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SÔNIA FILIÚ ALBUQUERQUE LIMA APRENDIZAGEM COOPERATIVA EM UMA SALA DE AULA: UMA ANÁLISE SÓCIO-HISTÓRICA DAS POSSIBILIDADES E LIMITES UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO Campo Grande - MS 2007

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SÔNIA FILIÚ ALBUQUERQUE LIMA

APRENDIZAGEM COOPERATIVA EM UMA SALA DE AULA: UMA ANÁLISE SÓCIO-HISTÓRICA DAS

POSSIBILIDADES E LIMITES

UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO

Campo Grande - MS 2007

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SÔNIA FILIÚ ALBUQUERQUE LIMA

APRENDIZAGEM COOPERATIVA EM UMA SALA DE AULA: UMA ANÁLISE SÓCIO-HISTÓRICA

DAS POSSIBILIDADES E LIMITES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Educação da Universidade Católica Dom Bosco como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Educação.

Área de Concentração: Práticas

Pedagógicas e Formação de Professores Orientadora : Drª Ruth Pavan

UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO Campo Grande - MS

2007

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APRENDIZAGEM COOPERATIVA EM UMA SALA DE AULA: UMA ANÁLISE SÓCIO-HISTÓRICA

DAS POSSIBILIDADES E LIMITES

SÔNIA FILIÚ ALBUQUERQUE LIMA

BANCA EXAMINADORA:

_______________________________ Prof. Dr.

_______________________________ Prof. Dr.

_______________________________ Prof. Dr

Campo Grande, .........de.......de 2007

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“Temo que metade das pessoas considere que qualquer

programa educacional de algum valor ou integridade

seja uma panacéia sem valor, e que a outra metade

considere que toda panacéia sem valor seja uma

promessa de excelência educacional”.

Matthew Lipman

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A todos aqueles que acreditam no potencial humano “escondido”.

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AGRADECIMENTOS

A concretização deste trabalho contou com a colaboração de várias pessoas e instituições,

mas em primeiro lugar, agradeço ao Deus Criador, doador das forças e da sabedoria e inseparável companheiro de interação nos momentos nunca solitários de estudo.

Sou ternamente grata ao meu esposo Erasmo pelo apoio incondicional e aos meus filhos Gustavo, Carolina e Juliana por suportarem com relativa paciência as minhas ausências.

Em especial agradeço à Professora Drª Ruth Pavan, minha orientadora com quem muito aprendi, pela paciência, apoio e orientações precisas essenciais para a conclusão dessa etapa final.

Meus especiais agradecimentos ao Professor Dr. José Camilo Santos Filho, orientador na primeira etapa desta caminhada que com sua vasta experiência e conhecimentos profundos, conserva o dom de permanecer humano.

À Profª. Drª. Leny Teixeira, com quem muito aprendi nas aulas, meus agradecimentos pelas análises minuciosas e recomendações pertinentes na banca de qualificação.

Agradecer às Professoras Drª. Jeanete Liasch Martins de Sá e à Drª. Maria de Lourdes Ramos da Silva Carvalho pelos pareceres criteriosos.

Ao Professor Dr. Celso Ferrarezi Jr., Diretor da UNIR-GM, agradeço não só pelas leituras aguçadas e questionamentos profundos mas sobretudo pela atitude instigadora, humana e ética que me serviu de desafio e inspiração.

Agradeço à Professora Doutora Wany Sampaio, da UNIR, pelas sugestões e à amiga Drª Carmelita Domingues, pelo tempo dispensado, por poder compartilhar as incertezas e ansiedades.

Agradeço também a diretora da escola onde foi aplicado o Projeto, pela sua disposição, dedicação, apoio, pela leitura do trabalho e pela amizade que surgiu desta experiência.

De maneira muito especial, agradeço às professoras da escola, a quem cabe o real mérito dessa experiência, que tiveram coragem de enfrentar o novo, com dedicação de muitas horas de reunião, estudo e planejamento, com paciência para recomeçar sempre que necessário. Obrigada pela oportunidade de eu haver crescido com vocês.

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LIMA, Sônia Filiú Albuquerque Lima. Aprendizagem Cooperativa em uma sala de aula: uma análise sócio-histórica das possibilidades e limites. Campo Grande, 2007. 254p Dissertação (Mestrado) Universidade Católica Dom Bosco.

RESUMO

Esta pesquisa é um estudo de caso da implantação da aprendizagem cooperativa em uma sala de aula, vinculada à Linha de Pesquisa: Práticas Pedagógicas e Formação Docente. O objetivo do estudo foi analisar, sob a perspectiva sócio-histórica, os limites e as possibilidades da metodologia da aprendizagem cooperativa aplicada em uma sala de aula. A investigação qualitativa teve como principal instrumento a observação participante e a análise de dados foi interpretativa. Foi possível concluir que a formação docente, sua concepção epistemológica da aprendizagem compatível com a aprendizagem cooperativa, a incorporação dos seus princípios e a instrumentalização metodológica foram causas primárias identificadas das condições favoráveis e das dificuldades. As condições favoráveis secundárias foram os acordos sobre as regras, organização do tempo, atividades de auto-avaliação do grupo, formação de grupos de acordo com os objetivos desejados e atividades interativas desafiadoras. Os obstáculos secundários foram problemas de disciplina, conflitos entre os alunos, atividades individuais e passivas, dependência do aluno em relação a seus colegas e reprodução do erro do outro. As reflexões deste estudo levam a implicações para a formação docente, pois as articulações entre aprendizagem cooperativa e perspectiva sócio-histórica somente serão factíveis se ocorrerem nas concepções do professor.

PALAVRAS-CHAVE: aprendizagem cooperativa, perspectiva sócio-histórica,

formação de professores.

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LIMA, Sônia Filiú Albuquerque Lima. Cooperative Learning in a classroom: an social-historic analyse of the possibilities and limits. Campo Grande, 2007. 254p Paper (Master´s) Dom Bosco Catholic University - UCDB.

ABSTRACT

This research is a case study about the implantation of the cooperative learning in a

classroom, linked at research line: Pedagogical Practical and Teaching Formation. The research objective was to analyse, in socio-historic perspective, of the possibilities and limits of the cooperative learning methodology applied in a grouped grades. The qualitative investigation had participative observation as main instruments. The teacher’s formation, his epistemological conception of learning in harmony whit cooperative learning and the incorporation of the its principles and the methodological instrumentalization were the primaries causes of the favorables conditions and the difficulties identified. The secondary favorable condition identified were common agreement on the rules, organization of time, self-evaluation of the group, interactivies with challenge activities with controversial questions. The secondary obstacles were discipline problems, conflicts among students, individual and passive activities, noxious dependence on the performance of the students of this friendship and reproduction other’s error. The reflections of this study conduct to teacher’s formation implications, because the articulations inter cooperative learning and social-historic perspective as soon as will be feasible if to happen in the teacher’s conceptions.

KEYWORDS: Cooperative learning, social-historic perspective, teacher’s

formation.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Quadro sumário das dificuldades observadas na implantação da

Aprendizagem Cooperativa................................................................................................

Figura 2 - Quadro sumário das condições favoráveis observadas na implantação da

Aprendizagem Cooperativa................................................................................................

Figura 3 - Quadro sumário das dificuldades no processo cognitivo da Aprendizagem

Cooperativa.........................................................................................................................

Figura 4 - Quadro sumário das condições favoráveis aos aspectos psicológicos da

Aprendizagem Cooperativa................................................................................................

131

133

171

173

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LISTA DE TABELA

Tabela 1 - Diferença entre percentuais de acertos individuais e de acertos em grupo, em atividade de interpretação de texto com dez questões..............................................146

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Comparação entre grupos de trabalhos tradicionais e grupos de Aprendizagem

Cooperativa

......................................................................................................41

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

1. Grupo grande com a presença da

professora..................................................................100

2. Grupo de formação por

afinidades..................................................................................102

3. Alunos participando de jogos

educativos........................................................................164

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LISTA DE ANEXOS

Anexo1 - Questionário Respondido pela Professora.....................................................

Anexo 2 - Entrevista Semi-estruturada com a Professora – Janeiro de ........................

Anexo 3 - Desenvolvimento do Espírito de Equipe......................................................

Anexo 4 - Técnicas Específicas de Aprendizagem Cooperativa...................................

Anexo 5 - Duplas Cooperativas.....................................................................................

Anexo 6 - Jogo “The Flash”..........................................................................................

Anexo 7 - Jig-Saw…………………………………………………………………….

Anexo 8 - KWL……………………………………………………………………….

Anexo 9 - A Formação dos Grupos...............................................................................

Anexo 10 - Como Formar Grupos Heterogêneos..........................................................

Anexo 11 - (In) Disciplina.............................................................................................

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 1

CAPÍTULO 1

1 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................... 11

1.1 - Perspectiva Sócio-Histórica: Contexto da Origem....................................................... 12

1.1.1 – Perspectiva Sócio-Histórica................................................................................ 15

1.1.1.1 – Aprendizagem na Perspectiva Sócio-histórica.......................................... 19

1.1.1.2 - Desenvolvimento na Perspectiva Sócio- Histórica.................................... 28

1.1.1.2.1 - Lei Genética Geral do Desenvolvimento Cultural................................... 32

1.1.1.2.2 - Zona de Desenvolvimento Proximal....................................................... 34

1.1.1.2.3 - Zona de Desenvolvimento Proximal entre o Tédio e a Ansiedade.......... 37

1.2 - Aprendizagem Cooperativa.......................................................................................... 38

1.2.1 - Conceitos da Aprendizagem Cooperativa............................................................ 40

1.2.2 - Histórico da Aprendizagem Cooperativa............................................................ 42

1.2.3 - Princípios Básicos da Aprendizagem Cooperativa.............................................. 43

49 1.2.4 - Formação Básica: Grupos Heterogêneos.............................................................

1.2.5 - Resultados de Pesquisas sobre a Aprendizagem Cooperativa.............................. 51

1.3 - Articulação entre Aprendizagem Cooperativa e Perspectiva Sócio-

Histórica................................................................................................................................ 52

1.3.1 – Da Democracia Liberal para os Fatores Sociais , Culturais e Históricos............ 53

1.3.2 - Behaviorismo versus Perspectiva Sócio-Histórica............................................... 54

1.3.3 - Os Educandos com a Palavra e o Desenvolvimento da Consciência................... 60

1.3.4 - Formação Docente para a Aprendizagem Cooperativa........................................ 64

1.4 - Sumário do Capítulo..................................................................................................... 67

CAPÍTULO 2

2.PERCURSO METODOLÓGICO........................................................................ 74

2.1 - A Pesquisadora e a Pesquisa........................................................................................ 75

2.2 - A Escola e os Sujeitos.................................................................................................. 77

2.2.1 - A Diretora............................................................................................................ 78

2.2.2 - A Professora........................................................................................................ 79

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2.2.3 - A Sala de Aula Estudada.................................................................................... 81

2.2.4 - Os Alunos e Suas Famílias.................................................................................. 82

2.3 - Instrumentos............................................................................................................... 85

2.4 - A Coleta de Dados....................................................................................................... 86

2.5 - A Análise dos Dados................................................................................................... 88

2.6 - Sumário do Capítulo.................................................................................................... 89

CAPÍTULO 3

3. PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DA AC: CONDIÇÕES FAVORÁVEIS E

DIFICULDADES................................................................................................................ 92

3.1 - Problemas de Disciplina.............................................................................................. 93

3.2 - Formação dos Grupos.................................................................................................. 100

3.2.1 - Grupos Grandes de Séries Separadas.................................................................. 100

3.2.2 - Grupos de Afinidades.......................................................................................... 102

3.2.3 - Grupos de Formação Aleatória............................................................................ 104

3.2.4 - Grupos de Formação Direcionada....................................................................... 105

3.2..5 - Cooperação Espontânea..................................................................................... 106

3.3 - Conflitos entre os Alunos............................................................................................. 111

3.4 - Mudanças nas Atividades Propostas............................................................................ 126

3.5 – Sumário do Capítulo.................................................................................................... 129

CAPÍTULO 4 4. O PROCESSO COGNITIVO NA AC: CONDIÇÕES FAVORÁVEIS E DIFICULDADES................................................................................................................ 137

4.1 - Natureza da Relação Horizontal.................................................................................. 138

4.2 - Maior Desempenho Acadêmico na Aprendizagem Cooperativa................................ 144

4.3 - Heterogeneidade dos Alunos nos Grupos.................................................................... 151

4.4 - Natureza das Atividades na Aprendizagem Cooperativa............................................. 163

4.5 - Sumário do Capítulo..................................................................................................... 170

CAPÍTULO 5

5. POSSIVEIS IMPLICAÇÕES PARA SALA DE AULA CONVENCIONAL...........

177

5.1 - Possíveis Dificuldades: A Indisciplina......................................................................... 180

5.2 - Atividades (in) Apropriadas......................................................................................... 182

5.3 - Conflitos Pessoais entre Alunos.................................................................................. 185

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5.4 - A Heterogeneidade da Sala de Aula............................................................................. 186

5.5 - A Formação Docente.................................................................................................... 189

5.6 - Sumário do Capítulo..................................................................................................... 192

CONCLUSÃO..................................................................................................................... 196

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 203

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INTRODUÇÃO

Solto a voz na estrada, já não posso parar, meu caminho é de pedra, como posso sonhar?

Milton Nascimento

Desde muito cedo, em minha experiência como professora, tenho acreditado no

valor da interação social no processo de elaboração do conhecimento. No entanto, o tema

ganhou relevante significado para mim, após ter entrado em contato com a metodologia

denominada Aprendizagem Cooperativa1, cujos aspectos formativos e procedimentos

foram focalizados tanto na formação acadêmica como profissional.

Nessa metodologia de ensino e aprendizagem os alunos estudam em pequenos

grupos e diante deles são colocadas situações favoráveis à construção compartilhada de

conhecimentos, como questões desafiantes para serem resolvidas ou tarefas para serem

desempenhadas em conjunto. Nas atividades compartilhadas, os alunos interagem em

níveis heterogêneos de aprendizagens específicas, possibilitando a construção de novos

significados e o desenvolvimento em vários aspectos. Acredita-se, dessa perspectiva, que

1 A Aprendizagem Cooperativa no Brasil está mais associada à modalidade da Educação à Distância (Martins, 2000 e Griebler, 2002). Nessa modalidade, Aprendizagem Cooperativa denomina a interação entre aprendizes ao utilizarem ferramentas tecnológicas que permitem uma construção de conhecimento de forma compartilhada, tais como: discussão on-line, fórum e correio eletrônico. No entanto, neste trabalho refiro-me a Aprendizagem Cooperativa desenvolvida em sala de aula, no ensino presencial.

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tal interação desencadeie desenvolvimentos cognitivos, sociais e afetivos mais eficazes que

nas formas individualizadas de aprendizagem.

Acreditando nas vantagens dessa metodologia, iniciei em 1998, nos Estados de

Rondônia e Acre, junto com alguns professores, um programa de capacitação para a

aplicação da proposta da Aprendizagem Cooperativa aos docentes das Escolas Adventistas,

às quais prestava orientação pedagógica. Não era nossa pretensão que tal prática fosse

adotada como procedimento padrão. Objetivamos alcançar uma adoção gradativa, a partir

da consciência e segurança dos professores sobre esse fazer pedagógico e seus

fundamentos teóricos.

Aparentemente, muitos deles motivaram-se para a execução da referida prática.

Entre estes, alguns evidenciavam a incorporação dos fundamentos da metodologia,

buscando maior preparo e crescimento na experiência. Outros iniciavam, contudo, depois

de algum tempo, retornavam à prática na qual estavam mais seguros. Outros ainda nem

tentavam mudar.

A questão da Aprendizagem Cooperativa tornou-se instigante para mim. Quais

seriam os fatores levavam os professores a incorporá- la ou a rejeitá- la em suas

experiências? Procurei levantar as pesquisas específicas realizadas sobre tal metodologia

no Brasil encontrando poucos estudos sobre o assunto, tais como Domingos (1998) e Melo

(1997).

Apesar de não tratarem especificamente da Aprendizagem Cooperativa, os

estudos de Góes (1997) sobre o papel do outro na elaboração do conhecimento e de

Smolka & Wertsch (1994) sobre a construção coletiva do conhecimento diante das

múltiplas vozes na sala de aula, chamaram-me a atenção por estarem, de certa forma

também relacionados ao tema estudado.

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Encontrei referências a mais de duzentas pesquisas (Kagan, 1985, Johnson et

al, 1981 e Slavin, 1983) sobre a Aprendizagem Cooperativa que foram revisadas nos

Estados Unidos e os resultados apontam para um maior efeito posit ivo no desempenho

acadêmico para os métodos cooperativos, em relação a outros métodos. No entanto,

algumas constatações, a partir da minha observação das experiências dos professores,

mostravam-se problemáticas.

Interessei-me por estudar o tema da Aprendizagem Cooperativa, nesta

pesquisa, ao participar da construção e do acompanhamento de uma proposta pedagógica

específica para uma das escolas à qual prestava assessoria pedagógica e que privilegiava a

Aprendizagem Cooperativa como sua característica definidora. Pareceu-me pertinente e

relevante estudar o tema de forma empírica, a partir da referida experiência da qual eu

deveria acompanhar a execução.

No início de 1999, essa escola estava na iminência de interromper

temporariamente seu funcionamento, pois o pequeno número de alunos não a tornava

viável do ponto de vista da sua manutenção financeira. Por consenso e solicitação do

Conselho Escolar, professores e pais, a escola passou a funcionar com os alunos em séries

agrupadas, tendo o projeto pedagógico para esse fim, sido aprovado pelo sistema de

ensino. A adoção das metodologias da Aprendizagem Cooperativa constituiu-se no

principal diferencial do projeto.

Nas salas da escola em que a proposta foi aplicada, ficou bem evidente a

heterogeneidade dos alunos. Parti do pressuposto de que os alunos de séries diferentes, por

estarem em níveis de desenvolvimento distintos, ao interagirem trocando experiências,

ensinando e aprendendo, podem oferecer ajuda mútua, representando assim, um benefício

comum. Como muitos conteúdos entre as duas séries são similares, nessas atividades, os

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“mais adiantados” poderiam ajudar os “menos adiantados” nas atividades e, por sua vez, ao

ensinarem, estariam aprendendo mais.

Após os primeiros meses de aplicação e acompanhamento da proposta,

algumas perguntas intrigantes foram surgindo: os alunos estariam aprendendo efetivamente

dessa forma? Seria possível assegurar a abordagem mínima dos conteúdos básicos para

cada série? E a disciplina, como ficaria? Os professores estariam entendendo o porquê de

sua prática? O entusiasmo de alguns professores que adotam tal proposta não sinalizaria

mais um modismo em educação?

Um dos principais objetivos da proposta era propiciar aprendizagem de

qualidade. Por aprendizagem de qualidade, entendíamos um processo que fosse além da

aquisição de conhecimentos estandardizados e por vezes apenas em nível de memorização.

Entendíamos que o conhecimento deveria ser elaborado a partir da realidade vivenciada

pelo aluno, e estar relacionado aos seus conhecimentos prévios. Buscávamos, em suma,

propiciar condições para a construção de aprendizagens significativas.

Diante dos objetivos propostos, surgiram surpresas, frustrando expectativas ou

superando-as. Percebi que estava diante de um caminho novo. Lembrei-me de trechos de

uma nova estrada que conduzia ao colégio interno no qual trabalhei há alguns anos atrás.

Em algumas partes não pavimentadas havia muitas pedras. Eram as dificuldades do

caminho pelas quais devíamos passar com cuidado, parar para retirar as pedras da

passagem ou, se muito grandes, fazer um desvio por outro caminho. Para viagens noturnas,

era necessária uma boa iluminação, pois se as pedras não fossem visualizadas poderiam

causar sérios acidentes e danos, mas não só de pedras era o caminho. Havia também

elementos que favoreciam a viagem: a aprazível paisagem da floresta amazônica. Floresta

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já não tão virgem, mas ainda salpicada de ipês cobertos de flores amarelas. Tal visão

repousante parecia tornar o caminho mais fácil, a despeito das pedras.

Assim como as pedras e as flores daquele caminho, as dificuldades e as

condições facilitadoras que se descortinavam na prática da Aprendizagem Cooperativa

chamaram-me a atenção. Percebi que estava diante de várias questões intrigantes, que por

fim, configuraram-se como problemas desta pesquisa:

? A aprendizagem cooperativa poderia ser positiva na formação dos

alunos? Qual a sua aplicabilidade em uma sala de aula de séries agrupadas?

Diante destes problemas, pareceu-me pertinente e relevante estudar o tema de

forma empírica, desvelando a realidade de uma sala de aula. O objetivo desta pesquisa,

portanto, foi:

? Analisar os limites e as possibilidades da metodologia da aprendizagem

cooperativa aplicada em uma sala de aula de séries agrupadas.

Os objetivos específicos, que concorreram para a obtenção do objetivo geral,

foram assim definidos:

a) Identificar e analisar as condições favoráveis e as dificuldades apresentadas

no processo de implantação da metodologia da Aprendizagem Cooperativa em uma sala de

séries agrupadas;

b) Identificar e analisar as condições favoráveis e as dificuldades à construção

de aprendizagem, considerando seus aspectos psicológicos.

c) Analisar as possíveis implicações para a prática educativa convencional

decorrente das constatações das condições favoráveis e das dificuldades na aplicação da

proposta e na aprendizagem dos alunos que participam em uma sala de séries agrupadas da

metodologia da Aprendizagem Cooperativa.

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Por que realizar este estudo em uma sala de séries agrupadas e não em uma

sala de aula convencional? Por algumas razões: o funcionamento daquelas salas, devido à

sua contingência, dependia da aplicação do referido projeto pedagógico. Ou seja, ali, a

Aprendizagem Cooperativa seria aplicada sistematicamente. Por outro lado, pressupõe-se

que toda sala de aula convencional, por mais homogênea que possa parecer, sempre será de

fato heterogênea, em menor ou maior grau. Sendo assim, à medida que o professor

conseguisse perceber essas diferenças de nível de aprendizagens específicas entre seus

alunos e soubesse promover situações de cooperação entre eles, mais enriquecedor e

efetivo poderá ser o processo de aprendizagem de tais alunos. Desta forma, algumas

conclusões desta pesquisa poderiam ter implicações para uma sala de aula convencional.

O objeto de estudo desta pesquisa foi se definindo no decorrer das observações.

Em princípio, pensava estudar a construção do projeto ou a prática docente nela inserida.

Finalmente, o objeto de estudo foi delimitado na prática da Aprendizagem Cooperativa.

Ficou decidido, também, que o espaço estudado seria a sala de aula onde funcionava

terceira e quarta séries e ali, focalizei minhas observações nas interações dos alunos,

buscando entender a dinâmica de suas relações na construção da aprendizagem.

O que justifica esta pesquisa?

Espera-se hoje em dia, que os profissionais saibam trabalhar em equipe. As

habilidades sociais e de cooperação são fundamentais também nos ajustamentos

acadêmicos, familiares e nos relacionamentos pessoais. Além do que, dentro dos ideais de

democracia, o homem tem a necessidade de participação nas discussões e soluções de seus

problemas.

De acordo com as pesquisas americanas os estudantes aprendem mais

eficazmente nas diversas áreas de estudo quando trabalham de forma cooperativa do que

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quando o fazem individualmente ou de forma competitiva. Suas atitudes éticas são

desenvolvidas, passam a lidar melhor com os conflitos e a perspectiva do outro, além de

desenvolver a autonomia e a responsabilidade. Ao trabalhar em equipes heterogêneas, os

alunos aprender a lidar com as diferenças pessoais e culturais.

Do ponto de vista de uma ética solidária, a proposta da Aprendizagem

Cooperativa estaria em vantagem em relação a outros métodos de ensino, tanto

conservadores como progressistas, que acabam reforçando, muitas vezes de forma

inconsciente, a competição e o individualismo.

Entre as propostas metodológicas que reforçam o individualismo, há as

conservadoras que concebem um sujeito passivo, receptor de conteúdos a serem

reproduzidos, geralmente em um contexto disciplinar rígido em que o silêncio é

privilegiado em detrimento da troca de idéias. Há, por outro lado, aquelas práticas

derivadas de uma visão progressista em que o sujeito deve ser visto como um ser ativo,

interagindo com o objeto do conhecimento, porém em uma construção individual, na qual

a participação do professor é apenas indireta.

A escola reforça a competitividade ao prestigiar individualmente os alunos

mais adiantados com boas notas, recompensas e destaques, como se nenhuma

responsabilidade eles tivessem para os que estão menos adiantados. Nesta visão, a

cooperação entre colegas nem sempre é bem vista, uma vez que alguns alunos se

limitariam a reproduzir mecanicamente o que os colegas fizeram sem, nesse caso,

aprenderem de fato.

A Aprendizagem Cooperativa seria, então, uma proposta alternativa às

metodologias citadas, ao mesmo tempo em que, seria uma proposta mais coerente com os

valores como solidariedade, respeito mútuo, cooperação, eqüidade, justiça, cidadania,

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enfim. Se for da competência da escola ensiná-los, ela tem perdido ótimas oportunidades,

relegando ao nível de discurso o seu papel na formação da cidadania.

Partindo-se então do pressuposto que a metodologia proposta seja uma prática

vantajosa e, portanto desejável, que dificuldades se interporiam entre a constatação de seu

valor e uma maior adesão por parte dos docentes? Que condições a facilitariam? O

desvelamento e a análise desses elementos parecem ser fundamentais para o planejamento

e a construção de pontes e novos caminhos. A visão de tal possibilidade justifica esta

pesquisa.

No primeiro capítulo apresento um breve referencial da teoria vigotskiana, seus

conceitos e construtos pertinentes a esse estudo, bem como a fundamentação, conceitos e

princípios da Aprendizagem Cooperativa e uma proposta de articulação entre as duas

teorias. A perspectiva sócio-histórica de Vigotski e as orientações da Aprendizagem

Cooperativa originam-se, em uma primeira análise, de bases teóricas divergentes e

mutuamente excludentes. Podem ser consideradas também, como oriundas de escolas

psicológicas distintas. Proponho, contudo, a possibilidade de articulação entre as duas

teorias e procuro demonstrar as razões para essa aproximação.

No segundo capítulo, descrevo o método da pesquisa. A apresentação e a

discussão dos dados foram divididas em três capítulos. Mesmo incorrendo na possibilidade

de cometer erros de precisão na categorização dos dados, por estarem estreitamente

relacionados, procurei agrupar, no terceiro capítulo, os dados relativos ao processo de

implantação da Aprendizagem Cooperativa, relacionados de forma relativamente indireta à

aprendizagem dos alunos. No quarto capítulo, os dados foram agrupados por ligação mais

direta com a aprendizagem, considerando seus aspectos psicológicos. No quinto capítulo

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são discutidas possíveis implicações dos resultados levantadas para um contexto

educacional convencional.

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CAPÍTULO 1

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1 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que a cercam. Vigotski

O objetivo deste capítulo é apresentar um sucinto quadro da perspectiva sócio-

histórica de Vigotski bem como esboçar conceitos e fundamentos da Aprendizagem

cooperativa segundo seus principais teóricos. Em um primeiro momento, apresento o

contexto histórico e filosófico que influenciou a teoria vigotskiana e seus conceitos e

construtos teóricos que trazem luz a esse trabalho. Por último, são apresentados os

fundamentos da Aprendizagem Cooperativa e sua relação com a perspectiva adotada.

Vários estudiosos da educação valorizaram e recomendaram a construção

social da aprendizagem escolar, tais como Jean Piaget (1994) e Célestin Freinet (1985).

Contudo, Lev Semenovich Vigotski2 (1896-1934) foi escolhido como principal teórico

desta pesquisa por ter ele priorizado a interação social no processo de elaboração do

conhecimento. Seus conceitos e argumentos nos remetem a reflexões e inspiram pesquisas

em áreas relacionadas à prática pedagógica. Contudo, a descoberta de parte de suas idéias

2 A ortografia do nome de Vigotski é diferente nas várias línguas ocidentais, de acordo com a transliteração da grafia do alfabeto cirílico. Optei por essa forma por ser a mais freqüente na literatura pesquisada no Brasil.

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no Ocidente e ainda recente e sua teoria carece de uma maior estruturação. Por isso, há o

risco de que seu pensamento seja mal interpretado. Consciente disso, procurei recorrer não

somente às suas obras, disponíveis em português e inglês, como também aos escritos que

chegam até nós, através dos seus discípulos Luria e Leontiev que continuaram suas

pesquisas e a outros especialistas em sua teoria como Wertsch, Smolka, Oliveira, Cole,

Scribner, Davidov, Saxe, entre outros.

As concepções teóricas de Vigotski, pertinentes a esse trabalho, precisam ser

compreendidas dentro do escopo da abordagem Sócio-Histórica em psicologia

caracterizada como marxista. Mas, que aspectos do marxismo caracterizam sua

perspectiva? O que significa o histórico cultural para Vigotski? Para esclarecer essas

questões, mesmo de forma concisa, é preciso revisitar o contexto sócio-histórico da Rússia,

o pensamento que “fervilhava” em sua época e que o influenciou, e ainda, considerar o

momento delicado que atravessava a Psicologia como ciência.

1.1 - Perspectiva Sócio-Histórica: Contexto da Origem

A produção intelectual intensa de Vigotski desenvolveu-se em dez anos,

compreendidos de 1924 a 1934, quando faleceu de tuberculose. Esse período, chamado de

pós-revolucionário, sucedeu a Revolução de 1917, que mudou radicalmente a história da

Rússia e influenciou seu pensamento.

No início do século XX, a Rússia tinha a maior população da Europa, a mais

extrema pobreza e falta de escolaridade para cerca de 80% de sua população. Luria (1992),

companheiro de pesquisas e discípulo de Vigotski, explica que a natureza repressiva do

regime ditatorial dos czares refletia-se no sistema educacional, elaborado para manter o

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lugar de cada um em sua classe social. As desigualdades e a opressão social tornaram-se

insustentáveis. Entre várias correntes políticas, o marxismo destacou-se como um conjunto

de idéias desenvolvidas por Karl Marx (1818-1893) que criticava a exploração capitalista e

propunha um sistema mais igualitário: o socialismo. Segundo Luria, toda a sua geração,

mesmo os que não estavam envolvidos diretamente na revolução, foi inspirada pela energia

revolucionária na expectativa de realizar um “progresso tremendo, em um intervalo de

tempo pequeno” (LURIA, 1992, p. 23).

Em 25 de outubro de 1917 - no calendário russo - a oposição, formada pela

maioria oprimida (bolcheviques), deflagra a chamada revolução vermelha e toma o poder.

A revolução russa pôs abaixo as barreiras de classe, libertando especialmente a geração

mais nova, para discussão de novas idéias, novas filosofias e sistemas sociais.“A revolução

nos libertou”, sintetiza Luria (1992, p. 24). Vigotski e Luria viveram mudanças imediatas

em seus estilos de vida, de forma mais radical ainda, por serem filhos de judeus, para

quem, as oportunidades de estudo e trabalho eram mínimas, antes da revolução.

Cipolla (1992) em epílogo biográfico sobre Luria, explica que na ocasião, a

maioria dos estudantes, companheiros de Luria, não tinha familiaridade com o marxismo,

mas percebia as oportunidades que o movimento lhe oferecia. Todos os psicólogos russos

apregoavam a relação de suas teorias com o marxismo: “nenhuma teoria psicológica que

não tomasse o marxismo como ponto de partida poderia obter sucesso” (CIPOLLA, 1992,

p.206).

No entanto, seria um engano de interpretação a inclusão do marxismo na

psicologia soviética como uma pressão política. Havia um espírito de entusiasmo e

otimismo que os motivava, apesar das incertezas: “Fomos arrebatados por um grande

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movimento histórico. Nossos interesses pessoais foram consumidos em favor das metas

mais amplas de uma nova sociedade coletiva” (LURIA, 1992, p. 25).

Havia uma crença extremada na ciência e um grande otimismo em relação à

escolarização, acreditando-se que esses dois fatores trariam a solução para os problemas

sociais e econômicos do povo soviético (COLE e SCRIBNER, 1998). A crença nos

poderes da educação foi traduzida na frenética elaboração de programas educacionais

eficientes que erradicassem o analfabetismo e oferecessem melhores oportunidades a todos

os cidadãos. Segundo Luria (1988, p. 26): “Instrumentos culturais especiais como a escrita

e a aritmética, expandem enormemente os poderes do homem”.

Vigotski (1998) surge nesse cenário propondo, também, uma psicologia

marxista. Mas a que aspectos do marxismo ele se refere? Vigotski parece não querer fazer

uso oportunístico de Marx, como disse:

Não quero descobrir a natureza da mente pela colagem de um conjunto de citações. Quero saber como a ciência deve ser construída para abordar o estudo da mente tendo aprendido todo o método de Marx (VIGOTSKI, 1998, p.10, grifo do autor).

Interessava especialmente, para ele, a dialética de Marx como método de

pesquisa e explicação dos processos da mente. Segundo Cipolla, (1992), é especialmente

pelo método dialético - incorporado por influência de “Dialética da Natureza” de Engels e

do “Das Kapital” de Marx – que sua Psicologia se caracteriza como marxista.

Smolka, estudiosa brasileira do pensamento vigotskiano, confirma que a

influência do marxismo é mais visível no método de Vigotski que em seu desenvolvimento

teórico para a Psicologia. A autora percebe a ausência de um maior desenvolvimento de

implicações das concepções de Vigotski sobre as relações sociais, para um contexto mais

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amplo da sociedade, como as questões de consciência de classe, por exemplo - questões

levantadas no cenário social e filosófico em que sua teoria foi desenvolvida. Em vez disso,

Vigotski “centrou sua atenção em questões de interação social concreta, talvez envolvendo

duplas ou outros pequenos grupos”, observa Smolka e complementa:

O resultado é que, embora o discurso de Vygots ky sobre “relações sociais” soe muito parecido com frases empregadas nos textos marxistas, nos quais ele se baseou, seus estudos empíricos quase sempre estiveram restritos a interação social de duplas ou pequenos grupos. Em nossa opinião isso constitui uma deficiência da abordagem de Vygotsky (SMOLKA, 1994, p.126).

Considerando o objeto deste estudo - a Aprendizagem Cooperativa - é

precisamente o seu desenvolvimento teórico/empírico, relativo à interação social de

pequenos grupos, que torna relevante essa abordagem para trazer luz aos dados desta

pesquisa e alcançar o objetivo aqui proposto. Sintetizando essa questão, a conotação da

interação social, em Vigotski, é explorada, mais visivelmente, para explicar a origem dos

processos mentais, especificamente humanos, e mesmo fazendo analogias entre alguns

conceitos do marxismo e categorias psicológicas, a relação com a dimensão política não

fica bem destacada, como era de se esperar de uma Psicologia denominada marxista. Na

aplicação do método, porém, a relação fica mais evidente.

1.1.1 - Perspectiva Sócio-Histórica

Referente à chamada crise na Psicologia, Luria (1992) explica que, na década

de 20, havia cerca de 40 anos que a Psicologia havia sido incluída no rol das ciências

naturais e ainda era discutível se ela podia ou não ser uma ciência objetiva, experimental.

Para alcançar esse “status”, a psicologia havia reduzido o objeto de seu estudo a sensações

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elementares - aquelas comuns a homens e animais - que pudessem ser demonstradas em

laboratório através de um esquema simples de estímulos e reflexos. Ainda segundo Luria

(1988), embora essa Psicologia fosse valorizada cientificamente, pouco ou nada contribuía

para resolver ou minimizar os problemas existenciais humanos como se manifestam na

escola, no trabalho ou na clínica.

Por outro lado, os processos mentais mais complexos: a atenção voluntária, a

emoção, a memorização ativa, as ações conscientemente controladas, o pensamento

abstrato, chamados de funções psicológicas superiores, ficaram relegados à filosofia, com

estudos descritivos, fenomenológicos, não reconhecidos, então, como científicos. No

máximo, essas funções eram explicadas como uma seqüência complexa de associações do

tipo estímulo-resposta.

Estava criada uma cisão artificial entre a Psicologia, como ciência natural, e a

“Psicologia” – encarregada dos processos mentais superiores, especulativa, na opinião

vigente. Em meio ao emaranhado de disputas entre escolas psicológicas rivais, variantes do

naturalismo científico ou do idealismo alemão, Vigotski (1998) propôs, através da dialética

de Marx e Engels, a criação de um sistema que sintetizasse essas abordagens conflitantes.

Dito de forma bem sucinta, ele acreditava que com métodos apropriados de pesquisa e

observação, o estudo dos processos psicológicos superiores, que abarcavam o conceito de

“consciência” poderia também ser objeto de demonstração e explicação científica.

Vigotski explica que “o elemento-chave do nosso método [...] decorre

diretamente do contraste estabelecido por Engels entre as abordagens naturalística e

dialética para a compreensão da história humana” (VIGOTSKI, 1998, p.80).

Na abordagem naturalística de análise histórica, supõe-se que somente a

natureza afeta o homem e que somente as condições naturais são determinantes do

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desenvolvimento histórico. A abordagem dialética admite a influência da natureza sobre o

homem, mas afirma que o homem, por sua vez, age sobre a natureza, provoca- lhe

mudanças, criando condições para sua existência. Oliveira (1997) explica que esse

movimento dialético possibilita uma síntese. E a síntese, nesse caso, significa mais que a

justaposição ou a soma de dois elementos, significa a emergência de algo novo,

anteriormente inexistente.

Para Vigotski, uma abordagem metodológica adequada para estudar as funções

psicológicas superiores compreendia o estudo do processo em uma abordagem dialética

entre o indivíduo e o meio na constituição e na origem de tais funções. Isso significa

estudar os processos de desenvolvimento, de aprendizagem, de mudanças enfim, não

apenas verificando o comportamento final, mas o histórico de sua constituição.

Transcorre desse pensamento o sentido do termo “histórico”3 dentro de sua

proposta de Psicologia. Segundo ele,

O conceito de uma psicologia historicamente fundamentada é mal interpretado pela maioria dos pesquisadores que estudam o desenvolvimento da criança.(...) Estudar alguma coisa historicamente significa estudá-la no processo de mudança: esse é o requisito básico do método dialético. Numa pesquisa, abranger o processo de desenvolvimento de uma determinada coisa, em todas as suas fases e mudanças – do nascimento à morte – significa, fundamentalmente, descobrir sua natureza, sua essência, uma vez que ‘é em movimento que um corpo mostra o que é’. Assim o estudo histórico do comportamento não é um aspecto auxiliar do estudo teórico, mas sua verdadeira base (VIGOTSKI, (1998, pp. 85-86, grifo do autor).

3 Conforme Oliveira também explica, Vigotski trata da interação em vários planos históricos: “a história da espécie (filogênese), a história do grupo cultural, a história do organismo individual na espécie (ontogênese) e a seqüência singular de processos e experiências vividas por cada indivíduo” (OLIVEIRA, 1997, p. 38). Em se tratando do contexto pedagógico da escola, o “histórico” deve ser entendido, aqui, no ult imo plano citado, ou seja como a seqüência particular das mudanças e fenômenos próprios da vivência de cada pessoa.

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Com esse objetivo, Vigotski realizou várias experimentações com crianças

pequenas, envolvendo situações de interação através da linguagem nas quais certas funções

mentais emergiam-se, evidenciando-se mudanças.

O aspecto social ou cultural da sua teoria psicológica refere-se aos meios

socialmente estruturados pelos quais a sociedade organiza os tipos de tarefas que a crianças

enfrentará e os tipos de instrumentos, tanto físicos como mentais, especialmente a

linguagem, com os quais ela dominará aquelas tarefas. “É através da interiorização dos

meios historicamente determinados e culturalmente organizados, que a natureza social das

pessoas tornou-se igualmente sua natureza psicológica” (LURIA, 1988, p. 49). Vigotski

(1998) concluiu que as origens das formas superiores de comportamento consciente

estavam nas relações socia is do homem com o meio ambiente.

O ser humano cresce em um ambiente social e a interação com as outras

pessoas é essencial ao seu desenvolvimento. Por exemplo, crianças que crescem em um

ambiente de surdos-mudos, não desenvolvem a linguagem oral por mais que tenham as

condições inatas necessárias, comenta Oliveira e ainda diz: “O desenvolvimento fica

impedido de ocorrer na falta de situações propícias ao aprendizado” (OLIVEIRA, 1997, p.

57).

O desenvolvimento humano, a aprendizagem e as relações entre

desenvolvimento e aprendizagem são temas centrais no trabalho de Vigotski (OLIVEIRA,

1997). Vigotski concebeu a aprendizagem como “um momento intrinsecamente necessário

e universal para que se desenvolvam essas características humanas não naturais, mas

formadas historicamente” (VIGOTSKI, 1998, p.115). As características humanas de que

fala envolvem especificamente a linguagem e as funções do pensamento decorrentes dela e

que são alteradas qualitativamente nas sociedades escolarizadas. A aprendizagem,

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portanto, foi concebida como fator indispensável ao desenvolvimento humano. Mas qual a

concepção de aprendizagem para Vigotski?

1.1.1.1 - Aprendizagem na Perspectiva Sócio-Histórica

Vigotski refere-se à aprendizagem de forma direta ou indireta em momentos

distintos em seus escritos referindo-se a diversas pesquisas e temas da Psicologia.

Analisando tais referências, especialmente sobre o que ele denomina de internalização

(1998), o processo de formação de conceitos na criança (2003), as questões da afetividade

(1998), as características das funções mentais superiores (2003), a relação entre

aprendizagem e desenvolvimento e o conceito de zona de desenvolvimento proximal

(1998), busquei elencar os elementos característicos desse processo para ele, esboçando o

que, no meu entendimento, vem a ser o seu conceito de aprendizagem. Antes, porém, faz-

se necessário definir, mesmo em termos genéricos, algumas categorias formuladas pelo

autor como mediação, instrumento, signo e significado.

Oliveira (1997, p. 26), clarificando o conceito vigotskiano de mediação,

exemplifica: quando o indivíduo aproxima sua mão de uma vela e a retira imediatamente

ao sentir a dor, a relação estabelecida entre o calor do fogo (estímulo - “S”) e a reação de

retirar a mão (resposta - “R”) é direta. Mas, se em outra ocasião, retirar sua mão de perto

do fogo pela simples lembrança da dor sentida anteriormente, a relação estímulo-resposta

passa a ser mediada pela lembrança da dor. Se em outro caso, o indivíduo retira sua mão,

porque alguém lhe adverte que pode se queimar, a intervenção dessa pessoa passa a mediar

a relação. No primeiro caso, a mediação “X” se dá pela lembrança da dor e, no segundo

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caso, pela intervenção da outra pessoa. Vigotski (1998, p. 53) representa essa relação de

mediação da seguinte forma:

S R

X

Esse elo intermediário “X” é um estímulo de segunda ordem que, colocado

no interior da operação, cria uma relação entre organismo e meio e permite ao indivíduo

controlar o seu comportamento (VIGOTSKI, 1998). As relações mediadas passam a

predominar sobre as relações diretas ao longo do desenvolvimento do indivíduo. Esses

mediadores podem ser de dois tipos: os “instrumentos” e os “signos”. Falando sobre a

mediação, Luria diz que “as funções superiores incorporam os estímulos auxiliares que são

tipicamente produzidos pela própria pessoa. Ela não somente responde aos estímulos, mas

também altera ativamente aquele estímulo e usa suas modificações como um instrumento

de seu comportamento” (LURIA, 1988, p. 26). Em outras palavras, o homem,

diferentemente dos animais, tem a capacidade mental de alterar o que seriam respostas

diretas a estímulos do meio. Esse conceito de “mediação através de instrumentos (mentais)

do próprio comportamento” é fundamental para entender o processo de interação social na

construção do conhecimento, e o porquê de a perspectiva de Vigotski ser denominada de

sócio-histórica.

O “instrumento” é um elo interposto entre o homem como trabalhador e o seu

ambiente, ampliando suas possibilidades de transformar a natureza. É, portanto, um objeto

social e mediador da relação indivíduo/meio. Da mesma forma, também, o homem utiliza

mediadores psicológicos. Por exemplo, ele não precisa estar vendo uma determinada

quantidade para operar matematicamente. Basta ter a representação mental da quantidade -

o número – para realizar tal operação. Essa representação mental é o signo.

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O “signo” é um “instrumento psicológico” que representa ou expressa outros

objetos, eventos ou situações. A palavra para representar um objeto, um número para

representar uma quantidade, uma cartola na porta para indicar o sanitário masculino, são

exemplos de signos (OLIVEIRA, 1997). “O signo age como um instrumento da atividade

psicológica de maneira análoga ao papel do instrumento no trabalho [...]. A analogia básica

entre signo e instrumento repousa na função mediadora comum aos dois e que os

caracteriza” (VIGOTSKI, 1998, p. 70). A capacidade de operar com signos ou de utilizar a

função semiótica é uma das diferenças básicas entre a aprendizagem dos homens e dos

animais.

É através dos signos que os significados são elaborados. E para Vigotski

(2003a, p. 181), “significado” está relacionado ao “sentido”, subjetivo, ou seja, pode ser

entendido como a concepção individual de um objeto de conhecimento que encontra em

uma relação dialética entre o significado subjetivo, de base cultural, e o significado formal,

objetivo. Ou seja, é a síntese entre a lógica formal sobre determinado objeto e o sentido

subjetivo para quem o concebe. Dessa forma, os significados objetivos ao serem

internalizados passam por uma re-significação, a partir dos contextos individuais de cada

sujeito.

Vigotski (2003a) concebeu a linguagem como elemento constitutivo da

consciência. A palavra é o pensamento em ação e só tem sentido se tiver significado. “Uma

palavra sem significado é um som vazio; o significado, portanto, é um critério da palavra,

seu componente indispensável” (VIGOTSKI, 2003a, p. 150).

O contexto individual significa o conjunto das experiências da cultura de cada

um, sobre o qual é formado o sistema de representação dos signos. Oliveira (1997, p. 50)

apresenta o exemplo da palavra carro, um signo que representa (significa) objetivamente

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“automóvel de quatro rodas, movido a combustível, utilizado para o transporte de

pessoas”. No entanto, para o motorista de táxi, carro é um instrumento de trabalho,

enquanto que para o adolescente que gosta de dirigir, é uma forma de lazer; para um

pedestre que já foi atropelado tem um sentido ameaçador, que lembra uma situação

desagradável, e assim por diante.

Vigotski deu especial atenção à questão da afetividade na construção do

significado. O intelectual e o afetivo são indissociáveis e não devem ser estudados

separadamente. A “análise em unidade [...] demonstra a existência dinâmica de

significados em que o afetivo e o intelectual se unem. Mostra que cada idéia contém uma

atitude afetiva transmutada com relação ao fragmento da realidade ao qual se refere”

(VIGOTSKI, 2003, p. 190).

Pode se entender que, quando Vigotski (1998a, pp. 74, 75) refere-se à

internalização de formas culturais de comportamento, ele esteja falando da natureza da

aprendizagem: “Chamamos de internalização a reconstrução interna de uma operação

externa [...] a internalização de formas de comportamento envolve a reconstrução da

atividade psicológica tendo como base a operação com signos” (VIGOTSKI, 1998, pp. 74,

75).

Portanto, a aprendizagem para Vigotski é um movimento do âmbito externo

para o interno que inclui uma reconstrução individual e isso supera qualitativamente a idéia

de transmissão passiva e automática dos instrumentos fornecidos pela cultura.

Segundo Castorina (1998), autores situados na tradição vigotskiana referem-se

a essa internalização como “apropriação” da matéria prima cultural (Rogoff, 1990), ou

como “transformação” (Lawrence e Valsiner, 1993), ou mesmo como “domínio” ou

também “apropriação” (Wertsch, 1992) desses instrumentos.

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Dentro dessa perspectiva, a “imitação” para Vigotski (1998) não é uma mera

cópia de um modelo, mas a reconstrução individual daquilo que se observa. Essa

reconstrução é possível pela utilização dos instrumentos psicológicos – estímulos

auxiliares produzidos pela própria pessoa – de quem realiza a imitação e constitui em algo

novo, re-elaborado a partir do objeto imitado (VIGOTSKI, 1998).

A formação de conceitos constitui uma das formas de aprendizagem cognitiva,

processo próprio das funções mentais superiores. Essas funções eram, para Vigotski,

elementos constitutivos do que entendia por “consciência”. Vigotski contrapôs-se às

explicações da Psicologia baseada em elos associativos do tipo estímulo/reflexo por não

explicarem, a contento, todos os processos mentais. Para esses processos ou funções

diferentes há tipos diferentes de aprendizagens. E segundo Vigotski (2003a, p. 121), essas

diferenças os associacionistas ignoraram.

As aprendizagens alcançadas através de exercícios mecânicos, que resultam em

hábitos inconscientes, como no exemplo dos exercícios repetitivos de datilografia, ativam

apenas as funções elementares ou inferiores.

Vigotski rejeitou também a transmissão mecânica através de explicações

artificiais pelo professor, a memorização compulsiva e conseguida pelo aluno por

repetição:

Um professor que tenta fazer isso, geralmente não obtém qualquer resultado, exceto o verbalismo vazio, uma repetição de palavras pela criança, semelhante à de um papagaio, que simula um conhecimento dos conceitos correspondentes, mas que na realidade oculta um vácuo (VIGOTSKI, 2003a, pp. 104 -105).

Isso se aplica, por exemplo, ao ensino de fórmulas matemáticas sem que haja o

entendimento de sua construção. O que pode resultar, no máximo, é uma “aprendizagem”

em nível de memorização superficial por parte do aluno, sem a desejada construção de

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significados, sendo a memorização de conteúdos sem significado, passível de ser

esquecida rapidamente. Portanto, só ocorre aprendizagem de fato quando ela é provida de

significado construído por aquele que aprende.

Os elementos encontrados no mundo real são ordenados em categorias,

possuem significados e são nomeados na língua de um grupo. Desde muito cedo, a criança

entra em contato com esses elementos, no seu cotidiano, observando, experimentando,

imitando e recebendo orientações de pessoas mais experientes de sua cultura. Ao vivenciar

um conjunto de experiências, começa a operar sobre todo o material cultural, os conceitos,

as idéias, objetos concretos, concepções de mundo, enfim os elementos a que tem acesso.

Vigotski (2003a) diferenciou os conceitos cotidianos dos conceitos científicos,

ou, como também são denominados de conceitos espontâneos e conceitos não espontâneos.

Os conceitos cotidianos são construídos a partir da observação, da manipulação e vivência

direta da criança. No seu dia-a-dia, a criança constrói, por exemplo, o conceito de

“cachorro”. A palavra generaliza as características desse animal, não importando sua raça,

cor ou tamanho. Essa palavra o distingue de outras categorias tais como flor, mesa ou bola.

“A linguagem do meio ambiente, com seus significados estáveis e permanentes, indica o

caminho que as generalizações infantis seguirão” (VIGOTSKI (2003a, p. 84).

Os conceitos científicos, no entanto, relacionam-se àquelas categorias que não

estão diretamente acessíveis à observação ou ação imediata da criança. São chamados

também de conceitos verdadeiros ou apenas conceitos. No exemplo dado, o conceito de

cachorro adquire sistematização quando incluído, nas aulas de ciências talvez, em outras

abstrações graduais com diferentes graus de generalizações, como o conceito de mamífero,

animal vertebrado, e outros. E conforme se amplia a abrangência do conceito, maior seu

grau de abstração.

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Os dois tipos de conceitos estão intimamente relacionados, conforme Vigotski

(2003a). Diante do conceito de mamífero apresentado à criança, ela busca significá- lo

através de sua aproximação com outro conceito já conhecido, o conceito de cachorro, no

exemplo citado. Desta forma, um conceito mais genérico, aproximado de um conceito

cotidiano, estrito e correspondente, adquire significado mais amplo.

Para aprender um conceito científico, faz-se necessário então, que ele seja

relacionado a um outro conceito espontâneo já desenvolvido. “É preciso que o

desenvolvimento de um conceito espontâneo tenha alcançado certo nível para que a criança

possa absorver um conceito científico correlato” (VIGOTSKI, 2003a, p. 135). Um

exemplo de aplicação deste princípio é a proposta de alfabetização desenvolvida por Paulo

Freire (1987), adaptando seu método educacional ao contexto histórico e cultural de seus

alunos, possibilitando que seus conceitos espontâneos, baseados na prática social, fossem

relacionados com os conceitos a serem aprendidos.

Vigotski acredita que é necessário haver um mínimo de maturidade de

determinadas funções mentais para que ocorra o aprendizado: “o desenvolvimento tem que

completar certos ciclos antes que o aprendizado possa começar. A verdade dessa afirmação

é óbvia; existe, de fato, um nível mínimo necessário” (VIGOTSKI, 2003a, p. 118). Esse

desenvolvimento mínimo envolve não somente condições de maturação biológica, mas

também certas aprendizagens cognitivas prévias.

No entanto, para Vigotski o aprendizado atua modificando o curso do

desenvolvimento, caso esse desenvolvimento já exista em potencial, em forma de funções

mentais em amadurecimento, como explica:

Portanto, o único tipo positivo de aprendizado é aquele que caminha à frente do desenvolvimento, servindo-lhe de guia; deve voltar-se não tanto para as funções maduras, mas principalmente para as funções em amadurecimento.

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Continua sendo necessário determinar o limiar mínimo em que, digamos, o aprendizado de aritmética possa ter início, uma vez que este exige um grau mínimo de maturidade das funções. Mas devemos considerar, também, o limiar superior; o aprendizado deve orientar-se para o futuro, e não para o passado (VIGOTSKI, 2003a, p. 130).

Para Vigotski, a aprendizagem de determinada tarefa ou habilidade não deve

acontecer somente quando a criança já consegue realizar individualmente essa tarefa ou

habilidade. Ao conseguir certo desempenho, interagindo com outra criança mais capaz ou

um adulto, seu aprendizado pode adiantar-se ao desenvolvimento. Neste ponto, encontra-se

um aspecto fundamental da mediação, dentro da sua concepção sobre aprendizagem. A

aprendizagem é um fenômeno que além de ser mediada pelos signos, é necessariamente

mediada pelo outro, ou seja, a aprendizagem é necessariamente um processo social e

cultural.

Se há um nível de desenvolvimento em que a criança consegue dominar certa

habilidade ou conceito somente com assistência de outro mais capaz, e há outro nível de

desenvolvimento, em que ela consegue o mesmo desempenho já de forma independente, a

distância entre esses dois níveis é o espaço de possibilidades, ou o seu potencial para a

aprendizagem através da interação social. A distância entre esses dois níveis, Vigotski

denominou de zona de desenvolvimento proximal – ZDP. Pode-se dizer, metaforicamente,

que essa distância é o “palco de negociações” de significados socialmente compartilhados,

onde a construção de novas aprendizagens ocorre pela interação humana. Vigotski

acreditou que “o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um

processo através do qual as crianças penetram na vida social daquelas que as cercam”

(VIGOTSKI, 1998, p. 115).

A escola muda qualitativamente o curso do aprendizado humano, não somente

porque o ensino é sistematizado, mas também porque a escola propicia os conhecimentos

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que não estão associados ao campo visual da criança ou à sua vivência direta. Ela

possibilita o acesso ao conhecimento científico acumulado historicamente pela

humanidade e que, de outra forma, não poderia, ou dificilmente seria aprendido

espontaneamente (VIGOTSKI, 2003a).

A formação de um conceito científico leva não só à consciência desse conceito

mas também à consciência do processo de sua apropriação. O que pode ser chamado de

processo metacognitivo ou ainda de autoconsciência. Assim, uma criança pode ter um

conceito cotidiano de “bola”, mas se lhe pedirmos para dizer o que é bola, ela pode dizer

para que serve ou como é a bola, mas provavelmente não saberá dar uma definição

elementar. Ela tem consciência do que é bola, mas não tem consciência do domínio desse

conceito. Ao dominar os conceitos científicos de “esfera”, por exemplo, não só passa a

conceituar bola, mas adquire a consciência do processo da formação desse conceito. O

aprendizado escolar desempenha um papel decisivo na conscientização da criança de seus

próprios processos mentais. Vigotski conclui que “a consciência reflexiva chega à criança

através dos conceitos científicos” (VIGOTSKI, 2003a, p. 115).

Na perspectiva de Vigotski (1998), a aprendizagem impulsiona o

desenvolvimento. A abordagem genética, em Psicologia, estuda o desenvolvimento

humano. O termo é relativo á origem (gênese) dos fenômenos psicológicos ao longo do

desenvolvimento. A preocupação de Vigotski é tanto com a gênese dos processos

psicológicos ao longo do desenvolvimento da espécie humana (filogênese), como com o

desenvolvimento do indivíduo durante sua vida (ontogênese). Neste trabalho me reporto

aos pressupostos do autor sobre a ontogênese, ao referir-me à sua teoria genética, e que são

pertinentes a essa pesquisa.

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1.1.1.2 - Desenvolvimento na Perspectiva Sócio-Histórica

Vigotski concebeu o desenvolvimento cognitivo não como um processo apenas

biológico, previsível, universal e linear:

Nosso conceito de desenvolvimento implica a rejeição do ponto de vista comumente aceito de que o desenvolvimento cognitivo é o resultado de uma acumulação gradual de mudanças isoladas. Acreditamos que o desenvolvimento da criança é um processo dialético, complexo, caracterizado pela periodicidade, desigualdade no desenvolvimento de diferentes funções, [...] imbricamento de fatores internos e externos, e processos adaptativos que superam os impedimentos em que a criança se encontra (VIGOTSKI, 1998, pp. 96-97).

O desenvolvimento não é linear ou gradual, mas se dá através de trocas

recíprocas entre fatores internos, bio lógicos e individuais e fatores externos, o ambiente

social. Segundo Vigotski o “bom aprendizado é somente aquele que se antecipa ao

desenvolvimento” (VIGOTSKI, 1998, p. 117). Para entender essa relação, que parece

inaceitável para muitos, é preciso contrapô- la a outras concepções da relação

aprendizagem/desenvolvimento analisada por ele.

Em uma primeira concepção, o “desenvolvimento independe da

aprendizagem”, ou seja o desenvolvimento deve antecipar-se à aprendizagem (Ibid, p.103).

Segundo Smith, “nos últimos cinqüenta anos, a maioria dos psicólogos e educadores

ocidentais manteve este ponto de vista” (SMITH, 1998, p. 119). As aprendizagens

possíveis dependem de uma seqüência invariável de estágios atrelados à idade cronológica.

A teoria de Piaget (por exemplo, 1976) é um exemplo dessa forma de entender o

desenvolvimento humano, sendo este um ponto fundamental de divergência entre os

pensamentos de Piaget e Vigotski. Nessa visão, o desenvolvimento é pré-requisito para o

aprendizado, mas este, pouco ou nada tem a ver com o desenvolvimento.

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Sob este ponto de vista, são supervalorizados os aspectos hereditários e

maturacionais do desenvolvimento e concebe-se que o ser humano já nasce com suas

capacidades basicamente prontas, potencialmente determinadas, necessitando apenas do

amadurecimento para manifestar-se.

O problema deste raciocínio é que ele se apóia de forma extremada nos

aspectos biológicos do desenvolvimento e relega as determinações sociais e culturais a

uma influência mínima. Apenas os aspectos biológicos são suficientes para fazer surgir as

características humanas do desenvolvimento?

O caso real das duas crianças, chamadas de meninas- lobo, citada por Capalbo

(1984), é um exemplo extremo que demonstra que o indivíduo precisa do contato com

outros seres humanos, para desenvolver seu modo de agir, sentir, pensar, seus valores,

conhecimentos, enfim seu desenvolvimento humano. Ao serem encontradas na Índia, em

1920, vivendo entre lobos, não apresentavam características humanas. Não conseguiam

permanecer em pé, andavam como os lobos, comiam, uivavam, viviam como os lobos e

não falavam. Mesmo com oito anos, idade superior à normal para a aquisição da

linguagem, não haviam aprendido a falar, embora tivessem todos os requisitos inatos para

isso.

Segundo Vigotski, a noção corrente de maturação como um processo passivo,

não pode descrever, de forma adequada os fenômenos complexos do comportamento

humano, “sendo ela , per se um fator secundário no desenvolvimento”(VIGOTSKI, 1998,

p. 26, destaque do autor).

Em uma segunda concepção sobre a relação aprendizagem e desenvolvimento,

acredita-se que ambas ocorram ao mesmo tempo. Essa posição inspirada na filosofia

empirista atribui exclusivamente ao ambiente a promoção do desenvolvimento. O

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desenvolvimento é visto como um conjunto de reflexos condicionados, não importando se

o processo é ler, escrever ou contar. A experiência e o treinamento são fontes de

conhecimento e o comportamento é regido por hábitos. Assim, o desenvolvimento será

determinado pelos fatores externos ao indivíduo, no ambiente (VIGOTSKI, 1998).

O problema de conceber o desenvolvimento como resultado da aprendizagem é

o excessivo valor conferido às influências do ambiente a ponto de essas influências

tornarem-se opressoras e justificativas para o fracasso. Não se concebe, deste ponto de

vista, o aluno contextualizado, já detentor de aprendizagens anteriores e que possa trocar

experiências, contribuir, ajudar os colegas, interagindo não só com o conhecimento, mas

também com o professor e com seus pares.

Vigotski (1998) rejeitou essa teoria de que aprendizagem e desenvolvimento se

identificam, pois ela se baseia na associação estímulo-reflexo que uma vez acumulados

gradualmente resultam no desenvolvimento intelectual.

Uma terceira posição teórica sobre a relação desenvolvimento aprendizagem

considerada eclética, tentava conciliar as duas anteriores, reconhecendo uma certa

interdependência entre os dois fatores: maturação por um lado e ambiente ou treinamento

por outro. Embora essa tentativa de conciliação fosse um avanço, ela não tocava na

essência da relação, reduzindo-a a uma influência mútua.

A posição de Vigotski (ibid) sobre a relação entre aprendizagem e

desenvolvimento é diferente das concepções acima. O biológico e o social, para ele, não

estão dissociados. Porém, mais do que estarem associados, o autor concebeu uma relação

dialética entre aspectos maturacionais e ambientais. O homem é transformado em sua

interação social, na sua cultura, ao mesmo tempo em que a transforma. A interação do

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indivíduo com o meio é a característica principal da constituição humana, na perspectiva

sócio-histórica.

O que difere a abordagem de Vigotski da terceira teoria apresentada é que a

relação entre fatores inatos e fatores adquiridos não é uma mera influência mútua ou

somatória dos dois fatores. É antes de tudo, uma interação dialética do indivíduo com o

meio social e a cultura na qual está inserido e que acontece desde muito cedo na vida,

sendo a infância considerada um período de determinação dos sistemas funcionais.

Quanto aos estágios universais de desenvolvimento, Vigotski admite que

podem haver semelhanças em certos estágios de desenvolvimento, porém, eles não são

idênticos de uma criança para outra e são mais determinados por fatores sociais e culturais.

As constantes mudanças históricas mudam as oportunidades humanas, não podendo haver

um esquema universal que represente adequadamente a relação entre aspectos internos

(orgânicos) e externos (culturais) do desenvolvimento, (STEINER e SOUBERMAN,

1998).

Portanto, Vygotsky considera que a aprendizagem “acelera”4 o

desenvolvimento: “...o ‘bom aprendizado’ é somente aquele que se adianta ao

desenvolvimento” (VYGOTSKY, 1998, p. 147).

Dentro desse universo teórico, dois conceitos são cruciais para a análise dos

dados dessa pesquisa: A “lei genética geral do desenvolvimento cultural” e o conceito de

“zona de desenvolvimento proximal”.

4 O termo “acelera” aqui tem o sentido de antecipar o desenvolvimento ainda não consolidado, distingui-se da acepção do termo como é empregado ultimamente no Brasil em propostas do Ministério de Educação, quando se faz referência à “aceleração da aprendizagem” no sentido de recuperar aprendizagens consideradas defasadas na relação idade/série.

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1.1.1.2.1 - Lei Genética Geral do Desenvolvimento Cultural

A perspectiva sócio-histórica do desenvolvimento das funções mentais

superiores está vinculada à “lei genética geral para o desenvolvimento cultural”. Todas as

formulações teóricas do seu autor estão nela fundamentada. Uma descrição mais

compreensível dessa lei, entre as fontes pesquisadas encontra-se no texto de “The gênesis

of higher mental functions”:

Qualquer função no desenvolvimento cultural da criança aparece duas vezes, ou em dois planos. Primeiro aparece no plano social e, em seguida, no plano psicológico. Primeiro entre as pessoas, como categoria interpsicológica e, depois, no interior da criança, como categoria intrapsicológica. Isso também é verdadeiro no que diz respeito à atenção voluntária, à memória lógica, à formação de conceitos, e ao desenvolvimento da vontade...É evidente que a internalização transforma o próprio processo e altera a estrutura e suas funções. As relações sociais e as relações entre as pessoas embasam geneticamente todas as funções superiores e suas relações (VYGOTSKY, 1981, p.163 apud SMOLKA, 1994, p.124).

Deriva dessa lei a concepção segundo a qual, o desenvolvimento humano

ocorre essencialmente pelo contato da criança com os adultos e outras crianças, no seu

convívio diário. Esse contato assume uma natureza social e interativa específica quando se

torna intencionalmente dirigido para a aprendizagem nos anos escolares.

A força dessa afirmação nos remete a alguns pontos importantes. Fica bem

evidente a forma como o autor concebe a construção do conhecimento. O conhecimento é

construído nas interações sociais. O conhecimento também não é apenas produto, uma

cópia simples e direta do que o outro faz e fala, mas é dialeticamente produto e processo,

considerando as transformações ocorridas na internalização.

Smolka ressalta a advertência de Vigotski sobre essa natureza transformadora

da internalização, embora a mesma função apareça nos dois planos, os processos

intramentais não são meras cópias dos processos intermentais.

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Essa lei, segundo a autora, coloca em dúvida alguns pressupostos da Psicologia

contemporânea. Um pressuposto bem difundido hoje é que o indivíduo pode construir,

sozinho, o próprio conhecimento. No discurso da Psicologia ocidental contemporânea, os

termos como “cognição”, “memória” e “atenção”, “a menos que seja indicado o contrário,

aplicam-se automaticamente ao indivíduo no plano intramental.” Em caso de referência a

um processo social, novos rótulos são criados como “cognição socialmente partilhada”.

Essa é uma concepção individualística da construção do conhecimento, e, uma concepção

tão fortemente arraigada no pensamento ocidental que explica, em parte, algumas

dificuldades encontradas em abarcarmos, imediatamente, a profundidade do pensamento

vigotskiano (SMOLKA, 1994, p.125).

Outro ponto importante da lei genética de Vigotski, apontado por Smolka é

que, segundo seu autor, “mesmo efetuados por um indivíduo isoladamente, os processos

mentais permanecem ‘quase sociais’”. O que se costuma chamar hoje de “processamento

de informações” ou “processos cognitivos”, seriam para ele a fala interior ou o que o

semiólogo Ivanov (1974) denomina de “diálogo interior” (SMOLKA (1994, p. 126).

Isso significa que mesmo em processos realizados isoladamente, como ler um

livro ou refletir sobre uma idéia, o indivíduo dialoga com uma outra voz, o autor do livro

ou com o outro “eu”. Evidentemente, a qualidade desse diálogo não é plenamente social,

mas “quase social”, conforme Smolka salientou.

Decorre da referida lei que os pensamentos de uma pessoa, em termos de

forma e conteúdo, correspondem ao que ela ouve, verbaliza e faz no mundo, ou seja,

corresponde às suas relações entre as pessoas e ao modo como interage com elas e com o

mundo, sendo depois internalizado. Essa internalização ocorre na zona de

desenvolvimento proximal.

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1.1.1.2.2 - Zona de Desenvolvimento Proximal – ZDP

Ao apresentar o conceito da zona de desenvolvimento proximal, Vigotski

(1998a) toma um exemplo hipotético de duas crianças de dez anos de idade. Em um exame

para determinar sua idade mental, as duas crianças realizam as tarefas de forma

individualizada e os resultados mostram que ambas têm idade mental de oito anos.

Supostamente, baseando-se unicamente no resultado idêntico de suas idades mentais, elas

teriam o mesmo percurso de desenvolvimento e o aprendizado escolar deveria ser o

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Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VIGOTSKI, 1998a, p. 112).

Uma determinada tarefa ou domínio de um conceito, por exemplo, que uma

criança não consegue realizar ou dominar sozinha, mas que o consegue com a colaboração

do professor ou de um colega com nível maior de aprendizagem naquele domínio de

conhecimento, será desempenhada, porque houve a interação entre o potencial para a

realização da tarefa ou para o domínio do conceito em desenvolvimento e a assistência do

colega ou professor.

A ZDP compreende os estágios de desenvolvimento que estão em processo de

formação, como as “flores” ou “embriões” e que uma vez completados tornam-se em

“frutos” (VIGOTSKI, 1998, p. 113). Embora Vigotski use estas metáforas da Biologia, a

ZDP não pode ser tomada apenas como um conjunto de condições biológicas em

maturação. Tal pensamento aproxima-se da primeira teoria aqui apresentada, segundo a

qual a aprendizagem seguirá o curso que o biológico permitir.

Várias interpretações contemporâneas da ZDP, segundo Góes (1997),

subentendem a idéia de uma esfera de prontidão para aprender ou de uma sensibilidade

para novas formas de aprender ou de formação de novas capacidades a partir de

“andaimes” fornecidos pelo outro. Góes explica que Valsiner e Van der Veer (1991)

sugerem que estas expansões teóricas não correspondem de fato ao pensamento

vigotskiano, “exemplo disso é a presença de noções implícitas maturacionistas, que deixam

margem para se deduzir que a atuação do outro contribui para realizar o potencial que já

está na criança, supostamente por condições de maturação” (GÓES, 1997, p. 25).

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A ZDP também não é apenas o somatório dos aspectos maturacionais em

desenvolvimento com o aprendizado. Este pensamento constitui-se na concepção eclética

da relação aprendizagem/desenvolvimento. Embora não se possa negar algumas

semelhanças das idéias de Vigotski com essa teoria eclética, ele concebe uma relação

interativa e dialética entre esses aspectos e essa relação modifica a natureza do processo,

como já foi visto.

Sem desconsiderar que a ZDP pressupõe condições biológicas em maturação e

os necessários aspectos cognitivos em desenvolvimento, Vigotski (2003a) vai além

postulando que a ZDP é, antes de tudo, um potencial de desenvolvimento que só pode ser

concretizado na interação dialética entre o indivíduo - com seu conjunto de significados,

diante de suas condições biológicas – e o social, em uma situação de aprendizagem. Aqui

também pode-se perceber a influência do método de Marx.

O conceito da ZDP, portanto, amplia a forma de ver as possibilidades para o

aprendizado como Vigotski esclarece:

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Sendo esse aprendizado de natureza social, as interações do professor com os

alunos e destes entre si, ganham uma nova dimensão. Nessa perspectiva, quando os alunos

trabalham individualmente, a sua aprendizagem arrasta-se atrás do desenvolvimento, ou

seja, ela só ocorrerá quando houver a integração dos processos maturacionais e os

processos cognitivos construídos individualmente pelo aluno. O que o aluno consegue

desempenhar sozinho será menos do que conseguiria na interação social. O

desenvolvimento alcançado em nível da ZDP é maior não apenas pelo que o aluno ouve,

vê, enfim recebe, mas especialmente, pela natureza ativa da sua participação na interação.

1.1.1.2.3 - ZDP: Entre o Tédio e a Ansiedade

Vigotski (2003) situou a ZDP entre dois limiares: inferior e superior. O

desempenho que o aluno já consegue apresentar independentemente está aquém do limiar

inferior da ZDP.

Por outro lado, aquelas aprendizagens que estão fora do alcance do potencial

do aluno, naquele momento de sua história, estão além do limiar superior de sua ZDP.

Considerando sua aprendizagem, se aquilo que o aluno faz não lhe acrescenta nada de

novo, essa atividade não pode lhe trazer nenhum desafio. Nesse caso, pode-se dizer que o

aluno está trabalhando em certo nível mental de tédio. Tal aprendizado não atua na ZDP

como afirmou Vigotski: “na medida em que oferecia à criança problemas que ela era capaz

de resolver sozinha, esse método foi incapaz de utilizar a zona de desenvolvimento

proximal e de dirigir a criança para aquilo que ela ainda não era capaz de fazer”

(VIGOTSKI, 2003a, p. 115).

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Vigotski exemplifica também, o ensino que está além do limiar superior da

ZDP de uma criança: “Se, o professor solucionasse um problema usando a Matemática

superior, a criança seria incapaz de compreender a solução, não importando quantas vezes

a copiasse”. Tentar compreender algo que se encontra para além desse limiar pode causar

ansiedade. Considerando os prováveis estados emocionais presentes nas aprendizagens

para além dos limiares da ZDP, pode-se dizer que o estado emocional do aprendizado na

ZDP estaria entre os estados emocionais de tédio e ansiedade.

A aprendizagem na ZDP significa ir além das conquistas anteriores, ou seja, o

aluno vai além do ponto em que já havia alcançado seu desempenho individual. A

qualidade da atenção nesse caso deve ser altamente concentrada, bem diferente de quando

se está cansado, entediado ou com ansiedade e raiva. O entendimento do conceito de ZDP

e sua caracterização são relevantes para o entendimento da aprendizagem dos alunos na

Aprendizagem Cooperativa.

1.2 - Aprendizagem Cooperativa

A metodologia da Aprendizagem Cooperativa – que doravante será designada

neste trabalho pela sigla AC – e literatura a respeito estão relacionadas aos pesquisadores

Johnson & Johnson (1975), Slavin (1983a, 1983b e 1989) e nos últimos anos a Kagan

(1985 e 1994). Pode ser considerada uma tradição de ensino nos Estados Unidos5.

Segundo Johnson & Johnson (1992), infelizmente, muitos estudantes

concebem a escola como lugar predominantemente de competição. Eles se esforçam para

5 Para se ter uma idéia, basta procurar na internet o título “aprendizagem cooperativa” no portal de busca www.google.com.br e o título “cooperative learning” no portal www.google.com e comparar o número de referências. Por ocasião deste estudo não encontrei tamb ém, estudos de metodologia de ensino com esse nome, aplicada em sala de aula, em referências científicas brasileiras.

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ser melhores que outros estudantes ou ficam desmotivados por duvidarem de suas chances

de competir.

Quando se solicita dos estudantes predominantemente um trabalho

individualizado, em que cada um tem o seu material, produz as próprias respostas e os

outros são ignorados, o foco é colocado nos interesses pessoais. O sucesso ou o fracasso do

outro tende a ser irrelevante para os alunos.

Johnson & Johnson explicam que a AC objetiva desenvolver competências e

habilidades na área estudada, desenvolver a compreensão de conceitos lógico-matemáticos

e o uso apropriado da linguagem e de habilidades de resolver problemas.

É necessário destacar que os alunos não necessitam aprender apenas a ser

cooperativos e tampouco devem trabalhar todo o tempo juntos. Os objetivos a serem

alcançados determinam as formas com as quais os estudantes irão interagir com os outros

colegas e como professor durante o processo de aprendizagem. Dessa forma, os estudantes

deverão aprender a como ser colaborativos com os outros, como competir de forma

saudável e como trabalhar também de forma autônoma. O trabalho individualizado, então

deve, deve interpor-se ao trabalho cooperativo, regularmente.

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1.2.1 - Conceitos da Aprendizagem Cooperativa

Segundo Johnson & Johnson (1992), a AC é a forma de organizar o ensino

em pequenos grupos de tal forma que os estudantes trabalhem juntos para maximizar a

aprendizagem de todos, inclusive a própria. As idéia é simples: “o esforço cooperativo

resulta em participantes motivados pelo benefício mútuo que todos os membros recebem

pelo esforço de cada um” (JOHNSON & JOHNSON, 1992, p. 1:5). Dito de outra forma, a

AC é o termo convencional para indicar a organização dos alunos em grupos sob a

orientação de procedimentos específicos, direcionados a incentivar, favorecer a interação

dos alunos entre si como sujeitos que estão partilhando, ajudando, portanto, ensinando, ao

mesmo tempo em que estão sendo ensinados. Concomitantemente, são sujeitos que

ensinam (mediadores) e sujeitos que aprendem (cognoscentes).

Johnson & Johnson (1992, p. 1: 14) destacam que AC e “trabalho em grupo”

são substancialmente diferentes e explicam ainda o que não é a AC:

a) pedir para que o estudante mais rápido ou mais "esperto" ajude os outros;

b) a simples divisão de uma atividade de modo que cada estudante faça apenas

uma parte da tarefa;

c) grupos de pesquisa onde todos obtêm a mesma avaliação (nota), mesmo que

apenas um membro do grupo tenha feito todo o trabalho;

d) uma maneira dos professores ministrarem menos aulas expositivas.

Johnson & Johnson (ibid) fazem uma comparação entre grupos de trabalho

tradicionais e grupos de AC, conforme apresentado no quadro a seguir:

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Quadro 1: comparação entre grupos de trabalho tradicionais e grupos de Aprendizagem Cooperativa:

Grupos de Trabalho Tradicionais Grupos de AC

- Baixa interdependência. - Os membros são responsáve is apenas por si mesmos. O foco é na performance individual apenas.

- Alta interdependência positiva. - Os membros são responsáveis pelo seu aprendizado e pelo dos colegas. O foco é na performance do grupo.

- Responsabilidade individual apenas. - Os membros são responsáveis por todos para que se atinja um resultado de maior qualidade

- Pouca ou nenhuma atenção à formação do grupo. Grupos normalmente grandes (5-10 membros).

- Formação deliberada do grupo. Grupos pequenos (2-4 membros).

- Os assuntos são discutidos com pouco comprometimento entre os membros.

- Os membros se preocupam com o aprendizado dos colegas, executando todos os trabalhos juntos, ajudando e dando suporte uns aos outros.

- As habilidades do grupo são ignoradas. Um líder é designado.

- As habilidade do grupo são enfatizadas. Os membros ensinam e usam habilidades cooperativas. Liderança compartilhada por todos os membros.

- Não há avaliação pelo grupo da qualidade do trabalho realizado.

- O grupo sempre avalia a qualidade de seu trabalho e como os membros estão trabalhando. O aprimoramento contínuo é enfatizado.

Fonte: JOHNSON & JOHNSON, 1992, p. 1:14)

A tradição da AC nos Estados Unidos está relacionada a serviços de formação

docente e assessoria pedagógica - como Kagan Cooperative Learning, por exemplo - com

o desenvolvimento de técnicas que visam instrumentalizar os professores para promover

essa proposta de ensino. Uma das primeiras iniciativas de capacitação e assessoria em AC

no Brasil atualmente, foi desenvolvida dentro de um modelo peculiar adaptado por

Carvalho (2000)6. Alguns dos procedimentos orientados por Johnson & Johnson e Kagan

serão apresentados neste trabalho, como “Jig-saw” e o “Penso, quero, aprendo” - PQA7

entre outros.

6 Para maiores detalhes pode ser consultada a obra de Carvalho (2000). 7 Esses procedimentos estão descritos detalhadamente no anexo 8.

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1.2.2 – Histórico da Aprendizagem Cooperativa

A idéia da cooperação na aprendizagem é antiga e já podia ser encontrada nos

escritos de Aristóteles e Platão na Grécia, na Filosofia educacional romana com Marco

Aurélio, na educação cristã no período medieval com Tomás de Aquino e depois na

renascença com Johan Amós Comenius (JOYCE e WEIL, 1992).

Segundo Johnson & Johnson “a capacidade cooperativa tem sido o maior fator

de contribuição para a sobrevivência da espécie” (JOHNSON & JOHNSON, 1992, pp. 1:

6-8) e conta que, desde o primeiro século, a.D., Quintiliano argumentava que os estudantes

podiam ser beneficiados por outros estudantes. Em meados do século XVIII, Joseph

Lancaster e André Bell fizeram uso extensivo de grupos de AC na Inglaterra e a idéias

chegou aos estados Unidos quando uma escola lancasteriana foi aberta em Nova York no

início do século XIX com grande ênfase na AC. Ainda segundo Johnson & Johnson, John

Dewey promoveu o uso da AC como parte de suas proposições educativas e um grande

defensor da Ac nos estados Unidos nas últimas décadas foi Colonel Francis Parker. Como

superintendente de escolas públicas, Parker fez mais de 30.000 visitas para acompanhar a

aplicação do método (JOHNSON & JOHNSON, 1992).

Kurt Lewin (1975), em 1946, concluiu que reunir grupos de pessoas era uma

das formas ideais de expor as áreas de conflito. Conhecido como o pai da dinâmica de

grupos, ele demonstrou que, quando participamos de atividades em grupos com liderança

democrática, melhora-se a produtividade, a satisfação e os relacionamentos com os outros

membros, o grupo pode tornar-se autônomo em suas tarefas, mesmo na ausência do líder.

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Fundamentado nas idéias de Kurt Lewin sobre os grupos sociais, Morton

Deutsch desenvolve na década de 40 proposições teóricas sobre cooperação e competição

na educação. As pesquisas de Johnson & Johnson têm sido fundamentadas nas proposições

de Deutsch (Ibid).

Para que a aprendizagem seja de fato cooperativa, ela deve conter princípios

básicos, como serão descritos a seguir.

1.2.1 - Princípios Básicos da Aprendizagem Cooperativa

Johnson & Johnson (1992) desenvolveram os cinco princípios básicos da AC:

a interdependência positiva, a responsabilidade individual, a interação face a face, as

habilidades interpessoais de grupos pequenos e a processamento do grupo.

Interdependência positiva: a primeira condição para o sucesso do grupo é a

percepção por parte de seus membros de que eles não poderão ser bem sucedidos se os

colegas do grupo não o forem. Ou seja, se eles percebem que nadam ou afundam juntos,

procurarão coordenar seus esforços com os esforços do grupo para que alcancem os

objetivos juntos. Johnson e Johnson equiparam essa percepção de mútua responsabilidade

com a percepção que os jogadores de um time de futebol, por exemplo, devem ter para

chegar à vitória. Essa percepção deve levar os alunos a procurar maximizar a

aprendizagem de todos os membros e à celebração do sucesso de forma conjunta. Para que

isso aconteça:

a) o esforço de cada membro do grupo é condição indispensável para o

sucesso do grupo. Todos necessitam participar;

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b) cada membro do grupo tem uma contribuição a fazer, pela qual será

responsável;

c) cada membro do grupo deve empenhar-se em aprender o material designado

e fazer com que os outros membros aprendam também, assegurando-se disso.

Visando a aplicação desse princípio, Johnson e Johnson (1992) sugerem, por

exemplo, que cada aluno do grupo seja “recompensado” com cinco por cento de “bônus”

(pontos adicionais) se todos os membros de um grupo atingirem uma determinada

porcentagem em avaliações individuais. Desse modo e para exemplificar, se todos

atingirem oitenta por cento ou mais em uma escala de avaliação individual, cada aluno do

grupo receberia meio ponto adicional. Sugere também, que sejam divididos os recursos ou

tarefas entre os alunos do grupo, de tal forma que, cada um tenha apenas parte da

informação requerida, dessa forma, eles necessitarão interagir para ter a informação

completa ou para alcançarem o objetivo do grupo e ainda, que sejam designadas funções

complementares (e rotativas) entre os membros do grupo, tais como: relator, redator,

avaliador, encorajador, entre outras. Kagan (1994, p. 4:8) desenvolveu uma série de

técnicas de aprendizagem cooperativa, o que ele denomina de estruturas de ensino8 e

estruturas de habilidades sociais (KAGAN, 1994, p. 4:8), que instrumentalizam o

professor a promover a interdependência positiva de seus alunos nos grupos que incluem,

além de algumas desenvolvidas por Johnson e Johnson, a designação de um alvo único

para o time, como construir o mural do time, um texto coletivo, uma maquete, ou outros

bem como que as recompensas9 e o reconhecimento do grupo devem ser baseados na

contribuição de todos.

8 Algumas dessas estruturas estão incluídas nos anexos. 9 Observa-se, na literatura americana da aprendizagem cooperativa, referências freqüentes às recompensas para os grupos.

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2. Responsabilidade individual: O propósito da aprendizagem cooperativa é

proporcionar condições e incentivos para que cada membro seja um efetivo construtor da

própria aprendizagem. Ao final de cada tarefa ou estudo, cada estudante deve ser capaz de

desempenhar outra tarefa similar ou de dominar determinado conhecimento por ele

mesmo, de forma independente. A responsabilidade individual é um princípio importante

para assegurar que não aconteça nos grupos cooperativos que um ou poucos alunos

trabalhem e outros não se envolvam. Para isso, faz-se necessário que os grupos sejam

pequenos, preferencialmente quatro ou três membros. Quanto maior o grupo, mais a

responsabilidade fica difusa ou concentra-se em um ou alguns. Johnson e Johnson (1992),

Kagan (1994) e Slavin (1983a) sugerem formas comuns de desenvolvimento das atividades

em uma aula: as atividades compartilhadas em um grupo cooperativo antecedem o

desenvolvimento independente. Isso sugere a necessidade de avaliações individuais, os

alunos podem também, segundo propõem os autores citados, ser solicitados aleatoriamente

para representar o grupo. Desta forma, a prática inclui a participação individual do aluno

explicando, verbalizando o que aprendeu.

Kagan (1994) aponta sugestões, tais como: que no trabalho realizado pelo

grupo, cada aluno assinale com uma cor diferente as partes referentes à sua participação ou

que sumarize a sua participação, se auto-avalie e assine abaixo da sua contribuição. Uma

técnica largamente usada pelos praticantes da aprendizagem cooperativa para promover a

responsabilidade ind ividual e o que Kagan denomina de “Juntando Cabeças

Numeradas”10.

3. Interação face-a-face: Johnson e Johnson (1992, p. 1:11) afirmam que a

interdependência positiva não acontece de forma mágica se não houver um certo padrão de

10 A descrição de Juntando Cabeças Numeradas está no anexo 4.

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interação e intercâmbio verbal entre os estudantes. Para isso, o professor deve maximizar

as oportunidades de os alunos promoverem cada um a aprendizagem do outro ajudando,

assistindo, dando suporte, encorajando e reconhecendo os esforços dos colegas. Os efeitos

dessa interação pessoal e próxima, segundo os autores, são os seguintes:

a) troca mais eficiente e efetiva de recursos, materiais e informação

necessários;

b) ocorrência de dinâmica interpessoal positiva quando os estudantes explanam

a explicação de um problema, discutem a natureza de um novo conceito aprendido com

outro aprendido anteriormente;

c) influência social e afetiva fornecendo novos modelos de atitudes sociais

devido à ajuda, à assistência e à demonstração de responsabilidade pelo outro;

d) feedback constante e imediato do desempenho de cada um proporcionado

pelas respostas verbais e não verbais dos colegas;

e) incentivo ao esforço de alguém do grupo que esteja desmotivado;

f) relações de confiança entre colegas pelo fato de submeter o trabalho à

apreciação do grupo;

g) descentralização de suas próprias idéias e desafio a raciocinar para

contrapor-se devido ao confronto com idéias diferentes dos colegas.

Maximizar as oportunidades de interação supõe a necessidade de o professor

tomar tempo para planejar as atividades que os alunos realizarão na sala de aula e propor

essas atividades direcionando-as para os objetivos da interação.

4. Habilidades interpessoais de um grupo pequeno: Dispor os alunos em

grupo e solicitar que sejam cooperativos não assegura que haverá cooperação efetiva.

Segundo afirmam Johnson e Johnson, “não nascemos sabendo instintivamente como

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interagir efetivamente com os outros; as habilidades sociais não surgem magicamente

quando delas necessitamos” (JOHNSON E JOHNSON, 1992, p. 1:13). As pessoas devem

ser ensinadas quanto às habilidades sociais que lhes serão requeridas na vida para um alto

grau de cooperação e os alunos precisam ser motivadas para utilizarem essas habilidades se

desejam que seus grupos sejam produtivos. Para alcançar alvos comuns, os estudantes

devem coordenar seus esforços para:

a) conhecer e confiar no outro;

b) comunicar as idéias claramente, evitando sentido duplo;

c) aceitar o colega com suas virtudes e defeitos apoiando e ajudando-o;

d) resolver conflitos de forma construtiva.

Os estudantes são encorajados e ajudados a desenvolver e praticar liderança,

tomar decisões, comunicar-se, resolver conflitos e desenvolver habilidades e intuições para

reconhecer e reagir aos sentimentos das pessoas. Johnson et al (1988) apresentam técnicas

especificas para desenvolver habilidades sociais nos grupos de AC. Kagan (1994), por sua

vez, estruturou técnicas especificas para desenvolver o que denomina de teambuilding11 ,

ou seja, para desenvolver o espírito de equipe entre os membros do grupo. Ele sugere o uso

dessas técnicas quando o grupo é formado pela primeira vez ou na presença de conflitos ou

não aceitação de algum colega. Essas técnicas incluem atividades lúdicas e possibilitam o

conhecimento dos colegas, o desenvolvimento de uma identidade do grupo, oportunidade

de oferecer su4 Tt2dtugru43o 3o aceitaç�essoide oresenlitosas, o desenvolvimentor eergiça,

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a) criar um clima de cooperação na sala de aula;

b) promover oportunidades de aprendizagem de resolução de conflitos que

envolvam debates entre alunos, divergência de idéias, contestação, defesa de pontos de

vista divergentes seguido de inversão de perspectiva, síntese dos melhores argumentos e

finalmente, da elaboração de uma conclusão;

c) orientar os alunos a resolverem suas divergências por eles mesmos.

Geralmente as divergências nessas atividades giram em torno da disputa pela posição de

estar com a razão;

d) ensinar os alunos a recorrer a um colega-mediador, entendido aqui como um

árbitro para ajudar a resolver o conflito. Caso o colega-mediador não consiga leva- los a um

acordo, o professor será o mediador, cuja intervenção será solicitada como último recurso

(JOHNSON & JOHNSON, 1987).

5. Processamento de grupo: Ocorre quando os membros do grupo tomam

alguns minutos para refletir e avaliar o funcionamento do grupo. Nessa sessão de reflexão,

a contribuição de cada membro do grupo é avaliada em termos de seus aspectos positivos e

negativos e em seguida são levantadas sugestões especificas de atitudes e ações de cada

membro a serem mantidas ou modificadas. O processamento do grupo realizado de forma

efetiva:

a) permite que as atividades do grupo mantenham o foco em preservar o bom

relacionamento entre seus membros;

b) facilita a aprendizagem de habilidades cooperativas;

c) assegura aos membros o feedback de suas participações;

d) possibilita que os estudantes tomem consciência do próprio processo de

aprendizagem (metacognitivo);

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e) assegura meios para o sucesso e o esforço sejam reconhecidos;

f) provê oportunidade para os alunos desmotivados sejam “cobrados” pelos

próprios colegas.

Kagan apresenta o que ele acredita serem os quatro princípios básicos da AC,

acrescentando à Interdependência Positiva e à Responsabilidade Individual apresentadas

anteriormente, os princípios por ele denominados de Interação Simultânea e Participação

Igualitária (Kagan, 1994). Em uma aula expositiva geralmente o professor fala sozinho.

Quando a aula é dialogada, alguns podem falar, mas em uma porcentagem de tempo muito

pequena. Observa-se geralmente que serão sempre os mesmos. Na AC, principalmente

quando os alunos trabalham técnicas como “Juntando cabeças numeradas” por exemplo, as

oportunidades de Interação Simultânea multiplicam-se, quer seja falando, ensinando ou

fazendo perguntas ao colega. A Participação Igualitária, embora esteja relacionada à

interação Simultânea, é em essência, diferente. Enquanto a primeira se refere à interação de

vários alunos ao mesmo tempo, a Participação Igualitária assegura que não apenas os

mesmos estudantes de sempre, os mais faladores, monopolizem a participação, mas que os

mais introvertidos tenham garantido sua oportunidade de participação, como na técnica

“Duplas Cooperativas”12.

1.2.4 – Formação Básica: Grupos Heterogêneos

Embora os grupos possam se formar de várias formas13 e seja recomendado

que haja algumas variações ocasionalmente na fo rmação dos grupos, Kagan afirma que

várias pesquisas e teorias sobre AC consideram a formação heterogênea dos grupos como

12 O detalhamento da técnica “Duplas cooperativas” está no anexo 05 13 As orientações de Kagan sobre as várias formas de se organizar os grupos estão no anexo 9.

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uma característica que a define. Segundo ele, os times heterogêneos são normalmente

formados por um estudante de nível mais avançado, dois estudantes considerados de nível

mediano e um estudante com maiores dificuldades. Sugere que o time seja composto de

duas alunas e dois alunos, que haja uma mistura de raças14 nos grupos (KAGAN, 1994).

A heterogeneidade dos grupos pode resultar bem melhores resultados

acadêmicos pela troca de experiências, aproximar os alunos de classes sociais distintas e

sexos opostos, facilitando o manejo de sala pelo professor. Em geral os times heterogêneos

têm sido preferidos pelas seguintes razões:

a) possibilitam oportunidade de que um ensine o outro;

b) possibilitam a interação entre alunos de classes e sexos diferentes;

c) facilitam o manejo de sala pelo professor, tendo um alunos em um nível de

aprendizagem mais adiantada em cada grupo, pode significar, de certa forma, ter um

auxiliar do professor para cada três estudantes (KAGAN, 1994).

A constituição dos grupos pode ser aleatória ou ainda de forma espontânea,

com escolha dos próprios alunos, segundo seus interesses e afinidades. Todos os modos de

formação dos grupos apresentamf q 3 t 6 5 6 T c 3 a s a l e s 6 5 6 T c 3 a o o u t r 3 3 . T j 2 7 2 . 2 5 5 . 2 5 T D / F 1 8 . 2 5 T f 0 . 3 7 5 T c 5 T w ( 1 4 ) T j 9 - 5 . 2 5 T D / F 1 1 2 1 1 2 4 - 0 . 0 6 1 7 0 T c 3 . 4 1 6 s e s s o r r e 6 6 e s s a u x i l e s s 0 T w ( 0 5 T j - 2 5 1 . 2 5 - 2 7 . 7 5 T D - 0 . 0 3 3 1 T c 0 . 0 8 a u t T w s e o f e s a p r T w ( d o s t i m e s h e t e r o 3 5 2 l g u e s v e z e s o p 8 T s s o r e r a l o o d e s e r a l e d e s . u c o m p o s t o d e ) T j 0 - 2 7 . 7 5 2 4 D - 0 . 0 0 5 9 6 2 T c 0 . 0 8 a s s e s e a f i n P o a c a 1 m s a l u n o s , K a g a n d e c e r w ( f o r m a � s t i m e s h e t e r a s g r u p o s p u t T w z r p a o f e s s a q u e i r ê n e o s ) T j 8 1 T D - 0 . 1 4 2 6 9 T c 2 . 2 9 r T w ( d o b a s a l a a n e j o , t e r u m ) T j 0 T c 0 T w 1 1 4 ( ) T j 3 . 7 0 6 4 D - 0 . 1 4 8 T c - 0 . 3 r u p a u j o e 6 w ( t ê m 0 T w 1 1 5 ) T j 2 5 6 . 5 0 7 T D - 0 . 1 6 8 T c ( m o d o s a ) T j 3 9 6 0 0 T D - 0 . 2 . 7 8 9 T c 0 . 2 2 s i d o a f o r m a S e g e 6 o r m a m u i t s c o l h a r d o p e s 0 T w 2 3 6 T j - 2 5 1 . 2 5 - 2 7 . 7 5 1 0 T D - 0 . 1 3 2 T T c 2 . 1 6 r o c a d e s e s t n a A C , 1 9 9 4 9 1 e ) T j 4 6 . 5 0 T D 0 T c 0 T w 1 2 8 T j - 2 5 9 - 5 . 2 0 T D / F 1 ( p o s t o d e ) T j 0 - 2 7 3 3 6 T w ( ) T j - 3 1 9 - 5 . 2 5 T D / F 1 ( 0 T w 1 2 0 T j 4 6 . ( 0 T w E T T 8 e ) 1 4 4 ) T j 3 4 3 f B T 2 4 3 1 4 6 T j 9 - c 0 T w ( 4 - 8 T j 9 - 5 . 2 5 6 T j 0 - 8 . 2 5 T f 0 . c 0 T w 7 T j ( ) 9 - 5 . 2 5 9 T j 0 - 8 . 2 T D - 0 . 0 3 3 4 1 T c 0 . 2 5 N s c o E s e s r e U n o p r e a e s e x o s r a d e e g u a s s l e v t e s p e r i o o u t r o 7 m ) T j 5 9 . 3 3 6 2 4 D 7 0 T D 0 T c - 6 T c ( ; ) T j 3 . 0 5 9 D - 0 . 0 8 3 3 5 3 T c 0 . 2 2 s a l e s s f i 9 2 r e a l i m i g r 2 s e s t o r t u i v e r s a s s t u r a d e . N s B r a s i l t â n e a 2 0 T j 0 - 1 1 T j 9 - 5 0 4 3 - 0 . 0 3 3 4 1 8 T c 5 . 9 9 a l c a 1 m a l a a e s e x o s r a d e e g u a s s l 3 5 2 s t o r o , u a s d i f i c l a s s e s d o s q u e d e s m 5 2 s t d a d s t n t e s r e g u a s s i . S e o f e s a p o e n t r e a l u n o 4 7 ã 2 7 . 27.

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1.2.5 - Resultados de Pesquisas Sobre a Aprendizagem Cooperativa

Segundo Kagan (1994), a AC é a inovação educacional mais extensivamente

pesquisada de todos os tempos com resultados claros. Centenas de pesquisas experimentais

e de campo demonstram sua eficácia (KAGAN, 1994). Os mais importantes apontam para:

a) Benefícios acadêmicos, principalmente para alunos que apresentam mais

dificuldades na aprendizagem. Segundo Kagan (1994), David e Roger Johnson (1975)

revisaram 122 estudos sobre o tema e Robert Slavin (1983b) revisou 46 pesquisas

longitudinais em escolas elementares e secundárias. Entre os estudantes examinados por

Slavin, 63% demonstraram resultados superiores na AC; 33% não apresentaram diferença

e 4% mostraram melhores resultados na forma tradicional de estudo. Quando os elementos

do grupo atuam com responsabilidade individual, os ganhos acadêmicos sobem para 89%

em relação à forma individualística ou competitiva de estudar (KAGAN, 1994).

b) Melhor relacionamento entre alunos de culturas diferentes. Kagan (1985)

realizou cerca de 1000 estudos sobre as relações étnicas, comprovando um melhor

relacionamento entre alunos de raças diferentes na AC; Slavin (1983a) examinou 14

experiências envolvendo estudantes no método Jig-Saw16, comprovando um melhor

relacionamento entre eles na AC que nas formas mais rígidas de organização da sala de

aula.

c) maior desenvolvimento social e afetivo entre estudantes; a habilidade de

comunicação e de ajustamento social só pode ser aprendida através da interação. Nesse

sentido, a escola está preparando o profissional do futuro ao promover a AC. Johnson et

16 A descrição da técnica Jig-Saw está no anexo 07.

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al.(1981) e Slavin (1983a) resumem suas pesquisas afirmando que a AC pode trazer os

seguintes benefícios:

- maximização do uso da linguagem;

- maximização do aprendizado da matéria;

- maximização do desenvolvimento social.

1.3 - Articulação entre Aprendizagem Cooperativa e Perspectiva Sócio-Histórica

Se considerarmos as origens teóricas da AC e da perspectiva sócio-histórica

concluímos que em um primeiro momento ambas se mostram incompatíveis.

A AC teve, como já foi apresentado, um forte impulso nas concepções teóricas

e orientações pedagógicas de John Dewey (1961), um dos principais precursores da escola

nova, com objetivo de educar os alunos para a democracia liberal nas décadas em que o

capitalismo norte-americano confirmava a sua solidificação. A sala de aula seria uma

miniatura da sociedade democrática e nela, aprendendo-fazendo, os alunos deveriam

discutir a resolução de seus problemas, praticarem a participação no exercício escolar da

cidadania, cidadania essa necessária para a vida adulta em sociedade. As discussões

deveriam levar a consensos úteis futuramente para a harmonia na democracia, à americana

(BERGER e LUCKMAN, 1976). Enfim, o cenário de fundo apresenta uma visão

conservadora quanto à relação escola-sociedade.

Vigotski viveu e desenvolveu a sua teoria em um ambiente histórico bem

oposto: o mundo revolucionário, mundo das grandes esperanças da Rússia no inicio do

século XX. Bruner (2002) ressalta o caráter libertador do marxismo de Vigotski. Todo o

seu contexto cultural e histórico marcou o desenvolvimento de suas idéias. A educação

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tinha como objetivo libertar os homens de suas superstições e transformar a sociedade

patriarcal e feudal. “Que instrumento melhor que a ZDP de Vygotsky para cumprir a

promessa de um crescimento quase sem limites?” (BRUNER, 2002, p. 220). A visão da

relação escola-sociedade de Vigotski, diferentemente de Dewey, é portanto de

transformação social.

1.3.1 - Da Democracia Liberal para os Fatores Sociais, Culturais e Históricos

Com base em Bertrand (1991) faço a articulação entre as duas teorias que

inicialmente se apresentavam incompatíveis. Bertrand (1991), categorizando as teorias

contemporâneas em educação, situa a AC dentro da linha sociocognitiva e situa Vigotski

entre os teóricos dessa linha. Segundo ele, com o passar do tempo, o foco da democracia

foi sendo substituído pelos fatores culturais e sociais da aprendizagem.

As teorias sociocognitivas abordam as condições culturais e sociais da aprendizagem. Os dois princípios fundamentais deste movimento são, em primeiro lugar, a constatação dos pedagogos da necessidade de levar em consideração estas condições, se considerarmos o que é aprendizagem. Em segundo lugar, estão as influências de outras áreas do conhecimento como a antropologia e a psicologia social que se destacam cada vez mais. As noções de cultura e contexto assumem, de ora em diante, um lugar importante nas reflexões sobre educação (BERTRAND, 1991, pp. 105 e 106 ,grifo do autor).

Cultura nesse caso, tem o sentido das concepções do antropólogo Geertz

(1973), segundo o qual, ela pode ser entendida como um “conjunto de proposições, de

regras e de crenças ou como um conjunto de elos associativos e de imagens que descrevem

em parte nossas relações” (apud BERTRAND, 1991, p. 108) e acrescenta que “o ser

humano é como uma aranha que tece e se suspende numa teia de significações. Esta teia é

a sua cultura” (ibid).

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Bruner (1986) insere-se nessa linha sociocognitiva e sustenta que “o eu nunca é

independente de sua existência sociocultural” (apud BERTRAND, 1991, p. 109). Para

Vigotski (1998) o indivíduo constitui-se a partir de uma enorme gama de instrumentos que

é a sua cultura. Ele interpreta o mundo, mas essa interpretação é feita através de uma

negociação com os outros. O contexto cultural, social e histórico passa a ser considerado

decisivo nas ações pedagógicas. Bertrand ressalta a influência de Vigotski em modelos

sociocognitivos de educação e aponta o ensino cooperativo como uma forma apropriada a

essa tendência educativa.

Segundo Bertrand, o ensino cooperativo está muito em voga nos Estados

Unidos e marcará o final do século XX. Apenas Johnson & Johnson haviam formado mais

de 30.000 professores em estratégias de AC pela Universidade de Minnesota até o final da

década de 80. A explicação para esse fenômeno, segundo Bertrand, tem como ponto de

partida a tomada de consciência por parte dos professores da necessidade de se levar em

conta as condições culturais e sociais da aprendizagem. Acredito que essa mudança de foco

e novas perspectivas viabilizam as aproximações e articulações da AC com a teoria

vigotskiana.

1.3.2 - Behaviorismo versus Perspectiva Sócio-Histórica

Um outro fator relevante a considerar, dentro das fundamentações teóricas da

AC, diz respeito à corrente psicológica que parece ter inspirado alguns procedimentos

adotados pelos pesquisadores e divulgadores americanos desta forma pedagógica. Johnson

& Johnson e, especialmente Kagan, em técnicas como “Pairs Check e Flashcards

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Games17”, enfatizam o uso de reforços positivos, como foi dito anteriormente, através de

recompensas, pontos adicionais e elogios enfáticos por parte dos colegas do grupo para

cada acerto nas tarefas ou comportamento a ser reforçado.

A ênfase em recompensas para comportamentos desejáveis na educação está

inserida, de uma forma implícita, dentro de uma concepção de que a aprendizagem se

baseia em estímulo e resposta, influenciada pela escola psicológica behaviorista, cuja

teoria foi anunciada por John B. Watson (CABRAL e NICK, 2000). Watson, seguindo as

idéias do psicólogo russo Pavlov, acreditava que o comportamento humano é o resultado,

em grande medida, de reflexos condic ionados. Segundo Knight, os princípios behavioristas

postulam que:

a) os seres humanos são animais altamente desenvolvidos e aprendem como

animais;

b) a educação é um processo de engenharia comportamental; as atividades que

recebem reforço positivo tendem a ser repetidas e as que recebem reforço negativo tendem

a extinguir-se;

c) o principal papel do professor é criar um ambiente eficaz de aprendizagem

através do reforço positivo (KNIGHT, 2001).

Nessa perspectiva, o comportamento é visto como uma forma de resposta (R) a

estímulos (S) e pode ser assim esquematizado:

S R

Essa concepção da relação estímulo-resposta para explicar o comportamento

humano, foi criticada por Vigotski. Ela seria própria para descrever a aprendizagem do

comportamento animal e as funções elementares nos seres humanos, tais como as 17 Estão detalhadas no anexo 05 em seus equivalentes que denominei de “Duplas Cooperativas” e o jogo “The Flash”.

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aprendizagens através de exercícios repetitivos. Esse tipo de relação não é suficiente para

explicar as chamadas funções mentais superiores, entre as quais está a consciência e que

são típicas dos seres humanos. Para as funções mentais tipicamente humanas, como já foi

apresentado anteriormente, Vigotski concebeu um estímulo de segunda ordem, “X”,

posteriormente designada de medição semiótica, que colocado no meio da relação

S R, se interpõe entre o estímulo (meio) e a resposta do indivíduo, permitindo a este

controlar o seu próprio comportamento, de forma autônoma.

Essa era uma de suas principais contestações às explicações da psicologia

“científica” de seu tempo. Quase um século depois, essas concepções, talvez tacitamente,

parecem inspirar algumas ações pedagógicas como o são algumas atitudes e posturas na

aplicação de provas, no emprego das notas, na aplicação de punições, no uso

indiscriminado de recompensas e “quadros de honra18”, entre outros, que podem ser formas

impositivas e manipulatórias de controle.

Tentar manipular o outro através de recompensas e punições seria no mínimo,

subestimar a capacidade desse outro de utilizar suas habilidades mentais mais complexas: a

reflexão, a capacidade volitiva e o poder criativo e construtivo.

Alguns procedimentos técnicos sugeridos por Kagan (1994) enfatizando os

reforços positivos diante da influência da Psicologia behaviorista na educação americana

podem deixar margem para se considerar que sua proposta de AC estaria dentro de uma

perspectiva psicológica também behaviorista.

18 Tenho observado em várias escolas o procedimento de afixar em mural a cada final de bimestre uma lista dos melhores alunos, em notas e/ou comportamento. Tenho percebido que tal procedimento, entre uma série de problemas, desestimula a maioria que prevê não conseguir ter o seu nome lá inserido, motivando apenas aqueles poucos que, geralmente, já presumem que se destacarão nos requisitos avaliados.

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Kagan (1994), tem observado que a utilização do reforço positivo tais como o

elogio dos pares no grupo - exaggerated praise17 - recomendado em algumas de suas

técnicas - é inserido como sendo uma das regras de um jogo e conferem a algumas

atividades em sala de aula um aspecto lúdico e divertido que traz prazer às atividades

escolares. Esse reforço, que age como um motivador extrínseco no começo e cuja

aplicação deve diminuir com a prática, segundo ele, leva à motivação intrínseca, ou seja,

permite com o passar do tempo que o foco da atenção do aluno mude da recompensa para

o próprio processo de aprendizagem.

Acredito que se as técnicas da AC forem aplicadas com base no uso

indiscriminado de recompensas para os grupos, a participação dos alunos em atividades

cooperativas poderiam ser forjadas em função dessas recompensas. O problema do uso

indiscriminado das recompensas para se conseguir o que se deseja dos alunos são as

conseqüências a médio e longo prazo. Nesse caso o aluno pode:

a) agir governado por outro, para agradar e ganhar a recompensa;

b) conseqüentemente, não desenvolver a habilidade e capacidade de tomar iir lgumaTw p pavolver a srecompe3Tc (-) Tj 4.5 0 TD 0 Tc 0 Tw8o

a ) permite com o passarecomp228a;

b )

a ) c o o p e a r a s t c o o a s p l t i e t o q o r e 6 3 m g e r r p a s s a r e c o m p e n s 6 3 m a d o u s o

s s e r e c o m p 2 7 0 T j 1 3 0 . 5 0 T D 0 T c 0 T w 7 0 T w . T j 0 - T T T T T T T T T T T T T T T T T T T T T T T T T T T T T T T T T T T T T T T T l u n o p 2 0 T j 1 3 ( T T T T T T T T l u n o E T 9 9 0 T c ( 1 4 4 ) T j 0 r e f B T p 2 0 3 7 5 T D D T D 0 T c 4 4 ) - 7 . T j 0 - . 2 5 6

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g) colocar o foco do processo educativo na recompensa e não na

aprendizagem.

No entanto, a aprendizagem é uma atividade essencialmente social e humana,

que envolve o intelectual e o afetivo de forma associada, como alertou Vigotski e não se

pode conceber aprendizagens significativas e prazerosas, que considerem a auto-estima do

aluno, sem haver reconhecimento e demonstração de atitudes de aprovação.

Acredito que o professor pode assumir uma postura behaviorista tanto usando a

AC quanto usando outra forma de ensino, quer seja competitiva ou individualística, como

pode escolher também não ser manipulador em qualquer metodologia de ensino.

Onde estaria, então, a tênue linha divisória entre o saudável reconhecimento e o

uso indiscriminado de recompensas como forma de manipulação? É necessário tratar essa

questão com equilíbrio. A visão do professor da existência e presença do estímulo “X” - no

qual poderíamos incluir a capacidade volitiva, criadora, reflexiva, entre outras - no interior

da relação estímulo-resposta, pode ser crucial na busca de tal equilíbrio.

Há que se considerar o risco de se tomar as técnicas da AC, da forma como são

detalhadamente estruturadas, como receitas prontas sem se considerar os porquês e os fins

últimos que tais práticas subvertem. Tal risco parece potencializar-se se a cultura docente

for moldada em ações pouco refletidas, o que pode tornar essa prática mais uma panacéia

educacional a despeito de todas as suas vantagens em potencial.

É necessário ressaltar, então que, teorias consideradas divergentes e até

mutuamente excludentes podem dar origem a práticas pedagógicas aproximadas. Observe-

se que, não por acaso, preferi empregar o termo “aproximadas” e não “semelhantes”, uma

vez que, embora acredite que a perspectiva sócio-histórica, especialmente, as concepções

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de Zona de Desenvolvimento Proximal possam fundamentar psicologicamente as ações

pedagógicas na AC, o enfoque, na prática, pode ser tacitamente distinto.

Se as atividades interativas forem desenvolvidas dentro de uma Psicologia de

perspectiva Behaviorista, elas poderiam incentivar a responsabilidade individual e a

interdependência positiva baseadas em reforço positivo para os grupos. Nesse caso, o

tempo, os espaços e as tarefas dos alunos seriam controlados com base em motivações

externas. Um dos problemas desse tipo exclusivo de motivação reside no fato de que, ao

serem retirados os incentivos, desaparecem também as respostas.

A Psicologia sócio-histórica pode, na minha concepção, também inspirar os

processos interativos, também chamados de AC, dentro da abordagem dialética que

pressupõe que o homem não é apenas modificado pelas forças do meio, mas o modifica

com os instrumentos de sua mente, mediadores na relação estímulo-resposta e procurará

desenvolver a tomada responsável de decisões, uma vez que a autonomia é um fim a se

alcançar.

A AC, nesse caso, propiciará situações que privilegiem o confronto de idéias, a

contestação, o conflito, como geradores de pensamento autônomo e vigoroso,

considerando que cada aluno tem a capacidade de pensar de forma diferente, reconstruir a

aprendizagem, criar seus significados (intrapessoal) novos, particulares e distinto do

coletivo, em um processo dialético com o interpessoal.

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1.3.3 - Os Educandos com a Palavra e o Desenvolvimento da Consciência

A perspectiva sócio-histórica de Vigotski como fundamento teórico para a AC

pode originar praticas educativas que venham ao encontro de posturas docentes

comprometidas com a transformação social.

Vivemos em tempos difíceis. Em uma época de crescentes possibilidades de

exploração do homem, de exclusão e de privação. Uma época de exploração da terra com

possibilidades de melhor qualidade de vida para uma parcela da humanidade, enquanto

muitos convivem com a miséria, a violência, com a anulação de sua dignidade humana.

Em um mundo que combina relações de poder, interesses econômicos, ideologias e

inconsciente coletivo, percebe-se a fórmula para o crescimento da alienação e das

desigualdades sociais.

Em um tempo assim, ainda predominam relações entre professores e alunos

marcadas pela concepção “bancária” de educação (FREIRE, 1987). Segundo essa

concepção, o educador é o que sabe, o que pensa, o que tem o poder da palavra, aquele que

disciplina, que escolhe o conteúdo, que tem sua autoridade medida pela sua função; aos

educandos cabe o escutar, ser passivo e memorizar para repetir o conteúdo “depositado”.

Dentro dessa concepção, diz Freire (ibid) a educação aliena o educando, reflete

a sociedade opressora, sendo ela dimensão da cultura do silêncio. Dessa forma “tanto

menos (os educandos) desenvolverão em si a consciência crítica de que resultaria a sua

inserção no mundo como transformadores dele. Como sujeitos” (FREIRE, 1987, p. 60).

A perspectiva dialética de Vigotski (1998) encontra ressonância na concepção

dialógica de educação de Freire e ambas podem materializar-se na AC, na medida em que

o trabalho didático seja organizado, estando os alunos em pequenos grupos e sejam-lhes

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propiciadas condições de participação igualitária e se estimule o debate, a confrontação da

palavra. Para Vigotski (2003) a palavra significativa é o elemento constitutivo e

constituinte do pensamento, ou da consciência, processo mental típico das funções mentais

superiores. O modo fundamental pelo qual os seres humanos unem-se e confrontam-se uns

com os outros é a própria linguagem. Nela é que se estabelecem as relações propriamente

humanas, entre humanos.

Vigotski (2003), no auge do ultimo capitulo do texto “Pensamento e

Linguagem”, ditado em seu leito de morte, segundo Blanck (1984) insiste em tomar a

consciência como objeto de uma psicologia cientifica e debruça-se sobre uma construção

teórica mais elaborada sobre o papel das relações sociais e da linguagem na sua

constituição.

De acordo com Delari Junior (2000), a obra de Vigotski “Michlienie i riech”,

foi traduzida para o inglês como “Though and Language” e depois em língua portuguesa

como “Pensamento e Linguagem”. No entanto, segundo Delari, o termo “linguagem” não

traduz exatamente o significado de “riech” que no original russo significa palavra ou fala.

Uma versão americana mais recente deste livro buscou uma tradução talvez mais precisa,

substituindo seu titulo anterior por “Thinking and Speech”19.

Ora, se “riech” significa com mais precisão “fala”, Vigotski está se referindo à

palavra posta em movimento, no próprio processo de interlocução. Quando Vigotski

(2003) trata da relação entre pensamento e linguagem mediado pelo significado da palavra

é mais provável que ele esteja se referindo especificamente a relação entre “pensamento e

fala”.

19 Ver Vigotski, 1987.

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Na palavra ou na fala o que parece essencial é seu caráter de estar em

movimento, essencial também é que ela tenha significado. “Uma palavra sem significado é

um som vazio; o significado, portanto, é um critério da palavra, seu componente

indispensável” (VIGOTSKI, 2003, p. 150). Este trecho na versão americana das Obras

Escolhidas de Vigotski foi colocado de forma mais enfática: “The word without meaning is

not a word but an empty sound [...]” (VIGOTSKI, 1987, p. 244, destaque acrescentado).

Considerando o significado como um critério essenc ial à palavra para “ser

palavra”, segundo Vigotski, infere-se que na aprendizagem como um processo social e de

cooperação, a interlocução entre aprendizes deve ser “provocada” a partir dos contextos

culturais e históricos dos educandos com temas e questões que lhes dizem respeito, que

lhes sejam significativos.

Sendo assim, na AC em uma perspectiva sócio-histórica os conteúdos a serem

aprendidos devem ser problematizados para gerar confronto de idéias, conflitos

sociocognitivos que induzam a uma confrontação entre as soluções divergentes dos

parceiros.

Organizar situações desafiantes que provoquem a fala nos pequenos grupos em

que os alunos necessitem de forma ativa, argumentar e defender as suas posições, significa

conceder o poder da palavra aos alunos.

O poder da palavra, em ação, desperta as funções intrapsíquicas constituintes

da consciência. Sabemos reconhecer no dia-a-dia o poder da palavra em expressões tais

como “dar a palavra”, “pedir a palavra”, “palavra de honra”, “liberdade da palavra”. A

palavra é tratada assim como uma realização da significação humana por excelência.

Acredito que conceder a liberdade da palavra aos alunos seja uma das formas de permitir-

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lhes desenvolver a sua autonomia, “a difícil passagem ou caminhada da heteronomia para a

autonomia” (FREIRE, 2004, p. 70).

Na perspectiva sócio-histórica os cinco princípios básicos da AC somente

fazem sentido, na medida em que propiciem condições para uma relação dialética mais

enriquecedora entre os alunos, maximizando os benefícios da interação social. Da mesma

forma, a heterogeneidade dos grupos pode intensificar as trocas, considerando os contextos

sócio-históricos distintos, entre perspectivas distintas e divergentes.

Dessa forma acredito ser viável a concretização de uma educação crítica,

transformadora, em que com a palavra, os educandos possam ter oportunidade de pensar

por si mesmos, posicionando-se desde pequenos a partir da problematização dos temas

estudados, desatando assim aos poucos, as amarras da alienação cultural e social.

Conforme já argumentei anteriormente, embora distintas em sua origem,

acredito na possibilidade de articulação da teoria sócio-histórica à prática da AC. Acredito

que outro aspecto também relevante na articulação pretendida neste estudo seja a

possibilidade da troca de contribuições e de discussão das concepções teóricas sócio-

históricas, dentro da perspectiva vigotskiana com a estruturação de propostas pedagógicas

da AC - tradição de ensino com vasta massa de pesquisas que apontam para sua efetividade

e considerável volume de técnicas e procedimentos desenvolvidos. Acredito ser uma

condição sine qua non para essa articulação que o professor seja consciente das razões de

seus procedimentos a partir de suas concepções dos processos psicológicos da

aprendizagem e comprometido com uma prática emancipadora.

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80

1.2.6 – Formação Docente para a Aprendizagem Cooperativa

A articulação até aqui proposta levam a implicações necessárias sobre a

formação docente, pois elas somente serão possíveis se ocorrerem nas concepções dos

professores. A formação para AC pode representar uma mudança até certo ponto radical

na prática do professor, dependendo da sua formação escolar e inicial20 obtida. Ocorre, no

entanto, que professores podem alterar a sua prática sem, contudo alterar suas concepções

mais profundas e o seu habitus (Bourdieu, 1996), ou seja, formas duradouras de resolver os

problemas do dia-a-dia, graças às transferências analógicas de esquemas, integrando todas

as experiências acumuladas. Nesse caso, como uma maquiagem, as novas práticas são

postiças e não resistem às intempéries do tempo.

Nos países do hemisfério norte, especialmente, Canadá e Estados Unidos e

vários países da Europa, a formação para a AC tem contribuído para desenvolver uma

forma de ensino que se apresenta como uma das possíveis alternativas para o ensino

tradicional e tem resistido à passagem do tempo, há mais de quatro décadas (BERTRAND,

1991). Segundo Bertrand (1991), milhares de professores foram formados nos Estados

Unidos para o ensino cooperativo nas últimas décadas na Universidade de Minnesota

(Johnson & Johnson) ou em uma complexa estrutura de formação continuada (Kagan) 21.

Em que consiste essa formação? Os estudiosos da AC se debruçaram sobre a questão.

Dentre as produções sobre o tema, apresento aqui algumas considerações de Johnson &

Johnson (1994) sobre a formação de professores para a AC. Para que o professor seja

formado na AC é necessário alguns pontos fundamentais, dentre eles:

a) deve acreditar nas vantagens do ensino cooperativo;

20 Formação inicial aqui é entendida como a formação universitária ou em outro nível, especifica para o exercício do magistério. 21 Para maiores informações sobre essa formação continuada ver http://www.kaganonline.com

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b) decisão pessoal, comprometimento em se desenvolver na AC;

c) formação teórica e prática;

d) formar duplas entre professores para aprendizagem compartilhada e apoio

mútuo;

Segundo Johnson & Johnson (1994), o professor estará seguro e experiente

para a prática da AC quando:

consegue desenvolver suas próprias estruturas de aula (técnicas) cooperativa a partir de seus cinco princípios básicos [...]; desenvolve a AC de forma rotineira (habitual ou mais ou menos automática) [...];utiliza a AC em cerca de no mínimo 60% do tempo” (Johnson & Johnson, 1994, p. 1:16);

Os autores afirmam que o professor poderá conseguir essa segurança após um

ou dois anos de prática ininterrupta e persistente. No Brasil experiências alternativas têm

sido desenvolvidas e algumas serão apresentadas ao final desta sessão. Contudo, sabemos

que a organização do trabalho didático em muitos casos, tem se baseado no desempenho

individual e/ou na competição de seus alunos e para muitos professores essa é a forma, a

única e melhor forma na qual devem organizar o ensino. A sociedade e sua cultura escolar

estão estruturadas dessa maneira.

Se em países onde a AC já vem se tornando em uma tradição, a formação do

professor demanda um ou dois anos, quanto tempo necessitaríamos para uma formação

efetiva nessa prática em nosso país?

Antes de apontar algumas possibilidades não podemos desconsiderar que a

formação dos professores não ocorre em um vazio. Mesmo em sua formação inicial o

professor possui muitos saberes docentes em sua experiência escolar e experiência de vida.

É a partir dos saberes docentes já construídos que os novos conhecimentos serão validados

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ou negados e amalgamados.

É necessário considerar ainda que de forma sucinta, a sistematização teórica

dos saberes docentes. Embora vários pesquisadores tratem da questão, selecionei as

contribuições de Maurice Tardif (2000), por focalizar a problemática dialogando com

campos mais amplos da pesquisa e ao mesmo tempo apoiando-se em pesquisas empíricas.

Tardif considera que os saberes docentes são temporais, plurais e heterogêneos,

personalizados e situados e originam-se de quatro fontes:

a) saberes da formação profissional - das ciências da educação e ideologias

pedagógicas transmitidas pelas instituições de formação;

b) saberes disciplinares -sistematizados nas universidades;

c) saberes curriculares - conhecimentos a serem transmitidos às futuras

gerações;

d) saberes da experiência - desenvolvido no exercício da profissão.

O autor argumenta sobre a necessidade dos programas de formação

concederem maior relevância aos saberes da experiência, pois os mesmos constituem-se

fonte de referência para a prática docente. Os estudos mostram que os outros saberes

parecem ser validados no exercício do cotidiano e permitem aos professores um

distanciamento de outros conhecimentos adquiridos fora de sua prática. Colocam ainda em

evidencia que é nos saberes da experiência que os demais saberes são amalgamados.

Dessa forma, a formação para a AC, muitas vezes pode vir de encontro com

as crenças mais profundas dos professores, com os saberes da experiência do professor.

Considerar tais saberes e possibilitar que a AC seja desenvolvida na experiência parecem

ser condições básicas para essa formação.

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83

No Brasil a AC não tem sido muito divulgada e aplicada. Carvalho (2000)

de forma mais intensiva desenvolveu um programa de formação continuada para a AC em

escolas privadas e algumas públicas, algumas vezes pude estar junto no desenvolvimento

dessas formações continuadas.

Quanto à publicações no Brasil sobre formação docente na AC, além da

obra de Carvalho, Lowman (2004) em sua recente obra publicada, ao tratar sobre técnicas

de ensino enfatiza a interação em sala de aula através de formas alternativas de organizar

as aulas e enfatiza a aprendizagem cooperativa. No Brasil ainda, tivemos nos últimos anos,

a tradução da publicação de Monereo e Duran (2004) sobre o tema que propõe uma

formação docente através de breves tramas e narrativas que transcorrem entre os

personagens de uma escola de ensino médio, apresentando diferentes maneiras de aplicar a

AC. Mas, ainda é fora do Brasil onde ocorre uma maior disseminação da formação docente

e publicações sobre a AC como Aguado (2003), por exemplo, em Portugal, que enfatiza a

AC como uma forma de educação intercultural. Nos últimos anos muitas dessas

publicações têm fundamentado o desenvolvimento da AC na perspectiva sócio-histórica,

com a qual compartilho como McCafferty et al (2006), Adams e Hamm (2005), entre

outros. Tais publicações reforçam a possibilidade de articulação aqui proposta.

1.4 - Sumário do Capítulo

O escopo teórico de Lev Semenovich Vigotski, especialmente sua Lei Genética

de Desenvolvimento e a Zona de Desenvolvimento Proximal, foram tomados como

suportes teóricos psicológicos para fundamentar a presente pesquisa por ter ele priorizado a

interação social no processo de construção do conhecimento.

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Na abordagem dialética para formular sua teoria psicológica, Vigotski

apropriou-se do método de Marx, acreditando que não somente a natureza e as condições

naturais afetam o homem como determinantes do desenvolvimento histórico, mas de uma

forma dialética, a natureza influência o homem e o homem, por sua vez, age sobre a

natureza, provoca- lhe mudanças com os instrumentos de sua mente, os signos. Desta

forma, as ações e pensamentos do homem não são apenas o somatório de relações

estímulo-resposta, mas o homem, diferentemente dos animais, produz um estímulo “X”

que interfere na relação, permitindo- lhe interagir com o meio, modificando-o.

A partir da análise de referências dos escritos de Vigotski relacionadas à

aprendizagem, é possível esboçar um conceito vigotskiano desse termo. Pode-se dizer que,

para Vigotski:

→ a aprendizagem constitui-se na reconstrução significativa e mediada de

instrumentos fornecidos pela cultura que podem ser, desde as habilidades mais

elementares, a formação espontânea de conceitos cotidianos, até a operação

deliberada, consciente das funções superiores como a formação dos conceitos

científicos mais abstratos.

Percebe-se ainda que, para ele:

a) essa apropriação é uma reconstrução individual, portanto não é reprodução e

não é passiva;

b) a imitação não é mera cópia de um modelo, mas a reconstrução daquilo que

se observa;

c) a aprendizagem que leva a uma repetição mecânica de palavras, a um

verbalismo vazio, a uma simples memorização sem compreensão não é aprendizagem

significativa.

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d) na aprendizagem de conceitos científicos faz-se necessário a correlação de

conceitos cotidianos ou aprendizagens prévias de outros conceitos científicos

correspondentes;

e) a aprendizagem, para efetivar-se, precisa de certo nível mínimo de

desenvolvimento tanto maturacional como cognitivo;

f) por outro lado, a aprendizagem pode impulsionar níveis mais elevados de

desenvolvimento, adiantado-se a ele;

g) isso se torna possível através da interação com adulto ou criança mais

experiente que atua exemplificando, explicando, demonstrando, ajudando enfim, quem

aprende;

h) a aprendizagem, portanto, é um processo social. Pressupõe um outro, de

forma direta (presencial) ou indireta (lendo um livro escrito pelo outro, por exemplo);

i) é um processo interativo, dialético, pois a pessoa ao aprender, reconstrói

essa aprendizagem e atua modificando-a e modificando aquele com quem interage.

O desenvolvimento não é apenas um processo biológico previsível, universal

e linear, mas um processo dialético, complexo e se dá através de trocas recíprocas entre

fatores internos, individuais e biológicos e fatores externos, o ambiente social. O homem é

transformado em sua interação social, em sua cultura, enquanto a transforma. Portanto,

para Vigotski, a aprendizagem é um processo social que modifica o curso do

desenvolvimento, antecipando-se a ele. O conceito de desenvolvimento está vinculado à

sua Lei Genética de Desenvolvimento, segundo a qual, qualquer função no

desenvolvimento cultural da criança aparece em dois planos: primeiro no

interpsicológico, entre as pessoas, depois no intrapsicológico. A internalização

transforma o processo e as funções. Isso significa dizer que:

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a) o saber (intrapsicológico) é constituído nas relações sociais;

b) se o saber ou conhecimento é transformado na internalização ele é ao

mesmo tempo, produto e processo, considerando a natureza transformadora da

internalização;

c) mesmo em processos mentais isolados, o indivíduo dialoga com uma outra

voz;

d) os pensamentos de uma pessoa corresponde ao que ela ouve, verbaliza e faz

no mundo.

Sendo construído nas relações sociais, o desenvolvimento não deve ser

determinado apenas pelo que o indivíduo consegue realizar ou aprender sozinho, de forma

independente, ou seja, em seu nível de desenvolvimento real. Deve ser considerado

principalmente em seu nível de desenvolvimento potencial verificado através do

desempenho e da aprendizagem construída através da cooperação com outros mais

capazes. A distância entre o nível real e o nível potencial de desenvolvimento constitui-

se na Zona de Desenvolvimento Proximal. Quando os alunos estudam apenas

individualmente, não utilizam tal zona e seu desenvolvimento não alcança níveis mais

elevados ou retarda-se em relação ao que poderia alcançar na interação social.

A AC é uma proposta metodológica consolidada por vasta experiência e

pesquisas que objetiva intensificar e tornar efetivas as interações sociais dos alunos

canalizadas para a aprendizagem dos saberes escolares e para o desenvolvimento de

habilidades e valores éticos. Os alunos são organizados em pequenos grupos, diante de

situações que objetivam a construção do conhecimento através da interação socia l. São, ao

mesmo tempo, sujeitos mediadores, que ensinam, e sujeitos cognoscentes, que aprendem.

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Para que a metodologia seja de fato caracterizada como AC, deve atender a

princípios básicos:

a) Interdependência positiva: a percepção de cada membro do grupo de que

o sucesso individual depende do sucesso de todos.

b) Responsabilidade individual: objetiva-se que todos devem, ao final, poder

responder por sua aprendizagem.

c) Interação face-a-face: a relação entre os alunos necessita ser pessoal e

próxima;

d) Habilidades interpessoais: desenvolvimento de uma identidade do grupo,

de suporte mútuo, de aceitação das diferenças e de sinergia.

e) Processamento do grupo : é a auto-avaliação periódica do funcionamento

do grupo, de seu desempenho e de suas relações internas.

f) Interação simultânea: o objetivo desse princípio é assegurar que o maior

número de alunos estejam, ao mesmo tempo, sendo ativos e interativos.

g) Participação igualitária: visa garantir que todos tenham oportunidades

iguais de participar na interação.

h) Formação básica de grupos heterogêneos: as diferenças de sexo, raça,

nível social e nível de desenvolvimento são fatores que podem ser positivos para o

desenvolvimento na interação.

A aplicação da AC na escola estudada nesta pesquisa não teve sua

fundamentação, a princípio, na perspectiva sócio-histórica. Contudo, a partir do

desenvolvimento desta pesquisa, especialmente o conceito de ZDP forneceu pontos de

reflexão e apoio em reuniões de estudo e planejamento. No decorrer do relato do terceiro e

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quarto capítulos busco a possibilidade de articulação da teoria a essa prática em uma

experiência de tentativa de aplicação da AC no Brasil.

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CAPÍTULO 2

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2 - PERCURSO METODOLÓGICO

Como a situação escolar é um processo sempre em movimento, e a transformação é o resultado desejável desse processo, métodos de pesquisa que permitam captar a transformação são os métodos mais adequados para a pesquisa educacional. A contribuição de Vygotsky nesse aspecto é muito relevante.

Marta Kol de Oliveira

Descrevo neste capítulo como a pesquisa foi realizada. Busquei um caminho

metodológico de investigação que me possibilitasse recolher os dados do objeto em seu

ambiente natural e cotidiano. Que permitisse não somente identificar os resultados finais,

mas que, penetrando nas sinuosidades do caminhão de uma sala de aula, pudessem

identificar, na dinâmica dos processos de mudanças ali ocorridos, as condições favoráveis

e as dificuldades. E, finalmente deveria considerar e analisar os significados que os sujeitos

estudados atribuem às suas experiências. A abordagem e a metodologia empregada,

portanto, é característica de uma investigação qualitativa.

Trata-se de um estudo de caso, segundo Bogdan & Bicklen (1994) e André

(2005) de uma tentativa de aplicação metodológica da AC em uma escola durante o ano de

1999, especificamente, em uma sala onde estudavam juntos alunos de terceira e quarta

séries do Ensino Fundamental.

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Algumas referências numéricas do desempenho dos alunos, que a princípio

poderiam ser tomadas como evidencias da diferença entre o desempenho individualizado e

o desempenho no grupo cooperativo, são tomadas como ponto de partida para uma

interpretação qualitativa.

A AC, como objeto deste estudo, é um recorte da realidade e, como tal, precisa

ser considerada dentro do contexto em que está inserida: a escola e os sujeitos

protagonistas, antes porém, é necessário esclarecer sobre quem era, qual a função e limites

da pesquisadora na escola.

2.1 - A Pesquisadora e a Pesquisa

Na escola estudada, tive dupla função: profissional e como pesquisadora. Como

profissional exercia a função de coordenadora pedagógica, porém meu campo de atuação

se estendia à 17 Escolas Adventistas dos Estados de Rondônia e Acre, sendo 5 escolas

com cerca de 800 a 1000 alunos, 9 escolas com cerca de 200 a 400 alunos e 3 escolas de

poucos alunos como esta da pesquisa que possuía, em 1999, 72 alunos. Como

coordenadora pedagógica da rede, além das atividades burocráticas junto aos órgãos

normativos, formação docente continuada, entre outros, minha responsabilidade era prestar

assessoria pedagógica de maneira mais presente às pequenas escolas. Nestas escolas, a

responsabilidade desse acompanhamento pedagógico era compartilhada com o seu diretor.

Na escola do estudo, pela sua especificidade histórica, como será descrita a seguir,

foi desenvolvido um Projeto Pedagógico de caráter experimental22. Tal projeto foi

submetido e aprovado pelo Conselho Estadual de Educação de Rondônia. As professoras,

22 Projeto experimental previsto em legislação do Conselho Estadual de Educação de Rondônia.

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diretora e eu construímos o projeto juntas. Contudo pela minha parcela de cumplicidade na

sua construção, por contemplar a AC como seu aspecto diferencial e, por acreditar na

proposta metodológica, estive mais presente nesta escola que nas demais, no ano da

pesquisa. O número de visitas e de reuniões aumentou consideravelmente por haver essa

experiência se tornado o objeto da presente pesquisa.

Delimitando de certa forma minhas duas funções, consciente de que uma

delimitação precisa é impossível, como coordenadora da escola e do projeto, reunia-me

uma vez por semana com as professoras para ouvir, trocar experiências, para estudo,

discussão e planejamento. Por três vezes ao longo do ano, tivemos encontros extras mais

demorados para planejamento de atividades, técnicas especificas da AC e para selecionar e

preparar materiais didático-pedagógicos.

A formação especifica para a AC ocorreu em dois momentos distintos. Em

outubro do ano anterior os professores da rede participaram de um programa de formação

para a AC e posteriormente, nesta escola, antes do início do ano letivo, realizamos algumas

reuniões de estudo e planejamento para adequar a proposta à realidade da escola.

Como pesquisadora, havendo já delimitado o estudo em uma sala de aula,

realizei visitas de observação, entrevistas especificas para este fim, como relato mais a

frente no item 2.3. No entanto, alguns dados úteis à pesquisa foram obtidos em reuniões

com as professoras ou de outra forma, que como coordenadora das escolas tive acesso.

Como uma experiência nova, em uma nova trajetória a percorrer, não

conhecíamos os percalços do caminho e fomos pegas de surpresa muitas vezes, como no

caso da complexidade da formação dos grupos que parecia ser algo tão simples. Tentamos

várias formas de agrupar os alunos como serão detalhadas no capítulo 3. Dessa forma,

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vários procedimentos da pesquisa foram sendo elaborados e executados ao longo do ano,

ao longo da pesquisa, como assim é permitido à uma pesquisa qualitativa.

2.2 - A Escola e os Sujeitos

A escola está localizada em um bairro de periferia de uma cidade de médio

porte, em Rondônia. A escola estudada situa-se ao lado da igreja que a mantém. A

comunidade dessa igreja construiu há dez anos a maior parte das dependências da escola,

com o objetivo de servir também para as crianças da própria comunidade se reunirem nas

programações religiosas.

Ao fundo do terreno, há um bloco com três salas de aulas, tendo à frente dessas

salas uma área coberta de aproximadamente noventa metros quadrados. As dependências

administrativas ficam noutro bloco, à frente do terreno. A escola não tem quadra. Entre um

bloco e outro, há um pátio calçado de cerca de cem metros quadrados, onde os alunos

participam de recreações e jogos. Ao lado desse pátio, existe um parquinho infantil cercado

com madeira tendo alguns brinquedos simples.

Desde a sua criação a escola vem desenvolvendo-se lentamente, tendo passado

por alguns períodos de maior depressão financeira em 1994 e 1997. As dificuldades

econômicas do país e, especialmente, do Estado, ocorridas no final de 1998, podem ter sido

causa da grande evasão de alunos para a rede pública, na ocasião. Em 1999, todas as três

turmas funcionaram no período da manhã, sendo uma de Educação Infantil, uma de

primeira e segunda séries e outra de terceira e quarta séries. No ano 2000, a escola voltou a

funcionar com sua capacidade máxima. Não houve mais necessidade das séries estarem

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agrupadas, voltando a funcionar hoje, uma em cada sala, permanecendo, no entanto, a

prática da AC.

2.2.1 - A Diretora

A diretora é habilitada em Administração Escolar com especialização em

Psicopedagogia. Já atuou como vice-diretora e diretora em outras sete escolas. Segundo

informações da comissão administrativa regional das Escolas Adventistas, da qual eu era

membro, por onde ela passou, deixou uma imagem de boa administradora, sempre atenta

não só aos aspectos administrativos, mas também aos pedagógicos. Na última escola

trabalhada, teve certo preparo e experiência com a AC, mostrando-se favorável a essa

prática. Nos textos dos alunos, eles citam a vinda da “nova diretora” entre as coisas boas da

escola. Sua maior preocupação ao assumir a direção da escola foi a de resgatar a integração

escola/comunidade. Para isso envolveu os pais nas programações escolares e todo o

pessoal em visitação às famílias dos alunos. Por essa atuação carismática e empreendedora,

os pais se manifestaram, de forma geral, satisfeitos com a diretora, de acordo com a

avaliação que responderam por escrito. Sua formação e experiência com a prática

estudada, bem como o apoio à aplicação da proposta, foram fundamentais para viabilizar

sua execução. Procurou oferecer uma estrutura adequada e esclarecer aos pais questões

pertinentes que fossem surgindo. Os pais, em geral, apoiaram e demonstraram confiança na

proposta e esta foi uma condição básica para sua aplicação. Isso influenciou para que

houvesse uma atitude favorável por parte da professora e dos alunos.

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2.2.2 - A Professora

A professora é formada há quatro anos em curso de Magistério de nível médio

e atua na sala de aula desde então, tendo trabalhado um ano com terceira série e, nos três

últimos anos, anteriores a esta pesquisa, com a segunda série. Parece ter aceitado com

disposição o desafio de trabalhar nesta nova experiência, sempre pronta para as reuniões de

planejamento e preparo de materiais didáticos, no período da tarde, tomando várias vezes

todo o período. Demonstrou interesse, quando conversamos sobre as fundamentações

teóricas pertinentes à experiência, apoiando e realizando os procedimentos que planejamos,

mesmo quando o objetivo foi apenas criar um tipo de avaliação ou organizar os alunos em

posições estratégicas nos grupos, de acordo com o aspecto a ser observado. Por outro lado,

talvez, tenha se sentido constrangida, questionando pouco, não discordando ou

contrapondo, quem sabe, considerando nossas posições. Nesse caso, posso ter ficado

privada de ter sua perspectiva real.

Sendo que a prática docente é construída a partir dos saberes profissionais

docentes (Tardif, 2000) e esses saberes são personalizados, ou seja “um professor tem uma

história de vida, é um ator social, tem emoções, um corpo, poderes, uma personalidade,

uma cultura [...]” (TARDIF, 2000 p. 15), esses saberes são subjetivados. Sendo assim,

apresento aqui algumas breves observações sobre alguns traços característicos da

professora da pesquisa. O que mais a caracteriza é a sua calma, com tom de voz não muito

alto. Esse traço parece colaborar para que ouvisse com paciência os alunos, em suas

respostas e histórias. Por outro lado, acredito que devido à preocupação com o

cumprimento do programa, senti falta de uma maior intervenção, tanto na promoção de

uma certa ordem na classe, quanto em determinados momentos em que poderia aproveitar

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as falas dos alunos, pois possui a habilidade de conduzir discussões, formulando perguntas

apropriadas que poderiam levar os alunos a refletir e construir respostas interessantes. Seu

relacionamento com os alunos é amigável marcado pelo respeito e pela paciência.

Em entrevista semi-estruturada, ao final do ano, sobre seus pontos de vista,

disse: “olha! O que eu aprendi!... se precisar repetir a experiência o ano que vem, eu

aceito, mas fazendo um bom planejamento no início do ano”. O fato de estarmos lidando

com uma experiência nova fez com que o planejamento da professora fosse reconstruído

algumas vezes durante o ano.

Apesar do maior trabalho que tivemos em fazer e refazer diversas vezes o

planejamento, a professora parece ter reconhecido, como disse, uma oportunidade de

crescimento pelo fato de estarmos regularmente estudando, refletindo e buscando novas

soluções. Creio que aprendemos muito, uma com a outra, além do que aprendemos com os

alunos.

O fato de ser para nós a primeira experiência com essas peculiaridades, já

representou uma dificuldade. Fomos aprendendo durante o processo. Isso resultou em

tentativas frustradas, retrocessos e recomeços. Alguns resultados positivos, como

esperávamos, foram surgindo relativamente tarde, o que não deixou de refletir no alcance

dos objetivos finais.

A instabilidade no plano de trabalho e a impossibilidade de previsão a médio

ou longo prazo do que se vai executar podem ter gerado insegurança na professora. Fazer o

que já se sabe fazer, ou que se estava acostumado, é sem dúvida, mais confortável, e isso

parece ser mais verdadeiro para alguns tipos de personalidades que para outras. Aquelas

que apreciam o desafio, fogem da rotina e querem crescer, podem sentir-se estimuladas

diante dessas situações.

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No entanto, não foi isso o que me pareceu ter acontecido, talvez pela forma

como a professora tenha percebido seu grau de responsabilidade na situação nova e

instável. Acredito que se sua visão fosse de principal responsável pela classe, tanto a

ansiedade como o envolvimento e o comprometimento teriam sido mais evidentes, em

alguns momentos, as atitudes e iniciativas da professora caracterizavam sua percepção de

coadjuvante, pois a ansiedade, que até seria esperada, dava lugar a uma certa acomodação.

Consciente do risco de que tal atitude interferisse negativamente na sua

disposição, confiança e comprometimento, procurei não interferir em sala no

direcionamento da prática pedagógica e deixei a professora livre para decidir o que fazer

diante das sugestões apresentadas. Busquei esclarecer que minha função, na sala de aula,

era de pesquisadora. Como auxiliar restringia-me a discutir o andamento e sugerir alguns

procedimentos à professora em outro horário e local. Apesar disso, em determinados

momentos, o fato de a professora aguardar para tomar algumas iniciativas, em sala de aula,

parecia resultar da perspectiva de ser apenas colaboradora do projeto, acrescido,

evidentemente, pelos seus traços característicos.

2.2.3 - A Sala de Aula Estudada

O critério da escolha da sala estudada foi a relativa similaridade entre os

conteúdos propostos para a terceira e a quarta série. O agrupamento de séries diferentes em

uma sala é uma situação típica de classes multisseriadas, comumente organizadas de tal

forma nas zonas rurais em muitas regiões do território brasileiro. É, contudo, uma realidade

atípica nas áreas urbanas, onde está localizada a escola estudada. O funcionamento desta

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forma de organização escolar tornou-se possível mediante a aprovação pelo Conselho

Estadual de Educação de Rondônia do Projeto Pedagógico já referido anterio rmente.

A viabilidade de inferências das implicações para a prática pedagógica em uma

sala de aula convencional, a partir dos resultados observados na sala estudada, pode ser

questionada em função da situação desta última ser considerada atípica. No entanto, a

invulgaridade da situação, evidenciada na heterogeneidade dos alunos - considerados os

fatores: série, idade, nível de aprendizagem, realidades individuais e até certo ponto,

conteúdos estudados - parece, por outro lado, nos lembrar e nos propiciar uma

oportunidade singular de fazer-nos lembrar e reconhecer que toda sala de aula

convencional, na realidade, é composta por seres individuais e distintos nos mesmos

fatores considerados. Tão individuais e tão distintos quanto o número deles.

O pequeno número, dezesseis alunos na classe, constituiu-se em uma das

condições favoráveis para viabilizar melhor qualidade na aprendizagem, pois possibilitou

atendimento individualizado pela professora e menos problemas quanto a uma relativa

ordem da classe, embora esta fosse normalmente ruidosa. O número razoavelmente

pequeno de alunos constituiu-se, tanto uma razão, como uma condição para a execução

dessa proposta.

2.2.4 - Os Alunos e Suas Famílias

A diretora, as professoras23 e eu desenvolvemos uma reunião para conhecer o

perfil dos alunos e de suas famílias. As informações foram baseadas nas impressões das

23 Embora fosse apenas uma professora na sala estudada, a outra professora da 1ª e 2ª séries fez parte desta reunião pois ela já havia lecionado para a maioria dos alunos em anos anteriores e que agora estavam na 3ª e 4ª séries portanto, conhecia detalhes importantes sobre esses alunos.

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professoras, a partir do convívio na sala e das visitas que faziam às casas dos alunos. Além

de seus depoimentos, analisamos os documentos pessoais de cada aluno, constantes do

arquivo escolar.

Apresento, aqui, a realidade sócio-econômica da classe, de forma coletiva.

Uma descrição mais detalhada de alguns alunos específicos encontra-se junto ao relato das

interações.

A maioria dos alunos vem de famílias de baixa renda, com alguns poucos

alunos em condições financeiras acima da média de outros alunos. Tomamos

conhecimento de alguns conflitos e até fatos que podem ter sido traumáticos em suas

histórias familiares, como separações dos pais, abandono, violência, o caso de um pai

preso ou, em outros casos uma aparente falta de atenção por parte dos pais. Poucos dentre

os alunos, pelo que pudemos saber, têm trajetória familiar aparentemente estável, com pais

que demonstram acompanhar sistematicamente seus filhos na escola. Alguns alunos

apresentam problemas emocionais facilmente observáveis. Um dos meninos é portador de

necessidades especiais. Sua família evidencia poder aquisitivo superior à media dos

colegas. Quanto ao desempenho acadêmico, quatro alunos têm muita dificuldade, três

podem ser considerados com desempenho acima da média da classe e a maioria tem

desempenho mediano. A classe é naturalmente heterogênea, mesmo entre os alunos da

mesma série a heterogeneidade é clara.

Até então, a experiência que tiveram como alunos, esteve, relativamente,

dentro do padrão de estudo individual e passivo. Participar da aprendizagem cooperativa

foi, então, algo bem diferente de tudo que tinham vivenciado.

A constatação do perfil social e econômico da classe nos leva a algumas

considerações. A escola, com sua especificidade confessional e sua proposta de ensino que

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privilegia a formação de valores éticos e morais, não deixa de desenvolver nos pais

algumas expectativas quanto à satisfação das necessidades afetivas especiais de seus filhos.

Muitos desses alunos vêm de famílias carentes, para as quais a escola pública poderia ser

mais viável economicamente falando. Porém, talvez a expectativa dos pais em relação à

escola justifique o sacrifício que algumas famílias fazem, pagando, mesmo que seja

parcialmente24, para ter seus filhos estudando ali.

A visão contextualizada do aluno possibilita compreender as possíveis razões

de seus comportamentos, suas necessidades sociais, afetivas e intelectivas. Cada criança já

chega à escola com uma experiência acumulada (Vigotski, 1998a). Sabe-se que suas

experiências sociais anteriores determinam, em grande parte, seu modo de interagir com o

mundo. Ela só pode interagir com os novos saberes a partir dos conceitos cotidianos e dos

conceitos cient íficos construídos previamente em anos escolares anteriores. Sua

experiência com sua cultura possibilitou a criação de um sistema de signos, instrumentos

psicológicos com os quais construirá novas aprendizagens. A nova relação com as outras

pessoas e com os saberes escolares possibilita a construção de novos significados ou

adquire sentidos próprios a partir dessa experiência prévia.

Poderia a interação social proporcionada pela escola alterar de forma positiva,

do ponto de vista social, ético e cognitivo, o curso da história dessas crianças? Ou apenas

reforçar possíveis estigmas? Poderia enriquecê-las através de trocas positivas ou seria

apenas uma experiência conflitante?

24 A escola possibilita de que grande parte dos pais dos alunos pague apenas parcialmente o valor das parcelas da anuidade e alguns nada pagam, tendo bolsa de estudo integral.

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2.3 - Instrumentos

Primeiramente, utilizei-me da análise dos documentos dos alunos como um

instrumento que somado aos depoimentos das professoras e da diretora possibilitou-me

conhecer um pouco do perfil e da história de vida de cada aluno.

O principal instrumento usado foi a observação participante realizada por sete

meses, de abril a junho e de agosto a novembro de 1999 em uma freqüência de uma a três

dias por semana. A observação variou em um contínuo, nos diversos momentos da

pesquisa, da observação total à observação participante (LUDKE M. e ANDRÉ, 1986), ou

seja nas primeiras visitas ative-me somente a observar, esperando que a turma e professora,

de certa forma, se habituassem e aceitassem melhor a minha presença. Posteriormente, agi,

em alguns momentos, prestando uma ajuda moderada quando percebia a necessidade da

professora, o que contribuiu para uma maior aproximação dos alunos. Procurei, no entanto

ter em mente que minha meta prioritária era a coleta de dados.

Associadas à observação, utilizei entrevistas25 abertas e semi-estruturadas com

os alunos e com a professora. A fim de conseguir que os alunos se sentissem seguros e

livres para falar de suas experiências e pontos de vista, participei várias vezes com eles de

brincadeiras e jogos, de sua confecção e do preparo de materiais para ilustrar operações

com frações. As entrevistas abertas ocorreram na sala de aula, após algumas atividades, ou

no horário do recreio, ou ainda, em passeios, em situações naturais. Certa entrevista

sucedeu algumas brincadeiras de gravar anedotas e ouvi- las em seguida, como será

relatado no próximo capítulo.

25 As questões das entrevistas constam nos anexos. Os depoimentos pertinentes e relevantes serão discutidos nos próximos capítulos.

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Com a professora, utilizei entrevistas abertas em situações corriqueiras quando

planejávamos, avaliávamos, e preparávamos atividades. Depois que a entrevista estava

escrita, solicitava que a professora lesse o manuscrito para avaliar e dar o seu parecer.

Realizamos duas entrevistas semi-estruturadas: uma próxima ao final do ano letivo em que

a experiência foi realizada; outra, após o encerramento do ano seguinte - 2000 - quando a

professora já trabalhava em uma sala de aula convencional de segunda série, aplicando a

AC. Esta última entrevista foi realizada com a finalidade de identificar, a partir da ótica da

professora, quais foram os obstáculos e as condições favoráveis à sua prática da AC em sua

sala de aula convencional, tendo como referência sua experiência no ano anterior.

Algumas técnicas especificas da AC podem ser consideradas como

instrumentos desta pesquisa por serem aplicadas também com essa finalidade, como é o

caso do Jig-Saw, do KWL, das avaliações do funcionamento do grupo e das atividades de

Português e de Matemática como serão descritas nos próximos capítulos.

2.4 - A Coleta de Dados

Os primeiros contatos foram feitos com a diretora e posteriormente com as

professoras. Para a diretora foi explicado o objetivo da pesquisa e a contribuição que tal

pesquisa visava oferecer, no sentido de identificar obstáculos e caminhos facilitadores à

prática da AC. Foi garantido sigilo da identidade da escola e dos sujeitos pesquisados.

Tendo conseguido a aceitação dos sujeitos em relação à pesquisa e a sua

colaboração, iniciei a coleta de dados. As primeiras visitas à sala de aula não tinham ainda

objetivos bem definidos. Posteriormente, fui focando minha observação às interações da

aprendizagem cooperativa. Durante essas primeiras visitas, solicitei à diretora que pudesse

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analisar as fichas individuais dos alunos, as quais continham dados sobre a situação

familiar, financeira, o endereço e sobre a saúde do aluno de forma geral. Não se pode

deixar de considerar que tal acesso foi facilitado pelo meu vinculo indireto com a escola.

No entanto, mantive a consciência do prejuízo que esse vínculo poderia resultar para a

pesquisa, inibindo a autenticidade das manifestações e depoimentos e mascarando os

resultados, e, procurei não me valer dele. Acredito que a solicitude em me atender,

decorreu de um clima de confiança, cumplicidade e interesse genuíno nos resultados da

pesquisa, uma vez que além de me colocarem, às mãos, as pastas individuais dos alunos, as

professoras, voluntariamente, se acercaram de mim para acrescentar outras informações

obtidas em suas visitas às casas dos alunos.

Procurei anotar em vários diários de campo o máximo de descrições,

impressões, reflexões e intuições que me pareciam ser pertinentes. Em poucas vezes, fazia

as anotações dent ro da sala de aula. Era mais freqüente que logo ao sair da classe e dentro

do carro ainda, anotasse tópicos importantes e frases-chave. O mais breve possível, no

mesmo dia procurava recuperar a riqueza dos detalhes, registrando-os a partir dos tópicos

anotados. Se por um lado, perdia alguns dados importantes fazendo assim, pareceu-me que,

principalmente, devido ao fato de a sala ser pouco numerosa, uma pessoa estranha, estando

freqüentemente a fazer anotações, poderia inibir manifestações mais autênticas dos

pesquisados.

Por duas vezes, obtive a coleta de depoimentos dos alunos gravada em fita K7.

Mesmo tendo as falas gravadas, procurei anotar as impressões que o gravador não pode

captar como as expressões faciais, a descrição do ambiente. Ao transcrever as falas,

acrescentava os comentários que julgava pertinentes e importantes. As entrevistas com a

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professora foram também gravadas. As aplicações de técnicas especificas da AC que

também foram desenvolvidas como coleta de dados serão descritas nos capítulos seguintes.

2.5 – Análise dos Dados

Depois de escrever os dados na forma e a medida que as impressões e idéias

surgiam, organizei essas anotações, tendo o cuidado de relacionar em colunas distintas para

o texto descritivo, o texto reflexivo e a aproximação teórica. Os dados foram divididos e

organizados dentro de categorias consideradas pertinentes.

Para facilitar a compreensão do leitor, optei por estruturar a apresentação e

análise dos dados na seguinte seqüência:

a) apresentação dos dados precedida por breve contextualização dos sujeitos,

quando necessário;

b) análise dos dados e interpretação com base na teoria;

c) implicações educacionais para a prática pedagógica convencional, quando

possíveis.

Os dados compõem-se da descrição de episódios e depoimentos e são

interpretados à luz das concepções sócio-históricas de Vigotsky e das orientações

metodológicas de Johnson & Johnson e Kagan, teóricos da AC. A leitura de Vigotski abre

caminho para duas análises que coexistem. Numa primeira leitura, seu pensamento está

relacionado à luta cultura e política influenciado pelo marxismo. Em uma segunda

interpretação. O social e a interação teriam implicações para o contexto pedagógico. O

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presente estudo, focaliza a interpretação de Vigotski na segunda leitura, embora não deixe

de considerar a relação da escola com um contexto maior da sociedade.

Acredito que é mais fácil perceber a relação teoria/empiria, realizando a

discussão teórica à medida que os dados vão sendo relatados e analisados. Pretendo

realizar essa discussão nos próximos capítulos.

2.6 - Sumário do Capitulo

A presente pesquisa é um estudo de caso da implantação da metodologia

denominada de Aprendizagem Cooperativa em uma escola em Rondônia.

A escola, com setenta e dois alunos em 1999, teve naquele ano seu

funcionamento com séries agrupadas em caráter contingencial, para possibilitar sua

continuidade, uma vez que o número de alunos não viabilizava sua manutenção. Para a

execução da proposta, foi elaborado um projeto pedagógico que privilegiava a prática da

AC sendo submetido a análise e aprovação do Conselho Estadual de Educação.

As interações dos alunos através da metodologia constituíram-se no objeto

deste estudo. Os sujeitos estudados são nove alunos da terceira série, sete alunos da quarta

série, todos em uma mesma sala, bem como a professora.

A abordagem da investigação é qualitativa. Os instrumentos foram entrevistas

abertas e simi-estruturadas e principalmente a observação participante ao longo de sete

meses. A coleta de dados foi registrada em diários de campo e fita K7 e posteriormente

organizada para análise em categorias que depois de serem definidas foram descritas neste

relatório. A análise dos dados foi interpretativa, seguida das discussões empírico-teóricas.

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Na dupla função co-autora e co-executora do projeto experimental de um lado

e, de outro lado, de pesquisadora, estive consciente dos riscos para a pesquisa, procurando

autodisciplinar minha participação na colaboração fora da sala de aula, direcionando minha

atenção em sala para a observação e coleta dos dados.

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107

CAPÍTULO 3

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108

3. PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DA AC: CONDIÇÕES

FAVORÁVEIS E DIFICULDADES

Estudar alguma coisa historicamente significa estuda-la no

processo de mudança: esse é o requisito bás ico do método

dialético. Numa pesquisa, abranger o processo de

desenvolvimento de uma determinada coisa, em todas as suas

fases e mudanças – do nascimento à morte – significa,

fundamentalmente, descobrir sua natureza, sua essência, uma

vez “ que é em movimento que um corpo mostra o que é”.

Vigotski

Neste capítulo apresento a descrição dos dados observados no processo de

implantação da AC na escola estudada. Os relatos precedem as discussões teórico-

empíricas. Ao longo da descrição e discussão, procuro identificar condições favoráveis e

dificuldades na construção de aprendizagem significativa dos alunos. Dentre os dados

registrados no diário de campo referentes ás observações e aos depoimentos, foram

relacionados para análise, aqueles que considerei prototípicos e que são pertinentes ao

problema levantado neste trabalho. A apresentação dos dados foi organizada visando

evidenciar as condições favoráveis e as dificuldades na aprendizagem dos alunos dentro

das seguintes categorias:

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a) disciplina;

b) formação de grupo;

c) conflitos;

d) mudanças nas atividades.

3.1 - Problemas de Disciplina

Embora a AC aparentasse ser simples em suas orientações teóricas, foi a partir

da prática que se desvelaram as dificuldades de se lidar com uma situação nada familiar

na experiência das professoras. Em uma das primeiras reuniões do ano, as dificuldades

começaram a ser expostas e discutidas.

“O que eu não estou gostando é da conversa. Eles estão conversando como

nunca!” (Prof. 01).

“É mesmo! Parece que eles querem tirar o atraso” (em relação ao tempo que

trabalhavam individualmente, Prof. 02)

“De vez em quando tem um reclamando: ‘professora, o fulano está copiando de

mim!’” (Prof. 01).

E ainda:

“Teve uma aluna... essa foi boa!..., nova aqui na escola, que quando eu disse

para eles discutirem uma questão do livro (didático), ela veio perguntar se podia discutir na

escola, porque ‘a gente não deve discutir’” (Prof. 02).

O barulho dos alunos, sua agitação, a oportunidade sem precedentes de poder

conversar, instaurou uma nova situação em sala de aula. Segundo as professoras, a

conversa incomoda por estar, para elas, fora dos limites toleráveis e por não se saber lidar

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com tal situação. A observação da aluna relatada pela professora 02, mostra que a falta de

familiaridade com o trabalho escolar socializado, fazia com que o conceito de “discussão”,

como debate, significasse conflito e, conflito possivelmente na visão dessa aluna

significasse algo a ser evitado. A sua visão representa uma concepção muito comum na

escola dentro de uma orientação de educação liberal e conservadora. No entanto como já

vimos, em Vigotski (2003), a palavra em ação, a confrontação de idéias é um elemento

essencial na constituição da consciência.

Pareceu-me que a compreensão das professoras sobre as razões que levavam os

alunos a estarem sentados juntos, tentando ser cooperativos, não ia além da iminência da

escola ser fechada. A estranheza das professoras e dos alunos às decorrências naturais da

interação, como o diálogo e o debate de idéias, por exemplo, mostra que eles enxergavam

nessa prática apenas uma troca de lugares das carteiras na sala.

Ficou evidente, neste relato, que o simples fato de os alunos estarem sentados

juntos, não garante que haverá AC. Assim, os primeiros obstáculos com os quais nos

deparamos foram: um novo clima de desordem inaugurado na sala, a dificuldade de os

alunos serem cooperativos a despeito de estarem sentados juntos e a falta de preparo

suficiente das professoras para lidarem com a nova situação.

Na experiência desenvolvida, embora as professoras houvessem participado de

capacitação específica e tivéssemos estudando sobre a AC, na sala de aula acabava

predominando, pelo menos nos primeiros meses, a forma de ensinar que estava bem

arraigada no hábito desenvolvido por cada uma, em sua formação e experiência. As

mudanças conseguidas foram surgindo lentamente.

Pude constatar que as interações sociais de uma sala de aula não serão

plenamente educativas se não houver objetivos bem estabelecidos, direcionamento e

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preparo para fazê- lo. Sem essas condições, a atuação do outro - sujeito mediador - pode ser

nula, ou ambígua, tanto podendo contribuir como dificultar a construção dos

conhecimentos científicos, cuja transmissão é da competência da escola. Embora Vigotski

tenha declarado que “o aprendizado desperta vários processos internos de

desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com outras

pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros” (VIGOTSKI,

1998, p. 118), não há em seus escritos, que chegam até nós, informações de como

imaginava a dinâmica dessas interações sociais na sala de aula.

Se, por um lado, em Vigotski não encontramos a orientação requerida de como

tornar a sala de aula um espaço de interação, sem qua a organização necessária à

aprendizagem se perca no processo, por outro lado os estudiosos da AC, a partir de estudos

empíricos, debruçaram-se sobre a questão, considerando as diferenças de uma sala de aula

voltada para a AC e uma sala de aula tradicional. Segundo Kagan,

Muitos professores relatam que seus problemas de manejo de sala diminuíram sensivelmente logo que eles mudaram para a aprendizagem cooperativa. A razão é que na aula tradicional existe um descompasso entre a necessidade dos estudantes e a estruturação da sala de aula. A natureza do estudante é ativa e interativa: os estudantes querem “fazer” e “falar”. E a sala de aula tradicional requer que os estudantes estejam passivos e isolados. Naturalmente, os estudantes não satisfazem suas necessidades básicas e lutam por isso [...] a aprendizagem cooperativa, ao contrario, está em melhores condições de atender essas necessidades dos estudantes. Ela é baseada na premissa de que a aprendizagem ocorre no fazer e no interagir. Os estudantes são encorajados a interagir, a mudar, criar e fazer. Sentindo suas necessidades básicas satisfeitas a disciplina não será mais o maior problema dos alunos (Kagan, 1994, p 7:1).

.

O que observávamos, porém, na sala de aula até ali, era o oposto: as questões

de disciplina passaram a ser o problema central das professoras. Tais como pedras no

caminho essa dificuldade levava as professoras a desejarem voltar à forma de trabalho

anterior. Parecia haver desconhecimento, incompreensão ou não familiaridade com

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112

orientações práticas que, junto com a fundamentação teórica, poderiam instrumentalizar as

professoras a maximizar as oportunidades de aprendizagem de seus alunos na interação.

Como explica Kagan

Todavia as habilidades de manejo de sala, necessárias na aprendizagem cooperativa, são diferentes das habilidades para o manejo de uma sala 26 de aula tradicional. Aliás, o manejo de sala de aula na aprendizagem cooperativa diverge radicalmente do manejo de uma sala de aula tradicional [...] o sistema é instituído para desencorajar os alunos para a conversa e para a interação. Em contraste, na aprendizagem cooperativa os estudantes são encorajados a interagir com outros estudantes e assim o manejo de sala envolve habilidades diferentes (Kagan, 1994, p 7:1).

A partir dessa reunião, percebi a necessidade de maior compreensão dos

fundamentos, dos princípios básicos e de procedimentos específicos da AC. Combinamos

que nas próximas reuniões estudaríamos a AC e o que poderia ser redirecionado e

aplicado à realidade de cada sala.

Os primeiros resultados desta experiência já evidenciam os riscos de uma

aplicação mal fundamentada das propostas da AC: a aplicação de “pacotes educativos

prontos para o consumo”, ou seja, projetos pedagógicos que emanam dos sistemas

superiores de ensino para serem executados pelas escolas, embora não sendo o pretendido

para a escola estudada, ou de aplicação imatura da AC decorrente de entusiasmo a partir de

receitas de técnicas dinâmicas sem a devida compreensão dos seus princípios. Apesar das

reuniões de estudo e planejamento da proposta para atender as especificidades da situação,

elas não foram suficientes e necessitamos retornar nossas reuniões para repensar o

processo.

26 Algumas das formas de manejo de classe relativas à introdução dos times, incluindo organização dos assentos, nível de ruído, direcionamento das atividades, distribuição e recolhimento do material do time e métodos de desenvolver o comportamento do grupo estão nos textos “A Formação dos Grupos” e (In)Disciplina” que se encontram nos anexos 9 e 10 respectivamente.

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113

Minha primeira visita, como pesquisadora, foi no mês de Marco. Percebi que

minha “intromissão” à sala despertou a curiosidade dos alunos... em mim. Perguntei-me

por alguns momentos quem observaria quem, pois mesmo que disfarçassem, eles dirigiram

a atenção para a minha direção. Havia uma exceção: Andrei27 que parecia não se importar

com a minha presença, fazendo “gracinhas” o tempo todo. Havia combinado com a

professora para que não me apresentasse como orientadora - função que eu exercia nas

escolas - muito menos como supervisora, termo que acredito ter a conotação negativa de

“superior” ou de “fiscal”. Eu me apresentaria. Infelizmente, nosso acordo não alcançou

seus resultados, pois, mais do que imaginava, alguns já me conheciam e enquanto me

apresentava, alguns cochicharam: “é a supervisora!” - Embora, tenha explicado que estava

ali para desenvolver algumas atividades novas junto com a professora e que os resultados

dessas atividades fariam parte de um estudo que estava realizando, alguns ficaram pouco à

vontade com a minha presença, o que aliás, já era esperado.

Percebi nesta visita, que os grupos eram bem grandes e as atividades não

estavam sendo direcionadas para alcançar os objetivos da AC. Por exemplo, as atividades

prendiam-se muito ao livro texto e os grupos esperavam a orientação da professora, grupo

por grupo. Enquanto esperavam, a desordem prevalecia. Como os grupos eram grandes,

para os alunos se escutarem precisavam falar alto.

Ficou decidido, em reunião posterior com as professoras, que os grupos seriam

compostos por quatro alunos, eventualmente cinco ou três. Com essa mudança, percebi,

nas próximas visitas, que o ruído havia diminuído, os alunos não precisavam mais falar tão

alto. Percebi, também, que a linguagem visual e facial entre eles havia melhorado sua

comunicação.

27 Os nomes dos alunos em todos os relatos são fictícios.

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Nessa formação, não houve critérios determinados pela professora para a

composição dos grupos. Mas, para os alunos, havia sim, e bem claros. Suas escolhas foram

baseadas em afinidades pessoais: os amigos se escolhiam. Aqueles sem muitos amigos

acabavam ficando juntos, pois não tinham outra escolha.

Durante cerca de dois meses, os alunos trabalharam desta forma, pois nesse

período nossa atenção, minha e da professora, concentrou-se na re-elaboração dos

objetivos e reorganização da apresentação dos conteúdos, considerando a especificidade da

sala. Agrupamos conteúdos semelhantes às duas séries para possibilitar a apresentação e

estudo, de forma concomitante.

Posteriormente, agrupamos vários conteúdos programáticos em grandes blocos

temáticos, como propõem os Parâmetros Curriculares Nacionais, e esses blocos puderam

ser estudados em forma de projetos. Cada projeto tinha um problema específico a ser

resolvido ou respondido coletivamente e, deste fio condutor, derivavam os conteúdos

relacionados e necessários para a solução do problema. Esses conteúdos eram, então,

distribuídos aos alunos de acordo com o programa oficial para cada série. Os grupos

trabalhavam os temas específicos do programa curricular para cada série ou eram formados

grupos mistos com alunos das duas séries, quando o assunto era comum às duas.

Durante esse período, dois fatores foram acrescentados e contribuíram como

condições favoráveis para melhorar a ordem da sala. O primeiro foi a elaboração de regras

básicas formuladas pela professora com a colaboração dos alunos. Elas incluíam: controlar

o tom de voz para não atrapalhar o grupo vizinho, a convenção do sinal de levantar a mão

que a professora usava para comunicar que precisava do silêncio e da atenção dos alunos e

o mesmo sinal usado pelo aluno para ter a palavra quando todos os alunos queriam falar ao

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mesmo tempo em uma. O que dava legitimidade a essas regras e facilitava seu

cumprimento era o fato de serem construídas junto com os alunos.

Outro procedimento que a professora iniciou nesse período foi a delimitação de

um tempo para boa parte das tarefas nos grupos, o que representou um elemento

facilitador. A professora dizia quantos minutos os alunos teriam para desenvolver a tarefa.

Ao aproximar-se dos minutos finais, eles eram avisados de quanto tempo restava. Ao

perceber que o tempo não havia sido suficiente, a professora perguntava quem precisava de

mais alguns minutos e, então, esses minutos eram concedidos. Apesar de parecer um

detalhe sem muita importância, as tarefas não “cronometradas”, geralmente eram

interrompidas com divagações e a falta de objetividade levava o grupo à não conseguir,

em tempo, o resultado desejado. Novamente, os grupos dos alunos que menos

apresentavam os resultados esperados pela escola, nessa formação por afinidades pessoais,

levavam desvantagem.

Acredito que esses alunos que não demonstravam o desempenho esperado pela

escola, podem ter intensificado as dificuldades demonstradas em virtude da rejeição social

que evidenciava-se em tais instâncias interativas.

Devido à dinâmica das relações sociais, intensificadas nas práticas interativas,

foi necessário que o planejamento da organização do tempo, do espaço e das atividades

realizadas fosse rico e também dinâmico. Era, talvez, de esperar por alguns, que essas

regras tivessem restringido a liberdade dos alunos e empobrecido as interações na sala.

Porém, notava-se que, em condições de organização e respeito às participações dos alunos,

estes demonstravam maior motivação e envolvimento nas atividades.

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116

3.2 - Formação dos Grupos

Os grupos de alunos variavam de acordo com a sua formação. Quatro tipos de

formação foram observados durante o ano. Segue-se uma rápida descrição da forma de

composição desses grupos e seus principais pontos negativos e positivos. Antes, porém é

necessário considerar que, quando Vigotski (1998) fala da ZDP, ele refere-se a crianças

que aprendem com um adulto ou outra criança “mais adiantada”. Obviamente, não

ignorando os determinantes históricos sociais e culturais, Vigotski está falando do

desenvolvimento que subjaz a idéia de um contnuum com níveis distintos, portanto a noção

implícita de que há níveis mais adiantados em relação a outros, referindo-se sempre a

aprendizagens especificas e, é nesse sentido, que apresenta-se neste texto referências a

alunos mais adiantados ou menos adiantados, sem desconsiderar que os indivíduos podem

ser mais adiantados em determinadas aprendizagens e menos adiantados em outras, como

será discutido no próximo capítulo, e sem desconsiderar o potencial humano presente em

de cada criança. O que se pretende mostrar no texto é a heterogeneidade nos níveis de

aprendizagem dos alunos.

3.2.1 - Grupos Grandes de Séries Separadas

Nos dois primeiros meses, os alunos estavam em grupos relativamente grandes:

um grupo de nove alunos da terceira série e outro de sete alunos da quarta. O objetivo da

professora era “facilitar” a transmissão dos conteúdos separadamente para cada série, uma

vez que estava muito arraigado o hábito convencional de ensinar, “passando” a matéria. Na

realidade, seu trabalho havia duplicado, fazendo para duas séries o mesmo trabalho que

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faria para uma série apenas. Nessa situação, seus esforços aumentavam e os resultados

diminuíam.

Esse tipo de formação pareceu válido, no entanto, para debates de alguns

assuntos que só diziam respeito ao conteúdo de uma série e para os quais a professora

devia ser a mediadora. Posteriormente, tornou-se um procedimento regular somente para

discutir as questões de interpretação de textos de Língua Portuguesa. A proposta do

material adotado ajudava, pois trazia questões bem elaboradas que privilegiavam a

oralidade dos alunos, desencadeavam debates e reflexões sobre pontos explícitos e

implícitos nos textos. A intervenção da professora foi fundamental para “alimentar” esses

debates.

Contudo, a formação de grupos grandes, sem a presença da professora, não

pareceu ideal para a interação social. Nestes grupos grandes, os alunos acabavam

Ilustração 1 – Grupo grande com a presença da professora

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118

trabalhando isoladamente ou, se precisavam conversar, levantavam muito a voz para se

ouvirem.

3.2.2 - Grupos de Afinidades

O tipo de formação de grupo por afinidades, de três a cinco alunos, colaborou

para melhorar a qualidade da comunicação e diminuiu o ruído. Porém, segregava

naturalmente alunos que mais atendiam à expectativa da escola daqueles que menos

atendiam e as implicações sociais, afetivas e cognitivas dessa segregação não podem ser

desconsideradas. Observei Winny e Sam trabalharem juntos num exercício de Matemática.

Winny tem onze anos, é da quarta série. Mora com os pais em outro bairro e

vem de ônibus para a escola. O pai é camelô e a mãe é professora. Faltou quase todo o

primeiro bimestre. Tem muita dificuldade para aprender. Dificilmente terminava as

atividades em sala, pois fazia as tarefas bem devagar.

Sam tem nove anos, é bem franzino, cursa a terceira série. Vive só com a mãe

que, segundo depoimentos da professora, parece ser ausente da vida escolar do filho pois,

não comparece às reuniões e não vem à escola, quando solicitada. Ele apresenta grandes

dificuldades para aprender e falta muito à escola. Estes dois alunos, na avaliação da

professora e no meu ponto de vista, também, eram os alunos que mais apresentavam

dificuldades para aprender. Inclusive, Sam, ao final do ano, não pode ser promovido para a

série seguinte.

Pode ser que Sam tenha sido retido na série por excesso de faltas ou porque o

conselho considerou suas visíveis dificuldades um impedimento para que acompanhasse o

programa da série seguinte. O fato é que às vicissitudes de seu contexto social e histórico,

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119

foi acrescentado mais uma experiência frustrante. Até que ponto Sam foi paciente, no

sentido de aceitar as determinações históricas das circunstâncias em seu entorno? O que

essa reprovação incorporou à sua subjetividade? O que poderíamos ter feito e não fizemos

para propiciar a Sam que desenvolvesse autonomia e a fim de que começasse a ser o autor

da sua história?

Quando os alunos se agrupavam espontaneamente, Sam e Winny sempre

sentavam juntos, apesar de serem de séries diferentes. Observei que quando não

conversavam outros assuntos, pouco trocavam idéias sobre a atividade, demorando muito

para fazê- la, não representando, um ao outro, apoio mútuo significativo, direcionado à

aprendizagem escolar. Não se pode desconsiderar no entanto o apoio psicológico que essa

interação representava.

Ilustração 2 – Grupos de formação por afinidades

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Contudo, segundo a professora, tal formação era necessária em determinados

momentos. Por exemplo, isso era praticado na recuperação paralela, quando ela podia

intervir em dificuldades específicas dos alunos. A essa altura, ainda, a noção do potencial

que os alunos mais adiantados representavam e dispunham para ajudar seus colegas com

tais defasagens não era bem clara.

3.2.3 - Grupos de Formação Aleatória

A formação aleatória dos grupos somente começou a ser praticada no início do

segundo semestre. A preocupação relativa aos problemas de segregação observados

conduziu a essa forma de agrupar os alunos. A professora confeccionou cartões com os

nomes dos alunos e esses cartões eram escolhidos aleatoriamente até todos os grupos de

três a cinco alunos serem formados. Havia gru

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121

compartilhar significados a partir de perspectivas tão distintas considerando seus contextos

sócio-históricos particulares.

3.2.4 - Grupos de Formação Direcionada

Com o objetivo de obter a colaboração dos alunos mais adiantados em relação

aos menos adiantados, a partir do suposto conhecimento das habilidades específicas desses

alunos, planejamos a formação de grupos compostos por alunos menos adiantados com os

alunos mais adiantados. A atividade compunha-se de exercícios escritos de multiplicação.

Percebi que, nas primeiras vezes que isso aconteceu, eles não ficaram à vontade, nem

quem explicava, nem quem recebia explicação. Embora não manifestassem abertamente

seu desagrado, ao observar a atividade, pude perceber que o nível de motivação com que

participaram dessa “colaboração” foi visivelmente baixo.

Depois da primeira experiência desse tipo de grupo, conversei informalmente

com os alunos, no mesmo dia, à tarde. Estávamos reunidos num círculo grande antes de

participarmos de alguns jogos. Perguntei o que acharam da forma como fizeram os

exercícios de Matemática pela manhã. A maior parte disse que não havia gostado. Alguns

disseram que preferiam voltar a trabalhar em fila, referindo-se ao trabalho individual.

Houve a exceção de três alunos que, depois de algum tempo sem querer falar, disseram

timidamente que gostaram sim. Dois deles eram alunos de baixo rendimento. Percebi que

para a maioria, a compulsoriedade de tal “colaboração” artificializava uma relação de

cooperação. Nessa situação específica observada, a formação de grupos sugeridos pela

professora não foi produtiva para boa parte dos alunos e esse tipo de formação foi pouco

usado.

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As atitudes dos alunos foram mudando no decorrer do tempo, e os fatores que

colaboraram, segundo me pareceu, foram: o fato de perceberem aos poucos os resultados

que a ajuda mútua representava, as tarefas em grupo terem se tornado mais desafiadoras e

eles começarem a trabalhar mais sincronizados como grupos. Mesmo assim, essa formação

dependia de ser planejada de acordo com os objetivos a alcançar e não era tão tranqüila

como a formação espontânea dos grupos de afinidades.

Através de questionário elaborado, quase ao final do ano, foi perguntado à

professora: o que você acha que deu mais certo, os grupos espontâneos ou aqueles que

você escolhia os alunos? Por que acha assim? Sua resposta foi:

Os grupos espontâneos. Porque sempre existe os coleguinhas mais chegados, eles assim trabalhavam com mais vontade, tinham gosto em ajudar os outros, se sentiam mais à vontade em fazer não só o que a professora queria.

Comparando a preferência da professora à qualidade da interação na formação

sugerida em algumas situações, parece, que ela estaria, em sua afirmação, privilegiando a

questão da harmonia entre os alunos, o que tornava menos trabalhosa sua condução da

aula.

3.2.5 - Cooperação Espontânea

No dia seguinte, depois de vários meses trabalhando, bem ou mal, em

atividades cooperativas, os alunos voltaram a trabalhar individualmente por uma manhã.

Nosso objetivo era, aproveitando o pedido da maioria, feito no dia anterior, observar qual

seria sua reação no caso de um retorno ao trabalho individualizado.

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123

Ao voltar a trabalhar individualmente, percebia-se uma certa ansiedade por

parte de vários alunos. Embora alguns, em princípio, parecessem estar mais satisfeitos, não

foi a conclusão final a que chegaram. Confidenciaram-me depois que é “mais legal

trabalhar em grupo”, “sabe... tô arrependida do que falei ontem...” , vários disseram em

coro: “é melhor em grupo mesmo.”

A satisfação dos alunos não era tudo o que desejávamos, embora essa fosse

uma condição necessária para eles agissem motivados. Nosso objetivo, na aplicação da

proposta, era também, desenvolver a atitude de cooperação e observar a como a

aprendizagem seria construída em decorrência dessa cooperação. Pensamos, então, que se

de alguma forma os alunos pudessem constatar por si mesmos o quanto podem oferecer em

colaboração mútua, isso poderia favorecer para desenvolver-lhes a atitude de cooperação.

Elaboramos uma forma 28 pela qual os alunos pudessem auto-avaliar seus

desempenhos antes e depois das atividades interativas. De posse desses resultados,

conversamos com alguns grupos para avaliar qualitativamente suas respostas, ou seja,

procurar entender o processo pelo qual haviam chegado às respostas. Depois de algumas

dessas atividades, percebemos que vários alunos se prontificavam a ajudar os colegas

quando precisavam. Ao terminar suas tarefas, vários deles perguntavam se alguém

precisava de ajuda. Não eram todos, eram quatro ou cinco alunos que terminando o que

faziam antes dos colegas dispunham-se a ajudá- los. Eram poucos, mas a cooperação era

espontânea.

Pude perceber que na aplicação da aprendizagem cooperativa, a formação dos

grupos não é um problema de menor relevância. A formação dos grupos espontâneos,

formados com base na afinidade que os colegas têm entre si, aparentemente, e a princípio,

28 Um exemplo dessa forma de atividade, o PQA ou também KWL, está no quarto capítulo. A descrição mais detalhada dessa atividade consta no anexo 8.

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124

pareceu ser a formação menos conflituosa. Os alunos ficam satisfeitos de estarem com seus

colegas prediletos e não se pode negar o fator emocional favorável presente nesse tipo de

relação. Esse fator pode ser interessante, principalmente para o desempenho dos alunos

considerados “estrelas”, que geralmente são os primeiros a se escolherem.

Nesse tipo de formação, se os alunos que apresentavam mais dificuldades em

relação às expectativas da escola, não tivessem a assistência da professora, tampouco

tinham ajuda significativa dos colegas. O problema observado nos grupos de afinidade

evidencia que essa formação torna-se predominante e os alunos considerados mais

adiantados, geralmente, insistiam para isso. Até que ponto essa segregação não seria

também um obstáculo ao desenvolvimento desses alunos que historicamente a escola se

omitiu de acolhê- los? Por outro lado, o agrupamento direcionado entre alunos que não se

afinam, forçando uma cooperação compulsória resulta em visível desmotivação para

alguns, o que pode refletir-se como uma dificuldade na construção de sua aprendizagem.

Tal complexidade das interações sociais presentes na AC e os problemas que

dela resultam, poderiam ser algumas das razões pelas quais a proposta não contar com a

adesão popular e imediata da parte dos professores.

Como foi apontado por Johnson & Johnson (1992), as habilidades sociais não

nos são legadas no nascimento nem surgem instintivamente como em um passe de mágica

quando nos começamos a nos relacionar com as pessoas. Elas precisam ser ensinadas. E

segundo Kagan (1994) comenta, quanto mais avançada a série dos alunos, mais

dificuldades e resistência eles apresentam para trabalhar em grupos. Por outro lado, quanto

menos avançada a série, menor será a resistência, havendo, no entanto, dificuldades

diferentes.

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Conforme foi apresentado anteriormente, na AC os alunos podem ser

agrupados de várias formas, mas a formação de grupos heterogêneos, nos quais os

professores escolhem os membros dos grupos é considerada mais produtiva como grupo de

base, embora seja, nas pesquisas americanas e neste estudo, aquela para qual há mais

resistência dos alunos, pelo menos inicialmente. Se a professora deste estudo houvesse

persistido nessa formação, transpondo os primeiros obstáculos e, predominantemente,

formando grupos heterogêneos, posicionando em cada grupo um aluno que fosse mais

adiantado; se esses alunos fossem incentivados a interagir; se fosse desenvolvida a

interdependência positiva, a responsabilidade individual e as habilidades sociais, o

resultado poderia ser que a professora teria em cada grupo, no mínimo, um aluno que seria

uma espécie de auxiliar da professora. Seu trabalho ficaria facilitado. Os alunos seriam

ativos e interativos e essa participação interativa seria a própria fonte de motivação para

aprender. Seria sonhar demais? Seria uma visão idealista? Uma utopia? Se for um sonho

possível de ser realizado, como fazer essa combinação heterogênea sem um

direcionamento compulsório? O professor não estaria comunicando aberta ou tacitamente

aos alunos seu conceito estereotipado, que pode até ser equivocado, de quem seja o “forte”

e quem seja o “fraco”? Como deveria ser o preparo do professor para lidar com a formação

dos grupos?

É preciso identificar as dificuldades que, tal como pedras, se interpõem no

caminho entre o sonho e a realidade. Em uma tentativa de identifica- los e a partir da

observação das aulas da professora e de seus depoimentos percebi que, quando ela

utilizava a maior parte do tempo em sala explicando, corrigindo, lendo, ditando, enfim,

sendo a protagonista da cena, embora houvesse outras opções de atividades de maior

interação entre os alunos, quando o trabalho do aluno é de caráter passivo, individual e

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pouco interativo, embora estejam sentados em grupo, talvez, as concepções da professora

sobre a natureza do processo da aprendizagem na interação social e de como o

conhecimento é construído, não fossem muito claras ou fossem incompatíveis com a

proposta de ensino adotada.

Somada a falta de uma maior compreensão dos processos interativos pela

professora existe a carência de pesquisa no Brasil para a instrumentalização de

procedimentos específicos para o desenvolvimento da prática. A literatura sobre AC no

Brasil ainda é mínima. Nossos subsídios para procedimentos próprios da prática foram os

textos de Carvalho (2000)29, as pesquisas em sites americanos de divulgação e assessoria

pedagógica para a AC e, posteriormente, a literatura dos estudiosos americanos da referida

metodologia e algumas outras obras foram publicadas no Brasil, como foi apresentado no

item 1.2.6.

O programa de implantação da AC apresentado por seus estudiosos e

divulgadores compreende uma série de orientações e procedimentos direcionados para

desenvolver os aspectos sociais do grupo. Kagan (1995, p. 8:1) recomenda procedimentos

de teambuilding30, dinâmicas para desenvolver o espírito de equipe, para a primeira vez

que a classe vai trabalhar em grupos, para quando o professor direciona a formação dos

grupos heterogêneos ou para quando houver conflitos entre os alunos. Esses procedimentos

voltarão a ser discutidos adiante.

Embora a professora não tenha praticado procedimentos específicos para

desenvolver a afinidade dos alunos nos grupos, a aplicação de algumas atividades de

29 Na ocasião utilizamos seus manuscritos cedidos e que originaram posteriormente o livro “Pedagogia da Cooperação: uma introdução à metodologia da aprendizagem cooperativa”. 30 Teambuilding são atividades desenvolvidas especificamente para desenvolver o espírito de equipe. O maior detalhamento pode ser encontrado no anexo 3.

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processamento de grupo acabaram tornando-se condições favoráveis à percepção de apoio

mutuo o que resultou em elemento facilitador de suas aprendizagens em interação social.

As dificuldades sociais e as questões emocionais envolvidas não podem deixar

de receber atenção especial na AC. Segundo Vigotski, o intelectual e o afetivo são

indissociáveis. As atitudes afetivas, para ele, estão contidas em cada idéia, na esfera de

seus significados (VIGOTSKI, 2003a). Ao estudar os processos interativos, é necessário

que os conflitos evidenciados e sua relação com a aprendizagem sejam discutidos.

3.3 - Conflitos Entre os Alunos

A relação entre Sujeito cognoscente (S), Sujeito mediador (S) e Objeto de

conhecimento (O), fundamentada em Vigotski, é denominada por Góes (1997) de modelo

“SSO”. As considerações e análises teóricas, encontradas e criticadas por Góes na

literatura e em revisões de pesquisas, sobre o modelo SSO, apontam para uma visão

harmoniosa entre sujeito cognoscente e sujeito mediador. Nessa visão, o outro teria um

papel homogêneo, em essência pedagógico, prevalecendo relações de ajuda, partilha, guia,

suporte. Os sujeitos não contestam, não discordam em suas opiniões, não entram em

conflito. Enfim, observa-se que a interação social, restringe-se a uma visão idealista. Não

é isso que pude constatar nos episódios e depoimentos que apresento a seguir.

Estávamos, a professora, os alunos da quarta série e eu, em uma entrevista não

estruturada, em uma situação o mais natural possível, para obter impressões fiéis desses

alunos sobre a experiência da AC. Começamos brincando e fazendo algumas charadas e

desafios, gravando nossas conversas e em seguida, ouvindo-as, motivo de muita graça para

alguns. Relato um pequeno trecho da entrevista, porém, apresento antes uma rápida

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descrição do perfil das alunas que aqui aparecem. A conversa se dá entre Luan, Maru e

Carol.

Luan tem nove anos. Estuda na escola desde a primeira série e aparenta sentir-

se bem à vontade ali, não hesitando em fazer perguntas freqüentes à professora. Ao

surgirem as menores dúvidas, chama a professora, “Ah! Professora, não sei isso, não!” ou

repete várias vezes: “Não entendi nada!” sua habilidade em monopolizar a atenção da

professora era antes, no trabalho individualizado, revertida em benefício próprio. Com a

proposta do trabalho socializado não está sabendo lidar com a situação. Por isso, faz

questão de repetir “preferia antes, as carteiras em fila”. Sua impetuosidade leva-a a tomar a

dianteira, precipitadamente, ao dar as respostas aos colegas, muitas vezes sem que estejam

querendo, discorda logo dos outros, sem refletir melhor sobre o que falou. Ao monopolizar

a atenção da professora, andar pela sala e falar bastante, chama a atenção, ao mesmo tempo

que parece despertar sentimentos antagônicos em alguns colegas. Seu desempenho

acadêmico é relativamente bom.

Maru é uma juvenil de treze anos. Não mora com os pais que são separados e o

casal com quem mora, adotou-a como filha, mas eles quase não comparecem à escola,

embora morem perto. Na sua história escolar, foi reprovada na primeira série e desistente

em outros dois anos. Disse ter vergonha de sua aparência física, por estar acima do que

seria seu peso ideal, revela sua baixa auto-estima: “eu sou feia”. Procura ser simpática e

falante. Segundo a professora, seu desempenho nas tarefas é razoável, demonstrando uma

certa dificuldade para aprender, mas esforçando-se bastante.

Carol tem dez anos e mora com seus tios, comerciantes que possuem duas lojas

de confecções não muito grandes. Seu desempenho acadêmico é muito bom, pode ser

considerada a aluna mais aplicada da classe, tanto do ponto de vista do ensino tradicional

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como na AC. Pareceu-me segura e mostrava-se geralmente solícita e paciente para ensinar

os colegas.

Leny tem dez anos e mora com os pais, pequenos comerciantes. Seu

desempenho na sala é bom, e gosta de participar e falar pelo grupo. Apesar de não saber

sempre responder todas as questões, quando está ao lado de quem sabe menos, repete

freqüentemente: “tu é burro, é?”

Na entrevista, após algumas perguntas do tipo “o que você faria se...?”

perguntei a cada um, se achavam que trocando idéias com os colegas em grupos na sala de

aula, haviam aprendido de fato.

Maru: “Aprendi, mas... algumas coisas assim... as pessoas não têm paciência de

explicar as coisas pros outros.. aí, ficam dizendo que a outra é burra... é, fica gritando com

a outra. Aí..., é muito ignorante; é melhor fazer as coisas sozinha mesmo do que ficar

recebendo rebaixamento dos nossos colegas, dos nossos próprios colegas.”

Você mesmo se rebaixa, Maru (Carol, com tranqüilidade). Vocês... (Maru: incompreensível). Vocês, não, a Leny (Carol). A Leny fala bem assim: ‘Ah Luan, tu é toda burra’. Dá uma raiva! Aí, eu fico lá...” (Luan).

Maru demonstra uma reação afetiva aos maus tratos dos colegas nas atividades

em grupo. Luan reage à agressividade que Leny lhe dirige. Luan apresenta certa falta de

algumas habilidades sociais básicas que a façam ser bem aceita no grupo, como foi

descrito seu perfil anteriormente. O que fica evidente em Luan é sua simploriedade e

desejo de colocar-se em evidência, desejo este reforçado pelas repetidas manifestações de

atenção exclusiva por parte da professora, cedendo às suas solicitações. Em ambos os

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casos, ficam visíveis as reações afetivas, carregadas de negatividade, decorrentes de

situações conflituosas nas atividades interativas.

Andrei é outro aluno que demonstra visível dificuldade nas relações sociais.

Ele tem quatorze anos, apesar de aparentar ter dez. Está na terceira série. Estava morando

com a avó e sem estudar há alguns anos, quando a mãe, ao assistir um programa da escola,

decidiu “assumir o filho”, segundo ela, e matriculá- lo ali. O padrasto, que é mecânico, acha

que o filho deve parar de estudar para trabalhar. A família é muito carente de recursos

materiais.

Em uma tarde, estavam os alunos participando de um animado jogo educativo,

na hora de reforço, sob uma área coberta, no pátio, quando ele chegou de bicicleta e foi

tomar água. Insisti para que ficasse, mesmo vestido com um macacão sujo de graxa, mas

ele disse “Não, tenho que trabaiá!”. Embora não tenha tanta dificuldade em Matemática e

em assimilar conceitos em geral, não consegue expressar-se por escrito, sendo quase

indecifrável o que escreve.

Estava observando as atividades interativas entre os alunos, certa manhã.

Andrei acabou sentado sozinho no fundo da sala, trabalhando na construção de uma

paródia, atividade que as duplas ou grupos de três alunos faziam de fo rma coletiva. Na

maior parte do tempo designado para essa tarefa, ele estava sentado com mais dois alunos.

Percebi que os dois colegas rejeitaram várias vezes as falas de Andrei, com seu jeito

impetuoso e “errado” de falar e sua escrita indecifrável. Ignoravam suas idéias ou diziam

“não, não! vamos fazer desse jeito aqui que é melhor”, referindo-se às idéias deles.

Quando percebi, minutos depois, Andrei já estava sozinho no fundo da sala. Perguntei a

um colega do seu grupo, por que estava sentado lá e ele me explicou que “um dia a

professora colocou ele lá de castigo, e agora sempre, ele gosta de ficar lá”. Na vez de

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Andrei apresentar a sua paródia, os alunos deram risadas da letra que compôs: “eu quero é

mais cachaça, meu pai me dá cachaça... eu quero é mais cachaça...” Pude entender, que

Andrei, por meio de sua paródia desejava chamar a atenção da classe e protestar contra as

orientações e a atitude aceita pela maioria no grupo a respeito do alcoolismo. A professora

aproveitou para conversar com a classe sobre a bebida alcoólica. Mas, a possível causa do

comportamento de Andrei não mereceu atenção, pelo menos, não naquele momento.

Conhecendo um pouco da história de vida de Andrei, percebi que sua rejeição

trazida de casa, parecia repetir-se na sala de aula. Em outro dia, na ausência de Andrei,

alguns colegas disseram que a pior coisa que havia acontecido na escola, naquele ano, foi

seu ingresso ali. Alguns comportamentos de Andrei pareciam ser desencadeadores da

rejeição a ele manifestada pelo grupo:

a) tomava a dianteira cedo demais ou entrava abruptamente nas conversas,

discordando logo dos outros;

b) procurava chamar a atenção para si, falando alto, fazendo “gracinhas” e

paradoxalmente, apesar de alguma atenção momentânea, acabava sendo ou rejeitado ou

ignorado.

Dos alunos mencionados, alguns se destacam mais por apresentarem certas

dificuldades ou conflitos ao se relacionarem socialmente na sala de aula. O caso de Andrei,

no entanto, parece ser mais gritante. Seu contexto social não pode ser ignorado. A história de

sua infância apresenta rejeição, carência material, afetiva, falta de incentivos para os estudos,

atraso escolar provavelmente devido à repetências e/ou evasões. Enfim, é um juvenil

marcado pelos determinantes sociais e históricos de uma sociedade injusta e desigual. Os

maus tratos evidenciados em sua história foram a “escola da vida” de Andrei para sua

adaptação social. Sua dificuldade social e afetiva parecia ficar mais afloradas nas situações

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de interação social, apenas reforçando sua rejeição, que por sua vez, acentuava sua pouca

habilidade social, fechando um círculo vicioso.

A preferência pelo trabalho individualizado foi declarada por Leny e por Luana

e algumas vezes por Carol. Essas alunas apresentavam um desempenho escolar

independente, considerado bom, me disseram:

O que eu não gosto de trabalhar em grupo é que tem gente que só copia, não faz nada (Leny). Eu não gosto quando alguns bagunçam e a professora vira para ver quem foi, daí todos ficam quietinhos, como ninguém bagunçou nessas horas, todos ficam sem recreio (Carol). É mais rápido sozinho (Leny).

Leny e Carol sentiam-se prejudicadas ao trabalharem com colegas que

apresentavam mais dificuldades. Ambas aparentam não haver ainda experimentado os

benefícios de ensinar e cooperar. Ao fazerem as atividades junto com os colegas menos

adiantados, quando o ritmo deles era mais lento, Leny reclamava que, fazendo as

atividades em grupo, com esses alunos, era mais demorado que faze-las individualmente.

Luana ao trabalhar individualmente recebia a atenção da professora em muitos

momentos, exclusivamente para ela. Ao trabalhar em grupo, a professora sugeria que os

alunos trocassem idéias e se ajudassem em suas dúvidas. Luana muitas vezes não confiava

na explicação do colega ou não conseguia entender da forma como ele explicava.

As crianças têm maior capacidade de ser autênticas, expressando o que sentem

sem muita preocupação com as conseqüências sociais, principalmente, na relação com seus

“pares”, o que resulta em conflitos e antagonismos, nem sempre resolvidos, ou nem

sempre bem resolvidos. Percebe-se que as habilidades sociais, tais como apresentadas no

item 1.2.1, ou a falta delas, bem como a afetividade dos alunos, fica mais aflorada e

evidente na AC.

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Observa-se que o processo de aprendizagem presente nessas relações

conflituosas, de forma alguma pode ser concebido como harmonioso, não correspondendo

à visão idealizada, mencionada anteriormente. Por esta constatação, no modelo SSO –

sujeito cognoscente, Sujeito mediador e Objeto de conhecimento - muito mais que na

relação SO - Sujeito e Objeto de conhecimento - os conflitos surgem e/ou ficam mais

evidentes.

Como foi dito, as habilidades sociais precisam ser desenvolvidas. Os conflitos

que surgem na AC podem ser uma oportunidade de promover esse aprendizado como pode

ser também uma experiência que nesses aspectos seja frustrante, não trazendo

conseqüências muito positivas como o reforço da hierarquia do status dos alunos na sala,

prejudicando a auto-estima dos alunos pelas ofensas pessoais que tornam hostil o clima

emocional da aprendizagem.

Vigotski não desenvolveu implicações práticas para a questão embora

entendesse a relação indissociável da dimensão do intelectual com o afetivo. Os teóricos da

AC elaboraram propostas técnicas que visavam especificamente desenvolver a integração

do grupo e suas habilidades sociais. Elas poderiam ser desenvolvidas a médio ou longo

prazo pelo próprio convívio das crianças, mas algumas dinâmicas de teambuilding31 podem

evitar muitos conflitos e acelerar o desenvolvimento das habilidades sociais. Segundo

Kagan (1994, p. 8:1):

Se há tensões ou divisões entre os estudantes, essas atividades são uma necessidade. Continuar com a prática da aprendizagem cooperativa, sem resolver essas questões, seria algo como fazer uma corrida com grandes pedras no tênis.

31 Veja exemplo nos anexos sob o título: “Desenvolvendo o Espírito de Equipe”. Maiores informações podem ser encontradas em Kagan (1994).

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Tais atividades são dinâmicas animadas que além de entusiasmarem os alunos

são direcionadas para atingir os seguintes objetivos:

a) promover o conhecimento mútuo;

b) construir a identidade do grupo;

c) desenvolver o senso de apoio mútuo;

d) promover a aceitação e a valorização das diferenças;

e) desenvolver a sinergia.

Johnson et al desenvolveram, em mais de trinta anos estudos, teoria e prática,

várias orientações e procedimentos para a aplicação dos princípios da AC. Dentre tais

princípios, o teambuilding e o processamento do grupo tem o objetivo de desenvolver

algumas habilidades sociais e o espírito de equipe (Johnson et al, 1992). Algumas

atividades de processamento de grupo foram aplicadas em processos que denominamos de

auto-avaliação do grupo. Tais atividades parecem ter contribuído para o desenvolvimento

de atitudes de cooperação.

Os procedimentos específicos da AC, como a auto-avaliação do grupo foram

aos poucos sendo introduzidos e algumas dificuldades foram sendo superadas no decorrer

do ano. A primeira reação, por parte da maioria, diante de situações de discussão dos temas

foi de inibição. Quando começaram a discutir sobre os assuntos propostos, era muito

comum, também, atitudes de agressividade por parte da alguns como a de Leny ao dizer

para a colega: “tú é toda burra!” Alguns procedimentos foram sendo introduzidos pela

professora para amenizar os conflitos dos alunos nos grupos e a fim de desenvolver- lhes

atitudes de cooperação.

Por várias vezes, depois de atividades que deveriam envolver os alunos em

discussão ou participação de todos, eles fizeram um ou outro dentre dois tipos específicos

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de auto-avaliação: um para avaliar o desempenho do funcionamento do grupo ou outro

para avaliar algumas habilidades sociais desenvolvidas. Essas auto-avaliações parecem ter

favorecido decisivamente a reflexão e a tomada de consciência da necessidade dessas

habilidades. Dentre as questões da avaliação do funcionamento do grupo, algumas eram as

seguintes:

a) Incentivamos uns aos outros?

b) Houve cooperação entre nós?

c) Falamos com a voz moderada?

d) Cada um de nós participou com a sua idéia?

e) Escutamos e avaliamos as idéias dos colegas?

A primeira vez que essa avaliação foi realizada houve algumas agressões e

acusações do tipo “o Winny não fez nada”. Foi uma oportunidade então de a professora

intervir, assim que esses conflitos evidenciavam-se, discutindo e dando exemplos de como

resolvê- los.

Quando os alunos participavam de debates de idéias antagônicas, as

possibilidades de agressões pessoais aumentavam. Para essas situações, a auto-avaliação

do funcionamento do grupo era específica e constava de questões como:

a) Critico as idéias, mas não os colegas?

b) Procuro achar a melhor idéia e não fazer apenas com que a minha idéia

ganhe?

c) Penso em todas as idéias, mesmo as que eu não aprovo?

d) Mudo minhas idéias assim que encontro outra melhor?

Essas questões, que o grupo discutia foram de grande valia para desenvolver

habilidades sociais e atitudes de respeito com os colegas. Uma diferença notáve l foi a

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evolução do nível de participação dos alunos durante o ano nessas discussões. A princípio

alguns ficavam inibidos em participar, apenas concordando com quem falava. No segundo

semestre, observava-se um nível bem maior de participação dos alunos nas discussões.

Na última avaliação descrita acima, a professora pedia para que cada um

respondesse individualmente as questões e depois discutisse com os colegas o porquê de

cada resposta. Lentamente, o antagonismo de alguns, em relação ao trabalho em grupo, foi

diminuindo.

O KWL32, um exemplo de auto-avaliação do desempenho individual, que os

alunos fizeram algumas vezes antes e depois das atividades em grupos, pareceu-me ser um

procedimento que influenciou de forma decisiva para favorecer a interdependência positiva

entre os alunos, levando-os a perceber de alguma forma que a cooperação poderia ser

recíproca, surpreendendo alguns como a Carol e a Leny que não imaginavam que

pudessem aprender com os alunos mais “fracos”.

A atitude de solidariedade ficou evidente algumas vezes, segundo pude

perceber, quando alguns alunos terminavam suas atividades e perguntavam se alguém

precisava de sua cooperação, sendo bem recebidos por outros que estavam com algumas

dificuldades.

Em entrevista gravada quase ao final do ano, os alunos deram alguns

depoimentos demonstrando como enxergavam a cooperação recíproca que prestavam.

Perguntei- lhes se gostavam mais de “ajudar” os colegas ou de serem “ajudados”:

Melhor é ajudar os colegas (Luana). Os dois, os dois (Vários). Não. Melhor é ajudar (Maru).

32 Um modelo de ficha KWL encontra-se no anexo 8.

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Alguns se referiam a ajuda mútua como “cola”. Um deles foi o Winny:

Dar cola pro colega e ele ajudar (Winny). Ajudar é dar cola? (Perguntei). Não! (Peter). Não... (Winny, mostrando-se um tanto confuso). Ajudar é dar um pouco dos nossos conhecimentos aos colegas (Maru). Eu gosto de ajudar, pelo menos eu aprendo mais (Luana). Perguntei: Você aprende? É que quando eu entendo... eu falo... daí fica mais gravado... (Luana).

À pergunta “o que você faria se tivesse que fazer o seu trabalho e seu colega

estivesse precisando de ajuda?” eles disseram:

Eu faria o meu e depois ajudava (Luana). Mas e se o tempo não fosse suficiente para tudo? (Insisti na questão). Ah! Mas na hora do recreio eu dava uma mãozinha (Luana).

Quase todos do grupo disseram que tinham aprendido com a Carol:“Aprendi

frações próprias... impróprias e aparente com a Carol” (Luana). E vários outros disseram:

“Eu também”.

Por sua vez, Carol diz que também havia sido beneficiada por todos:

Recebi ajuda de todos, até do Winny”. E explicou: “é que tem uma coisa que eu sei e meu colega não sabe. Tem uma coisa que eu não sei e ele sabe. Aí, quando eu ajudo ele, ele me ajuda (Carol).

Perguntei à professora o que havia achado do fato dos alunos ajudarem seus

colegas: “Eles aprendiam muito mais. Aprendiam a compartilhar, algo que era muito difícil

para alguns. Ficaram até mais amigos”.

Observa-se nesses depoimentos alguns pontos interessantes. Os alunos

percebem suas colaborações mútuas. Mesmo os mais adiantados descobrem que podiam

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aprender com os menos adiantados. Apesar da “cola” ser considerada algo

institucionalmente errado, entre eles, ela parecia ser um procedimento moralmente correto,

como uma atitude de solidariedade, embora Winny e Peter negassem, parecendo confusos

com a questão: cooperar é “dar cola”? se for, cooperar é errado. Ou colar é certo? Apesar

da aparente confusão, havia disposição de ajudar até na hora do recreio, a despeito do

sacrifício que isso representasse para eles. Tanto a professora como alguns alunos

reconheceram que, quem ensinava aprendia mais.

A sala de aula é um ambiente tanto intelectual como social e a dimensão social

fica mais evidente na aprendizagem cooperativa. As atitudes de solidariedade ou

individualismo, os sentimentos de amizade ou de rejeição ficam bem mais evidentes que

na nas formas mais individualizadas de aprendizagem. Para Vigotski, a dimensão social é o

elemento essencial na aprendizagem: “o aprendizado humano pressupõe uma natureza

social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual

daquelas que a cercam” (VIGOTSKI, 1998, p. 115).

Vigotski (2003a) relaciona o intelectual e o afetivo como indissociáveis. As

atitudes afetivas, para ele, estão contidas em cada idéia, ou seja, os pensamentos, na esfera

de seus significados, estão impregnados de afetividade originados da realidade ao qual se

formaram.

Não é o objetivo deste trabalho analisar a questão afetiva das interações

sociais, que por sua natureza complexa, reclamaria um estudo específico. No entanto,

torna-se impossível descrever a dinâmica da AC, sem considerar esse aspecto patente e

aflorado justamente em virtude da prática interativa. Meu objetivo, ao descrever o que foi

observado nesse aspecto e fazer uma breve interpretação, é evidenciar que quando se

objetiva o desenvolvimento cognitivo do aluno na AC, não se pode desconsiderar os

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aspectos afetivos presentes, pois estes, que até poderiam ocupar uma posição secundária

em outra metodologia, torna-se aqui um aspecto fulcral.

Para Vigotski, a consciência é constituída a partir da intersubjetividade, ou

seja, das constantes “negociações” das informações, conceitos e significados entre os

sujeitos. O significado, na concepção de Vigotski encontra-se em visível relação entre

aspectos cognitivos e afetivos, nos processos psicológicos (VIGOTSKI, 2003a).

Ao contrário de se considerar a emoção como “zona proibida” conceito legado

pela Psicologia Behaviorista, os estudos científicos sobre a aprendizagem não podem

prescindir da influência dos fatores emocionais. As emoções dos alunos ficam mais

visíveis na AC que no trabalho individualizado. Torna-se, portanto, impossível

desconsiderar suas reações emocionais, surgidas a partir das dificuldades sociais e a sua

inter- influência na aprendizagem.

Como foi visto, as observações e análises pertinentes às questões afetivas e

sociais na sala de aula na AC nos remetem a algumas considerações:

a) a construção de significados está subordinada ao sentido afetivo que este

adquire para cada sujeito no processo; dito de outra forma, o que se aprende depende da

conotação emocional presente no objeto de conhecimento e/ou no contexto de

aprendizagem;

b) o sujeito reage afetivamente às expressões de pensamentos e de sentimentos

do outro sujeito, na interação;

c) a dinâmica da AC proporciona oportunidades para a expressão de

pensamentos e sentimentos, em maior grau, que nas formas individualizadas de

aprendizagem;

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d) as circunstâncias interativas, especialmente entre as crianças, nem sempre

são harmoniosas, podendo, muitas vezes, evidenciar e ampliar relações conflituosas nem

sempre resolvidas ou nem sempre bem resolvidas;

Em suma, a mesma espontaneidade entre os alunos, que possibilita uma relação

horizontal33 na discussão de idéias e no aprofundamento do nível da interação, pode tornar-

se também, um obstáculo à aprendizagem dos alunos em práticas interativas, quando os

alunos com poucas habilidades sociais, evidenciam seus problemas no processo da AC,

aumentando o grau com que são rejeitados ou ignorados pelos colegas. Essa rejeição ou

indiferença pode desencadear reações emocionais fazendo emergir comportamentos como

o exibicionismo de Andrei ou a impetuosidade de Luan que, por sua vez, só agravam a

rejeição ou indiferença recebida dos colegas.

Se um dos objetivos da AC, na sala de aula, é promover a elaboração

compartilhada de significados, há que se considerar os sentidos que esses significados

adquirem, a partir dos sentimentos evocados nessas instâncias interativas. Se os

significados podem estar subordinados aos sentidos afetivos presentes na sua construção, a

afetividade evidenciada nessas situações pode representar tanto condições facilitadoras

como obstáculos à essa construção e o desenvolvimento cognitivo decorrente dela. Isso

implica na necessidade de maior sensibilidade e habilidade do professor a esses fenômenos

inerentes às relações sociais e, exige dele habilidades específicas para essas situações.

Por outro lado, observou-se a princípio, que o hábito de trabalhar

individualmente estava muito arraigado em vários alunos e os que conseguiam maior

desempenho sozinhos, foram os que mais se opuseram ao trabalho cooperativo. Para

desenvolver atitudes de reciprocidade e cooperação, foi necessário intencionalidade, 33 A distinção entre relação horizontal e relação vertical tem aqui o sentido dado por Piaget (1994) para distinguir a relação entre crianças (horizontal) que contrapõe à relação entre adulto e criança (vertical).

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planejamento, direcionamento, persistência e principalmente a persistência na prática, em

meio às disputas e às pacificações dos alunos, e mesmo assim, não se pode dizer que

tenhamos alcançado plenamente nossos objetivos nesse sentido.

Tomar algum tempo das aulas para desenvolver atividades como as que são

propostas pelos teóricos da AC pode ser considerado como um desperdício de tempo. A

preocupação em se cumprir o currículo proposto parece mais importante que tais

atividades.

No relógio escolar arranja-se tempo para o que se considera importante, a

questão então parece não ser propriamente a falta de tempo em si, mas, a desconsideração

da importância das referidas atividades, de suas razões, seus objetivos e seus resultados. A

falta de percepção da inter- influência da aprendizagem em relação ao elemento afetivo nela

presente parece ser o cerne para a sua não realização.

Acredito que nem a professora nem eu compreendemos na ocasião a real

necessidade de se tirar tempo para as atividades de desenvolvimento do espírito de equipe

no inicio do ano e poderíamos ter desenvolvido mais atividades de auto-avaliação dos

grupos e outras para desenvolver o espírito de equipe.

Segundo Kagan e Johnson et al, esse tempo tomado acaba sendo recuperado e

trazendo maiores ganhos quando os alunos, então, desenvolvem sinergia e podem

maximizar suas aprendizagens. Sem dar atenção ao desenvolvimento da sinergia e das

habilidades sociais, a AC pode tornar-se como disse Kagan, uma pedra no tênis do

corredor.

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142

3.4 - Mudanças nas Atividades Propostas

Um importante elemento que facilitou ou algumas vezes se configurou como

obstáculo ao alcance dos objetivos propostos dentro da AC, na classe estudada, foi relativo

às atividades propostas aos alunos. Determinadas atividades dificultavam a cooperação e a

troca de idéias entre os alunos. Entre elas, algumas remetiam os alunos ao trabalho isolado,

quando divididas entre eles, levando-os a interagir somente na etapa final quando deveriam

reunir os resultados parciais, sem muito interagirem durante o processo de construção

desses resultados. A forma de apresentar as questões, igualmente podia levar a respostas

diretas e mecânicas quando não conduzia à discussão. A ausência de atividades planejadas

ou os recursos pedagógicos elaborados de forma a problematizar o conteúdo,

desenvolvendo um debate ou propondo um desafio que envolvesse a participação de todos,

resultava em uma interação pouco proveitosa.

Pude observar uma certa pressão implícita em priorizar o cumprimento de

atividades propostas nos livros didáticos. Como, na maior parte, essas atividades não

conduzem à discussão e cada aluno precisa ter o seu livro, o trabalho tende a ser, nesse

caso, individualizado. A preocupação em cumprir todo o livro didático foi um obstáculo à

aplicação de atividades mais desafiantes. Parece haver uma expectativa por parte dos pais e

uma certa ansiedade da professora em relação aos livros didáticos que uma vez adotados,

deveriam ser plenamente respondidos em seus exercícios como garantia do cumprimento

do programa curricular anual. Entretanto, atividades que não conduzem à discussão e à

reflexão, com exercícios mecânicos, repetitivos e sem significados para o aluno aparecem

com freqüência em vários livros didáticos, enquanto muitos objetivos curriculares

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poderiam ser mais bem alcançados com atividades concretas, criativas e que

possibilitassem participação interativa do aluno com outros materiais e com os colegas.

Quando as atividades são mecânicas e o aluno deve faze- la individualmente,

não trazem ao aluno nenhum desafio. Se aquilo que faz não lhe acrescenta uma nova

aprendizagem, tal atividade não instiga, não motiva: cansa. O aluno estaria então

provavelmente trabalhando em um nível mental de tédio e, portanto, essa “aprendizagem”

não estaria atuando em sua Zona de Desenvolvimento Proximal: “na medida em que

oferecia à criança problemas que ela era capaz de resolver sozinha, esse método foi

incapaz de utilizar a zona de desenvolvimento proximal e de dirigir a criança para aquilo

que ela ainda não era capaz de fazer” (Vigotski, 1998, p. 130).

As atividades que envolvem discussões desencadeiam processos mentais

significativos que favorecem a participação ativa do aluno em processos de elaboração de

sua linguagem e que impulsionam a sua aprendizagem. Esse processo dialético presente na

interação possibilita o alcance de aprendizagens em níveis mais profundos e avançados

adiantando-se ao desenvolvimento real do aluno. Esse tipo de aprendizagem atua,

desenvolve e cria a ZDP.

A contribuição dos teóricos da AC no desenvolvimento de técnicas específicas

objetiva aumentar a participação e a interação dos alunos nessas atividades de interação.

Através de técnicas como “Juntando Cabeças Numeradas”, Duplas Cooperativas”, Mesa

Redonda”, “Jig-Saw”, Resolução de Problemas”, para citar algumas, a participação dos

alunos é maximizada de tal forma que, em algumas atividades, 50% deles estão

participando falando concomitantemente. O principio é o seguinte: os alunos aprendem

melhor quando estão refletindo e falando sobre sua aprendizagem. Por ser um processo

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ativo, elimina o tédio presente nas atividades passivas. As atividades em equipe, quando

existe sinergia, em si mesmas são desafiantes.

Ao perceber a crença e a defesa entusiasta dos teóricos da AC sobre as

vantagens da aprendizagem na interação social, percebo também a falta de uma maior

fundamentação teórica que possa contribuir para formar professores mais consciente de

suas ações com argumentos e reflexões de profundidade. A teoria psicológica da ZDP de

Vigotski pode oferecer a sustentação desejada.

Além da carência de profundidade teórica, o pouco conhecimento da

professora sobre atividades específicas para criar situações de interação entre alunos

impede que estes canalizem seu potencial de cooperação para a aprendizagem. O tempo

valioso de proximidade entre os alunos pode ser perdido, quando o professor continua se

prendendo em propor as mesmas atividades individuais como se os alunos estivessem em

fila.

Refletindo sobre as possíveis razões mais profundas de tal dificuldade, percebi

que o ponto fulcral da questão poderia ser uma possível concepção da aprendizagem como

um processo passivo do aluno e sua concepção de conhecimento como um conjunto de

informações a serem transmitidas. Se a professora concebesse o conhecimento como um

conjunto de informações prontas e “embaladas” no livro didático a serem “passadas” e a

aprendizagem como um processo de assimilação passiva desse conhecimento, sua função e

responsabilidades seriam, então, dar conta dessa transmissão.

Concepções sobre o conhecimento e a aprendizage m conflitantes com a prática

da AC, podem estar fortemente arraigadas. Tais concepções podem representar como uma

grande pedra a obstruir o caminho para alcançar os objetivos propostas na AC.

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145

Quando as concepções sobre a natureza do conhecimento e da aprendizagem

na interação social são clarificadas, elas resultam em novas posturas, sendo necessários

novos caminhos. Novos procedimentos práticos necessitarão ser criados. Se técnicas

especificas para essa forma de aprendizagem foram desenvolvidas ao longo de dezenas de

anos de estudos e práticas, o conhecimento de tais técnicas e a compreensão dos princípios

que as fundamentam podem ser úteis na transposição das primeiras dificuldades

encontradas.

3.5 - Sumário do Capítulo

Percebe-se que algumas condições favoráveis e dificuldades parecem ser mais

perceptíveis que outros. Problemas como a indisciplina dos alunos, as dificuldades de

interagir e outros são rapidamente revelados aos nossos olhos, sendo aqueles que primeiro

se evidenciam. No entanto, em uma análise mais profunda, percebe-se que tais obstáculos

se originam de outros problemas que não parecem estar diretamente relacionados à

aprendizagem dos alunos. Essas primeiras dificuldades observadas podem ser

denominados de dificuldades secundárias.

Sendo dificuldades secundárias, são sintomáticos de outro mal: sua causa

primária. Como sintomas podem ser remediados por paliativos e panacéias, mas sua

solução definitiva depende da definição e tratamento da causa.

Transpor as primeiras dificuldades identificadas na AC somente através de

técnicas prática, como “receitas prontas” ou “paliativos” pode trazer solução rápida e

simples. No entanto se a causa não for tocada, o efeito se torna efêmero.

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146

Portanto é necessário identificar quais seriam as dificuldades de origem para

saber se podem ser transpostas e se possível, como fazê- lo. Tais dificuldades podem ser

denominadas de dificuldades primárias. Analisando os dados apresentados, foram

identificadas as seguintes dificuldades primárias:

1. Formação docente não direcionada para o trabalho cooperativo. Essa

lacuna na formação docente pode dificultar que o professor compreenda a importância da

interação social na aprendizagem e que tenha meios para utiliza- la. Tal lacuna pode ocorrer

em três momentos distintos:

a) através da forma como os professores foram ensinados, ou seja , pelo

exemplo legado daqueles com os quais aprenderam;

b) em sua formação específica e, preponderantemente teórica para o

magistério, com pouca ênfase para a construção social do conhecimento;

c) através de cursos de formação contínua em serviço, que no caso estudado,

não haviam sido suficientes em termos de material de pesquisa, de duração e de

profundidade.

d) Dessa formação não apropriada pode resultar o desenvolvimento de

concepções fundamentais tais como “aprendizagem” e”conhecimento” não muito coerentes

ou conflitantes à prática da AC.

2. Resistência a mudanças. A segurança é uma das necessidades básicas do

ser humano. As atividades realizadas com segurança tendem a produzir menos estresse e

facilitar a ordem da classe, a despeito da metodologia adotada. Lidar com situação pouco

familiar pode resultar em que as primeiras dificuldades, mesmo pequenas, sejam tomadas

como referências para a invalidação da proposta.

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Essas dificuldades primárias parecem estar na gênese das seguintes

dificuldades secundárias:

a) aumento da indisciplina na classe;

b) falta de habilidade especifica no manejo da sala na AC;

c) dificuldade em elaborar atividades orientadas para promover a interação

entre os alunos;

d) tendência para priorizar atividades individualizadas, mecânicas e passivas;

e) tendência do professor continuar sendo o transmissor do conhecimento-

produto;

f) falta da devida consideração ás questões afetivas decorrentes da interação

social;

g) restringir o conteúdo ao que está apresentado no livro didático.

As dificuldades primárias e secundárias estão representados no Quadro Sumário

na Figura 1.

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Da mesma forma que as dificuldades, as condições favoráveis se hierarquizam

em primárias e secundárias. Algumas condições primárias parecem possibilitar o

desenvolvimento de outras. Duas condições primárias puderam ser identificadas:

1. Vontade administrativa. A administração da escola, entendendo que a AC

poderia ser positiva para a aprendizagem dos alunos, propiciou condições e apoio à prática.

Não acredito que a experiência e o crescimento na prática fossem possíveis sem tal apoio.

2. Formação em serviço. Por estar acompanhando a aplicação da proposta de

caráter experimental e pela constatação dos obstáculos iniciais, as professoras e eu tivemos

ao longo do ano, muitos encontros de avaliação, estudo, re-planejamento da proposta. Esse

processo dialético entre estudo e prática propiciou notável crescimento para nós duas.

Dessas condições facilitadoras básicas surgiram outras diretamente

relacionadas á aprendizagem dos alunos:

a) crescente segurança da professora sobre o porquê, quando e como aplicar a

AC;

b) planejamento de algumas atividades especificas da AC;

c) acordo com a classe sobre regras básicas;

d) previsão e acordo sobre o tempo (flexível) para cada atividade;

e) auto-avaliação do funcionamento do grupo que desenvolveu aos poucos a

sinergia;

f) variação na formação do grupo de acordo com os objetivos a serem

alcançados;

g) revezamento entre momentos de atividades individuais e momentos de

interação social;

As condições favoráveis na implantação da AC estão representadas na Figura 2.

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150

Formação em serviço

Vontade administrativa

Condições

Processo dialético de estudo, planejamento, prática e avaliação.

Crescente segurança quanto ao porquê, quando e como aplicar a AC

Acordo sobre regras

Organização do tempo

com flexibilidade

Auto-avaliação do grupo

Formação dos grupos de

acordo com os objetivos

Atividades individuais

e interativas alternadas

Percepção dos primeiros resultados positivos: aceitação do trabalho cooperativo ,

primeiras atitudes de solidariedade

Figura 2. Quadro sumário das condições favoráveis na implantação da AC

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Estas parecem ser as dificuldades e as condições favoráveis observados na

implantação da AC na classe estudada e que diretamente ou indiretamente influenciaram

na construção de aprendizagens dos alunos. Porém, em se tratando da análise do próprio

processo cognitivo da aprendizagem ocorrido nessa metodologia quais seriam ass

dificuldades e as condições favoráveis para que a aprendizagem fosse de fato significativa?

No próximo capítulo será esboçada uma análise desse processo em seus aspectos

psicológicos.

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CAPÍTULO 4

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4. O PROCESSO COGNITIVO NA AC: CONDIÇÕES FAVORÁVEIS E

DIFICULDADES As pessoas parecem concentrar-se melhor quando o que lhes é exigido é um pouco mais que o habitual, e elas podem dar mais que o habitual. Se as exigências são poucas demais, elas se entediam. Se tiverem que lidar com coisas demais, ficam ansiosas.

Goleman34

O objetivo deste capítulo é identificar as condições favoráveis e as dificuldades

especificamente observadas no processo cognitivo característico da aprendizagem nas

situações de interação dentro da classe estudada. O capítulo constitui-se da descrição e

interpretação de alguns episódios interativos na sala de aula entre alunos em grupos de níveis

heterogêneos de séries diferentes. Busco interpretar os dados à luz da teoria psicológica do

desenvolvimento cognitivo de Vigotski. A interação entre alunos é denominada de relação

horizontal pelo fato de os alunos estarem, relativamente, entre seus pares. A aprendizagem

dos alunos será analisada qualitativamente, no processo de sua construção. As falas dos alunos

são tomadas como indicadores de tal aprendizagem. Os dados foram selecionados para essa

apresentação e agrupados em quatro categorias:

34 (1994)

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a) natureza da relação horizontal;

b) desempenho acadêmico na AC

c) heterogeneidade dos alunos

d) atividades na AC.

4.1 - Natureza da Relação Horizontal

Em uma das minhas visitas à sala de aula no mês de abril, já estando os alunos

menos preocupados com a minha presença, observei as falas entre professora e alunos.

Uma aluna havia lido uma história e a professora, em seguida, fez algumas perguntas:

Como é o nome da moça da história? (professora). Janine (só alguns alunos respondem). Muito bem (professora). É certo julgar pelas aparências? (professora). Nãão... (Alunos, alguns estavam distraídos, respondendo junto em coro, mas evidentemente, de forma mecânica). Ok. (professora).

Pode se observar que o objetivo da professora é conferir, através das respostas de

meras constatações, algumas informações do texto lido. O diálogo que acontece aqui, não

pode ser considerado como uma estratégia que conduza à reflexão e muito menos como

criador de novos significados. As perguntas não levam os alunos a um envolvimento com o

assunto em questão, nem desenvolve-se-lhes o interesse por formular outras questões. A

avaliação da professora em relação às respostas dos alunos é simples, expressa em pequenas

frases aprovativas. As respostas dos alunos não são tomadas como um enunciado que pode ser

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aproveitado para gerar outras perguntas e construir novos significados. O diálogo da

professora e alunos ocorre numa relação vertical que não favorece o questionamento, a crítica, ou

a contestação.

É possível observar, também, que só a fala da professora tem originalidade e os

alunos respondem aparentemente sem muita reflexão. Pior ainda é que têm entre si, o

comportamento dos colegas como padrão, embora haja exceções, respondendo da mesma

forma que os colegas respondem, por isso alguns falam "não" mecanicamente.

Entre os alunos, a forma de diálogo é diferente. Observei ainda nos primeiros meses,

uma situação em que os alunos estavam trabalhando em grupo. Minha atenção concentrou-se,

por alguns minutos, em um grupo de cinco alunos. As visitas à sala, aparentemente, já eram

vistas com naturalidade para a maior parte deles. Procurava intercalar os momentos de

participação junto com os alunos, nos grupos, com momentos de registro em um canto discreto da

sala. As situações mais interessantes e autênticas pareciam acontecer quando estava

participando com os alunos em alguma atividade. Tratava então, logo que possível, de relatais no

diário, para não perder a riqueza dos detalhes.

No próximo exemplo, aparece uma situação interativa em que os alunos tentam

juntos resolver algumas expressões aritméticas. Segue o diálogo:

Como é esse aqui? (Luan). É assim: multiplique sete vezes doze e aqui resolve primeiro esses dois...(Maru). Claro que não! (Luan. Tenta resolver sozinha mas não consegue). Faz assim... (Maru explica para Luan que tenta fazer mas acha que está errado. Olha em direção à professora). Ih, ela está ocupada... (Luan).

Outra colega que estava no grupo, porém mais distante, levanta-se, chega do lado e

diz:

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Você resolve primeiro esses dois, depois o que está no parêntese e daí.... (Carol). Ah, tá, tá, já entendi... (Luan). Tchau! Tchau!. (Carol). Obrigada. (Luan).

Observa-se aqui alguns pontos interessantes. As relações de antagonismo estão bem

marcadas. Alguns podem contestar e dizer que essa interação não se caracteriza exatamente

como uma Aprendizagem Cooperativa. Isso pode ser verdadeiro dentro de uma visão

idealizada, harmoniosa, em que a aprendizagem cooperativa é tida como um produto acabado. Isto

não acontece aqui. Por outro lado, pode-se afirmar que é uma aprendizagem cooperativa em

processo, considerando-se que a cooperação, com suas atitudes e habilidades embutidas, tem que

ser construída, desenvolvida, e, como todo desenvolvimento humano está sujeita a

avanços e retrocessos.

Comparando com o exemplo anterior, observa-se que, aqui há também a intenção de

transmitir informações, mas existem diferenças. Nesse episódio, observa-se mais animação

entre as falas dos sujeitos. As falas prestam-se como ponto de partida para discussões,

questionamentos, explicações, enfim, criam significados. Luan parece pensar em voz alta, em sua

espontaneidade, ao expressar suas dúvidas. A ajuda de Maru é imediata, embora não conte com a

credibilidade de Luan que, não hesita em expressar seu desacordo em relação à explicação

de Maru.

A relação entre as crianças parece expressar o pensamento, consciente ou não, do

tipo: "você sabe mais ou menos tanto quanto eu sei, assim como eu erro você também pode

errar". A visão da criança sobre seu colega, a partir desse ângulo, coloca-lhe o direito de

aceitar ou não a explicação. Caso a professora estivesse explicando a expressão aritmética, no

quadro, mesmo quando errou na explicação, como vi acontecer uma vez, os alunos poderiam

confiar em sua explicação, como o fizeram naquela ocasião. Eles poderiam confiar na

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autoridade da professora. Neste último caso, a autoridade da professora dificulta a abertura para

o questionamento.

Observa-se que Luan desiste de pedir a ajuda da professora por vê-la ocupada, mas

não hesita em perguntar à colega. Entre eles, as disputas e negociações fluem espontaneamente,

por isso nem sempre são harmoniosas. Neste tipo de diálogo, a linguagem é bem característica

do grupo e da circunstância. É comum dizer-se que, nesses casos, os alunos, entre si "falam a

mesma linguagem".

A explicação da forma de pensar que se desenvolve nos alunos que participam da AC

é pouco explorada nos teóricos dessa metodologia. Neles encontramos resultados de pesquisa e

discussão que apontam para o desenvolvimento da linguagem e de ganhos acadêmicos.

Obviamente, o objetivo desses estudiosos não era desenvolver uma teoria

psicológica do processo de aprendizagem na AC. Justamente nesse aspecto, é que considero a

contribuição teórica de Vigotski sobre a origem das funções mentais superiores próprias da

aprendizagem humana, como legitimadora, enquanto teoria psicológica, dos procedimentos

interativos, permeados de linguagem verbal na AC.

A lei genética de Vigotski (1981), segundo a qual as funções mentais ocorrem

primeiramente no plano social, interpsicológico, para depois aparecerem no plano individual,

intrapsicológico (VIGOTSKI, 1998), significa, grosso modo, que os pensamentos de uma

pessoa e as relações entre esses pensamentos correspondem ao que essa pessoa ouve, verbaliza e

faz no mundo, ou seja, corresponde ao modo como interage com as pessoas e com o mundo.

Essa lei genética tem implicações diretas para a prática da AC. A linguagem verbal, presente

nas interações entre os alunos presta-se à troca de informações, que tem sua inegável

importância. A heterogeneidade entre alunos, em termos de suas experiências prévias, estágios

de aprendizagens alcançados, pode enriquecer essa troca. Mas, além disso, essa comunicação

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entre as crianças consideradas "pares" é diferenciada da relação adulto/criança. Por isso

mesmo, essas interações são mais facilmente caracterizadas pela espontaneidade nas falas, o

que, apesar de não ser impossível de ocorrer, é menos provável na relação vertical

adulto/criança.

Essa maior espontaneidade nas falas das crianças entre si, presente na AC, pode

servir de pontos de partida que levem à criança a pensar e como geradora de novos

significados. Os alunos interagem entre si, em discussões que fluem mais livremente.

Apesar dessa interação não ser muito harmoniosa, há no relato apresentado

anteriormente, mais alguns pontos valiosos que precisam ser ressaltados. Um dos objetivos da

escola estudada é formar seres pensantes e não meros reprodutores do pensamento alheio. Ora,

entre os dois tipos de diálogos, observa-se, no primeiro, onde a relação tende a ser mais

vertical, a afirmação mecânica das respostas que todos os alunos deram e que se julgava ser da

vontade da professora ouvir. Portanto, respostas que reproduzem informações prontas. No

diálogo presente no segundo relato, Luan, quando não concorda, não hesita em dizê-lo. Ao

entender a explicação de Carol, toma consciência do novo conhecimento, pensa e, só então,

concorda "Ah! tá, tá, já entendi!" Portanto, é questionável que a primeira forma de diálogo

contribua para formar sujeitos pensantes. A segunda forma de diálogo, presente na relação

mais horizontal entre alunos, parece melhor atender o objetivo proposto.

A lei genética de Vigotski (1981) sobre o desenvolvimento leva-nos, diante

dessas constatações, a outras implicações para a prática pedagógica:

a) a forma como ocorre o interpsicológico, na interação social, vai determinar a

forma como ocorrerá o intrapsicológico, ou seja, a forma de o sujeito pensar;

b) os dois tipos de interação podem ser tomados como bons ou ruins, dependendo

da perspectiva adotada; porém, a qualidade em termos de funcionamento

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intrapsicológico, ou intramental, não pode ser ignorada. No primeiro caso, não

fica evidente a reflexão por parte dos alunos que não são instigados na resolução

de nenhum conflito; no segundo caso, há um nível, qualitativamente diferente de

consciência sobre o conteúdo estudado, objeto de conhecimento;

c) a escola é o lugar privilegiado para o desenvolvimento da criança, que nela passa

grande parte de sua vida. O contexto é social, essencialmente formativo, para o

bem ou para o mal. A forma como o pensamento no plano social é constituído e

configurado no ambiente escolar precisa ser redimensionada; =

d) se somente a palavra do professor é autoridade absoluta e apenas ele tem a

originalidade ou pensamento de reflexão, os alunos serão meramente reativos e hesitantes em

mostrar iniciativa intelectual.

Tomando a lei genética de Vigotski (1981) , fica mais claro entender porque tantas

crianças depois de passarem um bom tempo na escola, apresentam tanta dificuldade em organizar

seu pensamento ou pensar com maior autonomia. Tal dificuldade de pensar, apenas reflete as

formas de relações interpessoais da sala de aula, do comportamento passivo e reprodutivista

dos colegas, a quem não se foi permitido que pensassem de forma reflexiva.

Os pensamentos dos alunos e as relações que eles vão estabelecer

correspondem ao que esse aluno diz e faz no mundo. A participação do aluno falando,

verbalizando seus significtoridadz no mundo. 0.027 Tc0 0 rgi -0.84 v5t2.41s05Tw 351nespbelece130ridadz no munTc 6.8489 7c 6.8202orma re0.84capazesuldade de tendo s sla�ectual.66 Tj 85.5 0 TD 0 Tc 0 Tw ( ) Tj ET 1 1 1 rg

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160

Embora haja um discurso generalizado pela participacao e cidadadania, a prática

social nos ambientes escolares ainda está marcada pelo autoritarismo e pelo individualismo. A

aprendizagem cooperativa, ao desenvolver a participação ativa do aluno, a discussão, a

autoconfiança e outras habilidades pessoais e sociais, instaura formas de relações

interpsicológicas que segundo Vigotski passam a ser as funções intrapsicológicas, as

formas de pensar conscientemente, com autonomia.

Considerando a forma de contestação mais livre e mais consciente como os alunos

interagem em algumas discussões na relação entre seus pares e tomando como referência a lei

genética de desenvolvimento de Vigotski, pode-se afirmar que tal forma de interação

seria uma condição favorável à construção de pensamento - e por conseguinte de aprendizagem

- vigoroso, autônomo e significativo.

4.2 - Maior Desempenho Acadêmico na Aprendizagem Cooperativa

Na próxima análise, o ponto de partida para a discussão é uma comparação

quantitativa entre o desempenho individual e o desempenho posterior na AC, tendo, nesse

caso, a auto-avaliação dos alunos como indicativo desse desempenho. O objetivo dessa

apresentação numérica não é simplesmente quantificar os ganhos na AC. Os dados

numéricos são redimensionados em interpretação qualitativa do processo no qual tais

desempenhos foram apresentados.

Certamente, esta análise não esgota todos os aspectos envolvidos na trama das

interações. Na observação do processo, algumas vantagens apresentadas na comparação

numérica do desempenho final da atividade mostraram-se problemáticas. A situação é uma

atividade de interpretação de texto entre alunos de séries separadas, sendo três grupos de

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terceira série e dois grupos de quarta série. Embora cada grupo fosse de uma série apenas,

havia nesses grupos uma marcada heterogeneidade, ou seja, os alunos, considerados de alto

desempenho, interagiam com aqueles que apresentam maiores dificuldades. Para esta análise,

focalizei a minha atenção em um dos grupos cuja aprendizagem será discutida.

Na interpretação de texto, a professora explicou aos alunos que aquela atividade,

tinha o objetivo de verificar o que conseguiam fazer sozinhos e em que os diferentes

colegas podiam colaborar. Quando esse tipo de auto-avaliação foi realizado pela primeira vez,

alguns meses antes, o objetivo foi levá-los a refletir sobre as possibilidades de cooperação mútua

que representavam uns aos outros. O fato de poderem auto-avaliar-se e comparar seus

desempenhos individuais e o desempenho em grupo, propiciou elementos para que

vários assumissem posição favorável às práticas interativas diante da constatação da

colaboração mútua. Naquele dia especificamente, meu objetivo era, também, verificar e interpretar

como se processava a construção da aprendizagem a partir da interação.

A atividade aqui analisada foi proposta para a quarta série. Era a interpretação de um

poema narrativo. O poema compunha-se de vinte e nove estrofes e o título era "Natal

Duradouro"35. Primeiramente, os alunos tentavam responder a dez questões, individualmente. Em

seguida, relacionavam em uma ficha 36 própria para esse fim, todas as questões para as quais

conseguiram elaborar uma resposta. Na mesma ficha, relacionavam, também, as questões

cujas respostas eles ignoravam.

Terminada esta etapa, os alunos foram organizados por escolha sugerida da

professora em dois grupos de três alunos. A essa altura, no mês de outubro, grande parte dos

35 O poema "Natal Duradouro" e as questões relativas de interpretação constam no anexos 11. 36 Essa ficha é parte de uma adaptação da técnica K-W-L que também consta no anexos.

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alunos já estava acostumada com a rotatividade dos grupos e a maioria se relacionava sem

grandes antagonismos.

Discutiram, então, as respostas que cada um havia dado às questões. Após a discussão,

registraram as respostas desenvolvidas nessa última etapa. Das dez questões, a primeira pedia o

significado de quatro expressões do texto. O significado não deveria ser buscado, de

imediato, no dicionário, mas evocado a partir do sentido próprio, subjetivo e construído por

cada um. Posteriormente seriam discutidos entre os alunos e finalmente confrontados com o

significado formal, "dicionarizado" (Vigotski, 2003a, p. 181), apresentado pela professora.

Para uma das quatro questões seguintes, a resposta era pessoal e para outras, as respostas não

estavam explícitas no texto. As cinco últimas questões propunham o debate de opiniões sobre os

temas violência, amor e miséria ou eram relativas à vivência dos alunos, sendo necessário o relato

de suas experiências cotidianas.

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Tabela 1 - Diferença entre percentuais de acertos individuais e de acertos em grupo, em atividade

de interpretação de texto com dez questões.

Alunos Resolução individual Resolução em grupo

RC % RC %

Carol

Maru

Peter

Leny

Luana

Winny

5 50

8 80

7 70

7 70

5 50

6 60

9 90

9 90

9 90

9 90

9 90

9 90

Parecem dizer mais acerca do quanto os alunos estavam enxergando sua cooperação recíproca e

isso teve o seu valor, uma vez que a sinergia favorece a disposição em cooperar.

Existe a possibilidade de que as respostas desenvolvidas nos grupos fossem

inadequadas, incoerentes e mesmo assim, tenham sido consideradas pelos alunos como

corretas. Poderia ter ocorrido a aceitação passiva da resposta do colega, sem compreensão ou

Sendo: RC – Respostas certas. Nota: A coluna “Resolução em grupo” considera a soma dos acertos das questões respondidas em grupo somados aos acertos individuais anteriores.

Considerando os percentuais de questões respondidas na interação social em

relação aos percentuais de questões respondidas pelos alunos de forma isolada, verifica-se um

aumento que não pode ser desconsiderado. Observa-se que nenhum aluno sozinho conseguiu

responder com acerto ao percentual de 90%, conseguido em seguida no momento de troca de

idéias e discussão, acrescendo assim aos acertos individuais anteriores.

Porém, estes números, por si só, não são suficientes para uma conclusão sobre as

vantagens da AC. A amostra é apenas um grupo e em uma situação específica. As

porcentagens não traduzem a qualidade das respostas ou dos significados construídos, no grupo.

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reflexão. Portanto, esses números não podem ser considerados isoladamente. Considerando

essas possibilidades, esse resultado deve ser confrontado com outras observações e análise

interpretativa do processo.

Um ponto a ressaltar na atividade foi a etapa de respostas individuais que ocorreu

antes da interação. Essa atividade individual alterou os resultados na interação, à medida que

todos fizeram ou deveriam ter feito as suas respostas para depois poder partilhá-las ao grupo.

Esse momento de trabalho individual é fundamental para desenvolver a responsabilidade

individual, um dos princípios básicos da AC, segundo seus teóricos.

Para poder interpretar os dados numéricos apresentados, relato algumas falas que

observei entre os alunos de um grupo formado por dois alunos e uma aluna enquanto estavam

interagindo nesta atividade de interpretação de texto. Carol é uma menina de dez anos, parece

segura e seu desempenho é muito bom. Tinha paciência para ensinar e ajudou vários colegas

na sala. Peter tem dez anos também, é um aluno que procura fazer todas as suas tarefas e

tem um desempenho satisfatório. Tanto Carol quanto Peter, vinham de um contexto familiar sócio-

economicamente estável, segundo a professora. Winny tem onze anos e apresenta

dificuldades consideráveis como foi apresntado anteriormente.

O enunciado da questão que discutiam era: "qual o significado do segundo verso da

primeira estrofe?" O verso a que se refere é "num país de muita areia" e o significado no texto

é o deserto de Israel, lugar onde se dá o acontecimento.

O que vocês responderam nessa primeira aqui? (Carol). era malvado de medo... (Winny). Deserto (Peter e Winny falam ao mesmo tempo). Deserto? Onde você viu deserto aí? Aqui ó... mostra outro verso em outra estrofe. (Winny). Não é esse não, Winny.... (Carol). É esse aqui ó... num país de muita areia... é num deserto, não to falando? (Peter). Isso mesmo! Lugar de muita areia... é num deserto... Você nunca viu um filme daqueles de deserto? A outra., como é que ficou? (Carol). Ah!... (Winny).

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Winny não titubeia em perguntar e em contestar, mesmo não tendo a resposta devida:

"Deserto? Onde você viu deserto aí? Aqui ó..." Novamente, percebe-se aqui a espontaneidade nas

falas entre os aluno

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meninos haviam registrado duas questões na ficha de auto-avaliação tanto na coluna do que

conseguiam fazer sozinhos como na coluna do que aprenderam depois no grupo. Disse-lhes

que eu não havia entendido o porquê daquelas questões estarem assinaladas duas vezes. Peter

respondeu-me que "tinha depois uma resposta melhor", Winny não soube responder. O que

me levou a acreditar que Peter havia respondido as questões de uma forma e depois, na

interação, considerou que as respostas do outro eram corretas. Quanto a Winny, poderia ter

ocorrido que, não tendo certeza de suas primeiras respostas, copiou as respostas do outro. Por

não saber dar a razão dessas respostas pode tê-las copiado sem compreender ou refletir sobre

os seus significados. De qualquer forma, perdi a oportunidade de compreender melhor sobre a

construção dessa aprendizagem por não haver conversado em seguida com Winny.

Quando Vigotski se refere à aprendizagem por imitação, ele diz que ela é mais que

uma cópia sem significado. Imitação seria para ele a aprendizagem reconstruída a partir do que

é observado no colega . Nesse caso, reproduzir sem compreensão, sem significado, não é

aprender. A aprendizagem subentende a reconstrução, que poderia ser entendida também como

a transferência de tal aprendizado para outras situações, de forma independente.

Se a aprendizagem for baseada apenas na cooperação do colega, percebe-se o risco

do aluno copiar uma resposta de forma irrefletida ou confiar na resposta equivocada do colega.

Nesses casos, o papel do outro, na realidade não ajudou, representando , dessa forma, um

obstáculo à aprendizagem. Percebe-se que não é qualquer colaboração do outro que irá resultar em

aprendizagem na ZDP. Em discussão de episódios apresentados mais adiante voltarei a essa questão.

Quando depois dessa etapa a professora retomou as perguntas, uma delas ninguém

havia conseguido a resposta e outra, vários deles haviam chegado a uma resposta equivocada,

entendendo "Dia de Confraternização Nacional" como "Natal". A mediação do colega, nesse

caso, mostrou-se nula ou até negativa. O papel do outro na AC, ness e caso, pode tanto

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representar uma condição facilitadora de aprendizagem como p ode tornar-se, nessa última

questão, fonte de informação distorcida para essa aprendizagem.

A intervenção da professora foi fundamental, retomando a discussão, levando os

alunos a perceber a incoerência de suas respostas, esgotando todas as possibilidades, ou

mesmo dando a informação. No entanto, mesmo a transmissão de informação já não era mais

recebida de forma mecânica pelo aluno, quando ele tentando achar a resposta através da

discussão, havia iniciado um processo construção do conhecimento na interação com os

colegas.

Embora haja vantagens, já apresentadas, na relação horizontal aluno/aluno, há

o risco de os alunos serem abandonados a si próprios, comprometendo sua

aprendizagem. Percebi que a intervenção da professora torna-se indispensável na AC.

Kagan explica que o papel do professor na AC é estar presente nos grupos

observando e dando assistência, evitando atitude de examinador dos grupos, no

sentido classificatório do termo, ou atitude de direcionamento das respostas. Ele deve intervir

instigando e alimentando a discussão, atento à construção coerente dos conhecimentos

essenciais. A devida intervenção cria condições favoráveis ou sua omissão dificulta que se

alcancem os objetivos da AC. Sem essa devida intervenção, as vantagens nos escores

quantitativos, aparentemente maiores na AC, tornam-se duvidosos.

4.3 - Heterogeneidade dos Alunos nos Grupos

A heterogeneidade de contextos na interação pode favorecer para que

significados subjetivos, produzidos a partir de cada contexto individual sejam re-

significados. Peter descobriu ao interagir com os colegas, que "depois, tinha resposta melhor".

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A partir de suas experiências de vida, seus significados construídos anteriormente serão os

instrumentos com os quais poderá interagir com o objeto de conhecimento e construir novos

significados. O domínio de tarefas, das quais os alunos conseguem desincumbir-se

individualmente, estão situadas, para Vigotski, dentro do seu nível de desenvolvimento real. O

domínio independente de um determinado conceito científico - o significado da palavra

que designa objeto de conhecimento sistematizado culturalmente marca esse nível consolidado

de desenvolvimento (Vigotski, 2003a).

Embora Winni tenha se confundido quanto aos conceitos de estrofe, verso e

deserto, inicialmente, na interação com os colegas, seus significados inadequados - em um

sentido formal - passam por uma re-significação. O fato de Winni parecer haver construído um

novo significado desses termos indica haver nele um potencial "escondido" engendrado na

interação social: sua zona de desenvolvimento proximal.

Na literatura pesquisada de e sobre Vigotski (1998), há citações sobre a

aprendizagem de crianças com outros "companheiros mais capazes". Mas, percebe-se que

Vigotski não teve como seu objetivo ou nao teve tempo para explicitar como imaginava esse

aprendizado que ocorre no outro "mais capaz" ao interagir ensinando, mostrando, ajudando

enfim, o outro "menos capaz". Na interação observada, a aprendizagem parece, em certos

momentos, ter ocorrido em duas vias, como se constata no próximo depoimento.

Transcrevo um trecho de uma longa entrevista realizada com os alunos em

novembro. Tratava-se de um final de semana em que os alunos estavam passando juntos na casa

da diretora. A entrevista gravada foi continuidade de brincadeiras e conversas informais que

realizamos no domingo à tarde, sentados no piso da varanda. Perguntei se os alunos teriam alguém

que os havia ajudado e a quem quisessem agradecer. Carol lembrou-se da atividade de

interpretação de texto que foi relatada acima e disse ter aprendido com o Winny:

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Não tem um só, não. Tem todos. Porque é...quando eu... eu já pedi informações de todos, até do Winny eu já pedi (Carol). Eu? - perguntou surpreso (Winny)

Perguntei: Por que o Winny ajudou? Porque ele mais recebe ajuda... porque ele deixava tudo pela metade... (Maru, risadas de todos). Mas quando eu... fala aí, Carol... você já falou Maru! Em que foi que eu te ajudei? (Winny pergunta, duvidando). É, uma vez ele... acho que ele estava de bem com a vida, por causa que ele respondeu tudo de português... que era até aquele dia que eu não acertei todas as coisas, que eu coloquei lá naquela folha. Ele me disse uma coisa que eu não sabia...foi até...eu me esqueci agora (Carol).

Nesta mesma entrevista, Luan havia observado que: "Eu gosto de ajudar, pelo

menos eu aprendo mais". É que quando eu entendo... eu falo... daí fica mais gravado...”.

Mesmo os alunos considerados mais atrasados podem dar contribuições na

construção de significados compartilhados no grupo. Carol, que demonstrava um nível mais

adiantado de aprendizagens reconheceu ter aprendido "até" com o Winny.

Apesar de Winny ter colaborado na aprendizagem de Carol dizendo algo que ela

talvez não houvesse pensado antes, o ganho de Carol pode ter sido maior pelo próprio

processo mental ativo de reorganização do conhecimento exigido para se ensinar, como foi

constatado por Luan na última fala citada.

O ato de explicar algo ao colega para lhe ensinar pressupõe uma organização ativa do

pensamento, intensificando a atividade neuronal em torno de tal pensamento, clarificando-o,

facilitando novas relações e maximizando a sua própria memorização. O ato de ensinar o outro na

AC, destaca-se como uma relevante condição favorável à intensificação da aprendizagem

significativa do próprio ensinante.

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Quando os alunos são devidamente colocados diante de situações de trocas de

experiências, a heterogeneidade constitui-se em condição favorável à sua aprendizagem. A

dificuldade de Winny parece evidenciar-se principalmente diante de Carol que geralmente tem

facilidade para fazer as atividades. Ao ver as dificuldades de Winny, Carol, em um ato

imediato, com paciência ou não, lhe ensina. A possibilidade de ensinar Winny parece exercer

também uma influência benéfica em Carol, no sentido de se sentir bem consigo mesma por

poder ser útil, demonstrando assim segurança e disponibilidade em ensinar. Se a emoção está

intimamente relacionada à dimensão cognitiva na aprendizagem, os sentimentos positivos que

surgem nesse e desse processo podem ser um elemento de automotivação para a aprendizagem

de Carol e, por conseguinte, uma condição favorável à essa aprendizagem.

No caso em que os alunos de séries distintas interagiam em um mesmo grupo,

a heterogeneidade entre eles ficava acentuada em virtude da diferença de seus supostos níveis de

desenvolvimento maturacional e de possíveis diferenças de nível em aprendizagens prévias.

Algumas atividades de Matemática envolviam vários conteúdos similares às

duas séries. Tomei como indicativo dessa aprendizagem o desempenho dos alunos observado

na realização das tarefas, seus depoimentos e também o parecer da professora.

Perguntei à professora: "o que funcionava melhor, quando os assuntos para as

duas séries eram semelhantes, grupos com alunos da mesma série ou grupos de alunos em que

havia as duas séries juntas? E por que?". Sua resposta foi:

As duas séries juntas. Os alunos da terceira série acham o máximo trabalhar com os da quarta, achavam-se muito capazes em fazer atividades que a quarta série fazia também. Os da quarta gostavam muito de ajudar os da terceira e acabavam aprendendo juntos, descobriam mais coisas.

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Essa interação só era viável quando os conteúdos às duas séries eram semelhantes.

Alguns conteúdos programáticos de Matemática apresentavam similaridades nas duas séries,

variando em certo grau de complexidade. Partindo de materiais concretos e desafiadores como os

jogos, a complexidade das tarefas de quarta séries era dominada pela maior parte dos alunos da

terceira série.

Quando o ponto de partida eram situações lúdicas e/ou concretas, a maior parte dos

alunos de terceira série e os alunos de quarta séries, com dificuldades nessa disciplina,

participavam das atividades sem demonstrar grandes problemas em acompanhar. Havia

algumas exceções: Joni, um menino de bom relacionamento com onze anos, portador

de necessidades especiais, recebendo assistência especializada fora da escola; Delai,

de nove anos, parecendo ter dificuldade em concentrar-se em exercícios mais

abstratos; Sam, que demorava mais que outros alunos em atividades abstratas, para fazer as

contas mais elementares, precisa fazer "risquinhos" no papel, tem nove anos. Os problemas

podem ser de causas diversas, desde a ausência de aprendizagens prévias (compreensão e o

mínimo de automatismo necessário à multiplicação), e/ou até os distúrbios congênitos, no caso de

Joni. Os demais alunos, mesmo de séries distintas, pareciam poder trocar seus conhecimentos

em algumas atividades.

A idéia da ZDP sugere a existência de uma "janela de oportunidade" em cada

momento do desenvolvimento cognitivo de cada aluno considerado individualmente. Essa

"janela" pode variar em sua abertura, sendo mais ou menos estreita. Pode-se considerar que, em

um grupo heterogêneo de alunos, todos únicos, não exista uma única janela para um

determinado tipo de aprendizagem, mas tantas quantas os alunos, e todas tão individualizadas

quanto eles.

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O conceito implica que, em uma sala de aula heterogênea - e sempre elas o são em

menor ou maior grau - as ZDPs dos alunos para os diferentes aprendizados podem ser

diferentes não só em quantidade, como o teste hipotético de Vigotski (1998) quis mostrar,

mas também em qualidade. Ou seja, um aluno pode não ser tão "bom" em Português, mas

pode ajudar o colega em atividades de Matemática que domine.

As habilidades desenvolvidas também são diferentes, de acordo com as experiências

e contextos de cada um. Assim um aluno, mesmo de uma série menos avançada, pode não

saber um conceito científico de "bípedes", mas ter em sua casa galinhas, patos, passarinhos e

pode numa discussão com os colegas, caracterizar e exemplificar o que sãos bípedes, se a

interação for conduzida para isso.

No exemplo hipotético usado por Vigotski para explicar o conceito de ZDP,

como foi apresentado anteriormente, as crianças apresentaram maior capacidade de

resolução das tarefas a partir de uma certa intervenção do examinador em relação a

quando respondem ao teste individualmente. O desempenho e a ZDP foi maior em uma das

meninas. As tarefas que as crianças fizeram de forma independente e depois de forma assistida

seriam as tarefas específicas daquele teste. Pergunto-me, entretanto, a respeito da possibilidade de

resultados diferentes, se eventualmente Vigotski tivesse escolhido outras tarefas para testá- las?

Digamos, se houvesse escolhido tarefas nas quais a criança de ZDP menor fosse quase perita e

a criança de ZDP maior fosse apenas uma iniciante? O resultado não poderia ser inverso?

Evidentemente, Vigotski referia-se às tarefas padronizadas nos testes de Quociente

de Inteligência, largamente usados em sua época. Os escritos de Vigotski não nos legam

considerações pedagógicas estruturadas sobre aplicações do construto teórico da ZDP. No

entanto, a aplicação do conceito de ZDP para situações pedagógicas é possível (Vigotski,

1998). Uma implicação direta para a sala de aula a partir das questões levantadas neste estudo com

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base no conceito da ZDP é o redimensionamento das potencialidades dos alunos, nem

sempre reveladas gratuitamente aos nossos olhos e que podem ser distintas como são distintos

os indivíduos.

A heterogeneidade é apontada por Kagan como a melhor forma de agrupar os alunos.

Em um grupo onde todos sabem resolver as tarefas facilmente ou em um grupo onde todos não

estão sabendo resolvê- las, as oportunidades para interagir ensinando e aprendendo são

mínimas. Ou eles não precisam se ajudar porque já sabem ou eles não têm como se ajudar

porque não sabem. Kagan sugere, então, que os alunos "mais adiantados" sejam colocados

juntos com os alunos que apresentam maiores dificuldades.

Ao tentar agrupar alunos tidos como mais adiantados ou menos adiantados, o

professor pode fazê-lo segundo a percepção do que lhe é revelado no desempenho individual dos

alunos. Algumas surpresas podem surgir, no entanto, quando na interação, esses alunos

passam a processar a aprendizagem dentro da ZDP. Esse potencial "escondido" é alcançado

mais facilmente em uma interação heterogênea pelas oportunidades de interação social

na construção da aprendizagem que se instaura.

Nas atividades relatadas, os grupos são heterogêneos, mas há uma certa similaridade

na experiência presente de cada um que lhes possibilita compartilhar significados. Talvez Carol

esteja falando de um mesmo filme que Winny tenha assistido em que aparecia um deserto; os

jogos, as atividades concretas de Matemática podem evocar alguns significados comuns. Essa

proximidade parece ser uma condição favorável à aprendizagem dos alunos.

Se tivessem um grau excessivo de heterogeneidade, um aluno bem menos adiantado

que outro poderia acreditar cegamente nas respostas do colega percebido como ma is

adiantado, não se considerando capaz de duvidar, de discutir suas respostas ou mesmo, não

sendo capaz de fazê-lo por carecer de significados comuns necessários a sua inteligibilidade.

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Isso parece ter acontecido quando, em outro dia, Carol "ensinava" Sam a fazer

algumas expressões aritméticas. Como Carol estava sendo mais rápida, na explicação, que o

ritmo em que ele poderia acompanhar, percebi que Sam não discordava, não a interrompia

para perguntar, mas também não parecia acompanhar seu raciocínio. Percebi que ao tentar

fazer exercícios semelhantes depois, continuava tendo as mesmas dificuldades, levando-me a

crer que a explicação de Carol não havia ajudado muito.

Tal dificuldade em construir uma determinada aprendizagem a despeito de quanto

o outro intervenha ensinando, mostrando, exemplificando, pode decorrer do fato de esta

habilidade específica a ser desenvolvida estar além dos limiares superiores do

desenvolvimento potencial, além dos limites da zona de desenvolvimento proximal, segundo

Vigotski (1998a). Quando à “heterogeneidade” entre os níveis de desenvolvimento dos alunos é

muito grande, a interação para a construção de determinada aprendizagem que não esteja

dentro dos limiares seria improfícua?

As versões brasileiras e americanas dos escritos de Vigotski, que revisei, apresentam

o termo criar designando o tipo de influência da aprendizagem na ZDP: "We propose that an

essential feature of learning is that it creates the zone of proximal development;" (VYGOTSKY,

1978, p. 90, grifo acrescentado). A força do termo implica a concepção de que a aprendizagem faz

emergir uma ZDP inexistente apriori.

Esse entendimento difere de algumas interpretações contemporâneas apontadas como

problemáticas por Góes (1997) sobre a natureza da relação aprendizagem/ZDP. De acordo

com essas interpretações, a aprendizagem atuaria desenvolvendo um potencial pré-existente,

pré-originado maturacionalmente.

Apesar de Vigotski (1998, p. 113) utilizar as metáforas da biologia "flores" ou

"embriões" e "frutos" referindo-se aos estágios de desenvolvimento, a ZDP não pode ser

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entendida apenas como um conjunto de condições biológicas em maturação. A relação

aprendizagem/desenvolvimento é interativa e dialética e isso modifica a natureza do processo.

Quando o texto fala em criar uma ZDP, Vigotski está enfatizando sua crença de que

os fatores sociais e culturais, principalmente o processo de escolarização (Cole e Scribner, 1998)

expande qualitativamente o desenvolvimento humano e parece refletir o pensamento de que, se o

indivíduo não tem o limiar mínimo para interagir com determinado conhecimento hoje, de

maneira plena ou mesmo rudimentar, esse mesmo aprendizado (ensino, instrução, exemplo)

impulsiona, desperta processos internos que embora não constituam uma ZDP hoje, poderão criá-

la. Dentro desse entendimento entendo que o processo pode ser esboçado, para melhor elucidá-

lo, em quatro estágios:

a) os colegas realizam, verbalizam, mostram exemplificando determinada tarefa.

Alguém que não sabe aquela tarefa - não tendo, portanto, o desenvolvimento real e talvez nem

potencial específico - observa e interage, tentado realizá- la, sem contudo consegui-lo;

b) mesmo não tendo conseguido realizar a tarefa, essa demonstração de um modelo

pode impulsionar o desenvolvimento de processos que, na seqüência, possibilitarão esse aluno a

realizar determinar a tarefa com assistência do outro.

c) esse processo rudimentar de tentativa de interação com o objeto de conhecimento,

a partir da assistência do outro, desperta os processos de desenvolvimento potencial e cria uma

ZDP;

d) na continuidade da interação, a realização da tarefa assistida ou a apropriação

parcial de um conhecimento torna-se tarefa independente ou conhecimento

apropriado individualmente, autônomo. Ou seja, diante da interação desse

potencial com o outro e com o objeto de conhecimento, o desenvolvimento torna-se

real, independente. ,

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Diante desse raciocínio, a explicação que Carol oferecia a Sam não teria alterado em

nada seu processo de desenvolvimento? Não teria criado "brotos" de um potencial a originar

uma ZDP? Que alterações no potencial de desenvolvimento dos alunos de terceira série teriam

ocorrido por conta de conviverem diariamente com alunos de quarta série, supostamente mais

adiantados? Os alunos de terceira teriam criado ZDPs para aprendizagens mais complexas ao

observar discussões de temas específicos de quarta série? Seria essa convivência social uma

condição favorável à aprendizagem dos alunos? Alguns relatos e episódios observados neste

estudo parecem indicar que os alunos de terceira série podem ter construído algum tipo de

aprendizagem diferenciado resultante da interação na AC com alunos considerados mais

adiantados. O objetivo deste estudo não é demonstrar que a interação social com alunos mais

adiantados, por si, já seria uma condição favorável suficiente à aceleração do desenvolvimento

daqueles alunos. Essa influencia é complexa e como foi visto envolve uma gama de outros

fatores que podem concomitantemente corroborar ou dificultar.

Um ponto a ressaltar dentro do conceito da ZDP de Vigotski reside no fato deste

construto chamar a atenção para a plasticidade do cérebro. O cérebro é para ele um sistema

aberto e em constante interação com o meio e que transforma suas estruturas mentais (sem

alterar as estruturas físicas) a medida de sua cultura e a medida de interação com essa cultura e

está preparado para realizar funções diversas dependo das formas de inserção social. A

experiência de interação de alunos de terceira série com alunos mais adiantados à luz do

raciocínio sobre criação da ZDP parece nos indicar uma possível aceleração do

desenvolvimento dos primeiros. No entanto, conclusões mais precisas sobre esta questão,

implícita no bojo da teoria vigotskiana, carecem de outras comprovações empíricas.

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Quando Vigotski coloca que o aprendizado acelera o desenvolvimento é necessário,

contudo, cautela para evitar algumas interpretações impróprias, como é o caso referente à

alfabetização de crianças com idade precoce.

Mesmo não pretendendo tocar o assunto em sua profundidade, não sendo esse o

objetivo deste trabalho, algumas considerações tornam-se pertinentes, para ilustrar a questão.

Sabe-se por exemplo dos riscos que podem surgir diante de algumas interpretações sobre o

aprendizado acelerar o desenvolvimento e suas aplicações à prática da alfabetização.

Percebi que Rego (1994), mesmo fazendo uma retomada ampla do pensamento

vigotskiano, ao falar da alfabetização, parece sugerir a idéia de que a prontidão no

desenvolvimento infantil é desnecessária, sendo o próprio processo de alfabetização suficiente para

a aprendizagem dos mecanismos da leitura e da escrita. O resultado desta interpretação, diante de

comuns solicitações de pais que desejam ver seus filhos "adiantados", pode levar à antecipação de

alguns anos no processo de alfabetização da criança.

Mas, é possível essa aceleração? As pesquisas de Luria (1988) e Montessori que

Vigotski (1998a) cita, sugerem que sim. Contudo essa aceleração seria interessante? Seria

vantajoso do ponto de vista do desenvolvimento do aluno durante sua vida até a fase

adulta? A experiência tem mostrado sérios problemas decorrentes da alfabetização precoce,

como posteriores distúrbios de aprendizagem e cansaço intelectual também precoce.

Se o homem pós-moderno já vem acumulando neuroses em seu frenético cotidiano,

seria interessante encurtar alguns anos de sua infância, no sentido de adiantar processos

mentais abstratos, em uma fase em que a criança poderia estar desenvolvendo seu lado direito do

cérebro (MENDES, 2001), tão necessário ao equilíbrio posterior diante das pressões da vida

adulta sobre seu lado esquerdo do cérebro? E ainda, se a criança não está amadurecida como

seus colegas, poderá esta perceber-se em maiores dificuldades que seus colegas mais

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amadurecidos. O sentimento de fracasso, como uma das primeiras impressões de

aprendizagem escolar, não deve ajudar muito na aceleração dessa aprendizagem. Em outras

palavras, a possibilidade de aceleração em termos de alfabetização existe, mas, na minha

concepção, ela normalmente é desvantajosa e pode ser traumática para a criança.

Entendo que quando Vigotski (1998) está falando na aprendizagem como fator de

desenvolvimento ele não estava concebendo um sujeito ansioso diante de desafios demais,

buscando a aceleração do desenvolvimento como um fim em si mesmo.

É necessário, portanto, entender como o aprendizado impulsiona o desenvolvimento

e qual o papel que a interação heterogênea da escola desempenha nesse processo para tratar a

questão com equilíbrio. Não se deve interpretar que a função da escola seja simplesmente

desafiar os alunos apresentando maiores dificuldades do que eles conseguem fazer sozinhos,

deixando-os ansiosos.

A questão da relação de antecedência da aprendizagem sobre o desenvolvimento é

complexa e, na minha concepção, não deve ser entendida ipsis litteris sem considerar essa

dialética que Vigotski tanto frisou. Em outras palavras, o aprendizado que visa anteceder o

desenvolvimento do indivíduo, sem que esse indivíduo (em suas condições maturacionais e

cognitivas) tenha condições de interagir com o conhecimento, não é aprendizado de

fato. E uma das razões para o indivíduo não interagir pode ser o fato de o desafio da

aprendizagem estar além do limiar superor da sua ZDP, como já foi apresentado.

A ênfase de Vigotski na aprendizagem, um processo de transmissão do saber cultural

que transforma e adianta o desenvolvimento, como um fator determinante para expandir os

poderes da mente, podendo ser a solução para os problemas sociais, deve ser entendida dentro de

seu contexto histórico: a crença extremada nos poderes da educação para resolver os

problemas da sociedade.

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Feitas as ressalvas, pode-se dizer que se o aprendizado é de natureza social, as

interações do professor com os alunos e destes entre si ganham uma nova dimensão. A

heterogeneidade entre os que interagem será um fator que possibilitará o desencadeamento de

tal interação.

4.4 - Natureza das Atividades na Aprendizagem Cooperativa

Não é qualquer cooperação do colega que pode conduzir à aprendizagem. O tipo de

atividade parece desencadear um grau maior ou menor de interação entre as crianças, o que

pode influenciar ou dificultar na construção da aprendizagem em nível de suas zonas de

desenvolvimento proximal. No início do ano, os alunos estavam estudando juntos, em grupos

grandes, mas o grau de interação era mínimo.

Observa-se a diferença do tipo de atividades interativas na aprendizagem de Sam:

Ele demonstra grandes dificuldades em relação às expectativas da escola nas operações

abstratas. Para fazer as contas mais elementares, precisa fazer "risquinhos" no papel. Em um

dia, quando Carol tentava ensiná- lo a fazer as contas de multiplicação, mostrando e falando,

pela falta de atenção demonstrada, ele parece não ter acompanhado de fato o raciocínio da

colega. No entanto, quando Sam participou de atividades como jogos ou outra atividade

criativa com materiais concretos e em grupo, seu envolvimento foi maior, evidenciando que

aquelas atividades lhes eram significativas. Ao participar em um desses jogos de multiplicação,

notei em Sam um nível diferente de interesse e satisfação. Mesmo não acertando todas as suas

vezes no jogo, as contas realizadas "de cabeça" parecem ter adquirido outro significado para ele.

Depois, confessou-me alegre: "Agora estou gostando de Matemática... estou sabendo a tabuada e

antes eu não sabia". Seus olhos brilhavam.

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Apesar das grandes dificuldades de Joni, observei que seu envolvimento emocional e

social nas atividades em que participava ativamente ficava visível e, dentro de seu contexto, as

atividades socializadas adquiriam um significado próprio. Sam e Delai participavam nas

atividades como jogos ou outra atividade que envolvia o manuseio de materiais concretos com um

envolvimento evidente de que aquelas atividades lhes eram significativas.

Observa-se que quando as atividades são específicas para facilitar a interação entre

os alunos heterogêneos, algumas dificuldades mais acentuadas puderam ser superadas. Os

alunos menos adiantados pareceram aprender com menor dificuldade entre seus colegas,

quando as atividades favoreceram a interação social, de forma instigadora.

Gradativamente, a professora foi aplicando algumas atividades, desafios e jogos que

favoreciam a interação entre os alunos. Respondendo a um questionário, ela falou do seu

ponto de vista sobre as vantagens dos jogos:

A facilidade em aprender, mesmo sem saber exatamente o que estavam fazendo quanto ao conteúdo. Ao fazer as atividades escritas depois, eles diziam: ah! eu sei isso, nós fizemos com os jogos!

Sobre o que dificultava a aplicação de mais jogos: "A pressa em terminar todos os

livros em tempo, pois demorávamos com freqüência nos jogos".

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Pude perceber como as crianças ficavam absortas no que estavam fazendo no

momento do jogo. Os alunos foram unânimes em afirmar que gostavam dos jogos e

aprendiam mais jogando que escrevendo no caderno. A professora disse que a vantagem de se

aprender mais facilmente com os jogos. Carol afirmou: "com os jogos é que eu aprendi a fazer

contas assim... direto...de cabeça".

No jogo educativo, o nível de interação dos alunos entre si e com o conhecimento é,

por vezes, qualitativamente superior à aprendizagem individualizada ou passiva. No jogo, cada

um tem a sua vez de participar, as regras são as mesmas para todos, as dificuldades estão em

nível da compreensão do aluno, ou seja, partem de seus significados e não de elementos

Ilustração 3 - Alunos participando de jogos educativos

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desconhecidos e isso exclui, ou minimiza, a ansiedade própria de quando o aluno é colocado

diante de uma tarefa para a qual se acha incapaz.

Vigotski atribuiu um papel fundamental ao brinquedo no desenvolvimento da

criança. Segundo ele (1998, p. 134), "o brinquedo (que na idade escolar transforma-se em

jogos com regras) "cria uma zona de desenvolvimento proximal" e ainda diz: "a criação de

uma situação imaginária pode ser um meio para desenvolver o pensamento abstrato" (Ibid,

p. 136).

O jogo, em si, assim como a discussão de um tema em grupo, já é um desafio. Parte

de elementos significativos para outros desconhecidos para os quais o aluno terá que achar a

resposta e que ele sabe que terá como conseguir. Esse elemento desafiante elimina o tédio que

existe comumente em muitas tarefas mecânicas para as quais o aluno não precisa fazer

esforço mental algum, pois são automatizadas, como as cópias sem significado, os

questionários com respostas que são apenas transcritas do texto ou ainda a cópia de exercícios que

a professora explica no quadro, mas que o aluno não compreende plenamente.

O desenvolvimento de técnicas específicas que visam aumentar a participação e a

interação dos alunos em sala têm sido uma relevante contribuição dos teóricos da AC, como foi

visto.

Além dos jogos, outros três tipos de atividades aplicadas a partir do segundo

semestre e que favoreceram a discussão e o pensamento crítico foram o conflito sócio-

cognitivo proposto em pequenos projetos, o "Jigsaw" e "K-WL"37. Em um exemplo de

projeto, os alunos foram desafiados a debater no grupo duas posições controversas, por

exemplo: "nosso bairro está se desenvolvendo" e "o desenvolvimento do nosso bairro está

parado". A professora descreveu os passos a serem seguidos; as funções de cada um e os

37 A descrição mais detalhada dessas atividades consta nos anexos 07 e 08.

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prazos foram combinados; ela relacionou os conteúdos a serem dominados e relacionou as

fontes de pesquisa. Dentro do grupo, dois alunos defenderam uma posição e outros dois

defenderam a posição contrária. Para isso, deveriam preparar uma apresentação persuasiva e

dominar o conteúdo com seus conceitos. Na apresentação, cada dupla teve a sua vez e,

depois, as duplas inverteram as posições tentando da melhor maneira possível, defender a

posição contrária. Finalmente o grupo preparou um relatório tentando sintetizar as duas posições.

Na primeira vez, os alunos tiveram muitas dúvidas, alguns achavam que não

conseguiriam. Na hora do debate várias dificuldades foram observadas: alguns tinham

vergonha de falar, havia os que levavam a discussão para o nível pessoal ou aqueles que

perdiam o foco da discussão. Contudo, procurando ajudar os alunos nessas dificuldades, os

conflitos cognitivos passaram a ser uma atividade de grande envolvimento e aprendizagem. As

atividades desafiadoras que pareciam pedir-lhes mais do que aparentemente poderiam fazer,

como os projetos e debates e que eles deveriam fazer em grupo tornaram-se condição

favorável à aprendizagem dos alunos. Essas atividades pareciam instigá-los modificando sua

absorção à atividade.

As atividades com materiais concretos, tais como colagens com frações,

supermercado38, ou com jogos eram seguidas de exercícios escritos no livro didático ou no

caderno. Os alunos de terceira série conseguiam, com exceção de alguns, acompanhar os

colegas de quarta série, em exercícios que envolviam a complexidade desta série mais

avançada. Percebe-se que o grau de envolvimento e o nível de aprendizagem parecem

depender também do tipo de atividade desenvolvida na interação social.

38 Atividade realizada em um cantinho da sala onde se simula um supermercado. Com embalagens vazias e dinheiro de brinquedo, as crianças criam problemas envolvendo as quatro operações matemáticas.

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Como foi visto, quando as atividades são mecânicas e sua complexidade está dentro

daquilo que o aluno consegue fazer sozinho, possivelmente, e dependendo dessa atividade, o

aluno pode estar trabalhando em seu nível mental de tédio.

Se por um lado, as atividades muito fáceis ou mecânicas entediam, por outro, tarefas

muito difíceis, que os alunos não conseguem realizar causam ansiedade. Quando os alunos

prevêem que vão fracassar, sua reação comum é a fuga da atenção para outra atividade,

se distraindo com outro objeto de atenção, quem sabe "brigando e pintando o sete", uma

espécie de defesa natural da mente contra a ansiedade. Quando percebem que não

conseguem fazer uma tarefa e têm de enfrentá-la, como em uma prova ou em um exercício para

nota, a alternativa é lutar, mas com ansiedade. A reação e sentimento comuns dos alunos diante

do que não conseguem fazer são fuga ou ansiedade.

As atividade que conduziam à discussões animadas, como os jogos, os desafios

matemáticos, as tarefas com materiais concretos e os debates como os conflitos sócio-

cognitivos dos projetos tinham, em comum, o fato de despertarem nos alunos um nível de

concentração e envolvimento emocional de absorção entre o tédio e a ansiedade. As atividades

passavam a ter um significado para os alunos. Ao passarem para as atividades mais abstratas

relacionadas, pode ocorrer, então, aquela dialética desejável entre o "conhecimento sobre" e a

"familiaridade com", resultando em uma síntese significativa entre o abstrato e o concreto.

Pode-se entender nesse ponto a preocupação de Vigotski quanto à necessária correlação entre os

conceitos científicos a serem ensinados pela escola e os conceitos cotidianos ou outros

conceitos científicos prévios. As aprendizagens significativas estariam, então, sendo construídas

entre os estados emocionais de tédio e ansiedade.

A qualidade da interação social parece ser determinante de quanto e de como se

desenvolverá o aluno em sua ZDP. As atividades que envolvem discussões desencadeiam

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processos mentais significativos que favorecem a participação ativa do aluno - o estímulo de

segunda ordem a que Vigotski se referiu - em processos de elaboração de sua linguagem e que

impulsionam o seu desenvolvimento no sentido de:

a) clarificar e elaborar seus pensamentos para usar a linguagem;

b) transformar o pensamento em palavras, figuras, construções ou outro

instrumento que fará o aluno acreditar que o colega o entendeu;

c) considerar os diferentes aspectos de uma idéia ou tarefa e tomar a perspectiva do

outro colega, descentrando-se da sua;

Para que eles expressem seus pensamentos sobre determinado conhecimento, esse

conhecimento deve ter sido reconstruído, sendo revestido de um significado próprio. Quando o

aluno apenas reproduz, sem compreensão, poderá facilmente se contradizer na sua fala, não

poderá transferir para outras situações o conhecimento reproduzido e por ser este superficial, será

facilmente esquecido.

É compreensível, também, que para a reconstrução, a aprendizagem passe por níveis

mais profundos que aqueles conseguidos pelo aluno quando em uma aprendizagem

individualizada ou passiva. Para verbalizar seus significados sobre uma determinada

informação e para ser entendido, espera-se que tal informação tenha para ele um significado,

ainda que inadequado. Antes de verbalizá-la, com seu significado, essa informação pode ter

passado por processos mais elaborados, reorganizando-a a ponto de poder ser expressa da

forma que julgue ser compreensível.

Ao verbalizar o significado de determinada aprendizagem, este pode ser confrontado

dialeticamente com o significado do outro, que, por sua vez, pode ter passado por um

processo que o tenha levado a conclusões diferentes. Através da interação social, muitos

significados podem ser negociados e passar por uma re-significação, uma nova síntese.

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O que o aluno consegue desempenhar sozinho parece ser menos do que conseguiria

na interação social considerando que o desenvolvimento alcançado em nível da ZDP é maior não

apenas pelo que o aluno ouve, vê, enfim recebe, mas especialmente, pela natureza ativa da sua

participação na interação. Considerando o processo mental ativo e interativo que é

desencadeado através da verbalização, a lei genética do desenvolvimento das funções

superiores para Vigotski (1981) torna-se mais visível e compreensível.

4.5 - Sumário do Capítulo

Da mesma forma que no capítulo anterior, a análise dos processos psicológicos

presentes da AC apresentam dificuldades e condições favoráveis à aprendizagem, em uma

relação de causa e efeito, podendo ser primários ou secundários. Aqui também, a sólida

formação docente para organizar o processo de aprendizagem interativa e facilitar os

processos psicológicos da aprendizagem na AC parece ser uma condição facilitadora básica ou

primária. Por conseguinte, a ausência dessa formação apresenta-se na gênese como elemento

dificultante ou facilitador, portanto, também primário. Da ausência de sólida formação

docente para trabalhar com a AC resultam nas seguintes dificuldades:

1. indefinição da função docente na AC: pode ocorrer a idéia de que basta que os

alunos estejam juntos para que possam interagir em suas aprendizagens.

2. dessa indefinição da função docente pode ocorrer inadequada ou insuficiente

intervenção do professor. No caso da intervenção inadequada, o professor pode, por exemplo,

oferecer respostas prontas aos alunos, podendo vir a alimentar uma relação de dependência do

aluno ao professor ou de reprodução sem contestação do conhecimento transmitido pelo adulto.

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3. não havendo intervenção adequada, pode ainda ocorrer que informações

equivocadas sejam compartilhadas, a partir das respostas incoerentes do outro ou resulte em

pouca ou nenhuma responsabilidade individual do aluno por sua aprendizagem, acrescida

da reprodução sem significado da aprendizagem do outro.

As dificuldades primárias que dão origem às dificuldades secundárias

estão representa, dos no quadro sumário na figura 3.

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Formação docente não suficiente para trabalhar com a AC.

Momentos de indefinição da função e papel docente na AC

Intervenção docente inadequada

Fornecimento de respostas prontas

Intervenção docente não

suficiente

Reprodução sem

contestação do erro do outro

Dependência do aluno e

reprodução do conteúdo sem significado

Figura 3. Quadro sumário das dificuldades no processo cognitivo na AC

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Quanto às condições facilitadoras dos processos psicológicos de aprendizagens

significativas presentes na AC, estas parecem ter, também como condição básica, a formação

docente. Dessa formação o professor adquirirá segurança sobre o processo psicológico da AC, seus

princípios, métodos e técnicas. Essa segurança diminui o estresse do professor e transmite

segurança aos alunos. Dentro de sua função de propiciar situações interativas procurará

organizar grupos heterogêneos, maximizando assim as oportunidades de interação. Da

importância que confere à construção de aprendizagem de forma interativa, e a partir do

conhecimento de como fazê-lo, procurará propiciar aos alunos atividades desafiantes e que

conduzam à interação. De tal formação e da segurança desenvolvida pelo professor resultam os

seguintes elementos favoráveis aos processos psicológicos de aprendizagens significativas:

1. A interação horizontal permeada de expressão verbal espontânea e vigorosa que

caracteriza o pensamento no processo interpsicológico.

2. O processo interpsicológico vigoroso e autônomo que origina pensamentos

vigorosos e autônomos: o intrapsicológico.

3. A organização do pensamento através da verbalização e a solidificação do

conhecimento por parte daquele que ensina.

4. A aprendizagem por modelação (imitação) e assistência pelos alunos mais

adiantados em aprendizagens específicas.

5. A aprendizagem significativa e mais avançada, em nível da ZDP, que os níveis

de desempenho independente para quem ensina e para quem aprende, embora, em níveis

diferentes.

Na figura 4 estão as condições favoráveis aos processos psicológicos de

aprendizagens significativas dentro da hierarquia na qual foram concebidos neste trabalho.

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Figura 4. Quadro sumário das possíveis condições favoráveis aos aspectos psicológicos da AC.

Formação docente para a AC

Conhecimento dos processos psicológicos, princípios e técnicas

Formação de grupos

heterogêneos

Propostas de atividades

desafiantes e instigadoras

Interação horizontal, espontânea e vigorosa (interpsicológico)

Pensamento autônomo,

criativo e vigoroso (intrapsicológico)

Organização do pensamento

e fixação da aprendizagem por aquele que

ensina

Aprendizagem por modelação e assistência

com quem está “mais

adiantado”

Possibilidade aprendizagem mais

avançada que nos níveis de desempenho individual

- ao nível da ZDP

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Percebe-se então, que na análise dos processos psicológicos observados e

possivelmente ocorridos na AC, há várias evidências de condições favoráveis e algumas

dificuldades à construção, pelo aluno, de aprendizagens significativas. Percebe-se também que

isso parece estar vinculado à segurança da prática pedagógica e à credibilidade do professor nas

vantagens de tal prática. A compreensão por parte do professor dos aspectos psicológicos da

construção do conhecimento dentro dos processos interativos parece ser básica em sua

formação. A contribuição de Vigostski pode ser relevante nesse ponto como foi apresentado.

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CAPÍTULO 5

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5 - POSSÍVEIS IMPLICAÇÕES PARA SALA DE AULA

CONVENCIONAL

Relutei em reunir possíveis implicações da experiência realizada para uma sala

de aula convencional. A primeira vista, essas implicações parecem óbvias, mas podem também

se aproximar de generalizações simplistas. Diante de tal risco, convém recordar que o

presente estudo tem sua especificidade e a situação é evidentemente atípica. Como o

contexto de cada sala de aula convencional é particular e único, não seria apropriado

transferir os resultados dessa pesquisa para uma sala de aula qualquer, sem maiores cuidados.

Na medida que tentava escrever, percebia os vazios deixados por esse estudo no sentido de

poder fornecer elementos para generalizações. As tentativas de levantar as implicações do

presente estudo para outra sala de aula devem ser vistas como possibilidades e não se pode

pretender que os resultados desse estudo de caso isolado possam ser generalizados ipsis

literis. As tentativas de levantar as implicações, no entanto, talvez possam ser viáveis se o

leitor, a cada passo da leitura do presente relatório, observar as especificidades do

contexto e procurar avaliar em que essas especificidades assemelham-se ou diferem-se à sua

realidade.

Da experiência estudada ao relato deste capítulo transcorreu-se cerca de um

ano e meio e, nesse ínterim, pude refletir sobre a questão enquanto observava outros

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contextos de aplicação da AC. Além disso, voltei a entrevistar a professora deste estudo

quando ela já se planejava para o seu segundo ano de aplicação da AC em uma sala de aula

convencional, por opção pessoal e a partir de sua experiência com a AC na sala de aula com

séries agrupadas.

Ao longo do ano de 2000, a professora havia lecionado para uma classe de

segunda série com vinte e seis alunos. As diferenças básicas de seu trabalho neste ano

foram as seguintes:

a) a proposta da AC não precisava ser necessariamente aplicada. O projeto

experimental do ano anterior havia encerrado e a professora estava livre para adotar o seu

próprio método de trabalho;

b) a aplicação da AC parece ter sido um processo mais consciente e seguro.

Ao tentar tecer discussão sobre prováveis implicações deste estudo para uma

sala convencional, a partir das constatações dos obstáculos e das condições favoráveis às

aprendizagens significativas dos alunos, não poderia deixar de considerar essa última

entrevista com a professora, na qual ela relata como foi sua experiência de aplicação da AC

em uma sala convencional.

Era final de janeiro de 2001. Dentro de alguns dias eu estaria sendo transferida

para São Luis, no Maranhão e estava me desligando da função de assessoria pedagógica da

sua escola. Achei relevante que ela se cientificasse disso. Se a diferença de nossas funções

profissionais, ainda que inconscientemente, pudesse representar-lhe alguma ameaça à

autenticidade dos seus depoimentos, minha transferência agora minimizava tal preocupação.

Aproveitei, também, para recordar meus objetivos como pesquisadora e que buscava

conhecer a realidade acima da realização das minhas naturais e óbvias expectativas pessoais.

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195

Interessava-me descobrir sua real perspectiva sobre a aplicação da AC em uma sala

convencional.

Chegando à sua casa, lugar combinado, dois dias depois, contou-me que estava

estudando o livro "A Pedagogia da Cooperação" (Carvalho, 2000), um manual para professores

sobre o tema da AC, recém publicado. Percebi que vários fragmentos do texto do livro

estavam sublinhados. A professora havia trabalhado com AC em 2000, soube ali da

sistematização do seu trabalho ao longo do ano:

Esse ano foi bem melhor porque em 99 foi assim... eu estava aprendendo. Em 2000 eu queria saber mais sobre a aprendizagem cooperativa. Queria saber por mim mesma como meus alunos se sairiam e eu acho que tive um bom resultado.

O interesse voluntário da professora em descobrir por si própria os resultados

da AC parecia alimentar-se pelo feedback positivo dos bons resultados que, aos seus olhos,

estava conseguindo. Sobre sua opção por trabalhar dessa forma, disse:

Para mim foi diferente, porque antes (1999) eu achava que estava ali uma pessoa me observando e quando você está na sala e não tem ninguém te observando... sei lá... é diferente.(...) Agora, o ano passado (2000) não, eu já fazia a aprendizagem cooperativa, já tinha aprendido e porque tinha gostado da aprendizagem cooperativa. O ano passado pra mim foi fácil, foi gostoso.

Considerando sua própria opção de adotar a AC em 2000, pareceu-me que, se

em 1999 ela não sentia que a responsabilidade da experiência com o método era toda sua,

tampouco havia rejeitado essa prática, vindo em 2000 a realizar sua "própria experiência" de

forma que, segundo me pareceu, estava mais autônoma e responsável. Sobre sua segurança

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com a forma de trabalhar: "Foi mais tranqüilo. Eu já achava, assim, que eu já sabia mais

coisas, e eu queria verificar por mim mesma o desenvolvimento da aprendizagem cooperativa".

Também não se pode desconsiderar que ensinar para uma série apenas teria sido

mais tranqüilo que para duas séries. Mas a tranqüilidade mencionada refere-se à

organização da classe e das atividades da AC.

5.1 - Possíveis Dificuldades: a Indisciplina

A primeira dificuldade observada na aplicação da AC diz respeito à indisciplina

em sala de aula. Alunos que antes eram incentivados a ficarem quietos deparam-se com uma

situação favorável para que possam falar. Essa nova ordem (ou desordem) que se instaura

pode tornar-se um problema? Poderia ser um obstáculo à aprendizagem dos alunos se a AC

fosse aplicada em uma sala convencional?

Primeiramente, é preciso identificar a concepção de disciplina. Se disciplina

significa o silêncio dos alunos e o controle dos seus corpos inertes no espaço da sala de

aula, a organização dos alunos em grupos vai redundar em "indisciplina" ou o professor

continuará incentivando o silêncio da classe e para alcançá-lo, os alunos deverão trabalhar

individualmente e quietos a despeito de estarem juntos. Nesse caso, a promoção da disciplina

caminha na contramão do processo que levaria aos objetivos da AC.

Se disciplina significa autocontrole e autodisciplina, a partir de acordos

estabelecidos e da compreensão da necessidade de tais acordos e se o conceito está ligado à

noção de responsabilidade e desenvolvimento da autonomia, a participação ativa do aluno é

um objetivo desejável. A discussão e a verbalização, enfim o envolvimento passa a ser

incentivado.

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Quanto ao estabelecimento da ordem em uma sala de aula de AC, fatores

como a personalidade do professor, sua segurança e sua habilidade de relacionar-se

podem ser determinantes. É possível afirmar que tais fatores são determinantes de uma relativa

ordem em qualquer metodologia adotada. No entanto, quando se trata da AC, além desses

fatores determinantes faz-se necessário que o professor desenvolva atitudes específicas

para que os alunos sejam, ao mesmo tempo, incentivados a falar e a participar ativamente e

incentivados a desenvolver uma atitude responsável e organizada. Para isso, pressupõe-se

um preparo específico.

Depois de dois anos procurando praticar a AC a professora já poderia estar em

condição de avaliar a sua trajetória passada. Pedi que falasse especialmente das dificuldades

encontradas na sua experiência: "Outra coisa é a conversa... Se a gente for para sala sem

muitas atividades para eles fazerem,... a bagunça rola solta..."

Perguntei sobre o que fazia para diminuir a conversa: "Você tem que levar

muitas atividades diferentes... quando o grupo termina uma, começa outra..."

A professora faz referência às atividades direcionadas para o trabalho ativo e

interativo dos alunos. Quando eles percebem que as atividades são "diferentes", no sentido de

demandar-lhes maior participação e que o tempo é bem administrado, pode-se ver que ficam

concentrados no que fazem, trocam idéias entre si e por vezes nem percebem que a professora,

em eventuais necessidades, não está presente na sala de aula. O preparo de tais atividades

direcionadas para a interação dos grupos parece ser relativamente mais tranqüilo à medida que

a professora desenvolve sua segurança e entendimento do processo.

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198

5.2 - Atividades (In) Apropriadas

As dificuldades na experiência realizada, quanto ao desenvolvimento de

atividades adequadas à interação dos alunos no grupo, indicam ter, como uma de suas causas

principais, o hábito arraigado na prática pedagógica tradicional que p rivilegia o

cumprimento da transmissão do conteúdo quantitativo, ditado por vezes pelo livro

didático. O apego a tais valores parece estar mais vinculado à concepção do professor sobre

a aprendizagem como um processo de assimilação do conhecimento e a conc epção de

conhecimento como um produto a ser transmitido, que à característica ou peculiaridade da sala

de aula onde ocorre o processo.

A professora fala sobre algumas mudanças nas atividades que passou a propor

aos alunos, com as quais D 0.643j 41.6999aa40io

covenicionaleo qua(dojd�a s achavar maisseguora na prátic: ) Tj 59170359 0 TD 0 Tc 0.1937 Tw ( ) Tj ET 1 1 1 rg .237.5.753.53097.5 24.75 re f BT 59 3819.25 TD 0 0 0 rg /F1 81.25 f -0.1875 Tw ( ) Tj ET 1 1 1 rg .253.536 0.7 8313.5124.75 re f BT 2.5364.25 TD 0 0 0 rg -0.828 Tc 0.4975 Tw Achos que musouo meua l a n r o de a u l . lanejavar eua trbalhl( ) Tj ET 1 1 1 rg .253.5348 8313.5124.75 re f BT 2.53515.75 TD 0 0 0 rg -0.3803 Tc81.8935 Tw (de umjebit, 99a51? Voci� vai lr�s, ) Tj1335 0 TD 00435 Tc 089255 Tw (d�aa ) Tj 27 0 TD .50513 Tc 0 Tw su a u l ,

dodo professorn7ão esd�abeum pe(D tad... Apestard e agmen643j 4 esmud(domuiuto ateoria, m7as n( ) Tj ET 1 1 1 rg .253.53090.7 8313.5124.75 re f BT 2.5313.25 TD 0 0 0 rg -004435 Tc -0.432 Tw (prátic 9a51( ) Tj40.35 0 TD 032029 Tc 0 Tw difr�cil. ) Tj393 0 TD 0 Tc 0.1875 Tw ( ) Tj46 0 TD -012397 Tc 031102 Tw É( ) Tj95735 0 TD .76779 Tc 0 Tw difr�cil ) Tj41.59 0 TD 0 Tc 0.1875 Tw ( ) Tj46 0 TD -008149 Tc 0.6924 Tw opo que ) Tj395735 0 TD -027149 Tc 033424 Tw exigeabeur mais do professo, opo que pe(D tadr esmo. N7ãoadiantra fzj 4 um lanr ) Tj 885735 0 TD -006149 Tc 0.4924 Tw como decoesmme D t ma sal. Teur queeestarchei3o de atividade,o de algumecoisra ovas, do quilo dovoci� (d�agume atividad,ovoci� teur quesaberr maisou( ) Tj ET 1 1 1 rg .253.52246.75.313.5124.75 re f BT 2.5.50.25 TD 0 0 0 rg -0.2096 Tc 077024 Tw meuno como ) Tj6 0.7 0 TD 0.2755 Tc 0 Tw elu aluno ipr� D t to(donma sal. Ent7ã,e agmen643jm( ) Tj ET 1 1 1 rg .253.5221.2598313.5124.75 re f BT 2.52.25 TD 0 0 0 rg -0.4854 Tc8164854 Tw (qde pltic 4teupo (D t dsso. Esou tr:m as ) Tj.18.59 0 TD -022271 Tc 160916 Tw atividade ti�ur queserr mais ) Tj ET 1 1 1 rg .253.52087.5.313.5124.75 re f BT 2.5.129.25 TD 0 0 0 rg 0369 Tc 0 Tw difr�ceis ) Tj465735 0 TD 0 Tc 0.1875 Tw ( ) Tj69 0 TD -02096 Tc19.4655 Tw (os quen qul as queees7ãonro) Tj05 Tc -056275 Tw ( ) Tj142.35 0 TD 039979 Tc 0 Tw livrro aluno. Umt dfen(de ua opsirÿão sou tro ) Tj ET 1 1 1 rg .253.51715.313.5124.75 re f BT 2.51745.75 TD 0 0 0 rg -037445 Tc 0.6810 Tw duplu (dfen(deou troopsirÿã. Elesegoesamomuiut. Foiafant7�s1tid! ) Tj268.59 0 TD 0 Tc 0.1875 Tw ( ) Tj ET 1 1 1 rg .253.5158.2598313.5124.75 re f BT 2.51626 TD 0 0 0 rg ( ) Tj ET 1 1 1 rg 104.25914454376.7514.259 re f BT1626.751475.75 TD 0 0 0 rg /F1 102 f 05 Tw ( ) Tj ET 1 1 1 rg 98.591315442.35279 re f BT156 133.25 TD 0 0 0 rg -024779 Tc(Observu ) Tj399 0 TD -02469 Tc(- ) Tj4.59 0 TD -010929 Tc 09536 Tw sem asmmudn7ÿas l(tip3o de lanejameut3o de ) Tj2130.7 0 TD 081475 Tc 0 Tw (ulu ) Tj23.259 0 TD -022731 Tc 122726 Tw o sdssor ea fz penstar ) Tj ET 1 1 1 rg 98.5989.259442.35274.75 re f BT99 102.25 TD 0 0 0 rg -008161 Tc 195866 Tw nmadutrommud douleapassroopar

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200

humanidade, nem de subestimar o valor de sua intervenção no processo da aprendizagem

dos alunos e Vigotski (1998) resgata a importância da intervenção do professor ao chamar

atencao para o seu papel na ZDP. A questão parece estar na centralização do foco. Na AC o

foco do processo deve ocorrer na interação do grupo.

Se o professor, consciente ou inconscientemente, não valoriza a construção social

do conhecimento, se ele se vê como protagonista do processo ensino-aprendizagem e não

considera o desenvolvimento da autonomia do aluno como um alvo a ser perseguido, ou ainda,

se valoriza tudo isso, mas, não consegue desenvolver estratégias específicas de como

promover essa interação e autonomia, os alunos dificilmente agirão de forma cooperativa,

mesmo que a escola de forma até impositiva decida adotar a AC. Portanto, outra causa para a

não promoção de atividades adequadas à AC pode ser o desconhecimento de procedimentos

específicos à AC que podem indicar pistas para a criação de novos procedimentos.

Quando o professor na AC promove o desenvolvimento de habilidades sociais,

da interdependência positiva, da responsabilidade individual e de processamento do grupo,

os alunos passam a depender menos do professor. Se dependem menos do professor e se para

ele a promoção dessa autonomia é um objetivo a alcançar, sua função deve ser coerente com

esse fim. Na proposta da AC, espera-se do professor outras posturas e outras funções:

planejar atividades direcionadas para favorecer a cooperação entre os alunos, fomentar a

interação social no grupo, organizar o tempo, o currículo e as estratégias dentro de um

modelo no qual a atenção dos alunos será direcionada para seus pares e para o próprio

processo de aprendizagem. Isso exigiria do professor rupturas na perspectiva do próprio

papel de foco central do processo de ensino-aprendizagem. Esse processo dolorido de

ruptura pode, talvez, ser entremeado de momentos de crise de identidade.

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201

5.3 - Conflitos Pessoais entre Alunos

Em uma sala convencional poderia haver atritos pessoais ent re os alunos nos

grupos na aplicação da AC? Mudar de um processo de trabalho individualizado e por vezes

competitivo para trabalhar coletivamente exige um aprendizado direcionado para esse

objetivo. O aprendizado envolve rupturas também com modos de pensar e agir isoladamente

para aprender a viver com o diferente, ter que por vezes mudar de idéias, cedendo às idéias

do outro por serem mais coerentes ou buscar consensos. Pela própria autenticidade observada

nas crianças, acrescida da ausência, por vezes, de habilidades sociais, elas se expõem aos

conflitos na interação nos grupos. Pode-se dizer que, independente do tipo de sala de aula,

os conflitos podem surgir ou evidenciar-se na aplicação da AC, em maior ou menor grau, de

acordo com os contextos individuais de cada aluno e da forma como o professor se antecipa

a esses conflitos pessoais .

Na experiência realizada, a professora pouco ou tardiamente aplicou atividades

direcionadas para desenvolver o espírito de equipe. Por outro lado, ela utilizou mais

freqüentemente de grupos de afinidades onde os conflitos são menos intensos.

Pode-se dizer que, se o professor em qualquer sala convencional decide

trabalhar com a metodologia da AC, acreditando nos aspectos idealistas de cooperação,

solidariedade e união entre seus alunos, possivelmente se desencante ao deparar-se com os

possíveis dificuldades entre seus alunos e isso poderá fazê-lo desistir desta metodologia.

Prever esses conflitos pode ser útil à medida que sejam antecipadas atividades

com objetivos de desenvolver o espírito de equipe e a integração social dos alunos antes

que tais dificuldades surjam ou se avolumem. Desenvolver atividades que proporcionam a

interdependência positiva e a responsabilidade individual pode ser necessário para que

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202

os alunos desenvolvam a sinergia. Essas atividades se não eliminam todos os

conflitos próprios da convivência humana, podem propiciar elementos emocionais para que

os conflitos sejam mais bem administrados.

Posteriormente, ao trabalhar com a AC em uma sala de aula convencional, a

professora deparou-se também com esses tipos de conflitos entre os alunos: "No começo

(do ano de 2000) surgiram aqueles problemas no grupo... Algum aluno não era aceito no

grupo ou quando só tinha um menino junto com as meninas..." . A professora descreve

como transpôs esse obstáculo:

Então têm aquelas atividades, primeiro pra desenvolver o espírito de equipe... Jogos...Atividades pra serem feitas com a colaboração de todos...ah! o grito de guerra.... o cumprimento do grupo eles gostavam muito.

Percebe-se que em 2000, a professora se antecipou a esses tipos de conflitos.

Antes que eles se avolumassem, algumas atividades para integrar o grupo foram realizadas.

Os dados das observações e dos depoimentos parecem indicar que as atividades

direcionadas para desenvolver as habilidades sociais e a sinergia dos grupos podem ser

benéficas ou talvez até indispensáveis se a formação dos grupos for heterogênea e

direcionada pelo professor. Se os aspectos afetivos podem agir contra ou a favor da

aprendizagem, utilizá- los de forma positiva passa a ser uma arte, especialmente, na AC.

Esse fator parece também não estar limitado à sala ser convencional ou não.

5.4 - A Heterogeneidade da Sala de Aula

Como já foi dito, acredita-se que toda sala de aula seja heterogênea, embora

não da mesma forma que a sala estudada. Quais seriam as dificuldades e as condições

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203

favoráveis à aprendizagem dos alunos quando considerada a sua heterogeneidade? Que

implicações as constatações dessa heterogeneidade teriam para uma sala convencional?

A sala de segunda série trabalhada pela professora em 2000, embora sendo de

apenas uma série, não deixava de ser heterogênea. Perguntei- lhe como percebia a influência

de um colega "mais adiantado" em determinado aspecto sobre os outros. Ela foi dizendo que

achava que "parece que um inspira o outro... inspira para o que não é bom também, por isso

a gente tem que acompanhar...". Segundo a professora, a interação entre os alunos

influencia-os à imitação mútua. A professora percebe que alguns parecem copiar o que o

outro tem de mais forte, ou segundo ela no que são "mais adiantados". A segurança em

dominar determinada aprendizagem pode ser um elemento de prestígio, o que não deixa de

influenciar os colegas positivamente. A infância parece ser uma fase da vida crucial para a

aprendizagem por imitação, segundo Vigotski (1998).

No entanto, a vantagem da heterogeneidade do grupo vai além do fato de os

alunos se influenciarem mutuamente. Quando todos no grupo dominam determinada

habilidade ou conhecimento, ou ninguém os domina, as possibilidades de interação são

reduzidas. As diferenças de níveis de conhecimentos e habilidades específicas proporcionam

oportunidades de interação.

Perguntei- lhe então, se nesse sentido, a diferença percebida entre os níveis de

desenvolvimento dos alunos da segunda serie de 2000 teria alguma relação com as

diferenças entre os alunos da terceira e quarta séries observadas na sala trabalhada em 1999?

Como eu estava dizendo, os alunos são mais adiantados que outros em algumas coisas e isso também acontecia entre os alunos de segunda série, só que estudando o mesmo conteúdo. Ah! Eles diziam "o fulano é bom cm Matemática, mas, em Português eu tenho que ensinar". (...) Então não tem esse negócio: "ah! Ele sabe mais do que eu" (em tudo). Então, em 2000 eu não tive esse problema, enquanto que cm 99 eu tinha muito esse negócio de que "ah! ele sabe mais". Eles ficavam se

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comparando em 99. Em 2000 não. Aí, acho que passei essa segurança para eles também para que eles fizessem de maneira diferente. E o resultado foi bem melhor também... assim... eu nem esperava que fosse daquele jeito.

A classe com a qual a professora trabalhou em 2000 era também reconhecida

pela professora como heterogênea. Uma diferença, porém, foi destacada em relação à

heterogeneidade: os alunos da classe de duas séries pareciam evidenciar que essas diferenças

sobressaíam para eles, comentando: "ele sabe mais". A heterogeneidade parece ter sido vista

de forma diferente pelos alunos na classe de uma única série: "o fulano é bom em Matemática,

mas, em Português eu tenho que ensinar". Essa heterogeneidade vista em termos de

compensações poderia ter duas possíveis explicações:

a) um nível maior de segurança da professora em relação à AC que, segundo

ela, pode ter sido transmitida aos alunos através de suas atitudes deliberadas ou não;

b) uma relação mais horizontal que aquela presente entre alunos de séries

diferentes.

O fato de serem da mesma série contribuía para que se enxergassem mutuamente

como "pares", com aprendizagens aproximadas.

A heterogeneidade em uma sala convencional pode ser duplamente positiva, pois

se a interação entre alunos de níveis heterogêneos de habilidades e conhecimentos

específicos propicia a troca de idéias, a relação horizontal não bloqueia a espontaneidade das

contestações e do diálogo vigoroso.

A professora parece ter verificado por si mesma as vantagens da AC e a visão

dessas vantagens parece estar atrelada à percepção de que os alunos têm opiniões, contextos e

níveis diferentes em aprendizagens específicas e a troca de seus saberes os enriquece

mutuamente. A visão dessa heterogeneidade parece fundamental para que o professor

acredite nas vantagens da AC, mas não é suficiente. É preciso criar situações de interação

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205

entre pares heterogêneos. Ou seja, se a classe é heterogênea, mas os grupos são formados

apenas espontaneamente, com base em suas afinidades é possível que os alunos com

habilidades (ou falta delas) semelhantes se aproximem uns dos outros, segregando

grupos "fortes" de grupos "fracos". Nesse caso a heterogeneidade que poderia ser

canalizada em favor da interação e da aprendizagem é desperdiçada e mal empregada.

A heterogeneidade dos grupos é apontada pelos autores da AC como um de

seus princípios básicos. A constatação dessa realidade parece ter implicação imediata para

qualquer sala de aula convencional.

5.5 - A Formação Docente

As dificuldades poderão ser maiores ou menores dependendo da especificidade

de cada sala de aula. Mas acredito que o fator decisivo para a sua transposição seja a

formação docente. Se a formação dos professores nos cursos de licenciatura ou nos cursos de

formação contínua não for adequada ou suficiente, a eficácia na aplicação da proposta pode

ficar comprometida. Acredito que a formação em serviço quando bem estruturada, de

forma que permita que teoria e prática possam ser confrontadas dialeticamente, pode

favorecer o amadurecimento de uma prática pedagógica reflexiva amadurecida considerando

que essa formação deve partir dos saberes da experiência do professor (TARDIF, 2000).

Se o professor estiver decidido e comprometido em promover a construção do

conhecimento dos alunos através de processos interativos e, com o devido preparo, for

conhecedor do seu papel na AC, sua intervenção pode ser oportuna no sentido de se evitar que:

a) sejam oferecidas respostas prontas ao aluno;

b) a passividade do aluno seja reforçada pela sua dependência do professor;

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206

c) o aluno se acomode com a produção do colega do grupo e não desenvolva a

responsabilidade individual;

d) "aprendizagens" sem significados sejam mecanicamente reproduzidas.

No transcorrer da experiência realizada pode-se perceber que o diferencial nos

resultados obtidos esteve, em grande parte, relacionado ao desenvolvimento da segurança

da professora, obtida através do crescimento da experiência em sua prática, aprendendo com

os próprios erros e acertos e, através dessa experiencias, os saberes advindos do estudo

pessoal, nas discussões em reuniões e em leituras puderam ser validados (TARDIF,.

LESSARD, e LAHAYE, 1991). Essa formação em serviço, no entanto, apenas é possível

quando são proporcionados tempo e condições, o que depende também da vontade

administrativa. Esse elemento pode ser, junto com a formação e comprometimento do

professor, determinante do sucesso ou fracasso de qualquer proposta.

À formação do professor, é necessário que se considere como o aluno aprende,

que se considerem os processos cognitivos presentes na AC. Acredito que as concepções

teóricas de Vigotski, embora apenas esboçadas, sobre a ZDP e a lei genética de

desenvolvimento favorecem à compreensão dos processos psicológicos da AC. A

concepção de uma delicada área de aprendizagem que só pode ser desenvolvida em um

contexto de interação social é uma metáfora que redimensiona o papel do professor, de cada

aluno como promotor de aprendizagem de seus colegas e da própria visão do potencial

escondido de cada aluno. Diante da consideração sobre a ZDP. aqueles alunos vistos

como atrasados, fracos parecem dizer-nos "eu não sei isso, mas 'consigo' aprender se

interagir devidamente com quem já sabe". A interação com colegas que estão em níveis

aproximados de desenvolvimento, por compartilharem significados, parece colaborar com

suas aprendizagens. O papel do professor criando situações interativas desafiadoras e dos

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colegas como agentes interativos adquire um valor maior: eles têm o poder de intervir e

mudar o curso da aprendizagem de seus alunos ou colegas.

Quanto aos resultados obtidos, na última entrevista, a professora falou sobre as

vantagens que percebeu no desenvolvimento dos alunos ao estudarem dessa forma, sobre sua

motivação para o estudo que, segundo ela, teria aumentado e sobre sua habilidade de

comunicação que teria melhorado:

Eles passaram a ser mais participativos nas aulas. Alguns que tinham vergonha de falar ficaram mais desinibidos. Eles fazem cada pergunta! Querem saber o porquê das coisas e não têm mais aquela vergonha de dar a opinião deles e quando não aceitam alguma coisa... eles falam mesmo...são mais críticos.

Se o professor t i v e r condições para propiciar atividades interativas coerentes com

os objetivos da AC, a interação horizontal poderá ser canalizada para que o diálogo vigoroso

desenvolva o i n t r a p s i c o l ó g i c o vigoroso. Quando o pensamento se organiza para ser

verbalizado, quando o pensamento se organiza para esclarecer uma l i n h a de r a c i o c í n i o ou para

ensinar, o nível de aprendizagem pode ser mais profundo e essa aprendizagem torna -se

s i g n i f i c a t i v a . Essa aprendiz agem significativa, construída na interação s o c i a l estaria ocorrendo

ao n í v e l da ZDP, n í v e l , portanto, superior àquele que o a l u n o alcançaria em um trabalho

individualizado. Quando as atividades são desafiantes e pedem mais do que a q u i l o que o a l u n o

poderia conseguir facilmente sozinho, elas instigam e o cérebro trabalha como estando em

fluxo. Essa p o s s i b i l i d a d e parece estar além da distinção da sala de a u l a ser ou não ser

convencional.

Apesar dessas possíveis implicações levantadas para uma sala convencion al, o

presente estudo e v i d e n c i a a necessidade de outras pesquisas sobre os intrincados processos

interativos de uma sa la de a u l a no processo de elaboração do conhecimento. Por exemplo, é

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208

necessário desvendar outros possíveis obstáculos que dificultam a apl icação da AC

evidenciados a partir da ótica dos professores em estudos comparativos entre várias realidades.

Outro possível estudo esclarecedor poderia identificar a relação existente entre concepções de

aprendizagem e de conhecimento pelos professores e s ua prática pedagógica, especialmente na

criação de situações de interação social.

Enfim, os resultados deste estudo não conduzem a implicações fechadas para salas

de a u l a c o n v e n c i o n a i s , mas abrem possibilidades e necessidades de outras pesquisas

esclarecedoras sobre o assunto.

5.6 - Sumário do Capítulo

Selecionei algumas categorias mais relevantes neste estudo para identificar

possíveis implicações para uma sala de aula convencional. No levantamento dessas

implicações foi levado em consideração o depoimento da professora da sala pesquisada após

haver utilizado a AC durante o ano de 2000 em uma sala convencional podendo a essa altura

fazer leituras distintas das duas experiências e tendo aplicado a prática a partir da experiência

do ano anterior. Outras implicações podem ser extraídas dos resultados obtidos e relatados

nos capítulos três e quatro deste relatório.

Primeiramente quanto à disciplina pode-se dizer que:

a) a concepção de disciplina, a personalidade do professor (TARDIF, 2000),

sua segurança e habilidade de relacionar-se são mais determinantes do nível de disciplina

que o tipo de sala;

b) o manejo de sala na AC é específico. É necessário conhecê-lo e saber aplicá- lo

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209

c) é necessário planejar atividade para manter os alunos ocupados sendo ativos e

interativos.

Em relação às atividades da AC:

a) para a prática da AC devem ser planejados procedimentos específicos;

b) esses procedimentos devem requisitar a reflexão dos alunos, a interação e

sempre que possível a contestação de idéias em debates;

c) planejar para uma série é menos trabalhoso que para duas, contudo a

heterogeneidade não pode ser perdida de vista em qualquer tipo de sala de aula;

d) é necessário que o professor conheça e desenvolva técnicas específicas para a

AC;

e) propor atividades para desenvolver a interação e a autonomia requer rupturas

do professor com sua perspectiva de foco do processo. Isso pode até produzir certa crise de

identidade. Quanto aos conflitos pessoais entre os Alunos:

a) podem surgir em qualquer tipo de sala. É necessário que o professor se

antecipe;

b) os grupos heterogêneos poderão ser mais evitados por serem mais conflituosos;

d) é necessário propor atividades para desenvolver o espírito de equipe

Quanto à: heterogeneidade dos alunos:

a) toda e qualquer sala de aula é heterogênea;

b) na sala convencional citada os alunos reconhecem que sua heterogeneidade é

relativa em termos de aprendizagem;

c) o professor precisa ter em mente essa heterogeneidade;

d) é necessário canalizar essa heterogeneidade para intensificar a interação dos

alunos.

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210

Quanto à formação docente.

a) a formação docente em serviço pode concorrer significativamente para uma

prática refletida e efetiva;

b) a vontade administrativa é imprescindível para oferecer condições básicas;

c) para uma prática consciente e segura é preciso tentar entender os processos

psicológicos envolvidos na AC.

As concepções de aprendizagem e de conhecimento precisam ser coerentes

com a proposta apresentada. Dependendo da concepção do professor, se concebe o

conhecimento como um produto a ser transmitido e se enxerga a aprendizagem como

recepção, assimilação e reprodução desse conhecimento é possível que nunca consiga

aplicar a AC de forma a alcançar seus reais objetivos. Pode se encantar com a

proposta, com seus resultados já comprovados em outras experiências e até tentar colocá-

la em prática, mas por certo o abandono da metodologia será apenas uma questão de tempo.

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CONCLUSÃO

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212

CONCLUSÃO

Ao longo deste trabalho, foi apresentada um caso de aplicação da metodologia da

aprendizagem cooperativa, como principal característica de uma proposta experimental para o

funcionamento de séries agrupadas.

O objetivo desta pesquisa foi analisar os limites e as possibilidades da

metodologia da aprendizagem cooperativa aplicada em uma sala de aula de séries

agrupadas a partir da identificação das dificuldades e condições favoráveis.

As condições favoráveis primeiramente identificadas na implantação da

proposta são as intervenções do professor no estabelecimento de acordos sobre regras, na

organização do tempo, nas propostas de atividades de auto-avaliação do grupo, na

organização dos grupos de acordo com objetivos desejados e nas propostas de atividades

interativas desafiadoras, com conteúdos problematizados e contextualizados, intercaladas com

atividades individuais, condições estas que facilitam o desenvolvimento da interdependência

positiva e da responsabilidade individual. Não basta dispor os alunos em grupo para

garantir que haverá interação ou cooperação na construção da aprendizagem.

As primeiras e principais dificuldades foram observadas na implantação da

proposta e estão relacionadas às questões de disciplina, aos conflitos pessoais entre os

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213

alunos e à postura do professor como transmissor do conhecimento e ao emprego privilegiado

do tempo com atividades individualizadas, mecânicas e passivas ditadas pelo livro didático.

Quanto às questões de disciplina, dificuldades identificadas apontam para a

necessidade de uma organização do trabalho escolar específico para lidar com elas, sob a

perspectiva de que disciplina está relacionada mais à participação ativa dos alunos,

desenvolvendo cada qual a sua responsabilidade e autodisciplina que ao silêncio e à inércia

destes na sala de aula. Quando disciplina significa somente a quietude da sala, o professor

poderá criar soluções rápidas propondo atividades individualizadas e mecânicas, nas quais

os alunos trabalharão isolados um do outro, a despeito de estarem juntos.

O afloramento de conflitos pessoais pré-existentes entre os alunos ou seu

surgimento a partir da interação social, especialmente nos grupos heterogêneos, é uma

dificuldade que pode levar o professor, sem o devido preparo, a buscar soluções paliativas,

apenas trocando os alunos de grupo ou voltando a dispô- los em grupos de afinidades ou

ainda, retornando cada um ao trabalho isolado, em fila. A formação de grupos heterogêneos

intensifica os conflitos entre os alunos por isso alunos e professora evitam tal formação. A

concepção de maior possibilidade de utilização e de criação da zona de desenvolvimento

proximal nos grupos heterogêneos e do desenvolvimento de procedimentos específicos para

desenvolver o espírito de equipe e de habilidades sociais e afetivas são fundamentais para

tratar essa questão. Os alunos não nascem com habilidades sociais e afetivas. Elas precisam

ser ensinadas. Os conflitos podem ser oportunidades para esse aprendizado.

As condições favoráveis primeiramente observadas no processo da construção da

aprendizagem dependem de situações criadas em sala com propostas de atividades

desafiadoras em uma interação horizontal, espontânea e vigorosa entre pares

heterogêneos. Tal forma de interação pode gerar pensamento criativo e vigoroso. Aquele que

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ensina, por sua vez, constrói a própria aprendizagem de forma significativa ao passar pelo

processo de organização do pensamento para expressar-se e solidifica sua aprendizagem por

haver ensinado. Atividades desafiadoras que conduzem a discussões desencadeiam

aprendizagens em nível da zona de desenvolvimento proximal ao contrário daquelas atividades

em que o aluno consegue fazer sozinho.

As dificuldades identificadas no próprio processo da aprendizagem tais como a

dependência nociva do aluno em relação ao desempenho de seus colegas e a reprodução

sem contestação do erro do colega podem ser suficientes para invalidar os melhores

argumentos em favor da proposta. Tais dificuldades parecem ser a causa pela qual o

trabalho tradicional de grupo não conta ainda com muitos adeptos. Buscar formas de

desenvolver a interdependência positiva e a responsabilidade individual é imprescindível para

transpor essas dificuldades.

As condições favoráveis e as dificuldades facilmente evidenciadas, na

realidade, são sintomas de condições favoráveis e dificuldades mais profundas e

complexas, por isso estes foram aqui denominados de primários enquanto aqueles foram

chamados de secundários.

A formação docente adequada seguida da disponibilidade do professor a

mudanças e, de certa forma, do apoio administrativo são condições favoráveis primárias

geradoras de outras condições favoráveis secundárias e mais visíveis. A disponibilidade a

mudanças e a formação docente insuficiente ou inadequada constituem-se, por sua vez,

em dificuldades primárias ou causas das dificuldades secundárias observadas.

A apropriação das condições favoráveis e a superação das dificuldades exigem

do professor mais que informação sobre as vantagens da metodologia e seu domínio

metodológico. Faz-se necessário uma formação que desenvolva concepções de aprendizagem

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e de conhecimento compatíveis com as práticas da AC, ou seja, o professor deve estar

consciente do processo psicológico presente na AC que justifique seus procedimentos para

finalmente incorporar os princípios e adquirir a instrumentalização metodológica.

Professores podem se lançar à experiência com a AC baseados em uma crença

ingênua de suas vantagens sem estar bem fundamentados e preparados para sua execução.

Ao se deparar com as primeiras dificuldades podem retroceder em sua experiência e nem

sequer chegar a se apropriar das condições favoráveis à aprendizagem dos alunos.

As implicações desses resultados para uma sala convencional são possíveis à

medida que se considere que toda sala convencional é também heterogênea e sua

heterogeneidade pode ser um recurso entre outros a ser utilizado pelo professor na sua

prática. Os resultados indicam que o preparo do professor é mais determinante das

dificuldades e das condições favoráveis à aprendizagem dos alunos que o tipo de sala.

Este estudo levanta indagações e inquietações que podem gerar outras

pesquisas. Por exemplo, seria relevante estudar sobre danos da segregação social nas

interações dos alunos em situações de aprendizagem escolar. Outros estudos poderiam

contribuir na compreensão dos estados emocionais situados entre o tédio e a ansiedade

buscando identificar contextos de aprendizagem que possibilitam o desenvolvimento em

nível da ZDP. Ainda poderiam ser feitas investigações para ampliar a compreensão da

influência de crianças de idade mais avançadas sobre o desenvolvimento de crianças mais

novas quem sabe tomando linguagem como indicativo desse desenvolvimento. E, entre

outras pesquisas relacionadas ao tema, seriam valiosos estudos de caso de crianças que

passaram por casos de alfabetização precoce que pudessem identificar ganhos e perdas de tal

aceleração.

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Considerando as condições favoráveis à construção de aprendizagens

significativas que podem ser utilizadas por professor e alunos, as dificuldades encontradas e

as formas de superá- las, tanto a superação quanto a apropriação reclamam formação teórica

psicológica e epistemológica concreta do professor para tratar as práticas interativas. É

possível afirmar que onde houver esses elementos na formação docente, aliados ao seu

compromisso de buscar melhores formas de propiciar aprendizagens significativas, a

prática poderá solidificar-se. Por outro lado, é questionável a adoção da proposta sem esse

devido preparo do professor.

Professores mal preparados podem encantar-se com promessas de excelência

educacional, principalmente quando advêm de uma cultura que se arroga superior. A

despeito de quanto um programa educacional possa ser consistente, quando mal refletido e

mal aplicado, seu destino não será outro, senão, mais cedo ou mais tarde, ser considerado

apenas mais uma panacéia sem valor. As constatações concorrem para que se acredite que o

sucesso ou fracasso na aplicação da AC depende do que os professores pensam e acreditam.

Parece ser tão simples e tão complexo como isto.

Em suma, pode-se dizer que o ideário da proposta da aprendizagem cooperativa é

factível, sendo esta pesquisa uma a mais a se somar com milhares de ourtras, ainda que em

outros países, que apontam para ganhos na aprendizagem dos alunos, no desenvolvimento de

habilidades sociais e nas habilidades comunicativas, quando a proposta é aplicada atendendo-se

aos seus principios básicos.

O arcabouço teórico sócio-histórico de Vigotski, em especial o conceito de zona

de desenvolvimento proximal e a determinação da linguagem sobre o pensamento parecem

apropriadas para desencadear reflexões e estudos sobre os processos mentais presentes nas

práticas interativas e as contribuições dos teóricos da AC sobre formas de organizar o ensino

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direcionadas para que se ampliem as oportunidades de interação social na elaboração do

conhecimento precisam ser consideradas e, quando necessário, passarem por adequações

sem que se percam os princípios, de acordo com as diversas realidades de sua aplicação.

Nesse sentido, ambas as teorias podem ser articuladas. A teoria vigotskiana legitima,

sedimenta e reforça que para além dos ganhos apontados, as formas vigorosas e espontâneas

da linguagem intrapsicológica geram pensamento autônomo.

As possibilidades apontadas, contudo, podem esbarrar em limites para além da

formação docente. Mesmo havendo uma formação docente que se considere sólida, o que os

professores pensam e acreditam não é apenas subjetivo, mas intersubjetivo. E nessa

intersubjetividade existem propulsões de forças de uma cultura escolar tradicional milenar e

sedimentada, cujos poderes não podem ser desconsiderados. Qual foi o programa de proposta

de mudança na estrutura da forma de ensinar que não tem esbarrado na tradicional estrutura

de organização do trabalho didático adequado à essa escola que temos?

Mesmo assim, apesar das limitações que ora se interpõem em nossa realidade,

prefiro optar pela esperança, apoiada na concepção dialética da história, acreditando que o

professor formado para a aprendiazem cooperativa em uma perspectiva sócio-histórica

reconhece que a cultura escolar que aí temos foi historicamante construída e mais do que estar

em um pretérito perfeito, ela está no presente contínuo, ou seja está sendo contruída, está em

movimento. Há possibilidades de mudanças. A história não acabou.

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ANEXOS

Anexo 1

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Questionário respondido pela professora - Novembro de 1999

1. Quais foram as principais mudanças em seu trabalho neste ano? 2. No ano passado você lecionava apenas para a segunda série e tinha quinze alunos. Neste ano são duas séries juntas e dezesseis alunos. Qual a forma em que você preferiu trabalhar? Por que? 3. Houve aspectos no seu trabalho que foram facilitados pela forma como os alunos trabalham neste ano? 4. Especifique o que dificultou seu trabalho neste ano pelo fato dos alunos estarem em grupos e serem de duas séries diferentes? 5. Como você avaliaria a cooperação dos alunos entre si? 6. Segundo a sua avaliação, como foi a responsabilidade individual dos alunos nos grupos? 7. O que foi feito para desenvolver a responsabilidade individual e do grupo? 8. Como foi o nível da aprendizagem dos alunos, de uma forma geral? 9. Quais são as vantagens de trabalhar com jogos educativos? 10. Quais são as vantagens da aprendizagem dos alunos nos jogos educativos? 11. Como avaliaria a aprendizagem dos alunos nos jogos? 12. O que dificulta, na sua opinião, a aplicação de mais jogos? 13. O que você acha que funcionou melhor: os grupos de afinidades ou aqueles que você escolhia os elementos para a sua formação? Por que acha assim? 14. O que foi mais produtivo: grupos de 8 ou 9 alunos ou de 4 ou 5 alunos? Por que? 15. O que foi mais produtivo: grupos de 4 ou 5 alunos ou duplas? Por que? 16. Como você avaliaria o fato de ter determinado um tempo para os alunos concluírem as tarefas? 17. Em linhas gerais como foram os procedimentos de avaliação? 18. Quando haviam alunos mais adiantados trabalhando com alunos menos adiantados em habilidades específicas, quem saía lucrando? 19. Houve vantagem para aqueles que mais ensinavam? Que tipo de vantagem? 20. Quando o assunto era semelhante para as duas séries, o que você acha que foi mais produtivo, grupos de alunos da mesma série ou grupos em que haviam as duas séries juntas? Por que? 21. Se fosse trabalhar no próximo ano com uma classe organizada da mesma forma, o que pretenderia mudar?

Anexo 02

ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA COM A PROFESSORA - JANEIRO DE 2001

1. Em 2000, você usou na sua sala a aprendizagem cooperativa. Fale sobre sua experiência:

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2. Hoje, depois de ter trabalhado a aprendizagem cooperativa todo o ano de 2000, em uma sala de aula convencional tendo como base a experiência em uma sala de séries agrupadas, o que significa para você a aprendizagem cooperativa? 3. Você acha que foi fácil, natural para os alunos partilharem o que sabem com os seus colegas? 4. Como foi para você o trabalho com a aprendizagem cooperativa em 2000? 5. Foi mais tranqüilo? 6. Também tem o fato de ter sido apenas uma série para trabalhar, não é? 7. Os alunos trabalharam em 2000 o tempo todo em grupos, ou eles tinham momentos em que trabalhava individualmente? 8. Você disse para mim há pouco que às vezes eles queriam trabalhar individualmente. Essa vontade era assim, uma espécie de capricho deles, eles estavam cansados do trabalho cooperativo ou era em atividades que era necessário realmente o trabalho individualizado? 9. Quais são, por exemplo, as atividades, conteúdos, disciplinas em que é mais fácil trabalhar a aprendizagem cooperativa? 10. Onde você acha que os professores podem encontrar dificuldades na aplicação da aprendizagem cooperativa? 11. Fale da sua própria experiência, especialmente no começo, quando você começou a prática, onde você encontrou as maiores dificuldades? 12. Por exemplo, se você der uma atividade da mesma forma que é proposta no livro didático, ou seja, geralmente, atividades para serem feitas individualmente, de que forma os alunos irão interagir? 13. Mesmo trabalhando com uma série apenas, você percebeu que seus alunos são bem diferentes em níveis de aprendizagem. Qual a implicação dessas diferenças na aprendizagem cooperativa, do seu ponto de vista? 14. Você acha que o exemplo de um colega mais adiantado inspira o outro a ser igual? 15. Então, nesse sentido, a experiência com uma classe de alunos com níveis diferentes de aprendizagem, como aquela de terceira e quarta série que você trabalhou em 99, pode ser útil para uma sala de aula convencional? 16. Como eram feitas as avaliações? 17. Quais as vantagens na aprendizagem dos alunos que trabalharam dessa forma? Estão mais preparados depois de terem estudado através da aprendizagem cooperativa ou eles estariam mais preparados se estivessem estudado sozinhos? 18. E a habilidade deles se comunicarem também melhorou? 19. Fazendo um balanço do seu trabalho em 2000, trabalhando a aprendizagem cooperativa em uma sala convencional que conselho ou orientação você daria a outros professores?

Anexo 03

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DESENVOLVIMENTO DO ESPÍRITO DE EQUIPE

Traduzido de Spencer K. 1994

O tipo, a freqüência e o momento para serem feitas atividades para promover espírito de equipe ou a construção de uma identidade para o grupo dependem das necessidades, das características de seus estudantes e de seus próprios valores. Há professores que utilizam a aprendizagem cooperativa com poucas ou nenhuma atividade específica para promover o espírito de equipe do grupo. Há outros que enfatizam as atividades de fortalecimento do grupo, especialmente, quando se trata da primeira formação dos times. Repetidamente, eu escuto dos professores que quando eles usam um bom tempo nessas atividades, esse "tempo perdido" resulta em maiores c melhores realizações acadêmicas. O aparente paradoxo tem uma explicação real: as atividades de construção de uma identidade do time entusiasmam, criam confiança e desenvolve o apoio mútuo os quais, no decorrer do tempo irão favorecer o trabalho acadêmico mais eficiente.

Se há tensões ou divisões entre os estudantes, essas atividades são uma necessidade. Continuar com a prática da aprendizagem cooperativa, sem resolver essas questões, seria algo como fazer uma corrida com grandes pedras em seu tênis. Lembre-se, se você fez uso da formação heterogênea (direcionada), você colocou os alunos junto com outros que talvez eles jamais escolheriam como colegas do time... e assim, alguma atividade para ajuda- los a se tornar uma equipe pode ser necessária.

Nem todas as atividades para unir o time serão tempo perdido ou não serão relacionadas ao currículo. Há muitos conteúdos que podem ser abordados através dessas atividades e que servem aos dois propósitos: unir o grupo e abordar o conteúdo a ser estudado. Por exemplo, quando eu vou introduzir uma lição sobre a História da Grécia a alunos que nunca antes trabalharam em grupos, primeiro peço que eles façam uma mesa redonda listando vários esportes que eles puderem se lembrar. Em seguida segue-se uma lista com programas de televisão. Então, introduzo os termos "comédia" e "tragédia" pedindo aos grupos para que discutam para identificar quais são os programas que são alegres e quais os que são tristes. Eles irão desenhar um rosto triste ao lado do programa que consideram triste, um rosto feliz ao lado dos programas alegres e um rosto triste e feliz ao lado dos programas que são os dois. Essas simples atividades são uma ponte para que eles também relacionem os esportes que eles listaram com as formas de esportes da Olimpíadas da Grécia e como os programas de televisão de hoje que se originaram na tragédia e comédia desenvolvidas primeiramente na forma de teatro da Grécia.

Se a aprendizagem cooperativa for aplicada usando técnicas como o jogo dos cartões The Flash ou Juntando Cabeças Numeradas39, normalmente pouco ou nenhuma atividade específica de construção de identidade do grupo será necessária. Se por outro lado, a lição envolve atividades que potencializam conflitos e nas quais existem desacordos (escolher a forma de trabalhar um projeto) é importante que seja criada antes uma forte e positiva identidade do grupo. Geralmente, os estudantes primários mostram pouca hesitação em trabalhar em grupos. E infelizmente, nas escolas em que se trabalha de forma tradicional, quanto mais avançados os anos escolares, maior a necessidade de se proporcionar atividades para desenvolver o espírito de equipe e a identidade do grupo.

Objetivos para promover o espírito de equipe: 1. Possibilitar o conhecimento do outro. 2. Construir a identidade do time.

39 Nomes designados pela tradutora para os originais Flashcard Game e Numbered Heads Together.

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3. Oferecer apoio mútuo. 4. Valorizar as diferenças. 5. Desenvolver a sinergia

1.1 - Entrevistando o Time

Cada aluno é entrevistado pelos colegas de seu grupo por um tempo determinado. Algumas perguntas podem ser. - Qual é o seu nome? O seu nome está relacionado a alguma história familiar?

Você gosta do seu nome? Sc você pudesse ter outro nome que nome gostaria de ter? Você tem um apelido? Há algum fato interessante associado ao seu nome?

- Onde você já esteve? Por onde cada um já viajou e para onde gostaria de viajar? - O que você quer ser? Que carreira deseja seguir e quais são seus alvos na vida? - Quem você gostaria de ser? Se você pudesse ser um personagem de um filme

ou de uma história, quem gostaria de ser? Por que? As entrevistas são muito úteis na aprendizagem cooperativa como atividades de

conhecimento, mas, além disso, podem ser usadas como lições do conteúdo a ser estudado, levantando os conhecimentos prévios sobre um assunto ou avaliando os conteúdos e a opinião sobre o tema estudado.

Uma outra forma de entrevista é que cada par se entreviste e depois se apresentam ao outro par.

1.2 - Rodadas de Arremesso Existem dezenas de formas de os alunos apresentarem seus nomes. Rodadas de

Arremesso é uma das minhas favoritas. Seguem os passos dessa técnica interessante para serem aprendidos os nomes:

Passo l - os membros do grupo aprendem os nomes: um aluno do grupo faz uma bola de papel e joga para outro, olhando cm sus olhos, enquanto diz. Oi meu nome c Carlos c o seu?" o estudante pega a bola e diz: meu nome é Mara, e qual é o seu?'1 passando a bola de papel para o terceiro colega c assim por diante até que a bola tenha passado várias vezes por cada estudante.

Passo 2 - os membros do grupo começam a usar os nomes de seus colegas. Depois de todos os estudantes terem se apresentado várias vezes, eles começam a usar os nomes. Um estudante diz: "Prazer em conhecê- lo Carlos", olhando nos olhos de Spencer c passa para ele a bola de papel. Spencer então diz: "Estou feliz em estar nesse time, Mara". E assim por diante.

Passo 3 - os membros do grupo fazem a cada um a pergunta: na terceira rodada os alunos usam os nomes dos colegas para perguntar algo como: Spencer, você gosta da escola? Ou outra pergunta. Sc o estudante não gosta da pergunta, pode responder com uma questão que gostaria que lhe tivessem perguntado.

1 - CONHECENDO o OUTRO

As atividades que possibilitam o conhecimento do outro ajudam os membros do grupo a se sentirem mais confortáveis c satisfaz sua necessidade de pertencer a um grupo. Ë importante que cada um se sinta parte do grupo c aceito como um de seus membros.

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1.3 - Rodada pela Esquerda : (para alunos das séries iniciais) Cada aluno apresenta o seu colega da esquerda, tomando e levantando a sua mão. Depois que todos se apresentam, eles se aplaudem de pé. Na apresentação podem ser acrescentadas informações sobre o carro do sonho de cada um, seu sonho de férias.

1.4 - O que só nos temos em comum: Os alunos fazem uma lista de suas preferências (alimentos, disciplina, esporte,

passatempo), de lugares onde estiveram, de onde não estiveram, do número de pessoas de cada família, de tipo de brinquedo, animal de estimação... Se todos gostam de sorvete, mas as pessoas de outros grupos também gostam de sorvete então essa é uma característica comum. Porém se todos os alunos de um grupo preferem sorvete de abacaxi com creme, essa é uma peculiaridade daquele grupo. Descobrir o que só o grupo tem em comum, ajuda a construir a identidade o time. "Nós somos o grupo em que todos preferem sorvete de abacaxi com creme e todos sonham em visitar o Beach Park”, por exemplo.

1.5 - Construindo Janelas: Trata-se de outra técnica para os estudantes identificarem o que eles tem em comum. Passo l - um estudante desenha um retângulo no centro de uma folha de papel e

passa o papel para o seu colega da esquerda. Passo 2-o próximo estudante desenha uma linha do ângulo superior direito do

seu retângulo até o ângulo superior direito da folha. Passo 3-5 - o processo continua até que passando pela mão de cada aluno todos

os cantos do retângulo estejam ligados aos cantos mais próximos da folha. Passo 6 - as quatro sessões de fora são numeradas: l, 2, 3 e 4. Passo 7 - o estudante um sugere alguma coisa que todos podem ter em comum

tais como: "Todos nós gostamos de sorvete de chocolate?" se todos gostam, ele escreve sorvete de chocolate na sessão 4. Se somente dois estudantes gosta então o estudante um escreve na sessão dois. Em seguida, o estudante dois sugere algo que possivelmente os alunos do grupo tenham em comum e registra na janela apropriada. A Mesa Redonda continua e eles descobrem que eles têm em comum e em que característica são únicos. Eles verificam especialmente as qualidades que eles têm que os fazem distintos de outros grupos. Mais tarde, eles criam um nome do time baseado nas suas qualidades comuns e a parte central do retângulo é usada para registrar o nome.

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2 - CONSTRUINDO A IDENTIDADE DO TIME

O time pode desenvolver sua identidade ao definir por si mesmos seu nome, uma saudação ou descobrindo junto a solução para um problema. A conclusão bem sucedida de um projeto do time aumenta o seu senso de identidade se ao time é permitido completar o projeto com liberdade para tomar algumas decisões por eles mesmos.

2.1 - Projeto do time: Quem nós somos? O nome do time: quando o time é formado, pode ser solicitado que eles façam

um mural de seu time contendo o seu nome. Duas simples regras: a) cada membro do grupo deve dar sua sugestão; b) nenhuma decisão deve ser tomada sem ter o consentimento de cada um; Chapéu do time (séries iniciais) - o time poderá fazer um chapéu de papel. Cada

time fará seu chapéu de uma forma que os distinga dos demais grupos. Saudação do time: (um aperto de mão diferenciado) os estudantes desenvolvem

uma saudação que seja relacionada ao se nome. De novo a mesma regra: nenhum logotipo do time ou grito de guerra ou saudação deve ser criado, a menos que todos estejam de acordo.

Grito de guerra do time: A saudação do time e seu grito de guerra geralmente estão relacionados ao seu nome.

3- OFERECENDO APOIO MUTUO Não basta o aluno conhecer cada um do seu grupo e sentir que faz parte do grupo. O grupo ganha força quando os membros sabem que podem contar o apoio de cada um. Uma situação de interdependência positiva cria um sentimento de apoio mútuo quando eles sabem que estão lutando do mesmo lado. Algumas sugestões de atividades:

1. Trator cego: os colegas formam uma fila cada um com as mãos na cintura do outro que está à frente. O líder tem os seus olhos tapados e "puxa" os outros pela sala que o orientam e indicam a direção em que ele deve ir. Depois de um certo intervalo de tempo o professor diz: "muda", então o líder passa para o último lugar da fila. Esta atividade produz um sentimento de confiança. Depois que cada aluno tiver sido o líder, os alunos voltam para as suas carteiras e comentam sobre como eles se sentiram como líder e como seguidores do líder e sobre o apoio recebido e dado.

2. Caminho do Cego: um estudante tem os seus olhos tapados e um outro o tome pela mão enquanto passeiam pela sala. O aluno sem venda nos olhos "mostra" ao colega com os olhos tapados a sala através do toque colocando as mãos do colega nos objetos. Depois de alguns minutos, os estudantes trocam as funções. Depois desse exercício de apoio, os alunos discutem como eles se sentiram ao oferecer e receber cuidado.

3. Jogo das palmas: Passo l - Uma pessoa de cada time sai da sala por alguns momentos. Passo 2 - Enquanto isso os três colegas que ficaram escolhem um objeto

qualquer da sala que o colega que está fora deverá encontrar e tocar. Passo 3 - inicia-se a busca. Os colegas que retornaram para a sala começam

simultaneamente a andar e tocar nos objetos para descobrir qual foi determinado. Passo 4 - Os colegas do time mudam a intensidade das palmas conforme o

colega chegue perto do objeto determinado.

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Passo 5 - Quando o colega tocar no objeto, os colegas o aplaudem de pé e o convidam para fazer parte do grupo novamente.

4. ACEITANDO E VALORIZANDO AS DIFERENÇAS As atividades de clarificação de valores são orientadas para três objetivos: 1. Clarificar aos membros do grupo seus próprios valores 2. Clarificar para eles os valores dos colegas; 3. Leva-los a refletir que um aluno não deve impor seu ponto de vista ao outro.

As diferenças mostram aspectos a serem aceitos e com os quais os alunos devem aprender a conviver. Seguem algumas formas de clarificação de algumas escala de valores:

1. Onde me apoio: os estudantes marcam suas posições em uma escala de valores indicando suas preferências. Depois todos do grupo discutem com os colegas com o objetivo de apreciar as diferenças.

2. Que valores são mais importantes? Em uma escala que marca da maior para a menor importância os alunos assinalam o que para eles é mais importante: um mundo de paz, segurança familiar, felicidade, uma vida excitante, inteligência, respeito próprio, salvação, harmonia interior. Em uma segunda parte do exercício, são marcados outro tipos de valores tais como: honestidade, amor, alegria, perdão, ambição, intelectualidade, obediência, imaginação, independência, lógica e responsabilidade. Depois de trabalhar individualmente os estudantes comparam seus resultados e comemoram suas individualidades reveladas em suas diferenças.

3. Projeto: Você precisa de um coração: o time deve fazer uma decisão crucial. Eles devem assinalar cm um número de um a cinco qual seria a prioridade para cinco pacientes que estão aguardando um coração artificial. Uma breve descrição de cada paciente está na folha de atividade que os alunos irão receber. Depois que cada um tomou sua decisão individual e fez suas anotações, os alunos discutem suas ordens de prioridades e tentam chegar a um consenso. A regra é a seguinte: antes que um estudante expresse sua opinião, ele deve dizer algo que demonstre sua valorização pelo pensamento e sentimento do outro que tem uma opinião diferente da sua.

5- DESENVOLVENDO SINERGIA Sinergia é o termo que se refere ao aumento de energia liberada quando indivíduos estão trabalhando em cooperação. Havendo sinergia no grupo, o produto do grupo será melhor que todos o produtos, mesmo do melhor trabalho feito individualmente. A soma das partes interagindo é maior que a soma das partes quando se trabalha individualmente. Há várias atividades de interação que estimulam e produzem o refinamento das idéias. Seguem algumas:

Mesa Redonda: 1. Arte em Rabiscos: cada pessoa desenha uma linha em um pedaço de papel e

passa esse papel para o colega da direita dentro do time. O papel roda e cada estudante acrescenta alguns traços sobre os traços do papel que recebeu para criar uma figura.

2. Arte de Cegos: os alunos tentam construir uma figura enquanto está com os olhos tapados. Cada estudante recebe uma folha e tenta fazer o esboço de uma casa. Eles todos passam o papel para o colega à direita dentro do time. Em seguida eles tentam desenhar uma janela ainda com os olhos tapados (a maioria, geralmente, desenha a janela em um lugar estranho e isso é o divertido da atividade). O papel c passado e eles tentam fazer a porta. Finalmente, a chaminé é colocada na casa. Quando os estudantes destapam seus olhos, eles dão uma grande risada.

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4. Projeto de Sobrevivência no Deserto: o professor prepara uma folha com esta atividade e entrega para cada aluno. Trata-se de uma situação hipotética em que os alunos estão perdidos em um deserto e devem marcar em uma lista de 15 itens necessários à sobrevivência, qual seria a ordem de prioridade.

Passo l - cada membro marca a sua folha individualmente ordenando a prioridade dos 15 itens.

Passo 2-os estudantes conferem as suas respostas e procuram chegar a um consenso sobre a prioridade do time.

Passo 3 - os resultados individuais c do grupo são comparados com uma folha onde está ordenada a prioridade pela Força Aérea Americana.

Passo 4 - Quase sempre o grupo obtêm um melhor resultado que o melhor resultado individual. Sinergia é a percepção de que a soma das partes em interação é superior à soma das partes tomadas isoladamente.

Perdido na Lua: esta é uma atividade semelhante a anterior.

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ANEXO 4

TÉCNICAS ESPECÍFICAS DE APRENDIZAGEM COOPERATIVA

É difícil de assimilar os princípios da aprendizagem cooperativa e aplicá- los

em várias situações do ensino no cotidiano? No começo pode ser bem difícil. Conceitos tais como: interdependência positiva e responsabilidade ind ividual parecem não significar muito, no entanto, quando no treinamento, os professores participam de técnicas como "Juntando Cabeças Numeradas" ou “Duplas Cooperativas”, esses princípios parecem ficar mais claros.

JUNTANDO CABEÇAS NUMERADAS A estrutura desta técnica é bem simples c consiste de quatro passos: 1°. Passo: Cada aluno do grupo "canta" o seu número de um a quatro. Para grupos de três, o número três pode também responder pelo número quatro. Para grupos de cinco o número cinco e o número quatro podem responder quando o número quatro for chamado

2°. Passo- O professor anuncia uma questão e dá um tempo limite. Por exemplo: "baseado no exemplo explicado, resolva este problema..." ou "depois de ter lido o texto, responda a primeira questão".

As questões podem ser de respostas objetivas para as quais os alunos chegariam a um acordo rapidamente. Por exemplo, o professor diz: "coloquem suas cabeças juntas e pensem no nome do elemento químico que combina com o cloro para formar o sal de cozinha." Ou podem ser questões mais complexas para as quais não exista um consenso imediato, como por exemplo: "Como você pode prever o comportamento da economia brasileira, baseado na lei da oferta e da procura?" O tempo será determinado de acordo com a complexidade da questão.

3º. Passo Os estudantes literalmente põem junto as suas cabeças, discutem a resposta e asseguram-se de que cada um saberá reponde- la. O avaliador do grupo exerce claramente a sua função neste momento. Por que colocar as cabeças juntas? Há nesta técnica uma competição saudável entre os grupos, não para verificar quem é o melhor, mas para motivar os alunos. Eles põem suas cabeças juntas como nos jogos esportivos quando o técnico pede tempo para combinarem algumas novas estratégias de jogo.

4°. Passo: o professor chama uni número aleatoriamente, retirando um cartão do bolso, por exemplo. Os estudantes com o número chamado levantam suas mãos para responder. Esta técnica proporciona alto nível de motivação aos alunos, pois se assemelha a um jogo de rodar a roleta, por exemplo. Nunca se sabe qual o número que será chamado. Os números que já foram chamados poderão ser chamados novamente.

Se a resposta está dentro da capacidade da maior parte dos grupos, mas somente um ou dois estudantes levantam suas mãos o professor pode dizer: "nem todos levantaram a mão, vou dar mais um minuto para que todos os números dois saibam responder".

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Sc a resposta tem várias partes como, por exemplo, dar o nome das quatro partes de um átomo então o professor dará a oportunidade de participação para vários alunos: Para o numero um o nome de uma parte, para o número dois o nome de outra c assim por diante. Se o aluno der uma resposta parcial, o professor pode perguntar: "O número três pode conc luir a resposta?

Outras variações de Juntando Cabeças Numeradas podem ser criadas: Uma das melhores formas para melhorar a técnica Juntando cabeças numeradas e proporcionar um tempo para que cada aluno reflita individualmente em sua resposta antes de juntar as cabeças para compartilhar. Esse é um passo muito importante. Através dele há uma maior participação igualitária dos alunos permitindo que cada um formule sua própria resposta antes de compartilhar as idéias.

1.2 - Juntando cabeças numeradas simultaneamente

Há um mínimo de participação dos estudantes, quando somente um é chamado para responder. Quando o número ó chamado c o estudante responde corretamente, o professor não tem uma forma de determinar se os outros estudantes sabem a resposta certa ou não, enquanto um fala os outros ficam calados. Esta variação da técnica permite que todos os estudantes que tenham o número chamado respondam ao mesmo tempo. Há quatro formas de faze- lo:

a. Resposta na Lousa: Ao ser apresentado um problema de matemática, se o número três é chamado,

todos os números três podem ir há lousa para resolver o problema. Alguns professores reservam um espaço para cada grupo colocar sua resposta na lousa.

b. Positivo ou negativo. Se a questão for de verdadeiro ou falso e o número dois for chamado, todos os

números dois que acham que a resposta e verdadeira, fazem um sinal de positivo com o dedo polegar, se acham que é falsa, fazem um sinal de negativo.

Uma variação desta mesma técnica pode ser o uso de bandeiras verde ou vermelha, observando a regra de que ninguém deve tocar na bandeira, até um número ser chamado. Só o número chamado levanta a bandeira. Se as questões forem de alternativas, os números chamados podem usar os dedos da mão para demonstrar o número da alternativa.

c. Placas do grupo. Se a resposta é curta, os estudantes podem escreve- la em tira de papel e o número chamado levanta-a.

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Aplicações: "Juntando cabeças numeradas" pode ser usada para o ensino de fatos, conceitos e

procedimentos, em diversas disciplinas e para o alcance de inúmeros objetivos. Pode ser usada para revisão antes de um teste. O método pode ser usado também para introduzir e motivar os alunos para uma nova lição. Por exemplo, o professor pode perguntar: "levante três razões para a importância da eletricidade" antes de introduzir o conteúdo sobre eletricidade.

Cada resposta certa equivale a pontos que o grupo adquire c podem ser marcados na lousa ao lado do nome do grupo ou em um registro do professor. Esses pontos podem ser acrescidos à nota ou apenas servir como um componente lúdico para motivar os alunos.

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ANEXO 5

DUPLAS COOPERATIVAS

Essa técnica aumenta a participação dos alunos na maior parte do tempo (participação igualitária e interação simultânea) e tem grande efeito motivador devido aos momentos de celebração que ela contém. Pode-se observar aqui que a Interdependência Positiva é facilitada. Os passos são os seguintes.

1° Passo: os times de quatro são divididos em dois pares. Cada par trabalha com uma folha de questões ou com as questões do livro ou do caderno. Enquanto um responde, o colega-par atua como professor, acompanha observando e ajudando, se necessário.

2° Passo, terminada a primeira questão o monitor do par a examina. Caso não cheguem a um consenso sobre a resposta, o par vizinho é consultado. Sc os quatro do time não chegarem a um conceito, os quatro levantam a mão. O professor saberá que a dúvida é do grupo todo e irá intervir, ajudando. Para a segunda questão, trocam-se as posições dentro do par. Quem ensinou resolve a questão e quem estava resolvendo antes passa a ensinar. Antes de passar para a terceira pergunta, conferem-se as respostas dos dois pares.

3º Passo: se o colega monitor (no par) concorda com a questão, o aluno que executou a tarefa é parabenizado. Os pares avaliam suas respostas e se concordam sobre seus acertos, celebram juntos com um aperto de mão ou outro sinal combinado para o time. Essa técnica pode ser usada em várias disciplinas e inúmeros objetivos: Exemplo: a) Analisar uma sentença gramatical; b) Questões de Estudos Sociais; c) Exercícios e problemas matemáticos. Os exercícios podem ser tarefas de casa que são avaliados em duplas na sala de aula. Vantagens da "Dupla Cooperativa": 1. Feedback e o reconhecimento vêm do próprio colega. 2. A tarefa do professor é facilitada. 3. As relações com os colegas são de ajuda e encorajamento. 4. As oportunidades para a correção são muitas, imediatas orientadas para o sucesso. 5. A conversa dos alunos c voltada para a aprendizagem e para a assistência. 6. Os alunos tomam consciência do próprio processo de aprendizagem.

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ANEXO 6

JOGO “THE FLASH”

Este jogo é indicado para facilitar a memorização de informações.O conteúdo

pode variar dependendo da série c da matéria estudada, grau de conhecimento. Antes de brincar com o jogo os estudantes fazem os cartões incluindo os assuntos que são mais difíceis de ser memorizados. Os cartões podem ter muitas formas:

a) A figura e uma maçã de um lado do cartão c a letra M atrás, usado para relembrar a inicial da

letra; b) Uma palavra do vocabulário de um lado e uma definição de outro; c) O nome de uma fórmula de matemática, física ou química de um lado e a

fórmula de outro; e) Uma questão de matemática (tabuada) de um lado c a resolução de

outro. Rodadas do jogo: 1. O máximo de dicas. Uma vez que os cartões estejam prontos os estudantes

sentam cm pares. Um estudante entrega cinco de seus cartões a outro. O aluno-assistente toma um cartão, mostra e lê o título de frente do cartão (questão ou dica) e então mostra ou lê a resposta no verso. Para alunos das series iniciais ou estudantes sinestésicos, o título pode dar uma indicação da resposta ou ser escrita a resposta. O aluno assistente, então, vira o cartão novamente, mostrando a frente c perguntando pela resposta a ser memorizada. O aluno assistido tenta adivinhar uma resposta. Se a resposta for certa o assistido c parabenizado, assim como: você é um aluno fabuloso! Bom trabalho! Ele ganha aquele cartão. À esta altura, 90% das respostas devem ser corretas pois os estudantes perceberam c mostraram a resposta imediatamente antes de se serem perguntados. Se, de qualquer forma o aluno assistido não acertar na resposta, ele recebe uma ajuda particularmente. Ajudas podem ser dadas, uma dica, mostrando e falando sobre o cartão novamente, uma oportunidade para tentar ou escrever, relembrar, responder junto com o tutor, relacionando com as imagens a serem relembradas daquilo que é mais fácil de ser esquecido. Se o aluno assistente ajuda o aluno assistido não ganha o cartão. Mas os cartões voltam par a pilha onde estavam e posteriormente ela será retirada novamente. Nota: esse jogo leva o tempo que é necessário para se memorizarem as informações. As respostas fáceis vão retornando ao aluno c as mais difíceis vão ficando com o assistente até que as respostas sejam acertadas pelo aluno l. Quando o aluno l ganha de volta todas os seus cartões os dois trocam as posições.

2. Rodada 2 - poucas dicas: depois que ambos os estudantes ganharam de volta todos os seus cartões na primeira rodada, eles vão para a rodada 2. Nesta rodada, os mesmos procedimentos da rodada l são seguidos mas pouca agora poucas dicas ou ajudas são dadas c os

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ANEXO 7

Preparo das tarefas:

Distribua um jogo, um texto ou uma série de problemas para cada grupo. O material distribuído necessita ser divisível pelo número dos membros do grupo (2, 3 ou 4 partes). Dê a cada membro uma parte do material, tema ou exercícios.

Estágio de preparação: Proporcione a cada estudante o tempo suficiente para rever, estudar ou preparar individualmente a sua tarefa até ter certeza de que está perito no assunto. Cada um irá procurar na classe outros alunos que tenham a mesma tarefa e formar grupos secundários para preparar a tarefa e encontrar a melhor maneira de resolve-la para ser ensinada depois ao grupo primário.

Pares ou grupos da preparação: Cada aluno desse grupo secundário participará com a sua idéia e todos do grupo deverão elaborar a melhor maneira de ensinarem posteriormente os colegas do grupo primário. Eles praticam, revisam e planejam o que ensinar e como ensinar ao grupo primário. As melhores idéias dos alunos dos grupos ou dos pares são incorporadas a medida que cada um dá a sua participação.

Grupos Cooperativos: Os estudantes retornam aos seus grupos cooperativos de origem e cada um tem a tarefa de ensinar sua parte, que se tornou perito, aos outros membros do grupo e de aprender a parte que será ensinada por eles.

Avaliação: Observe o grau de envolvimento dos estudantes, o preparo das tarefas e verifique se todos tornaram-se realmente peritos nos grupos secundários. Os estudantes auto-avaliarão a participação própria e dos colegas e como se desenvolveram as explicações nos grupos primários, se cada um ouviu ativamente a explicação dos colegas, se as explicações foram claras. Jig-saw é uma maneira flexível de desenvolver a interdependência positiva entre membros do grupo e os professores podem criar muitas variações. Estão aqui diversas modificações que são úteis em circunstâncias diferentes:

1. Dê aos estudantes sub-tópicos e encarregue-os de procurar referências para pesquisa na biblioteca. Isso facilita também o professor.

2. Proponha que o grupo escreva um relatório ou apresente à classe o resultado da tarefa de todo o grupo primário com a especificação dos sub-tópicos estudados.

3. Prepare esboços ou guias de estudo sobre cada sub-tópico e traga pronto para ser distribuído aos estudantes. Com isso, ganha-se um tempo que seria empregado na distribuição e explicação de cada parte.

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ANEXO 8

De acordo com Donna Ogle, o originador de K-W-L, o conhecimento prévio é um aspecto fundamental que determina como nós interpretamos o que lemos ou fazemos e influencia no quanto os estudantes aprenderão de uma leitura ou outra atividade. Infelizmente, a maioria dos professores não emprega o que seus estudantes já sabem a respeito de um tema. O procedimento de K-W-L apóia-se em um princípio básico da psicologia cognitiva de que é sobre as aprendizagens prévias que novos conceitos relacionados poderão ser construídos. O procedimento consiste em três etapas cognitivas: avaliando o que nós sabemos, determinando o que nós queremos aprender, e recordando o que nós aprendemos. Ogle denominou o nome da folha da estratégia de K-W-L, a qual os estudantes podem usar enquanto lêem um novo texto, por exemplo. São apresentadas, aqui as características essenciais de cada etapa no procedimento de K-W-L em um exemplo de uma aula sobre terremotos.

Etapa K: O que Eu Sei. Esta é uma típica sessão de brainstorming – termo sem um equivalente exato em português, traduzido freqüentemente como “tempestade cerebral”, ou seja, um levantamento das idéias que vêm imediatamente à mente quando se aborda um tema. O que os estudantes sabem pode ser escrito no quadro ou pelos estudantes que trabalham em grupos pequenos. O foco neste estágio deve ser específico. Se os estudantes forem ler depois um texto sobre terremotos, pergunta-se: " o que você sabe sobre terremotos? " não " o que você sabe sobre catástrofes naturais? " "manter a pergunta no foco ajuda os estudantes a trazerem a lembrança o que sabem previamente”.

Uma segunda parte da etapa K consiste em propor aos estudantes que categorizem as informações geradas durante a sessão do brainstorming. Por exemplo, no tema terremoto, o professor pôde sugerir que os estudantes agrupem sua informação nas seguintes categorias: causas dos terremotos, como os terremotos são medidos, e danos causas dos por terremotos.

Etapa W: Que eu quero aprender? Esta etapa ajuda os estudantes a ficarem atentos ao foco na leitura que se seguirá. Esta etapa deve ser executada nos grupos. O professor deve pedir que os estudantes escrevam na segunda coluna da folha de K-W-L quais são as questões de seu interesse e que gostariam que fossem respondidas ao ler o texto, em conseqüência da sessão prévia da discussão e do brainstorming. Uma vez que as perguntas já estiverem escritas, o professor propõe aos estudantes que elas sejam compartilhadas nos pequenos grupos, antes de iniciar a leitura.

Etapa L: O que eu aprendi. Os estudantes podem escrever na terceira coluna da folha da estratégia de K-W-L. O que aprenderam após a leitura. Nesse momento, verificarão se suas perguntas forem respondidas, e se algum de seus conhecimentos prévios foi confirmado. Os estudantes devem trabalhar em grupos pequenos e discutir suas perguntas para determinar se suas perguntas forem respondidas.

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ANEXO 9

A FORMAÇÃO DOS GRUPOS1

Várias pesquisas c teorias sobre a aprendizagem cooperativa consideram a heterogeneidade dos grupos como uma característica que a define. A heterogeneidade pode maximizar a troca de experiências, aproximar alunos de classes sociais distintas e sexos opostos c facilitar a disciplina para o professor. No entanto, se o professor sempre usar os grupos heterogêneos, os alunos que estão mais adiantados não terão a oportunidade de interagir com outros de nível aproximado e perderão chances de avançarem mais. Enquanto isso, os que estão menos adiantados, se não interagirem entre eles, perderão a oportunidade de desenvolver uma maior liderança. Há, portanto, a necessidade de variar a formação dos grupos através de vários métodos. Os três métodos mais comuns de associação dos grupos são os seguintes:

a) Formação direcionada pelo professor de grupos heterogêneos; b) Formação aleatória de grupos pelo professor; c) Formação pêlos alunos por afinidades;

Quando for designada a primeira atividade em grupos, uma identificação dos nomes dos componentes de cada grupo poderá já estar na mesa dos grupos indicando onde cada um vai sentar. Isso evita muita confusão. Melhor do que o professor ler o nome de cada aluno e seu respectivo grupo, é colocar uma lista dos quatro nomes nas mesas onde os alunos sentarão e ao entrarem, cada um deverá andar pela sala e procurar o seu lugar. Móbiles numerados sobre cada mesa dos grupos possibilita também informação rápida aos professores e estudantes.

A preferência pela heterogeneidade e suas razões Os times heterogêneos são, normalmente, formados por um estudante de nível mais avançado, dois estudantes considerados de nível medianos e um estudante com maiores dificuldades. Deve também ser garantindo que o time seja composto de duas alunas do sexo feminino e dois alunos do sexo masculino c que sejam de classes distintas. Em geral os times heterogêneos têm sido preferidos pelas seguintes razões:

a) Aumentam as possibilidades de trocas dos alunos entre si; b) Possibilitam a interação entre alunos de classes, raças e sexos diferentes; c) Facilitam o manejo de sala pelo professor; tendo um aluno mais avançado em

cada grupo, é como ter um auxiliar do professor para cada três estudantes;

A formação não heterogênea pode ser feita pêlos próprios estudantes, sendo que cada um escolhe os colegas com quem quer trabalhar ou através de formação aleatória, por exemplo, os estudantes tiram um número de 01 a 08 para serem formados oito times. Os times de afinidades, no entanto, potencializam o risco de promover ou reforçar o status hierárquico dentro da sala de aula. (grupo dos "fortes" e grupo dos "fracos”); a formação

1 Os anexos 8, 9 e 10 são textos e ilustrações extraídos de "Cooperative Learning" (Specer Kagan) e de

"Cooperative

in the Classroon" (Johnson, Johnson e Holubec). Tradução: Sônia Filiú Albuquerque Lima.

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aleatória diminui o risco de se ter essa diferença de hierarquia, mas pode acabar acontecendo que os quatro alunos mais fracos da sala fiquem juntos, por exemplo.

Então a formação heterogênea tem sido a mais preferida e, como foi dito, algumas teorias apontam os grupos heterogêneos como um dos princípios básicos da aprendizagem cooperativa.

Certamente, cada um dos métodos tem seus benefícios importantes. Ainda assim, Kagan prefere os grupos heterogêneos como grupo base da sala de aula sendo muito benéfico separar o grupo heterogêneo algumas vezes, formando times aleatórios ou de afinidades.

Por quê quatro membros no grupo? Alguns objetivos da aprendizagem cooperativa estão baseados nos benefícios da

participação ativa. Em uma sala de aula de 30 alunos, quando um aluno é chamado, 1/30 da classe estará participando ativamente. Se formarmos 2 grandes grupos de 15 alunos e deixamos uma pessoa por vez falar dentro do grupo, a participação ativa aumenta para 1/15 da classe participando. Com grupos pequenos a porcentagem de participação é bem maior. Grupos de quatro pessoas possibilitarão que % de toda classe esteja participando ao mesmo tempo. Da perspectiva da participação eles são duas vezes melhor que nos grupos de 8 pessoas. Sendo assim, por que não formar grupos de 03 ou até mesmo de dois (duplas)? Há pelo menos três razões:

1. Há a possibilidade de se formarem duplas dentro do grupo de quatro; dobra-se assim o tempo de participação dos alunos no grupo. "Duplas Numeradas" ou O jogo dos "Cartões The Flash", como serão explicadas adiante, são algumas das técnicas possíveis de serem aplicadas quando podem ser formadas duplas, maximizando a interação simultânea através do trabalho dos pares.

2. Evita-se que sobre um. Segundo a Psicologia Social, quando os alunos trabalham em três, existe maior probabilidade de apenas dois estarem trabalhando.

3. Há maior aprendizagem entre os pares; comparado com o grupo de três, o grupo de quatro dobra a possibilidade de discussão verbal.

4. Em um grupo de três, existe a possibilidade de se formarem três pares diferentes; em um grupo de quatro existe a possibilidade de se serem formados seis pares diferentes.

Quando a classe não se divide por quatro Se o número de alunos da classe, eventualmente, não se divide por quatro, há as

seguintes possibilidades:

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- Quando sobra um estudante. Procure ao redor um grupo com o qual ele possa melhor aprender ou ensinar, formando assim um grupo de cinco elementos.

- Quando sobram dois estudantes, observe os grupos de quatro e então retire um dos estudantes de um grupo de quatro e faça um grupo de três. Quando três estudantes sobraram forma-se, então, com eles um grupo de três.

Mais Meninas ou Mais Meninos Se no grupo há um menino junto com três meninas, ou vice-versa, geralmente um irá receber muita atenção ou então ser ignorado no grupo. Minha sugestão é que se faça a formação dos times agrupando, até quando for possível, dois meninos e duas meninas. Quando terminarem as possibilidades, formam-se então times só de meninas ou só de meninos.

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ANEXO 10

COMO FORMAR GRUPOS HETEROGÊNEOS

Método 1: O Professor Designa os Grupos

Passo l - fazer uma lista ordenada dos alunos iniciando do aluno que está mais adiantado terminado naquele que apresenta as maiores dificuldades. A lista não precisa ser exata. Para ser feita a lista, pode ser feita uma avaliação diagnostica ou tomar como base o rendimento anterior verificado pelo professor.

Passo 2 - tome o aluno do topo da lista, o último da lista c dois do meio, assegurando-se que: sejam dois de cada sexo; sejam de classes sociais mistas; não sejam os maiores inimigos nem os maiores amigos.

Passo 3 - seguir a seqüência para os demais grupos. Nota: Para facilitar alguns professores têm escrito os nomes dos meninos de

azul e das meninas de rosa. FORMANDO EQUIPES HETEROGÊNEAS

Etapa 1: ordenando Etapa 2: formando equipe l Etapa 3: formando outras equipes

1. Sue 2. Dave 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 12. 13. 14. 15. Pete 16. Mary 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. John 30. Jack

Diagrama extraído de Kagan, S. "Cooperative Learning".

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Uma variação desta formação pode ser feita considerando as preferências dos alunos, identificadas através de uma escala sócio-métrica. O professor tenta na medida do possível agrupar os alunos incluindo nos grupos alguma preferência dos alunos.

Método 2 - Formando Times a partir de Lideranças Este método é uma versão de um método desenvolvido por Richard Shctlcy (Alta

Loma Júnior Hight School, Alta Loma, CA). ,

Passo l - o professor escolhe 7 ou 8 líderes entre os alunos que parecem ser os mais adiantados. Um por grupo.

Passo 2 - o professor se reúne com os líderes dos grupos e explica que o sucesso do grupo depende de que cada grupo tenha um mistura de nível de habilidades. Combina-se, então, com os líderes que cada um escolha um entre os 7 ou 8 estudantes com mais dificuldades para ficarem cm cada time. Explique o que eles irão fazer no próximo dia.

Passo 3 - os líderes começam escolhendo os colegas menos adiantados da sala - no próximo dia c anunciado que os alunos irão se organizar os grupos e são anunciados os líderes de cada grupo. Cada líder, por sua vez, chama um aluno para o seu grupo. Esse primeiro aluno chamado está entre os que apresentam menos habilidades. O líder dirá algo como: "eu quero que você seja do meu time".

Esteja preparado. Segundo Kagan, muitos alunos pouco habilidosos geralmente não são escolhidos para nada. Nesse momento alguns poderão até ter seus olhos molhados de lágrimas de emoção.

Passo 4 - o par de alunos (o mais "forte" c o mais "fraco") escolhem um colega (entre os alunos "medianos"). Os dois sentam-se c decidem juntos que aluno chamarão.

Passo 5 - os três alunos do grupo decidem juntos qual o último aluno que fará parte do grupo. Os estudantes são informados de que eles não podem escolher todos do mesmo sexo. O professor monta as opções finais e faz os ajustamentos que forem necessários. Essa c uma forma desenvolvida para quê os alunos formem seus times de tal forma que a heterogeneidade seja garantida e eles possam também participar da escolha de seus melhores colegas.

Variação. Outro método envolve a formação de times heterogêneos quanto à sua posição sobre um assunto específico de tal forma que para o debate de alguns assuntos estejam agrupados alunos que concordam de forma absoluta sobre determinado tópico, outro que discorda veementemente e outros dois que não têm opinião tão formada sobre o assunto ou têm dúvidas. Nesses times ocorre a possibilidade de uma discussão mais rica sobre o assunto tratado.

COMO FORMAR ALEATORIAM ENTE OS GRUPOS

Método l - Cartões Coloridos

Passo l - são distribuídos aleatoriamente entre os estudantes cartões de várias cores de tal forma que para cada cor haja quatro cartões.

Passo 2 - os alunos andarão pela sala à procura das pessoas que têm os cartões da mesma cor que a sua. Encontrando-as estará formado o grupo.

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Método 2 - Quebra-cabeça Humano Passo l - cada estudante recebe um pedaço de uma gravura que foi anteriormente

rasgada em quatro pedaços. Passo 2 - os estudantes começarão a andar pela sala a procura de quem tem as

peças que completam o seu quebra-cabeça. Encontrando-as estará formado o novo grupo. Versões alternativas: use quatro sentenças em seqüência de determinado

conteúdo divididas aleatoriamente entre os alunos, ou quatro linhas de um provérbio ou poema.

Método 3 - Círculos de Dentro e de Fora Trata-se de uma técnica bem interessante e também uma maneira de agrupar os

alunos aleatoriamente; Passo l - Entrevista divertida: as carteiras são arrumadas em dois grandes

círculos, um dentro do outro.O grupo de dentro voltado para fora e o de fora voltado para dentro, de tal forma que uma carteira de dentro fique de frente a uma carteira do grupo de fora. Os estudantes sentam-se. Os estudantes do grupo de dentro mudam para a próxima carteira à direita e os estudantes do grupo de fora mudam, cada um, para sua carteira mais próxima à direita. O grupo de dentro gira em sentido horário c o grupo de fora gira em sentido anti-horário.

Passo 2 - cm cada rodada o estudante estará à frente de um colega diferente. Uma música que está sendo tocada inesperadamente para. Neste momento os pares que estiverem de frente um do outro fazem uma entrevista sobre "maior sonho na vida" ou "comida favorita" ou "que profissão deseja exercer".

Passo 3 - os estudantes que estiverem de frente, ao pararem, formam um par que será associado ao outro par do lado. Saem então do círculo e formam um grupo.

Passo 4 - assim sucessivamente os grupos vão se formando. Quando sentados em um grupo fora cada uma apresenta ao grupo o colega entrevistado.

Grupos Heterogêneos versus Grupos de Formação Aleatória

A esporádica formação aleatória dos grupos pode proporcionar que a classe saia da rotina através de uma atividade divertida, c é uma oportunidade de trocar experiências e habilidades variadas a um novo grupo. Por outro lado, a formação aleatória pode colocar juntos quatro alunos com grandes dificuldades em comum. Então, o time formado aleatoriamente não deveria estar junto por um longo período de tempo. O time designado para estar junto por um longo período de tempo tem a vantagem de amadurecer o seu relacionamento e espírito de equipe, maximizando suas colaborações e facilitando o manejo de sala pelo professor. Então, para aproveitar o melhor de todas os modos de formar os grupos, Kagan recomenda usar um time básico, heterogêneo, por um longo tempo c ocasionalmente quebrar a rotina com uma formação aleatória.

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ANEXO 11

ANEXO 11

(IN) DISCIPLINA

Extraído de “Cooperative Learning" de Specer Kagan.

Muitos professores relatam que seus problemas de manejo de sala diminuíram sensivelmente logo que eles mudaram para a aprendizagem cooperativa. A razão é que na aula tradicional existe um descompasso entre as necessidades dos estudantes e a estrutura de funcionamento da sala de aula. A natureza do estudante é ativa e interativa: os estudantes querem "fazer" e "falar". E a sala de aula tradicional requer que os estudantes estejam passivos e isolados. Naturalmente, os estudantes não satisfazem suas necessidades básicas sem brigar por isso. E assim grande porção de energia é despendida para manter os alunos em seus lugares "não perturbando os colegas", e quietos.

A aprendizagem cooperativa, ao contrário, está mais bem alinhada com as necessidades dos estudantes. Ela c baseada na premissa que a aprendizagem ocorre fazendo c interagindo. Os estudantes são encorajados a interagir, mudar, criar e fazer. Sentindo suas necessidades básicas satisfeitas a disciplina não será mais o maior problema dos alunos.

Todavia, as habilidades de manejo de sala necessárias na aprendizagem cooperativas são diferentes das habilidades para o manejo de uma sala de aula tradicional. Aliás, o manejo de sala na aprendizagem cooperativa diverge radicalmente do manejo de uma sala de aula tradicional. Em uma sala de aula tradicional os estudantes devem falar c interagir muito pouco, dessa forma, controlar o comportamento dos estudantes é relativamente simples. O sistema tradicional ó direcionado para desencorajar os estudantes para a conversa c para a interação. Em contraste, na aprendizagem cooperativa os estudantes devem ser encorajados a interagir com os colegas c assim o manejo de sala envolve habilidades diferentes. Algumas das formas de manejo de classe relativas à introdução dos times, incluindo organização dos assentos, nível de ruído, direcionamento das atividades, distribuição c recolhimento do material do time e métodos de desenvolver o comportamento do grupo estão no texto "A Formação dos Grupos". Ao introduzir os times para fazer um projeto complexo, são necessárias habilidades diferentes que aquelas necessárias para dizer para cada estudante abrir o seu livro à página 293 e fazer os problemas do l ao 10. Uma lição de Aprendizagem Cooperativa pode incluir um número de técnicas e cada uma pode ter muitos passos. O professor deve conduzir seqüências detalhadas de instruções de forma sucinta c cm ordem

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para maximizar o tempo dos estudantes com os outros na interação. Uma lição de Aprendizagem Cooperativa bem direcionada pode tomar algo como 1/5 da aula do professor, salvando o precioso tempo do estudante para a interação e a aprendizagem. Um dos meus exemplos favoritos da diferença de técnicas de manejo ocorreu cm uma manhã quando eu estava observando como os professores, depois de um seminário de iniciação em Aprendizagem Cooperativa, mudavam seus estudantes para os grupos no primeiro dia. Na primeira aula que observei, o professor leu a lista dos alunos e seus respectivos grupos e o lugar onde eles iriam sentar. Ela leu a lista da classe cm ordem alfabética. Suzan Aragão, você irá para o time 4; Peter Birch, você irá para o time 7...". Quando ela terminou de ler a lista, como era de se esperar, havia um número de perguntas: "Qual é o número do meu grupo? Onde eu vou sentar? Um tanto irritada, ela leu novamente a lista, chamando a atenção dos alunos para ouvirem com cuidado. No entanto, havia novamente algumas questões quando ela terminou a leitura da lista pela segunda vez. E ela terminou quase carregando alguns estudantes até seus grupos designados. Com o tempo, ela finalmente teve os estudantes nos grupos, mas cerca de 20 minutos passaram de sua aula.

Quando eu observei a próxima sala de aula, a professora estava exatamente no mesmo ponto fazendo a formação dos grupos. Ela disse o seguinte: "Garotos c meninas, nas suas mesas estão alguns cartões com uma lista de nomes virados para baixo. Não os vire até eu mandar. Quando vocês virá-los vocês irão achar 04 nomes cm cada cartão. Vocês irão, então, silenciosamente, tomar seus livros e procurar a mesa que tem o seu nome. Vamos ver como rapidamente c silenciosamente vocês podem achar seus novos times c sentar para ler c aprender sobre a construção do espírito de equipe."

Os estudantes estão cm seus novos times e lêem para o trabalho em certa de 2 minutos. Um professor tem tenta organizar a sala da Aprendizagem Cooperativa usando

uma estrutura seqüencial (lendo nomes um por vez) enquanto a outra professora usou uma estrutura simultânea (cada um levanta-se e procura o seu lugar ao mesmo tempo) A técnica do manejo simultâneo foi claramente superior.

UM SINAL DE SILÊNCIO

Os professores gastam uma enorme quantidade de tempo e energia tentando fazer a classe ficar quieta, tentando alcançar a atenção de todos os seus alunos. "Posso ter a atenção de vocês, por favor". "Silêncio, por favor." São frases freqüentemente repetidas com respostas inadequadas.

Há uma solução simples. Um sinal de silêncio. Escolas inteiras têm adotado o sinal de silêncio, uma mão levantada. Ele dá bons resultados no ônibus da escola, no pátio, na cantina, na capela ou na sala de aula. Quando o professor levanta sua mão os alunos acostumam com o tempo a prestar total atenção ao professor.

Uma pequena explicação aos estudantes pode ser necessária quando o sinal de silêncio é introduzido: Depois que os grupos estiverem formados o professor explana que há uma tendência natural para a classe com times se tornar também ruidosa (barulhenta). Como um time fala, o time mais próximo precisa falar mais alto para ser escutado o que força o primeiro time a falar mais alto

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ainda. Assim, o nível de ruído pode aumentar. O professor não quer c nem deve levantar a voz mais alto que os estudantes para ter a atenção da classe. O professor explica que a classe pode resolver esse problema se ela puder aprender a responder com silêncio a um sinal. O sinal de silêncio é um sinal para os estudantes parem de falar e prestem total atenção ao professor e fiquem quietos. O professor escolhe diferentes sinais para seus alunos. Um pode ser simples podido de atenção dizendo: “posso ter sua atenção, por favor?" Outros podem ser um leve piscar da luz, desligando e ligando novamente. Outro: tocar um sino. O sinal que mais gosto é aquele quando o professor levanta sua mão. Esse sinal parece ser mais conveniente porque o professor não tem que falar em nível mais elevado que o nível do barulho da classe, c porque ele ou ela não tem que caminhar até o sino ou até a tomada das lâmpadas. Um fator adicional positivo de levantar a mão com o sinal é que o professor pode indicar que assim como ele levanta suas mãos para ter a atenção os alunos poderão fazer o mesmo para quando querem falar. Então quando o professor precisa de atenção da classe, ele ou ela levanta as mãos. Isto é rapidamente atendido pêlos estudantes que estão mais próximos do professor, que pedem a atenção dos colegas. A mão levantada do professor è como uma pedra que toca a superfície de um lago: a atenção silenciosa se espalha do professor para toda a classe como ondas.

Algumas variações do sinal de silêncio: • Diferentes sinais: palmas na horizontal abaixando vagarosamente para abaixar o

nível da voz. • Cartões coloridos: o professor coloca na mesa do grupo um cartão verde se

estiverem falando cm um bom nível; amarelo se precisam falar mais baixo c vermelho se precisam ficar quietos.

• Capitães do silêncio: cada grupo tem um capitão do silêncio que trabalha lembrando os estudantes para abaixarem o tom da voz. Ele pode usar um sinal, ou cartões coloridos.

REGRAS DE CLASSE

As regras de classe podem ser muito úteis. Eu gosto mais quando as regras são derivadas dos alunos, do que quando são impostas. Elas se tornam mais poderosas. Geralmente, a forma como os estudantes participam das regras c o resultado de sua própria interação nos grupos.

Um importante elemento para o sucesso do manejo na Aprendizagem Cooperativa c a comunicação clara de suas expectativas (dos objetivos). O professor define antecipadamente aqueles comportamentos que serão necessários para o funcionamento com sucesso da sala de aula c aqueles comportamentos que são desejáveis. Necessariamente os comportamentos apreciados envolvem ajuda ao colega, o reconhecimento do seu avanço, a atenção para as suas necessidades, suas opiniões c seus desejos.

Linhas gerais para regras na sala de aula: 1. As regras devem ser positivas (não começar com palavras negativas)

2. Seja realista (o que pode ser cumprido). 3. Use palavras simples. 4. Limite o número a poucas regras.

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ORGANIZAÇÃO DAS CARTEIRAS.

Princípios para organização da sala. Organize as carteiras de tal forma que cada estudante possa: 1) Facilmente ver a frente (professor e a lousa)

2) Facilmente ver seus colegas dos grupos; 3) Ter igual proximidade de frente com

cada um do grupo. 4) Os grupos podem estar de frente para cada colega sem atrapalhar que o colega possa se movimentar livremente pela sala de aula.

Melhor é quando quatro cadeiras estão arranjadas ao redor de uma mesa. Mas se há carteiras, elas podem ser arrumadas de tal forma que os seus tampos estejam juntos formando uma mesa em comum. DANDO DIRECIONAMENTO:

Alguns estudantes são melhores aprendizes visuais enquanto outros são melhores aprendizes auditivos. Seria mais produtivo falar e escrever na lousa ou projetar, mostrar, etc.,

Parte por parte - pouco a pouco. Dar poucas instruções por vez e não dar mais instruções ate que todos os alunos possam executar sem pedir esclarecimentos. Se você der uma longa seqüência de instruções, os alunos não irão completar a seqüência sem necessitar de explicações e clarificações.

Oferecendo modelos :.Também freqüentemente os professore tentam ensinar algo novo através de instruções faladas. A mais eficiente forma c oferecer um modelo. Os estudantes entendem melhor se eles vêem c fazem. Eles levam grande tempo para entender se eles apenas ouvem. Algumas vezes eu oriento aos professores a mostrar c não apenas dar instruções.

Há várias formas de oferecer exemplos: você mesmo pode ser um exemplo do que quer ensinar. Você pode simular ser um membro de um gruo c encenar a função de membro; você pode trabalhar com um par ou um grupo c eles terão um modelo para a classe; ou você pode esperar que um comportamento ou função do grupo aconteça espontaneamente e então pedir aos estudantes que façam novamente o que acabou de fazer para que toda a classe veja.

Avaliando a compreensão Depois de dar instruções, avalia a compreensão. Tenha certeza que os alunos entenderam o que foi designado e também algumas técnicas para avaliar a compreensão e pode ser: resposta cm coro, sinal com o polegar de positivo ou negativo, explicação para o par ou "juntando cabeças numeradas". Se a instrução envolve uma seqüência de passos, você pode usar a "mesa redonda" escrita ou falada na qual, todos estudantes na sua vez, escrevem e passam a folha para o colega da direita.

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Estruturando. Quando o professor não estrutura as tarefas dos alunos passo a passo, os estudantes podem acabar trabalhando sozinhos nos grupos, com pouco ou nenhum desenvolvimento cognitivo e lingüístico, pouca interação ou desenvolvimento de habilidades de resolver conditos. Assim que além do professor planejar as estruturas de aula passo a passo, é necessário explanar um pouco e cada vez, garantindo-se assim, que os passos serão seguidos c a participação será igualitária com responsabilidades divididas.

Dar Atenção para o Comportamento Positivo. Reconheça, parabenize e destaque o comportamento desejado. O reconhecimento tem maior efeito positivo se for imediato e público.

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