (Ss9)

ABORDAGENS DIDÁTICAS E METODOLÓGICAS NO TRATAMENTO DA INFORMAÇÃO PARA ALUNOS DO 9º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL (Sena e Ss2)

REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA DOCENTE DOS PROFESSORES DE MATEMÁTICA FRENTE À INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS NAS ESCOLAS PÚBLICAS MUNICÍPIO DE IGARAPÉ-AÇU (Silva)

A INFLUÊNCIA DA LINGUAGEM NA APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O TRINÔMIO PROFESSOR/ALUNO/CONHECIMENTO (Queiroz e Ss4)

RELATOS DE UMA EXPERIÊNCIA DE ENSINO DA GEOMETRIA POR MEIO DE MATERIAIS REAPROVEITÁVEIS (Ss10)

EXPERIÊNCIAS DE ENSINO DA MATEMÁTICA POR MEIO DE REDES DE FORMAÇÃO EM INFORMÁTICA EDUCATIVA (Ss11 e Ss12)

DOBRADURAS E MODELAGEM: UMA NOVA PERSPECTIVA PARA O ENSINO DE GEOMETRIA (Ss13)

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM EM MATEMÁTICA: UM ESTUDO DE CASO EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE IGARAPÉ-AÇU (Soares e Ss3)

FORMAS E FORMALIZAÇÕES: O ENSINO DE POLINÔMIOS PARA ALUNOS DO 8º ANO POR MEIO DE MATERIAIS CONCRETOS (Ss15 e Ss16)

FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA: REFLEXÕES SOBRE O SER E CONSTITUIR-SE COMO DOCENTE (Ramos e Ss17)

AS CONTRIBUIÇÕES DO TEOREMA DE TALES PARA O ENSINO DA MATEMÁTICA: DA EPISTEMOLOGIA DA GEOMETRIA À INFORMÁTICA EDUCATIVA (Leite e Ss18)

CONCEPÇÃO DOS PROFESSORES DE MATEMÁTICA DO ENSINO MÉDIO NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO EM IGARAPÉ-AÇU SOBRE CURRÍCULO (Ss19 e Ss20)

MODELAGEM MATEMÁTICA E CONSCIENTIZAÇÃO AMBIENTAL: UMA EXPERIÊNCIA INTERDISCIPLINAR COM ALUNOS DO 7º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL EM IGARAPÉ-AÇU (Ss21 e Ss22)

AS CONCEPÇÕES DOS PROFESSORES E ALUNOS SOBRE AVALIAÇÃO (Ss23 e Ss24)

Quantidade total 17

* Ss – Sujeitos secundários.

Fonte: Relatório do Subprojeto de Matemática do PIBID-UEPA/2012.

As pesquisas de primeira ordem, portanto, se configuram dentro de uma abordagem

qualitativa (RIBAS, 2004) associadas à interpretação dos fatos estudados (atividades docentes

em contextos de experiências colaborativas) com fins à obtenção de respostas que dessem

sentido às problemáticas do ensino e da aprendizagem da matemática. Expressaram-se também

pelo gênero de Pesquisa Prática ou Pesquisa-Ação por estarem voltadas à intervenção em uma

realidade social (DEMO, 2006) com objetivos explicativos, pois, além de registrar, analisar,

classificar e interpretar os fenômenos estudados, procuraram identificar seus fatores

determinantes e perspectivaram desenvolver ações com fins a uma mudança da realidade social

(ZEICHNER, 1993).

~ 89 ~

Uma vez inseridos no contexto da pesquisa (as salas de aula), para operacionalizar a

reflexividade dos professores integrantes do GCEM no contexto de suas experiências na

perspectiva da pesquisa-ação colaborativa, sistematizamos os processos interativos no grupo

por meio de três ações reflexivas: a descrição, a informação e o confronto, que desencadeiam

a quarta ação, a reconstrução (IBIAPINA, 2008, p. 73).

A Ação Descritiva era desencadeada pela questão: O que fiz? Nessa etapa os professores

(bolsistas e supervisores) descreviam suas práticas docentes de modo detalhado. Isso levava ao

distanciamento das ações, estimulando a descoberta das razões relativas às escolhas

feitas/observadas no decorrer das atividades docentes.

A Ação de Informar era exercitada por meio da elaboração de respostas às questões: O

que agir desse modo significa? O que nos levou a agir desse modo? O que nos motivou a

realizar essas ações? Qual o sentido dessas ações? De onde procedem historicamente as ideias

incorporadas na prática de ensino? Com base em que e quem ocorreu a apropriação dessas

ideias? Por que essas ideias foram utilizadas?

Esse segundo momento possibilitou ao grupo refletir sobre o significado das escolhas

feitas e descobrir se os conhecimentos utilizados no desenvolvimento da atividade docente eram

espontâneos ou sistematizados, explícitos ou não. Esses questionamentos possibilitaram aos

professores discutir sobre conceitos necessários para a condução do processo de ensino-

aprendizagem.

A Ação de Confrontar foi o momento em que o grupo analisou as práticas, visando

relacioná-las ao contexto cultural, social e político em que estava implicado, de maneira que

percebemos que elas não eram resultado de escolhas idiossincráticas, mas de condições

históricas que definem a forma como nós, profissionais, concebemos a situação de trabalho na

qual nos envolvemos.

O confronto envolveu não somente a busca das inconsistências das práticas e

experiências vivenciadas, entre preferências pessoais e modos de agir, como também remeteu

o grupo a questões políticas como, por exemplo, a que interesses nossas práticas estavam

servindo? No ato de confrontar me foi possível perceber como os discursos e as práticas que

ocorrem fora do ambiente escolar influenciam o modo de agir dentro dele. A reflexão sobre

esses discursos substanciou as situações que tomo por material de análise sobre a aprendizagem

docente na pesquisa de segunda ordem.

~ 90 ~

A Reconstrução constituiu o ato de reconstruir, em que buscamos alternativas para a

prática educativa na reflexão de cada ação com base nos diálogos e informações ocorridos nas

sessões reflexivas do grupo, a partir de questões do tipo: Como poderíamos organizar essa

atividade de outra maneira? Por quê? Entre outras.

As sessões reflexivas estiveram, em geral, apoiadas por técnicas, recursos,

procedimentos e estratégias utilizadas nas pesquisas sociais. Baseando-me em Ibiapina (2008),

utilizei a pesquisa-ação colaborativa e os seus procedimentos de construção de informações

para tornarem observáveis e verbalizáveis as práticas pedagógicas dos professores. Dentre esses

procedimentos me utilizei de: diálogos face a face, videoformação no contexto da pesquisa-

ação colaborativa, narrativas (auto)biográficas, observações colaborativas, sessões reflexivas

de grupo e produções acadêmicas.

Colaboradores da pesquisa

A motivação inicial para com o delineamento das tipologias de aprendizagem docente

provenientes das experiências colaborativas por parte dos professores de matemática

(profissional e em formação inicial) se fundaram no repensar sobre algumas preocupações que

fizeram parte de minha própria constituição identitária como professor de matemática, a saber:

a identificação das problemáticas da relação Universidade e Escola e os sentidos atribuídos à

formação docente na atualidade. Essas motivações, por sua vez, se articulam com o papel

assumido por cada integrante no grupo e espelham as experiências formativas e profissionais

que moldam os perfis docentes do pesquisador e dos professores que conduzem as ações do

GCEM. Deste modo, para uma adequada avaliação da aprendizagem destes professores,

apresento a seguir o perfil inicial desses colaboradores:

Professor Pesquisador, Formador ou Orientador: assume no grupo o papel de Coordenador

de Área, articulando ações de planejamento dos encontros de discussão do grupo; realiza

diagnósticos da situação de sua área de conhecimento na rede pública do estado e município;

orienta e acompanha a atuação dos bolsistas de iniciação à docência e atua conjuntamente com

os Supervisores das escolas envolvidas no âmbito do projeto que coordena, garantindo a

capacitação dos Supervisores nas normas e nos procedimentos do PIBID bem como sua

participação em eventos e em atividades de formação dos professores em formação inicial,

assegurando-lhes oportunidades de desenvolvimento profissional. O pesquisador é o

~ 91 ~

representante da academia no grupo; sendo licenciado em matemática, mestre em Educação em

Ciências e Matemática e está se doutorando também nesta área. No período da pesquisa atuava

como Coordenador do Campus Universitário em que se desenvolveu o projeto, era Professor

de Metodologia e Prática do Ensino da Matemática na mesma instituição e Professor de

Matemática da Secretaria de Educação do Estado. Possuía experiência em formação de

professores, gestão e planejamento educacional. Atuou como colaborador em diversos projetos

acadêmicos, comunitários e assistenciais, inclusive em cooperação internacional pelo

Ministério da Educação - MEC.

Professores Supervisores: Participavam do grupo quatro professores da rede pública de

ensino, sendo dois da rede municipal e dois da rede estadual, ora denominados S1, S2, S3 e S4.

Compete aos Supervisores o acompanhamento e orientação dos bolsistas em atividades

presenciais nas escolas em que atua. Os Supervisores são responsáveis pela articulação do

projeto e a gestão da escola. Seus perfis destacam a larga experiência como docentes da rede

pública de ensino, além de perfis específicos que os motivaram a participar do projeto, a saber:

S1 – Graduado em Licenciatura em Matemática e Especialista em Matemática Aplicada, este

Supervisor informou ter tido uma base fraca em matemática, mas optou por ser professor desde

a infância quando iniciara a profissão de marceneiro para sua subsistência. Atua como professor

desde 2004, embora tenha concluído a graduação apenas em 2006. Isso se deve a sua formação

do ensino médio ter se dado no magistério. É professor de matemática efetivo da rede pública

estadual e municipal de ensino no município de Igarapé-Açu desde 2008.

S2 – Graduado em Licenciatura Plena com Habilitação em Matemática (1987) e Especialista

em Matemática Básica (2002). Possui boa formação básica por ter frequentado escola

conceituada em Belém. Atua como professor efetivo da Secretaria Estadual de Educação desde

1992. Sempre envolvido em questões educacionais, participou de diversos eventos na área da e

Educação Matemática, na qual se inclinou aos processos de ensino de matemática e à

informática educativa.

S3 – Graduada em Licenciatura em Matemática (2003) e Especialista em Informática Educativa

(2003) e em Educação Matemática (2009). Atua como professora desde 2004, mas efetivou-se

na rede municipal de ensino de Igarapé-Açu em 2006. Possui experiência em formação de

professores como tutora de ensino de programa da Universidade Federal do Estado.

~ 92 ~

S4 – Graduada em Matemática e Especialista em Ensino de Ciências. Possui vinte anos de

carreira como docente da Secretaria de Ensino do Estado. Tem experiência em planejamento

educacional, tendo atuado na elaboração de projetos nas escolas em que atua.

Bolsistas: este seguimento corresponde aos acadêmicos de licenciatura em matemática do

Campus X. São estudantes residentes na região do Guamá-PA e têm por competência a

investigação do ambiente escolar sob orientação do Coordenador e Supervisores com vistas a

formação teórico-prática no âmbito da docência.

Devo salientar que as formalizações orientadas tanto pela instituição financiadora

quanto pela executora não conflitam com as perspectivas de formação do grupo em sua

dimensão colaborativa, visto que o projeto aprovado e institucionalizado se deu na forma de

concretização de uma demanda social local previamente articulada, que previa uma maior

participação da Universidade na comunidade.

Não obstante, nossas experiências em grupo têm consolidado nossos laços afetivos e

intelectuais em prol de uma formação diferenciada que nos possibilite repensar o modo como

ensinamos matemática. Essa dinâmica de encontros, debates, reflexões e atuações junto às

escolas tem nos oportunizado contagiar os acadêmicos, motivando-os e motivando-nos a

pesquisar cada vez mais os conteúdos que ensinamos e os dilemas e práticas advindos de

situações de classe.

Para fins práticos proponho neste texto, a título de exemplificação dos procedimentos

de planejamento, execução e reflexão sobre as evidências de aprendizagem e os processos que

as produzem, focar meu olhar sobre as ações reflexivas e atuação de um número de seis sujeitos

principais (Sp), sendo três professores e três professoras, ora denominados Leite, Sena, e

Ramos e Soares, Silva e Queiroz, respectivamente. Os demais interlocutores presentes no

processo de formação serão denominados sujeitos secundários ou periféricos (Ss). A escolha

dos sujeitos foi intencional e seletiva, em que assumi por critérios a participação ativa dos

sujeitos nos encontros de planejamento, formação e acompanhamento de classe, bem como da

intensidade de reificações publicizadas pelos sujeitos em encontros acadêmicos, simpósios e

congressos. Vale ressaltar, como se pode observar, que assumo tais sujeitos de pesquisa como

professores em formação inicial ou simplesmente professores, distinguindo-os dos professores

profissionais apenas por sua condição ainda de licenciandos.

~ 93 ~

Contornos didático-pedagógicos e formativos da PAC

Refletir sobre a formação docente é deveras desafiador. Isso se deve ao grande número

de estudos e publicações sobre o tema, que na atualidade objetivam buscar caminhos e

esclarecimentos sobre a prática docente e visam favorecer uma formação de qualidade aos

professores e suas práticas. Preocupou-me neste trabalho, entretanto, a construção de

procedimentos metodológicos de práticas formativas que constituíssem objetos de reflexão por

parte dos professores em formação inicial, especificamente daqueles que participaram

ativamente de nosso percurso formativo proposto junto ao Programa Institucional de Bolsas de

Iniciação à Docência – PIBID.

É relevante salientar que o percurso desenvolvido, ao contrário do que geralmente se

observa em programas de formação, não foi constituído por um currículo fechado ou por

dinâmicas preestabelecidas. O projeto atendia, contudo, a alguns princípios que orientavam

nossas ações. Priorizávamos experiências que enriquecessem a formação inicial dos

professores, fortalecessem as atividades de formação e cooperação com a rede pública de ensino

do município e que melhorassem a qualidade técnica e conceitual das aulas de matemática nas

escolas parceiras. Ações essas que supunha fossem potencialmente formativas e que

propiciassem aos sujeitos uma compreensão da área em que atuam, das instituições com que

interagem e dos contextos vivenciados pelos profissionais da educação, ou mais

especificamente, os professores de matemática.

As ações e participações em dinâmicas que supúnhamos formativas e relevantes,

segundo tais critérios, deveriam ainda, por conta de recomendações institucionais da CAPES e

da própria Coordenação do projeto na UEPA, ser compatíveis com a Licenciatura, isto é, não

podíamos desenvolver atividades ou participar de qualquer ação que demandassem dos

bolsistas um período de estudos ou deslocamentos que implicassem em perdas significativas de

aulas ou que comprometessem sua dedicação ao estudo das disciplinas curriculares. Desta feita,

optamos pela lotação dos bolsistas no campo de pesquisa/ensino (Escolas) nos horários de

contra-turno às disciplinas curriculares e, em virtude de também ser professor eventual da turma

na qual se encontravam a totalidade dos bolsistas do projeto, aproveitamos algumas disciplinas

para potencializar as experiências reflexivas sobre a sala de aula. As atividades desenvolvidas

pelos bolsistas deveriam somar uma carga-horária mínima semanal de 15 horas.

~ 94 ~

Os bolsistas foram lotados em quatro escolas, duas Estaduais e duas Municipais,

priorizando-se experiências tanto em classes do Ensino Fundamental como do Ensino Médio.

O acompanhamento de classe se deu de junho de 2011 à dezembro de 2012, e teve por finalidade

a interação dos bolsistas com o ambiente escolar no qual deveriam observar e registrar em

diário reflexivo as ocorrências que lhes fossem significativas. As principais problemáticas

identificadas pelos bolsistas eram debatidas inicialmente com seus respectivos Supervisores e

depois constituíam objeto de discussão nas reuniões de grupo. Essas problematizações davam

origem a questões de investigação que geravam projetos de intervenção a serem desenvolvidos

pelos bolsistas e que, dependendo de sua complexidade, eram implementados individualmente,

em duplas ou mesmo em equipes de cinco ou seis colaboradores.

Todo projeto elaborado passava pela apreciação do grupo em sessões reflexivas e por

orientações dos Supervisores e Coordenador de Área. Cada projeto cumpria um ciclo de

reflexão para a ação, reflexão na ação e reflexão sobre a reflexão na ação (SHÖN, 2000). Era

justamente este último nível reflexivo que me dava a dimensão da experiência vivenciada pelos

envolvidos no projeto, visto que devido ao número de sujeitos a serem orientados e projetos e

serem executados, não tinha como acompanhar in loco as ações planejadas em grupo. Me valia,

pois, da fiabilidade das narrativas de meus sujeitos e tomava/tomo por evidência a consistência

de seus argumentos e compreensão do ocorrido por meio de seus relatos de experiência.

Retornando às reflexões em grupo acerca das experiências vivenciadas pelos sujeitos

nas intervenções, tínhamos em mãos grande número de informações sobre as condições dos

alunos em classe, das consistências e inconsistências das atividades propostas e das

necessidades de compreensão sobre novas questões que emergiam da prática. Púnhamos então

à busca de respostas às questões levantadas e de compreensão das situações vivenciadas. Nesta

busca, inicialmente recorríamos aos autores que nos subsidiavam no planejamento das

atividades, geralmente escritos sobre as Tendências da Educação Matemática. Todavia,

reconhecida suas insuficiências para determinado caso, empregávamos outros autores que

respondessem às nossas questões. Invariavelmente optávamos por um caráter multireferencial,

isto porque tal procedimento nos possibilitava explicitar os fenômenos investigados em sua

profundidade – em sua complexidade (MORIN, 2007).

Diante de um vasto material escrito sobre as experiências dos bolsistas, buscávamos por

espaços de divulgação de nossas reflexões. Com o objetivo de expor nossa compreensão sobre

~ 95 ~

as práticas desenvolvidas, participamos de inúmeros eventos locais, regionais e nacionais56. As

participações em eventos constituíram outro contorno de experiências formativas sobre as quais

os bolsistas avaliam ter construído diversos tipos de aprendizagem. Além dos eventos em que

tivemos oportunidade de publicar, participamos de inúmeros outros, dentre os quais os

professores em formação destacaram terem experienciado momentos significativos57.

As investigações e produções envolvendo experiências de estudo sobre a práxis escolar

ganharam maior complexidade à medida que findávamos este ciclo do projeto PIBID. De um

período de maior observação do campo e estudo dos objetos matemáticos expressos pela

preparação e inserção em sala de aula e a experiência de construção de sequências didáticas

até um período de aprofundamento nas questões emergentes da sala de aula que culminaram

com os Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) dos envolvidos, percorremos uma trajetória

rica de aprendizagem docente que delimito aqui, para efeito de estudo, como um percurso

formativo definido pelos contornos de experiências colaborativas de: Preparação para entrada

nos ambientes de colaboração, Participação em Eventos, Construção de Sequências Didáticas

e Elaboração e Execução dos Projetos de TCC.

Esquematicamente podemos associar este percurso formativo ao seguinte esquema:

Fig. 06 – Percurso de Formação do PIBID.

56 Dentre os quais se destacam as VIII e IX Semanas Acadêmicas do Campus X (Igarapé-Açu – 2011 e 2012), a

XVII Semana Acadêmica do Centro de Ciências Sociais e Educação (Belém - 2012), o XVI Encontro Nacional de

Didática e Práticas de Ensino (XVI ENDIPE) (Campinas – 2012), a 64ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira

para o Progresso da Ciência (SBPC) (São Luiz - 2012) e a I Jornada de Matemática do Campus X (Igarapé-Açu -

2012) 57 A exemplo da VII Conferência Nacional sobre Modelagem Matemática na Educação Matemática (VII CNMEM)

(Belém - 2011) e do 4º Congresso Brasileiro de Etnomatemática (CBEm4) (Belém - 2012).

~ 96 ~

O diagrama apresenta um percurso de experiências formativas cujas etapas foram se

constituindo em virtude das potencialidades e necessidades formativas em contraste com

contingencias institucionais, aproveitando-se oportunidades financeiras, ocorrência de eventos,

calendários acadêmicos e escolares, disponibilidade de espaços e obrigatoriedade do

cumprimento de demandas curriculares da formação inicial dos professores envolvidos. Os

contornos de cada etapa deste percurso e suas respectivas situações de experiência serão objeto

de estudo e análise em seções subsequentes.

Contornos metodológicos do processo de meta-análise da pesquisa de

segunda ordem

Considero importante revelar que a complexidade da ação implementada - constituição

do grupo, formação dos integrantes, orientação de 17 projetos de pesquisa, exercício da

docência junto ao mesmo grupo, cumprimento de disciplinas e levantamentos de referenciais

para dar suporte às ações e reflexões sobre as ações do grupo, e a densa produção e participação

em inúmeros eventos com os colaboradores -, demandou parcela considerável do tempo

disponível para a elaboração deste relatório da pesquisa. A densidade do material reunido em

filmagens e gravações das reuniões, coletas de depoimentos em entrevistas e a reunião das

produções dos colaboradores na forma dos textos, diários e relatórios produzidos, deram-se com

base nas referências metodológicas da pesquisa de primeira ordem, implicando, pois, um maior

aprofundamento sobre as técnicas de meta-análise.

Uma intensão inicial de abordagem constituiu a de empregar os princípios da Análise

Textual Discursiva que Moraes & Galiazzi (2006, p. 118) descrevem como uma abordagem

de análise de dados que transita entre duas formas consagradas de análise na pesquisa

qualitativa que são a análise do conteúdo e a análise de discurso. Considerei pertinente o

emprego desta abordagem como uma referência para o tratamento de pelo menos dois conjuntos

de dados reunidos: os diários produzidos pelos colaboradores sobre suas experiências em sala

de aula, e as entrevistas realizadas ao final do percurso formativo, em que procurei inquirir os

professores sobre seu percurso formativo tendo por origem as suas formações no ensino básico

até o momento em que, depois de formados, assumiram posição de tutores de novos bolsistas

do projeto.

~ 97 ~

Para os dados supracitados procurei operar, inicialmente, o processo de unitarização

que consiste em separar os textos em unidades de significado que por si mesmas geraram outros

conjuntos de unidades oriundas da interlocução empírica das pesquisas de primeira ordem com

as interlocuções teóricas e das interpretações por mim realizadas. Neste movimento de

interpretação dos significados dos textos incorporei as vozes de múltiplos referenciais que me

auxiliaram na delimitação dos contornos das experiências de modo que, neste diálogo entre os

componentes empíricos da pesquisa de primeira ordem e a literatura, pude categorizar os tipos

de aprendizagem docente manifestadas pelos professores de matemática em formação inicial

em seu percurso de formação.

A abordagem da análise textual discursiva me foi relevante porque no início do trabalho

não possuía uma visão clara e completa do processo como um todo, necessitando, como

pontuam Moraes & Galiazzi (2006, p. 120), movimentar-me sobre a pesquisa como quem

navega construindo o mapa enquanto avança. Recordo-me que de início não me era muito

clara a necessidade de arguir sobre a minha pesquisa em dois níveis de trabalho, um primeiro

nível discorrendo sobre a pesquisa de primeira ordem em que exercia a ação formativa junto

aos meus colaboradores e uma pesquisa de segunda ordem, sob a qual assentava minha

compreensão e resultados sobre todo o processo experienciado por mim e meus colaboradores.

A análise textual discursiva me parece cumprir sua finalidade junto ao trabalho que

realizamos devido se comportar bem em situações em que as teorias são construídas em um

intenso diálogo teórico-empírico e em que os processos de pesquisa exigem constantemente a

(re)construção de caminhos. Esses espaços instáveis de criação me possibilitaram, por outro

lado, movimentar-me com mais liberdade, exigindo, entretanto, uma intensa impregnação nos

fenômenos investigados. A impregnação se concretiza a partir de leituras e releituras,

transcrições, unitarização e categorização e especialmente a partir da escrita, sendo condição

para um trabalho criativo e original (MOARES & GALIAZZI, 2006). Assumindo, pois, os

princípios da análise textual discursiva, orientei meus colaboradores na produção de diários

reflexivos e realizei entrevistas com fins à obtenção de uma compreensão sobre suas

experiências formativas.

~ 98 ~

Os instrumentos da metanálise

Os diários reflexivos

O Grupo Colaborativo de Educação Matemática (GCEM) tem atuado desde junho de

2011 na interface entre Universidade e Escola, discutindo problemáticas de sala de aula em

dinâmicas colaborativas que contam com a presença de professores, estudantes da rede pública

de ensino, e acadêmicos da licenciatura em Matemática Campus X – Igarapé-Açu. Em virtude

de nossas atividades suscitarem diversos níveis de reflexão sobre a práxis58 de ensinar e

aprender matemática, nos foi imperativo o estudo aprofundado sobre instrumentos que nos

possibilitassem o registro de nossas observações, conferissem substância às nossas discussões

em grupo e nos auxiliasse no planejamento de ações de intervenção na realidade observada.

Dentre os vários recursos que utilizamos cotidianamente, o diário reflexivo se apresentou como

principal articulador entre as experiências vivenciadas e as ações projetadas pelo grupo.

O diário é um instrumento que contribui para refletir sobre o que sucedeu na vida

quotidiana, na aula durante o dia ou semana, como sejam: sentimentos, preocupações, afetos,

frustrações, ambiente de aula, o que se fez, atitudes dos alunos, proposta de ações ou

perspectivas alternativas. E serve para preservar as vivências e as percepções dos fatos de uma

distorção que, com o tempo, a memória lhes vai introduzindo (ALVES, 2004).

Enquanto registro, o diário pertence a um conjunto de instrumentos de recolha de dados

biográficos, que designamos por documentos pessoais59. Fazem parte desta categoria:

autobiografias, cartas, respostas a questionários e entrevistas, evocações de sonhos, confissões,

portfólios, composições de arte, entre outras. Os diários produzidos pelos professores de

matemática em formação inicial contribuíram para a iluminação de intenções, interações e

efeitos docentes como tomadas de posição ou propostas de mudança, tanto nos seus aspectos

ou vivências positivas, como nas insatisfatórias ou negativas. Tornou-me, assim, um

58 A epistemologia da práxis surge em contraposição a uma epistemologia da prática profissional, segundo a qual

o universo da prática social se restringe à prática profissional em seus aspectos puramente empíricos, técnicos e

utilitários (SCALCON, 2007). Busca-se na epistemologia da práxis uma unidade teórico-prática para os processos

de produção e reprodução do conhecimento e uma consequente compreensão da estrutura objetiva da realidade

que reconheça o significado do valor teórico da prática aliançado ao valor prático da teoria (SCALCON, 2008). 59 Define-se por documento pessoal “qualquer produto autorevelador, que produza informação intencional ou não,

que contemple a estrutura, a dinâmica e o funcionamento da vida mental do autor (YINGER & CLARK, 1988).

~ 99 ~

instrumento adequado para conhecer os professores e os seus problemas. Para Fiorentini (2010,

p. 107),

Os diários reflexivos são geralmente utilizados em pesquisas sob abordagem

qualitativa, sobretudo em investigações etnográficas e podem ser denominados de

diário de bordo, diário de campo ou diário do pesquisador. Geralmente escritos sob

um estilo próprio e narrativo, utilizando o pronome pessoal “eu”, que indica sua

natureza personalista e idiossincrática. Nesse instrumento o professor narra suas

vivências, fenômenos e episódios e os interpreta com base em seus conhecimentos e

suas experiências passadas, expressando o que esses acontecimentos significam para

ele e que lições ou aprendizados extrai para sua vida pessoal e profissional. (Grifo

meu)

No excerto, o termo pesquisa possui dupla interpretação: uma primeira que assume a

práxis docente como lócus de investigação e teorização com perspectivas de produção

científica, e uma segunda que relaciona essa mesma práxis a uma constante retomada das ações

de ensino e aprendizagem em sala de aula. Ambas as interpretações descrevem níveis distintos

de reflexão que influem sobremaneira na (auto)formação dos professores com quem trabalhei.

Estiveram presentes na produção dos diários reflexivos dos colaboradores algumas

características que Holly (2000) descreve como:

Desconforto – o processo de produção de um diário não é uma tarefa confortável, pois

o autor se expõe no que escreve, deixa a mostra suas ideias, angustias, crenças e

fragilidades;

Distanciamento – por ser uma ação de retomada de experiências passadas, de registro

de memorias de vivências significativas, o autor nunca é o mesmo sujeito que praticou

a ação objeto da reflexão. Opera-se assim um distanciamento tanto temporal quanto

pessoal do fato descrito/narrado;

Transformação de perspectivas – a simples tomada de decisão da produção do diário

reflexivo já é uma mudança de perspectiva. O autor assume uma postura de abertura ao

novo, a críticas e a transformação de suas práticas. De outro modo a produção do diário

seria uma ação sem sentido, estéril;

Atenção focalizada – quando escreve um diário, o autor se atem a uma situação

específica, um problema que lhe chamou a atenção, um episódio que lhe se apresenta

significativo; e

Voz – ao escrever um diário com perspectiva de socialização ou mesmo retomada de

questões de interesse do autor, os registros adquirem forma e sentido para quem os lê,

os fatos e ideias são, portanto, expressões em “voz alta”.

~ 100 ~

Fiorentini (2010) distingue duas dimensões na produção dos diários pelos professores:

uma informativa e outra formativa. Pessoalmente interpreto tais dimensões como “duas faces

de uma mesma moeda”, isto é, considero as duas dimensões como interdependentes e como

projeções de uma mesma ação reflexiva. Para o autor a dimensão informativa da produção do

diário serve para observar, registrar, descrever e avaliar a prática escolar; possibilita detectar

problemas da prática e melhorá-la; serve para produzir (guar)dados que posteriormente serão

tomados como objeto de análise individual ou coletiva sobre a prática de ensinar e aprender; e

possibilita interrogar e desvendar o sentido da realidade. Quanto a dimensão formativa, o diário:

ajuda a refletir, investigar, compreender e transformar a própria prática, à medida que dá

visibilidade aos seus próprios valores, ideias e concepções que podem estar subjacentes ou

ocultos ao professor ou que podem estar naturalizados pelo fazer cotidiano; desenvolve a

sensibilidade do professor sobre o que o aluno faz, diz, escreve e pensa; proporciona meta-

reflexão sobre a prática e metacognição, isto é, o autor passa a tomar consciência de seu

aprendizado, dando visibilidade para si e para os outros sobre os saberes que constrói a partir

da prática.

Neste sentido, recomendei que os professores, assim que adentrassem no ambiente

escolar, passassem a confeccionar seus diários perspectivando descrever, analisar e narrar:

A dinâmica e a comunicação em sala de aula;

O que os alunos dizem, fazem ou escrevem;

Os gestos/silêncios, as resistências e as táticas dos alunos;

A sua didática e postura docente em classe;

Os problemas, os exercícios e as atividades desenvolvidas em sala de aula;

Os episódios durante as aulas, detalhando-os;

Os seus pensamentos e os sentimentos;

Suas dúvidas, inseguranças, incertezas e seu comportamento como professor.

Dentre os tipos de diários que orientei a produção, desejava que os professores optassem

pelos diários reflexivos. Contudo, devido à falta de hábito dos professores da escrita sobre suas

reflexões e vivências, foram-me encaminhados diários com características mais descritivas.

Segundo Fiorentini (2010) dentre os registros que o professor pode produzir, destacam-se três

tipos de diários:

~ 101 ~

Diários descritivos - neste tipo de registro os diários são estritamente descritivos. O

objetivo é ser o mais objetivo possível, limitando-se a descrever ou relatar o que observa

de uma prática de sala de aula. Geralmente se utiliza esta técnica quando se observa uma

prática alheia e neste caso, ao se tecer reflexões ou comentários pessoais, deve-se abrir uma

nota com as iniciais “RCP” (reflexões do pesquisador) ou deixar uma margem larga para

essas notas interpretativas.

Diários interpretativos - Neste tipo de diário se faz primeiro uma descrição da aula ou

episódio e depois se produz uma interpretação ou reflexão sobre o observado, elaborando

uma breve conclusão ou síntese e destacando aprendizados obtidos.

Diários narrativos - este tipo de diário evidencia-se pela descrição/narração de uma aula ou

prática educativa em que o autor se posiciona o tempo todo em relação aos acontecimentos,

refletindo, interpretando e analisando. Esse tipo de diário contém, impressões, comentários

e opiniões do observador sobre o meio social onde realiza suas observações, seus erros,

dificuldades, confusões, incertezas e temores, suas boas perspectivas, acertos e sucessos,

suas reações e as dos demais participantes, incluindo gestos, expressões verbais e faciais,

etc.

Como é possível intuir, a escrita de um diário é um hábito que deve ser adquirido e

cultivado, sendo que a prática de sua produção trará resultados cada vez mais significativos do

ponto de vista dos detalhes, ideias e reflexões sobre as experiências de seu autor. Por isso

cultivamos a prática da escrita dos diários com fins a subsidiar as reflexões dos professores,

sobretudo segundos os quatro seguintes passos:

1. Descrever o evento (o que eu faço ou o outro faz? Relato concreto dos eventos vivenciados

em sala de aula pelo professor);

2. Informar (o que significa? Evidenciar quais os princípios e teorias envolvidos no processo

de ensinar e aprender que subjazem às ações do professor);

3. Confrontar (como cheguei a agir assim? Relacionar ações e fatores culturais, políticos,

econômicos, que ultrapassem a sala de aula);

4. Reconstruir (como posso agir diferentemente? Reorganização do agir como resultado das

operações anteriores).

Assumir o processo descrito acima é reconhecer que o valor formativo da produção do

diário não se limita apenas a sua escrita e reflexão individual, mas parte de uma prática

individual para uma prática coletiva, isto é, a redação de um diário é tão mais instrutiva quão

~ 102 ~

mais abrangentes forem as contribuições externas que o autor do diário receber de seus pares

em sessões de reflexão coletiva. Tais sessões deram suporte às diversas discussões em reuniões

do grupo de estudo e se tornaram objeto de minha análise sobre as tipologias de aprendizagem

dos professores.

As entrevistas

Ao final do período de formação realizei entrevistas com os sujeitos da pesquisa que

subsidiaram minha compreensão não só dos percursos formativos situados nas experiências

universitárias, mas ainda me auxiliaram no delineamento do perfil pessoal e profissional dos

sujeitos. Situo neste tópico tais perfis que servirão de parâmetro de discussão e percepções sobre

suas práticas formativas. A entrevista assumiu o formato de diálogo semiestruturado em que

estabeleci alguns parâmetros iniciais para o início da conversação, depois conduzi a

interlocução sempre aproveitando as deixas dos entrevistados, quando de pausas na fala, para

introduzir novos temas, desenvolvendo assim uma entrevista fluida, possibilitando voz ativa

aos depoentes. Uma vez transcritas as falas, os textos das entrevistas foram encaminhados aos

entrevistados para que se posicionassem sobre seus depoimentos, momento este que poderiam

proceder acréscimos, supressões e opinar sobre suas preferências em relação a seus

pseudônimos na ocasião do texto final da tese.

O instrumento de suporte da entrevista (vide apêndice 2) foi subdividido em cinco eixos

com objetivos determinados, a saber:

Eixo 1 – Perfil perceptivo e praxeológico docente: Compunha uma dinâmica inicial com o fim

de deixar os entrevistados mais à vontade com a conversação. Dispus em uma tabela doze itens

versando sobre problemáticas da docência, os quais deveriam hierarquizar do nível que

compreendessem ser da mais elevada dificuldade para a mais branda. Tomei como referência

Zagury (2009)60 em que esta autora tece uma reflexão sobre as angústias e impossibilidades

concretas dos professores, que em seu ver tornaram-se reféns de decisões equivocadas da

sociedade. Assumi suas categorias de análise como itens, que ao serem hierarquizados pelos

entrevistados me possibilitaram dialogar com eles sobre suas três maiores dificuldades em

relação aos temas disponíveis. Busquei, portanto, apreender o universo cognitivo e as

60 No livro O professor refém.

~ 103 ~

construções praxeológicas dos entrevistados relativas às suas significações de necessidades e

lacunas formativas.

Eixo 2 – Construções pessoais: Este eixo versa sobre a trajetória escolar do entrevistado desde

sua infância até sua decisão pelo vestibular para a licenciatura em matemática. Comportando

seis questões, este eixo visa o delineamento dos contornos sociais que constituíram o espaço

vital61 (LEWIN, 1973) dos entrevistados bem como a identificação das tensões que influíram

na decisão pela docência em matemática.

Eixo 3 – Construções no PIBID: assentando-me nas experiências dos entrevistados e em suas

apreensões sobre essas experiências busquei, em quinze questões, a construção dos contornos

de aprendizagem destes sujeitos, isto é, dialogamos sobre as suas perspectivas, aprendizados,

angustias, crenças, certezas e incertezas emergentes de suas formações extracurriculares no

PIBID, bem como sobre as repercussões de tais experiências nas suas atuações docentes. O foco

deste eixo foi o de identificar os processos de aprendizagem e os tipos de aprendizagem situados

nas experiências da comunidade de prática colaborativa, na busca por evidências do

desenvolvimento profissional destes professores durante o corte temporal dos últimos dezoito

meses de suas graduações.

Eixo 4 – Percepções da formação específica: Situando apenas cinco questões, este eixo visa a

construção de compreensão sobre a colaboração da formação em disciplinas específicas da

licenciatura em matemática para o adequado exercício da profissão docente.

Eixo 5 – Percepções da prática docente: Neste eixo procuro, em seis questões, definir os

contornos contributivos da formação inicial dos licenciandos a sua construção identitária

docente. Trago questões acerca de suas percepções sobre a docência e projeções para o futuro.

Mais uma vez recorro à Zagury (2009) para construir estas questões que, asseguro, dão uma

visão coerente sobre como estes professores estão entrando no mercado de trabalho e que

compreensão possuem sobre disso.

Os diálogos das entrevistas tiveram duração média de duas horas. Foram gravados em

áudio e posteriormente transcritos por mim para subsidiar as análises dos diversos aspectos

presentes na Tese, sobretudo, acerca do percurso de formação dos integrantes do projeto PIBID

com vista a identificação de processos de aprendizagem, dos tipos de aprendizagem situados

nas práticas colaborativas e de evidências de desenvolvimento profissional destes docentes. As

61 Compreendido aqui como o contorno de relações do sujeito em interação com seu espaço social.

~ 104 ~

entrevistas não constituíram o único veículo para acessar os dados da formação, mas de certo

foram as mais exploradas neste trabalho.

Construção das categorias de aprendizagem docente

O estudo dos processos de aprendizagem subjacentes ao percurso de formação com

características colaborativas, demandou uma profunda incorporação de sentidos da docência

possível de ser adquirida somente com o estudo pormenorizado de múltiplos referenciais sobre

os temas educacionais. A multirreferencialidade, assumida por mim como uma estratégia para

ascender à compreensão do que ocorreu no ambiente formativo se fez necessário pelo fato de

os processos de aprendizagem da docência se constituírem de modo complexo, fluido, e, de

certo modo, imprevisível.

A análise textual discursiva aplicada às transcrições dos diálogos e reificações dos

sujeitos da pesquisa, associada à literatura - acerca de temas como: experiência, formação

docente, comunidades de prática, desenvolvimento e identidade profissional, práxis docentes,

aprendizagem docente, saberes, habilidades e competências da docência, dentre outros -, me

possibilitaram a construção de oito categorias ou tipologias abrangentes de aprendizagem da

docência, que ocorrem, seguramente, mediante um processo de conversão catastrófica.

Estas tipologias ou categorias possuem correspondentes em diversas pesquisas e

estudos sobre a prática docente, sobretudo materializadas nos trabalhos de Tardif (2007), Freire

(1996), Lorenzato (2006), Fiorentini (2006, 2009, 2013), Perrenoud (2001), Schön (1992),

Zeichner (1993, 2003, 2005), Morin (2007), Gonçalves T. (2005), Werneck (1996), Leite et al.

(2008), dentre muitos outros que desprenderam esforços no mapeamento dos comportamentos

necessários à prática docente de qualidade. Foi, justamente, para elucidar questões como “O

que constitui uma prática docente de qualidade?” e “O que é um bom professor?”, que investi

esforços na elaboração de categorias de análise que aqui introduzo como aprendizagem do tipo:

1) Reflexividade crítica sobre a realidade;

2) Curiosidade epistemológica do conteúdo e do sujeito;

3) Dialogicidade da comunicação e da atuação docente;

4) Instrumentalidade tecnológica e estratégica do ensino;

5) Inacabamento e consciência social da profissão;

~ 105 ~

6) Sensibilidade ecológica;

7) Domínio didático-pedagógico do currículo e do ensino; e

8) Assunção da autoridade docente.

As categorias de aprendizagem surgiram do esforço de transcrição das entrevistas, dos

recortes das produções escritas (diários, relatórios e TCCs), dos depoimentos registrados em

áudio e vídeo de situações de experiência em grupo e/ou em sala de aula, sobre os quais, por

um processo de unitarização e diálogo com a literatura62, destaquei unidades de sentido que

expressassem mudanças de relação dos sujeitos investigados para com suas práxis docentes.

Como o exercício era o de definir os tipos de aprendizagem, e sendo a aprendizagem uma

manifestação de conformidade com uma prática/saber/valor/habitus de um grupo de referência

ou comunidade de prática, resolvi mapear quais seriam estas tais

práticas/valores/saberes/competências/habilidades do professor que, ao serem mobilizadas

pelos docentes no ambiente complexo que é a escola, manifestariam tipos de aprendizagem

próprios do que assumo como um bom professor. É importante salientar que essas tipologias

não constituem categorias estanques e herméticas, mas flexíveis, que expressam o

desenvolvimento do sujeito docente no tempo e na ecologia dos espaços em que este se

encontra. São, portanto, mutantes com este e se entrecruzam na constituição identitária e

socialização do sujeito. As tipologias de aprendizagem serão retomadas com maior

detalhamento na composição posterior.

62 Ao recorrer à literatura, supracitada, encontrei 145 indicativos de saberes, habilidades e competências acessados

por tipos de aprendizagem correspondentes aos evidenciadas nos processos de aprendizagem do percurso de

formação dos professores investigados. Estas incidências da literatura influíram, sobremaneira, na composição das

tipologias de aprendizagem resultantes.

~ 106 ~

~ 107 ~

COMPOSIÇÃO III

Nesta composição, opero a análise sobre os relatos produzidos pelos

sujeitos da pesquisa - pautadas em discursos colhidos sobre as

experiências expressas por meio de interações gravadas em áudio e

vídeo e reificações como resenhas, relatórios, artigos, diários, TCCs e

entrevistas - com o fim de explicitar os tipos de aprendizagem

evidenciados durante as atividades colaborativas do grupo. Os

resultados indicam que os processos de aprendizagem da docência

ocorrem desde a formação no ensino básico quando o apoio familiar e

relações positivas para com a matemática e para com os professores

desta disciplina contribuem para a escolha da profissão docente. A

análise dos dados me possibilitou uma compreensão sobre o contínuo

experiencial da formação dos professores, bem como me orientou no

reconhecimento de indícios de identificação dos sujeitos observados

para com a docência a partir do seu percurso de formação.

~ 108 ~

~ 109 ~

COMPOSIÇÃO III

CONTORNOS META-ANALÍTICOS DA

PESQUISA

Cheguei a uma conclusão aterradora: eu sou o elemento decisivo na aula. É a minha

atitude pessoal que cria o clima. É o meu humor diário que determina o tempo. Como

professor, possuo um poder tremendo de fazer com que a vida de um menino seja

miserável ou feliz. Posso ser um instrumento de humor, de lesão ou cicatrização. Em

todas as situações, é minha resposta a que decide se uma crise se agudizará ou se

apaziguará e um menino se humanizará ou desumanizará.

(GINNOTT, 1973 apud JULIATTO, 2007)

O professor é imprescindível a qualquer proposta que envolva a melhoria de quaisquer

situações que impliquem a educação. Possibilitar que este profissional exerça de modo

autônomo e consciente seu trabalho também constitui um aspecto básico a esta melhoria. E

quando falo em exercício da autonomia considero-a em aspecto amplo, não permitindo que

forças externas exerçam sobre este sujeito repressões, imposições ou qualquer processo de

alienação, mas para que este professor tenha condições de compreender sua condição e seja

capaz de transformar sua realidade, é necessário que participe ativamente de sua formação,

indicando seus desejos, expressando suas experiências, desenvolvendo e exercendo sua

cidadania.

Nos dias de hoje esta parece ser uma utopia possível mediante o estabelecimento de um

novo status que podemos construir a partir da indicação de novos parâmetros para o paradigma

formativo docente, ou seja, os modos, formas e políticas assumidas pela sociedade para a

formação de professores. É importante salientar que em decorrência das premissas que se

seguiram no decorrer da história desta formação, convém avaliarmos mais apuradamente as

condições de reflexão e concepções de prática oferecidas aos professores na atualidade. Isso

pressupõe uma análise do que se tem proposto como princípios formativos que regem a

orientação de nossos professores em formação inicial, seja na articulação dos projetos

pedagógicos dos cursos, com suas avaliações e direcionamentos, seja nas ações

complementares formais e informais disponibilizadas institucionalmente.

~ 110 ~

Este caráter analítico, crítico e propositivo é necessário, pois a identidade do professor

embora seja construída no decorrer do exercício da sua profissão, é durante a formação inicial

que serão sedimentados os pressupostos e as diretrizes presentes no curso formador, decisivos

na construção de identidade docente (BARREIRO & GEBRAN, 2006). Além disso, a

formação inicial é estruturante da base em que se assentam as concepções e práticas que levam

à reflexão, e deve constituir um ambiente rico à promoção de saberes da experiência,

conjugados com a teoria, possibilitando ao professor em formação uma análise integrada e

sistemática da sua ação educativa de forma investigativa e interventiva. Esta linha de

pensamento encontra ressonância nos pressupostos de Gonçalves (2006, p. 20) que expõe seu

ponto de vista de que a formação inicial deveria configurar como uma formação para o

docente já começar a se desenvolver profissionalmente.

Coaduna com esta compreensão a não contradição entre a formação inicial e o

desenvolvimento profissional como elementos conceptivos que podem ser trabalhados

concomitantemente. Este argumento é sustentado por Imbernón (1994, p. 12) quando diz que:

Historicamente, formação e desenvolvimento profissional foram consideradas

isoladamente, não como conceitos opostos, mas como dois lados da mesma moeda:

uma entenderia a cultura que se desenvolvia e outra a técnica ou competência que

devia aplicar-se. Esta consideração foi coerente com o conceito estanque e técnico de

"profissionalização" que dominou os processos formativos, mas atualmente resulta

obsoleto, uma vez que se analisa a formação em sínteses que incluiem diversos

componentes (cultura, contexto, conhecimento disciplinar, ética, competência

metodológica e didática) e como um elemento impressindível para a socialização

profissional em uma determinada práxis contextualidada. Formação e

desenvolvimento profissional formam, portanto, um conjunto necessário para o

desempenho da profissão docente. (Tradução minha).

Nestes termos o que proponho é uma concepção atual de formação e desenvolvimento

profissional, que possui como característica básica as práticas predominantemente centradas

em uma lógica colaborativa e situada nas reflexões produtivas das aulas ministradas, o que

significa reconhecer o caráter profissional específico dos professores e a existência de um

espaço em que estes podem exercer sua autonomia. Esta concepção implica, portanto, em

reconhecer que os professores de matemática podem ser verdadeiros agentes sociais,

planejadores e gestores do ensino-aprendizagem, e que devem intervir nos complexos sistemas

que constituem a estrutura social, em que muitas vezes são ignorados, mesmo acerca de temas

que os afetam diretamente.

Estudos de minha práxis como formador neste atual e complexo contexto de

indissociabilidades entre formação e desenvolvimento profissional e entre ensino, pesquisa e

~ 111 ~

extensão, bem como os resultados das análises dos discursos de meus colaboradores, me

levaram à construção do que chamo Contornos Experienciais da Formação Docente, que aqui

sintetizo no diagrama abaixo:

Fig. 07 – Contorno Experienciais da Formação Inicial.

O diagrama surge de um insight ocorrido a partir da interpretação dos discursos dos

sujeitos entrevistados, com os quais foi possível identificar a Formação Inicial como uma

iniciação ou rito de passagem à vida profissional dos professores, ou melhor, como a própria

transição entre a preparação oficial e o exercício da profissão docente. Nesta preparação

oficial me foi possível identificar a articulação de três aspectos ou instâncias formativas

fundamentais à qualificação dos professores, as quais sejam: a Formação Específica, a

Formação Didático-Pedagógica e a formação advinda de experiências em Atividades

Extracurriculares. Destaco que, quão mais articuladas e bem desenvolvidas forem estas

instâncias formativas fundamentais (α), há expectativa de que melhor será a compreensão da

função docente e o exercício inicial da profissão (α’). Acrescento ainda, a possibilidade de

ocorrência de outras instâncias formativas durante esse processo, identificadas com as regiões

sem denominação específica presentes no diagrama, que não serão aqui tratadas por ocorrerem

em espaços não definidos como objetos de pesquisa sobre as experiências dos sujeitos, a saber:

participações em grupos comunitários ou religiosos, exercício da docência em projetos de

cursinho ou aulas de reforço, atividades voluntárias, ou mesmo interações sociais com parentes

e amigos.

~ 112 ~

Em que pese sob tais instâncias formativas fundamentais o caráter qualitativo de minha

tese, desprenderei breve atenção a cada uma delas. Contudo, considero de central interesse a

instância que diz respeito às Atividades Extracurriculares e suas interfaces com as demais, visto

que são em suas experiências que se assentam as ações do PIBID que desencadeiam os

processos de aprendizagem e se situam os contornos de aprendizagem docente que fornecem

evidências do desenvolvimento profissional dos professores em formação investigados.

Entretanto, para que melhor se elucide o percurso de formação objeto deste trabalho, passo a

seguir a um detalhamento pormenorizado das tipologias de aprendizagem que permearão as

análises desta pesquisa.

Marcos conceituais das tipologias de aprendizagem da docência

As práticas das quais emanam os processos de aprendizagem, aqui a serem descritos e

analisados na forma de um percurso extracurricular de formação, caracterizam e dão forma a

oito tipologias de aprendizagem que não devem ser entendidas como simples manifestações de

atitudes mecânicas, mas como resultados do que ora defino como um processo de conversão

catastrófica. Compreendo este processo como uma mudança, que geralmente corresponde a

uma aprendizagem resultante de uma situação evocativa de sentidos de experiências passadas

que provocam desequilíbrios no indivíduo, levando-o a estabelecer relações outras com

determinado saber - que constitui uma prática de valor para o sujeito. Esta mudança ocorre na

forma de socializações do indivíduo ao assumir-se sujeito de um grupo, no qual torna ostensivo

o que sabe e passa a apresentar um saber-fazer justificado, assumindo como seus os princípios

que são interativamente comungados pelo grupo.

Estas tipologias de aprendizagem docente, como já detalhei na composição anterior,

foram construídas por um processo dialético entre a análise da literatura sobre a formação e

desenvolvimento profissional docente e análise do que defino por macro-percurso de formação

de seis licenciandos do curso de matemática, que participaram do projeto de iniciação à

docência do PIBID. Deste modo, passo a detalhar as diferentes tipologias de aprendizagem:

~ 113 ~

1) Reflexividade crítica sobre a realidade

A reflexividade crítica sobre a realidade é, na atualidade, um dos principais objetivos

do processo formativo e do desenvolvimento profissional docente, em especial dos professores

de matemática. Esta reflexividade crítica, aqui definida como uma aprendizagem significativa

à formação docente, apresenta-se como componente de superação de visões limitadas que

assumem a crítica como um simples encontrar defeitos ou censurar (RATHS et al., 1977, p.26).

Deste modo, por meio da reflexividade crítica, se compreende que educar é intervir no

mundo, reconhecendo seus limites e condicionamentos, estando ciente de que há uma ideologia

institucional que subjaz a estrutura aparente. O profissional que apresenta esta visão crítica da

realidade apresenta uma mentalidade aberta, rejeita as discriminações, suscetibilidades e

parcialidades (DEWEY, 2011), pensa de forma autônoma (CONTREIRAS, 2002), duvidando

do que parece simples, óbvio e certo (LORENZATO, 2006). O professor com características

crítico-reflexivas questiona suas crenças prévias, estando convicto da possibilidade de mudança

e disposto a assumir novos problemas e ideias, defendendo-os de forma coerente, responsável

e harmoniosa (GONÇALVES T., 2005), perspectivando a apreensão qualificada da realidade

(FREIRE, 1996).

2) Curiosidade epistemológica do conteúdo e do sujeito

Segundo Paulo Freire (1996) a curiosidade é uma manifestação presente à experiência

vital humana, isto é, subjaz à vida e ao processo de aprendizagem. Existe de fato uma dimensão

ingênua da curiosidade, associada a um saber que caracteriza o senso comum, mas não é

discutido, problematizado, apesar de também gerar algumas inquietações. Entretanto, buscamos

na ciência o desenvolvimento de uma curiosidade crítica (ou curiosidade epistemológica).

Uma vez que a passagem da ingenuidade para a crítica não se faz automaticamente,

entendo que esta mudança de forma constitui uma aprendizagem. A superação da curiosidade

ingênua para uma curiosidade epistemológica ocorre mediante uma ruptura, uma conversão, à

medida em que se criticiza, tornando-se rigorosa na sua aproximação ao objeto. Esta

curiosidade indagadora procura esclarecimentos, o desvelamento de algo no mundo que não

fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos (FREIRE, 1996).

~ 114 ~

Esta aprendizagem, no âmbito da educação, diz respeito à curiosidade do professor em

relação à herança cultural da humanidade que se expressa, em específico ao professor de

matemática, por meio da (re)construção dos fundamentos dos saberes matemáticos e didáticos

do ensino. Esta manifestação é, por muitos, compreendida como uma necessidade de

conhecimento do conteúdo específico (SHULMAN, 1986a), neste caso, o conhecimento do

conteúdo matemático. Entretanto, perspectivar o saber sem relacioná-lo ao sujeito institucional

que o constrói, constitui, na melhor das hipóteses, uma limitação.

Neste sentido, a aprendizagem epistemológica do conteúdo e do sujeito constitui uma

interpretação da matemática tanto como linguagem, como instrumento e como ciência

socialmente construída, isto é, posiciona o sujeito no centro desse processo e reconhece a

necessidade de reconstruções do conhecimento matemático, levando em consideração os

problemas que deram origem a certos objetos e como estes objetos chegaram a se articular em

corpos coerentes, bem como seus saberes associados surgem, desenvolvem-se e morrem

(CHEVALLARD, 2005). Esta aprendizagem é, portanto, desmistificadora e desnaturalizadora

das práticas docentes, uma vez que enfatiza os porquês da matemática (LORENZATO, 2006),

reconhecendo suas implicações para a sociedade e para o desenvolvimento do sujeito docente.

Neste processo de (re)conhecimento epistemológico do seu objeto de ensino, o professor

percebe não ser possível uma construção sólida em sala de aula se sua postura for ensimesmada,

isto é, centrada no professor e dando a entender que a matemática, por exemplo, seria a simples

soma de resultados individuais de cabeças privilegiadas. Deste modo, considera assumir este

desafio do ensino como um jogo coletivo (DEMO, 2010). Este jogo coletivo ocorre, portanto,

ao se aceitar e reconhecer a importância dos outros neste processo educacional. Isso implica

saber sobre os valores, expectativas, preferências, objetivos e linguagens que caracterizam este

grupo, estando consciente de que tais características se alteram com o tempo e espaço

(LORENZATO, 2006, p. 21). Entretanto, todo grupo social é constituído de indivíduos, assim

o professor precisa levar em conta que em cada coletivo existem diferentes tipos de pessoas,

também com valores, expectativas, preferências, objetivos e linguagens que, embora imersas

no coletivo, possuem especificidades próprias. O professor que manifesta a aprendizagem em

tela reconhece o processo de ensino neste contexto de jogos coletivos e respeita a

individualidade dos sujeitos, que se constituem por meio de complexas relações intersubjetivas

com perspectivas de construção do conhecimento e de sua autoconstrução em conformidade

com as expectativas institucionais (Família, Escola, Universidade, Sociedade).

~ 115 ~

3) Dialogicidade da comunicação e da atuação docente

A comunicação63 é o canal pelo qual os padrões de vida de uma cultura são transmitidos,

o meio pelo qual os indivíduos se apropriam das formas, modos, saberes, valores, costumes e

crenças de sua sociedade. Isto é, aprendem a ser sujeitos em uma comunidade. O mundo

humano é, desta forma, um mundo de comunicação (FREIRE, 1983). E a comunicação, assim,

confunde-se com a própria vida (BORDANE, 1988).

Os indivíduos atuam e falam sobre o mundo, pensam e se comunicam acerca dele.

Porém, o sujeito pensante não pode pensar sozinho; não pode pensar sem a (co)participação de

outros sujeitos no ato de pensar sobre o objeto. Não há um “penso”, mas um “pensamos”. Neste

sentido, um sujeito docente comunicativo é o que manifesta a condução de uma postura

interessada, sensível, mediadora, de linguagem dialética e predisposição para ouvir e entender

a perspectiva do outro (FREIRE, 1996). Esta aprendizagem se manifestou em minha pesquisa

por meio de quatro tipos de situação, a saber:

Na organização do discurso de aula – que corresponde à preparação do docente para a aula,

que prevê a adequação de seu material de ensino e de seu discurso ao nível escolar e ao contexto

sociocultural dos alunos. Seus dispositivos de mediação possibilitam a interação e são

construídos com linguagem acessível ao seu público;

No domínio da fala em público - quando o professor tem a preocupação de aprimorar sua

oralidade, imputando credibilidade ao que fala, expondo suas ideias de modo coerente e

fundamentado. Manifesta também uma postura positiva para com seu público, sendo paciente,

solícito, compreensivo e honesto com seus interlocutores;

Na disponibilidade para o diálogo – no momento em que o professor revela primar por uma

conduta mediadora, sem privilégios ou preconceitos, pois é no respeito às diferenças entre

mim e eles ou elas, e na coerência do que faço e o que digo, que me encontro com eles e com

elas (FREIRE, 1996, p. 135). O professor que apresenta disponibilidade cria condições de

segurança ao diálogo. Uma disponibilidade curiosa à vida, a seus desafios, gera uma abertura

aos outros e à realidade dos alunos com quem compartilha sua atividade pedagógica;

63 A comunicação é normalmente associada ao discurso dos diversos intervenientes e tem a ver com o modo como

os significados são atribuídos e partilhados por interlocutores em situações concretas e contextualizadas. O

discurso pode ser oral, escrito ou gestual, tendo a comunicação oral papel fundamental na aula de Matemática

(PONTE et al., 1997, p. 83-84).

~ 116 ~

Na sensibilidade de escuta dos que falam e dos que silenciam – neste tipo de situação o

professor manifesta uma sensibilidade próxima ao que Barbier (1998) denominou de escuta

sensível64. O professor apresenta uma empatia e aceitação incondicional do outro, pratica o

ouvir como um movimento que visa estabelecer uma relação de confiança, que gera ambiência

para a interpretação subjetiva do discente segundo sua experiência. Interpretação esta que deve

ser avaliada pelo grupo, posto que nesta dinâmica de diálogo educador e educando estão no

mesmo nível, não há subordinação, a comunicação se dá na horizontal (FREIRE, 2003), em

oposição a uma postura vertical, autoritária e arrogante. Nesta perspectiva a manifestação do

erro não deve assumir conotação negativa, mas ao contrário deve ser compreendida como a

revelação daquilo que os alunos pensam, como indicador de (re)direcionamentos,

oportunidade de crescimento, ao aluno, e evolução, ao professor (LORENZATO, 2006, p.

49). O silêncio, por outro lado, também é objeto de consideração do professor que apresenta

escuta sensível, posto que reconhece no silêncio aqueles que possuem maior dificuldade, não

têm confiança em si mesmos, temem ser ridicularizados ou simplesmente negligenciados

(PERRENOUD, 2001). Uma expectativa inicial é a de fazer com que este aluno silencioso

participe das sessões de diálogo, indagando-lhe sua opinião em uma tentativa de incentivá-lo a

participar da produção do conhecimento. Todavia, existe a possibilidade de tencioná-lo e

constrangê-lo ao fazer isso, de modo que uma experiência social coletiva pode não ser a melhor

alternativa. Deste modo a interação pode se dar por meio de um diálogo tecido apenas entre

educador e aluno, como estratégia para construir pontes e identificar elementos de interesse e

motivação específicos para este sujeito.

4) Instrumentalidade tecnológica e estratégica do ensino

Esta aprendizagem se refere à capacidade do professor desenvolver um trabalho docente

de qualidade (LEITE et al., 2008) que envolva os alunos em atividades que produzam sentido

e favoreçam a (re)construção do objeto de ensino (CHEVALLARD, 1991), em específico o

matemático. Diz respeito à seleção de conteúdos adequados e que deem uma visão coerente da

disciplina, sendo acessíveis aos alunos e suscetível de interesse (FURIÓ et al., 1992, p. 9).

64 A escuta sensível caracteriza-se por uma teoria psicossociológica existencial e multirreferencial que sugere três

tipos de escuta (a científico-clínica, a poético-existencial e a espiritual-filosófica) e um eixo de vigilância que

possibilita ao pesquisador sentir o universo afetivo, imaginário e cognitivo do outro, para compreender suas

atitudes, comportamentos, sistemas de ideias, valores, símbolos e mitos (BARBIER, 1998, 2007).

~ 117 ~

Também comporta as aquisições diárias do professor que lida com novos métodos, técnicas e

instrumentos tecnológicos de ensino, visto que os avanços contemporâneos engendram

demandas cada vez mais complexas e impõem ao professor a articulação teoria-prática e a

construção de um ambiente de ensino propício à experimentação, pesquisa e exploração de

temas e aplicações da matemática (LORENZATO, 2006). Esta articulação envolve saberes

relacionados ao planejamento de ações que, ao serem desenvolvidas como atividades,

possibilitam a apropriação do conhecimento pelo aluno (ROESLER LOPES, 2009, p. 93) uma

vez que exploram a integração curricular – não saltar etapas – e a integração de temas da

matemática (LORENZATO, 2006) – elegendo tarefas matemáticas convenientes, organizando

o discurso da aula, criando um ambiente para a aprendizagem e analisando ensino e

aprendizagem (LAPPAN, G.; THEULE-LUBIENSKI, 1994), estabelecendo conexões entre

conteúdos tradicionalmente dispersos no currículo. Neste contexto, a apreensão dos recursos,

instrumentos e métodos de ensino configura condicio sine qua non à aprendizagem da docência,

visto incidir diretamente na criação de condições ambientais que auxiliam aos alunos

desenvolverem importantes atitudes matemáticas e atitudes em relação à matemática

(CHACÓN, 2003).

5) Inacabamento e consciência social da profissão

Esta tipologia caracteriza uma aprendizagem complexa, pois implica a percepção do

professor sobre si, sobre suas limitações e, fundamentalmente, sobre o que não conhece, pois

somente consciente do que não conhece o professor estará aberto à sua (auto)formação e à

formação de seus alunos. Neste sentido, a consciência de inacabamento, mais do que um senso

poético ou estético da formação docente, é entendimento necessário à abertura de espírito, em

oposição ao fechamento e naturalização das práticas, implicando, deste modo, a necessidade de

um constante aprimoramento do professor. Pois, sendo gente, vê-se presente em um mundo

multi-institucional, logo, social. Não havendo, portanto, construção de um sujeito em

isolamento, mas em constantes processos de socialização às instituições, em que o professor se

percebe condicionado, porém sua condição não é a de alguém que se adapta e sim a de quem

se insere, em luta constante para não ser apenas objeto, mas também sujeito da história

(FREIRE, 1996). Diante deste processo de tornar-se sujeito (CHEVALLARD, 2009) o

professor se apropria das formas, valores, modos de ser e de fazer institucionais. Os modos de

~ 118 ~

ser e de fazer institucionais docentes da atualidade implicam a consciência social da profissão

docente, de tal forma que mesmo sabendo que as condições materiais, econômicas, sociais e

políticas, culturais e ideológicas em que nos achamos geram quase sempre barreiras de difícil

superação para o cumprimento de nossa tarefa histórica de mudar o mundo (FREIRE, 1996,

p. 54), o professor sabe que os obstáculos não se eternizam. Portanto, essa conscientização não

é um saber descompromissado que se presta a induzir novas formas de alienação (FREIRE,

2001, p. 9), mas um comprometimento com ações concretas com perspectivas de mudança de

quadros sociais para formas, manifestamente, mais justas. Isto é, quando douto de suas

limitações e cônscio de seu papel histórico como agente de mudanças, o professor expressa

atitude de entusiasmo, que envolve a disposição necessária para desempenhar seu trabalho com

curiosidade, energia, capacidade de renovação e luta contra a rotina, manifestando preocupação

com o nível de aprendizagem de seus alunos. Para estar à altura desta demanda, busca por

contínua qualificação profissional, visto compreender que se o mundo muda e a realidade muda,

com elas devem mudar suas relações docentes com os saberes do mundo e com os alunos com

quem interatua nesta realidade.

6) Sensibilidade ecológica

O termo ecologia (oikos+logos) foi empregado pela primeira vez no livro Generelle

Morphologie der Organismen, em 1866, pelo biólogo Ernst Haeckel, que o utilizou para

designar a parte da biologia que estuda as relações entre os seres vivos e o meio ambiente

(FERNANDES & GERRA, 2012). Este termo tem origem grega e significa a associação entre

“casa” e “estudo racional”, ou seja, trata do estudo racional das relações existentes em torno da

casa em que se vive, podendo-se considerar o termo “casa” como o ambiente de um modo geral,

fazendo com que a ecologia sirva para representar o estudo de ambientes específicos em que se

vive. Para Abbagnano (2007, p. 350) trata-se do estudo das relações entre o homem como

pessoa e seu ambiente social. Esta última acepção me possibilita extrapolar este sentido para a

tipologia de aprendizagem em tela, na qual temos que o seu significado incide sobre a

capacidade observacional e inquisitiva do professor acerca do porquê determinadas situações

de ensino e aprendizagem ocorrerem, e como ocorrem sob determinadas contingências

institucionais e que condições seriam necessárias para a ocorrência de outras situações

~ 119 ~

desejáveis dentro do ambiente escolar. Essas contingências ecológicas exigem sensibilidade do

professor quanto a questões de ordem:

Física - identificação dos espaços e recursos materiais que potencializam ou restringem

determinadas dinâmicas e tarefas docentes;

Econômica - o domínio do tempo e dos custos de determinadas tarefas, bem como da relação

custo-benefício na execução de uma atividade;

Política – identificação das relações interpessoais, horizontais ou hierárquicas, pertinentes

ou intervenientes em determinados espaços ou ações;

Social - sintonia com as ocorrências da comunidade/sociedade e o reconhecimento das

legislações e normas explícitas ou implícitas que regem a instituição;

Cultural – compreensão das modas, valores, costumes, manifestações e formas de fazer/ser

de um coletivo.

A sensibilidade ecológica possibilita ao professor, deste modo, o reconhecimento e

caracterização do meio no qual atua, potencializando, assim, suas práticas docentes.

7) Domínio didático-pedagógico do currículo e do ensino da matemática

Esta aprendizagem caracteriza a compreensão de que toda prática pedagógica gravita

em torno de um currículo (SACRISTÁN, 2000, p. 26). Diz respeito, pois, ao entrecruzamento

de diferentes práticas que convergem na perspectiva de cultivar determinados hábitos ou

construir certas competências nas aulas e nas escolas. Ao longo de sua formação e experiências

de docência o professor se apropria de saberes que correspondem aos discursos, objetivos,

conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar categoriza e apresenta os saberes

sociais por ela definidos e selecionados como modelos da cultura erudita e de formação para

a cultura erudita (TARDIF, 2007, p. 38). O domínio didático-pedagógico do ensino da

matemática, portanto, se apresenta concretamente sob a forma de apreensão de programas

escolares (objetivos, conteúdos, métodos) que os professores de matemática aprendem e

utilizam. Esta aprendizagem prática, por assim dizer, emana da experiência da docência e se

incorpora, individual e coletivamente, sob a forma de habitus (BOURDIEU, 2009) e

habilidades de saber-fazer e de saber-ser dentro de uma instituição que toma por referência ou

na qual se insere. A prática do ensino não é, portanto, um produto de decisões dos professores,

a não ser unicamente à medida que modelam pessoalmente este campo de determinações,

~ 120 ~

que é dinâmico, flexível e vulnerável à pressão (SACRISTÁN, 2000, p. 91), isto é, a dimensão

curricular do ensino não se resume ao didático, pois abrange níveis diversos como o político,

administrativo e jurídico que lhe impõem rumos distintos. Deste modo, a aprendizagem docente

associada à componente pedagógica do ensino, em específico do ensino da matemática, requer

o resgate das tipologias de aprendizagem anteriormente discutidas, sobretudo em relação aos

conhecimentos sobre os alunos – seus processos de desenvolvimento e seus contextos

socioculturais, como aprendem e constroem sua linguagem-, a matéria que ensina - relativa

aos componentes curriculares, objetivos educacionais e domínio epistemológico dos objetos

mediatizados/transpostos aos alunos -, e ao modo como ensina – que implica a postura que o

professor manifesta no desenvolvimento de suas atividades docentes, que se quer empreendam

dinâmicas investigativas, colaborativas e de reflexão sobre sua própria prática.

8) Assunção da autoridade docente

Esta tipologia de aprendizagem diz respeito aos significados atribuídos pelo professor e

suas implicações práticas na docência, ao assumir-se enquanto profissional, imputando-lhe

todas as responsabilidades e direitos que o exercício da profissão lhe convém. Esta

aprendizagem representa um estádio último da conversão e socialização à docência, posto que

o sujeito que a manifesta, de certo modo, incorporou o papel institucional de professor, isto é,

assume sua profissionalidade docente. Contudo, uma problemática que se apresenta, sobretudo,

quando falo em assumir-se como profissional docente, é justamente a multiplicidade

interpretativa que o termo profissional poderá assumir neste contexto. De modo, que sou

impelido a tecer um breve esclarecimento de que compreendo o profissional docente como

conceitua Altet (2001, p. 25), isto é, como uma pessoa autônoma, dotada de competências

específicas e especializadas que repousam sobre uma base de conhecimentos racionais,

reconhecidos, oriundos da ciência, legitimados pela Universidade, ou de conhecimentos

explicitados, oriundos da prática. Esta conceituação me ajuda a pensar o professor que

manifesta assunção da autoridade docente como um profissional capaz de articular processos

de ensino-aprendizagem em uma determinada situação como um:

Professor mediador (TÉBAR, 2011) - capaz de filtrar e selecionar os estímulos ou

experiências acessíveis ao nível de compreensão de seus educandos, buscando transcender

as limitações da realidade presente;

~ 121 ~

Professor reflexivo (ZEICHNER, 1993) - inquiridor de sua própria prática e com papel ativo

na formulação dos objetivos e teorias que podem contribuir para a construção de

conhecimentos sobre o ensino;

Professor comunicador (ANTÃO, 1999) – articulador de ensino que se vale da memória,

entusiasmo, ritmo, voz fluida, expressão corporal, naturalidade e conhecimento para

promover a transposição de saberes;

Professor agente de mudanças (SAVIANI, 2008; FREIRE, 1996) - promotor e defensor da

formação do sujeito como um homem livre, crítico, participativo, autônomo e consciente do

seu papel no seu tempo. Este professor sabe que sua ação é uma forma de intervenção no

mundo.

Dentre os elementos que definem o bom professor e que expressam a assunção de sua

autoridade docente figura a autonomia no contexto da prática de ensino (CONTRERAS, 2002),

definida por um processo pelo qual se irão se entrelaçando aspectos pessoais (dentre os quais

os próprios compromissos profissionais) com os de relacionamento (já que o ensino se realiza

sempre em um contexto de relações pessoais e sociais) e que implicam nas tentativas de

compreensão e tensionamento do tecido social em que se destacam a obrigação moral, o

compromisso social e a competência profissional. Estes aspectos envolvem tanto as qualidades

necessárias ao trabalho de ensinar que definem a profissionalidade do professor, quanto

reivindicam sua dignidade e autonomia como um direito de trabalho. Ao externar reconhecer

seu papel profissional e social, o professor demonstra com bom senso constituir-se uma

autoridade, que pratica seu dever respeitando a autonomia, a dignidade e identidade de seu

educando (FREIRE, 1996), apresentando comportamentos cativantes e influenciadores de

comportamentos de liderança e colaboração (TURNBULL, 2009), estabelecendo relações

criativas e produtivas, manifestando destrezas avaliativas justas e tomada de decisões

conscientes, passando a figurar como liderança e exemplo a ser seguido.

No esquema a seguir, represento as articulações entre as tipologias de aprendizagem na

perspectiva de constituição de um bom professor de matemática:

~ 122 ~

Fig. 08 – Tipologias de Aprendizagem da Docência.

Nos tópicos que seguem nesta composição, descreverei o percurso de formação de seis

professores em formação inicial, que me possibilitou, em diálogo com a literatura, a construção

das tipologias de aprendizagem que a partir de agora assumirei como categorias transversais de

análise, isto é, destacarei, sempre que possível, as tipologias de aprendizagem da docência nos

contornos das experiências como resultado de situações de reflexão individual ou coletiva sobre

a prática da docência.

A Formação Específica e a articulação entre as disciplinas específicas e

didático-pedagógicas

Preocupado com as influências da formação específica, ocorrida na Universidade, em

paralelo a nossas ações do PIBID, inquiri os professores colaboradores sobre como percebiam

essa formação. Suas respostas indicaram a presença de séria problemática, como podemos

evidenciar no seguinte depoimento:

~ 123 ~

(...) as disciplinas especificas em sua maioria não foram como esperava, posso

citar apenas as disciplinas de Cálculo I e II, Teoria do Números e Álgebra como

boas disciplinas e com professores muito bem preparados. As disciplinas de

FME que deveriam ser as bases para a nossa prática no ensino básico foram

“empurradas com a barriga”! (LEITE – Recorte da Entrevista)

Com vistas a uma melhor compreensão do caso, realizei uma breve consulta à História

da Educação no Brasil, em especial às legislações referentes à formação de professores em nível

superior, o que me levou ao Decreto-Lei nº 1190/39 como sendo um marco importante e

definidor da estrutura dos cursos superiores em Licenciatura. O decreto estabelece, em 1939,

a organização da Faculdade Nacional de Filosofia e aponta no seu artigo 1º, as suas finalidades:

a) Preparar trabalhadores intelectuais para o exercício das altas atividades culturais

de ordem desinteressada ou técnica; b) preparar candidatos ao magistério do ensino

secundário e normal; c) realizar pesquisas nos vários domínios da cultura que

constituam o objeto de seu ensino.

Foi instituído, assim, o chamado “padrão federal”, ao qual tiveram que se adequar as

demais instituições de ensino superior do país (BARREIRO & GEBRAN, 2006). Neste decreto

ainda se define a formação de bacharéis com a duração de três anos, ao final dos quais, a quem

interessasse, adicionava-se um ano de curso de didática, ao final do qual se formavam os novos

licenciados, fundando assim o conhecido esquema “3+1”. Tem-se, dessa forma, uma separação

entre o conteúdo estudado no curso de bacharel (onde eram vistas as disciplinas do conteúdo)

e os métodos de ensino, que eram vistos apenas no curso de Didática.

Evidencio por este processo uma concepção dicotômica que ainda na atualidade norteia

muitas situações de formação de professores, isto é, a separação entre conteúdo e método. É

possível verificar nos anos subsequentes ao Decreto-Lei de 1939 a disseminação de cursos que

privilegiavam a inclusão de disciplinas com conhecimentos científicos específicos e deixavam

de lado a formação didático-pedagógica, evidentemente essencial à futura prática do professor.

Muito embora nos últimos anos se tenha, por força de lei, ampliado a carga-horária das

disciplinas didático-pedagógicas nos cursos de licenciatura e se tenha proposto o seu

desenvolvimento ao longo do curso, o histórico de dicotomias entre teoria e prática e entre

conteúdos específicos e conteúdos didático-pedagógicos acabaram por construir uma cultura

de difícil modificação em prol de uma articulação mais orgânica entre essas instâncias. Tal

situação reflete uma séria preocupação no campo da investigação sobre a formação docente,

visto que inúmeros trabalhos têm dado conta de que para compreender a identidade profissional

~ 124 ~

docente é necessário considerar os contextos sociais, culturais e políticos em que se insere a

atividade do professor e a especificidade da profissão, que também decorre do fato que muito

daquilo que o professor sabe sobre a escola, o ensino e os alunos, foi aprendido quando se

sentava nos bancos da escola. A sua experiência anterior como aluno está muito presente nas

suas expectativas sobre a profissão (OLIVEIRA, 2004, p. 88).

Tudo o que se pensa sobre a profissão de professor acaba influenciando a construção

identitária. Isso porque uma identidade profissional se constrói, pois, a partir da

significação social da profissão; da revisão constante dos significados sociais da

profissão; da revisão das tradições. Mas também de reafirmação das práticas

consagradas culturalmente e que permanecem significativas. Práticas que resistem a

inovações porque prenhes de saberes válidos às necessidades da realidade

(OLIVEIRA, 2012, p. 5)

Uma vez que os professores necessitam dar respostas que consideram de ordem imediata

às questões que, invariavelmente, não foram discutidas durante sua formação inicial, suas

práticas são permeadas, na maioria das vezes, pelos ideais da tendência tradicional, inspirada

na racionalidade técnica. Essa atitude, assegura Valente (2008), é decorrente de práticas e

saberes que vêm de diferentes épocas. Amalgamados, reelaborados, descartados,

transformados, eles constituem a herança através da qual é possível a produção atual dos

professores de matemática.

Ao que tange nosso foco neste excerto, uma das primeiras referências à centralização

do trabalho do professor, em específico do professor de matemática, se identifica na genealogia

do docente do ensino secundário e situa o início de sua construção em 1699, discorrendo sobre

a formação de profissionais para dar conta da formação de oficiais para o manuseio de peças da

artilharia e construção de fortes (VALENTE, 1999).

Devido à complexidade matemática e densidade e linguagem estrangeira das obras

encaminhadas aos cursos de Artilharia e Fortificações, a formação não avançou muito até que

o militar José Fernandes Pinto Alpoim foi destacado para o Brasil em 1738. Iniciado nos estudos

militares na Academia de Vianna do Castelo, prosseguindo-os em Lisboa, Alpoim acumulou

experiência pedagógica, desde que foi lente substituto na Academia de Vianna do Castelo. Foi

ele quem escreveu os dois primeiros livros didáticos de matemática do Brasil: Exame de

artilheiros (1744) e Exame de bombeiros (1748). Seus ensinamentos tratam de um ensino

rudimentar de aritmética e geometria, em que os alunos copiavam parte da obra lhes apresentada

e resolviam problemas envolvendo quantidades de balas em uma pilha tomando-se exemplos

contidos no livro.

~ 125 ~

Fig. 09 – Página do livro Exame de Artilheiro de 1744.

Mais à frente na história, com fins a formação da elite brasileira após a Independência,

a sociedade hegemônica se viu diante da necessidade de preparar seus filhos para a admissão

nos cursos estrangeiros. Então criam os cursos preparatórios de língua francesa, gramática

latina, retórica, filosofia racional e moral e geometria, que ao ser requerida nos exames dos

Cursos Jurídicos ascende à categoria de saber de cultura geral (VALENTE, 1999).

Na República, com a criação do Colégio Pedro II, e as novas exigências para o ingresso

no ensino superior, se destacou o matemático Jerônimo Pereira Lima, que escreveu o texto

Pontos de Geometria para provas escritas nos exames da instrução pública da Corte. O material

continha 45 páginas impresso em 1869, disposto em uma estrutura simples para ser decorada,

contendo o tema, as definições, os processos de aplicação do objeto e os teoremas a ele

associado, tudo com pouca linguagem simbólica, expediente bastante próprio a exames orais.

~ 126 ~

A função pedagógica do professor era então a de fazer com que os alunos fixassem os pontos

dos exames.

A partir de 1930, surgem as primeiras faculdades responsáveis pela formação dos

professores da época. Surge nesta época a Matemática como disciplina escolar. Aumenta-se o

acesso ao estudo das classes menos favorecidas e o número de livros didáticos em produção.

Destacam-se como autores Euclides Roxo, Jacomo Stávale e Ary Quintella. Optou-se nesta

fase, não por fundir os conhecimentos matemáticos em sistemas complexos, mas em dividir os

conteúdos em aulas semanais em partes separadas, isto é, segunda se estudava Aritmética, terça

Álgebra... (VALENTE, 2004b). Aos poucos nossos ancestrais de profissão foram se

especializando não só em áreas como também em uma determinada série escolar. Em 1963, os

professores de matemática foram convidados a revolucionar o ensino por meio do que ficou

conhecido como Matemática Moderna:

(...) em que conjunto e estrutura são os conceitos que permitirão, desde o ensino

primário, com muito menos esforço do que o despendido atualmente pelo aluno,

compreender a unidade existente na interpretação de fatos que constituem não só o

que é ensinado na Matemática propriamente dita, mas também os que são

apresentados no estudo da língua pátria e da História, através de relações que guardam

e que não têm sido reveladas (Folha de São Paulo, 12 de julho de 1963 apud

VALENTE, 2008, p. 20).

Vendeu-se uma ilusão, vez que o que se apresentou foi uma matemática fragmentada da

realidade. Tataranetos do profissional militar, bisneto do preparador de cursinhos, netos do

pensar a matemática como unidade e filhos de um desencantado modo de ver a matemática

como moderna, seguimos o nosso caminho profissional na expectativa de melhor utilizar a

herança que esses parentes nos deixaram profissionalmente, construindo novas práticas e

saberes com esse legado (VALENTE, 2008).

Constitui um agravante à situação de privilégios às disciplinas específicas quando

compreendemos que as referências a nós apresentadas, bem como a oportunidade de

vivenciarmos certas questões enquanto licenciandos e posteriormente como professores, nos é

revelada mais que apenas uma falta de diálogo entre as disciplinas didático-pedagógicas e

específicas, mas percebemos divergências de ordem político-epistemológica entre as áreas.

Por exemplo, o estudo de Santos (2011) sobre os Currículos dos Cursos de Licenciatura

em Matemática no Brasil, traz evidências de que tais divergências podem ser observadas nos

diferentes posicionamentos assumidos pela Sociedade Brasileira de Educação Matemática –

SBEM, e pela Sociedade Brasileira de Matemática – SBM, diante de uma mesma questão: a

~ 127 ~

carga horária de 2800h e integralização do curso de Licenciatura em Matemática em três anos,

conforme proposta nos “Referenciais Curriculares Nacionais dos Cursos de Bacharelado e

Licenciatura em Matemática”. Ao posicionar-se contrária à proposta, a SBM argumenta:

A questão chave na formação do licenciando, em termos da qualidade de sua atuação

como educador, é seu domínio do conteúdo, do modo de pensar e das estratégias de

solução de problemas característicos da matemática. Esta questão chave não está

equacionada adequadamente pelas diretrizes curriculares vigentes, e ao ampliar a

formação desejável do licenciando, os Referenciais diluem ainda mais este foco

essencial (Apud SANTOS, 2011, p. 48).

Ao tratar da mesma questão, em resposta à CNE/CP 9, a SBEM também argumenta seu

posicionamento, contrário à SBM:

O domínio dos conteúdos matemáticos é fundamental para o desenvolvimento de

competências profissionais para a docência na Educação Básica. Dominar conteúdos

matemáticos é necessário, entretanto, não suficiente para a formação do professor,

tendo em vista os desafios inerentes à sua atuação profissional. O licenciado em

Matemática, além de conhecimento matemático, deve ter sólida formação pedagógica

que o permita realizar a transposição didática dos conteúdos, levando em consideração

as necessidades, motivações e nível de desenvolvimento dos aprendizes dos ensinos

fundamental e médio. Considerar que o conhecimento dos conteúdos matemáticos é

suficiente ou prioritário na formação é, no mínimo, uma posição ingênua daqueles que

não têm conhecimento da realidade da escola básica (Idem).

Evidencio assim que, enquanto a SBM defende o conhecimento de conteúdo como

princípio para uma “adequada” formação docente, revelando uma postura de valorização do

conhecimento específico, sem se pronunciar sobre os aspectos do âmbito pedagógico, a SBEM

salienta a importância de o professor ter domínio do conteúdo que irá ministrar, entretanto, não

o credencia como único ou prioritário à formação do professor de matemática, elencando ainda

outras modalidades de conhecimento inerentes à formação docente e, do mesmo modo,

indispensáveis a sua atuação e desenvolvimento profissional.

Não é difícil perceber por este breve histórico uma orientação hegemônica a um foco

disciplinar de privilégios aos conteúdos específicos da matemática na formação de nossos

professores. De certo, este histórico não justifica por si só a preferência dos professores de

matemática pelas disciplinas específicas, tão pouco a abrangente tendência a um ensino com

viés tradicional, técnico e de poucas aberturas ao diálogo com os alunos. Contudo, não há como

negligenciar a força que tal construção histórica tem exercido sobre a cultura docente e sobre

as concepções e posturas manifestadas pelos professores de matemática em sala de aula.

~ 128 ~

Muito embora, para pesquisadores como Chartier (1991), no emprego de seu conceito

de apropriação65 em que, como prática cultural a formação seria sempre um constructo

complexo, permeado dos significados dados pelos sujeitos às suas ações. Nestes termos, a

apropriação dos modos de tornar-se professor não seria algo transmitido de uma geração à outra,

de um formador a um formando, de forma linear, mas ela seria uma construção dialógica entre

teoria e prática, de contínuo questionamento dos pressupostos que permeiam a experiência

vivida na profissão. Assim, nos processos de formação docente, a apropriação tende a se

concentrar naquilo que é professado num dado mister. Nesse sentido, a história cultural

possibilitaria compreender como os educadores consomem de forma singular, em suas

trajetórias profissionais, as racionalidades em voga na época em que atuam.

Intrigado com as repercussões desta temática em minha pesquisa, perguntei aos meus

colaboradores se a formação exercida pelos professores das disciplinas específicas tinha lhes

proporcionado uma compreensão contributiva ao exercício da profissão no ensino básico. As

respostas ganharam contornos variados, contudo, foi-me possível evidenciar os sentidos

atribuídos pelos professores de disciplinas específicas ao seus contextos formativos, expressos

nas posturas assinaladas pelos entrevistados, que retrataram que as disciplinas específicas, com

algumas poucas exceções, tinham sido de pouca ou nenhuma contribuição ao exercício da

profissão docente no ensino básico. Contudo, atribuíam pontos positivos às posturas negativas

de alguns professores por entenderem servir de parâmetro para o que não se deve fazer em sala

de aula, como é possível evidenciar nos seguintes depoimentos:

A gente ter passado pelo professor O...., situação que foi traumática para

algumas pessoas que hoje não querem nem ouvir falar o nome dele, foi o que

mudou totalmente nossa postura quando veio Cálculo II. Todo mundo em

Cálculo II, nossa! Era um ligar de madrugada p’ra saber se o resultado estava

atendendo, porque ele dava as respostas. Será que algum número estava

errado? Se não resolveu, vamos de manhã cedo estudar! Todo mundo se

despertou para estudar. Porque os outros eram assim: Eles vinham, davam uma

apostila e cobravam o que estava na apostila e o que eles tinham dado, tirando

o O.... que na prova cobrava o que não tinha dado e dizia: “- Não é porque vi

isso que vou cobrar isso na prova. Tem que ter algo a mais!”. Obvio que o que

ele fez não foi legal, mas de alguma forma a gente tem de olhar o lado bom da

situação, todo mundo se espertou p’ras outras disciplinas específicas! Não vou

65 O conceito de apropriação tem como objetivo a produção de uma história social dos usos e das interpretações,

referidas a suas determinações fundamentais e inscritas nas práticas específicas que as produzem os professores

(DUARTE, OLIVEIRA & PINTO, 2010, p. 107).

~ 129 ~

esperar só o que o professor vai passar no quadro. Não vou esperar só o que

está na apostila. Não vou só fazer os exemplos que ele deu. Vou buscar exemplos

mais complexos. Não é estudando na véspera da prova ou só estudando o que o

professor proporciona p’ra gente que a gente vai aprender. (QUEIROZ, Recorte

da Entrevista)

(...) teve também professores que a gente dizia que éramos autodidatas, porque

a gente tinha que aprender mesmo era com o livro e não lá com o professor!

P’ra mim aquela postura do professor que não estava ajudando serviu p’ra

alguma coisa, percebi que aquela postura dele estava me prejudicando, então

pensava como seria eu naquela posição de professor, naquela atitude. Será que

eu também não vou ter algumas atitudes dessas e estar prejudicando os alunos.

Eu acho bom quando temos professores bons e professores ruins. Te ajuda de

qualquer forma. O professor ruim me ajudou a saber que se aquilo não estava

me ajudando, então não iria ajudar outros alunos. (SILVA, Recorte da

Entrevista)

As falas de Queiroz e Silva apresentam críticas às posturas de alguns professores que

causaram algumas “situações traumáticas” ou que ministravam disciplinas “empurradas com

a barriga!” como ponderou Leite anteriormente. Mas também comentam que apesar das

posturas de alguns destes professores não estarem ajudando-os a compreender o conteúdo e que

deveriam “aprender era com o livro e não lá com o professor!”, os contextos representam

situações de aprendizagem positivas como o despertar dos professores para assumir a própria

formação como sua responsabilidade, independente da atuação do professor, como expressa

Queiroz ao considerar que “Não é estudando na véspera da prova ou só estudando o que o

professor proporciona p’ra gente que a gente vai aprender”, ou ainda quando Silva diz que é

“bom quando temos professores bons e professores ruins. O professor ruim me ajudou a saber

que se aquilo não estava me ajudando, então não iria ajudar outros alunos”.

Particularmente, considero que encontrar aspectos positivos em situações adversas são

perspectivas que devem ser acolhidas por profissionais da educação diferenciados, mas me

preocupa o sentimento de resignação em aceitarem posturas prejudiciais a sua aprendizagem,

pois é imperativo que todos os professores percebam a complexidade da formação e atuação

profissional docente, visto que além do conhecimento da disciplina que ministra, o docente

precisa compreender e assegurar-se da importância do desafio inerente ao processo de ensino-

aprendizagem, e dos princípios em relação ao caráter ético da sua atividade docente (LEITE et

al., 2008). Uma vez que, o novo contexto exige dos profissionais uma série de capacidades e

habilidades como pensamento sistemático, criatividade, solidariedade, habilidade de resolver

~ 130 ~

problemas, trabalhos em equipe, dentre outras, que se evidenciam incompatíveis com dinâmicas

centradas no conteúdo disciplinar e de resultados estanques ao final do livro ou lista de

exercícios.

Não obstante, a despeito da atuação dos professores de disciplina específica não

apresentarem resultados que considero de valência positiva66 nos termos de Lewin (1973), os

professores em formação conseguem tirar proveito das experiências vivenciadas nestas

disciplinas, apresentando significados e características próprios de aprendizagem docente.

Não sei se quando estiver em prática vou ser como a maioria é, mas o perfil

deles não é o que eu quero ser. Não sei se o professor de Matemática tem que

ser assim. O trabalho deles era conteúdo e prova. (SOARES, Recorte da

Entrevista)

(...) se pensarmos bem todas contribuíram. Seja no caso do preenchimento de

lacunas do que a gente não soubesse ou de uma forma que mostrasse que não

sei isso mas vou procurar. Quando se pensa assim todas as disciplinas foram

importantes. (QUEIROZ, Recorte da Entrevista)

Tomar como referência o que não deseja ser enquanto docente ou compreender a

necessidade do preenchimento de lacunas formativas pela evidência de que tais competências

não foram supridas no processo de ensino apresentam aprendizagem do tipo reflexividade

crítica sobre a realidade e de inacabamento e consciência social da profissão, que corroboram

o sentimento de que nenhum processo formativo é completo e que a formação docente é um

processo contínuo, mas também traz à tona a sensação de que a Universidade não supriu as

necessidades formativas mínimas para o exercício da profissão. Sobre esse aspecto Tedesco

(1998) e Leite et al. (2008) advertem que a formação inicial dos professores tem se dado de

forma insuficiente e aligeirada, não sendo capaz de suprir os desafios da formação docente,

visto que os programas de ensino das diferentes disciplinas estão sendo trabalhados de forma

desarticulada das demandas da prática e da realidade encontrada nas escolas, caracterizando-se

por uma concepção burocrática, acrítica, baseadas no modelo da racionalidade técnica.

É mister, portanto, na formação de professores, buscar alternativas de superação deste

modelo que considera o professor apenas como transmissor de conhecimentos, que se preocupa

apenas com a formação de atitudes de obediência, de passividade e de subordinação dos

66 Segundo a Teoria do Campo Vital, os objetos, pessoas ou situações de valência positiva atraem o indivíduo,

uma vez que este compreende que podem, ou prometem, atender às suas necessidades presentes (LEWIN, 1973).

~ 131 ~

estudantes. Aponto neste trabalho a possibilidade desta superação por meio de uma formação

profissional de base reflexiva como apontam Dewey (2011), Zeichner (1993), Fiorentini &

Lorenzato (2006), Ibiapina (2008), dentre outros.

A formação didático-pedagógica e a articulação entre teoria e prática

Continuando com minhas análises sobre as repercussões da formação inicial sobre os

tipos de aprendizagem expressos pelos professores do PIBID, identifiquei que o isolacionismo

técnico não é privilégio apenas das disciplinas específicas de matemática, haja vista existirem

diversos estudos críticos sobre a contraposição entre teoria e prática, como os de

Pimenta(2006), Tardif (2007) e Becker(2012), que apontam as disciplinas didático-pedagógicas

como representantes de uma teoria que se entende onipotente em suas relações com a realidade

e conferem à prática um caráter de mera aplicação ou degradação da teoria (PIMENTA, 2006b).

Sobre isso, autores como Fiorentini (2006; 2009) e Tardif (2007) salientam que noções tão

vastas quanto a Pedagogia, Didática, Aprendizagem, etc., não têm nenhuma utilidade se não

fizermos o esforço de situá-las, isto é, de relacioná-las com as situações concretas do trabalho

docente. Uma vez que,

O perigo que ameaça a pesquisa pedagógica e, de maneira mais ampla, toda pesquisa

na área da educação, é o da abstração: essas pesquisas se baseiam com demasiada

frequência em abstrações, sem levar em consideração coisas tão simples, mas tão

fundamentais, quanto o tempo de trabalho, o número de alunos, a matéria a ser dada

e sua natureza, os recursos disponíveis, os condicionantes presentes, os saberes dos

agentes, o controle da administração escolar, etc. (TARDIF, 2007, p. 115)

O problema constitui-se, pois, quando essas pesquisas se apresentam como materiais de

referência ou apoio aos cursos de formação docente. Essa escolha pode ocasionar o tipo de

formação Top-Down denunciada por Zeichner (1993) como sendo prejudicial à construção de

um espírito investigador, crítico e reflexivo sobre a sua própria prática, e sobre as condições

sociais nas quais se situa esta prática. Evidências deste tipo de formação foram declaradas pelos

professores em formação, como segue:

Eu já tinha um ano [de curso], e no início do segundo eu falei: - Quando eu

pegar meu diploma vou fazer outra coisa, porque isso não tem nada a ver

comigo! Isso porque de matemática só tínhamos tido duas disciplinas

específicas, o resto só era ‘leitura, leitura, leitura’! (QUEIROZ, Recorte da

Entrevista)

~ 132 ~

Quando ingressei na Universidade minha expectativa era de dar continuidade

ao que tive no ensino médio, com pesquisas na área de matemática mais

aplicada e computacional. Porém me deparei com uma matemática mais básica

e com muitas disciplinas pedagógicas no primeiro ano de curso, e a falta de um

laboratório de exatas e a precariedade do “Labinf”, não negarei que isso me

frustrou muitas vezes (...) depois de quase um ano de disciplinas pedagógicas

estava meio despreparado para uma [disciplina] especifica. (LEITE, Recorte da

Entrevista)

As queixas de Queiroz e Leite são um misto de decepção por estarem em um curso que

dava ênfase às questões didático-pedagógicas em detrimento das disciplinas específicas e a falta

de compreensão, no primeiro ano de curso, da importância das disciplinas didático-pedagógicas

para um exercício pleno da profissão docente. Preocupa-me, porém, a incipiente articulação

destas disciplinas ao caráter prático da docência, sendo este o provável motivo da desmotivação

apresentada. Minha justificativa encontra respaldo quando evidenciamos que, a partir das

dinâmicas experienciadas na formação do PIBID em que promovemos a articulação entre teoria

e prática, os professores passaram a atribuir significado aos textos didático-pedagógicos que

antes eram vistos de forma dogmática.

De início acreditei que havia escolhido errado por um curso de licenciatura, no

entanto quanto mais aprendia sobre educação mais esse universo me chamava

atenção, e a entrada no PIBID foi o empurrão que precisava para começar a

me esforçar mais nas disciplinas pedagógicas. Em compensação as disciplinas

especificas que foram as que mais esperava durante todo curso a maioria deixou

a desejar com carga horaria muito baixa e com professores que aparentavam

não estar bem preparados para ministrar essas disciplinas. (LEITE, Recorte da

Entrevista)

A insuficiência de articulações entre teoria e prática, especificamente provenientes de

debates em grupo, é preocupante em nossa instituição. Sobre isso Cury (2001) aponta que

mesmo docentes com experiência na Educação Básica, ao atuarem na licenciatura esforçam-se

em apresentar os conteúdos sem qualquer preocupação pedagógica. Em contrapartida, Shulman

(1986a, 1986b, 1987), Zimmermann (1997) e Pereira (2000) evidenciam em suas pesquisas que

ensinar ciências e matemática, conforme as mais modernas teorias construtivistas, além de

requerer profundas mudanças nas concepções pedagógicas dos professores, exige destes

profissionais um profundo conhecimento do conteúdo científico (específico), pedagógico e da

interação entre os conteúdos das disciplinas científicas básicas e os das disciplinas pedagógicas.

~ 133 ~

Saliento que, embora compartilhe da defesa apregoada por Shulman (1986a) sobre a

integração das disciplinas pedagógicas e de conteúdo específico, esta articulação não fora

evidenciada em meu estudo de caso sobre a formação dos professores de matemática do

Campus X em Igarapé-Açu. Longe de ser uma característica institucional local, esta baixa

articulação pode causar sérios prejuízos à formação dos professores, e em consequência à

educação proveniente da atuação destes sujeitos, sobretudo daqueles que não possuem

oportunidades de reverem suas práticas e/ou de participarem de comunidades de prática que

possuam a reflexão coletiva como premissa para suas atuações docentes. Fato é que os

significados atribuídos pelos professores em formação inicial às disciplinas pedagógicas,

sobretudo, em seus primeiros anos de curso, constituem elemento altamente desmotivador.

Quando eu me inscrevi eu achava que a gente ia ver o que tinha visto no colégio,

só que de uma forma mais aprofundada. Mas não. Quando a gente entra pensa

que vai aprender a matemática, jamais que vai aprender a lecionar matemática.

Então muita gente saiu no primeiro ano por causa disso. “- Eu não estou vendo

matemática! Só fico fazendo leituras! Só textos!”. Muita gente quando se

inscreveu não se ligou nesse detalhe que faz toda a diferença no curso.

(QUEIROZ, Recorte da Entrevista)

Evidenciei tanto nesta fala como nas dos demais entrevistados que as expectativas

iniciais dos professores em formação, quando ingressaram na Universidade, eram motivadas

por um estereótipo de matemático cuja vida profissional é dedicada aos cálculos laboriosos e

lida com sofisticados sistemas computacionais, como lembra Queiroz ao dizer que “Quando a

gente entra pensa que vai aprender a matemática, jamais que vai aprender a lecionar

matemática!”. Impera neste momento, tanto uma imagem construída pelo histórico que

anteriormente apresentei, como a carência ou superficialidade de informações e orientações

sobre as atividades a serem desenvolvidas pelos estudantes e os objetivos dos cursos oferecidos

pela Universidade. Todavia, é possível uma tomada de consciência e uma mudança de

concepção acerca da formação na Universidade. Sobretudo, se promovida a articulação entre

as instâncias formativas de modo a dar significado à presença dos professores na Universidade

por meio de ações extracurriculares como as que desenvolvemos pelo PIBID, como evidencia

a declaração de Queiroz sobre o tema:

Eu acredito que se não fosse a prática eu seria muito diferente. Eu acredito que

teria continuado com o mesmo ritmo do primeiro ano. Estudava e fazia prova.

Jamais teria parado para refletir como as nossas atitudes atingem as pessoas

~ 134 ~

que estão ao nosso redor. Ai é que está. Essa diferença de pensamento se fosse

só a Universidade eu não teria esse tipo de pensamento. Acho que não seria tão

bom assim. Obvio que sempre tem que mudar. Por exemplo, as coisas que

aconteceram no PIBID, se hoje acontecessem eu iria agir de uma forma

diferente. (QUEIROZ, Recorte da Entrevista)

Os professores em formação foram unânimes em dizer que a participação no projeto

PIBID foi fundamental a sua mudança de perspectiva sobre a carreira docente. Tais ponderações

indicam a proposição de que o projeto PIBID, nos moldes da reflexão sobre contextos de

experiências colaborativas, cumpriu seu papel articulador entre a Universidade e Escola, Teoria

e Prática e entre o Ensino, a Pesquisa e a Extensão. Os elementos até então levantados dão

conta de que a problemática das articulações presentes nas relações institucionais dos

envolvidos nos processos formativos de professores deve ser atacada com projetos que

perspectivem a integração de tais elementos, como o GCEM tem feito desde 2011. Contudo,

parece-me insuficiente assegurar tal eficácia sem a devida explicitação e análise do percurso

formativo dos sujeitos envolvidos no projeto. Deste modo, passo à discussão mais específica

sobre as Atividades Extracurriculares, e me centrarei mais propriamente no percurso específico

desenvolvido no PIBID junto aos professores de matemática em formação inicial.

Os contornos das atividades extracurriculares

Em 1968, foi escrita uma carta intitulada “Carta da Escola Moderna” que constitui um

texto básico de todos os movimentos que antecederam à pedagogia de Célestin Freinet (1896 –

1966) e que trabalhavam na construção da Escola Nova. Dentre seus princípios considero de

interesse central a de número 6 (seis), que diz: A pesquisa (o tateamento) experimental é a base

e a primeira condição do nosso esforço para a modernização e cooperação escolar. Penso que

se assentam ai mais do que um simples discurso, mas uma carga semântica inconfundível e um

caráter político-social que comporta uma gama de anseios educacionais para época e que ainda

hoje ressoam como dizeres necessários nos ambientes de formação docente. Posto que, falar de

pesquisa experimental no sentido de Freinet é falar de experiência da prática, experiência

refletida (DEWEY, 2011), experiência de vida e a própria vida (LARROSA, 1995).

Ao levantar a questão da experiência afirmo que quando estou tratando por instância

formativa constituída pelas/nas atividades extracurriculares, estou propondo como campo de

interface de experiências as formações de diversos gêneros, sobretudo informais (formações

~ 135 ~

em línguas estrangeiras, computação básica, corte e costura, pintura, cerâmica, redação de

poesias, equitação, natação, aulas de violão, etc.) e formais (treinamentos técnicos variados,

estágios extracurriculares, iniciações científicas, extensões universitárias, iniciações à

docência, etc.). Sem deméritos, a diferenciação que faço é se tais experiências cumprem um

papel formativo não obrigatório à formação inicial do profissional docente de modo que o seu

não cumprimento não afete sua certificação acadêmica.

Ainda sem um aprofundamento em termos de especificações laborais legais, distingo

aqui como formais as experiências institucionalizadas pela instância acadêmica formadora ou

órgãos de fomento que possuem por agenda o incentivo à formação ou aprimoramento do

profissional de nível superior e que exijam condições específicas como critérios de participação.

Em seu turno, as atividades informais, muito embora possuam caráter altamente contributivo à

constituição cidadã de um sujeito, não configuram propriamente, objeto de interesse das

instancias formadoras formais e/ou não possuem critérios rígidos para acesso às atividades a

elas correspondentes, sendo geralmente chamadas de cursos livres.

Vale registar a tessitura de uma crítica a como as atividades extracurriculares vêm sendo

concebidas nas últimas duas décadas. Atividades e ações formativas que antes visavam uma

diferenciação do sujeito em termos profissionais e/ou intelectuais, atualmente estão se tornando

instrumentos para a correção de distorções observadas nos espaços específicos da formação

inicial. Exemplo disso são as proliferações de cursos de aperfeiçoamento e de extensão que em

lugar de atualizarem os profissionais em questões relevantes da sociedade, novas tecnologias e

métodos de ensino, acabam por retomar discussões mal resolvidas na formação inicial ou que

nunca foram tangenciadas por esta. O mesmo papel tem cumprido o PIBID, objeto de minha

apreciação neste trabalho, que surge como uma proposta inovadora, mas que evidencia

possibilidades formativas integrativas que poderiam ser perfeitamente incorporadas ao

currículo formal e serem desenvolvidas nos cursos regulares de formação docente inicial, algo

que não se faz por condicionamentos de ordem orçamentária e/ou política.

Lentes de renome como Fiorentini & Lorenzato (2006), Gonçalves (2006), Leite et al.

(2008), dentre outros, salientam a importância de os cursos de formação de professores, antes

de tudo, superarem o modelo da racionalidade técnica para lhes assegurar a base reflexiva na

sua formação e atuação profissional. Recorro ao pronunciamento destes pesquisadores para

sustentar um olhar quase sempre ausente nas instâncias construtoras dos currículos e planos

pedagógicos dos cursos de matemática. Visto que as mais recentes adequações à Lei de

~ 136 ~

Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 – LDB, com seus pareceres e resoluções

normatizando um conjunto de 800 horas constituídas de 400 horas como componente curricular

e de 400 horas de estágio supervisionado, continuam desacompanhadas de um projeto

consistente de acompanhamento e avaliação da qualidade destas horas de formação. Sobre isso,

Leite et al. (2008, p. 24) evidenciam que,

Pesquisas recentes têm mostrado que os professores não estão recebendo preparo

inicial suficiente nas instituições formadoras para enfrentar os problemas encontrados

no cotidiano de sala de aula. Os programas estão, de um modo geral, sendo

trabalhados de forma independente da prática e da realidade das escolas,

caracterizando-se por uma visão burocrática, acrítica, baseada no modelo da

racionalidade técnica.

O autor e seus colaboradores reiteram, ainda, que as agências formadoras de professores

devem perceber a complexidade da formação e da atuação desse profissional, pois além da

disciplina que irá ministrar, o docente precisa ter condições para compreender e assegurar-se

da importância e do desafio inerente ao processo de ensino-aprendizagem, bem como dos

princípios em relação ao caráter ético da sua atividade docente. Sobre essa questão, os

entrevistados de minha pesquisa foram categóricos em afirmar que a Universidade, enquanto

agência responsável por sua formação inicial, não lhes ofereceu condições suficientes para o

exercício da profissão, como é possível evidenciar nas seguintes falas de Silva e Leite.

Eu não me senti preparada pela Universidade. Os professores comentam, eles

falam que a sala de aula não é isso que a gente pensa, que tem algumas

complicações, mas eu não me senti preparada. (SILVA, Recorte da Entrevista)

(...) quando atuei pelo PIBID apenas estranhei a falta de interesse de alguns

alunos. Posso constatar que se não tivesse essas oportunidades provavelmente

não estaria preparado para atuar em sala, pois a Universidade não dá suporte

para o necessário ganho de experiência, por mais que se tenha duas disciplinas

de prática. (LEITE, Recorte da Entrevista)

Compreendo pelos depoimentos que, em vista às distorções apresentadas pela formação

inicial, o projeto PIBID, embora lhe pese a crítica anterior de slep hole67, surge como um

componente extracurricular importante, na compreensão pelo professor em formação, do papel

da escola pública e de seu verdadeiro papel como professor. Reconhecendo que por mais

abrangente que fosse a formação lhe disponibilizada, ainda assim seria insuficiente para dar

67 Termo cunhado por mim para expressar o sentido de tapa-buraco.

~ 137 ~

conta em pare-passo de todas as competências necessárias para agir na urgência e decidir na

incerteza do ambiente complexo que constitui a escola (PERRENOUD, 2001).

O percurso de formação

Constitui interesse fundante deste trabalho compor uma sistematização das experiências

colaborativas que contribuíram para a aprendizagem docente dos professores envolvidos neste

processo formativo que foi o PIBID de Matemática. Porém, antes de um maior aprofundamento

nas questões referentes à categorização da aprendizagem e evidências de desenvolvimento

profissional dos professores em formação, apresento um breve esclarecimento sobre o macro-

percurso formativo experienciado pelos bolsistas que ilustro pelo seguinte diagrama:

Fig. 10 – Macro-contornos da formação docente.

Assim como o diagrama anterior, esta representação me surge da reflexão sobre os

discursos e depoimentos dos sujeitos investigados sobre suas trajetórias formativas, que aqui

defino por macro-contorno experiencial de formação. Compatível com a representação

anterior, esta nova configuração apresenta como componente importante da constituição

identitária do professor de matemática a sua formação básica, por ser nesta etapa que o sujeito

realiza a escolha pelo curso em que vai se especializar, e também por seu caráter recursivo e

decisivo nas escolhas iniciais da profissão durante a formação inicial, visto que o primeiro ano

de curso se apresenta como um campo de instabilidades em que ocorrem as maiores incidências

de desistência, bem como se assenta uma nova compreensão sobre o que constitui o objeto de

~ 138 ~

estudo na licenciatura, isto é, o sujeito se depara com uma dimensão de teorias e tecnologias

que justificam o emprego de certas tarefas e técnicas na solução de situações problemáticas

(CHEVALLARD, 1991; 1992), sendo esta uma experiência impactante e inusitada até então

em seus estudos disciplinares.

Como já explicitei anteriormente, o período de formação inicial é constituído de

componentes disciplinares específicas, didático-pedagógicas e extracurriculares, sendo esta

última o lócus principal de discussão deste trabalho. Esta fase do percurso formativo do

professor é decisiva para a consistência de sua transição entre a formação oficial e sua atuação

profissional, é, portanto, a fase em que novas formalizações se darão por meio de dinâmicas de

formação continuada, pós-graduações e/ou pela reflexão sobre sua própria prática docente.

Análises do Percurso Formativo no PIBID de Matemática

Experiências de preparação para o ingresso em sala de aula

O percurso de constituir-se professor de matemática implica um processo intenso de

aprendizagem e socialização numa profissão. Independentemente das trajetórias e escolhas

assumidas, é certo dizer que este processo é rico em experiências e que constitui um

emaranhado complexo de fatores determinantes na construção da identidade profissional.

Embora alguns estudiosos como Leite et al. (2008) propaguem que o processo prático e a

aprendizagem da profissão na prática não são suficientes para estabelecer conexões neurais para

instaurar uma cognição que provoque novos comportamentos e atitudes que encarem, percebam

e conduzam o processo no sentido de superar as dificuldades que o cotidiano escolar nos

apresenta, o que em parte concordo. Percebo também, que a situação de carência de

investimentos diferenciados em termos de práticas na formação inicial do profissional docente

tem implicado em uma má formação destes professores, que não recebem preparo suficiente

para o enfrentamento das novas demandas da realidade da escola pública. Esta situação

contribui para o que Veenman (1984) caracterizou como “choque de realidade”68.

68 Sentimento de insegurança, medo e despreparo profissional e busca de equilíbrio diante das contradições entre

seus princípios e ideais pessoais construídos ao longo do processo de formação e os desafios, os problemas e

constrangimentos do mundo da prática profissional (ROCHA & FIORENTINI, 2009). Ou ainda, o “colapso entre

os ideais missionários construídos durante a formação inicial e a dura e complexa realidade da vida da sala de

aula” (VEENMAN, 1984, p. 143).

~ 139 ~

Por outro lado, no sentido de superação desta realidade, pesquisadores como Tedesco

(1998), Pimenta (1999), Ponte (1996, et al 2009), Polettini (2009), Zeichner (1993), Fiorentini

(2006, 2010, 2013), dentre muitos outros, assumem o paradigma de valorização do pensamento

do professor, e investem seus esforços na caracterização do desenvolvimento profissional

docente, substancializada por investigações e problematizações de experiências, que suscitam

reflexão crítica sobre problemas destacados do cotidiano escolar, capazes de dar suporte a uma

progressiva análise pessoal e coletiva em busca da construção de uma identidade docente.

Assumindo esse novo paradigma, busquei sustentar as situações de preparação para o

ingresso em sala de aula, dos professores em formação inicial pelo PIBID, em atividades que

possibilitassem o exercício de apropriação dos instrumentos de observação e reflexão de suas

experiências. Trabalhamos, em um primeiro momento, na construção de um glossário básico

de educação, na construção de resenhas críticas e na elaboração de diários reflexivos para o

registro de experiências vivenciadas, como auxílio ao desenvolvimento de uma “escuta

sensível”69, necessária em um segundo momento, quando adentrassem no cotidiano escolar

propriamente dito.

A produção do glossário básico de educação

Pensei na atividade de produção de um glossário básico de educação junto aos bolsistas

do PIBID, motivado pela compreensão de que uma das maiores dificuldades na entrada em um

novo ambiente profissional é a apropriação dos códigos simbólicos que constituem a linguagem

própria deste contexto. Para Ponte (1997) a comunicação associada ao discurso dos integrantes

de um grupo tem a ver com o modo como os significados são atribuídos e partilhados pelos

interlocutores em situações concretas e contextualizadas. Sendo assim, a comunicação se torna

imprescindível à apropriação de novos referenciais, novas ideias e novos comportamentos, visto

que ela é uma forma de interação social (ALMIRO, 1997), e como tal, implica diferentes

oportunidades de aprendizagem de novas visões sobre o ensino e a aprendizagem da matemática

defendidas pelos participantes (WOOD, 1998).

69 Neste trabalho, o conceito de escuta sensível se insere no paradigma da pesquisa-ação apresentado por Barbier

(2007) que a vê como um “escutar/ver” que apoia-se na empatia, no sentir do universo afetivo pelo pesquisador.

Um saber sentir o imaginário e cognitivo do outro, para “compreender o interior”, as atitudes e os comportamentos,

o sistema de ideias, de valores, de símbolos e de mitos.

~ 140 ~

A atividade se desenvolveu em três etapas. Em uma primeira etapa enunciei trinta

verbetes que considerava centrais para iniciar as nossas discussões sobre educação. Destaquei

termos como: educação, reflexão, professor, aluno, ensino, aprendizagem, colaboração,

matemática, diálogo, avaliação, etc. De certo, para cada verbete incidia uma gama enorme de

possibilidades interpretativas. Contudo, a simples consulta ao dicionário prejudicaria o sentido

educativo da atividade, posto que, a exemplo do que assina-la Vygotsky (2005, p. 66):

Ao invés de trazer à tona, por instigação, o pensamento, esse método frequentemente

suscita uma mera reprodução do conhecimento verbal, de definições já prontas,

fornecidas a partir do exterior. Por ser um teste do conhecimento e da experiência, ou

de seu desenvolvimento linguístico, em vez de um estudo, processo intelectual

propriamente dito. Em segundo lugar, ao centrar-se na palavra, esse método deixa de

levar em consideração a percepção e a elaboração mental do material sensorial que dá

origem ao conceito. O material sensorial e a palavra são partes indispensáveis à

formação de conceitos. O estudo isolado da palavra coloca o processo no plano

puramente verbal, que não é característico do pensamento. A relação entre o conceito

e a realidade continua inexplorada; aborda-se o significado de uma determinada

palavra através de uma outra, e o que quer que se descubra por meio dessa operação

é antes um registro da relação entre famílias de palavras previamente formadas, do

que um quadro dos conceitos.

Deste modo, em vez de iniciarmos pela pesquisa, antes solicitei que descrevessem, a

partir de suas experiências prévias, seus (pré)conceitos associados aos verbetes enunciados.

Deste modo, os professores poderiam explorar seu pensamento e tornar ostensivas suas ideias

e relações acerca dos termos tomados em consideração. Em um segundo momento solicitei que

realizassem uma consulta destes mesmos verbetes em livros, revistas especializadas, textos da

internet e afins. Esta atividade tinha por finalidade que os professores buscassem se apropriar

dos termos e suas respectivas acepções em conformidade com as obras institucionalizadas, de

acordo com as produções da comunidade a qual se propunham participar. E, por fim, em um

terceiro momento, solicitei que comparassem o que tinham produzido antes e o que tinham

encontrado na literatura a respeito. De modo que os professores confrontassem sentidos e

construíssem novas relações com os objetos estudados. Invariavelmente, os professores

declararam ter aprendido muito com a atividade, expressando-se como segue:

Achei muito interessante a gente poder pensar o que realmente compreende por

uma palavra. Qual eu acho que seja o significado dela. Achei interessante, uma

lista de palavras que eu tinha que significa-la de acordo com a minha

concepção, sem ajuda de algum autor, e perceber qual a diferença da minha

concepção para o sentido da palavra. Eu tinha uma concepção que poderia se

aproximar daquele sentido, mas ela não significava aquilo. E palavras que eu

desconhecia, mas quando eu parava para pensar, para tentar fechar um

~ 141 ~

contexto para essa palavra, apesar de eu desconhecê-la, o significado dela, de

certa forma se aproximava do significado real. Parar, pensar e refletir o que

determinada coisa significa me faz pensar ser interessante que você pode até

não acertar “na mosca”, mas você vai dar um significado aproximado para ela,

que você pode dar um significado para uma palavra sem ela perder o sentido.

A sua concepção dela pode ser diferente da que está lá como significado real,

mas para você aquele significado tem o sentido da sua concepção. Eu achei

muito interessante esse raciocínio de pensar sobre o significado de determinada

palavra. (SENA, Recorte da Entrevista)

Outros esboçaram um sentido à própria atividade e que ganhos futuros poderia

expressar:

Eu acredito que a tarefa era p’ra gente aprender alguns significados que a gente

iria estar revendo durante o projeto. O que os outros autores tinham p’ra dizer

e a gente comparar os significados, p’ra gente estar entendendo. (SILVA,

Recorte da Entrevista)

A tarefa possibilitou-nos problematizar a complexidade inerente ao papel da linguagem

na conduta de nossas ações enquanto profissionais da educação, visto termos que zelar por uma

transposição de saberes junto a nossos alunos que, embora não desvalorize o que é cotidiano,

rotineiro e usual, também não sucumba a simples expressão com assento no senso comum, visto

estarem se constituindo como profissionais e deverem se apropriar dos sentidos científicos

atribuídos a velhos termos e agregar novos objetos e sentidos antes não percebidos ou

construídos, tais como podemos perceber no seguinte depoimento.

Tinham palavras que eu não sabia, como “disciplinaridade” e outra mais difícil

de falar. A gente tinha que fazer antes, sem olhar no dicionário ou pesquisar e

tinha que fazer depois pesquisando. Várias eu não sabia o que significava, e

outras que a gente pensava que sabia o que significava quando tentava escrever,

também não conseguia. Por exemplo, aprendizagem, ensino, cognição, e várias

outras. Ora, quando eu aprendo alguma coisa está ocorrendo aprendizagem, e

o ensino? Era muito superficial a gente escrever isso no papel. Várias palavras

eu escrevia com superficialidade mesmo. Quando a gente vai pesquisar, a gente

vê que existem coisas que vão muito além do que a gente imaginava que era.

Tinham palavras que realmente eu nunca tinha visto. Foi muito “engraçado”

fazer. Depois quando a gente foi pesquisar, procuramos em dois dicionários

diferentes e na internet, porque algumas complementavam a resposta um do

outro. Tinham palavras que a gente achava que eram simples e não eram, outras

a gente achava dificérrima, até de pronunciar, e quando via dava um período

que se resumia no dicionário em uma linha. As vezes só a palavra assusta a

gente, mas quando se sabe a palavra se torna tão natural. Como o senhor falou,

“Não façam ao contrário, não vão pesquisar depois escrever! Façam a

experiência de fazer só com o que vocês sabem até agora.”. A minha cabeça era

~ 142 ~

de ensino médio, muitas coisas lá eu colocava mesmo o que eu achava que talvez

fosse parecido com aquilo. Depois que a gente ia pesquisar, é que era

“engraçado”. As vezes não tinha nada a ver como que a gente tinha escrito no

caderno. (QUEIROZ, Recorte da Entrevista)

De um modo geral concluí, semelhantemente a Vygotsky (2005), que o conceito em si

e para os outros existe antes de existir para o próprio sujeito, ou seja, a pessoa pode até aplicar

palavras corretamente antes de tomar consciência do conceito real uma vez que utiliza um

grande número de palavras com o significado apropriado. Isso ocorre porque partilham de um

mesmo contexto dos mais experientes, mas baseadas em operações psicológicas diferentes

(características concretas/significações abstratas); isso significa que o conceito no sentido real

não está desenvolvido. Ou seja, todo conhecimento é primeiramente interpsicológico para

depois tornar-se intrapsicológico, mais uma vez evidenciando o sentido da socialização

profissional.

Deste modo, compreendo que esta atividade cumpriu seu papel formativo, uma vez que

a partir desta tarefa os professores foram postos em suspensão, tiveram talvez pela primeira vez

que expressar a um coletivo o que pensam e refletir sobre isso de modo crítico e

instrumentalizado. Os professores foram postos em relação com objetos da educação,

expressando com isso uma relativa mudança de estado e compreensão da realidade que lhes se

apresentou deveras complexa. Considero, porém, que a aprendizagem de um vocabulário

adequado e suficiente para adentrar nas obras de educação matemática poderia ter sido

conduzido pela imersão nos próprios textos científicos. Contudo, este processo desprenderia

demasiado tempo, que avaliava que não dispúnhamos, fazendo-me optar pela primeira

condução. De posse deste vocabulário mínimo, pudemos desenvolver uma segunda experiência,

a produção de resenhas.

A produção de resenhas

A produção de resenhas foi pensada visando propiciar aos bolsistas do PIBID uma

experiência reflexiva e técnica em que pudessem, de maneira complementar à atividade de

produção do glossário, se apropriar de conceitos educacionais mediante o exercício da leitura e

escrita. Optei assim pela resenha, por ser um gênero textual que possibilita mais do que a

compreensão de um conteúdo (livro, artigo, filme, exposição, etc.) por meio de um registro

sistemático, mas abre uma porta para vivenciar a realidade. Concordando com isso, Freire

~ 143 ~

(1989) expressa que o processo que envolve uma compreensão crítica do ato de ler, que não se

esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, se antecipa e se alonga

na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, sendo que linguagem

e realidade se prendem dinamicamente.

O valor formativo da resenha, pois, está situado na compreensão do texto, a ser

alcançada por sua leitura crítica que implica a percepção das relações entre o texto e o contexto.

No sentido freireano, ao ensaiar escrever, os professores se sentem levados a "reler" momentos

fundamentais de suas práticas, guardados na memória, desde as experiências mais remotas da

infância, da adolescência, de mocidade, em que a compreensão crítica da importância do ato de

ler neles se constitui. Os professores em formação resgatariam, deste modo, vivências da

formação básica e seus significados, que os auxiliaria na construção crítica do registro que se

materializara pela escrita.

Imbuído deste sentimento, partilhei esta compreensão com os professores, convidando-

os a produção de resenhas críticas (vide apêndice 3), cujos depoimentos destaco a seguir:

A resenha foi uma das primeiras que eu fiz e foi muito trabalhosa. Com o pouco

conhecimento que tinha, fazer uma resenha, ter uma concepção sobre

determinado texto, saber interpretar e analisar determinado texto. Eu posso não

ter interpretado corretamente, mas a resenha em si eu já sabia qual era o rumo

que ela poderia tomar, ou seja, ela foi trabalhosa porque eu não estava

acostumado a interpretar texto, acostumado a interpretar aquele tipo de texto

principalmente. Mas não foi algo do outro mundo, algo que eu não tinha me

deparado. Na época entendia como uma tarefa, hoje como algo que eu possa

compreender. A resenha, e os trabalhos, me fizeram despertar para a vontade

de pesquisar e escrever algo. Na época a gente tinha muitas outras coisas para

escrever, mas já estava em mente, parava de madrugada e pensava: “Eu tenho

que fazer isso!”, “Eu tenho que dar o meu ponto de vista sobre isso!”. Em

relação à pedagogia e matemática eu sempre questionei: “Por que a grande

maioria dos acadêmicos de matemática, nas três primeiras disciplinas

pedagógicas, se perguntava: ‘Por que estou aprendendo isso?’, ‘Eu nunca vou

usar isso!’, e ‘O que tem de importante para a matemática?’”. Aquela coisa, as

resenhas, os resumos, o hábito de escrever, o hábito de pesquisar, tentar

compreender, escrever o que pensa sobre algo, foi me instigando a querer

também dar minha opinião escrita, formalizada, uma pesquisa formalizada.

Digamos que foi um start. (SENA, Recorte da Entrevista)

O professor Sena destaca que na época da proposta de produção da resenha, a atividade

teve para ele um caráter de tarefa a ser cumprida, mas com o tempo assumiu um sentido de

iluminação de ideias – “Eu tenho que fazer isso!”, “Eu tenho que dar o meu ponto de vista

~ 144 ~

sobre isso!”. A partir da experiência, Sena desenvolve uma curiosidade epistemológica – “A

resenha, e os trabalhos, me fizeram despertar para a vontade de pesquisar e escrever algo” -,

que o faz querer emitir sua opinião por meio da elaboração de projetos futuros.

Outro interessante depoimento é feito por Queiroz, ao destacar que:

Algumas coisas talvez eu ainda não saiba fazer, mas eu sei que, quando eu leio

um texto, sempre penso em procurar nos autores que eu já li o que eles falam a

favor ou contra o que a pessoa do texto está “falando”. Eu fico pensando, ou a

pessoa leu o trabalho dele ou ele leu o da outra pessoa p’ra fazer seu trabalho.

Ai eu vou procurar p’ra saber quem escreveu primeiro, p’ra saber quem

primeiro pensou na coisa. Quando vejo textos muito idênticos, eu não me

aquieto enquanto não encontrar a referência que se usou. As vezes [a pessoa]

não fala com base em quem falou primeiro, mas eu sei que já li sobre em algum

lugar e vou procurar. Por exemplo, o texto de aprendizagem, eu não vou me

contentar em só ler o que ela escreveu, eu vou procurar outros textos e me apego

a coisas mais detalhadas, ideias que ela coloca, argumentos que ela coloca. Vou

procurar outras coisas p’ra ver se vão “bater” com o que ela disse, ou se não

“bate”, e se não “bater”, eu vou buscar outra coisa p’ra tentar argumentar. É

muito engraçado. Na primeira vez eu fiz muito rápido, deu um pouco mais que

uma página, e no final não falo nada com nada. Acho que só recortei algumas

partes que considerava mais importantes e hoje eu acho que não eram. A autora

exemplificava, mas quando eu resenhei, tinham só os exemplos, mas não o

contexto que ela estava exemplificando. Nesse sentido, eu posso de cara pegar

um texto e não saber dizer “fulano de tal fala disso, disso e disso!” Mas quando

a gente pega [um texto agora], consegue raciocinar melhor em cima disso,

pensar argumentos, pensar em textos, pensar se ele vai por essa linha aqui!

Vamos questionar sobre isso! (QUEIROZ, Recorte da Entrevista)

É possível perceber no depoimento de Queiroz a mudança de perspectiva para com a

leitura que processa ao se deparar com um texto científico hoje. Antes sua produção tinha “um

pouco mais que uma página” e no final avalia que não dizia “nada com nada”. Mas atualmente

a experiência lhe propiciou a construção de estratégias de apropriação do texto, em que assume

uma postura inicial de imparcialidade ao “procurar nos autores que eu já li o que eles falam a

favor ou contra o que a pessoa do texto está ‘falando’”. Essa nova postura assina-la uma

mudança que passou a lhe possibilitar o alargamento de seu senso crítico, posto que hoje

“consegue raciocinar melhor em cima disso, pensar argumentos, pensar em textos”,

demonstrando uma reflexividade crítica sobre a realidade.

A experiência de produção de resenhas não constituiu um fim em si mesmo, e seu papel

de fazer emergir o senso reflexivo e crítico sobre o que se lê e instrumentalizar os professores

~ 145 ~

de uma técnica de apropriação de conceitos subjacentes aos textos científicos cumpriu-se

enquanto objetivo. Contudo, ao serem questionados se continuavam fazendo resenhas os

professores foram unânimes em afirmar que não. A exemplo,

A experiência eu achei muito boa. Eu pensava que sabia fazer uma resenha, mas

eu descobri que não sabia. Quando o senhor ministrou a aula de como fazer

resenha foi muito gratificante. Agora eu digo que sei fazer uma resenha. Não

faço mais resenhas porque não dá tempo. Logo quando iniciei o TCC eu fazia

resenhas, mas depois não deu mais tempo. Eu fiz um cronograma com dia e

hora, mas nunca dava tempo p’ra gente fazer. (FIGUEIREDO, Recorte da

Entrevista)

A justificativa que Figueiredo atribui para a não produção de resenhas é a falta de tempo.

Argumento este compartilhado pelos outros entrevistados. Entretanto, independentemente da

produção dos registros estruturados, como procedi na transposição do tema, os professores

destacaram compreensão da lógica inerente ao ato de ler, que lhes impunha um ponto de vista,

ou vários pontos de vista, que necessitam ser interpretados, confrontados com outros pontos de

vista, de modo a lhes garantir uma apropriação conceitual libertadora e construtora de

autonomia. Evidencio, assim, a superação da imperativa lógica tradicional em que os

professores tinham que memorizar mecanicamente a descrição do objeto. Uma memorização

mecânica da descrição, que não se constitui em conhecimento do objeto. Substituindo-a por

uma lógica interpretativa de mundo, uma vez que passaram a aprender a ler a partir de uma

significação mais profunda.

A produção dos diários reflexivos

A discussão em grupo sobre a produção de diários reflexivos agregou um último passo

à instrumentalização inicial dos professores em formação no PIBID, antes de ingressarem em

sala de aula. A escolha por este instrumento se deve a uma dupla funcionalidade, uma vez que,

se por um lado me auxiliaria na materialização de dados sobre as experiências dos professores

que proveriam minha pesquisa de segunda ordem, de outro modo, a produção textual dos

professores, acreditava eu, cumpriria um papel altamente formativo, visto que o diário é um

instrumento que contribui para refletir sobre os acontecimentos da vida quotidiana, em

específico das experiências em sala de aula, reuniões do grupo e participações em eventos.

~ 146 ~

A produção dos diários daria suporte ao registro das experiências dos professores, ao

mesmo tempo em que a materialidade das experiências possibilitaria sua releitura e análise,

conduzindo os professores a produção de sentidos ao vivido, tais como: sentimentos,

preocupações, afetos, frustrações, ambiente de aula, o que se fez, atitudes dos alunos, proposta

de ações ou perspectivas alternativas. Neste sentido, o diário serviria para preservar as vivências

e as percepções dos fatos de uma distorção que, com o tempo, a memória lhes vai introduzindo

(ALVES, 2004).

A transposição do instrumento que operei junto ao grupo caracterizava-se pela

descrição/narração de uma aula ou prática educativa em que o autor deveria se posicionar o

tempo todo em relação aos acontecimentos, refletindo, interpretando e analisando. Esse tipo de

diário deveria conter: impressões, comentários e opiniões do observador sobre o meio social

onde realiza suas observações, seus erros, dificuldades, confusões, incertezas e temores, suas

boas perspectivas, acertos e sucessos, suas reações e as dos demais participantes, incluindo

gestos, expressões verbais e faciais, etc.

Um fator complicador, porém, em tarefas que envolvem a comunicação escrita,

nomeadamente a elaboração de registros escritos discursivos (que utilizem a escrita não

estritamente simbólica ou formal) é que, de um modo geral, sofrem certa resistência por parte

dos professores de Matemática, uma vez que essas tarefas não lhes são oportunizadas, com

muita frequência, nos cursos de Licenciatura em Matemática. Diferentemente da situação em

que os professores produziram significados a partir do estudo dos verbetes educativos e da

produção de resenhas, tarefas as quais possuíam, de algum modo, referências de apoio. A

produção de diários requeria destes sujeitos uma escrita livre, criativa e espontânea. Contudo,

no início, as produções variaram de composições com estrutura pouco clara, com divagações e

pouca estética a descrições muito simples e assépticas das ocorrências, como exemplifico a

seguir:

Neste dia trabalhamos a finalização do contexto histórico e posteriormente

partimos para uma pesquisa bibliográfica sobre a sequência didática de

funções, em que esta se mostrou bastante difícil, pois não havíamos

compreendido de forma correta o que realmente deveríamos procurar. (SENA,

Diário de 19/03/12)

O texto acima não se trata de um trecho do diário, mas o registro completo do dia.

Quando inquirido sobre o porquê da escrita sintética o professor respondeu que o que escrevera

lhe permitia, a qualquer tempo, resgatar todo o significado das ocorrências do dia. Longe de

~ 147 ~

discordar na ocasião de sua decisão e poder de memória, visto que havia me posicionado

anteriormente quanto a liberdade que teriam para se expressar de acordo com seus sentimentos,

penalizava-me àquela altura, porém, a perda de oportunidade por parte dos professores de uma

escrita mais aprofundada, em que se posicionassem sobre suas experiências e reavaliassem suas

atitudes. Penso que houve, naquele momento, descaso com a proposta, visto que os professores

não seguiam as recomendações para a elaboração dos diários sob uma perspectiva reflexiva.

A situação só iria mudar com o início das incursões em sala de aula, quando os

professores se deram conta da complexidade do ambiente e suas imbricadas relações. Presumo

que a nova experiência de acompanhar uma turma que lhes impunha a demanda de observar o

contexto e dele extrair contribuições para a elaboração de seus trabalhos de conclusão de curso,

forneceu o significado que faltara à tarefa de elaboração dos diários, os quais passaram das

sínteses descritivas às narrativas críticas e interpretativas, como a exemplificada a seguir:

Neste dia seria a segunda recuperação, o que me deixava muito intrigada. Será

que uma revisão de um dia com algumas questões faria diferença na hora da

recuperação? Ou não mudaria o resultado da primeira recuperação? Fiquei

pensando se eles, os alunos, não se esforçavam na primeira já sabendo que

teriam outra chance, considerada por eles mais fácil. Fica a reflexão. A

professora então distribuiu as provas, e um aluno disse: “- São as mesmas

questões da recuperação anterior?”. Eu não entendi a lógica, e a professora

justificou que não teve tempo de elaborar outra [prova]. Durante a prova

pudemos perceber que muitos alunos não sabiam como responder, diziam que

não sabiam antes e não sabiam agora. Logo me veio à mente o questionamento

feito anteriormente: Será que estava sendo útil uma reavaliação dessa forma?

Pois mesmo sendo a prova idêntica à anterior, muitos não conseguiam resolver

nem uma questão. A professora me chamou e pediu que eu ajudasse o mínimo,

pois já tinham tido muitas chances e agora era p’ra eles fazerem sozinhos.

Fiquei me questionando: Qual o motivo dessa segunda recuperação? Tentar

elevar as notas da turma somente? Acabou a prova e muitos não haviam feito

sequer uma questão. A professora disse que corrigiria a prova e depois os traria

as notas. Estou intrigada e curiosa para ver as notas. (QUEIROZ, Diário de

21/08/12)

Nesta etapa a professora em formação já possuía um ano de projeto e alguns meses de

incursão em sala de aula, acompanhadas paralelamente por leituras e discussões com o coletivo

do grupo em que problematizou continuamente os processos e posturas docentes observados no

ambiente escolar. A escrita deste diário, que data do terceiro dia de acompanhamento de classe

do segundo semestre, apresenta algo diferente dos diários elaborados até então, que é

~ 148 ~

justamente um caráter crítico-reflexivo no lugar dos diários descritivos sintéticos apresentados

no primeiro ano de projeto.

Vale lembrar que, a esta altura, o exercício de reflexão e registro das ações vivenciadas

tinha sido a tônica das atividades de construção das sequências didáticas no período em que a

rede pública se encontrava de greve. A partir daí a professora Queiroz parece ter compreendido,

por meio destes exercícios e da necessidade de informações para sua investigação da prática, o

valor formativo de um registro reflexivo que, em conjunto com sua vivência de sala de aula e

leituras prévias, passam a lhe auxiliar na identificação de pontos críticos do cotidiano escolar.

Outro exemplo de uma mudança na escrita dos diários se expressa pelo seguinte registro:

Sempre me surpreendo a cada primeiro dia de aula, apesar de ter tido a

oportunidade de estar em diferentes salas de aula. Esse é o nosso primeiro dia

com o novo professor supervisor. Ao entrar na sala os alunos pareciam bem

calmos, o que me deu uma tranquilidade. O que observei primeiramente foram

os aspectos físicos, a sala de aula é muito pequena e tem muitos alunos,

tornando-se difícil o professor andar dentro da sala de aula para poder auxiliar

os alunos durante a resolução dos exercícios. A sala não possui ventilador e

nem ar condicionado, tendo a janela e a porta como os únicos lugares por onde

pode entrar ventilação e, já que a quantidade de alunos é grande e a sala

pequena, fica muito quente e a aula quase sempre é nos últimos horários, sendo

mais quente. Segundo o professor foi preciso trocar as carteiras confortáveis

por carteiras desconfortáveis pela falta de espaço da sala, já que as carteiras

antigas ocupavam grande espaço. Como menciona Rotta (2006), para que a

criança tenha um bom aproveitamento escolar é essencial que a escola tenha:

boas condições físicas de sala de aula, que se relacionam com um ambiente

seguro, limpo, arejado, com boa iluminação e com um limite aceitável de alunos

em cada turma. Mas o que vimos foi o contrário. O professor iniciou a aula com

o conteúdo de MDC. Após explicar o novo assunto para a 3ª avaliação, o

professor passou um exercício de fixação para os alunos resolverem. Foi nesse

momento que intervimos ajudando os alunos na resolução do exercício. Ao final

da aula nós ficamos com o professor conversando. Ele disse que durante essa

semana nós só iríamos ficar observando a aula, que seria o tempo para poder

conhecer a turma, e que somente na próxima semana nós iríamos assumir.

(SOARES, Diário de 16/08/12)

A professora Soares realiza uma narrativa interessante sobre seu primeiro dia de

acompanhamento de turma no segundo semestre. Como já mencionado os professores em

formação não tiveram a oportunidade de acompanhar as turmas no primeiro semestre do ano

letivo, devido as paralizações de greve. Mas este tempo foi compensado com leituras e reflexões

no ambiente de discussões do GCEM. Mais uma vez observo que este tempo de

~ 149 ~

amadurecimento teórico instrumental foi significativo para os professores em formação, posto

que a exemplo de Queiroz, Soares também passa a redacionar seu diário com mais sensibilidade

e riqueza de detalhes. Seu registro me leva a entender que houve conscientização quanto ao

valor formativo do diário, sendo-lhe um suporte à reflexão e socialização de sua prática. Seu

caráter descritivo sobre o ambiente apresenta séria consideração sobre as condições da sala de

aula para o exercício do trabalho docente. Apresenta, assim, uma sensibilidade ecológica em

que pontua os intervenientes à condução da turma e implicações no contexto das interações em

sala. O resgate de um referencial teórico para expressar com mais detalhes o que observa na

situação é um diferencial em relação aos diários até então apresentados pela professora. Isso

demonstra um avanço em sua assunção da autoridade docente, pois ilustra a compreensão da

teoria como instrumento de auxílio à reflexão de um contexto para uma possível intervenção

prática.

Mais uma vez, é possível destacar que a aprendizagem da docência não constitui um

processo de imposição de saberes aos formandos, mas configura uma construção de sentidos

que cumulativamente racionalizam as decisões e motivam a ação docente, constituindo, assim,

um processo de socialização, de identificação com a profissão e, consequentemente, de

desenvolvimento profissional.

A passagem através do espelho e instalação da dualidade

Experiências de incursão em sala de aula

A incursão em sala de aula já na formação inicial constitui um importante começo na

busca pela construção de uma base sólida para o exercício da atividade docente. Para consolidar

esta crença, é preciso conceber a experiência como objeto de reflexão que conjugada com a

teoria é capaz de auxiliar o professor na percepção e compreensão de sua própria maneira de

pensar e agir. No entanto, para que a expectativa de socialização e desenvolvimento profissional

aí subentendidos se consolidem, é importante que esta incursão no ambiente escolar não se

configure como um procedimento burocrático, com simples preenchimento de fichas,

observação e regências desacompanhadas de meta-análises destas práticas.

Cumpre papel importante, neste sentido, o princípio colaborativo que deverá

acompanhar as ações deste professor iniciante, possibilitando-lhe um diálogo aberto com seus

~ 150 ~

pares e investidas supervisionadas junto as classes de alunos. Uma vez estabelecida esta

cumplicidade, surgem para o sujeito perspectivas promissoras de ocorrência de aprendizagem

da docência, dinamizada pela reflexão crítica sobre a experiência, que o leva a repensar sua

ação, a ação dos sujeitos envolvidos nos processos educativos em seu microssistema, bem como

compreender as decisões tomadas nos meso e macrossistemas. Essa postura reflexiva, nestes

termos, possibilita-lhe assumir uma nova identidade institucional relativa ao seu novo modo de

agir e pensar, às suas (re)estruturadas concepções de mundo e de conhecimento frente às

práticas institucionalizadas e expressas pela cultura e tradição das instituições.

Como já situei anteriormente, um obstáculo que se tem apresentado a esta incursão em

sala de aula é a visão de ensino comumente construída pelos professores durante sua formação

inicial nas universidades, que tem suscitado o propalado “choque de realidade” (VEENMAN,

1984). A incursão antecipada em sala de aula, que constitui uma prerrogativa do projeto PIBID,

assume, por hipótese, que as preocupações inerentes a esta fase de entrada na carreira, como

bem define Huberman (2000), seriam vivenciadas previamente pelos professores durante esta

etapa de formação.

Compreendo, no entanto, que por estarem amparados por profissionais com excedente

de visão próprios (BAKHTIN, 2011), tanto da academia, quanto das escolas em que se

processam as incursões, os professores estariam melhor preparados para lidar com as

contingências impostas pelo contexto escolar. Sob esta mesma ótica, Nacarato et. al. (2006, p.

206), ponderam que,

No seu trabalho solitário na escola, na maioria das vezes, o professor não toma a sua

prática como objeto de reflexão e investigação. Assim, ao fazer parte de um grupo que

planeja, discute, registra e analisa junto as atividades desenvolvidas em sala de aula,

ele não apenas se conscientiza de seu fazer pedagógico, como adquire uma postura de

professor-investigador.

Este modo de pensar, funda um outro sentido à formação docente, um que rompe como

as concepções tradicionais de formação que engendram teorias para futura aplicação pelos

professores na prática (DEWEY, 2011), e muda o espectro para uma lógica de parceria entre

Universidade e Escola, em que o interstício entre estas se configura como lócus de preparação

de professores, desafiando a hegemonia da Universidade como o único ambiente de formação

docente. Neste sentido, um trabalho mais aprofundado é necessário, pois, sobre as

potencialidades deste novo lócus de formação dos professores.

~ 151 ~

Os sujeitos de minha pesquisa foram unânimes em relatar que a preparação junto ao

GCEM lhes propiciou o suporte necessário a esta imersão em sala de aula, como se pode

evidenciar no seguinte depoimento:

Eu acredito que se não fosse a prática eu seria muito diferente. Eu acredito que

teria continuado com o mesmo ritmo do primeiro ano. Estudava e fazia prova.

Jamais teria parado para refletir como as nossas atitudes atingem as pessoas

que estão ao nosso redor. Ai é que está. Essa diferença de pensamento se fosse

só a Universidade eu não teria esse tipo de pensamento. Acho que não seria tão

bom assim. O choque de realidade mesmo a gente teve quando estava no PIBID.

Se eu pegar uma turma da EJA, em que eu nunca trabalhei, vai ser muito

diferente. Mas não é que eu sei como fazer lá, mas eu sei como eu posso aprender

para fazer lá. Eu posso buscar metodologias para ensiná-los. É esse o

pensamento que a gente tem. A gente nunca vai ter tudo ao dispor para fazer,

mas a gente tem hoje na cabeça que é possível fazer. Como e vou fazer? Não sei.

É melhor do que a “certeza” de saber como trabalhar com isso, porque você

vai cair no tradicional, na mesmice e pronto. Quando tu “não sabes”, passam

mil coisas na tua cabeça p’ra fazer. Eu acho que só a Universidade não

prepara, e nem o PIBID, mas acho que deveriam ter grupos para discutir, fazer

um projeto na escola, tem que ter. Porque isso muda muito. Muda a forma como

a gente pensa, de verdade. Eu acredito assim: “Eu não sei fazer, mas não vou

deixar p’ra lá! Eu vou tentar! Vou ver como eu posso fazer. Vou pedir ajuda se

for necessário, e tentar fazer!” É esse pensamento que valeu a pena em todo

esse processo do PIBID. (QUEIROZ, Recorte da Entrevista)

A professora Queiroz afirma que “só a Universidade não prepara”, e pondera que “nem

o PIBID” é capaz de lhe garantir todos os conhecimentos necessários para o exercício da

docência, posto que esta atividade é repleta de incertezas. Neste sentido, porém, o grupo lhe

garantiu a possibilidade de “refletir como as nossas atitudes atingem as pessoas que estão ao

nosso redor”, expressando, portanto, uma sensibilidade ecológica e reflexividade crítica sobre

a realidade que lhe faz perceber seu inacabamento. Este sentimento de incompletude, no

entanto, não é visto como algo negativo ou insuperável, pelo contrário, afirma que as certezas

é que são prejudiciais, visto “que a ‘certeza’ de saber” pode levar-nos a “cair no tradicional,

na mesmice”. Este nível de reflexão de Queiroz me faz recordar a crítica ao mundo mecanicista

de hoje, que foi abalado pela ecologia dinâmica das incertezas, sob a qual Morin (2007, p. 99)

afirma que,

A aquisição da incerteza é uma das maiores conquistas da consciência, porque a

aventura humana, desde seu começo, sempre foi desconhecida. É preciso ensinar

também que sabemos hoje que a aventura humana é desconhecida e que dispomos

apenas de dois instrumentos para enfrentar o inesperado: o primeiro é a consciência

~ 152 ~

do risco e do acaso. O segundo instrumento é a estratégia e isso implica ser capaz de

modificar o comportamento em função das informações e dos conhecimentos novos

que o desenvolvimento da ação nos propicia.

Neste sentido, Queiroz complementa: “Como e vou fazer? Não sei”, “mas não vou

deixar p’ra lá! Eu vou tentar! Vou ver como eu posso fazer. Vou pedir ajuda se for necessário,

e tentar fazer!”. Conclui dizendo ter sido este o pensamento que lhe acompanhou em todo o

processo de formação no PIBID.

A tônica das incertezas no ambiente escolar também foi objeto de reflexão de Perrenoud

(2001), para quem ensinar e avaliar são termos complementares e interdependentes, e isso

implica tomar decisões, a mobilizar recursos e a ativar esquemas, isto é, desenvolver

competências. Isso significa que ao fazermos escolhas, julgarmos, avaliarmos o que é melhor

(em termos de nossas referências ou valores), corremos riscos, utilizamos conhecimentos ou

informações como elementos importantes nesse processo, em que devemos saber argumentar,

enfrentar situações-problema, elaborar propostas, compreender fenômenos, enfim, participar

como sujeitos ativos em um sistema complexo. Esse nível de socialização é evidenciado em

grande parte na declaração do professor em formação inicial a seguir:

Eu lembro que no segundo dia de aula os alunos estavam falando um pouco

mais alto, e mesmo eu conversando com eles, controlando a situação, de vez em

quando aparecia um que queria falar muito alto, que queria aparecer, ai eu

trouxe um livro para eles que falava sobre morais de histórias. Eu li uma parte

do livro que falava sobre uma carroça vazia. Ia um garoto sentado ao lado do

pai, levando vários sacos dentro da carroça e o pai disse: “- Lá longe vem uma

carroça vazia!”; e o filho não entendia porque, e quando chegou perto o filho

viu que a carroça estava vazia realmente. Então perguntou ao pai como ele

sabia que a carroça estava vazia, e o pai disse: “- É simples meu filho, carroça

vazia faz mais barulho!”, ou seja, se você faz mais barulho quer dizer que não

está aprendendo, muito barulho por pouca coisa quer dizer que aquilo não tem

significado para você. E com uma coisa que não tinha haver com o meu

conteúdo eu consegui puxar aquele aluno de volta para prestar atenção naquilo

que a gente tentava compreender. (SENA, Recorte da Entrevista)

Na situação é possível perceber que Sena passou por um momento crítico em que

necessitou tomar uma decisão, posto que “vez em quando aparecia um que queria falar muito

alto” inviabilizando a condução da aula. O professor precisou avaliar a situação e tomar uma

decisão. Dentre inúmeras possibilidades que poderia ter encaminhado, variando de atitudes

como chamar a atenção do aluno de uma forma mais enérgica, retirá-lo de sala, chamar o

professor regente para tomar ele a atitude necessária, ou ainda, como habitualmente observamos

~ 153 ~

ocorrer nas escolas, poderia deixar a situação de lado e considerar a aula por lecionada. Mas

sua atitude foi diferenciada, pois demonstrou ponderação e eloquência ao buscar “um livro para

eles que falava sobre morais de histórias”. Buscou entre as várias histórias que certamente

compunham o livro, aquela que julgou ter afinidade com a situação experienciada e, mais uma

vez, de forma competente leu “uma parte do livro que falava sobre uma carroça vazia”, e

interpretou a história dizendo que “se você faz mais barulho quer dizer que não está

aprendendo, muito barulho por pouca coisa quer dizer que aquilo não tem significado para

você”. Finalizou sua narrativa oral declarando que “com uma coisa que não tinha haver com o

meu conteúdo eu consegui puxar aquele aluno de volta para prestar atenção naquilo que a

gente tentava compreender”.

De certo que a estratégia habilmente mobilizada por Sena poderia não ter surtido o efeito

desejado, mas também é correto dizer que a simples manifestação de inquietação com a situação

que se desdobrava, identificando o que chamo de “ruído” no processo de ensino, já configura

uma aprendizagem do tipo sensibilidade ecológica, que, por sua vez, levou-o a tomar uma

decisão que lhe mobilizou a construção de uma solução para o ocorrido. Ao resgatar de seu

equipamento praxiológico70 os elementos necessários à ação, demonstrou uma aprendizagem

do tipo instrumentalidade tecnológica e estratégica do ensino. E, finalmente, por esta escolha

envolver, em vez das atitudes variantes enunciadas acima, uma ação comunicativa, Sena

expressou sua assunção da autoridade docente quando empregou habilmente sua

dialogicidade da comunicação e da atuação docente.

Inúmeros foram os casos mapeados em que os professores manifestaram outras

categorias de aprendizagem adequadas ao exercício docente. Contudo, na composição deste

trabalho sou levado a optar apenas por alguns recortes que julgo suficientes para a expressar

cada faceta deste complexo projeto que desenvolvi. Neste sentido, retomarei, assim que

oportuno, outros episódios sobre as experiências de sala de aula que evidenciam os processos

de aprendizagem que constituíram o percurso de socialização e constituição identitária destes

sujeitos. Assim, abordarei outra etapa do percurso formativo experienciado pelos professores

integrantes do PIBID, em específico as situações de participação do grupo em eventos

científicos.

70 Constitui o conjunto de relações do sujeito para com um objeto estabelecidas por processos de assujeitamentos

institucionais.

~ 154 ~

Experiências de participação do grupo em eventos científicos

Com a aceleração dos meios de comunicação e informação, com a vasta proliferação de

pesquisas de toda ordem e áreas do conhecimento, com o desenvolvimento de tecnologias e

maquinários mais precisos e elaboração de teorias as mais variadas para explicar fenômenos e

solucionar problemas que a muito vêm encucando os cientistas, pesquisadores e educadores,

vejo que as Universidades, com seus cursos regulares e currículos pouco maleáveis se tornaram

obsoletos como mecanismo de divulgação deste vasto mundo do conhecimento. As reuniões de

classe e encontros científicos se tornaram, por isso, um imprescindível mecanismo de busca e

apreensão de novos conhecimentos e compartilhamento da cultura científica dos grupos sociais

acadêmicos. Diante deste contexto, SMITH (1991, p. 133) adverte que:

Para compartilharmos da cultura de um grupo social devemos compartilhar de uma

mesma base categórica que organiza nossa experiência; isso significa desenvolvermos

uma “teoria de mundo” que dá sentido ao que somos expostos e nos impede de

enfrentarmos o novo com perplexidade. Em outras palavras, vemos o mundo e

tentamos compreender seu funcionamento, com “óculos conceituais”. Inicialmente

com conceitos cotidianos, alternativos, espontâneos, ou pré-conceitos, que vão dando

lugar aos conceitos científicos.

Os eventos científicos têm, portanto, a finalidade de reunir profissionais e/ou estudantes

de determinadas especialidades para realizar trocas e transmissão de informações de interesse

comum dos participantes. Pensando nesta dinâmica estratégia de socialização, passei a incluir

no itinerário formativo de meus colaboradores a participação em eventos do gênero. Considerei,

a exemplo de minha própria formação, que esses eventos científicos, além de propiciarem maior

convívio dos professores no ambiente acadêmico, teriam caráter complementar às discussões

do grupo, uma vez que as palestras, cursos, oficinas e seminários, acreditava eu,

proporcionariam maior envolvimento, participação e troca de ideias e experiências,

imprescindíveis a compreensão do atual ambiente de transformações da sociedade e da

profissão docente.

Sobre a participação em eventos científicos o professor Sena destaca o seguinte:

O que me marcou muito mesmo foi a frase de uma professora que disse: “É bom

saber que existe pesquisa em Igarapé-Açu”. Igarapé-Açu era uma localidade

estranha e ainda é uma localidade estranha para muitas pessoas,

principalmente na capital [Belém]. Mas participar de eventos na capital,

levando pesquisas formuladas pelo grupo de pesquisa, pelo PIBID, a partir de

discussões, sendo apoiadas por esse grupo, sendo apoiada pelo PIBID e chegar

~ 155 ~

lá e ter o reconhecimento de que nós estávamos não só levando nosso nome, mas

levando o nome do Campus Universitário de Igarapé-Açu, e que aqui também

se fazia trabalhos e que ninguém estava brincando, que aqui, apesar das

dificuldades, a gente tinha capacidade. E também com relação a poder

conversar, de poder até mesmo discutir, mesmo sabendo que poderíamos estar

“anos luz deles!”. Um acadêmico discutir com um doutor, dentro de uma mesma

sala em que este doutor apresenta um trabalho, doutores e mestres assistindo e

a gente ter a oportunidade de discutir com eles, de conversar com eles. Essa

participação em eventos me deu uma autoestima muito grande. Sou acadêmico

do curso de matemática de Igarapé-Açu e estou aqui em Belém, estou aqui em

Campinas, discutindo com doutores e mestres, “que diacho é isso?!”. E por

incrível que pareça a minha opinião estava sendo relevante para eles. Quando

a gente foi ao ENDIPE conversar com professores que falavam da utilização de

recursos tecnológicos, foi engraçado ver um doutor dizendo “Realmente isso é

importante!”. Foi uma situação que até então não tinha presenciado. (SENA,

Recorte da Entrevista)

O depoimento do professor Sena é deveras feliz, pois aponta para aspectos formativos

relevantes que ensejam aprofundamento teórico sobre a formação em/a partir de eventos. Esta

abordagem, além de necessária conduz a um campo pouco explorado, uma vez que se situam

as possibilidades de aprendizagem em eventos como um fim em si mesmos, isto é, uma vez

encerrados, os eventos não são objetos de reflexão coletiva, quando muito, indicam tendências

que possibilitam a produção de projetos do tipo estado da arte ou, na melhor das hipóteses,

mobilizam algum grupo social à promoção de alguma ação afirmativa. Contudo, atividades

reflexivas de formação que prevejam a retomada das discussões levantadas nos eventos pouco

são exploradas.

Da exposição de Sena me foi possível destacar quatro aspectos formativos relevantes

acerca da participação em eventos, os quais sejam:

1) Mudança de contexto da formação – ao deslocar-se para um evento o sujeito tem a

possibilidade mudar de ambiente e contexto de formação. A própria viagem constitui um

momento a ser agregado como de valor formativo, pois o sujeito interage com seus colegas

podendo estabelecer vínculos mais fortes de amizade que potencializam os processos

colaborativos do grupo. A chegada no evento constitui um momento único de vislumbre de

mudança de ares, o transporte não é apenas físico, mas psíquico. A experiência oferece ao

sujeito novas contingências, nova cultura institucional e novos jogos sociais são iniciados. Há

o encontro de culturas e cabe ao sujeito representar a sua e fazer-se reconhecer, ou como afirma

Sena: “É bom saber que existe pesquisa em Igarapé-Açu”;

~ 156 ~

2) Divulgação científica e socialização do conhecimento pelo diálogo – um dos objetivos

principais da participação em um evento é a divulgação de resultados de pesquisas, sejam

produções inéditas, levantamentos bibliográficos ou relatos de experiência. Do ponto de vista

da pesquisa como formação a divulgação se traduz, geralmente, como a última etapa do

processo de produção científica. Neste sentido, “participar de eventos na capital, levando

pesquisas formuladas pelo grupo de pesquisa, pelo PIBID, a partir de discussões, (...) e chegar

lá e ter o reconhecimento de que (...) aqui também se fazia trabalhos e que ninguém estava

brincando” agrega valor ao que se faz, ao que se produz. A divulgação de uma compreensão

social sobre um dado objeto, constitui o momento de diálogo com os pares e demonstra que “a

gente tinha capacidade (...) com relação a poder conversar, de poder até mesmo discutir,

mesmo sabendo que poderíamos estar “anos luz deles!”, isto é, evidencia que a produção

intelectual não é um bem cuja posse esteja nas mãos apenas dos grandes pensadores, mas é um

processo de construção democrático, ao alcance de todos que estejam dispostos a lutar por ele,

mesmo que o primeiro passo neste sentido seja modesto;

3) Assunção no mundo acadêmico científico – a participação em eventos visa formar cidadãos

capazes de reconhecer e definir termos científicos, compreender ideias básicas do atual

conhecimento científico e ainda, saber aplicar tal conhecimento, posicionando-se de forma

crítica, reflexiva, consciente e atuante, em situações atuais e reais. Neste sentido, participar de

eventos científicos possibilita ao professor em formação inicial identificar-se como

profissional, “discutir com um doutor, doutores e mestres dentro de uma mesma sala em que

este doutor apresenta um trabalho”, “ter a oportunidade de discutir com eles, de conversar

com eles” e poder ouvir deles que “isso é importante!”;

4) Elevação da autoestima – O contato com profissionais e pesquisadores de locais e

instituições diferentes, em um ambiente de diálogos francos e mentes abertas constitui um

ambiente único a constituição do professor pesquisador. Tanto mais acolhedora for a relação

estabelecida entre os integrantes de um evento, maior será a constituição identitária deste

professor em formação. Percebo isso quando Sena declara que “por incrível que pareça a

minha opinião estava sendo relevante para eles” e “Essa participação em eventos me deu uma

autoestima muito grande”.

A participação do professor Sena nos eventos científicos lhe propiciou experiências que

possibilitaram a consubstanciação da sua assunção da autoridade docente, visto que passou a

se entender como um profissional, com direito a participação e voz no ambiente educacional,

~ 157 ~

além de assumir a responsabilidade de fazer parte de um grupo, respeitando-o, assumindo-o e

divulgando sua cultura institucional.

Em meio a tantos pontos positivos, sou obrigado a alertar para resultados que merecem

atenção por parte do formador que almeje fazer dos eventos uma estratégia de formação

profissional. Recordo da advertência de Dewey sobre o excesso de indulgência que, neste caso,

pode ser desencadeado quando há uma preparação do grupo para a participação em um evento.

Isto é, a preparação pode se tornar um conhecimento ou experiência que impossibilita a

significação de novas perspectivas sobre o assunto durante as dinâmicas do evento, dando a

entender para o sujeito que nada mais há de novo a se considerar, inviabilizando experiências

educativas futuras. Embora sutilmente, esta perspectiva pode ser evidenciada em algumas falas

dos professores, como no seguinte exemplo:

Achei aquele [evento] de modelagem tão legal. Talvez por ser o primeiro, estava

muito empolgada, foi muito bom. A gente foi p’ra uma sala em que estava tendo

uma discussão, o “Bassanezi” estava lá. Tinha umas mulheres paulistas

doutoras falando tudo enrolado e eu lá atrás falei bem baixinho que sou

graduanda e participo de um grupo. Fiquei até com vergonha! Mas quando se

tratou da discussão eu percebi que nosso nível não está tão longe do deles. Eu

fiquei depois pensando sobre o que aconteceu: “Será que eles não sabem tanto?

Ou estavam procurando estar no nosso nível? Ou a gente sabe muito?”. P’ra

mim foi dos melhores. (SOARES, Recorte da Entrevista)

Minha preocupação era a de que certas abordagens prévias sobre os assuntos a serem

discutidos em um evento configurassem obstáculos epistemológicos71 aos saberes em tela nos

encontros. Contudo, em relação aos preparativos realizados pelo GCEM, parece que a

inquietação fora superestimada, visto que considerações como a de Leite dão um sentido próprio

a situação em questão:

Durante o VII CNMEM, que ocorreu na UFPA, constatei um fato muito

gratificante. Foi perceber que professores de grande nome no cenário da

educação matemática estavam debatendo sobre a modelagem matemática em

um nível muito acessível para o grupo do PIBID, assim sendo, vemos que o que

debatíamos nas reuniões do grupo estava de certa forma próximo dos níveis de

explanações de professores bem conceituados. (LEITE, Recorte da Entrevista)

71 Esses obstáculos ocorrem no âmago do próprio ato de conhecer que aparecem, por uma espécie de imperativo

funcional, lentidões e conflitos. É causa de estagnação e até de regressão conceitual (BACHELLARD, 1996).

~ 158 ~

Chega a ser lisonjeira a declaração de Leite, mas traduz nossos esforços conjuntos em

prol de uma formação de qualidade. O que mais uma vez é reconhecido nos destaques de

Queiroz:

Eu gostei muito quando a gente foi p’ro encontro de modelagem. Era muito

engraçado. Quando a gente lia um texto, ou a gente achava que o autor estava

morto ou tinha uma realidade totalmente diferente da gente. Quando a gente

encontrou um autor lá, a gente teve um choque muito grande. Por exemplo, o

Bassanezi, em que a gente ficou no minicurso dele. A gente tinha lido uns textos

de modelagem antes, e tinham umas ideias lá. E quando ele foi falar, parecia

que ele estava lendo o texto dele. Era muito “engraçado”! Outra coisa, no

congresso, quando a gente foi, parece que era um grupo que tinha discutido

vários textos e mesmo na presença do Bassanezi ninguém estava acanhado de

falar. No primeiro momento estava todo mundo acanhado porque ele

perguntava de onde tu eras e tudo o mais. Agente dizia que era do PIBID, de

Igarapé-Açu. Ele disse eu sei, vocês são os meninos do Emerson. Parecia que

ele conhecia a gente, ele parecia próximo da gente. Diferente de quando a gente

lia os textos dele. Parecia um cara de outro planeta quando a gente lia os textos

dele, mas quando a gente o viu, parecia outra pessoa. A gente pensa que todo

mundo que escreve bem, pensa rápido e de uma maneira muito bem articulada

já viveu muito e já está quase morrendo. Quando a gente vê que a pessoa é bem

novinha fica “besta”! O evento foi muito grande, eram muitas coisas p’ra ver e

nem tudo era específico de matemática, em vários lugares, mas p’ra mim foi

demais! (QUEIROZ, Recorte da Entrevista)

O depoimento de Queiroz demonstra mais uma vez a importância da mudança de contexto

da formação, uma vez que a nova ambientação traz ganhos, principalmente “Quando a gente

lia um texto, ou a gente achava que o autor estava morto ou tinha uma realidade totalmente

diferente da gente” e no evento “Quando a gente encontrou um autor lá, a gente teve um

choque muito grande”, pois o autor “Parecia que ele conhecia a gente, ele parecia próximo da

gente. Diferente de quando a gente lia os textos dele”. Como é possível observar, a participação

em eventos propicia a desmistificação de pensamentos, como o de “que todo mundo que

escreve bem, pensa rápido e de uma maneira muito bem articulada já viveu muito”.

Nossas incursões em eventos foram profícuas. Participamos de pelo menos quatro

grandes eventos nacionais e mais oito eventos locais, em que tivemos a oportunidade de

divulgar nossos trabalhos e aprender com nossos pares de outras instituições. A participação

em eventos constituiu uma consistente e promissora estratégia de formação e identificação com

a profissão docente, sobretudo articulando pesquisa, ensino e extensão.

~ 159 ~

Experiências de elaboração de Sequências Didáticas

A experiência que aqui registro e discuto refere-se ao conjunto de tarefas desenvolvidas

por meio de diálogos e considerações dos integrantes do grupo emergidos de reuniões de grupo

de estudos livres e reuniões grupo de estudos orientados. Nas reuniões de grupo de estudos

livres os integrantes do grupo se encontravam, em horário definido por eles, para a discussão,

pesquisa de referenciais bibliográficos e seleção de dados que entendessem pertinentes ao tema

de suas pesquisas. Nos diálogos de grupo orientados, seguíamos uma agenda com dia e horários

definidos no grande grupo, e os diálogos se davam com minha presença na função de

Orientador.

Para subsidiar minhas orientações aos grupos nesta experiência de construção de

conhecimentos, recorri às noções de didática da matemática de Chevallard (1991; 1996, 2005,

2009) que lida, em linhas gerais, com o trabalho coletivo em pesquisas de praxeologias em

didáticas, que se referem aos métodos e procedimentos pelos quais um conhecimento e

compreensão são alcançados e sobre a formulação sistemática e logicamente coerente com os

métodos de busca do conhecimento. Recorri ao autor por concordar com ele que este processo

de investigação e questionamento do saber a ser ensinado é, hoje em dia, mais necessário do

que nunca para combater os efeitos da rotinização e naturalização dos métodos do ensino

tradicional frequentemente utilizados.

Situações de aprendizagem nos grupos de estudo

Essa experiência teve por objetivo formativo subsidiar os acadêmicos em atividades que

dessem sentido à articulação entre o saber acadêmico e o saber da experiência, isto é, que

articulassem teoria e prática em uma ação de explicitação de uma organização matemática

(OM) materializada em uma organização didática (OD) justificada epistemologicamente72. A

tarefa previa o exercício de planejamento de um fazer docente real em um ambiente

experimental. As interações possíveis deveriam dar conta de externar relações institucionais e

ecológicas passíveis de percepção pelos integrantes dos grupos ou, em outros termos, deveria à

custa do investimento pessoal de cada um, proporcionar a aprendizagem e a abstração de

saberes docentes relativos ao estudo e planejamento do ensino da matemática.

72 Definirei apropriadamente Organização Matemática e Organização Didática maios à frente.

~ 160 ~

Para a efetivação deste percurso construtivo de uma epistemologia docente, elegi alguns

objetos que deveriam ser construídos sob a lógica do que chamamos grupo de trabalho. Cada

objeto de ensino foi (re)construído sob a tutela do orientador docente, em grupos formados por

um(a) coordenador(a) de estudos, um(a) secretário(a) e colaboradores, cujas funções

estiveram determinadas como se segue:

i) Orientador Docente: foi o responsável por formar os grupos, eleger os coordenadores de

estudo e secretários. Teve a função de distribuir tarefas aos grupos, acompanhar o

desenvolvimento das atividades, avaliar os processos e produtos construídos e subsidiar os

grupos de formação básica sobre a prática e teorias sobre a investigação docente;

ii) Coordenador(a) de Estudo: foi responsável por coordenar o grupo na execução das

tarefas encaminhadas pelo Orientador Docente. Teve a tarefa de assumir a organização dos

debates, mediar as discussões e a responsabilidade de fazer os trabalhos avançarem para a

elaboração dos produtos em tempo hábil para apresentação segundo a programação. Teve

a prerrogativa, a qual deveria usar com bom senso, de decidir sobre uma tomada de

direcionamento caso houvesse impasses que estivessem impedindo ou retardando o avanço

do grupo. Deveria estar ciente de que registraria os ocorridos e observações conforme

orientação do roteiro de investigação;

iii) Secretário(a): foi responsável por auxiliar o coordenador de estudo e o grupo de

colaboradores na realização das tarefas. Deveria realizar registros dos processos de tomada

de decisão, das observações, das tomadas de consciência, dos impasses, dos conflitos, das

descobertas, das dificuldades e dos avanços. Teve a responsabilidade junto com o

coordenador de estudos de elaborar a síntese de trabalho para apresentação segundo a

programação;

iv) Colaboradores: eram todos os integrantes do grupo, incluindo o(a) coordenador(a) de

estudo e o(a) secretário(a). Tinha por função geral contribuir com a realização das tarefas

e deveria assumir funções específicas conforme decisão do grupo e/ou do(a)

coordenador(a) de estudos. Não deveria assumir posição passiva no processo de

investigação, mas sim ativa, contribuindo com propostas, teorias, referências, elaboração

de conjecturas e produções bibliográficas em conformidade com as tarefas.

Para o desempenho da tarefa foram formados seis grupos de trabalho, cada qual foi

responsável por proporcionar situações ímpares à formação de todos os participantes. Contudo,

para efeito de estudo irei explorar as experiências proporcionadas pelos Grupos de Trabalho 1

~ 161 ~

(GT1) e Grupo de Trabalho 2 (GT2) que tiveram por objeto de investigação o ensino de funções

afim e quadrática e funções exponencial e logarítmica, respectivamente. A escolha desses

grupos para minhas análises se deu por suas contribuições aos encaminhamentos dos demais

grupos e por terem apresentado experiências com resultados relevantes para discussão acerca

de algumas idiossincrasias da formação docente. As exposições e considerações acerca do

trabalho do GT1 foram de grande valia para a reflexão dos outros grupos, tanto que observei

repercussões de tais experiências nos registros dos diários, relatórios e entrevistas dos demais

grupos investigados; enquanto os estudos das relações estabelecidas pelo GT2, no cumprimento

da tarefa, expressam importante contribuição para a compreensão da constituição de um grupo

colaborativo.

Analisarei, nesta composição, as experiências do GT1 e GT2 por meio dos

entrecruzamentos dos sujeitos principais (Sp) selecionados para a pesquisa e as experiências

possibilitadas pelas ações do GCEM. Assumo esta metodologia por considerar que desta forma

poderei explorar não apenas os processos de aprendizagem dos integrantes do GT1 e GT2 como

as contribuições dos demais investigados neste percurso de modo a identificar, posteriormente,

evidências de desenvolvimento profissional dos colaboradores selecionados. Para uma melhor

compreensão, ilustro o exposto pela configuração abaixo:

Fig. 11. Experiência e Sujeitos Principais (Sp) e Sujeitos Secundários (Ss).

A figura 11 ilustra genericamente os Sujeitos Principais (Sp1 e Sp2) e os Sujeitos

Secundários ou periféricos (Ss1) vivenciando uma experiência potencialmente formativa. Os

sujeitos principais foram assim denominados por serem os que efetivamente se envolveram em

todas as experiências selecionadas para análise ou os que assumiram uma postura plenamente

colaborativa.

~ 162 ~

A experiência em grupo de estudo com a tarefa de explicitar uma organização

matemática a partir da estruturação de uma sequência didática é uma atividade extremamente

rica por possibilitar aos professores uma reflexão para a prática e o questionamento da razão

de ser do objeto no currículo de determinada instituição, em dado nível de ensino

(CHEVALLARD; 1991). Neste caso, o nível de ensino secundário, ou mais precisamente, o 1º

ano do Ensino Médio. Exploro esta experiência por meio de três momentos: 1) a seleção dos

integrantes de cada grupo de trabalho para orientação e discussão dos conteúdos e teorias

relacionadas à prática investigativa em didática da matemática; 2) os momentos de estudo em

grupo e construção de sequências didáticas; 3) as exposições das sequências, considerações e

debates.

O primeiro momento de nossa experiência teve início por meio de uma dinâmica de

apresentação teórica do que vem ser um Percurso de Estudos e Investigação (PER). Esta ideia

me surgiu por conta das sucessivas greves nas redes de ensino do Município e Estado, que

impossibilitavam aos professores em formação de participarem das aulas nas turmas das escolas

conveniadas ao projeto PIBID. Como no período eu participava como discente da disciplina

Didática da Matemática e Formação de Professores no curso de doutorado, e tive a

oportunidade de me aproximar da Teoria Antropológica do Didático (TAD), resolvi

experienciar a prática de construção de uma organização didática junto aos professores em

formação do PIBID.

O período foi de boas coincidências, pois tinha de trabalhar com a turma do terceiro ano

de licenciatura em matemática a disciplina Prática de Ensino II e como meus vinte

colaboradores do PIBID eram integrantes dessa turma, resolvi realizar um único trabalho

integrando o tempo disponível para as atividades do PIBID e da disciplina. Optei por reuni-los

em grupos cujos coordenadores de estudo e secretários eram colaboradores do PIBID, por

serem potenciais sujeitos de minha pesquisa. Constituí seis grupos, a saber: GT1 – Estudo de

Funções Afim e Quadrática; GT2 – Estudo de Funções Exponenciais e Logarítmicas; GT3 –

Estudo de Progressões; GT4 – Estudo de Equações Trigonométricas; GT5 – Estudo de Sistemas

Lineares; e GT6 – Estudo do Princípio de Cavalieri.

As equipes foram formadas pelos coordenadores de estudo que escolhiam, um a um,

seus parceiros de trabalho. Ao final das escolhas as equipes ficaram com cinco ou seis

integrantes. Fiz isso para acompanhar as escolhas de cada coordenador e tentar perceber seus

critérios de constituição do grupo. Considerei interessante que, sem exceção, escolhiam os

~ 163 ~

integrantes de suas equipes por afinidade pessoal, não resultando em algo diferente das equipes

que já estavam habituados a trabalhar.

Esclareci anteriormente à escolha que estávamos simulando a formação de equipes de

trabalho, faríamos um trabalho profissional e não um trabalho especificamente acadêmico, e

como tal eu faria a vez de um diretor escolar ou coordenador de um projeto de ensino e eles

seriam os profissionais escolhidos para um trabalho de planejamento em uma instituição

escolar. A dinâmica possibilitaria selecionarem entre os colegas os que considerassem mais

aptos à tarefa, mas considero que se processou um sistema de escolha tendendo à zona de

conforto, isto é, os coordenadores optaram por não criar atritos, escolhendo potenciais

integrantes de outras equipes, apesar de haver disponíveis pessoas mais habilidosas em

informática, com mais acesso a recursos ou que apresentassem maior entusiasmo com a tarefa.

Mas apesar disso não houve modificação do status quo vigente na turma.

A preocupação com tal formação de grupos não se deu de maneira negligente ou

despretensiosa, pois considero que a forma e composição de um grupo exerce séria influência

sobre sua produção. Importava-me a característica de composição dos agregados para distinguir

efetivamente se, ao final do percurso de estudo, disporia de grupos efetivamente envolvidos

com suas tarefas ou apenas agrupamentos que desempenhavam ações sem refletir sobre seus

significados. Minhas especulações encontraram afinidade com as considerações de Zimerman

(1997) quando este define critérios para a distinção entre grupo e agrupamento, que considero

complementar a passagem de Fiorentini & Lorenzato (2006) quando estes estabelecem a

distinção entre grupos cooperativos e colaborativos.

Para ser considerado um grupo, é preciso que exista, entre as pessoas, uma interação

social e algum tipo de vínculo, pode-se dizer que a passagem da condição de um agrupamento

para a de um grupo, consiste na transformação de “interesses comuns” para a de “interesses

em comum” (ZIMERMAN, 1997, 28). Complementarmente, reafirmo que um grupo pode ser

cooperativo quando alguns ajudam uns aos os outros (co-operam), executando tarefas cujas

finalidades geralmente não resultam de negociação conjunta do grupo, podendo haver

subserviência de alguns em relação aos outros e/ou relações desiguais e hierárquicas, enquanto

será colaborativo se as relações entre os integrantes do grupo não se apresentam hierárquicas,

havendo liderança compartilhada, confiança mútua e co-responsabilidade pela condução das

ações (FIORENTINI & LORENZATO, 2006).

~ 164 ~

Nestes termos, o desenvolvimento natural que eu esperava dos agregados de

professores, quando lhes propunha a tarefa profissional, era o da formação de agrupamentos

que transformariam interesses comuns em interesses em comum, constituindo-se enquanto

grupo que estabeleceria relações tais, que suas ações hierarquizadas cooperativas dariam lugar

às dinâmicas de condução compartilhada das decisões tornando-se, portanto, colaborativas. A

figura abaixo representa este desenvolvimento natural esperado dos grupos:

Fig. 12 – Desenvolvimento Natural Esperado de Grupos.

Esclareço que “desenvolvimento natural esperado” (fluxo de setas em cinza) não

significa “desenvolvimento real observado” (que pode coincidir com qualquer outro fluxo). Isto

porque as formações de agregados sociais podem não seguir este desenvolvimento, podendo

nunca a vir constituírem grupos. O mesmo se aplica à transformação de grupos cooperativos

em grupos colaborativos, posto que um grupo cooperativo pode nunca vir a se tornar

colaborativo. Por outro lado, podem ocorrer desenvolvimentos harmônicos em que a

constituição de um grupo se dê colaborativamente, sem que tenha em algum momento sido

cooperativo.

Para finalizar esta caracterização, chamo atenção para a possibilidade de que o

desenvolvimento apresente momentos de instabilidades que resultem em catástrofes, ilustrada,

pela regressão de um grupo colaborativo que por uma perturbação passa a atuar como grupo

cooperativo ou mesmo se desarticular de tal forma que passa a atuar como um agrupamento.

Darei especial atenção a estas situações nas análises dos grupos selecionados para investigação.

~ 165 ~

Aspectos teóricos sobre a tarefa de elaboração das sequências didáticas

Para organizar a formação e observar as concepções mobilizadas, além do tratamento

que o grupo de professores em formação inicial daria para o ensino da matemática do 1º ano do

Ensino Médio, baseei-me na Teoria Antropológica do Didático (TAD). De acordo com esta

teoria, Chevallard (1999) destaca que o papel do professor pode ser expresso em termos de tipos

de tarefas (T) acompanhadas ao menos de uma certa maneira de fazer ou técnica (τ) que

associadas definem um saber-fazer. Esse bloco prático se sustenta respaldado por um ambiente

tecnológico-teórico (ou saber) formado por uma tecnologia θ (discurso que busca justificar e

tornar inteligível a técnica) e uma teoria Θ que justifica e esclarece essa tecnologia. Esse

sistema, de acordo com o autor, constitui uma organização praxeológica (ou praxeologia)

[T/τ/θ/Θ] que articula um bloco prático-técnico П=[T/ τ] ou práxis (saber-fazer) e um bloco

tecnológico-teórico Λ=[θ/Θ] ou logos (saber)73.

Para Chevallard (1997) o sistema de tarefas do professor se deixa evidenciar por meio

de dois grandes componentes, a saber: as organizações matemáticas (OM) e as organizações

didáticas (OD). A primeira é uma organização praxeológica matemática que se constitui em

torno de um ou mais tipos de tarefas matemáticas, mais ou menos bem identificadas, que

solicitam a mobilização de uma ou mais técnicas matemáticas, mais ou menos adaptadas e mais

ou menos justificadas por tecnologias matemáticas mais ou menos sólidas, desenvolvidas no

quadro de uma teoria matemática mais ou menos explícita. Em particular, uma praxeologia

matemática deve ser entendida como uma organização matemática que, ao ser vivenciada em

sala de aula, deve possibilitar aos alunos atuarem com eficácia na resolução de problemas e, ao

mesmo tempo, compreenderem o que fazem de maneira racional. De uma maneira simplificada,

podemos dizer, neste caso, que o que aprendemos e ensinamos em uma instituição educacional

são praxeologias matemáticas.

Neste sentido, uma das ideias essenciais da TAD que busquei elucidar nas dinâmicas

junto aos professores, foi a de que constitui uma tarefa docente determinar as OM que devem

ser estudadas pelos alunos, definindo para cada uma delas seu conteúdo, os tipos de tarefa

matemática necessários ao estabelecimento de uma boa relação com o conteúdo e ainda o grau

73 Na perspectiva antropológica, não existe uma práxis que não seja acompanhada por um logos, mesmo se, a partir

da posição que ocupa o observador (professor diante das praxeologías dos estudantes, pesquisadores face as

praxeologías professorais, cidadãos diante praxeologías de proletários, etc.), esta parte tecnológica-teórica pareça

estar ausente, ou porque ela não se faça visível ou seja mal visível (CHEVALLARD, 2009).

~ 166 ~

de desenvolvimento que deve ser dado aos componentes técnico, tecnológico e teórico. Outra

função do professor discutida, foi a de que lhe cabe conduzir a reconstrução desta OM na classe

por meio de uma OD.

As orientações presentes no trabalho em grupo, perspectivando a construção de uma OD

pelos professores em formação inicial, também se justificam pela necessidade de iniciar os

colaboradores na discussão do problema da desarticulação que se manifesta em organizações

matemáticas que apresentam pouca ou nenhuma conexão interna e ausência de conexões

objetivas com outros tópicos matemáticos.

Sobre isso, Andrade (2012) observou, em seus estudos sobre dispositivos didáticos, que

o problema das conexões internas se deve às organizações matemáticas propostas para o ensino

básico apresentarem praxeologias pontuais que aparecem totalmente desarticuladas, isto é,

desconectadas em temáticas que surgem em momentos diferentes do ensino. Isso lhe levou a

propor que um dispositivo viável ao tratamento da desarticulação seria a articulação de tarefas

fundamentais74, integradas dinamicamente entre si em níveis crescentes de complexidade.

Ainda segundo este autor, os problemas da desarticulação temática estão relacionados à

complexidade do currículo, à formação e prática docentes, ao autismo temático do professor,

ao uso de metodologias de resolução de problemas e da modelagem matemática do ensino (p.

12).

Para dar a compreender aos professores em formação inicial a existência desta

problemática, bem como viabilizar a aprendizagem epistemológica e didática investigativa

sobre objetos matemáticos e objetivos da docência, propus que os grupos de professores

questionassem suas respectivas temáticas e expusessem uma OD que levasse em conta o

problema da desarticulação por meio da proposição de tarefas que retomassem os conteúdos

antigos, inclusive os estudados em etapas educativas anteriores, questionando possibilidades de

desenvolvimento de tarefas articuladas em organizações matemáticas e didáticas de

complexidade crescente.

O trabalho de estudo realizado pelos grupos foi o de, principalmente, realizar as tarefas

de descrever e analisar organizações matemáticas para as quais se pudesse construir em uma

classe de matemática em que se estuda um tema θ, organizações didáticas que pudessem ser

postas em prática em uma classe de matemática em que se estuda o tema θ. Constitui, portanto,

74 Segundo Andrade (2012) as tarefas fundamentais constituiriam um conjunto de tarefas que devidamente

articuladas dariam sentido a construção de um objeto, tomando por referência uma dada organização matemática.

~ 167 ~

uma aprendizagem docente neste processo de estudo, a mudança de relação dos sujeitos para

com o tema θ, situadas no desenvolvimento de tipos de tarefas como observar, descrever,

analisar, avaliar, desenvolver e construir colaborativamente com os outros integrantes do

grupo as componentes técnicas, tecnológicas e teóricas das praxeologias consideradas. Neste

sentido, Chevallard (1999, p.230) salienta que,

En lo que sigue, el tipo de tareas T1, (la observación) será poco o mucho neutralizado

por el recuso a unos corpus simplesmente invocados de datos de observación ya

constituídos. Los tipos de tareas T3 (la avaluación) y T4 (el desarrollo), sobre los que

volveremos, estarán em el horizonte del trabajo más que em su interior. Em el centro

del trabajo, se situará, pues el tipo de tareas T2 – la descrición y el análisis de ciertos

objetos O relativos a las práticas de enseñanza.

Tais tarefas suscitam que eu retome o foco que me motivou a destacar o diálogo junto

aos professores em formação, pois devo esclarecer que minha preocupação, tanto no momento

que discutia o tema em sala, como agora, é o de que o professor deve considerar sua relação

com o saber como algo significativo no processo de ensino, ou seja, um tema proposto θ será

tão mais adequado aos alunos quanto forem suas condições de existência no contexto em que

este é proposto, contudo, antes de supor as incapacidades dos alunos em lidar com determinada

questão, deve o professor realizar um estudo pormenorizado que o leve a construção de uma

organização matemática OM que lhe auxilie epistemologicamente na discussão dos objetos

matemáticos com estes.

Reconhecer a importância disso e agir desta forma, demonstraria por parte dos

professores, uma aprendizagem matemática em relação à OM e uma aprendizagem didática em

relação à OD. Nestes termos, “ensinar”, para o professor, é criar condições que facilitem a

produção de um saber entre os alunos. E “aprender”, para o aluno, é se engajar numa

atividade intelectual, pela qual se produza a disponibilidade de um saber com seu duplo

estatuto de ferramenta e objeto75 (DOUADY, 1993, p. 4).

O processo de transformação ou desenvolvimento de um conceito matemático da

qualidade de objeto para o de ferramenta de auxílio à construção de novos conhecimentos

constitui uma temática complexa que demanda diálogo com outros elementos que não serão

expostos neste trabalho. A dialética ferramenta-objeto, embora constitua um tema altamente

75 Compreender esse duplo estatuto do saber matemático é entender que determinado conceito ou representação

matemática é considerado ferramenta quando se focaliza interesse no uso que está sendo feito dele para resolver

um problema, e essa ferramenta pode ser adaptada e utilizada em outros problemas diferentes (MARANHÃO,

2008).

~ 168 ~

relevante, destoa do foco de minha pesquisa, ao que retomarei a discussão das contribuições

empíricas das dinâmicas dos grupos GT1 e GT2 ao estudo dos processos de aprendizagem

docente, que aqui defino por meio da análise de situações.

Situação 1 – As primeiras reuniões de orientação do grande grupo

Depois da divisão das equipes, iniciei com os professores um diálogo esclarecendo

alguns princípios da didática da matemática francesa orientado por um roteiro de investigação

que preparei para a ocasião (vide apêndice 1). Dentre as reflexões subsequentes uma situação

que me chamou a atenção é expressa pelo seguinte diálogo:

Orientador: Tarefas não são exercícios, as tarefas fundamentais elaboradas

para a construção de um objeto matemático devem se alinhar de acordo com

níveis progressivos de complexidade, os exercícios são fundamentais para

tornar rotineiros cada um dos aspectos do objeto em construção. Isso me lembra

de que devemos ter cuidado com certas preconcepções em nossas construções

de aula. Quem já está em sala de aula pode até se influenciar por isso. Olhar

para uma questão e dizer “meu aluno não consegue resolver isso!”. Ou seja, já

se está preconcebendo a existência de um aluno que não vai dar conta de

resolver aquela coisa.

Sena: Tivemos uma experiência semelhante a essa em sala de aula pelo PIBID.

O professor chegou p’ra gente e disse: “- Olha, tu não passas esse assunto desse

e desse jeito que os alunos não vão aprender! Pega bem mais leve que eles são

desse jeito!”. Então a gente teve que “pegar mais leve”!

Orientador: Eu vou te dizer que este é um saber empírico do professor. O que

está por trás disso? A tradução disso? Talvez para ele [professor] os alunos

pareçam “fracos”, e se você chegar com uma questão complexa eles [alunos]

não vão aprender. Mas a história de vida dele [professor], as tentativas e

experiências que já teve, mostraram que existe uma sequência lógica de serem

apresentados os trabalhos. Esse nível progressivo de complexidade eles

percebem, mas atribuem isso à capacidade de assimilação dos alunos e não ao

saber matemático. (Fragmento de transcrição de vídeo de encontro de

orientação, 05/03/12)

O diálogo acima encerra o que considero uma “ideia chave” para explicar minha opção

pela didática francesa como referencial de nossa experiência de reflexão sobre o planejamento

das aulas de matemática. Isto porque penso que deva ser debatida, no âmbito da formação de

professores de matemática, a questão das relações do professor com seus alunos e do professor

com a construção do saber matemático para/na/sobre a sala de aula.

~ 169 ~

Quando recorro a Brousseau (1996) tenho o indicativo de que uma das propostas mais

significativas da didática da matemática para tratar dessas relações é a de fazer com que os

alunos vivenciem momentos de investigação semelhantes ao dos cientistas.

Saber matemática não é apenas aprender definições e teoremas, a fim de reconhecer

as ocasiões em que eles podem ser utilizados e aplicados; sabemos perfeitamente que

fazer matemática implica resolver problemas. Não se faz matemática simplesmente

resolvendo problemas, mas por vezes esquece-se que resolver um problema é apenas

uma parte do trabalho; encontrar boas questões é tão importante como encontrar

soluções para elas. Uma boa reprodução pelo aluno de uma atividade científica exige

que ele aja, formule, prove, construa modelos, linguagens, conceitos, teorias, os

troque com outros, conheça aqueles que são conformes à cultura, retire desta, aqueles

que lhe são uteis, etc. (p. 37-38)

Para tornar possível uma atividade deste tipo, o professor deve imaginar e propor aos

seus alunos situações que eles possam viver e nas quais os conhecimentos apareçam como

resultado dos problemas propostos, resultado este que os alunos podem descobrir. O trabalho

do professor nesse processo é, em certa medida, inverso ao do investigador, pois tem a tarefa

de produzir uma recontextualização e uma repersonalização dos conhecimentos (BROSSEAU,

1996). Cada conhecimento deve surgir de uma adaptação a uma situação específica, mobilizada

por bons problemas e o professor deve simular com os alunos micro sociedades científicas76

para realizar debates e construir linguagens que serão os meios pelos quais dominarão a situação

e formularão soluções para os problemas.

Seguindo com as atividades de introdução à tarefa do que àquela altura supunha

constituir um percurso de estudo e investigação, discutimos por mais dois encontros, alguns

princípios sobre o papel do professor no século XXI77e noções sobre a epistemologia da didática

da matemática francesa. A dinâmica de leitura dialogada, em que cada integrante teve a

possibilidade de destacar os pontos que considerava relevante nos textos, me pareceu

promissora, pois os professores em formação me indicaram reflexões pertinentes sobre os

encaminhamentos para tornar suas aulas mais dinâmicas, tais como o que segue:

(...) sobre o texto78foi de suma importância o modelo proposto para o aluno,

basicamente a maioria dos modelos já estão prontos como ele [Orientador]

76As micro sociedades científicas estão aqui presentes no mesmo sentido de grupos de estudo, comunidades de

estudo ou comunidades investigativas e diz respeito, em específico, aos grupos de professores em formação deste

trabalho. 77 Trabalhamos o texto Formação de Professores de Matemática para o Século XXI: o grande desafio de

D’Ambrósio B (1993) e o texto Epistemologia, Didática da Matemática e Práticas de Ensino de D’Amore (2007). 78 Referia-se ao Texto de D’Ambrósio B (1993).

~ 170 ~

citou o da conta de luz que não é tão interessante para o aluno, que as

investigações teriam que ser novas, e que quando procurarmos usar a

modelagem matemática temos que ter aqueles [modelos] que ainda não estão

pré-definidos. (FIGUEIREDO, Diário de 06/03/12 – Grifos meus)

Figueiredo considerou importante nossa discussão sobre a diferença entre modelos pré-

definidos e modelos construídos a partir de dinâmicas de investigação realizadas pelos alunos.

No texto estudado, D’Ambrósio B (1993) encerra um conjunto de críticas à crença

erroneamente difundida de que a Matemática seja uma disciplina com resultados precisos e

procedimentos infalíveis, cujos elementos fundamentais são as operações aritméticas,

procedimentos algébricos e definições e teoremas geométricos. Dessa forma o conteúdo seria

fixo e seu estado pronto e acabado, tornando-a uma disciplina fria, sem espaço à criatividade.

A reflexão sobre os modelos é pertinente e evidencia uma aprendizagem do tipo

reflexividade crítica sobre a realidade de Figueiredo sobre leitura de contexto, pois a pretexto

de se estar realizando modelagem matemática com os alunos, muitos professores têm proposto

atividades de leitura e identificação de dados numéricos em boletos de contas de água ou

energia elétrica, e divulgam tais procedimentos como se de fato houvessem construído os

modelos com os alunos, quando muito explicitavam um modelo pré-estabelecido nos boletos.

O problema deste procedimento não reside, necessariamente, na semântica de se estar

modelando ou não, mas nas restrições à construção criativa de conhecimentos pelos alunos

nesse tipo de proposta.

A manifestação de compreensão sobre a necessidade das dinâmicas de ensino da

matemática abre perspectivas para o questionamento dos dados disponíveis em um fenômeno

específico se as atividades se derem por meio da investigação, desenvolvimento do raciocínio

lógico e argumentativo dos alunos, valorizando assim a criatividade e admitindo as estratégias

pessoais destes na resolução dos problemas propostos. Compreender isso expressa mais uma

aprendizagem docente segundo as demandas da atualidade. Contudo, este olhar diferenciado

sobre a ação docente, embora não se apresente por um discurso relativamente novo79, ainda

surpreende os professores em formação inicial. Como é possível destacar na seguinte produção

textual:

O interessante desse texto é que a autora visa muito o lado do professor, ao

contrário do que estou acostumado a ver na Universidade, em que o

79 O texto do estudo é de 1993.

~ 171 ~

aprendizado do aluno é o mais visado, sendo que é perceptível em todo o texto

que se trata de expor as atuais propostas para um ensino mais significativo para

a disciplina matemática, sendo que para isso o professor deva ter uma nova

visão sobre o que vem a ser realmente o ensino dos objetos matemáticos, e

ressalta também que essa visão já deve estar presente na formação dos novos

professores. (LEITE, Diário de 08/03/12)

Leite expressa em seu relato uma reflexão interessante, pois pondera o fato de se deparar

com um material que apresenta um olhar sobre a Educação Matemática a partir da perspectiva

do professor, diferentemente do que estava habituado, certamente por suas leituras pregressas

focarem os processos de aprendizagem dos alunos e não dos professores. Relativamente a sua

percepção e significação do fato presente na narrativa em seu diário, Leite expressa uma

reflexividade crítica da realidade importante, pois passa a reconhecer que os textos de

formação se diferenciam entre si e destacam focos de interesse também diferenciados, neste

caso em específico o texto dialoga com o leitor sob a perspectiva da formação docente e não da

formação dos alunos.

Embora altamente significativa, considero essa aprendizagem tardia em relação a

experiência perceptiva acerca da existência dos textos que refletem sobre a formação e a prática

dos professores de matemática. Isso se deve, de certo modo, à constituição curricular do curso

de licenciatura em matemática de nossa instituição, visto que continua apresentando resquícios

do modelo já superado no formado “3+1”80, isto é, inicia-se o curso com disciplinas “teóricas”

e só se trabalham as disciplinas “práticas” a partir do sexto e sétimo semestres.

Um diferencial do currículo do curso de licenciatura em matemática da UEPA é a

introdução de disciplinas consideradas didático-pedagógicas desde o início do curso, porém que

são geralmente trabalhadas do ponto de vista teórico, com foco acadêmico, e pouca ou nenhuma

articulação com a prática. Apesar de os pibidianos81 já terem a esta altura trabalhado diversos

textos e realizado algumas dinâmicas de grupo com vistas à atuação docente, estes professores

em formação constituem um grupo extremante restrito, de número pouco significativo em

relação ao quantitativo de professores que graduamos anualmente na instituição.

80 Modelo em que a formação dos professores para atuação nos anos finais do ensino Fundamental e do ensino

Médio em que se outorgava o título de Bacharel em Matemática àqueles que realizassem estudos por três anos de

conteúdos específicos, e poderia atuar com título de Licenciado caso cursasse mais um ano de estudos envolvendo

fundamentos e teorias educacionais (CARVALHO, 2012). 81 Chamo assim os bolsistas do PIBID.

~ 172 ~

O destaque de Leite sobre o texto, expressando a necessidade de que uma nova visão

sobre o ensino dos objetos matemáticos já esteja presente na formação dos novos professores,

é pertinente. No entanto, pode ser considerado insuficiente se os professores das disciplinas

específicas não participarem das reflexões sobre a prática profissional conjuntamente com os

professores das disciplinas didático-pedagógicas. Esta é uma preocupação comungada por

outros professores em formação, como destaco a seguir:

É difícil achar uma finalidade, por exemplo, para a resolução de uma integral

no ensino básico. Nossos professores de disciplinas específicas não nos ensinam

isso. Não nos deram a entender cálculo diferencial, derivada, integral,

problemas de análise real e teoria dos números para nossa aplicação nos

ensinos Médio e Fundamental. (SENA, Recorte da Entrevista)

Ao ser questionado sobre a contribuição dos professores das disciplinas específicas a

sua formação como professor de matemática, Sena expressa com certa apreensão que a

participação dos professores de disciplinas específicas em sua constituição como docente lhe

propiciou pouca compreensão. Isso corrobora minha preocupação institucional com a formação

destes jovens professores, visto que os exemplos fornecidos pelo entrevistado expressam temas

da matemática que, se trabalhados numa perspectiva de formação docente integral, como

defende D’Ambrósio B (1993), seriam extremamente esclarecedores a certos questionamentos

do nível médio de ensino como, por exemplo, a compreensão do conceito de variável,

características dos conjuntos numéricos, cálculos de fórmulas e justificação de procedimentos

e técnicas.

O investimento na preparação dos professores para um diálogo com perspectiva de

construção de uma organização matemática para algumas temáticas do Ensino Médio foi

recompensado, pois além das reflexões já destacadas o grupo se apresentou bem dinâmico e

questionador. Este passo inicial foi dado segundo o que tinha planejado, atingindo o objetivo

de reunir o grupo em torno de reflexões, situando-os diante das novas conceituações e posturas

de ensino, e relação docente com o saber situado e que precisa ser apresentado aos estudantes

de maneira não arbitraria.

~ 173 ~

Situação 2 – As orientações em subgrupos

O propósito da experiência não foi, necessariamente, o de defender o potencial da

Organização Matemática (OM), expressa como uma sequência de tarefas articuladas82 em

nível crescente de complexidade, como um dispositivo viável para abordar a problemática da

desarticulação dos temas matemáticos no currículo, mas o de tomar o processo de estudo

investigativo subjacente à explicitação desta organização como potencializador da construção

de uma compreensão pelos professores em formação sobre os problemas da docência.

Perspectivei, portanto, o desenvolvimento de um processo de estudo e investigação em que os

professores revissem suas relações com o saber matemático.

Motivado, inicialmente, pela complexidade de um PER (Percurso de Estudo e

Investigação)83, que me esteve próximo pela formação que obtive no curso doutoral, organizei

os grupos de trabalho e iniciamos as investigações. Mas evidenciei, porém, com a prática junto

ao grupo de professores, que efetivamente mobilizamos um AER (Atividades de Estudo e

Reflexão)84. Isto porque as atividades reflexivas do grupo acabaram por introduzir os

professores em dinâmicas de questionamento do saber, procurando estabelecer situações em

que pudessem pôr em curso um processo de construção de relação com uma OM capaz de

responder a certas problemáticas do ensino, tomando-se por base um currículo prescrito e não

a própria construção curricular como preconiza o PER.

Alguns aspectos desta compreensão passam a ser destacados a partir da seguinte

situação recortada dos primeiros diálogos de orientação do GT1 alguns dias depois dos

encontros e discussões dos textos de orientação geral.

Orientador – O que vocês avançaram nas discussões do trabalho de vocês?

Sena – O que a gente avançou mais foi com o levantamento bibliográfico. A

gente ficou procurando por referências.

Orientador – E vocês entenderam a proposta de levantar questões sobre o tema?

Ss1 – Não. Entendemos uma coisa totalmente diferente.

Sena – Entendemos que era para preparar uma aula sobre função.

Orientador – Isso é natural, vocês estão em conflito entre o que estão

acostumados a ver ou fazer com o que propõe a didática da matemática. Então antes de vocês apresentarem [um conteúdo] para o aluno é preciso construir

82 As tarefas articuladas seriam tarefas potencialmente geradoras de outras tarefas que de modo articulado

expressam uma escolha epistemológica na construção de uma organização matemática sobre um objeto

matemático. 83 No original Parcours d’Étude et de Recherche (PER). 84 No original Activité d´Enseignement et d´Étude (AER).

~ 174 ~

uma epistemologia intermediária, ou seja, o que desse conhecimento a gente

precisa apreender para o ensino? E como é que fazemos para ensinar

determinados objetos matemáticos para o aluno?

Leite – Então é assim: primeiro a gente vai fazer um trabalho totalmente teórico;

ai dentro dessa teoria ...

Orientador – Ele não deve ser pensando totalmente teórico.

Ss2 – Não, mas colocando assim: primeiro vamos tratar totalmente da teoria;

depois de a gente ter isso em mente, vamos traçar os passos que a gente vai

colocar em prática para passar para os alunos; então essa parte seria a prática.

Orientador – Se tu queres enxergar assim. Mas ela não deveria ser enxergada

assim. Quando tu pensas em uma transposição, mesmo que para ti, ela não é

somente teórica, ela também é prática para ti. Vocês conseguem compreender?

Sena – É um pensamento visando uma prática. Visando o nosso ensino.

Orientador – Ééé...!? [Como que não concordando totalmente]

Sena – No caso a gente não vai usar aquela ferramenta naquele momento, mas

é uma transposição do teórico p’ro nosso prático. Para que depois haja essa

prática de fato.

(Fragmento de transcrição de áudio de encontro de orientação, 13/03/12)

A situação registra um estado inicial do grupo de professores que se reúne com a

perspectiva de refletir sobre um objeto matemático com fins ao seu ensino. A tarefa de

questionarem o saber matemático sob um ponto de vista epistemológico se apresentou inédito

ao grupo, bem como o modo de pensar complexo e sua característica intrínseca de

indissociabilidade entre teoria e prática. A lógica de organizar o ensino concebendo-o como

dois momentos distintos em que primeiro se apreende a teoria e depois se procede à prática

expressa um pensar baseado na pedagogia tradicional (DEWEY, 2011) e ratificado pelo modelo

da racionalidade técnica (SCHÖN, 1992).

O modo de pensar o ensino dos objetos matemáticos enquanto teoria que se aplica,

expresso pelos professores do GT1, é resultado de um processo conhecido como simetria

invertida às avessas. Esse processo redunda de uma inversão do que prevê as Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (Parecer

CNE/CES 09), de maio de 2001, sobre o desenvolvimento das competências docentes pela

simetria invertida. Segundo as Diretrizes Curriculares, pelo fato de o futuro professor ser

preparado em um lugar similar ao que irá atuar, demanda que haja coerência entre o que é

experienciado como aluno durante a formação e o que se espera de sua prática como docente.

Sob esta ótica, o formando deveria adquirir no curso de licenciatura, entre outros recursos, tanto

as competências requisitadas pelo exercício da profissão quanto as que seus alunos deverão

dominar quando concluírem a educação básica.

~ 175 ~

Percebo, porém, que em virtude de os professores em formação terem mantido relações

durante a formação inicial com muitos professores que não tinham por hábito focar seu trabalho

didático e metodológico em processos reflexivos e de reconhecimento da epistemologia dos

saberes com que lidam, estes professores em formação inicial acabam por expressar um

habitus85 inadequado às complexidades atuais da educação, e aprendem o que não deveriam

fazer em sala de aula.

Esclareço, portanto, que não é pertinente atribuir responsabilidade aos professores do

GT1 por suas manifestações iniciais sobre o ensino como aplicação da teoria; isto porque

estavam, talvez pela primeira vez em suas vidas, deparando-se com o questionamento do saber

que pretendem ensinar. Estiveram por muito tempo expostos a uma sujeição histórica de

percepção dicotômica da teoria em relação à prática (CANDAU & LELIS, 1983). Como já

discuti neste trabalho, essa ótica considera a teoria e prática como polos associados em que a

teoria tem primazia em relação à prática e esta é aplicação daquela (PIMENTA, 2006b). Urge,

a partir dessas reflexões, retificar essa visão dicotômica em prol de uma perspectiva de

totalidade, de unidade. Com este intuito discutimos em nosso encontro sobre a

indissociabilidade entre teoria e prática, fundamentando-nos no que Pimenta (2006b)

interpretando Vásquez (1968) definiria como práxis, isto é, toda atividade teórico-prática tem

um lado ideal, teórico, e um lado material, propriamente prático, com a particularidade de

que só artificialmente, por um processo de abstração, podemos separar, isolar um do outro

(p. 241).

Em relação a isso Chevallard (1999) introduziu a noção de praxeologia, em que

qualquer estrutura possível de atuação e conhecimento, isto é, que toda atividade humana, pode

ser descrita como a ativação de praxeologias e que qualquer prática ou “saber-fazer” (toda

práxis) é sempre acompanhada de um discurso ou ‘saber” (um logos); isto é, uma descrição,

uma explicação ou uma racionalidade mínima sobre o que é feito, como se faz e porque se faz.

Nesse sentido, a conclusão a que chego assemelha-se a de Fávero (1992), isto é, que ninguém

se tornará profissional apenas porque sabe sobre os problemas da profissão, por ter estudado

algumas teorias a respeito, mas, sobretudo, comprometendo-se profundamente como construtor

85 Segundo Bourdieu (1984) o habitus atua como a mediação entre as relações objetivas e os comportamentos

individuais e “torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas

de esquemas, que permitem resolver os problemas da mesma forma”. A prática, dessa perspectiva, é considerada

o resultado da relação dialética entre uma situação e um habitus, o que inviabiliza enxergá-la como mera execução

das imposições da estrutura objetiva ou como produto das deliberações autônomas do indivíduo.

~ 176 ~

de uma práxis. Com esse espírito o grupo partiu para a discussão do que entendia ser uma

construção praxeológica.

Na orientação do segundo grupo (GT2), ocorrida na sequência do encontro com o GT1,

novas questões foram levantadas, agora acerca da proposição de uma organização para o ensino

de funções exponenciais e logarítmicas. A equipe fora formada por três de nossas colaboradoras

do GCEM e duas colaboradoras secundárias (Ss3 e Ss4). A situação expressou diálogos

relevantes sobre a perscrutação do objeto de ensino, conforme destaco a seguir:

Orientador – E ai, o que vocês fizeram?

Queiroz – A gente se “bateu” mais com os conceitos de construção de uma

sequência dos conceitos de exponencial e conceitos de “log”. Até ontem

estudamos mais o conceito de “log”, pois a gente “não ia muito com a cara

dele”, mas a partir de ontem a gente entendeu um pouco mais.

Orientador – Mas dentro do que foi possível estudar, o que vocês fizeram?

Queiroz – A gente se perguntou, “- Por que estudar ‘log’?” E a gente encontrou

algumas razões. Por exemplo, ele pode ser usado em outras disciplinas, como

na biologia, na física e na química também.

Orientador – Mas o que é “log”?

Soares – Quando a gente estava discutindo a gente se fez essa pergunta, ai a

Queiroz falou se não poderíamos usar uma tendência para explicar isso.

Queiroz – Mas o problema é: Qual a importância explicativa para ensinar

“log”? A gente quer saber isso!

Orientador – Vocês estão pensando em alunos, e a relação de vocês com o

saber? E vocês com o objeto? Qual o procedimento de segurança? Eu não posso

ensinar algo que não sei. O procedimento de segurança seria: “O que é esse

objeto p’ra mim?”.

Ss3 – É complicado, pois acho que todas aqui, sem exceção, não gostam de

“log”!

Orientador – Ahá! Não gostam porque ele nos é estranho ou porque nós não o

compreendemos?

Ss4 – Porque não o compreendemos.

Ss3 – Não, a gente não gostava. Só que é complicado do jeito que o senhor

pergunta: “Porque e para que ensinar?”. Essa é a parte mais difícil, porque a

gente é acostumada a chegar lá e dizer, “‘log’ é isso e se resolve assim!”, e é

bom que o aluno nem pergunte “por quê?” nem “para que?”. Isso é uma coisa

muito além do que a gente estudou.

Orientador – Vejam! Se eu não conhecer a “Silva” não saberei quem ela é, nem

suas potencialidades. Ai chega a Ss4 e me fala da “Silva”, então o que sei sobre

ela é por meio de alguém intermediário, eis ai o livro didático. Só terei como

saber mais sobre a “Silva” a partir do momento que a conheço e lhe faço

questionamentos para avaliar suas potencialidades e ela manifestar certas

propriedades que vão me dizer se ela é “bacana”. É assim que a gente vai olhar

o objeto...

~ 177 ~

Ss4 – A gente está dando mais atenção ao aluno do que à gente. Pensando na

cabecinha dele, como vamos convencer o aluno do ensino médio sobre “log” se

não estamos convencidas?

Queiroz – Até agora nenhum professor me convenceu! Por exemplo, qual o

sentido de ensinar “log” no cálculo de um terremoto?

Ss4 – O convencimento é que vai cair no vestibular!

Soares – Como a Ss4 falou. Se o aluno não tiver interesse pelo vestibular as

coisas pouco importam!

Queiroz – Eu vi no ensino médio o “log” na química, na biologia, mas tudo de

modo diferente.

Orientador – E vocês não consideram esse um motivo mais que suficiente para

“ele” estar “morando” lá no ensino médio? Por exemplo, para descobrir a

acidez ou alcalinidade de um composto?

Queiroz – Mas essa é a única forma de encontrar essa acidez? Preciso do “log”

p’ra isso?

Orientador – Então existe outro meio? Boa pergunta a de vocês. Então, os

problemas resolvidos por “log” possuem outra forma de resolvê-los? Parece-

me uma questão relevante. Que outras questões vocês levantaram?

Queiroz – Consideramos também a questão dos conhecimentos prévios dos

alunos, aqueles que eles trazem do ensino fundamental para o primeiro ano [do

Ensino Médio]. Conhecimentos que deem uma continuidade para a exponencial

e o logaritmo.

Ss3 – Para a gente ensinar “log” e exponencial é preciso resgatar o

conhecimento de potência, o que é uma base, etc. Não é isso?

Queiroz – Pensando na sequência didática a gente verá potência, propriedades

de potência, equação exponencial, valores e gráficos, vamos trabalhar o porquê

de trabalharmos uma coisa depois da outra. Não é isso?

Orientador – É mais ou menos nestes termos.

(Fragmento de transcrição de áudio de encontro de orientação, 13/03/12)

Nossa relação de diálogo foi aberta, franca e objetiva. As colaboradoras expuseram

neste ambiente uma verdadeira postura colaborativa. As integrantes estavam afinadas umas

com as outras, discutiram previamente à reunião e debateram sobre seus questionamentos e

sobre o objeto em estudo. Suas relações, posturas e instrumentos de investigação definiram um

contorno propício ao avanço da pesquisa em grupo. Expressando já nesta primeira reunião,

mesmo que sutilmente, algumas tipologias de aprendizagem docente como a curiosidade

epistemológica e didática do conteúdo em “qual a importância explicativa para ensinar

‘log’?” ou em “Mas essa é a única forma de encontrar essa acidez? Preciso do “log” p’ra

isso?” e sensibilidade ecológica e domínio didático-pedagógico do currículo e do ensino da

matemática, respectivamente, quando expressam que “Consideramos também a questão dos

conhecimentos prévios dos alunos, aqueles que eles trazem do ensino fundamental para o

primeiro ano [do Ensino Médio]. Conhecimentos que deem uma continuidade para a

~ 178 ~

exponencial e o logaritmo” e “Pensando na sequência didática a gente verá potência,

propriedades de potência, equação exponencial, valores e gráficos, vamos trabalhar o porquê

de trabalharmos uma coisa depois da outra”.

A temática discutida girou, basicamente, em torno da necessidade de uma maior

aproximação do grupo e o objeto de estudo. Inicialmente identifiquei, mais uma vez, o princípio

da simetria invertida, agora operando sobre a visão das professoras que afirmaram que haviam

cogitado um olhar sobre a metodologia em detrimento de uma maior atenção ao objeto de saber,

isto é, quando afirmaram “se não poderíamos usar uma tendência para explicar isso”,

admitiram que não estivessem de início focando o objeto, mas a metodologia que utilizariam

durante a exposição desse saber. O princípio da simetria invertida retrata neste caso um habitus

adquirido pela observação de procedimentos clássicos86 de exposição dos objetos matemáticos

- “a gente é acostumada a chegar lá e dizer, ‘log’ é isso e se resolve assim!”-, afastando-as de

um processo que Brousseau (1996) denomina de trabalho do professor, que seria, em certa

medida, inverso ao do investigador, uma vez que este tem de produzir uma recontextualização

dos conhecimentos, ou equivalentemente, para tornar mais fácil o seu ensino, isola

determinadas noções e propriedades do tecido de atividades em que elas tiveram a sua

origem, o seu sentido, a sua motivação e a sua utilização transpondo-as para o contexto

escolar87 (p. 36).

Além disso, professar interesse pelas ditas tendências da Educação Matemática, sem

prévia perscrutação do objeto matemático em sua relação matemática e extramatemática no

contexto de ensino, pode vir a gerar o que conhecemos por problema da investigação, em que

sabemos não haver garantia de transferência automática de um sólido conhecimento da teoria

matemática para a capacidade de resolver problemas matemáticos não-rotineiros (NISS, 1999,

p.21), isto é, tendências como a resolução de problemas e a modelagem matemática –

amplamente difundidas no meio acadêmico e escolar atualmente - , têm de apresentar objetivos

explícitos de ensino e aprendizagem, de outro modo, restritos apenas ao nível temático, podem

dar lugar à construção de organizações matemáticas pontuais e isoladas.

86 Tais procedimentos refletem os modelos docentes teoricista e tecnicista que são duas formas de materializar o

que poderíamos chamar de “modelos docentes clássicos”, muito simplistas e fortemente arraigados na cultura

comum, segundo a qual o processo de ensino é um processo mecânico e trivial, totalmente controlável pelo

professor (GASCÓN, 2001, p. 5 – tradução minha). 87 A esta operação do professor chamamos transposição didática.

~ 179 ~

Es puntual en la medida que se considera un sistema aislado, geralmente de natureza

extramatemática, sobre el que el alumno tiene que trabajar para construir un modelo

que lo represente, obteniendo algún tipo de conclusión que tendrá que ser confrontada

de nuevo con la situación original. Construido este modelo, el sistema ha perdido todo

su interés, el modelo pasa a formar parte del patrimônio matemático del alumno y

comienza un nuevo proceso no necessariamente vinculado con el anterior. (BOSCH,

et al, 2006, p. 46)

Associado ao problema temático está o problema de origem disciplinar. Esse tipo de

investigação se formula de maneira independente do conhecimento matemático e seus

diferentes níveis de estruturação (áreas, setores, temas). Devemos, pois, combater este paradoxo

em que o estudante deve desenvolver competências modeladoras através de atividades

concretas que assumem uma determinada subdivisão da matemática escolar que não se

considera problemática. Trabalhamos na perspectiva de investigações que se situem em níveis

intermediários (áreas, setores) e que abarquem diferentes áreas e setores da matemática,

possibilitando a articulação entre eles, como recomenda Bosch et. al. (2006).

As afirmações das professoras não são eleitas arbitrariamente, mas estão associadas a

argumentos que abarcam certos pressupostos justificativos e interpretativos presentes em certas

técnicas situadas nas instituições onde tiveram lugar o seu ensino, a formação como professoras

que têm recebido, os conhecimentos e crenças e as suas múltiplas sujeições a diferentes

instituições (escolares, científicas, culturais, ...) (BOSCH & GASCÓN, 2001). Afirmações

como “a gente não ia muito com a cara dele”, “acho que todas aqui, sem exceção, não gostam

de ‘log’” ou “isso é uma coisa muito além do que a gente estudou” refletem uma convivência

com o saber (logaritmo) de pouca afinidade, ou porque não dizer, de pouca afetividade

(CHACÓN, 2003). Esse tipo de manifestação, como havia expressado na introdução deste

trabalho, pode ser compreendido pela análise do que ocorre nas relações de sala de aula em um

contexto pedagógico tradicional, em que se valoriza a aprendizagem pela aquisição de

princípios, habilidades e regras de conduta estáticas, de concepção de produto cultural acabado

que deve ser transmitido às gerações futuras exatamente como se fez no passado – “e é bom

que o aluno não pergunte ‘por quê?’ nem ‘para que?’”.

Contudo, as professoras demonstram uma superação dessa lógica reprodutivista inicial

quando expressam preocupações docentes legítimas ao levantarem questões como: “Por que

estudar ‘log’?”, “qual o sentido de ensinar ‘log’ no cálculo de um terremoto?”, “preciso do

‘log’ p’ra isso?”. O gênero das questões pontuadas hegemonicamente por Queiroz condiz com

o conceito de problemática proposto por Chevallard (1991) que a situa como o conjunto de

~ 180 ~

questões às quais um determinado saber busca responder. Estas questões reposicionam a

investigação que antes se concentrava no aluno para um modelo de investigação (Research

Model) que supostamente determina o comportamento e conhecimento do professor em sala de

aula, para o qual devemos levar em consideração, segundo Bosch & Gascón (2001), três

aspectos fundamentais: o conhecimento do conteúdo matemático, o conhecimento pedagógico

dos métodos de ensino, e o conhecimento dos mecanismos mediante os quais os alunos

entendem e aprendem um conhecimento particular. Ainda segundo os autores são também

importantes, para o desenvolvimento do Research Model, considerarmos as crenças dos

professores e suas atitudes em sala de aula, uma vez que implicam fortemente no rendimento

do aluno.

Devo advertir, porém, que nosso objetivo na tarefa não foi o de reposicionar o ponto de

vista de que o objeto primário de investigação da didática da matemática (isto é, da

epistemologia experimental) passasse do conhecimento do aluno ao pensamento do professor,

mas sim à atividade matemática escolar, elemento este imprescindível à relação entre

professores e alunos. Quem primeiro propôs este ponto de vista foi Brousseau (1986; 1998)

para o qual,

(...) los conocimientos del alumno, sus atividades de aprendizaje, la atividade docente

del professor, los processos cognitivos que acompañan a estas atividades y, em

general, los processos de enseñanza-aprendizaje, pasen a ser considerados como

objetos “secundários” (lo que no quiere decir que sean menos importantes) porque

deberán ser construídos o definidos a partir de los términos primitivos del modelo

epistemológico de las matemáticas que se adopte como núcleo firme y puerta de

entrada al análisis de los fenómenos didáticos (apud BOSCH & GASCÓN, 2001, p.

9).

Nestes termos a aprendizagem docente que anunciei é perceptível, principalmente, pelas

arguições da colaboradora Queiroz quando manifesta compreensão da necessidade de discussão

do saber, semelhante à lógica representada pela figura do artesão, na qual se privilegia o

domínio dos processos, o objeto e o seu motivo e, sobretudo, a possibilidade de aprender em

grupo com suas parceiras – “a gente verá potência, propriedades de potência, equação

exponencial, valores e gráficos, vamos trabalhar o porquê de trabalharmos uma coisa depois

da outra”. Isto me traduziu ainda a possibilidade das professoras, coletivamente, lidarem

analítica e sinteticamente com seu objeto de trabalho por meio da construção e compreensão

dos instrumentos, "as atividades de ensino", que lhes possibilitassem não apenas criar novas

operações, mas também satisfizessem as necessidades que se apresentavam.

~ 181 ~

Trato, pois, de uma aprendizagem da função docente do tipo instrumentalidade

tecnológica e estratégica do ensino, que reconhece e viabiliza caminhos para sairmos de uma

lógica de manufatura fundamentada na produção em série dos atos pedagógicos, para a da

compreensão de que toda ação pedagógica é única, principalmente se guiada por um modelo

investigativo com enfoque epistemológico de valorização da experiência – “Consideramos

também a questão dos conhecimentos prévios dos alunos, aqueles que eles trazem do ensino

fundamental para o primeiro ano [do ensino médio]. Conhecimentos que deem uma

continuidade para a exponencial e o logaritmo”. Esta manifestação positiva do

estabelecimento de relação entre a continuidade dos conhecimentos e o conhecimento prévio

dos alunos resgata o que expus na primeira composição deste trabalho acerca dos princípios do

contínuo experiencial (DEWEY, 2011), a saber, que toda experiência vive, de algum modo, em

experiências futuras.

Satisfeitos com este primeiro debate sobre as reuniões de estudo livre, agendamos outra

data para que pudéssemos dialogar sobre os avanços do grupo. Por ora as professoras acordaram

que deveriam aprofundar seus estudos na justificativa - da razão de ser - dos objetos

matemáticos função exponencial e função logarítmica estarem no ensino médio e de como

poderiam ser apresentados aos alunos neste nível de ensino.

Em meu segundo encontro com o GT1 discutimos sobre funções enquanto padrões de

comportamento de sequências numéricas. Esperava, porém, que tivessem avançado em seus

estudos na perspectiva de questionamento do objeto, mas demonstraram maior preocupação

com a apresentação do tema aos colegas do que com a construção de uma praxeologia própria

sobre o objeto, isto é, com um melhor conhecimento do objeto de estudo. Diferentemente das

integrantes do GT2, os rapazes do GT1 não apresentavam indicativos de que estavam

questionando o que seria uma função e o porquê de ensinarmos este assunto no Ensino Médio.

Aparentemente aceitavam a ideia de que se tratava de um tema relevante constante no currículo

prescrito e isso bastava para seu ensino. Compreendi, neste momento, o que nos ensina a

metáfora de Becker (1993) sobre a estranheza do professor às perguntas a respeito do

conhecimento.

O professor cotidianamente ensina conhecimento, mas reage ao convite à reflexão

sobre isso como alguém que está almoçando, jantando ou bebendo um copo d’água e

se lhe pergunta por que está comendo ou bebendo. Parece que nunca alguém lhes

perguntou a respeito. Alguns afirmam que nunca pensaram sobre isso. Entende-se,

então, por que ocorrem algumas respostas vagas do tipo: “Conhecimento é aquilo que

~ 182 ~

tu sabe”, ou ainda: “São as coisas, as experiências de vida que a gente vai adquirindo,

guardando ao longo da vida”. (p. 37)

Nesse sentido, a ausência de reflexão epistemológica do professor acaba assumindo

feições de senso comum. Diante desse contexto nossas discussões se deram, então, dentro de

uma perspectiva técnica de estruturação de uma sequência de ensino, na qual tentei introduzir

alguns aspectos que considerava relevante que tivessem percebido no estudo epistemológico do

tema, uma vez que não lhes parecia claro a diferenciação entre estudo epistemológico e resgate

histórico. Em verdade, esta diferenciação é de certa forma sutil, visto que,

A história, para a epistemologia, é um elemento mediador e não um fim. Dessa

maneira, “oferece um bom meio de análise ao separar, pela data e pelas circunstâncias

do seu aparecimento, os diversos elementos que contribuíram para formar pouco a

pouco as noções e os princípios da nossa ciência”, de forma crítica, ao mesmo tempo

que dinâmica. (BLANCHÉ, 1975, p. 46-47)

Esta visão não era inusitada ao grupo, uma vez ter sido palta de discussão em nossos

encontros preparatórios no grande grupo, quando trabalhamos o texto de D’Amore (2007a) em

que este situa a concepção epistemológica como um conjunto de convicções, de conhecimentos

e de saberes científicos, os quais tendem a dizer o que são os conhecimentos dos indivíduos ou

de grupos de pessoas, como funcionam, os modos de estabelecer sua validade, bem como

adquiri-los e então de ensiná-los e aprendê-los. Nestes termos, a epistemologia é uma tentativa

de identificar e de unificar concepções epistemológicas diferentes relativas a determinadas

ciências, a movimentos intelectuais, a grupos de pessoas, a instituições, ou a culturas

(D’AMORE, 2007a, p. 181).

Em nossa discussão, embora sem a devida circunscrição histórica, tentei alertá-los sobre

a concepção epistemológica de função enquanto modelização funcional, isto é, como

identificação e registro de padrões. Esta situação é perceptível na transcrição do seguinte trecho

de diálogos.

Orientador – No que vocês avançaram?

Ss1 – Pesquisamos mais sobre a história das funções.

Orientador – E o que encontraram sobre a noção de função?

Ss1 – Muita coisa.

Orientador – Encontraram algo sobre padrão de sequências? Por exemplo, qual

o padrão da sequência {0, 2, 4, 6, 8, ...}?

Sena – São os números pares!

Ss2 – É uma P.A.!

~ 183 ~

Orientador – Mas e em termos das funções que estão estudando? Conseguem

ver um f(x)=ax? É uma f(x)=ax+b com b=0. É uma incompleta.

Ss1 – Isso a gente sabe. O problema é: o que tem haver com a didática?

Orientador – E se o padrão fosse esse {1, 4, 9, 16, ...}?

Ss1 – Esse é fácil! {12, 22, 32, 42, ...}.

Orientador – Então podemos representar por f(x)=x2, né? ... Bom, vejam essa

outra sequência: {2, 5, 10, 17, ...}. Qual o padrão?

Sena – Esse é mais difícil!

Orientador – Não podemos escrever a sequência assim {1.1+1, 2.2+1, 3.3+1,

4.4+1, ...}?

Sena – Sim, podemos.

Orientador – E se fosse {3, 6, 11, 18, ...}? O que seria Ss1?

Ss1 – Seria a quadrática mais dois! [quiz dizer f(x)=x2+2].

Sena – Essa a gente já sabe!

Orientador – É! Porque algo já é rotineiro. [quiz mostrar-les que ai estaria a

didática!]

Sena – Então a primeira que a gente mostra é a quadrática incompleta?!

Orientador – Vejam que se eu achar que é uma quadrática então será

f(x)=ax2+bx+c. Então eu olho p’ra cá e pergunto, quem é esse K? [escrevendo

bx+c=K no quadro]. Se verificarmos que K é uma constante acabou, é uma

f(x)=ax2+k; se não, se vermos k1≠k2≠k3...[mostrando na sequência que K varia

em cada ponto] então K é definido por b e possívelmente c na forma K=bx+c.

Por exemplo, {12+2, 22+3, 32+4, 42+5, ...}. Vejam que a parte ao quadrado já

sabemos, mas na segunda parte qual o padrão?

Sena – Basta a gente fazer X=x+1!

Orintador – A gente tem que qualificar essa exploração. O público tem que

olhar e identificar esse padrão!

Sena – Por exemplo, se em X0=12+2 temos que x=1, então 2=1+1; em X1=22+3,

então 3=2+1, e assim por diante.

Orientador – Isso! Vocês estão entendendo, p’ra não causar “tilte” nas pessoas

elas têm que perceber o padrão.

(Fragmento de transcrição de áudio de encontro de orientação, 20/03/12)

Embora não estivéssemos discutindo a identificação de padrões como um elemento

situado historicamente como uma construção de determinado grupo social em dada cultura e

instituição para atender determinados fins sociais, parecia que estávamos avançando na

compreensão de que um objeto matemático não é simplesmente “jogado” na lousa para ser

copiado, decorado e aplicado. A eleição de tarefas para se discutir os padrões de comportamento

dos números em uma sequência descortinava uma forma viável de apresentação do tema de

modo a promover a reflexão e motivação do grupo. Possibilitaria que esboçassem suas

conjecturas e avaliassem seus resultados, sem a necessidade imediata de decorar passos, mas

sem perder de vista que certos processos são rotineiros, uma vez que o professor pode/deve

apresentar tarefas com graus cada vez mais elevados de complexidade de modo que os

~ 184 ~

estudantes reconheçam tanto os padrões já trabalhados (antigos) quanto identifiquem os novos,

que lhes colocam em estado de reflexão à procura de uma solução para o problema inusitado

que se apresenta (pesquisa). Este estado de reflexão mobiliza-os à formulação de ideias que são

validadas ou refutadas, sendo que as diversas concepções presentes revelam novos

conhecimentos que podem entrar em conflito com os antigos ou, então, podem surgir “erros”

ou contradições. Segundo Maranhão (2008, p. 146) algumas dessas convicções podem ser

fecundas, do ponto de vista cognitivo (da formação de conhecimentos). Neste caso, novas

situações podem servir de avanço.

Demos continuidade à discussão procurando estabelecer a melhor organização do que

havíamos estudado para a montagem da sequência de ensino. Avançamos no sentido da

construção das tarefas necessárias à introdução da noção de funções quadráticas completas a

partir dos conhecimentos antigos de funções incompletas do segundo grau. Dialogamos sobre

a importância dos alunos aprenderem a identificar padrões, algo necessário na resolução de

problemas que envolvem a leitura de tabelas e gráficos. A questão central foi a eleição de tarefas

que suscitassem esses padrões tidos como fundamentais, de modo que os estudantes pudessem

levar estes conhecimentos a outros padrões. Despedimo-nos estabelecendo o acordo de que o

grupo aprofundaria esta questão das tarefas expressas por esses padrões que resgatam o

entendimento de que a generalização de certas sequências pode representar funções.

Em nossa segunda reunião de orientação com o GT2 tivemos um debate mais específico

sobre a construção e justificação do objeto matemático em uma sequência plausível de ensino.

As professoras haviam explorado diversos livros e nesta segunda semana de trabalho tínhamos

bastante material empírico a discutir.

Orientador - E ai, o que a gente tem p’ra hoje?

Queiroz – Discutimos a construção da sequência.

Orientador – E temos algum problema?

Queiroz – O problema está na exponencial da qual não conseguimos mostrar o

logaritmo.

Orientador – E o que os livros dizem? [Não obtendo uma resposta, continuei

falando]. Vocês precisam compreender o que são tarefas fundamentais. Que

saberes são imprescindíveis aos alunos? Quais problemas se traduzem em

tarefas fundamentais? Por exemplo, quando trabalhamos com exponencial a

questão gira em torno de questões como: que tipo de problemas são resolvidos

com exponencial que não são resolvidos por outras funções? Nestes tipos de

problemas geralmente se supõe as funções afim e quadrática como ferramentas

ou conhecimentos antigos. Vejamos as sequências {0, 2, 4, 6, 8, 10, ...}, {0, 1, 4,

~ 185 ~

9, 16, 25, ...} e {1, 2, 4, 8, 16, 32, ...}. Que sequências são essas? Elas são

semelhantes? Elas representam padrões semelhantes?

Queiroz – Na primeira os números estão crescendo de 2 em 2.

Orientador – E como vocês sabem que estão crescendo?

Ss4 – Porque cada um é 2 maior do que o anterior.

Orientador – Isto é, se você faz y0=0, y1=2, y2=4, y3=6, y4=8, y5=10 e assim por

diante, então y1-y0=2-0=2, y2-y1=4-2=2, y3-y2=6-4=2, e assim por diante, ou

seja, quando você pega cada número subtraído de seu sucessor sempre encontra

uma mesma constante, igual a 2. [Depois de alguns cálculos de indução

chegamos à ideia de que yn=yn-1+2]. Mas olhando para a sequência y0=0, y1=2,

y2=4, y3=6, y4=8, y5=10..., qual a relação entre seus valores e os índices?

Ss4 – É sempre o dobro.

Orientador – Isso, y0=0=2.0, y1=2=2.1, y2=4=2.2, y3=6=2.3, y4=8=2.4,

y5=10=2.5 e por indução yn=2.n. E nessa segunda sequência {0, 1, 4, 9, 16, 25,

...}? Qual é o padrão? O que acontece quando tiramos a diferença entre um

termo e seu sucessor?

[Depois de um tempo...]

Ss3 – Não dá constante.

Orientador – Isso! Pois 1-0=1, 4-1=3, 9-4=5, 16-9=7, 25-16=9, etc. Mas e se

fizermos a diferença da diferença?

Ss3 – Agora dá constante.

Orientador – Já discutimos que agora não dá uma afim, mas os estudantes estão

no 1º ano, então o que eles já viram no 7º e 9º ano que pode ser percebido aqui?

Ss3 – Potência!

Orientador – E a gente ainda dá uma “pincelada” em potenciação e radiciação

no início do 1º ano p’ra assegurar nosso trabalho, né? Então ele pode dizer: “-

Isso daí não é potência?” Então a gente aproveita e escreve: y0=0=02, y1=1=12,

y2=4=22, y3=9=32, y4=16=42, y5=25=25, ..., yn=n2. E o que nós temos?

Ss3 – Temos o valor do índice elevado ao quadrado!

Orientador – Então essa não é afim, é uma quadrática. E como fica a outra

sequência? O que fazemos primeiro?

Tatiane – Fazemos as diferenças.

Orientador – E quando fazemos isso o que encontramos? [Fizemos as contas e

constatamos que a primeira e a segunda diferença não são constantes]. Se as

subtrações não nos ajudam a encontrar um padrão devemos procurar outra

estratégia. E se em vez de subtrairmos dividíssemos os termos? O que acontece?

[Fizemos as contas e chegamos aos seguintes resultados: 1/0=∄, 4/2=2, 8/4=2, 16/8=2,32/16=2, ...] O padrão de proporcionalidade é 2, e qual a relação disso

com os índices?

Ss3 – Não poderíamos decompor os números?

Orientador – Como e com que propósito? E se invés disso fizéssemos y0=1= 20,

y1=2=21, y2=4=22, y3=8=23, y4=16=24, y5=32=35, etc. A esta altura os alunos

já estão habituados a trabalhar com os índices e em sua função determinar os

padrões.

SS4 – Na verdade é a constante elevada ao índice!

Orientador – É, e qual é a constante?

Ss4 – O 2.

~ 186 ~

Orientador – Então por indução chegamos a 2x. Vejam que diferente desta

[mostrando a quadrática] a variação está no expoente, por isso é que dá um

“bum” muito rápido! Cresce muito rápido!

Ss4 – E se não tivéssemos falado que era para dividir os termos um pelo outro,

como identificaríamos que era uma exponencial?

Orientador – Essa é uma técnica que apresentamos em nossa epistemologia.

Não surge do nada, se necessário compartilhamos.

Queiroz – E como fazemos a passagem para apresentar o logaritmo?

Orientador – O que vocês propõem?

Silva – Já lemos os “fundamentos” e outros livros.

Orientador – O “pulo do gato” está na ideia de construção das tabelas

logarítmicas segundo Napier. A definição de logaritmo surge da necessidade de

se resolver equações do tipo ax=b, quando não se consegue reduzir todas as

potências à mesma base, como é feito nos estudos das exponenciais.

Queiroz – Esse livro aqui apresenta a definição do logaritmo como uma inversa

da exponencial. [Lemos a definição]

Orientador – É, aqui temos que a exponencial possui uma inversa, mas quem

disse que essa inversa é o “log”?

Silva – A gente tem uma resposta. A gente “entra” na história que lá tem.

Queiroz – Aqui temos essa passagem. Todos os autores que encontramos

mostram essa passagem por definição.

Orientador – Não quero que vocês se frustrem. Façam o que for possível para

o tempo que estudaram nestas duas semanas. A apresentação de vocês tem que

ter lógica, uma justificativa, deve levar em consideração tarefas fundamentais

em grau crescente de complexidade.

Queiroz – Devemos construir tarefas para tornar o objeto rotineiro?

Orientador – Isso. Por exemplo, se já temos compreensão de uma sequência que

expressa f(x)=2x, será que existe uma sequência que nos leve a um g(x)=3x ou

outra qualquer? Quando isso será válido?

Queiroz – Então a gente faz esse tipo de questão p’ra eles?

Orientador – É. E outras como: Como eu posso fazer isso? Como

representaríamos isso em um gráfico?

Queiroz – Então teremos de trabalhar domínio e imagem.

Orientador – Será inevitável. Mas o ponto crítico é a passagem da exponencial

para a logarítmica.

Queiroz – Perfeito, eu adoro demonstrações! [Esboçando um sorriso irônico].

(Fragmento de transcrição de áudio de encontro de orientação, 20/03/12)

Nossa reunião foi bem estimulante, pois nos oportunizou discutir a proposição da

sequência e explorar alguns problemas sobre o ensino do tema em estudo. Um dos primeiros

que evidenciamos se refere ao problema da desarticulação dos conteúdos, visto que anunciam

“O problema está na exponencial da qual não conseguimos mostrar o logaritmo”, e reiteram

mais à frente “E como fazemos a passagem para apresentar o logaritmo?”. Contudo, as

respostas encontradas nos livros que consultamos retratam a função logarítmica como uma

~ 187 ~

função inversa da função exponencial sem muito aprofundamento. Isso ocasiona um longo

turno sem resposta no início de nossa discussão – “E o que os livros dizem? [Não obtendo uma

resposta, continuei falando]” -, bem como a seguinte constatação de Queiroz “Todos os

autores que encontramos mostram essa passagem por definição”.

Sobre o problema da desarticulação dos conteúdos presentes no ensino básico BOSCH

et. al. (2006) nos afirmam que em muitos países os currículos das instituições escolares têm

sido estruturados em grandes seções de conteúdos: conceituais, procedimentais e atitudinais.

Cada uma destas seções se constitui em uma relação, geralmente pouco estruturada de

diferentes tipos de conteúdo. Além disso, temos os currículos de matemática estruturados em

um conjunto de áreas e estas estruturadas em setores. Assume-se, desde os primórdios do

currículo, que todos estes conteúdos formam parte de uma organização maior, a Matemática,

porém, não estabelece qual a maneira de articular estes conteúdos para proceder ao seu estudo

nas instituições escolares, quando muito algumas considerações gerais e um tanto vagas.

Embora minhas preocupações iniciais estivessem voltadas à percepção do grupo sobre

as estruturas apresentadas nos livros didáticos – “E o que os livros dizem?” -, em particular,

em como a epistemologia dos autores e professores refletem em suas organizações didáticas e

mais propriamente na atuação docente em sala de aula - “Essa é uma técnica que apresentamos

em nossa epistemologia”. Talvez devesse ter sido mais explícito sobre isso no processo de

mediação, visto que cada dispositivo didático88 expressa uma epistemologia, e cada professor

também apresenta uma epistemologia que orienta a estruturação de suas organizações didáticas

e suas ações de ensino. Esta problemática é crucial ao processo de estudo, pois está associada

a uma questão que Piaget (apud BECKER, 2012) expunha em toda sua obra: Como o sujeito

passa de um conhecimento mais simples a um conhecimento mais complexo? Este problema

não deve ser subestimado – “A apresentação de vocês tem que ter lógica, uma justificativa,

deve levar em consideração tarefas fundamentais em grau crescente de complexidade” -,

devemos, pois, buscar estratégias didáticas que venham contemplar este problema de modo

prático na tarefa de ensino – “Devemos construir tarefas para tornar o objeto rotineiro?”.

Sobre isso Becker (2012) entende que este problema,

88 Chamamos de dispositivo didático as classes de matemática, os livros de matemática, os exames de matemática,

as perguntas que fazem os professores em classes de matemática, etc. (CHEVALLARD et al., 1997, p. 277)

~ 188 ~

(...) pretende responder não apenas como o bebê passa dos reflexos aos primeiros

esquemas, como a criança sensório-motora passa de um conhecimento prático para

um pensamento simbólico ou pré-operatório, e deste para o operatório-concreto e,

depois, para o operatório-formal, mas também como se passa da aritmética para a

álgebra, e desta para o cálculo diferencial e integral. (BECKER, 2012, p. 71-72)

Pretendia imprimir este entendimento ao nosso diálogo e empregava a questão

piagetiana à estruturação da sequência matemática que discutíamos. Dialogávamos na

perspectiva de distanciarmo-nos de respostas categorizadas como de “senso comum”, isto é,

das concepções epistemológicas que naturalizassem o ensino de funções exponenciais e

logarítmicas legitimadas pelo lema “todo mundo pensa assim, então estou certo” – “Todos os

autores que encontramos mostram essa passagem por definição”. Foi justamente esta lógica

de questionamento da razão de ser do objeto, propondo outra abordagem ao seu ensino, que nos

motivou na construção da sequência didática. Nesse sentido, encerramos o debate com boas

expectativas. As professoras disseram já possuir diversos materiais e terem produzido bastantes

slides sobre o trabalho. Todas as integrantes do grupo expressaram esmero e dedicação, atitudes

necessárias ao profissional docente. Neste ambiente estimulante e prazeroso despedimo-nos.

Nosso próximo encontro seria na data de exposição dos resultados do trabalho.

Situação 3 - Exposição das organizações didáticas

Nossa primeira reunião para que os grupos iniciassem a exposição de suas reflexões e

produções teve por tema o ensino de funções afim e quadrática, mediado pelo GT1,

especificamente pelos seus integrantes Leite e Sena. Os expositores tiveram trinta minutos para

suas arguições, seguidas de considerações dos integrantes do grande grupo, no qual me incluo.

A decisão de apenas dois integrantes do grupo exporem o trabalho não foi imposta por mim,

que apenas estipulara um mínimo de dois integrantes para assumir a dianteira da exposição,

sendo facultada a presença de todos os colaboradores do grupo à frente da mediação. Somente

meses depois, por ocasião das seções de entrevistas com os meus interlocutores é que pude

compreender o que se passava de fato naquela ocasião89.

89 Sena me informou em entrevista que naquela ocasião apenas os dois haviam realmente finalizado o produto para

a apresentação, mas preferiram omitir esta informação para não prejudicar os colegas ausentes na tarefa.

~ 189 ~

A exposição, talvez pela condição de saúde de Rubervan, deu-se de maneira invariável,

com pouca dinâmica. Embora dificilmente varie seu comportamento ectomorfo retraído90, pelo

que havíamos discutido durante duas semanas, eu possuía uma expectativa mais elevada sobre

os resultados a serem apresentados pelo grupo. A dupla expôs o trabalho dividido em dois

momentos: o primeiro com informes históricos sobre os estudos de função de matemáticos

renomados, e o segundo de apresentação de conceitos e definições, além de proposições de

aplicação destes conceitos e definições.

O trabalho exposto pelo grupo assumiu um tom de contradição, de conflito interno entre

os objetivos mais contemporâneos do ensino, de preocupações com as tendências de ensino da

matemática em contraste com ponderações menos reflexivas, muitas vezes admitindo estarem

se baseando em uma perspectiva da pedagogia tradicional, como pode ser percebido já na

passagem de introdução ao trabalho do grupo:

Aqui a gente montou uma sequência que acreditamos ser a mais plausível,

visando tanto o ensino tradicional quanto utilizando tendências. Apenas

tirando a modelagem, pois a gente sabe que na modelagem a gente não vai ter

o controle do que o aluno vai aprender. Na dinâmica ele vai aprender coisas

aqui e ali. (LEITE – Recorte da transcrição do áudio da Exposição do GT1 -

26/03/12)

O destaque ilustra o quão complexa é a tarefa reflexiva sobre a aprendizagem dos

professores em formação que passam por um estado de problematização e busca de

desnaturalização das práticas de ensino, uma vez que, neste caso, admitem a possibilidade de

novas abordagens para o ensino da matemática, mas sua pouca experiência os posiciona em um

campo limíndrofe, de conflitos, entre as novas leituras, os discursos com que tiveram contato

no percurso de estudo e o que já estão acostumados a presenciar/vivenciar durante toda sua

formação escolar, e parte da formação acadêmica, com características marcadas pela lógica da

racionalidade técnica. Apesar de pretenderem dar ao grande grupo respostas condizentes com

as perspectivas mais atuais de postura e encaminhamentos de ensino da matemática, retornam

a sua zona de conforto com perspectivas tradicionais sempre que não têm respostas a dar sobre

o processo de ensino. Demostraram, na ocasião, que sua compreensão de ensino e aprendizagem

90 Pessoa esguia e tímida, segundo descrição com base na teoria das variedades do temperamento humano

desenvolvida por Sheldon (1942) e seus colaboradores (SHELDON et. al., 1954), em que se relacionam

diretamente a forma física do corpo com tipos específicos de temperamentos (apud PASQUALI, 2000, p. 9).

~ 190 ~

da matemática valorizava, hegemonicamente, o caráter sintático do conteúdo (regras e

processos relativos) (FIORENTINI; MELO & SOUZA JR, 1998).

Contrariamente ao que discutimos ao longo de mais de duas semanas em nossas

reuniões, a história da matemática foi tradada de um ponto de vista apenas alegórico91 e

cronológico, não cumprindo nenhuma função de valor epistemológico92. Na segunda parte da

apresentação, o grupo optou por apresentar uma organização matemática semelhante à dos

livros didáticos consultados, expressando mais uma vez a preocupação do grupo com os

aspectos normativos e não, necessariamente, criativos de organização/abstração de uma

sequência didática, uma vez que optaram por uma organização didática nos moldes do

paradigma do exercício93, deixando de lado nosso exaustivo trabalho de seleção de tarefas em

que propúnhamos atividades exploratórias sobre os padrões e propriedades dos elementos de

uma sequência numérica que subsidiariam a modelagem de fenômenos concretos. E com esta

perspectiva tradicional, continuam a exposição:

A gente apresenta primeiro o plano cartesiano. Não é melhor a gente

apresentar primeiro o plano cartesiano depois as relações? Depois do plano

cartesiano a gente passa p’ro conceito de função. Falo o que é. Que a função

é a relação entre duas variáveis, sendo que há uma variável de um conjunto

relacionada com a variável de outro conjunto. Logo serão o conjunto domínio

e contradomínio, domínio e imagem. A gente apresenta a função. Podemos

mostrar p’ra eles por meio de diagramas e no próprio plano cartesiano, por

tabela. A gente pode mostrar p’ra eles como encontrar a imagem ali [nos

diagramas] e também por aqui, no gráfico. A gente vê que os alunos sentem

dificuldades de interpretar gráfico. Outra coisa é que os professores algumas

vezes não mostram como identificar uma função através do gráfico. É sempre

através dos diagramas ou dos conjuntos. Mas, se eu “jogo” um gráfico p’ra

eles e pergunto: “o gráfico representa uma função?” Ai fica meio difícil! Daqui

a gente pode partir p’ros zeros de uma função polinomial do primeiro grau, a

função afim. A gente primeiro “dá” uma definição p’ra eles, montamos o

gráfico. Primeiro todo tracejado, depois a gente passa para as propriedades.

91 Termo utilizado pelos historiadores da matemática para se referirem à situação na qual o professor lança mão

das raras preciosidades que ele acha encravadas no fim dos capítulos do livro texto [ou em publicações de eventos]

e acaba utilizando-as como recreio mental, para fugir por uns momentos de assuntos mais sérios (FOSSA, 2001)

ou formais do ensino, assumindo caráter de história-anedotária com função psicológica de motivação (MIGUEL

& MIORIN, 2008). 92 Relativo à natureza e aos significados dos conhecimentos, ao desenvolvimento histórico das ideias, ao que é

fundamental e ao que é secundário, aos diferentes modos de organizar os conceitos e princípios básicos da

disciplina, e às concepções e crenças que os sustentam e o legitimam (FIORENTINI; MELO & SOUZA JR, 1998,

p. 316). 93 Paradigma interpretado por Cotton (1998, apud SKOVISMOSE, 2000) nas salas de aula de ensino de matemática

em que os professores ocupavam a maior parte de seu tempo com exposições dos conteúdos (ideias e técnicas

matemáticas) e os alunos ocupavam a maior parte de seu tempo com resolução de exercícios.

~ 191 ~

Essa aqui é uma reta, temos a propriedade de ter uma função crescente, a função

decrescente e a constante. Feito isso, quando eles souberem fazer o gráfico,

podemos estudar os sinais das funções. A função polinomial do segundo grau

ou quadrática, apresentamos também a definição e logo em seguida os

gráficos. Primeiro apresentamos p’ra eles os pontos [do gráfico], depois

traçamos a parábola. Porque eles vão ver os pontos e querer passar logo uma

reta no x ali [mostrando o gráfico], não, a gente vai ter que fazer a parábola.

Depois a gente vai mostrar p’ra eles o vértice da parábola. Depois que eles

tiverem aprendido “bacana” que o gráfico é uma parábola, podemos mostrar

p’ra eles como encontrar os valores de x no eixo e o ponto de intersecção da

parábola com o eixo Y. A gente mostra p’ra eles o y do vértice e o x do vértice

e como encontra-los. Passando isso, depois de eles encontrarem o vértice a

gente mostra a noção de máximo e mínimo de uma função. Depois podemos

mostrar p’ra eles os sinais das funções. Aqui positivo, negativo, positivo

[mostrando o gráfico no slide]. E logo em seguida a gente pode mostrar p’ra

eles a inequação polinomial que é o finalzinho das funções do segundo grau.

[Questionado pelo grupo sobre a possibilidade de se cumprir todo esse conteúdo

em um ano letivo, Leite responde positivamente necessitando ainda esclarecer

sobre os tipos de aplicações a serem vistas em sala de aula]. A gente tem a

definição de função afim, ela tá aqui! Então legal, vamos fazer uma aplicação

com ela? Tipo, a taxa de variação de temperatura na cidade, ou aquele velho

exemplo da função afim: “a gente pega um taxi de R$0,50 o minuto e bandeira

de R$ 10,00 ali em Castanhal”. (LEITE – Recorte da transcrição do áudio da

Exposição do GT1 - 26/03/12)

A exposição claramente apresenta uma estrutura pedagógica centrada no professor – “A

gente mostra p’ra eles” -, posicionando-o hierarquicamente como aquele que sabe e apresenta

seu saber aos alunos que provavelmente nada sabem: “Falo o que é. Que a função é a relação

entre duas variáveis, sendo que há uma variável de um conjunto relacionada com a variável

de outro conjunto”, “A gente primeiro ‘dá’ uma definição p’ra eles”, “apresentamos também

a definição e logo em seguida os gráficos”. Confesso que o momento da exposição exigiu de

mim grande autocontrole e paciência, por não estar visualizando nenhum aspecto do que

havíamos discutido nos encontros de grupo. Angustiava-me a minha falta de discernimento para

identificar naquela situação a razão de tamanho distanciamento entre o planejado e o

efetivamente apresentado pelo grupo.

Minha reação na ocasião também espelhou certa inexperiência na condução de grupos,

posto que ao invés de questionar os expositores sobre suas escolhas e tentar esclarecer o porquê

de suas opções os levarem a uma explanação antagônica ao que havíamos discutido na

preparação do trabalho, teci forte comentário expressando minha decepção com a defesa de

uma sequência didática tradicional, centralizadora e diretivista, com pouca abertura à reflexão

~ 192 ~

por parte dos alunos. Devo dizer que esta reação passou a fazer parte significativa de minha

própria formação como educador, fazendo-me refletir sobre termos a todo o momento que nos

manter atentos ao que ocorre no ambiente de formação e que nossas reações podem repercutir

decisivamente na vida de nossos interlocutores.

Passados alguns meses, depois de colhidas algumas informações e revisando a situação

com certo distanciamento, conjecturei algumas explicações sobre a experiência, que pontuo da

seguinte forma: 1) Os integrantes do GT1 compunham um grupo de indivíduos conhecidos na

turma por se destacarem nas tarefas das disciplinas específicas do curso de Matemática. Esse

destaque, por ser reconhecido por todos, deve de algum modo ter nos contagiado a todos,

levando-nos a supor que o êxito nas disciplinas específicas também se repetiria nas situações

didáticas no grupo de estudo. Acreditei, portanto, talvez erroneamente, que estudantes

exemplares nas dinâmicas de disciplinas específicas do curso teriam facilidade para

desenvolver a tarefa proposta nos termos da didática da matemática; 2) Discutimos a existência

de uma epistemologia presente nas obras matemáticas, passiveis de serem explicitadas a partir

da identificação e análise de organizações matemáticas presentes nos livros didáticos e nas aulas

ministradas por professores em determinadas instituições. Uma vez que tais organizações se

manifestariam por meio das tarefas eleitas em determinada obra, é possível que o grupo tenha

suposto que a sequência expressa pela organização do livro didático consultado fosse

semelhante à discutida pelo grupo nas reuniões de orientação. Assim, apesar de não adotar o

mesmo desenvolvimento que havíamos discutido, os professores assumiram a sequência do

livro didático como algo mais prático do que elaborar sua própria compreensão de organização

didática para o objeto em estudo.

A primeira conjectura explicativa para o ocorrido não exclui a segunda, ou melhor,

provavelmente as duas situações tenham se dado em simultâneo, colaborando assim para uma

visível “transgressão” dos consensos supostamente estabelecidos nas orientações. O primeiro

ponto nos alerta para o fato de que dinâmicas colaborativas, embora se proponham dialéticas e

construtivas, não são simples, pois incorporam procedimentos, princípios e posturas que não

fazem parte da rotina dos sujeitos em formação, habituados ao sistema tradicional de ensino a

que foram sujeitados na maior parte de suas vidas escolares. Fator esse, certamente agravado

pela inusitada tarefa reflexiva de propor uma organização didática capaz de criar condições para

que os alunos possam ter acesso às obras matemáticas. Isto porque o programa epistemológico

de investigação em didática da matemática propõe a difícil, mas necessária, tarefa de

~ 193 ~

problematizar o modelo epistemológico do ensino da matemática em vez de considera-lo dado,

estabelecido de uma vez por todas.

El punto de vista de la didáctica propone que el problema de la elaboración del

currículo tiene um componente matemático essencial. No se trata unicamente de um

problema de secuenciar y temporalizar los contenidos del currículo. Se trata de uma

verdadeira reconstrucción creativa de las obras que forman el currículo.

(CHEVALARD et al., 1997, p. 127)

Esta formulação, conhecida como o problema da articulação, tem assumido contornos

mais característicos de um problema docente do que de um problema didático, que nos termos

de Gascón (1999) se caracteriza da seguinte forma: a) está formulado usando as noções

existentes nas instituições escolares (assumindo mais ou menos as ideias dominantes destas);

b) está estruturado mais como um problema dos sujeitos das instituições do que como um

problema do sistema de ensino da matemática (que como tal é bastante transparente e não se

questiona); c) Assume que existe uma forma universal e inquestionável de descrever o

conhecimento matemático (a desarticulação ai se projeta, pois se dá em referência a esta

articulação natural, intrínseca, eterna e imutável do conhecimento matemático); e d) se restringe

“o matemático” ao conhecimento matemático do aluno (aquilo que deve aprender) e “o

didático” aos processos que ocorrem em aula.

Apesar de a tarefa proposta aparentar assumir contornos de dificuldade, são

absolutamente passiveis de serem executadas no nível de formação proposto. É justamente o

que me faz resgatar a exposição do GT2, composto por professoras que assumiram a tarefa de

problematizar o ensino de Funções Exponenciais e Logarítmicas, buscando reformular o

problema docente como um problema didático, levando em conta uma organização didática que

retomasse os conteúdos antigos, questionando o seu desenvolvimento integrando-os a

organizações mais amplas e complexas.

Alguns dias depois da exposição do GT1 as integrantes do GT2, Queiroz e Soares,

expuseram os resultados das investigações do grupo sobre os objetos “funções exponenciais e

logarítmicas”. Soares iniciou sua arguição por uma breve, mas elucidativa introdução do papel

docente na perspectiva institucional da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB),

expressando a função social do Ensino Médio, situando seu aspecto transcendente a simples

concepção de complementação do Ensino Fundamental, por seu caráter de formação para o

mundo do trabalho e de desempenho da cidadania, à formação ética, ao desenvolvimento da

autonomia intelectual e compreensão dos processos produtivos pelos alunos.

~ 194 ~

De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira o Ensino

Médio não tem como função apenas o aprofundamento de conhecimentos do

Ensino Fundamental, no intuito de garantir a continuidade dos estudos, mas

também para a preparação para o mundo do trabalho e desempenho da

cidadania, a formação ética, ao desenvolvimento da autonomia intelectual e

compreensão dos processos produtivos. O professor precisa refletir sobre as

competências exigidas pela sociedade para os alunos do Ensino Médio, como

o desenvolvimento do Estado, suas metas e princípios, e a capacidade [dos

alunos] de fazer, o que fazer e como. (SOARES – Recorte da transcrição do

áudio da Exposição do GT2 - 28/03/12)

A preocupação do grupo em apresentar uma justificativa social para o posicionamento

institucional do professor é pertinente, e para este fim se baseiam na LDB como um dos

instrumentos, certamente o mais expressivo, que registram a razão de ser deste profissional no

ambiente escolar. Assim sendo, o currículo e os conteúdos não estão isentos de interferência

política e social, pelo contrário, são altamente por estes determinados (CHEVALLARD 2001;

2002; BOSCH et al., 2006).

Este contexto de codeterminação é explorado pelo grupo na sequência de sua exposição,

pois cientes de sua condição docente procuram elucidar sua organização didática levantando

questões que julgam pertinentes, ou mais precisamente, buscando questões que Chevallard et

al. (1997) classificariam como “questões com sentido”94 para a escola, por serem relevantes

socialmente e dizerem respeito a noções prévias trazidas pelos alunos.

Assim como a “Soares” já falou que o professor deve refletir sobre questões de

relevância da sociedade, outro aspecto a se considerar é levar em conta

conhecimentos que o aluno já possui, construídos nas séries anteriores, que

contribuam para os novos conceitos que pretendemos apresentar p’ra ele. No

caso da exponencial, através de sequências de números que os alunos conhecem

e que já tenham trabalhado as noções de função afim e função quadrática, a

priori identificando padrões nessas sequências de números. É isso que o aluno

vai fazer, tentar identificar um padrão, e pode fazer isso por tentativas, por

exemplo, subtraindo cada termo. (QUEIROZ – Recorte da transcrição do áudio

da Exposição do GT2 - 28/03/12)

94 Para que uma cuestión matemática pueda estudiarse com “sentido” em la escuela, es necessário: 1) Que provenga

de cuestiones que la Sociedade propone para que se estudien em la escuela (legitimidade cultural o social); 2) Que

apareza em ciertas situaciones “umlilicales” de las matemáticas, esto es, situadas em la raiz central de las

matemáticas (legitimidade matemática); Que conduzca a alguna parte, esto es, que este relacionada com otras

cuestiones que se estudian em la escuela, sean matemáticas o relativas a otras disciplinas (legitimidade funcional)

(CHEVALARD et al, 1997)

~ 195 ~

Queiroz esboça a sequência {1, 2, 4, 8, 16, ...} e passa a registrar no quadro o

procedimento de subtrair de cada termo o seu antecessor e observa que quando o aluno faz isso

não encontrará um padrão como na tarefa das funções afins, tão pouco encontrará um padrão

nas diferenças das diferenças como na tarefa das funções quadráticas. Diz que neste caso o

aluno deverá tentar outra técnica, por exemplo, a divisão dos termos por seu antecessor, neste

caso percebendo um padrão.

Mas quando ele observa que não encontra padrão na diferença de cada número

e seu antecessor [observando que a diferença da diferença ainda não apresenta

um padrão, avança para outra técnica] pode tentar, por exemplo, a divisão

[executa os cálculos na lousa]. Neste caso o aluno percebe nesta sequência o

número 2. Então ele pode representar esta sequência assim [expõe a sequência

y0=20, y1=21, y2=22, y3=23, y4=24, ...]. (QUEIROZ – Recorte da transcrição do

áudio da Exposição do GT2 28/03/12)

Em sua proposta, Queiroz encontra a constante 2 e expressa a sequência dada no quadro

agora com seus termos assumindo esta base. Considero interessante o diálogo que a professora

tece com a turma, como se segue:

Queiroz - Quando a gente encontra esta sequência com o aluno, qual o padrão

que ele percebe?

Ss1 – Que os expoentes estão crescendo.

Queiroz – E na nossa sequência, esses expoentes se parecem com quem?

Ss1 – São iguais aos índices dos y que determinam as ordens dos elementos.

Queiroz – Então nossa sequência pode ser escrita como o padrão que

encontramos (a base) elevado ao índice. Podemos escrever essa sequência na

forma f(x)=2x e iniciar os estudos da função exponencial. (QUEIROZ – Recorte

da transcrição do áudio da Exposição do GT2 28/03/12)

Este diálogo é deveras interessante, pois se diferencia sutilmente das outras

apresentações até então realizadas no grupo, pois Queiroz conduz a turma de forma dialética,

não assumindo a construção como sua, mas como uma tarefa do grupo – “quando a gente

encontra esta sequência com o aluno”, “E na nossa sequência” -, realizando questionamentos

– “qual o padrão que ele percebe?”, “esses expoentes se parecem com quem?” -,

possibilitando assim a interação dos seus interlocutores, assumindo-os como participantes do

processo de construção e não como uma plateia passiva. Esta postura dialética95 expressa uma

95 Para Paulo Freire (1996), a educação se torna um momento da experiência dialética total da humanização dos

homens, com igual participação dialógica do educador e do educando.

~ 196 ~

aprendizagem docente do tipo dialogicidade da comunicação e da atuação docente, construída

possivelmente pela percepção das dinâmicas realizadas no grupo, na sala de aula que

acompanha e, sobretudo, na ressignificação dos textos disponibilizados para estudo no GCEM.

Mais à frente em sua exposição, Queiroz manifesta outra aprendizagem que já havia

identificado desde o momento de nossas discussões preparatórias, destacada no seguinte trecho:

Quando você define uma situação para eles [os alunos], neste caso função

exponencial, você deve trazer questões que façam com que este conhecimento se

torne comum a eles. Assim eles não terão dificuldades em outras situações.

Depois que você trabalha com eles outras situações como 3 elevado a x, 4

elevado a x, e esse conhecimento se tornou comum, agora você vai ter que

propor questões um pouco mais complexas, mas na mesma lógica de resgatar o

conhecimento que eles já têm. (QUEIROZ – Recorte da transcrição do áudio da

Exposição do GT2 28/03/12)

Além de trazer sua compreensão sobre a necessidade do resgate dos conhecimentos

prévios dos alunos, o que configura ciência dos princípios básicos de uma aprendizagem

significativa, Queiroz expressa conhecimento funcional da dialética ferramenta-objeto –

“Depois que você trabalha com eles outras situações como 3 elevado a x, 4 elevado a x, e esse

conhecimento se tornou comum, agora você vai ter que propor questões um pouco mais

complexas”-, e da necessidade de tornar certos procedimentos rotineiros. À luz do princípio do

contínuo experiencial de Dewey (2011), Queiroz estabelece um processo com proposição de

tarefas com grau cada vez mais elevado de complexidade que garantem que experiências de

resolução de problemas encontrem repercussão em tarefas futuras, o mesmo ocorrendo com

cada tarefa executada, em que propõe o resgate e ressignificação de experiências passadas para

a solução de uma nova tarefa. A professora segue sua dinâmica sempre compartilhando o tempo

e tarefas com o público, não lhes impondo os resultados, mas dialogando e negociando os

registros com o grupo.

Em outra situação você expõe uma sequência com valores diferentes das outras

e o aluno tem a tarefa de identificar um padrão [escreve no quadro a sequência

2, 3, 5, 9, 17, 33, ...]. Um aluno do primeiro ano que já fez a questão 1 vai fazer

o que fez da primeira vez [ela repete o procedimento de dividir cada termo por

seu antecessor]. Ao fazer isso ele não identificará logo um padrão. E o que ele

poderá fazer? [Ss1 esboça uma resposta, mas a abandona por perceber estar

incorreta. Queiroz passa a mão sobre uma coluna de restos das divisões e todos

parecem perceber outro tipo de padrão]. Agora ficou fácil identificar um

padrão, no caso o resto apresenta um padrão. Assim ele [o aluno] pode usar os

~ 197 ~

índices da sequência e fazer como ele tinha feito nas tarefas anteriores [Queiroz

dá um tempo e todos envolvidos com a tarefa proposta começam a fazer

anotações, parecendo estarem reescrevendo suas sequências na forma

exponencial]. Como podem ver, esta tarefa foi um pouco mais complexa p’ra

eles, mas mesmo assim eles ainda usaram conhecimento que já era comum p’ra

eles da situação 1, mas um pouco mais complexa, porque tiveram que adicionar

mais 1 para determinar os termos da sequência. Então, como eu posso escrever

a função dessa sequência agora? [Escreve-a no quadro com yn=2n+1). Depois

desse trabalho percebemos a existência de outros padrões que não só o 2, então

eu vou escrever a função de modo geral para qualquer padrão que eu encontre,

neste caso yx=ax+k. (QUEIROZ – Recorte da transcrição do áudio da Exposição

do GT2 28/03/12)

Queiroz finaliza a primeira parte de sua exposição com a seguinte expressão:

Quando o aluno em uma primeira tentativa não consegue identificar um padrão,

ele vai tentar buscar outras formas para encontrar este padrão. É assim que ele

vai construir o conhecimento dele. (QUEIROZ – Recorte da transcrição do

áudio da Exposição do GT2 28/03/12)

A professora assume em sua exposição uma postura mediadora, compreende o seu

ensino como um processo de construção do conhecimento a ser realizado pelo próprio aluno e

conduz este processo de modo dialético, posicionando-se enquanto representante institucional,

que propõe tarefas planejadas por um coletivo docente, as quais ganham vida nas inferências

do público com que trabalha. Este tipo de tarefa de longe se configura como um plano

engessado, fixo, e de pouca contribuição aos estudantes. Pelo contrário, a construção de

sequências didáticas pode se configurar como um excelente instrumento formativo aos docentes

e seus resultados - as sequências -, podem se constituir como proposições relevantes, ao

ganharem contornos singulares em cada turma, pela participação de sujeitos também singulares,

os alunos, em processos investigativos.

Situações de elaboração dos Trabalhos de Conclusão de Curso

O percurso formativo experienciado pelo grupo encontra sua conclusão em situações de

incursão em sala de aula e construção de compreensão de problemáticas a que estavam sensíveis

os bolsistas. O segundo semestre de 2012 configurou um período de intensa observação de sala

de aula e produção de textos e análise de contextos passíveis de perscrutação de processos e

~ 198 ~

tipos de aprendizagem docente. Estes processos são objetos passíveis de análise por meio do

estudo das experiências pessoais de pesquisa, expressas a seguir.

Experiências de Silva

Silva desenvolveu um projeto intitulado “Reflexões sobre o processo de inclusão de

alunos surdos nas aulas de matemática de uma escola estadual de ensino regular do município

de Igarapé-Açu”. O trabalho se constituiu de um estudo de caso em que a professora investigou

o ambiente de ensino de alunos surdos à procura de peculiaridades referentes às suas

dificuldades de aprendizagem da matemática escolar. Depois de uma análise preliminar do

levantamento situacional das matrículas de alunos com necessidades especiais do município,

constatou que não haviam sujeitos com esta característica nas escolas parceiras do projeto

PIBID. Desta forma, a professora resolveu passar um período de observação em uma escola

que se apresentava adequada à pesquisa sobre o tema. Nesta escola, considerada como

referência no município, em relação ao ensino de pessoas com deficiência, encontramos três

potenciais sujeitos. Uma vez tendo contatado com suas famílias e professores, a professora

iniciou seu acompanhamento de pesquisa.

Com o objetivo de identificar e analisar as dificuldades dos alunos especiais,

especificamente surdos, em relação à aprendizagem da matemática, foram realizadas

observações em sala de aula e entrevistas com os professores destes sujeitos, entrevistas com

os coordenadores pedagógicos e com a família dos alunos. O trabalho apontou três situações de

grande importância nesta relação dos sujeitos com necessidades especiais (surdez) e a

aprendizagem da matemática, a saber: a preparação dos professores de matemática para lidar

com a questão da inclusão; o apoio familiar aos estudantes e professores; e o apoio

especializado e estrutura em sala de aula para potencializar o ensino da matemática.

Sobre o trabalho realizado a professora tece as seguintes considerações:

Compreendo que incluir os alunos com necessidades educacionais especiais não

é apenas certificar que eles estejam em uma sala de ensino regular esperando com que eles se padronizem de acordo com as regras da escola, mas sim

proporcionar a esses alunos, estratégias, recursos e possibilidades que

favoreçam a eles se sentirem inclusos e capazes de construir seu próprio

conhecimento matemático, respeitando seus limites e potencializando suas

habilidades.

~ 199 ~

Com essa pesquisa percebi que os três alunos com necessidades educacionais

especiais (NEE), especificamente surdos, estão encontrando, nas aulas de

matemática da escola pesquisada, obstáculos em relação a se sentirem parte

desse processo de inclusão. Talvez seja pela dificuldade de comunicação que os

professores de matemática encontram, repercutindo dessa forma também na

relação com esses sujeitos. Percebo que os professores, principalmente os de

matemática, precisam de uma formação continuada de qualidade, a qual possa

favorecer a eles conhecimentos sobre as dificuldades de seu aluno com NEE e

possíveis estratégias, para que ele possa utilizá-las em sala de aula. Isso,

provavelmente, favorecerá também a aprendizagem dos demais alunos, fazendo

com que eles também se sintam incluídos nesse processo.

Percebo, também, que esses professores de matemática, com carência dessa

formação, necessitam da ajuda da família desses alunos, pois é importante para

os professores conhecerem seus alunos, uma vez que isso possibilitaria a eles

delinear melhor suas estratégias de ensino. Assim sendo, destaco a necessidade

de analisar e refletir as formas de como a inclusão dos alunos com necessidades

educacionais especiais está ocorrendo nas Escolas Públicas de Ensino Regular

no Brasil, em especial nas aulas de matemática, pois o fato de que a lei assegura

que eles sejam matriculados nas turmas de ensino regular, não garante que os

alunos irão aprender, já que para proporcionar a aprendizagem deles são

indispensáveis metodologias diferenciadas e para o professor é imprescindível

uma formação que possibilite conhecer melhor as dificuldades desses alunos.

(SILVA - Recortes do TCC)

Este trabalho iniciou com uma inquietação da professora no ambiente formal da

licenciatura de matemática, quando percebeu que nem todos os professores tiveram uma

formação para lidar com a questão da inclusão, sendo inclusive uma discussão relativamente

recente, como demonstra em seu relatório de pesquisa. Destaca, pois, sua sensibilidade e

perseverança em lidar com um tema ainda nebuloso e de poucas referências na Educação

Matemática. Esta inquietação revela tipologias de aprendizagem como: a sensibilidade

ecológica - por perceber uma problemática subjacente ao contexto escolar; a curiosidade

epistemológica - por estar atenta à uma necessidade no contexto em que atuava de modo a

mobilizá-la à pesquisa e à procura de referências, da história que envolvia o tema e de

perscrutação da realidade local em busca de significado aos seus questionamentos; e o

inacabamento e consciência social da profissão – por entender-se incompleta quanto à

compreensão de um tema da profissão e ao desenvolver um trabalho e socializar suas reflexões

e achados de modo sistemático e crítico junto à comunidade local.

~ 200 ~

Experiências de Sena

Durante o processo de observação de classe pelo PIBID uma questão que sempre

acompanhara Sena, segundo suas declarações, era a da relação entre o ensino da matemática e

o contexto social. Assim optou por desenvolver o projeto de título “Abordagens didáticas e

metodológicas no tratamento da informação para alunos do 9º ano do ensino fundamental”. O

projeto inicialmente visava evidenciar as dificuldades do professor no ensino do tratamento da

informação e na utilização de metodologias que possibilitassem o desenvolvimento crítico dos

alunos na interpretação de dados e informações de seu cotidiano. Contudo, pendeu para uma

investigação sobre os resultados de abordagens diferenciadas de ensino do tratamento da

informação junto aos alunos 9º ano do Ensino Fundamental. Assumindo uma pesquisa de

abordagem qualitativa, com características colaborativas, Sena analisou uma situação, proposta

por ele em parceria com um colega de classe, em que propunham a discussão de conteúdos

estatísticos e probabilísticos relacionados ao tema eleição. Depois de um complexo trabalho,

com realização de exaustivo levantamento bibliográfico, bem como de desenvolvimento e

análise de oficinas junto aos alunos das escolas parceiras, Sena expressa as seguintes

considerações finais:

Nesse trabalho, identificamos a importância de se trabalhar os conteúdos

relacionados ao Tratamento da Informação a partir de uma perspectiva que

desenvolva o pensamento crítico e reflexivo do aluno. Destacamos a

importância da Estatística, da Probabilidade e da Combinatória,

principalmente com relação à interpretação das várias formas de informação.

Tal como a análise de índices de custo de vida, feitura de pesquisas, coleta de

dados, entendimento do uso matemático nos jogos de azar, e a compreensão das

pesquisas expostas pela mídia, como, por exemplo, as pesquisas eleitorais.

Percebemos durante o levantamento da literatura, e confirmamos com a prática,

que trabalhar a construção de gráficos, tabelas e medidas, de modo puramente

expositivo não seria suficiente para desenvolvermos um trabalho que busca a

reflexão e criticidade dos alunos. Tendo isso em vista, salientamos o uso do

Tratamento da Informação como um conteúdo Matemático que permite uma

análise dialógica e crítica de fatos e problemáticas que ocorrem diariamente.

Durante o desenvolvimento da prática, percebemos que a escolha do tema

gerador, proposto pelo professor regente da turma e nosso colaborador no

projeto, permitiu que desenvolvêssemos um trabalho que instigou os alunos à

reflexão do uso de uma ferramenta matemática como recurso para a análise de

dados provenientes do cotidiano. Essa experiência, que vivenciamos dentro de

sala, nos remeteu a um novo diálogo com o professor colaborador, em que

percebemos sua intenção de trabalhar problemáticas atuais, fazendo uso

~ 201 ~

principalmente de livros didáticos que expressassem uma relação do conteúdo

a ser ensinado e o cotidiano do aluno, além de envolver o Tratamento da

Informação em uma perspectiva do uso de planilhas eletrônicas como

facilitadoras na construção e análise de gráficos. Partindo da concepção de

trabalhar o cotidiano como atrativo aos alunos, pudemos esclarecer que a

Matemática é de grande valia para exercitarmos um pensamento crítico e

reflexivo, pois quando abrangemos uma temática que se faz presente na vida de

todos os cidadãos de nosso município e propiciarmos a coleta, análise e

organização de dados referentes a uma pesquisa construída pelos próprios

alunos, disponibilizamos a eles instrumentos que facilitam uma compreensão

mais profunda acerca de uma situação cotidiana.

Observamos no decorrer do projeto, que o fato de trabalharmos uma temática

atual e inerente ao dia a dia, motivou os discentes durante o processo de

pesquisa, coleta e organização dos dados, pois na perspectiva dos alunos não

estávamos trabalhando um conteúdo “sem relevância”, pelo contrário, as

ferramentas que utilizamos seriam facilmente aplicáveis em outras situações.

Quanto ao uso da matemática na construção dos gráficos, averiguamos que os

alunos esboçaram maior interesse ao utilizar a Matemática em algo concreto e

que representava suas respectivas pesquisas em grupo, o que expressam

positivamente nas respostas aos questionários.

Ao término de nossa pesquisa, constatamos que é necessário levar em conta os

acontecimentos que compõem o cotidiano do aluno, tendo como mediadores

desse processo os professores, que sempre são de grande importância nesse

processo de aprendizado dos alunos. Entendemos que, o uso dos conteúdos

associados ao Tratamento da Informação está cada vez mais presente em nosso

cotidiano, e desse modo se faz necessário nos mobilizarmos cada vez mais para

o desenvolvimento do aluno sob este contexto, seja em que nível estiver. (SENA

- Recortes do TCC)

Sena apresenta segurança em suas colocações e, a menos de algumas inserções de ordem

positivistas como “pudemos esclarecer que a Matemática é de grande valia”, que acompanham

a redação do trabalho como um todo, em que atribuem o processo de aprendizagem em curso

como um “conjunto de certezas” e não como “possibilidades”, o professor consegue perceber

a importância de um trabalho situado em contextos de práticas e associações com a realidade

dos alunos, sendo este, inclusive, uma característica central de seu investimento didático.

Apresenta, assim, instrumentalidade tecnológica e estratégica do ensino, sensibilidade

ecológica e certa consciência social da profissão.

Experiências de Queiroz

Sensibilizada pela qualidade da relação entre professora regente e alunos em uma turma

de 8º ano que acompanhara pelo PIBID, Queiroz se viu inquieta sobre as implicações da

~ 202 ~

comunicação na aprendizagem da matemática pelos alunos. A questão mobilizou a professora

na busca de sentido às interpretações dos códigos matemáticos pelos alunos que,

invariavelmente, perpassam pela mediação da língua materna, porém não se limitam a ela.

Neste sentido, se perguntou: Em que termos as linguagens matemática e materna influenciam

na aprendizagem matemática dos alunos do ensino fundamental? Sua busca, no entanto,

perpassou pela busca de evidências sobre a influência da língua materna na apropriação do

conhecimento matemático, que percebia como uma influência debilitada nas relações

estabelecidas na sala de aula que acompanhou.

Queiroz observou que nas aulas de matemática os alunos apresentavam dificuldades na

resolução de problemas matemáticos por não compreenderem o que lhes era proposto na

situação. Mas conseguiam resolver os problemas mediante o auxílio da professora regente

quando esta operava o que Queiroz chamou de transformação de uma linguagem formal para

uma linguagem natural. Este comportamento, aponta Queiroz, acaba por apresentar um

conjunto de “palavras chave” que são utilizadas para induzir determinada ação. Tais condutas,

complementa, muitas vezes impedem o aluno de se apropriar da linguagem matemática, pois,

tal “tradução”, ao invés de oportunizar a compreensão de certos conceitos e palavras, reduz-

se a simples identificação de um algoritmo. O que, segundo a professora, transforma conceitos

em operações que conduzem o aluno a respostas nem sempre compreendidas, mas esperadas

pelo professor. Sobre seu trabalho, realizado em parceria, a professora Queiroz tece as seguintes

considerações:

O ensino da Matemática está historicamente relacionado ao tratamento e

aplicação de fórmulas e procedimentos mecânicos ou cálculos repetitivos.

Modificar essa concepção, representa um grande desafio para o ensino e a

aprendizagem desta disciplina. A pesquisa oportunizou aos alunos refletirem

sobre sua linguagem ao responderem às questões e ao terem a oportunidade de

explicar os seus procedimentos através da oralidade, buscando organizar o

pensamento para comunicar o conhecimento ao seu professor e colegas.

Observamos, neste estudo, que entre a utilização de algumas estratégias para

facilitar a compreensão do discurso, a principal é fazer perguntas aos alunos.

Em alguns momentos os discursos dos alunos são fiéis ao discurso matemático

formal e em outros são colocados de lado. Outra estratégia a ser utilizada é

buscar apresentar o conteúdo relacionando-o com objetos do dia-a-dia do

aluno. Com relação ao objetivo que foi estabelecido para a pesquisa,

identificamos nas atividades desenvolvidas, as influencias e implicações da

língua materna e da linguagem matemática mobilizadas em sala de aula com

fins de estabelecer uma comunicação. Disso, podemos concluir que a

~ 203 ~

construção de estratégias que viabilizem a comunicação em sala pode ser um

caminho para tornar a relação professor-aluno e aluno-aluno mais interativa e,

consequentemente, mais efetiva para a construção do conhecimento

matemático. (QUEIROZ - Recortes do TCC)

As motivações que mobilizaram a feitura do projeto advêm da sensibilidade ecológica

da professora Queiroz em relação à sala de aula pela. Esta sensibilidade, quando direcionada a

uma reflexão mais profunda sobre as ações desenvolvidas em sala de aula e que incidem em

uma pesquisa com características científicas, com observação e experimentação em sala,

identificação de padrões e análises, bem como produção de relatório e publicização de seus

achados, configura uma aprendizagem docente do tipo curiosidade epistemológica do

conteúdo e do sujeito, posto que a questão poderia ter permanecido inerte se não percebida e

explorada pela professora no contexto observado. Identificar problemas do ofício docente

constitui, ainda, indício de uma aprendizagem docente do tipo reflexividade crítica sobre a

realidade e contribui para a apropriação de nuances da profissão, portanto, que constituem uma

socialização ao ofício do professor, isto é, evidencia uma identificação com a docência e

contribui para o seu desenvolvimento docente.

Experiências de Soares

A professora Soares desenvolveu seu projeto de investigação de sala de aula em parceria

com outra acadêmica do curso e teve o seguinte título: “Dificuldades na aprendizagem em

matemática: um estudo de caso em uma escola pública de Igarapé-Açu”. A motivação para o

trabalho se situa na identificação feita por Soares de alunos com dificuldades em sala, que se

apresentavam desmotivados e, por isso, pouco participativos. Depois de uma sólida incursão na

literatura, Soares evidenciou que o problema da baixa aprendizagem se constitui complexo,

variando entre abordagens psicológicas, psicanalíticas e neurológicas até explicações

antropológicas, sociais e mesmo de ordem didática. Seu projeto foi um dos que mais suscitou

o princípio colaborativo do grupo, posto que estiveram envolvidos neste processo, além de mim

e do seu supervisor como orientadores, uma psicóloga do município, a coordenadora

pedagógica da escola, além dos alunos, obviamente. A professora Soares e sua parceira

encerram seu trabalho com as seguintes considerações finais:

Este trabalho surgiu de nosso interesse em saber quais os fatores que

influenciam nas dificuldades de aprendizagem em matemática. Diante de tal

~ 204 ~

problemática, as dificuldades de aprendizagem foram concebidas como

decorrentes de vários fatores de ordem pessoal, familiar, emocional,

pedagógico e social, podendo ou não englobar alguma patologia de ordem

orgânica da criança. Desta forma, as dificuldades de aprendizagem podem estar

relacionadas à criança ou também, às deficiências escolares. Com vista a

desenvolver ações que propiciem aos alunos a superação dos problemas que

implicam na aprendizagem da matemática, a escola, principalmente nós

professores e técnicos pedagógicos, devemos nos preocupar com o

desenvolvimento integral do aluno, propiciando-lhe a aproximação escola-

família, em que a escola auxilie a família a compreender o problema de

aprendizagem de seus filhos, já que, em muitos casos, os pais não conseguem

entender que o baixo rendimento escolar pode estar relacionado a diversos

fatores, inclusive o próprio ambiente familiar.

Conforme pudemos observar, a aplicação do teste de aprendizagem pode

contribuir para um maior e melhor conhecimento por parte dos professores em

relação às dificuldades em matemática dos alunos, pois foi a partir das

respostas do teste que conseguimos identificar os alunos com necessidades e

alguns possíveis fatores que implicam na aprendizagem matemática dos

mesmos. Fatores estes que após a realização de entrevistas com os alunos, com

a professora regente da turma e a técnica pedagógica da escola serviu-nos para

ratificar a existência de uma interação entre fatores educativos (ambiente

escolar, relação professor-aluno e didático), sociais (ambiente familiar) e

individuais (disfunção motivacional) implicando na aprendizagem matemática

dos alunos.

Essa interação ocorre de diversas formas. Um exemplo disso, são os problemas

motivacionais do aluno, quando detectados muito tarde pela escola - pois é nela

que são reveladas as dificuldades do aluno -, levam a um acúmulo de frustrações

e ao insucesso escolar; daí a importância do apoio da família para disposições

da aprendizagem escolar através do encorajamento, confiança e segurança,

reforçando os aspectos positivos do aluno; e a escola precisa garantir esse

apoio. Não centralizando a problemática no aluno, ao contrário, a escola deve

direcionar os seus recursos disponíveis, através de cursos de formação

continuada, aos docentes e matérias didáticos e pedagógicos, para possibilitar

a construção do conhecimento e sem discriminar os que têm dificuldade de

aprender. (SOARES – Recortes do TCC)

A questão central da pesquisa - Que fatores influem para a ocorrência de dificuldades

na aprendizagem da matemática? -, trazida ao grupo pela professora Soares, mobilizou-nos a

todos no sentido de uma discussão que nos remeteu a existência de vários fatores, como

implicantes na baixa aprendizagem dos alunos. Ficamos intrigados, porém, pela existência de

três claras vertentes para as quais não encontramos pesquisas que as conciliassem, a saber,

existem pesquisas que exploram as dificuldades de aprendizagem de ordem psicológica ou

neurológica, outras que discutem as dificuldades do ponto de vista pedagógico e social e mais

outras do ponto de vista dos obstáculos epistemológicos e didáticos. A contribuição do

~ 205 ~

investimento de Soares foi, sem dúvida, a articulação destas vertentes em um trabalho

multireferencial, e que discute as dificuldades de aprendizagem segundo duas dimensões, as de

ordem externa (social e didático) e as de ordem interna (psicológicas e neurológicas), tecendo

relações entre elas, isto é, Soares explorou os fatores inerentes as ações da sociedade, da família

e da escola, e investigou as causas motivacionais e de ordem biológica que implicam na

aprendizagem dos sujeitos. A motivação para a investigação assiná-la não apenas uma

aprendizagem do tipo sensibilidade ecológica em que a professora pontua aspecto relevante do

contexto escolar, levantando uma questão docente significativa, mas ainda manifesta

consciência social da profissão ao propor como um de seus produtos um roteiro de atividades

que auxilia aos professores na identificação de problemas de aprendizagem matemática dos

alunos, demonstrando preocupação em seu discurso, com a formação de seus pares e a solução

de problemas presentes em seu contexto social.

Experiências de Figueiredo

O professor Figueiredo apresentou desde muito cedo no grupo o interesse em realizar

um trabalho investigativo que refletisse seu processo de imersão na sala de aula e nos ambientes

de aprendizagem do PIBID. Deste modo, foi natural que desenvolvesse o projeto “Formação

de professores de matemática: reflexões sobre o ser e o constituir-se como docente”. Neste

trabalho Figueiredo desenvolve, em parceria, um relato sobre suas experiências como bolsista

do projeto PIBID, em que questiona: Em que as experiências de formação em ambientes

colaborativos têm contribuído para a constituição de professores de matemática? A partir desta

questão, o professor tece uma narrativa sobre suas experiências no projeto e pondera sobre a

importância de práticas antecipadas de ensino para o enfrentamento de problemas inerentes a

carreira profissional docente. Sobre seu trabalho Figueiredo pontua, em parceria, as seguintes

considerações finais:

O que relatamos neste TCC faz referência às experiências apreendidas no

GCEM, assim como as reflexões realizadas a partir das ideias de Dewey (2011) e Schön (apud DORINGON & ROMANOWSKI, 2008), Fiorentini (2005; 2008),

Garcia (1998), Pimenta (2004; 2008) e muitos outros autores, que contribuíram

para as nossas práticas enquanto futuros professores. As pesquisas, as

intervenções e os relatos dos diários nos proporcionaram um grande apanhado

de conhecimentos e aprendizagens. Com isso, pudemos perceber de perto como

é complexa a realidade de um ambiente escolar, que até então estava

~ 206 ~

“embaçada” aos nossos olhos. Nessa perspectiva, os dezessete meses de

experiências no grupo foram marcados por várias discussões, conferências e

seminários que nos ajudaram a identificar as diversas características da

profissão docente, assim como nos ajudou a nos constituir como tal. O que não

foi tão simples assim, pois, muitas vezes, em dupla, tivemos muitos impasses e

divergências com relação às reflexões e as discussões que as mesmas

propiciavam. Relatar experiências de forma conjunta é um tanto complicado,

mais ainda quando essas experiências propiciam resultados e concepções

diferentes para cada indivíduo.

Acreditamos que o GCEM nos proporcionou algo muito além de experiências

em espaços formativos, pois, nos fez compreender como o mesmo contribuiu de

forma ímpar para com a constituição da nossa identidade docente, visto que

muito do que aprendemos é graças a nossa participação neste grupo. Assim,

percebemos que o objetivo de investigar em que nossas experiências de

formação colaborativa contribuíram para nossa constituição como professores

de matemática foi alcançado e o resultado foi positivo, já que o GCEM nos

possibilitou o que poucos cursos de formação possibilitam a seus alunos, pois,

foi devido a participação neste referido grupo que nos tornarmos profissionais

melhores, que não buscam apenas cumprir seu papel institucional de educador,

mas que se preocupam com o seus alunos de modo transcendente ao simples

aprendizado dos conteúdos, contribuindo com esta sociedade que está

necessitando de professores qualificados e que acreditam em uma educação de

qualidade. (FIGUEIREDO – Recortes do TCC)

O debruçar sobre o relatório escrito de Figueiredo é um verdadeiro resgate de bons

momentos que vivenciamos juntos no grupo e que nos trazem diversas experiências de vida e

profissionais. Contudo, embora não se evidencie explicitamente em seu registro as

contribuições das experiências colaborativas à sua formação como professor de matemática, é

possível perceber em seu discurso importantes categorias de aprendizagem como a

reflexividade crítica sobre a realidade pela própria escolha do tema e necessidade expressa de

se “olhar”, de perceber-se em um processo de desenvolvimento. O que nos remete à segunda

categoria, a de inacabamento e consciência social da profissão, pois declara ter antes uma

“realidade embaraçada” aos seus olhos e que seu percurso de experiências “contribuiu de

forma ímpar para com a constituição da nossa identidade docente” e expressa ainda que “nos

tornarmos profissionais melhores, que não buscam apenas cumprir seu papel institucional de

educador, mas que se preocupam com os seus alunos de modo transcendente ao simples

aprendizado dos conteúdos, contribuindo para com esta sociedade que está necessitando de

professores qualificados e que acreditam em uma educação de qualidade”.

~ 207 ~

Experiências de Leite

O professor Leite demonstrou durante todo seu percurso de formação uma inclinação

aos processos didáticos da matemática e à lida com as estruturas matemáticas mais puras. Este

perfil o levou a desenvolver, em parceria, o projeto: “As contribuições do Teorema de Tales

para o ensino da matemática: da epistemologia da Geometria à Informática Educativa”. Uma

preocupação inicial de Leite era com relação à potencialidade do aparato computacional como

auxílio ao ensino da Matemática. Para isso, propunha investir esforços na elaboração de um

roteiro de atividades de ensino em que seriam desenvolvidos passos em um software livre de

geometria e testadas hipóteses de aprendizagem. Contudo, a proposta possuída dois imbricados

problemas que davam ao projeto um caráter diretivo e tecnicista. O primeiro dizia respeito ao

emprego do software como instrumento de ensino. Não havia justificativa emergente do

contexto de sala de aula observado que motivasse esta proposta, ou pelo menos nada que àquela

altura o professor pudesse justificar como um problema do contexto, como fora requerido de

todos os participantes do GCEM. O segundo problema era a própria estrutura do material

elaborado para a atividade prática. As atividades que deveriam dar conta de auxiliar a

construção dos conceitos geométricos do Teorema de Tales apresentavam-se extremamente

pontuais e desarticulados, isto é, não havia conexão entre as tarefas propostas. Os professores

possuíam uma compreensão sobre o conteúdo Teorema de Tales, mas tinham dificuldade de

promover a transposição da praxeologia do professor para uma sequência didática plausível de

ser materializada e desenvolvida com os alunos. Esta dificuldade dos professores já se

apresentava quando da experiência de construção das sequências didáticas nas experiências dos

estudos em grupo, especificamente quando compuseram o GT1 para o trabalho com funções

afins e quadráticas.

Para que os professores se dessem conta dos problemas da proposta, marcamos algumas

sessões para discussão em grupo sobre o roteiro de atividades proposto e para a problematização

dos encaminhamentos gerais do projeto. Percebia um forte apego dos professores ao perfil

racional e técnico do ensino, com foco no conteúdo e nos instrumentos de ensino e pouca

sensibilidade para com as necessidades inerentes à relação professor/aluno/saber. Em relação a

isso, discutimos que o professor deve estar atento para os imprevistos do contexto escolar. Neste

sentido, questionava: Como procederiam na aula de Teorema de Tales se não tivessem

disponível o computador? Que construções seriam necessárias para a compreensão por parte

~ 208 ~

dos alunos do objeto Teorema de Tales, de modo que independessem dos recursos tecnológicos

escolhidos? Que questionamentos envolveriam o diálogo de mediação da sequência junto aos

alunos de modo que o processo fosse construtivo? Propus ainda que estudassem como dariam

aula do mesmo assunto com o emprego dos instrumentos régua e compasso concretos, depois

com régua e compasso virtuais, e apontassem quais as potencialidades e restrições de cada

método. Discutimos também o porquê de ser de cada tarefa por eles elaborada em seu roteiro

de trabalho.

Depois de todo o planejamento e materiais elaborados, constituiu outra problemática a

formação do público para a execução do projeto. Inicialmente se pensou na elaboração de uma

oficina para docentes, depois para alunos do ensino médio em uma turma regular, mas devido

o número insuficiente de computadores e o tipo de sistema operacional disponível na escola,

que era incompatível como o software proposto no trabalho, o projeto teve que ser desenvolvido

no laboratório da Universidade com um público reduzido de alunos convidados. Sobre o projeto

Leite tece, em parceria, as seguintes considerações finais:

Neste trabalho foi apresentada uma sequência didática com características

fundamentadas na didática da matemática, sendo criada uma organização de

tarefas fundamentais, na qual indicamos uma sequência a ser seguida pelos

alunos com grau de complexidade crescente, por meio de atividades

experimentais que resgatavam conteúdos necessários para o aprendizado do

Teorema de Tales. Nesse aspecto, trabalhamos em dois ambientes

complementares para o aprendizado do Teorema de Tales, sendo que o

primeiro, das construções estáticas, em que trabalhamos conteúdos referentes a

ampliação e redução de figuras, razões, perímetro, cálculo de áreas, para

podermos conceituar os conteúdos de Semelhança, Congruência e

Proporcionalidade, e por último, através da sobreposição de triângulos

semelhantes, em que introduzimos os conceitos de feixes de retas paralelas e

retas transversais. No segundo ambiente, o das construções dinâmicas,

apresentamos o software C.A.R. e suas potencialidades. Por meio das atividades

realizadas nesse ambiente os alunos identificaram e compreenderam os

conceitos do Teorema de Tales e, através de sua aplicação, construíram o

conceito de Semelhança de Triângulos e por fim descobriram também as

relações métricas em um triângulo retângulo qualquer.

Pela análise realizada sobre o desenvolvimento dos alunos durante a fase da

aplicação da oficina e os resultados apresentados no questionário que

aplicamos com eles, concluímos que nossos objetivos almejados para a

sequência didática foram alcançados, pois os alunos conseguiram identificar as

potencialidades e restrições que cada ambiente possuía e viram que foi

fundamental a complementaridade desses para o aprendizado do Teorema de

Tales. Nossa metodologia adotada contribuiu bastante para o desenvolvimento

~ 209 ~

tanto pessoal quanto intelectual desses alunos, pois na entrevista realizada após

a aplicação da sequência com o professor regente da turma, além dos objetivos

que eram almejados nesse trabalho aconteceram outras contribuições, entre

elas, podemos citar a motivação em sala dos alunos e a mudança

comportamental, ou seja, além do rendimento em sala ter melhorado, teve

também uma melhora na relação de respeito com o professor.

Os ambientes que apresentamos auxiliarão o professor a construir o

pensamento e a aprendizagem dos alunos de uma forma criativa e ao mesmo

tempo lhes permitirá uma alfabetização tecnológica. Desse modo, seria

interessante que cada professor de matemática tivesse conhecimento de pelo

menos algum software educativo, para que utilize em suas aulas adaptando-o

ao conteúdo que será abordado e, preferencialmente, possa permitir a

participação ativa dos alunos. Vale ressaltar que apesar dos ambientes de

geometria dinâmica proporcionarem autonomia para os alunos realizarem as

atividades propostas pelos professores, esses continuam com um papel

importante quanto a elaboração de situações, institucionalização de ações e nas

orientações.

O trabalho apresentado por Leite apresenta um certo distanciamento do que o GCEM

preconiza enquanto grupo em relação a investigação da emersão de problemáticas do contexto

escolar observado e de valorização de procedimentos construtivos no processo de ensino da

matemática. Apesar das discussões sobre tais aspectos estarem sempre presentes no grupo, o

exemplo acima vem demonstrar que o processo identitário perpassa por uma sensibilização do

sujeito a um conjunto de valores e formas de saber-fazer no grupo. De modo que esta identidade

nem sempre será garantida pelo exercício da díade participação ativa e reificação dentro da

comunidade.

Este exemplo, vem demonstrar que a aprendizagem da docência é situada em uma

prática, mas parece que a conformidade pode não se dar em relação às perspectivas de prática

do grupo frequentado pelo professor, mas a uma outra comunidade com a qual, embora não

esteja presente, age como referencial de resistência aos novos valores e práticas vivenciados

pelo sujeito. Neste sentido, o professor viveu, mas não experienciou plenamente o vivido

conforme os princípios institucionais do grupo. Mas, pelo que preconizamos no GCEM, não

podemos dizer que Leite não apresentou avanços neste processo de investigação. Isso não seria

verdade, visto que as dificuldades do processo de desenvolvimento do trabalho se encarregaram

de tornar concretas algumas problemáticas que já apontávamos como de relevância para a

ocorrência da aprendizagem docente, a exemplo, quando da execução da aula em laboratório

faltou energia e os professores tiveram que trabalhar por um momento com a régua e compasso

concretos, apontando a existência de imprevistos na sala de aula para os quais o professor

~ 210 ~

precisou construir estratégias alternativas e adaptadas à emergência do contexto para contornar

a situação de dificuldade, sempre mantendo o profissionalismo. Neste sentido, Leite manifestou

uma instrumentalidade tecnológica e estratégica do ensino.

Entretanto, posicionamentos como “indicamos uma sequência a ser seguida pelos

alunos”, “Nossa metodologia adotada contribuiu bastante para o desenvolvimento tanto

pessoal quanto intelectual desses alunos”, e “Os ambientes que apresentamos auxiliarão o

professor a construir o pensamento e a aprendizagem dos alunos de uma forma criativa e ao

mesmo tempo lhes permitirá uma alfabetização tecnológica”, evidenciam carência de

compreensão sobre o potencial da construção e desenvolvimento de uma sequência didática,

que de modo algum deve ser entendida como algo imposto ao aluno, mas problematizado,

apresentado por meio de tarefas que instiguem questionamentos e experimentações pelos

estudantes, uma vez que demandam diálogo e construção de estratégias e não, necessariamente,

seguimento de passos conforme deseja o professor. Também é contraindicado o

estabelecimento de certezas no processo educativo, de modo que a condução linear no

desenvolvimento do projeto não é garantia de efetiva aprendizagem pelos alunos, tampouco se

deve esperar garantia de êxito desta mesma metodologia em próxima experimentação realizada

por outros professores.

A condução de Leite manteve relação estreita com uma perspectiva positiva, em que as

pessoas trabalham como sujeitos técnicos que aplicam com maior ou menor eficácia as diversas

tecnologias pedagógicas (no caso o software) produzidas pelos cientistas, pelos técnicos e pelos

especialistas. Em outros termos, posso dizer que o professor Leite manteve uma identidade real

vinculada à racionalidade técnica, enquanto projetávamos uma identidade virtual construtivista

no grupo, o que não se consolidou neste caso. O professor Leite apresentou, porém, durante o

processo de estudo, tipos de aprendizagem como o instrumental e tecnológico do ensino, bem

como certos aspectos do domínio didático-pedagógico do currículo e do ensino da

matemática, visto que seu investimento configurou-se no sentido da apropriação de um

software de manuseio simples, mas de possibilidades complexas, bem como executou um sério

aprofundamento em relação ao conteúdo Teoremas de Tales e Semelhança de Triângulos.

No geral, todos os professores manifestaram tipos de aprendizagem desejáveis à

socialização docente em relação ao grupo de referência GCEM, evidenciando indícios de uma

possível apreensão da assunção da autoridade docente.

~ 211 ~

Convergências e projeções da Composição III

O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente,

interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel no

mundo não é só o de quem constata o que ocorre mas também o de quem intervém

como sujeito de ocorrências. Não sou apenas objeto da História mas seu sujeito

igualmente. No mundo da História, da cultura, da política, constato não para me

adaptar mas para mudar. (FREIRE, 1996)

A história do mundo tem demonstrado que as mudanças sociais não se fazem por

decretos, normas e portarias. Elas são processuais e se constituem, no tempo, pela dinâmica da

articulação entre a subjetividade (vontade de mudar) e a objetividade (condições objetivas para

que as mudanças possam ocorrer). Pensar nessa articulação é necessário, na medida em que

cada pessoa, em sua condição de sujeito, pode interferir na objetividade do mundo, não para se

adaptar, mas para mudar.

Neste sentido mudar é aprender, e aprender é tecer novos significados a um saber que

outrora nos estando presente não respondia satisfatoriamente a um fazer e um compreender que

lhe impúnhamos, de outro modo, aprender é criar uma relação com um saber que se faz novo,

presente agora por circunstancias tais que já não podemos ignorá-lo. Aprender é estar presente

em um processo de vida, de interação, de diálogo, de construção de sentidos e justificativas de

passos, decisões, atitudes, acertos e equívocos decorrentes de uma breve ilusão.

Aprender é identificar-se, é assumir um papel social, que aqui tenho expressado em

diversos momentos e de modos distintos. Neste caso do papel docente, que é o de assumir uma

posição em um contexto institucional em que é preciso dar monstras de um fazer docente

(práxis docente) em conformidade com uma discursividade profissional (um paradigma

docente) preexistente. Em específico, este fazer se caracteriza pela “perpetuação” de um saber

(logos docente) legitimado. Para que ocorra a identificação ou conformidade com certas

praxeologias docentes, o processo de mudança deve ser legitimado por uma comunidade de

práticas que adote, em grande medida, as decisões e atitudes expressas por este indivíduo de

pretensões docentes, pondo a prova o saber produzido por ele na proporção em que se agrega à

comunidade.

Inserir-se em uma comunidade de práticas docente é correlato, portanto, a adotar um

paradigma e dar mostras de estar de acordo com ele. Por esse pressuposto, há a necessidade de

definirmos os conteúdos que dão forma às práticas a serem legitimadas pelo grupo, que aqui

~ 212 ~

assumo por grupo de referência. O grupo de referência em tela é constituído pelos integrantes

do GCEM que têm adotado os referenciais teóricos de grupos de prática que valorizam os

pressupostos democráticos, os processos construtivos e dialógicos, as interações não

hierarquizadas, a heterogeneidade de sujeitos e preocupação com as questões de ordem social,

comuns, portanto, aos grupos colaborativos.

Uma vez que o GCEM adotou por lócus de suas ações um ambiente de interstício entre

a Universidade e a Escola, não adotando, por isso, uma ou a outra instituição em primazia, tem

construído sua própria base de referências em práticas de problemáticas de sala de aula, em

específico as surgidas nas aulas de matemática, e sobre elas reflete a partir de “óculos

referenciais” encontrados nos ambientes acadêmicos correspondentes. Tais problemáticas

fazem surgir projetos e, com os projetos, experiências formativas únicas em termos de

oportunidade de aprendizagem da docência, que constituem um percurso formativo com viés

extracurricular, uma vez que não atende a currículos e/ou itinerários pré-definidos.

Pelo que já expus, é possível observar a necessidade posta de definirmos os sentidos

assumidos por positivos no grupo, de tal modo que constituam os critérios de legitimidade e de

identificação dos processos de aprendizagem, das categorias de aprendizagem presentes em

nossas práticas e de evidenciação de sujeições positivas, isto é, de constituição identitária e/ou

desenvolvimento profissional a partir das experiências colaborativas vivenciadas no grupo.

Neste sentido, a partir de um profundo estudo das obras de referência sobre a formação e

desenvolvimento profissional docente e por um processo de unitarização aplicado sobre os

textos (reificações) dos sujeitos colaboradores do grupo, foi possível fazer emergir deste

complexo discursivo oito categorias de aprendizagem que, em conjunto, dão sentido às práticas

recomendadas e legitimadas pelo GCEM como práticas de um “bom professor”.

O percurso descrito pelas experiências dos professores tomados por sujeitos desta

pesquisa, registra uma trajetória possível de formação, com características únicas em termos de

suas contingências. Constituíram, pois, as condições para a efetivação deste percurso formativo:

minha posição como Coordenador Geral do Campus Universitário (por lhes dar suporte

institucional), as bolsas de incentivo da agência de fomento (por financiar alguns recursos

materiais e auxiliar financeiramente os integrantes do grupo), a composição do grupo que era

formado por estudantes de uma mesma classe (que, por vezes, possibilitava o desenvolvimento

de atividades articuladas entre as disciplinas oficiais do curso e as tarefas do PIBID), a

proximidade das residências dos colaboradores do grupo (que facilitavam a execução de tarefas

~ 213 ~

coletivas e a identificação de uma identidade cultural e certa uniformidade econômica e social

destes sujeitos). E, por sua vez, constituíram restrições aos processos de socialização: a

distância do Campus à capital (que implicavam a dificuldade de acesso a gestão institucional

do programa), a dificuldade de acesso a livros e revistas especializadas, acesso às linhas

telefônicas e à rede mundial de informação e comunicação, financeira dos professores e

supervisores (que necessitavam realizar outros trabalhos para complementar renda, o que

dificultava sua participação plena nas reuniões de formação e participação em eventos,

principalmente os nacionais); e as greves estudantis e de professores da rede estadual e

municipal de ensino (que impossibilitavam o acompanhamento das classes de alunos).

Dadas as contingências, que assumo por comuns a quaisquer contextos educacionais em

nosso país, o percurso de experiências construído evidenciou diversos momentos positivos e de

grandes contribuições ao grupo de professores. Possibilitando tipos de aprendizagem

importantes sobre a docência que se constituíram-se em processos contínuos de experiências,

as quais explorei atentamente nesta composição. É oportuno destacar, neste percurso de

experiências exitosas, duas invariantes, a saber: a relação dos sujeitos com as reflexões teóricas

sobre suas práticas, e suas práticas efetivas “encharcadas” de compreensão teórica. Deste modo,

a relação teoria-prática se fez presente em todo o percurso de experiências vivenciadas pelos

professores. Iniludível, portanto, em todos os processos de conversão e constituição identitária

destes sujeitos.

O avanço, se assim se pode dizer, da compreensão da docência por meio das mudanças

de relação com o saber, mediante o saber-fazer principiam os contornos de uma conversão

catastrófica, nos termos que defini na Composição I. Deste modo, o percurso docente aqui

descrito, prescinde da construção de um modelo de formação e desenvolvimento profissional

que o determine. Este modelo constitui uma síntese possível deste trabalho, pois enseja a

caracterização do que chamo Modelo de Desenvolvimento Profissional Docente em uma

Perspectiva Catastrófica, que será objeto da próxima composição.

~ 214 ~

~ 215 ~

COMPOSIÇÃO IV

Nesta composição teço relações entre os componentes teóricos

Experiência, Aprendizagem, Socialização e a Teoria das Catástrofes,

tendo em vista a construção de um modelo analítico para o

desenvolvimento profissional docente em uma perspectiva catastrófica

(DPDPC). Foram adotados alguns procedimentos metodológicos de

pesquisa qualitativa, envolvendo experiências de aprendizagem de dois,

dentre os seis sujeitos iniciais da pesquisa. A modo de síntese, o

DPDPC representa um modelo conceitual que ajuda a descrever e

compreender a aprendizagem e o desenvolvimento profissional dos

professores, a partir de experiências de formação e de docência nas

quais ocorrem mudanças e momentos de conversão catastrófica,

promovendo novas relações com o saber escolar e uma progressiva

socialização e identificação com outras formas de ser e fazer em uma

comunidade docente.

Katastrophé

~ 216 ~

~ 217 ~

COMPOSIÇÃO IV

CONTORNOS DE CONVERGÊNCIAS DA PESQUISA

Um modelo analítico-descritivo do Desenvolvimento Profissional

Docente em uma Perspectiva Catastrófica (DPDPC)

Assumi neste trabalho, que a aprendizagem docente constitui uma mudança, uma

modificação do sujeito em relação a um saber, de modo que se possa avaliar a sua conformidade

com as formas de ser e saber-fazer próprias da comunidade de práticas profissionais docentes.

Esta compreensão faz surgir a oportunidade de construção de um modelo analítico-descritivo

desse componente complexo que constitui o desenvolvimento profissional docente. A partir de

então, sou levado a entretecer relações das teorias da Experiência (DEWEY, 1979, 2011),

Aprendizagem Situada (LAVE & WENGER, 1991), Socialização (DUBAR, 1997) e

Desenvolvimento Profissional Docente (FIORENTINI, 2009, 2013; PONTE, 1998; PONTE et

al, 2003) e a Teoria das Catástrofes (THOM, 1977, 1995; ARNOUD, 1989), que objetivam

construir este modelo, que denomino por Modelo de Desenvolvimento Profissional em uma

Perspectiva Catastrófica (DPDPC).

Construí uma compreensão prévia deste modelo na primeira composição, ao que

associei a este a característica de metáfora, posto tratar-se, em verdade, de uma interpretação

do desenvolvimento profissional a partir dos componentes teóricos da Teoria das Catástrofes

de René Thom (1977; 1995) – com suas respectivas noções de contorno, mudança, forma,

desenvolvimento e pregnância.

Este modelo enseja a fluidez interpretativa de um fenômeno complexo e tem por

finalidade identificar, descrever e analisar os processos de aprendizagem e o desenvolvimento

profissional docente em contextos de experiências colaborativas em comunidades de prática

docentes. Lembro, neste sentido, das considerações de Sparks & Loucks-Horsley (1990, apud

FORMOSINHO J., 2009), que apresentam dois pressupostos sobre o desenho de modelos de

desenvolvimento profissional docente. Em primeiro lugar, situar a origem dos conhecimentos

~ 218 ~

sobre as práticas de ensino e, em segundo lugar, lançar luz sobre os processos como os

professores adquirem e desenvolvem seus conhecimentos.

Em linhas gerais, procurando respeitar estes pressupostos, tomei em consideração o

macro-percurso formativo96, descrito na composição anterior, caracterizando os contornos de

aprendizagem que indicam os processos de conversão catastrófica próprios dos sujeitos em

estado de mudança. Esta conversão será apontada, indicando, para cada ponto do percurso de

formação profissional dos sujeitos, uma descrição da relação destes ante à evocação de

significados da experiência, próprios de uma conversão catastrófica. Para isso utilizarei os

discursos e produções de dois dos sujeitos, Sena e Queiroz. A escolha destes sujeitos se deve

tão somente pela profusão de dados coletados sobre eles, que supera, em densidade, as

participações e reificações dos demais participantes do projeto. Assumo estes critérios de

seleção dos sujeitos, devido entender que a participação e a reificação constituem processos

interdependentes e essenciais à aprendizagem e à constituição de identidades de/em uma

comunidade (FIORENTINI, 2013b, p. 6)

Princípios relativos ao professor, sua aprendizagem e seu desenvolvimento

profissional

Posso elencar e assumir, neste trabalho, pelo menos seis princípios acerca da

aprendizagem e do desenvolvimento profissional do professor sob uma perspectiva catastrófica:

O DPDPC ocorre em um contexto de prática reflexiva ou investigativa - A aprendizagem

e o desenvolvimento profissional do professor, em uma perspectiva catastrófica, requer uma

conversão que pode ser desencadeada por uma ação reflexiva ou investigativa sobre sua prática.

Assim, um problema identificado, um desafio, uma dificuldade percebida, ou uma determinada

prática educativa, pode passar por um processo reflexivo ou investigativo de problematização,

individual ou coletivo, com perspectivas de promover mudanças em relação ao saber ou à

compreensão de uma situação específica da prática pedagógica;

Os professores são indivíduos inteligentes, questionadores, críticos e de espírito aberto –

Os professores são capazes de construir conhecimento a partir de experiências relevantes

96 O percurso de formação descrito pelas experiências de formação de um sujeito docente, iniciado na formação

básica, passando pela formação inicial oficial e tendo continuidade, depois da formatura, em práticas efetivas de

docência e formações continuadas.

~ 219 ~

(DEWEY, 2011) e estão dispostos a procurar informações que os auxiliem na resolução de

questões problemáticas da experiência;

Os professores são protagonistas e criativos - Os professores desenvolvem modos de

compreensão da realidade e de intervenção na mesma por meio de processos de enfrentamento

de questões, desafios e situações problemáticas que lhes preocupam, buscando na prática e na

literatura, as informações necessárias;

O professor é um ser social - O caminho mais promissor para o desenvolvimento

profissional é a reflexão em grupo, por meio de dinâmicas colaborativas, que discutam os

problemas e desafios docentes de modo a tentar tornar as práticas individuais e coletivas mais

consistentes, econômicas e efetivas, segundo princípios e valores éticos e institucionais que

compartilham;

Viver a formação é construir mudanças - A formação enseja a inovação como um

processo de transformação das práticas. A questão central aqui é refletir em que termos os

professores envolvidos em uma experiência de formação dela se apropriam;

O DPDPC não se constrói por meio de simples acumulação de cursos, conhecimentos e

técnicas – O desenvolvimento profissional docente, em uma perspectiva catastrófica, ocorre

por meio de um trabalho reflexivo e crítico contínuo sobre as práticas e envolve adotar como

seus as normas e valores essenciais da profissão docente (PONTE et al., 2003). Desenvolve

uma forte identidade profissional associada a uma postura e a um compromisso de aprimorar

sua prática e a si próprio como educador e de contribuir para a melhoria das instituições

educativas em que atua e, sobretudo, da formação integral e crítica dos que nela estudam.

Podem ocorrer situações imprevisíveis em sala de aula, mas a análise constante e coletiva destas

vivências possibilita a construção de conhecimentos estratégicos sobre a docência, habilitando

os professores a perceber os padrões e as possibilidades que auxiliam na compreensão e solução

de uma situação problema (NÓVOA, 2000; FIORENTINI, 2009). Há, portanto, um contínuo

experiencial ai operando (DEWEY, 2011).

Os princípios ora enunciados são passíveis de evidenciação em episódios narrativos que

expressam desenvolvimento profissional docente em uma perspectiva catastrófica. Para efeito

de exemplificação, tomarei o seguinte episódio narrado por Queiroz:

Quando entrei no grupo eu pensava que ia passar um ano e pronto. Na minha

mente eu achava que ia passar logo a empolgação do momento. Eu achava que

isso não ia me atingir tanto p’ro futuro, não ia mudar muito minha cabeça. Eu

~ 220 ~

ainda tinha a ideia de que ia ser legal, ia ser interessante, mas ia ser passageiro.

Bem objetivo, eu ia lá, fazia alguma coisa e voltava. Eu não pensava que o que

eu fazia lá, ou que ocorriam lá, iriam me atingir tanto. A primeira vez que mudou

comigo foi uma coisa “besta”. A professora falou p’ra eu pegar o caderno dos

meninos e conferir o visto de todo mundo. Eu disse tá! Conferia as folhas, um,

dois, três, quatro e dependendo do número de vistos que tinham valeria um

ponto. Eu peguei, vi outros vistos, tudo bonitinho, mas tinha um com uma rasura.

O menino tinha falsificado o visto no caderno. Pensei assim, falsificar um visto

pode não parecer nada quando você tem dez anos, mas quando você se cria

naquilo de “assim vou me dar bem!”, fazendo esse tipo de coisa, o que ele vai

fazer? Vai falsificar dinheiro quando for mais velho. Ai pensei “o que vou

fazer?”. Ele era um aluno super legal e não tinha necessidade de falsificar um

visto. Ele poderia dizer que não tinha todos os vistos, mas que vinha e fazia tudo.

Mas ele achou que seria mais seguro falsificar o visto. Eu fiquei pensando e

chamei ele. Eu falei p’ra ele: “- Vou te dar só os vistos que tu tens, porque eu

peguei isso aqui! Eu quero que tu me digas, o que é isso?”. Então ele foi me

explicar que naquele dia não tinha vindo. Eu falei que se ele tivesse me falado

antes eu tinha dado os pontos de todos os vistos, mas como ele falsificou iria

ficar com zero, porque eu não saberia dizer qual era original e qual era

falsificado. Eu disse que não tinha a ver com o visto, mas com a atitude de querer

enganar outra pessoa p’ra se dar bem. Isso não vale, isso não pode. Porque eu

peguei e lhe dei zero, mas mais à frente pode não ser um zero em uma caderneta,

pode ser uma coisa muito mais grave. Quando eu sai de lá pensei em como uma

coisa “besta” pode mudar a gente, ou no que a gente acredita mais p’ra frente.

Isso foi na primeira semana quando a gente voltou ao PIBID depois das férias.

Eu até falei p’ra Soares: “- A gente fica o tempo todo pensando sobre os

meninos. Nas coisas que eles falam, como eles falam. De como as vezes não têm

noção de futuro!”. Talvez eles pensem: “- Ela não sabe o que se passa na minha

vida!”. Mas só deles pararem p’ra conversar com a gente já vale a pena, porque

a gente teve seis meses só de formação e de leitura de textos, e na primeira vez

em sala de aula isso aconteceu. Eu fiquei pensando, foi a primeira vez que pensei

que licenciatura não é só chegar lá, dar o conteúdo e ir embora. Não, as vezes

acontecem várias coisas na sala de aula que se tu está lá, vai ter que responder.

Isso é importante, pois depende da atitude que vais tomar. Acho que foi essa

situação que desencadeou todas as outras vezes que eu pensei, quando eu olhava

o caderno dos meninos, quando via que não traziam caderno, essas coisas assim

... (QUEIROZ, Recortes da Entrevista)

Neste episódio é possível observar a ocorrência dos princípios do DPDPC, construídos

a partir de evidências empíricas em diálogo com a literatura, operando conforme os seguintes

destaques:

O desenvolvimento profissional em uma perspectiva catastrófica ocorre em um contexto

de práticas - Neste caso específico, a reflexão de Queiroz é desencadeada por uma prática

de sala de aula: “A professora falou p’ra eu pegar o caderno dos meninos e conferir o visto

~ 221 ~

de todo mundo. (...) Conferia as folhas, um, dois, três, quatro e dependendo do número de

vistos que tinham valeria um ponto”. Contudo, existiu outro contexto de experiências que

possivelmente a tornaram sensível à nova experiência, perceptível quando Queiroz assinala

que: “(...) a gente teve seis meses só de formação e de leitura de textos, e na primeira vez

em sala de aula isso aconteceu.”;

Os professores são indivíduos inteligentes, questionadores, críticos e de espírito aberto -

Esta interpretação é passível de percepção no seguinte destaque: “Pensei assim, falsificar

um visto pode não parecer nada quando você tem dez anos, mas quando você se cria naquilo

de ‘assim vou me dar bem!’, fazendo esse tipo de coisa, o que ele vai fazer? Vai falsificar

dinheiro quando for mais velho.”. Evidenciei também que a professora está disposta a

procurar informações que à auxilie na resolução da problemática experienciada, como em:

“Ai pensei ‘o que vou fazer?’”;

Os professores são criativos – Para enfrentar a questão que lhe preocupava a professora

decidiu interpor diálogo com o aluno para recolher as informações necessárias para obtenção

de solução para a situação, como visto em: “Eu quero que tu me digas, o que é isso?”. Então

ele foi me explicar que naquele dia não tinha vindo. Eu falei que se ele tivesse me falado

antes eu tinha dado os pontos de todos os vistos, mas como ele falsificou iria ficar com zero,

(...) Eu disse que não tinha haver com o visto, mas com a atitude de querer enganar outra

pessoa p’ra se dar bem. (...) eu peguei e lhe dei zero, mas mais à frente pode não ser um

zero em uma caderneta, pode ser uma coisa muito mais grave.”;

O professor é um ser social – A professora relata manter uma conduta de reflexão coletiva

com seus pares sempre que surgem situações problemáticas e que considera significativo

explorar, evidenciada no seguinte excerto: “Eu até falei p’ra Soares: ‘- A gente fica o tempo

todo pensando sobre os meninos. Nas coisas que eles falam, como eles falam. De como as

vezes não têm noção de futuro!’. Talvez eles pensem: ‘- Ela não sabe o que se passa na

minha vida!’. Mas só deles pararem p’ra conversar com a gente já vale a pena”;

Viver a formação é construir mudança – Uma declaração reflexiva sobre sua mudança

enquanto docente é perceptível no destaque: “(...) a gente teve seis meses só de formação e

de leitura de textos, e na primeira vez em sala de aula isso aconteceu. Eu fiquei pensando,

foi a primeira vez que pensei que licenciatura não é só chegar lá, dar o conteúdo e ir

embora.”;

~ 222 ~

O DPDPC não se constrói por meio de simples acumulação de cursos, conhecimentos e

técnicas – O desenvolvimento profissional catastrófico neste caso se evidencia por meio de

uma reflexão da professora acerca das possíveis tomadas de decisão em casos problemáticos

como o que experienciou, evidente em: “as vezes acontecem várias coisas na sala de aula

que se tu está lá, vai ter que responder. Isso é importante, pois depende da atitude que vais

tomar.”

Por este exemplo, percebo que o desenvolvimento profissional em uma perspectiva

catastrófica requer uma conversão desencadeada por uma ação reflexiva, isto é, enseja uma

prática a ser ponderada, investigada, para ser evolutivo. Assim, um problema identificado, uma

dificuldade sentida, pode desencadear um processo reflexivo, individual ou coletivo, com

perspectivas de mudança. Assumir estes princípios me leva a entender que professores

participantes de comunidades de prática aprendem ao olhar para a sala de aula como

comunidades de aprendizagem ou mesmo de investigação. Ou seja, o professor, assim, toma

consciência de que aprende e desenvolve-se em comunidade e seu aluno também

(FIORENTINI, 2009, 2013). O DPDPC é, nestes termos, um desenvolvimento que parte de

práticas docentes e, uma vez operada a análise das mesmas pelo professor, há grande

possibilidade de transformá-la. Ascende-se, assim, à transformação da práxis pela conversão

docente e, quando registrada e analisada individual ou coletivamente, possibilita a expansão do

conhecimento profissional.

O enfoque do DPDPC conota uma realidade que se preocupa com os processos

(levantamento de necessidades), com os conteúdos concretos aprendidos (novos

conhecimentos, novas competências, novos saberes), com os contextos da aprendizagem (a sala

de aula, os eventos científicos, os espaços da Universidade, com o ambiente intersticial entre

Universidade e Escola), a relevância das práticas (formação de novas práticas, transformação

da práxis), e com o impacto na aprendizagem dos alunos e dos professores. O DPDPC é,

portanto, um processo contínuo de melhoria das práticas docentes, centrado num grupo de

professores em interação, que desenvolvem projetos com a preocupação de promover

mudanças educativas em benefício dos alunos, das escolas, da comunidade docente local e

também global (FIORENTINI, 2009). Tais considerações criam a base para a inserção de uma

estrutura com características de mudança ecológica e mudança de formas equivalentes às da

Teoria das Catástrofes de Thom (1977, 1995).

~ 223 ~

A ecologia das práticas e dos processos de mudança no DPDPC

As sementes do desenvolvimento não crescerão se caírem em terreno pedregoso. Não

se desenvolverá a reflexão crítica se não houver tempo e encorajamento para que se

realize. Os professores aprenderão pouco uns com os outros se trabalharem

persistentemente em isolamento. Se a inovação for imposta do exterior por uma

administração de mão pesada, será pouco provável que surjam processos de

experimentação criativa. O processo de desenvolvimento do professor depende muito

do contexto em que tem lugar. A natureza desse contexto pode fazer ou desfazer os

esforços de desenvolvimento dos professores. Assim, é uma prioridade entender a

ecologia do desenvolvimento do professor.

(HARGREAVES & FURLLAN, 1992)

Hargreaves & Fullan (1992) destacam o contexto dos ambientes sociais e culturais que

podem auxiliar ou comprometer os esforços de desenvolvimento dos professores. Contudo,

acredito, assim como Lisondo (2011), na existência de um potencial realizador no ser humano,

em especial no professor de matemática, que, quando sublimado, resulta numa série de

mudanças que se projetam no desenvolvimento da pessoa. Esse potencial é dependente de dois

fatores já explorados neste trabalho: a história de vida do indivíduo e o ambiente no qual

interatua.

Estes fatores influenciam, em maior ou menor grau, a vida dos sujeitos e, em essência,

o próprio processo de crescimento humano que marcha num contínuo experiencial que nunca

alcança acabamento. Tais fatores interatuam nos microssistemas (família, escola, universidade,

trabalho), mesossistemas (comunidade, cultura e sociedade local) e macrossistemas

(civilização, cultura global, sociedade global) (LEWIN, 1973), nos quais residem as principais

variáveis que podem influenciar a qualidade das experiências, tanto em relação ao ambiente em

que ocorrem as práticas quanto às situações a serem enfrentadas. Neste sentido, os sistemas de

interação promotoras de desenvolvimento agem dialeticamente sob duas perspectivas: uma que

chamo de desenvolvimento ecológico por níveis de co-determinação e outra que denomino de

desenvolvimento ecológico por sucessão de formas.

O desenvolvimento ecológico por níveis de co-determinação enseja a compreensão do

professor sobre os sistemas atuantes nos diversos níveis de contingência de sua prática docente

em dado espaço institucional, em dado momento de sua história. Devo salientar que estes

sistemas, nesta perspectiva, não constituem entidades isoladas, ao que recorro a Chevallard

(2009) para esclarecer que existem múltiplas influencias entre tais sistemas. Em especial, no

~ 224 ~

tratamento da prática docente e seus respectivos processos didáticos, existem o que este autor

chama de níveis de (co)determinação que se inter-relacionam mutuamente, esquematicamente

mostrado a seguir:

Civilização

↓↑

Sociedade

↓↑

Escola

↓↑

Pedagogia

↓↑

Disciplina

Fig. 13 – Esquema de (co)determinação didático (CHEVALLARD, 2009).

Ao centrar o foco sob a perspectiva de desenvolvimento ecológico por níveis de co-

determinação, sobretudo, destacando as condições para o agir não criadas pelo professor (que

muitas vezes manifestam restrições desconhecidas ou ignoradas por este), é possível distinguir,

em escala ascendente, que o nível Disciplina revela o conteúdo praxeológico (matemática,

gramática da língua materna, biologia, etc.), em seguida o nível da Pedagogia destaca os eixos

estruturantes (metodologias gerais, princípios e conceitos de aluno, ensino, aprendizagem e

tarefas docentes), depois o nível Escola que encerra as políticas de gestão (valores e princípios

institucionais, filosofia educacional institucional), em seguida o nível Sociedade em que as

políticas são estruturadas (programas de ensino, leis e diretrizes curriculares) e, por fim, a

Civilização que encerra condicionantes de ordem global (cultura global, sistemas econômicos,

políticas globais, paradigmas dominantes).

Sob esta perspectiva ecológica por níveis de co-determinação, desenvolver-se

profissionalmente constitui se apropriar de praxeologias que levem em conta, de forma cada

vez mais alargada, os níveis de (co)determinação. Neste sentido, Chevallard (2009) tece séria

crítica aos investimentos didáticos tradicionais que têm privilegiado o estudo das condições no

nível disciplinar, esquecendo, por vezes, os condicionamentos dos níveis superiores, sem os

quais muitos fenômenos relativos ao ensino da disciplina não podem ser explicados. O que,

~ 225 ~

segundo minha visão, provoca a naturalização das práticas ao nível apenas do domínio do

conteúdo, implicando em baixo desenvolvimento profissional docente, ou melhor, condiciona

o desenvolvimento profissional docente sob uma perspectiva de acúmulo de conteúdo mediante

a instrução diretiva, top down, próprio do modelo tradicional de formação e afim com as

abordagens da racionalidade técnica (DEWEY, 2011; ZEICHINER, 1993).

A outra perspectiva ecológica de desenvolvimento profissional assume que o caráter de

mudança - e desenvolvimento -, constitui o que Dubar (1997) chama de socialização, definida,

essencialmente, como uma construção lenta e gradual de um código simbólico. A socialização

é, enfim, um processo de identificação, de construção de identidade, ou seja, de pertença e de

relação. Socializar-se é assumir o sentimento de pertença a grupos (de pertença ou referência).

Defino assim o desenvolvimento ecológico por sucessão de formas, já explorado nos termos

da socialização na primeira composição deste trabalho, e que aqui assumo como um processo

de constituição e sucessão de modos de saber-fazer próprios de uma comunidade de prática

docente. O esquema abaixo pretende dar certa materialidade à dialética entre as perspectivas de

desenvolvimento ecológico.

Fig. 14 – Representação da dialética do desenvolvimento ecológico

por níveis de co-determinação e sucessão de formas.

As perspectivas de desenvolvimento ecológico por níveis de co-determinação e por

sucessão de formas definem o meio pelo qual são possíveis mapear os contornos em que se

evidenciam os tipos de aprendizagem, os processos de aprendizagem e o desenvolvimento

~ 226 ~

profissional docente caracterizados pelas conversões catastróficas. Isto é, toda vez que um

sujeito passa por uma experiência docente significativa e dá um salto qualitativo em sua

compreensão da profissão em relação aos níveis de co-determinação e em relação as formas de

saber-fazer da comunidade, podemos dizer que este sujeito passou por uma conversão

catastrófica, isto é, que aprendeu, que se socializou, que estabeleceu uma nova relação com um

objeto de saber, que estabeleceu uma nova identidade para com um grupo/instituição de

referência.

Uma invariante estrutural presente neste desenvolvimento profissional em uma

perspectiva catastrófica é a mudança, sendo esta uma condição para sua existência. Esta

característica está em conformidade com esse mundo de inter-relações, rico e complexo, que

configura o paradigma contemporâneo pós-newtoniano. Este modelo sugere que deixemos de

centrarmo-nos nos fatos e dados e, em seu lugar, passemos a nos preocupar com as interações.

Deste modo, ninguém existe independentemente das suas relações com os outros e com o

mundo. Assim, no modelo do DPDPC, a predição e uniformidade cedem lugar ao plausível e

a pregnância das formas97. Isto porque cada indivíduo se apresenta como uma pessoa98

diferente em lugares diferentes. Existe, pois, uma díade pessoa-ambiente, que confere vida à

uma relação mutante – porque ambos mudam ininterruptamente no decurso da história do

sujeito -, evocando potenciais sempre distintos.

Para Chevallard (2009) esta pessoa é o par formado por um indivíduo x e o sistema de

relações pessoais R (x, o) – em que o é um objeto -, em um dado momento da história de x.

Neste sentido, é plausível dizer que, no curso do tempo, o sistema de relações pessoais de x

evolui; e um objeto que não existe para ele passa a existir, enquanto outras deixam de existir;

para outros enfim a relação pessoal de x muda. Nesta evolução, um outro invariante do modelo

é o indivíduo, o que muda é a pessoa.

97 A pregnância da forma é a lei básica da percepção visual da Gestalt, assim definida: as forças de organização

da forma tendem a se dirigir tanto quanto o permitam as condições dadas, no sentido da harmonia e do equilíbrio

visual. Qualquer padrão de estímulo tende a ser visto de tal modo que a estrutura resultante é tão simples quanto

o permitam as condições dadas (GOMES FILHO, 2009, p.36) 98 Para Chevallard (2009), esta pessoa é o par formado por um indivíduo x e o sistema de relações pessoais R (x,

o) – em que o é um objeto -, em um dado momento da história de x. Neste sentido, é plausível dizer que, no curso

do tempo, o sistema de relações pessoais de x evolui; e um objeto que não existe para ele passa a existir, enquanto

outras deixam de existir; para outros enfim a relação pessoal de x muda. Nesta evolução, um outro invariante do

modelo é o indivíduo, o que muda é a pessoa.

~ 227 ~

Segundo Chevallard (2009) para explicar a formação e evolução do universo cognitivo99

de uma pessoa x, é conveniente resgatar a noção de instituição. Uma instituição I é um

dispositivo social "total", o que certamente pode ser apenas uma parte muito pequena do espaço

social (há micro-instituições), mas que permite - e impõe - para seus sujeitos, isto é, para pessoas

x que vivem e ocupam diferentes posições p oferecidas em I, colocar em jogo as maneiras de

fazer e de pensar próprios em I - isto é, praxeologias. Neste sentido, focando as maneiras de

fazer e de pensar do professor de matemática, temos que este deve ser capaz de realizar as

atividades profissionais próprias de um professor eficiente e identificar-se pessoalmente com a

profissão. Isso significa assumir uma posição institucional p que corresponde a um ponto de

vista de um professor, interiorizar o respectivo papel e os modos naturais de lidar com as

questões profissionais (PONTE et al., 2003, p. 163), e o modo docente de lidar com questões

profissionais é mobilizando praxeologias.

Deste modo, o desenvolvimento é um processo de construção de identidades

profissionais, fazendo parte do processo de socialização do professor. Sob este aspecto Dubar

(1997) exclarece que a construção de identidades sociais envolve dois processos

complementares: de um lado, o processo biográfico que diz respeito à construção de identidades

sociais pelos próprios indivíduos, através do tempo, assumindo diferentes posições oferecidas

pelas instituições existentes em seu contexto; de outro, como um processo relacional que

envolve transações externas entre indivíduos e outros significativos. Esse é um processo de

conversão, de reconhecimento num dado momento e num dado espaço de legitimação das

identidades relacionadas com conhecimentos, competências, imagens e valores que dão forma

ao contorno inteligível, evidenciável pela mudança e que são expressos pelos diversos sistemas

de ação.

A conversão, neste sentido, é catastrófica, pois consiste em uma mudança de forma, e

a identificação de uma nova forma evidencia uma aprendizagem, uma nova apropriação

praxeológica, de sorte que o Desenvolvimento Profissional em uma Perspectiva Catastrófica

torna-se um processo contínuo de sucessão de formas, portanto de sussessivas apropriações

praxeológicas, que resulta em uma permanete aprendizagem docente. Essa aprendizagem, por

99 Quando um objeto o existe para uma pessoa x, ou ainda que x conhece o, a relação R (x; o) define como x

conhece o. O chamado universo cognitivo de x é o conjunto: UC(x) = {(o, R(x; o)) / R(x; o) ≠ ∅ }. Deve-se notar

que o termo cognitivo não é tomado aqui em sua acepção intelectualista corrente (CHEVALLARD, 2009, p. 2).

~ 228 ~

sua vez, só é possível pela ressignificação das práxis de ensinar viabilizada por um contínuo

experiencial que ocorre ao longo do percurso formativo/profissional do sujeito.

A condição atropológica e a representação topológica do Modelo de DPDPC

O homem, ao nascer, o faz em um universo preexistente, estruturado, ingressando em

um mundo onde o humano existe sob a forma de outros homens e de tudo o que a

espécie humana construiu anteriormente. O filho do homem nasce inacabado; é um

ser prematuro que deve construir-se a si mesmo, com a ajuda de outros, num longo

processo ao qual se dá o nome de educação. Se o sujeito nasce sob tais condições –

prematuro e imerso em um “universo simbólico”, no qual sobressai a linguagem,

herdado de outros – e se tem de produzir-se a si mesmo, a partir de tais condições, isto

só é possível com a ajuda e “mediação” do outro.

(CHARLOT, 2000)

Para Charlot (2000) nascer significa ver-se submetido à obrigação de aprender. De fato,

aprender, para este autor, constitui um triplo processo de “hominização” (tornar-se homem),

“singularização” (tornar-se um exemplar único de homem) e de “socialização” (tornar-se

membro de uma comunidade, partilhando seus valores e ocupando um lugar nela). Entretanto,

no caso do professor, o modo pelo qual é possível tal apropriação do universo exige o

estabelecimento de relações do indivíduo com os saberes constitutivos deste universo, exige,

pois, o reconhecimento e domínio dos seus símbolos representativos e apropriação crítica dos

mesmos para constituir-se professor.

Uma das posições possíveis deste indivíduo no mundo é a de professor, sendo grande

parte de suas relações com o universo simbólico tomadas por relações com o mundo escolar. A

relação com o saber, neste caso, diz respeito ao conjunto de significados atribuídos às relações

epistêmica da docência (disciplinas, ensino, conteúdo, aprendizagem), pessoal (valores,

perspectivas, crenças, interesses, desejos) e social (aspirações dos outros, expectativas dos

outros, valores dos outros).

O desenvolvimento docente, neste sentido, constitui também um triplo processo, mas

agora de “conversão docente” (tornar-se professor), “individualização e constituição da

autonomia” (tornar-se um exemplar único de professor) e de “sujeição/identificação” (tornar-

se membro de uma comunidade de práticas docentes, compartilhando seus valores e ocupando

um lugar nela). O modo pelo qual, neste caso, o sujeito se apropria do universo simbólico é por

meio do reconhecimento e domínio dos símbolos representativos da práxis docente, isto é, por

meio da mobilização de praxeologias.

~ 229 ~

É justamente neste contexto de mobilizações praxeológicas que o DPDPC pode ocorrer,

como parece ter acontecido com dois de nossos sujeitos, Sena e Queiroz, pois, na constituição

identitária dos professores em formação inicial promovida pelas conversões ocorridas em

decorrência dos processos reflexivos de investigação da práxis de ensino, mobilizadas pelo

grupo, é possível evidenciar a emergência de diversas tipologias de aprendizagem da docência,

as quais qualifico como constitutivas do universo representativo de um bom professor de

matemática.

O modelo representacional do percurso de DPDPC requer, pois, enquanto parâmetros,

os componentes práxis e logos. O logos constitui o campo das atividades da consciência,

enquanto a práxis, radica no caráter real, objetivo, da matéria-prima sobre o qual se atua, dos

meios ou instrumentos com os quais se exerce a ação e de seu resultado ou produto (VÁZQUEZ,

2011). Nesse modelo do DPDPC, o logos (Teoria) constitui as apreensões advindas de leituras,

pesquisas e referências interpretativas disponibilizadas ao professor por meio dos cursos de

formação inicial e/ou continuada, estudo em grupo, participação como ouvinte em seminários,

palestras e congressos, dentre outros. A práxis (Prática), por sua vez, representa a construção

histórica do sujeito docente em meio às suas experiências concretas, objetivas no ambiente

escolar em que operou-se o processo de sucessão de posições assumidas por este sujeito na

instituição escolar (aluno, estagiário, professor). O modelo de DPDPC, como tenho construído,

diz respeito ao desenvolvimento do docente em processo de sujeição e sucessão de formas por

meio de situações em que, geralmente, ocorrem conversões catastróficas que promovem

identificação com uma forma de ser e fazer na docência. A título de ilustração, levemos em

consideração, nos próximos tópicos, o seguinte gráfico topológico representativo de uma

situação em que ocorre o DPDPC:

~ 230 ~

Fig. 15 – Gráfico de DPDPC G1.

O Percurso de um Desenvolvimento Profissional Docente em uma

Perspectiva Catastrófica

O percurso de DPDPC pode ser expresso pela modelagem dos contornos de experiência

definidos pelo mapeamento dos processos de socialização do sujeito desde sua mais tenra idade

- que aqui caracterizo pelo recorte do Ensino Básico -, avançam ao Ensino Superior - onde

ocorrem processos de mudança de forma, em que o sujeito assume novas posições (estudante,

bolsista, estagiário, professor iniciante) sob as quais estabelece novas relações com o saber

docente -, e tem continuidade pelo restante de sua vida profissional. Em cada ambiente o sujeito

sofre sujeições potenciais à constituição identitária docente, em específico, na Formação

Inicial, para a qual defini que os Contornos Experienciais da Formação Docente, que se

expressam pela existência de pelo menos três instâncias formativas que agem/concorrem com

este propósito, definidas pelos contornos da formação em disciplinas específicas, da formação

em disciplinas didático-pedagógicas e da formação extracurricular.

Das interconexões destas instâncias formativas emanam experiências que definem a

preparação do sujeito docente para a carreira profissional. É nesta etapa de vida do sujeito que

ocorrem as primeiras construções praxeológicas de sentido verdadeiramente

docente/profissional, uma vez que o sujeito passa, por meio de situações de experiência da

docência a assumir a posição efetiva de professor ao lidar com as problemáticas da profissão –

~ 231 ~

em estágios, simulações, investigações e imersão em contextos de sala de aula. Acredito que,

quão mais problematizadas e refletidas, individual e coletivamente, forem as questões

emergentes destas práticas, mais consistentes e pregnantes serão as praxeologias construídas, e

o professor estará potencialmente melhor preparado para o exercício de sua carreira.

As sucessões de formas, decorrentes destas mudanças de posição, são, em certo sentido,

mudanças de compreensão do saber-fazer docente, mapeáveis pelos processos em que se

evidenciam as conversões e constituição de identidade com a docência. Este processo contínuo

que, acredito, se estende para além do rito de passagem caracterizado pela formatura do

professor, ao término de sua formação inicial, delineia o que tenho definido por

Desenvolvimento Profissional Docente em uma Perspectiva Catastrófica. Este modelo

interpretativo será utilizado para descrever e compreender os percursos formativos de dois dos

sujeitos colaboradores do projeto para ilustrar a consistência desta análise.

A trajetória escolar e seu impacto no DPDPC de Sena

Neste tópico, descrevo a trajetória inicial de um professor de matemática e, ao mesmo,

busco analisar e compreender sua trajetória de aprendizagem docente de DPDPC, sobretudo

quando, enquanto colaborador do PIBID, estabelece suas primeiras relações com a prática

escolar.

Sena estudou em escola particular até a quarta série, sendo matriculado em

escola pública a partir da quinta série, rede em que concluiu seus estudos

básicos. Mais especificamente, na instituição em que viria atuar pelo PIBID

durante a graduação. Sempre foi apoiado pela família que lhe deu suporte e

incentivo a tudo que se disponibilizava fazer em relação ao estudo. Teve uma

relação positiva com o ensino, sobretudo com a matemática da qual recorda ter

tido uma professora que o acompanhou no ensino fundamental e parte do ensino

médio, sobre a qual declarou “sempre mostrou um lado divertido de aprender

matemática”, muito embora nunca tenha se utilizado “de recurso visual” ou

outras ferramentas que não “a própria matemática”. O diferencial desta

professora consistia em propor “exercícios simples” e assumir uma atitude

branda e comunicativa com os alunos. Sena diz que assim “ficava mais gostoso

de se aprender!”. Já no cursinho, Sena declara ter aprendido com seus

professores “que a matemática é muito complexa, mas ela pode ser muito

encantadora”. No cursinho ele se deparou com uma matemática que ainda não

conhecia, com situações “mirabolantes” que se resolviam por “macetes”. Diz

que naquele momento pode refletir sobre a resolução de problemas com o uso

de “macetes” e chegou à conclusão de que “pode não dar certo em outras

~ 232 ~

ocasiões, mas naquele momento podia dar certo, ou seja a matemática não

estava pronta e acabada, existiam outras possibilidades”, cabendo a nós

descobri-las. Ressaltou que desde o ensino fundamental queria ser professor,

não necessariamente professor de matemática, mas que já externalizava este

sonho aos seus professores. Valendo-se de indignações, em relação às atitudes

negativas dos professores, como motivação para estar em sala de aula. Declara

que optou por ser professor pela “vontade de querer melhorar, de querer

repassar isso [o conhecimento] de outra forma”. Sena sempre teve afinidade

com os professores de matemática, embora declare não ter sido

necessariamente por conta da matemática, disciplina com a qual nunca teve

atritos. Considerava os exercícios de matemática divertidos, certamente por

constituírem um desafio ao seu intelecto que o mobilizava a “terminar e

entregar”, receber o indicativo de certo ou errado e em caso de estar errado,

“voltava e fazia de novo! E de novo!”. O período compreendido entre o segundo

e terceiro ano foi decisivo para Sena, que começou a pensar o que fazer. Como

era muito novo – dezesseis anos – “não via a possibilidade de ir muito longe.

De ir para outra cidade e morar em outro lugar”. (SENA – Perfil traçado com

base em entrevista)

Sena estudou em escola pública a maior parte de sua vida, o que certamente lhe

proporcionou um ensino básico de relações comuns com o ambiente escolar. Um diferencial

neste percurso inicial, porém, foi o apoio incondicional que sua família lhe prestou em termos

de suporte e incentivos. Várias pesquisas têm evidenciado que o fator familiar implica

diretamente no rendimento escolar dos alunos, sobretudo em termos de interesse, valorização e

participação nas atividades escolares (OLIVEIRA, 1999; REIS, 2010). Neste sentido, é dentro

de casa, na socialização familiar, que um filho adquire, aprende e desenvolve a disciplina

necessária para seu sucesso escolar.

A existência, no ambiente escolar, de uma professora que sempre o acompanhou e lhe

mostrou “um lado divertido de aprender matemática” ajudou, de certo modo, para que Sena

não sofresse diretamente as influências negativas de mitos como: “a matemática é difícil!”, “a

matemática é para os inteligentes!”, “temos que fazer incansáveis exercícios para aprender

matemática!”, e outras expressões do gênero. O fator emocional em relação à matemática, por

sua vez, implica nas atitudes de predisposição à matemática, que podem ser avaliadas por meio

das atitudes em relação à matemática e pelas atitudes matemáticas. As atitudes em relação à

matemática referem-se à valorização e ao apreço desta disciplina, bem como ao interesse em

aprendê-la, sobressaindo mais o componente afetivo do que o cognitivo, e que se manifesta em

termos de interesse, satisfação, curiosidade, valorização, dentre outros (CHACÓN, 2003).

~ 233 ~

Estas atitudes e interesses corroboram à constituição identitária futura do sujeito em

relação à docência em matemática, por gerarem um ambiente receptivo à matemática e ao

desenvolvimento de hábitos não dispersivos em relação ao seu ensino. Segundo Chacón (2003,

p. 21), estas atitudes positivas em relação à matemática se manifestam por meio de:

Atitudes em relação à matemática e aos matemáticos;

Interesse pela atividade matemática e científica;

Atitudes em relação à matemática como disciplina;

Atitudes em relação a determinados tópicos da matemática;

Atitudes em relação aos métodos de ensino.

As atitudes matemáticas, por outro lado, possuem um caráter marcadamente cognitivo

e se referem ao modo de utilizar capacidades gerais como a flexibilidade de pensamento, a

abertura mental, o espírito crítico, a objetividade, e outros qualificativos do gênero, importantes

para o trabalho em matemática. No caso de Sena, é possível perceber uma relação afetiva, de

predisposição à matemática, evidenciada quando considerava os exercícios de matemática

divertidos, certamente por constituírem um desafio ao seu intelecto que o mobilizava a

“terminar e entregar”.

Outro aspecto que considero relevante salientar nos contornos ecológicos definidos

pelas relações de Sena, durante o recorte formativo do Ensino Básico, diz respeito à sua

descoberta de uma matemática “mirabolante” para a qual chegou a constatação de que se

tratava de “macetes”, característicos de um ensino altamente econômico e pontual, que avalia

“pode não dar certo em outras ocasiões”. Neste momento, Sena se depara com praxeologias

institucionais que divergiam das práticas a que estava acostumado no ensino regular, uma vez

que os profissionais do cursinho almejam cobrir um maior número de conteúdos em um curto

período de tempo. O conjunto de contingências, neste caso, é outro, as estratégias de ensino são

outras, os objetivos institucionais são outros, o espaço de formação também é outro, e Sena se

dá conta de que a matemática também pode assumir outras feições, isto é, “a matemática não

estava pronta e acabada, existiam outras possibilidades”.

Disso tudo é plausível dizer que o recorte formativo do Ensino Básico constitui um

prolífero lócus de relações, propício à perscrutação sobre a construção inicial de um ideário

científico e pedagógico sobre a prática de ensino da matemática. Não é possível afirmar, porém,

que experiências afetivas positivas e mobilizadoras de atitudes em relação à matemática e

atitudes matemáticas relevantes, constituem os componentes decisivos da escolha pela

~ 234 ~

docência em matemática. Contudo, considero possível afirmar que uma vez ocorrido o processo

de iniciação pela “troca de casa” (do Ensino Médio para a Licenciatura em Matemática), os

aparelhos de conversão têm ai um conjunto de atitudes que encontram legitimidade no saber-

fazer docente próprios desta nova casa em que o sujeito se instala - a Universidade.

A trajetória formativa durante a Licenciatura em Matemática e seu impacto no

DPDPC de Sena e Queiroz: a passagem pelo espelho e escolha da carreira

Os futuros professores chegam aos programas de formação com uma bagagem de

ideias a respeito do que fazem os professores, já que, com essa idade, passaram muitas

horas sentados numa cadeira vendo seus professores atuarem. Ali adquiriram um

repertório de conhecimentos e técnicas através das distintas disciplinas, mas quando

eles mesmos começam a ensinar, seguem aprendendo sobre o ensino, os alunos e os

conteúdos das disciplinas durante toda sua vida profissional.

(ZEICHNER, 1995)

A formação do professor não tem início na licenciatura. Ainda enquanto estudantes da

escola básica, como mostrei ao descrever a trajetória escolar de Sena, aprendem um jeito de ser

aluno, professor e de ensinar e de estabelecer relação com o saber. No excerto, Zeichner (1995)

observa que as situações vivenciadas como alunos serem forte influência no trabalho do

professor em sala de aula, porque correspondem a experiências reiteradas relativas ao ensino, à

aprendizagem, à avaliação, à relação professor-aluno, ao papel do professor e do aluno em aula,

conferindo um valor autêntico à compreensão de que o processo de aprender a ensinar começa

muito antes dos alunos frequentarem os cursos de formação de professores (FEIMAN-

NENSER & BUCHMANN, 1987, apud DARSIE & CARVALHO, 1998).

Contudo, defendo que o desenvolvimento profissional do professor se evidencia, em

toda sua complexidade, somente a partir dos Contornos Experienciais da Formação Docente,

sobretudo, mediante um processo de: (1) entrada no campo de formação oficial (A passagem

através do espelho) - iniciação à cultura profissional; (2) tomada de decisão pela profissão (A

instalação da dualidade) – confronto entre o modelo ideal que caracteriza a “dignidade da

profissão” e o “modelo prático” que se refere às tarefas quotidianas; e (3) A conversão (O

ajustamento) – constitui o processo de incorporação da identidade profissional mediante uma

ruptura biográfica advinda do processo último de socialização, sujeição e identificação com

um grupo de referência. Este processo é impregnado por tipos de aprendizagem docentes que

dão sentido ao modelo do DPDPC, e tem início com a entrada na Universidade.

~ 235 ~

Nos últimos doze anos, nosso país tem sido marcado pela problematização de questões

sociais e políticas que buscam uma melhoria na qualificação do cidadão tomando por base

propostas de expansão universitária100. As políticas de expansão do Ensino Superior,

acompanhadas de outras iniciativas equivalentes no Ensino Básico têm contribuído para a

matrícula de estudantes com faixa etária cada vez mais baixa no Ensino Superior101. Não raro,

podemos evidenciar benefícios como o rompimento de uma tradição de curta escolaridade nas

famílias de baixa renda e ainda a possibilidade de ascensão social, por outro lado o ingresso no

Ensino Superior se configura para os jovens uma transição que traz potenciais repercussões

para seu desenvolvimento psicológico, sobretudo os incidentes sobre a primeira tentativa

importante de implementar um senso de identidade autônomo, tentativa esta traduzida por meio

da escolha profissional (ou tentativa de escolha), que é uma tarefa típica do desenvolvimento

na passagem da adolescência para a vida adulta (ERIKSON, 1976).

Entrar na Universidade é uma escolha marcada por muitas instabilidades psicossociais

que repercutem na decisão pela continuidade ou não no curso em que os jovens ingressaram e,

consequentemente, na sequência de uma dada carreira profissional. Depois da experiência de

entrada no campo de formação oficial, é o primeiro ano de curso que se configura crucial para

a tomada de decisão pela profissão e, consequente, permanência na Universidade. Esta

experiência decisiva de entrada no campo de formação oficial é destacada nos seguintes

depoimentos de Sena e Queiroz:

Entre o segundo e terceiro ano do ensino médio a gente começa a pensar o que

vai fazer. Eu sempre tive muitas dúvidas sobre que curso seguir. Só sabia que

eu queria estar na área da Educação. Eu não sabia que curso. Eu tinha dúvidas

sobre o que eu queria fazer, mas eu sabia que eu queria estar na sala de aula.

E a Matemática foi uma oportunidade que apareceu no meu município. Eu

sempre gostei de Matemática, na verdade eu sempre dizia, não é nem da

Matemática, eu sempre gostei de fazer conta e terminar a conta. E eu vi que no

meu município tinha curso de Matemática. Uniu o útil ao agradável. Vou fazer

Matemática aqui no meu município. (SENA, Recortes da Entrevista)

100 Por exemplo, segundo dados do Censo Inep/MEC 2012 o número de matrículas no ensino superior foi de

7.037.688. Se comparado ao número correspondente do ano de 2002, que contou, segundo dados do Resumo

Técnico MEC/Inep de 2008, com 3.479.913 matrículas, percebemos um acréscimo de 3.557.775 matrículas

ofertadas para o Ensino Superior, ou um incremento de aproximadamente 102,24% em apenas dez anos 101 De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2012) e do Censo Inep/MEC

2012, no período de 2002 a 2012, o acesso dos jovens ao ensino superior cresceu, sendo que a população de 18 a

24 anos que frequentava o ensino superior que correspondia à 9,8% do total de jovens brasileiros nesta faixa etária

em 2002, aumentou para 15,1% em 2012.

~ 236 ~

Eu estudei a vida toda na mesma escola. Eu não era muito de falar, mas sempre

fui estudiosa. No terceiro ano [do Ensino Médio] decidi o que ia fazer. Então

me inscrevi no cursinho. Quando foi em outubro, p’ra decidir, eu estava em

dúvida sobre o que eu ia fazer [vestibular], entre Matemática e Administração.

No dia da inscrição todo mundo se inscreveu no colégio e a moça que fez minha

inscrição disse que eu tinha que começar pelo que eu tinha mais afinidade.

Dentre todas as disciplinas, a que eu tinha mais afinidade era a Matemática.

Em toda a minha vida foi sempre a disciplina a que eu mais gostava, a que eu

mais me esforçava. Foi uma disciplina que se eu tirasse uma média abaixo de

oito, hum! ... Eu pedia p’ra fazer a prova de novo. (QUEIROZ, Recorte da

Entrevista)

Ambos os professores escolhem seus cursos por apresentarem predisposição à

Matemática. Seus percursos escolares demonstram experiências afetivas positivas e

mobilizadoras de atitudes em relação à matemática e atitudes matemáticas significativas que

lhes auxiliam na escolha inicial pela docência em Matemática. Esta escolha também fora

condicionada, em grande peso, por fatores econômicos e sociais, geralmente associados à oferta

de cursos disponíveis em sua comunidade e à falta de recursos para enfrentar graduações fora

do município de origem, como evidenciado em “eu vi que no meu município tinha curso de

Matemática. Uniu o útil ao agradável. Vou fazer Matemática aqui no meu município”.

Entretanto, o primeiro ano de curso parece se configurar como o componente mais decisivo

para a tomada de decisão pela profissão e consequente permanência na Universidade.

Dewey (2011) explica que a escolha por uma área de atuação restringe, de certo modo,

o campo de experiências que o sujeito terá possibilidades de acessar no futuro. A decisão pela

permanência no curso, portanto, projeta uma trajetória que se afirma enquanto condição para a

conformidade com os conteúdos e formas da carreira escolhida e, por isso, configuram um

momento de instabilidade emocional, podendo ocorrer situações de desconforto para o sujeito

que se depara com uma realidade a qual não previa, optando por vezes pela desistência do curso.

Uma primeira situação que pode ser representada pelo gráfico G1 (Figura 15) é a de

“passagem pelo espelho”, aqui ilustrada pela experiência de entrada da professora Queiroz no

curso de graduação. Seu primeiro ano da licenciatura constituiu um período em que se deparou

com um curso diferente do que esperava. Seu contexto durante este período esteve

contingenciado por relações interpessoais e situações de ensino que caracterizavam um

contorno repleto de incertezas, amizades dispersivas e insegurança em relação a profissão

docente.

~ 237 ~

No início do segundo ano [da graduação] eu falei: “- Quando eu pegar meu

diploma vou fazer outra coisa, porque isso não tem nada a ver comigo!”. Isso

porque de matemática só tínhamos tido duas disciplinas específicas, o resto só

era “leitura, leitura e leitura!”. (QUEIROZ, Recorte da Entrevista)

Suas expectativas de obtenção de respostas às questões sobre o fazer matemático que

lhe afligiam no Ensino Básico não eram supridas e o que se evidenciava era a “leitura, leitura

e leitura” sem a devida contextualização. O contorno experiencial sinalizava à Queiroz que ela

se encontrava em um ambiente estranho, fazendo-a pensar em “mudar de curso”. No entanto,

a aprendizagem da docência constitui um processo social, portanto, sujeito à contribuição de

outras pessoas no ambiente institucional.

Até que a gente montou um grupo e conheceu a Ss3 e a Soares. A Ss3 tinha muito

conhecimento do que era a escola. Tudo mudou quando mudamos de lugar na

sala. Coisa ‘besta’, mas saímos de um grupo que queria fazer outro vestibular

porque pensavam que iam ver muita matemática, mas na verdade a gente

aprendeu muito mais sobre Educação do que a Matemática em si. Eram muitas

leituras. Mas quando a gente passou p’ro outro lado da sala, as leituras

começaram a fazer sentido, porque a Ss3 falava muito da “Escola X”.

(QUEIROZ, Recorte da Entrevista)

A mudança espacial em sala, acompanhada do estabelecimento de novas relações

interpessoais materializou um novo quadro de condições que contribuiu para a ocorrência de

novas experiências. A profusão de leituras, que antes se apresentavam sem sentido porque não

contextualizadas ou situadas na prática escolar, estava influindo negativamente no processo de

aprendizagem da docência de Queiroz (situação descrita pela curva 3 do gráfico G1), acabou

por se constituir um suporte interessante quando (re)significada pela discussão com uma

companheira mais experiente e institucionalmente mais engajada, como foi o caso da Ss3. Deste

modo, os contornos de experiência definiram novos processos de aprendizagem da docência,

culminando na compreensão da importância das leituras para quem deseja seguir a profissão de

professor.

Queiroz, ao se dar conta da necessidade da leitura para promover um melhor diálogo

com os alunos, instrumentalizar as estratégias e práticas pedagógicas e subsidiar a reflexão

crítica dos contextos de ensino, apresenta um processo de aprendizagem que assume a trajetória

da curva 1, passando de um ponto de baixa compreensão da docência para o ponto 2, por meio

de um salto qualitativo com características de conversão catastrófica. Percebo por isso, que as

experiências durante o primeiro ano na Universidade são muito importantes para a

~ 238 ~

permanência no ensino superior e para o sucesso acadêmico dos estudantes (PASCARELLA

& TERENZINI, 2005). Sobretudo, quando os professores em formação inicial se identificam

com aspectos peculiares da docência, como o declarado por Sena.

Quando eu ingressei na Universidade me encantei com o como os professores

se portavam dentro da instituição, como era o diálogo. O diálogo era diferente

dos professores do Ensino Médio e Fundamental. Você tem um diálogo dentro

da Universidade, professor, aluno, muito mais de um igual para o outro. Você

consegue estabelecer discussões, e eu fiquei fascinado por isso. Eu poderia falar

de tudo um pouco. Primeiramente eu entrei na Universidade com a ideia de

acabar a graduação, o que iria fazer depois não sabia ainda, mas a partir do

segundo ano eu fui tendo essa percepção, “eu quero dar aulas em

Universidade!”. (SENA, Recorte da Entrevista)

O Professor Sena se identifica com a prática de interação dos profissionais docentes da

Universidade que exercem a função docente reconhecida por ele (a mediação dialógica). Essa

função interativa da docência se configura como uma das competências relacionadas à gestão

de classe e consiste num conjunto de regras e disposições necessárias para criar e manter um

ambiente ordenado favorável tanto ao ensino quanto à aprendizagem (GAUTHIER et al., 1998,

p. 240).

A conversão dos professores da formação inicial em Matemática, por sua vez, tem início

mediante condições e restrições características dos contornos delineados pelas instâncias

formativas definidas pelas disciplinas específicas, didático-pedagógicas e atividades

extracurriculares. Constituem-se, por meio destas instâncias formativas, os processos de

aprendizagem próprios da docência, mediante a apropriação ativa, crítica e criativa destes

sujeitos, dos conteúdos e formas da práxis docente, relacionados à: (1) reflexividade crítica

sobre a realidade do contexto em que atua; (2) Curiosidade epistemológica do conteúdo e do

sujeito que auxilia a (re)construção dos fundamentos dos saberes matemáticos e didáticos do

ensino da matemática; (3) Dialogicidade da comunicação e atuação docente que propicia a

condução de uma postura interessada, sensível, mediadora, de linguagem dialética e

predisposição para ouvir e entender a perspectiva do outro; (4) Instrumentalidade tecnológica

e estratégica do ensino propícia à lida diária com novos métodos, técnicas e instrumentos

tecnológicos de ensino; (5) Inacabamento e consciência social da profissão que garante a

noção de incompletude do docente que busca por contínua qualificação profissional; (6)

Sensibilidade ecológica que possibilita ao professor se dar conta das contingências físicas,

~ 239 ~

econômicas, sociais e culturais do meio; (7) Domínio Didático-pedagógico do Currículo e do

ensino que diz respeito à (cons)ciência dos aspectos contingentes dos sistemas políticos e níveis

de (co)determinação didática, e; (8) Assunção da autoridade docente que configura o assumir-

se enquanto profissional docente, bem como todas as responsabilidades e direitos que a este

convém. Neste contexto, a ocorrência de conversão na formação oficial requer mobilização de

praxeologias, nos termos de Chevallard (1991; 2009), e inserção e vivência da práxis no sentido

de Pimenta (2006), Tardif (2007) e Vázquez (2011), a partir de processos de exploração,

reflexão e investigação de tarefas e atividades relativas à docência.

Os professores em formação inicial se queixam, em seus depoimentos, sobre esta não

ter sido a lógica ou a ênfase de sua formação nas instâncias formativas das disciplinas

específicas e didático-pedagógicas. Entretanto, declaram ter tido o devido esclarecimento sobre

sua profissão a partir das experiências formativas e colaborativas proporcionadas pelas

atividades extracurriculares desenvolvidas pelo projeto de iniciação à docência (PIBID) em

que tomaram parte. Estas experiências, por agregarem os componentes praxiológicos do

conteúdo e da gestão de classe, acabaram por evidenciar maior intensidade de conversões

catastróficas em relação à docência em matemática do que as demais instâncias formativas.

Como se pode apreciar no depoimento a seguir:

Em nossa Universidade, antigamente dizíamos que só tinha ensino, não tinha

pesquisa nem extensão. Mas a pesquisa já começou. Eu tinha essa curiosidade

de saber o que um grupo de estudos faz, o que ele tem por finalidade. Eu sabia

que iria me aprimorar se eu estivesse inserido em algo do gênero, se estivesse

participando de alguma discussão sobre algo e não apenas ficasse lá ouvindo e

acabou. Não, a gente ia lá, conversava sobre o que estava acontecendo [em sala

de aula] e ia refletir, pensar depois. E não se tinha essa oportunidade antes.

Principalmente com relação à matemática. Então foi uma oportunidade que a

gente teve de começar a pensar sobre o que estava acontecendo, como as

pessoas fazem determinadas coisas, de como nós poderíamos fazer. (SENA,

Recorte da entrevista)

As tarefas desenvolvidas no grupo colaborativo poderiam, ou melhor, deveriam compor

as práticas da formação oficial regular da licenciatura em matemática, o que, contudo, não vinha

ocorrendo. Deste modo, em geral, os professores investigados avaliam o potencial

transformador do grupo, desenvolvido de forma a integrar ensino, pesquisa e extensão por meio

de dinâmicas colaborativas com características de pesquisa-ação, e declaram ter sido por meio

~ 240 ~

desta iniciativa que acessaram os significados próprios do que vem constituir-se um professor

de matemática. A pesquisa-ação colaborativa, pois, foi o que oportunizou aos professores as

práticas, as quais tornam-se foco de análise e problematização, que dão formas iniciais a seus

princípios, valores e posturas germinativas da docência.

Durante o planejamento do nosso trabalho de investigação, que contou com a

participação do professor orientador do PIBID, nos foi muito relevante

perceber que as ideias que nós tínhamos nem sempre poderiam ser aplicadas do

jeito que tínhamos a ideia. Mas, com o ponto de vista dele, nós poderíamos

utilizar as ideias que nós tínhamos de uma outra forma. A colaboração se deu

no fato de que ambos tínhamos um objetivo e que, para isso, nos ajudávamos

tanto em relação ao conteúdo a ser abordado, quanto na metodologia a ser

utilizada. Nossa postura dentro da sala de aula e nossas concepções sobre a

temática, apesar de não serem iguais, tinham objetividade e foram se moldando

a um bem comum que era a aplicação do projeto. (SENA, Recortes da

Entrevista)

Neste depoimento, Sena fala da contribuição do Professor Universitário em sua reflexão

sobre a docência, mas houve ainda sistemático acompanhamento do professor escolar na

posição de Supervisor dos projetos e investigações em sala de aula. Esta construção coletiva

por meio da perscrutação de um objeto de saber em que tomam assento o Professor em

Formação Inicial, o Professor Universitário e o Professor Escolar põem em questão relações

antes não consideradas por nenhum destes sujeitos, e que são possíveis, talvez, somente em um

ambiente colaborativo de uma comunidade de prática docente.

As experiências advindas das atividades extracurriculares, tendo como norte a escola

básica, marcadas pela relação dos sujeitos com os modos de ser, saber-fazer e saber próprias

da instituição definida pelo grupo de práticas colaborativas, possibilitam a construção de

conhecimentos e instrumentos construídos na própria prática escolar, considerando a

complexidade da sala de aula, não necessitando passar por um processo de transposição didática

como entende a didática tradicional.

A entrada em sala como professor e o princípio da dualidade

O ingresso no PIBID configurou um momento de entusiasmo para os professores

selecionados. Todos tinham expectativas quanto ao que teriam que realizar no projeto, que

~ 241 ~

posições iriam assumir e que tarefas iriam executar. Depois de um período preparatório, ocorreu

o momento tão aguardado, a experiência em sala de aula e a instauração da dualidade.

A primeira ideia é a diferença entre um projeto em que você vai à escola, passa

cinco horas e nunca mais volta na turma e de acompanhar a turma. A gente

pensa na atuação, se vai ser “assim ou assado”, tem algumas ilusões, e quando

tu vais ter a experiência do PIBID toda, tu tens uma ideia mais próxima da

realidade possível. Não é a tua turma de fato, mas é o mais próximo do que é

assumir de fato uma turma. (QUEIROZ, Recorte da Entrevista)

A professora Queiroz vivenciou diversas experiências que ilustram as mudanças de

postura assumidas por ela durante situações problemáticas de prática pedagógica, como a que

segue:

Na aula de hoje seria exibido um vídeo, mas um imprevisto mudou os planos, e

ainda para complicar mais a situação a professora teve que unir, à turma,

alunos de outra sala que iriam fazer recuperação. Fiquei meio sem jeito, pois

não podíamos falar em voz alta para não atrapalhar esses alunos. Então

resolvemos dar continuidade à resolução das questões da aula anterior. Todos

esses imprevistos acabaram sendo favoráveis, pois pude observar quem estava

com dificuldades e onde estavam essas dificuldades. Dispusemos os alunos em

duplas e eles começaram a resolver [os exercícios]. Muitos entenderam o

conceito de fatoração por fator comum, mas tinham alunos com muitas

dificuldades, principalmente em divisão, porém estavam tentando e com nossa

ajuda estavam conseguindo. O interessante foi perceber como a ideia de

parceria funcionou, eles discutiam entre eles qual a melhor forma de resolver a

questão, os argumentos que eles davam um para outro os levavam a um

consenso. No final da aula fiquei satisfeita com o caminho que a turma está

seguindo. (QUEIROZ, Diário de 24/08/12)

Nesta situação Queiroz manifesta sensibilidade ecológica ao entender que o contexto

de imprevistos exigia uma nova estratégia de aula. Enquanto a professora conduzia a revisão

com os alunos da outra turma ela orientava uma dinâmica de parceria que lhe possibilitou

identificar lacunas de aprendizagem dos alunos e o diálogo entre eles. Constatou com isso que

sua estratégia foi positiva, dando-lhe ânimo para continuar sua experiência em sala de aula. A

situação de imprevisto poderia tolher sua atitude de ensino, porém, tendo em vista o novo

contexto, em vez de aguardar a orientação da professora Supervisora, decidiu assumir a

condução da classe e experimentar uma estratégia que, ao final do trabalho, considerou exitosa.

A avaliação positiva da experiência certamente faz com que Queiroz agregue mais esta

praxeologia ao seu universo cognitivo, configurando a aprendizagem de um saber estratégico

~ 242 ~

de ensino. Mais uma vez o processo identitário de Queiroz tende à mudança de forma em

relação à docência. Neste caso, o processo se deu por meio da trajetória descrita pela curva 5

no sentido do ponto 6, no gráfico G1 (Figura 15).

A dualidade operante no estudo em grupo e construção de sequências didáticas

As contingências impostas pelo nível sociedade expressas pelas constantes greves de

professores, levou-nos a desenvolvermos nossas atividades reflexivas sobre objetos tomados do

currículo regular do Ensino Médio. Sobre esta experiência Queiroz pondera:

Na reunião de grupo buscamos em livros alguma sequência que nos parecesse

coerente, entretanto o que pudemos observar foi que a maioria dos livros ao

qual tivemos acesso não trazia uma sequência e sim tópicos separados com a

definição do que era cada coisa, o que era totalmente ao contrário ao que

estávamos procurando. (QUEIROZ, Diário de 16/03/12)

A professora Queiroz relata em seu diário sua busca nos livros didáticos por estruturas

definidoras de uma organização didática coerente sobre o ensino de funções exponenciais e

logarítmicas. Contudo, observou que tais livros não “traziam uma sequência e sim tópicos

separados com a definição do que era cada coisa”, isto é, prevalecia uma disposição de textos

em que se definiam os tópicos como temas pontuais e desarticulados, isto é, compartimentados

e sem qualquer relação entre eles. O ensino pontual desarticulado é a tônica do modelo

tradicional, cuja lógica estrutural é a reprodutivista, visando passos a serem imitados e

infindáveis exercícios cujas técnicas de resolução devem ser decoradas para utilização em

situações idênticas no futuro, privilegiando-se a memória como o recurso intelectual e atitudes

como docilidade, receptividade e obediência (DEWEY, 2011). A sequência de ensino é, pois,

desarticulada, não respeitando organizações didáticas com tópicos conectados e tarefas

construídas com grau crescente de complexidade e levando em conta a vida do objeto no

horizonte do currículo.

Na ausência de uma organização didática articulada nos livros didáticos, Queiroz e suas

colaboradoras julgaram ser coerente construir a sua própria organização a partir do

levantamento histórico do tema e operar sobre ele questionamentos acerca de sua razão de ser

no currículo escolar e no nível de ensino em que o percebiam situado. Assim o seu grupo

apresentou uma sequência didática que julgou coerente com suas expectativas da sala de aula.

~ 243 ~

Nas reuniões seguintes que foram para socializar as leituras que tínhamos feito

até então, ficou evidente outro obstáculo em relação à função logarítmica. Não

conseguíamos construir uma sequência parecida com a que tínhamos de função

exponencial. Porém com o decorrer das reuniões e discussões sobre o tema e

suas propriedades tomamos consciência de uma informação que até então não

tínhamos percebido, e que seria fundamental para o desenvolvimento do nosso

trabalho. Que entre tantas peculiaridades que agora nos eram conhecidas do

objeto estudado, uma seria fundamental para a construção da sequência. A

propriedade que diz que a função exponencial possui uma inversa e essa é a

função logarítmica. Partindo dessa propriedade conseguimos construir nossa

sequência didática. (QUEIROZ, Diário de 23/03/12)

O estudo epistemológico do objeto matemático faz surgir questionamentos que antes

não eram perceptíveis por meio do método tradicional de ensino da matemática, pois a

construção de uma sequência didática baseada em uma organização matemática coerente, isto

é, que embora artificial tenha consistência do ponto de vista de suas estruturas matemáticas,

requereu que as professoras se fizessem perguntas e dessem justificativas aos seus passos –

“com o decorrer das reuniões e discussões sobre o tema e suas propriedades tomamos

consciência de uma informação que até então não tínhamos percebido”-, e que dessem sentido

aos procedimentos adotados, levando-as à mobilização de praxeologias, e construção de

“andaimes” que sustentassem teoricamente os procedimentos empregados – “A propriedade

que diz que a função exponencial possui uma inversa e essa é a função logarítmica”. Esta

perspectiva evidencia a curiosidade epistemológica do conteúdo e do sujeito operando para

além do currículo tradicional o que, certamente, implicou na forma de Queiroz lidar com o

currículo em sua abordagem didático-pedagógica.

A mudança a ser aqui registrada diz respeito a nova relação estabelecida entre Queiroz

e os objetos função exponencial e função logarítmica, expressos por uma articulação que,

tradicionalmente, não se dá a devida importância, mas que, na apropriação do professor faz

muita diferença, pois assegura-lhe um sentido para seu emprego em sala de aula, além de

fundamentar seus procedimentos e decisões na lida com o objeto em classe.

A representação no gráfico G1 (Figura 15) que melhor descreve o presente

desenvolvimento manifestado por Queiroz pode ser modelado pela curva 1, ascendente no

sentido do ponto 2, uma vez que assumir com tal propriedade o processo investigativo como

prática docente, perspectivando a gerência de relações epistêmicas, pessoais e sociais

(ARRUDA et al., 2011), e a si mesmo como profissional, condiz com uma mudança de forma

característica de uma conversão catastrófica. A professora, pois, apresentou articulações

~ 244 ~

coerentes com a aprendizagem do tipo Domínio didático-pedagógico do currículo e do ensino

da matemática.

A dualidade operante nas regências de classe e nos projetos de pesquisa sobre a prática

docente

Como já detalhei, na composição anterior, a professora Queiroz assumiu a problemática

da comunicação em sala de aula como ponto de partida para sua reflexão sobre a prática de

ensinar e aprender matemática. Sobre o tema a professora declara que:

A dificuldade de comunicação com os alunos foi, em minha

experiência, o que mais percebi. Quando a gente ia p’ra sala, a gente

explicava ali na frente e achava que a maioria entendia. Quando a

gente ia explicar p’ra um aluno específico sobre alguma dúvida, a

gente achava que explicava do mesmo jeito, mas ouvindo os áudios

percebemos que a gente não explica do mesmo jeito. A gente se dava

conta de alguns detalhes que faltavam na explicação no quadro. Eu

posso saber, mas quando vou explicar, eu posso não utilizar as

palavras certas p’ra eles entenderem o que eu quero falar. Eu achei

essa uma das maiores dificuldades. (QUEIROZ, Recorte da Entrevista)

A temática da comunicação foi recorrente nas reflexões de Queiroz, posto que a muito

vinha considerando seus aspectos. Esta postura expressa dialogicidade da comunicação e

atuação docente devido sua sensibilidade e predisposição para entender a perspectiva do aluno,

evidenciando uma conversão associada à docência, como ainda é possível corroborar pelos

seguintes depoimentos.

Eu sentia muita dificuldade na linguagem mesmo. Eu tentava ao máximo

possível utilizar uma linguagem que fosse próxima dos alunos. Porque se tu

falas uma palavra difícil p’ra um menino de onze anos, essa palavra “pula” na

compreensão do todo. Você tem que aproximar. Não dá p’ra ficar primeiro com

o pessoal da frente e depois com o pessoal que é mais velho [pessoal do fundo

da sala]. (QUEIROZ, Recorte da Entrevista)

A constatação de Queiroz de que deveria o “máximo possível utilizar uma linguagem

que fosse próxima dos alunos”, expressa uma consciência comunicacional de que o diálogo

pode “aproximar” os sujeitos heterogêneos em sala de aula. A preocupação com a linguagem

~ 245 ~

utilizada, bem como a comunicação com os alunos de uma forma mais alargada esteve evidente

em diversas atividades executadas por Queiroz, como no caso de um projeto de intervenção em

parceria com Ss4 em que desenvolveram uma ação chamada O cantinho do quadro que tinha

por princípio recuperar informações passadas do objeto matemático em discussão na aula, como

no caso da resolução de produtos notáveis em que as regras de potenciação de números reais

eram retomadas no cantinho do quadro para auxiliar a resolução dos problemas mais

complexos. Estes registros constituíram um instrumento mediador e facilitador da compreensão

sobre o novo sentido atribuído à potência expressa nos produtos notáveis. Outra evidência de

interesse pelo tema comunicação esteve associada à regência em Prática I, quando em parceria

com Ss3 a professora Queiroz desenvolveu jogos para o trabalho com MMC e MDC, de onde

surge o depoimento anterior, e mais uma vez a temática se materializa no trabalho de conclusão

de curso (TCC) em que desenvolve uma pesquisa em sala de aula em que investiga as

implicações da comunicação na aprendizagem da matemática dos alunos do 8º ano.

As reiteradas experiências de Queiroz em que esta esteve refletindo sobre os aspectos

comunicacionais em sala de aula evidenciam o que Dewey (2011) chama a atenção sobre uma

experiência atual resgatar, de algum modo, experiências passadas e viver em experiências que

virão. Os significados atribuídos por Queiroz ao tema comunicação em sala de aula expressam

um contínuo experiencial em que a práxis dialógica comunicacional é constantemente

revisada, alargada, aprimorada. A conversão catastrófica ocorre, a exemplo deste caso,

semelhantemente a um copo com água preenchido até a borda, em que vão se depositando

moedas. Em determinado momento a tensão superficial da água romperá e a água contida no

copo transbordará, ocorrerá uma catástrofe, não em decorrência somente da inserção da última

moeda no copo, mas pelas moedas inseridas anteriormente e à situação de o copo estar cheio

de água até a borda. A conversão catastrófica é, neste sentido, resultante de múltiplos fatores

intervenientes no processo em desenvolvimento que o tornam crônico e em condições de

deflagrar a catástrofe. A mudança de estado, de forma, e de relações entre tais fatores é o que

contribui para a ocorrência da catástrofe. As experiências ressignificadas em novas situações

contribuem para a aprendizagem expressa por Queiroz, e sua percepção alargada sobre a

problemática lhe assegura novas formas de saber-fazer em sala de aula.

O processo descrito aqui é mais uma vez passível de modelação pela curva 1, ascendente

no sentido do ponto 2, visto que evidencia uma aprendizagem reificada pelo discurso de

Queiroz tecido durante sua entrevista, evidenciando uma conversão catastrófica quando sua

~ 246 ~

reflexão lhe faz evocar no percurso que traçou, experiências significativas de cada situação

vivenciada, e que somente naquele momento sistematizou na forma de um discurso consciente

sobre o tema, certamente aprimorado na feitura de seu TCC, mas que toma forma somente

agora, por ocasião do diálogo reflexivo que tecemos durante a entrevista.

A conversão catastrófica enquanto consolidação provisória do processo de

sujeição

Quando inquiridos sobre como significaram o percurso experienciado no PIBID os

professores manifestam ter percebido mudanças significativas em suas práticas, como

exemplificado pelo depoimento de Sena:

De um modo geral foi muito construtiva. Eu mudei muito mesmo! Durante esses

quatro anos [graduação] e como bolsista do PIBID. Eu hoje assumo posições

muito mais enfáticas do que eu tomava antes, acredito. E até falando com alguns

colegas eles dizem que eu estou diferente, ou seja, essa vivência da

Universidade, no PIBID, me transformou muito mais do que eu possa imaginar.

Me mudou de certa forma que, se eu fosse pegar quando era aluno do Ensino

Médio, talvez eu não me reconheça, eu teria a mesma vontade de ser professor

que eu tinha no Ensino Médio, mas a minha visão sobre tudo, a minha vontade

e a minha capacidade hoje de me expressar é diferente. Por exemplo,

antigamente, apesar de em determinadas situações eu não estar de acordo, eu

baixava a cabeça, porque eu não tinha confiança suficiente. Eu ouvia,

discordava, mas fazia. Hoje eu já penso diferente. Já ajo um pouco diferente. Se

eu realmente discordo, eu continuo discordando, mas argumento sobre o que

discordo. Se a pessoa disser “- Vamos fazer assim!” e eu discorde, respondo “-

E se for feito desse jeito?”, “- E se a gente não fizer desse jeito?”, até entrarmos

em consenso ou eu verificar que o outro jeito era o melhor. (SENA, Recortes da

Entrevista)

O professor Sena manifesta detalhes sob que aspectos visualiza sua mudança de forma

em relação à docência. De uma postura um tanto quanto submissa, muito em decorrência da

forma afetuosa como lhe fora apresentado o paradigma do exercício, atualmente avalia estar

mais aberto à negociação de significados, à exploração e assume posição por avaliar-se em

condição para o debate. Acredito, que boa parte de seu desenvolvimento se deve às experiências

vivenciadas no PIBID, como dá a entender no seguinte depoimento.

Nós não sabemos de tudo, nós não somos o centro do universo, o professor deve

sempre buscar algo mais, o professor deve sempre olhar a turma com o

~ 247 ~

pensamento de “o que devo fazer para melhorar?”. Não como se pensava antes,

que era o de “eu estou fazendo isso certo e os alunos é que não estão

aprendendo!”. Hoje, assim como todos nós, todas as pessoas que participaram

do PIBID e viveram essa experiência, assim como eu, elas têm uma concepção

de que a educação é complexa. Educação é difícil, educação é um trabalho

árduo, independente de qual área. Mas é, como alguns autores falam, um

exercício diário. Você tem que estar sempre melhorando. Você tem que estar

sempre aprendendo. Eu acho que nossa capacidade cognitiva, nosso

aprendizado, nunca chega ao fim, nunca conseguimos aprender tudo, sempre

surge alguma coisa nova para a gente aprender, tentar compreender. Pois

muitas vezes a gente não compreendia, e durante muitas vezes nos foi ressaltada

essa percepção de que nós não sabemos de tudo, nós temos que aprender. Essa

percepção não deveria ser firmada só no PIBID, só na Universidade, mas

deveria ser levada na profissão. Acredito, pessoalmente, que eu aprendi muita

coisa. Aprendi a ver o mundo de outra forma. Aprendi a ver a educação de outra

forma. Eu sempre gostei de ministrar aula de uma maneira mais espontânea, de

uma maneira mais divertida, mas com essa percepção de que existem métodos e

metodologias que podem me auxiliar ainda mais, que eu posso buscar ainda

mais, que eu posso pensar ainda mais como melhorar isso, é o que eu vou levar

por muito tempo. (SENA, Recorte da Entrevista)

Mais uma vez Sena expressa evidências de aprendizagem do tipo de inacabamento e

consciência social da profissão, demonstra consciência de que “Nós não sabemos de tudo, nós

não somos o centro do universo, o professor deve sempre buscar algo mais, o professor deve

sempre olhar a turma com o pensamento de “o que devo fazer para melhorar?” e ainda que “a

educação é complexa” e exige que o professor esteja “sempre melhorando”, “sempre

aprendendo”. Sena dá demonstrações de superação do paradigma do exercício, mas, nesse

sentido, declara ter ainda muito o que aprender.

De um modo geral, os professores mudaram realmente a partir de suas experiências e

passaram a assumir um habitus que antes não consideravam ser prerrogativa da docência, como

evidencia o caso a seguir, vivenciado por Queiroz:

Ontem eu me peguei em um domingo, meio dia e meia, no terminal rodoviário,

lendo o texto do Ss6. Ele me ligou e disse que estava no Centro. Perguntava

onde poderíamos nos encontrar. Não havia nada aberto no Centro. Então fomos

para o terminal, pois havia cadeiras lá. Ele havia enviado um texto por e-mail,

mas queria que eu argumentasse com ele na frente dele. Então fomos p’ro

terminal. Falava com a Soares: “Será que a gente fez isso, tirar o professor do

~ 248 ~

que estava fazendo p’ra vir falar com a gente?”, provavelmente sim, porque a

gente pegava ele em qualquer lugar e ficava mostrando os trabalhos,

“Professor, vem aqui! Como é que se faz isso aqui? Rapidinho!”. É, a gente era

desse jeito! (QUEIROZ, Recorte da Entrevista)

Neste caso, a conversão se instaura à medida em que Queiroz se dá conta de sua

assunção da autoridade docente que lhe confere um status de referência para um outro sujeito,

neste caso Ss6, a quem acolhe prontamente por compreender ser uma responsabilidade inerente

ao seu papel profissional, espelhando um saber-fazer profissional que aprendera, talvez

inconscientemente. Queiroz pondera sobre este seu novo ponto de vista sobre a docência e

avalia o quanto mudou em relação a seu início na graduação, principalmente, do início de sua

participação no PIBID.

Eu tinha uma ideia muito diferente do que era ser professor de matemática. Ia,

passava uma continha. Se soubessem, pronto! Mas hoje não. Tu participas muito

da formação deles. Ela [professora do Ensino Médio], do jeito dela, participou

da minha [formação]. Hoje estou aqui por conta dela. Então, que tipo de

exemplo a gente quer ser p’ros nossos alunos? Eu sempre penso nisso. Que tipo

de exemplo eu quero ser. Quando eu entrei na turma do Ensino Médio, eu era

igualzinha a eles, mas agora eu não estou mais como aluna, estou como

professora. Então, que tipo de atitude eu vou tomar? Meu pensamento é esse.

Que tipo de exemplo eu quero ser? Que tipo de memória eu quero que tenham

de mim no futuro quando eles forem falar de mim, como hoje eu falo dos meus

professores? Isso tem que estar na tua cabeça. (QUEIROZ, Recorte da

Entrevista)

A professora manifesta reflexividade crítica sobre a realidade e consciência social da

profissão ao entender-se enquanto docente, ao assumir uma nova posição na Escola e ao desejar

ser um “exemplo” para seus alunos. Os demais professores em formação compartilham desta

perspectiva social da profissão docente e projetam seu futuro almejando dar continuidade a seus

estudos para se desenvolverem pessoal e profissionalmente.

O quadro a seguir apresenta uma síntese do modelo aqui construído, expondo breves

descrições das fases do desenvolvimento profissional até à conclusão da formação inicial

oficial, as características das experiências vivenciadas e as tipologias de aprendizagem inerentes

ao DPDPC.

Quadro 02 – Síntese do Modelo de Desenvolvimento Profissional Docente em uma Perspectiva Catastrófica (DPDPC)

Fases do

Desenvolvimento

Características das Fases de

Desenvolvimento

Experiências Formativas Tipologias de Aprendizagem

Formação Básica

Desenvolvimento de atitudes em

relação à matemática

Trabalhos que motivem o interesse pelo

trabalho matemático, estabeleçam relações

com a matemática como disciplina, com

determinadas partes da matemática e aos

métodos de ensino

Aprendizagem como componente afetivo:

- Valorização e apreço pela disciplina

- Interesse, satisfação e curiosidade pela

matéria e por sua aprendizagem

Desenvolvimento de atitudes

matemáticas

Atividades matemáticas, resolução de

problemas, exercícios e tarefas com o objetivo

de tornar o saber sobre um objeto rotineiro

Aprendizagem como componente cognitivo:

- Flexibilidade de pensamento

- Abertura mental

- Espírito crítico

- Objetividade

Passagem pelo

Espelho

Entrada no campo de formação oficial

e tomada de decisão pela profissão e

iniciação à cultura profissional

Experiências afetivas e econômicas que

contribuem para a escolha da carreira.

Mudança da “casa” do Ensino Médio para a

“casa” da Formação Oficial.

Experiências vivenciadas nas instâncias

formativas das disciplinas específicas,

didático-pedagógicas e extracurriculares

Reconhecimento de aspectos peculiares da

docência como a prática de interação dos

professores universitários associadas à

gestão de classe e a promoção da relação

teoria e prática

~ 250 ~

Dualidade

Operante

Passagem da posição de aluno à

posição de professor. Primeiras

experiências efetivamente

problematizadoras da atuação

profissional docente

Entrada em sala de aula, estudo em grupos e

elaboração de projetos de observação e/ou

investigação da práxis docente

Primeiros indícios das tipologias de

aprendizagem profissionais como:

- Sensibilidade ecológica

- Dialogicidade da comunicação e atuação

docente

- Instrumentalidade tecnológica e estratégica

de ensino

- reflexividade crítica sobre a realidade

- Curiosidade epistemológica do conteúdo e

do sujeito

- Domínio didático-pedagógico do currículo

e do ensino da matemática

Conversão

Catastrófica

(Ajustamento)

Consolidação provisória do processo

de sujeição. Processo contínuo de

experiências significativas sobre a

docência em que, invariavelmente,

ocorrem mudanças de forma,

momentos de conversão catastrófica,

estabelecimento de novas relações com

o saber expressas pelo professor (em

formação inicial) no sentido de uma

progressiva socialização e sujeitamento

aos modos de ser e fazer próprios de

uma comunidade docente.

Participação em comunidades de práticas

docentes e Dinâmicas reflexivas individuais e

coletivas sobre a própria prática

Além da incidência de tipologias de

aprendizagem presentes na fase da dualidade

operante, apresenta ainda:

- Inacabamento e consciência social da

profissão

- Assunção da autoridade docente

O quadro visa assegurar o registro de que posturas de conversão catastrófica, no sentido

de mudança de forma em relação à consciência social da profissão, assumida pelos professores

que experienciaram as atividades extracurriculares, em particular, as desenvolvidas neste

projeto, implicam o desejo de assunção profissional. Contudo, esta socialização deu mostras

de que operou de acordo com as contingências próprias do ambiente em que tomaram lugar as

experiências aqui compartilhadas, suportadas por condições próprias deste meio e tempo, mas

que geram perspectivas de se perpetuar no horizonte da carreira profissional desses professores.

Dos processos possíveis, por uma questão econômica, destaquei, nesta composição,

somente algumas situações e casos para ilustrar o potencial analítico e teórico-instrumental do

modelo de DPDPC. O modelo traz novas perspectivas sobre a investigação acerca do

desenvolvimento profissional docente e, sobretudo, apontando a necessidade de seu

aperfeiçoamento. Configuro, assim, a investigação da aprendizagem docente em contextos de

práticas colaborativas de professores em formação inicial como uma verdadeira linha de

pesquisa, em que situamos o modelo de DPDPC como um instrumento potencial de

perscrutação (análise e compreensão) de práticas e trajetórias docentes.

A partir dos processos de aprendizagem evidenciados em nas experiências de prática

colaborativas, vivenciadas no âmbito do projeto extracurricular de iniciação à docência

(PIBID), sinalizei os tipos de aprendizagem compatíveis com o que defini por um Bom

Professor, especialmente, um Bom professor de Matemática, além de dar forma e conteúdo ao

que defini como Desenvolvimento Profissional Docente em uma Perspectiva Catastrófica

(DPDPC), sendo este desenvolvimento expresso por um processo contínuo de experiências

significativas sobre a docência em que, invariavelmente, ocorrem mudanças de forma,

momentos de conversão catastrófica, estabelecimento de novas relações com o saber,

expressas pelo professor (em formação inicial), no sentido de uma progressiva socialização

e sujeitamento aos modos de ser e fazer próprios de uma comunidade docente.

Destaco que os processos de constituição identitária, de desenvolvimento profissional e

de apreensão praxeológica são contínuos e permanecem ao longo da vida profissional dos

professores de matemática. Mas evidenciamos que a conversão catastrófica se acentua, se

torna mais pregnante, sobretudo quando refletimos sobre as fases de desenvolvimento em que

se destacam as mudanças de casa e posição, em que os sujeitos investigados deixam de se

portar como alunos e passam a se assumir como professores.

~ 251 ~

~ 252 ~

~ 253 ~

COMPOSIÇÃO V

Nesta composição teço uma pretensa conclusão sobre a pesquisa

realizada. Procuro resgatar os fatores principais da identificação dos

processos de aprendizagem e evidenciação de tipos de aprendizagem

docente que implicam um contínuo experiencial que conduz ao

desenvolvimento profissional dos professores de matemática em

formação inicial. Sobretudo aqueles característicos de uma conversão

catastrófica, para a qual introduzo a conformação de um modelo

heurístico de análise da formação e desenvolvimento profissional

docente por meio de mudanças de formas e identificação com a carreira

docente.

AmarrasFinais

~ 254 ~

~ 255 ~

COMPOSIÇÃO V

CONTORNOS CONCLUSIVOS

Esta composição assume os contornos de uma pretensa conclusão. Porém constitui, em

verdade, amarrações com pontas soltas. Não por descuido ou despreparo, mas devido à

complexidade e mutabilidade do tema Formação Docente, que assume novas feições sempre

que as contingências ambientais se modificam. Fazendo emergir novas variáveis e

conformações para as relações entre os sujeitos docentes, na Universidade e nas Escolas. Com

efeito, ao analisar a problemática da formação docente, pude percebê-la e explorá-la sob dois

aspectos: o primeiro como um dos pilares de sustentação da educação escolar e o segundo como

lócus de investigação sobre os processos de aprendizagem da docência e do desenvolvimento

profissional docente.

Tanto um aspecto quanto outro refletem as mudanças sociais, políticas, econômicas e

tecnológico-científicas que caracterizam os paradigmas contextuais vigentes (KUHN, 2006).

Deste modo, apontei, na introdução deste trabalho, que a formação docente esteve

condicionada, no início do século XX até a década de 1970 pelo paradigma de ciência moderna

(CHAUÍ, 1997; MIZUKAMI et al., 2002; FERREIRA, 2003), passando a partir da década de

70 do século XX ao paradigma do processo-produto e depois na década de 80 para um

paradigma naturalista-interpretativo (FERREIRA, 2003) e, finalmente, nos encontramos

diante do paradigma comunicativo-dialógico (FELDMANN, 2009). Estas fases carregam

consigo estilos próprios de formação docente, assinalando a passagem de perspectivas top-

down (ZEICHNER, 1993) em que a formação se sustenta enquanto acumulação de cursos e

transmissão de conhecimentos sobre uma cultura que se entende estática e de valores imutáveis,

característicos de uma educação tradicional de viés reprodutivista, conforme observa Dewey

(2011) e associado à racionalidade técnica, para uma fase de formação com perspectivas bot-

top-up, de desenvolvimento e mudança, em que se valoriza o que pensa o professor, imputando

a este a responsabilidade por sua (auto)formação mediante experiências de reflexão, individual

ou coletiva, sobre suas práticas docentes e com possibilidade de mudança social.

~ 256 ~

Diante deste contexto, me senti impelido a investigar sobre as evidências de

aprendizagem que ocorrem e os processos que as produzem nas experiências colaborativas de

professores de matemática em ambientes de interface entre a Universidade e a Escola? E ainda,

em que sentido as manifestações de aprendizagem docente de professores de matemática

situados nessas experiências colaborativas promovem o desenvolvimento profissional do

professor de matemática? Visando levar a termo minha investigação, desenvolvi uma pesquisa

qualitativa de natureza interpretativa em que busquei identificar, descrever e analisar as

evidências de aprendizagem, os processos de aprendizagem e o desenvolvimento profissional

docente de professores de matemática situados nos contornos das experiências colaborativas

em ambientes de interface entre a Universidade e a Escola.

Por uma questão de foco e condição para a pesquisa, mobilizei esforços na investigação

dos processos de formação e de desenvolvimento profissional de professores de matemática

durante a formação inicial e que participavam de um projeto de iniciação à docência (PIBID).

Este público me possibilitou o desenvolvimento de uma pesquisa-ação colaborativa, a partir

da qual pude, em um primeiro nível, identificar e analisar os contornos das experiências

colaborativas em que se evidenciaram condições para a problematização e desnaturalização da

prática docente. Construí, a partir do processo de pesquisa, alguns resultados que trazem

identidade a este trabalho e contribuições à linha de pesquisa formação de professores de

matemática.

Ao retomar a problemática da formação de professores e o objetivo de identificar,

descrever e analisar as evidências de aprendizagem, os processos de aprendizagem e o

desenvolvimento profissional docente de professores de matemática situados nos contornos das

experiências colaborativas em ambientes de interface entre a Universidade e a Escola, fui

levado a crer, com base nos resultados construídos, que as expectativas iniciais foram atendidas

e, por vezes, superadas. Visto que, a partir dos Macro-contornos Experienciais de Formação,

pude explicitar o percurso de formação pelo qual passa o sujeito docente de matemática, e que

pode ser definido: pela formação básica - passando por um processo de escolha da profissão;

pela formação inicial ou oficial - passando por um período de transição entre a preparação

oficial e o exercício da profissão; e pela formação continuada.

Nos contornos da educação básica evidenciei, à luz de Chacón (2003), que a

predisposição para a matemática pode estar associada à existência de atitudes em relação à

matemática e pelas atitudes matemáticas e que a escolha pela carreira tem a ver, além das

~ 257 ~

existências destas atitudes, com fatores de ordem política e econômica, expressas aqui pela

oferta de cursos nas proximidades das residências dos professores em formação, conforme

declarações feitas por Sena e Queiroz. A decisão pela permanência na carreira ainda sofre

contingências de ordem contextual, sobretudo marcadas pela relação teoria-prática evidenciada

na Formação Oficial Inicial, em específico entre as instâncias formativas das disciplinas

específicas, didático-pedagógicas e das atividades extracurriculares, que concorrem para a

constituição identitária do professor em formação inicial e cuja articulação tem papel decisivo,

no primeiro ano de curso, para a aceitação ou não das prerrogativas docentes, como, por

exemplo, a necessidade de leitura e escrita sobre a educação, geralmente não bem recebidas por

estudantes de matemática que entram na licenciatura com expectativas em relação às práticas

eminentemente matemáticas, e exemplificadas nos depoimentos de Leite e Queiroz.

As análises dos contextos assinalados me possibilitaram a compreensão de que, nesta

preparação oficial, quão mais articuladas e bem desenvolvidas forem as instâncias formativas

fundamentais, melhor será a compreensão da função docente, o que gera expectativas para uma

melhor adaptação ao exercício inicial da profissão pelo professor de matemática. Esta

compreensão me foi possível pela perscrutação dos processos de aprendizagem desencadeados

nesses contornos de experiência. Para efeito de delineamento da pesquisa, o ponto de vista por

mim assumido para tratar da formação docente, foi o do contorno das atividades

extracurriculares, em específico, definido pelas relações estabelecidas entre professores de

formação inicial, professores atuantes na rede pública e professor formador universitário, em

experiências de práticas investigativas e colaborativas em ambientes de interface entre

Universidade e Escola.

A partir do contorno de atividades extracurriculares me foi possível discernir as

experiências de formação e o desenvolvimento dos professores mediante situações de:

preparação para a entrada nos ambientes de colaboração (GCEM e sala de aula), participação

em eventos (locais e nacionais), construção de sequências didáticas (tendo como referência a

Teoria Antropológica do Didático) e elaboração/execução dos projetos de pesquisa

(intervenções em sala e TCC). Os processos sistemáticos de estudo e investigação sobre a

formação docente e análise do grande grupo (24 sujeitos circunstanciais ou periféricos), em

específico do subgrupo composto pelos sujeitos com plena participação e reificação

(FIORENTINI, 2013), foi-me possível categorizar a aprendizagem da docência em oito

tipologias qualificativas, a saber: 1) Reflexividade crítica sobre a realidade; 2) Curiosidade

~ 258 ~

epistemológica do conteúdo e do sujeito; 3) Dialogicidade da comunicação e atuação docente;

4) Instrumentalidade tecnológica e estratégica do ensino; 5) Inacabamento e consciência

social da profissão; 6) Sensibilidade ecológica; 7) Domínio didático-pedagógico do currículo

e do ensino da matemática e; 8) Assunção da autoridade docente.

As experiências do percurso que registram momentos definidos como passagem pelo

espelho, dualidade operante e conversão catastrófica ou ajustamento (DUBAR, 1997)

evidenciam que estas tipologias qualificativas da aprendizagem docente não ocorrem no vazio,

mas, ao contrário, são situadas em práticas de ensino que visam estar em conformidade com o

grupo de referência (GCEM). Implicam, pois, tipos de aprendizagem que se articulam e

emergem de processos de conversão com características catastróficas, que dão consistência e

substância ao estudo das mudanças de forma (saber ser/fazer), próprias do que tenho

conceituado como Desenvolvimento Profissional Docente em uma Perspectiva Catastrófica

(DPDPC).

Deste modo, me parece plausível avaliar como consistente a tese de que a aprendizagem

docente dos professores de matemática, em formação inicial, pode ser interpretada como o

resultado da interação destes sujeitos com práticas situadas em uma experiência educativa

significativa, com potencial para ressignificar posturas, redirecionar atitudes e impulsionar o

desejo de continuar aprendendo. Sendo, nestes termos, o desenvolvimento profissional docente

um processo de conversão catastrófica - de identificação dos sujeitos a um corpo de

conhecimentos, valores, teorias, saberes e práticas de um grupo tomado por referência -,

resultante, pois, da aprendizagem docente frente a situações de práticas colaborativas com

intencionalidade de mudança, tanto pelos sujeitos individualmente quanto pelo grupo

institucional de referência.

A análise dos Macro-contornos Experienciais de Formação, em específico, dos

Contornos Experienciais da Formação Inicial definidos pela instância formativa das

atividades extracurriculares, possibilitaram ainda a caracterização dos fluxos de formação de

grupos e a construção do Modelo de Desenvolvimento Profissional Docente em uma

Perspectiva Catastrófica, que se evidencia por um processo de apropriação pelos professores

em formação inicial de um conjunto complexo de praxeologias institucionais, possibilitado por

uma conversão catastrófica, que constitui o ápice de um processo de socialização mediante

apropriação de determinado saber, de modo que seja possível distinguir, na trajetória do

contínuo experiencial do sujeito, um momento bem definido em que ocorre um insight, um dar-

~ 259 ~

se conta das contingências ecológicas em que se torna possível a experiência de reflexão da, na,

sobre a docência. Esta conversão ocorre mediante uma mudança de relação entre o sujeito e

determinado objeto, ao tornar-se sensível a algum aspecto pregnante nas experiências passadas

que, por cumulação ou reorganização, promovem evocações de sentidos pelo sujeito que as

expressa na forma da conversão, isto é, expressa uma aprendizagem.

As evidências empíricas em diálogo com a literatura, portanto, deram mostras de que

ascende-se à transformação das práxis pela conversão docente, que ocorre ao longo de um

processo contínuo de socialização (DUBAR, 1997) e de identificação com a carreira docente,

isso me levou a concluir que, o Desenvolvimento Profissional Docente em uma Perspectiva

Catastrófica (DPDPC) se expressa por um processo contínuo de experiências significativas

sobre a docência em que, invariavelmente, ocorrem mudanças de forma, momentos de

conversão catastrófica, estabelecimento de novas relações com o saber, expressas pelo

professor (em formação inicial), no sentido de uma progressiva socialização e sujeitamento

aos modos de ser e fazer próprios de uma comunidade docente.

Finalizo esta composição com a explicação de que é possível acessar a totalidade técnica

deste trabalho por meio da simples soma das partes que o compõem, todavia, estou convicto

que somente com um olhar ampliado sobre a reunião das composições, se poderá acessar e

verdadeira dimensão e sentido das premissas que anuncio neste relatório de pesquisa.

Encerrarei, no entanto, com certo sentimento de “não conclusão”, visto existirem aqui - ora

definidas, ora subentendidas -, inúmeras interrogações que caracterizam o conjunto deste

trabalho como um verdadeiro programa de pesquisa, que traz elementos para inúmeras outras

pesquisas, para as quais emergem inúmeras outras questões. Por exemplo, assumi em todo o

percurso de pesquisa/formação um currículo prescrito, em que poucas vezes tencionamos o

saber escolar sistematizado à procura de outros modelos epistemológicos de referência. Nestes

termos, o que ocorreria se o fizéssemos? Que tipologias de aprendizagem emergiriam desse

processo? E que processo seria este?

Ou se, ao invés disso, propusesse investigar os processos de aprendizagem dos

professores supervisores em vez dos professores em formação inicial? E, como a formação

descrita neste trabalho tem impactado na atuação docente efetiva daqueles que participaram

desse processo de formação? Ou ainda, qual o impacto de nosso trabalho na aprendizagem

matemática dos alunos das escolas parceiras?

~ 260 ~

Como é possível evidenciar, não é difícil verificar as potencialidades que este trabalho

apresenta a outras investigações, outras ações de formação e, sobretudo, à transformação social,

em específico ao ensino da matemática nas escolas públicas e à formação docente na

licenciatura em matemática. Fica aqui minha singela contribuição para o alargamento da área,

com o estabelecimento de algumas respostas e o encaminhamento de outras novas questões, as

quais me comprometo em futuro próximo me debruçar, não só, mas acompanhado dos

participantes de minha comunidade de práticas colaborativas, a quem devo e agradeço a

possibilidade das reflexões que foram reificadas por mim ao longo desta tese.

Enfim, se me perguntassem, o que deste processo de estudo e pesquisa sobre as práticas

de ensino e formação de professores de matemática em formação inicial, desenvolvidas em

ambientes de interface entre a Universidade e a Escola Pública, em contextos de experiências

colaborativas na Amazônia Paraense, contribuiu para minha constituição como pesquisador e

docente ... eu diria que me ajudaram a ser gente e agente profissional. Talvez não haja maior

contribuição do que esta, pois sendo gente me dou conta de minhas limitações e de que nada

faço no mundo sozinho. Enquanto agente profissional me constituo sujeito de possibilidades,

abraçando oportunidades, vencendo obstáculos, segurando firme a mão de quem a me estende,

em um processo de busca permanente de ser sujeito da história. Ser gente me faz pensar que,

assim como me foram dadas oportunidades, que me possibilitaram conquistar certos espaços

institucionais, é meu dever moral e social criar, como agente, condições para que dentro de suas

possibilidades intelectuais e desejo de mudança, outros indivíduos possam constituir-se neste

mundo de normas, crenças e valores institucionais. Mais do que uma possibilidade, é um direito

querer ser gente, e um dever de ser agente que proporciona recursos e orienta o outro,

independentemente de sua origem, credo, cor, condição social ou orientação sexual. Ser gente

é direito de todos! Ser agente social e formador de pessoas, mais que uma opção profissional,

é um compromisso político de quem assume a educação como profissão.

~ 261 ~

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