App livraria do concurso público - obra 2

277
Defensor Público - VOL. 1 1 Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais / DP-MG Defensor Público ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL, FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO 1. Indivíduo, Sociedade e Estado ...................................................................................................................................................................................01 2. Poder Constituinte ......................................................................................................................................................................................................07 3. Interpretação e Aplicabilidade da Norma Constitucional ...........................................................................................................................................12 4. Controle de Constitucionalidade ................................................................................................................................................................................16 5. Princípios Fundamentais ............................................................................................................................................................................................20 6. Direitos e Garantias Fundamentais ............................................................................................................................................................................20 7. Organização do Estado ..............................................................................................................................................................................................42 8. Organização dos Poderes ..........................................................................................................................................................................................51 9. Funções Essenciais à Justiça ....................................................................................................................................................................................65 10. Defesa do Estado e das Instituições Democráticas .................................................................................................................................................66 11. Sistema Tributário Nacional .....................................................................................................................................................................................68 12. Ordem Econômica e Financeira ...............................................................................................................................................................................72 13. Ordem Social ............................................................................................................................................................................................................74 14. Disposições Constitucionais Gerais .........................................................................................................................................................................80 15. Disposições Constitucionais Transitórias .................................................................................................................................................................82 16. Constituição do Estado de Minas Gerais .................................................................................................................................................................93 17. Direito Tributário como direito público. Direito Tributário como direito obrigacional. Autonomia. Relação com outros ramos do direito ............ 146 18. Fontes do Direito Tributário. Fontes Formais e Fontes Materiais. Fontes Principais e secundárias. Legislação Tributária. Tratados. A Medida Provi- sória e o Direito Tributário ........................................................................................................................................................................................... 146 19. A Norma Tributária. Hipótese de Incidência Tributária e fato gerador. Aspectos da norma tributária. Incidência Tributária. Eficácia no tempo e no espaço. Interpretação. Integração ............................................................................................................................................................................... 148 20. Tributo. Conceito. Elementos essenciais. Tributos em espécie. Impostos. Taxas. Contribuição de Melhoria. Contribuições ............................. 148 21. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar e o Sistema Constitucional Tributário. Legalidade Tributária. Capacidade Contributiva. Igualdade Tributária. Uniformidade Tributária. Irretroatividade da Lei Tributária. Anterioridade da Lei Tributária. Vedação do efeito confiscatório. Vedação à limita- ção de tráfego de pessoas ou bens. Imunidades. Personalização do imposto. Proibição de taxas com base de cálculo própria de imposto. Intributabili- dade das rendas da dívida pública dos entes da Federação. Vedação à isenção heterônoma ................................................................................ 152 22. Competência Tributária. Competência Legislativa. Competência Arrecadatória .................................................................................................. 175 23. Obrigação Tributária. Fato Gerador. Sujeito Ativo. Sujeito Passivo ..................................................................................................................... 174 24. Responsabilidade Tributária. Sucessores. Terceiros. Por Infrações .................................................................................................................... 185 25. Crédito Tributário. Constituição. Suspensão. Extinção. Exclusão ........................................................................................................................ 186 26. Garantias e privilégios do crédito tributário ........................................................................................................................................................... 191

description

Livraria - Brinde 02

Transcript of App livraria do concurso público - obra 2

  • 1. Defensor Pblico - VOL. 11 Defensoria Pblica do Estado de Minas Gerais / DP-MG Defensor Pblico NDICE DIREITO CONSTITUCIONAL, FINANCEIRO E TRIBUTRIO 1. Indivduo, Sociedade e Estado...................................................................................................................................................................................01 2. Poder Constituinte......................................................................................................................................................................................................07 3. Interpretao e Aplicabilidade da Norma Constitucional ...........................................................................................................................................12 4. Controle de Constitucionalidade ................................................................................................................................................................................16 5. Princpios Fundamentais............................................................................................................................................................................................20 6. Direitos e Garantias Fundamentais............................................................................................................................................................................20 7. Organizao do Estado..............................................................................................................................................................................................42 8. Organizao dos Poderes..........................................................................................................................................................................................51 9. Funes Essenciais Justia ....................................................................................................................................................................................65 10. Defesa do Estado e das Instituies Democrticas.................................................................................................................................................66 11. Sistema Tributrio Nacional .....................................................................................................................................................................................68 12. Ordem Econmica e Financeira...............................................................................................................................................................................72 13. Ordem Social............................................................................................................................................................................................................74 14. Disposies Constitucionais Gerais.........................................................................................................................................................................80 15. Disposies Constitucionais Transitrias.................................................................................................................................................................82 16. Constituio do Estado de Minas Gerais .................................................................................................................................................................93 17. Direito Tributrio como direito pblico. Direito Tributrio como direito obrigacional. Autonomia. Relao com outros ramos do direito ............ 146 18. Fontes do Direito Tributrio. Fontes Formais e Fontes Materiais. Fontes Principais e secundrias. Legislao Tributria. Tratados. A Medida Provi- sria e o Direito Tributrio........................................................................................................................................................................................... 146 19. A Norma Tributria. Hiptese de Incidncia Tributria e fato gerador. Aspectos da norma tributria. Incidncia Tributria. Eficcia no tempo e no espao. Interpretao. Integrao............................................................................................................................................................................... 148 20. Tributo. Conceito. Elementos essenciais. Tributos em espcie. Impostos. Taxas. Contribuio de Melhoria. Contribuies............................. 148 21. Limitaes Constitucionais ao Poder de Tributar e o Sistema Constitucional Tributrio. Legalidade Tributria. Capacidade Contributiva. Igualdade Tributria. Uniformidade Tributria. Irretroatividade da Lei Tributria. Anterioridade da Lei Tributria. Vedao do efeito confiscatrio. Vedao limita- o de trfego de pessoas ou bens. Imunidades. Personalizao do imposto. Proibio de taxas com base de clculo prpria de imposto. Intributabili- dade das rendas da dvida pblica dos entes da Federao. Vedao iseno heternoma ................................................................................ 152 22. Competncia Tributria. Competncia Legislativa. Competncia Arrecadatria.................................................................................................. 175 23. Obrigao Tributria. Fato Gerador. Sujeito Ativo. Sujeito Passivo ..................................................................................................................... 174 24. Responsabilidade Tributria. Sucessores. Terceiros. Por Infraes .................................................................................................................... 185 25. Crdito Tributrio. Constituio. Suspenso. Extino. Excluso........................................................................................................................ 186 26. Garantias e privilgios do crdito tributrio........................................................................................................................................................... 191
  • 2. 2 27. Ilcitos tributrios. Crimes. Eliso e Evaso.......................................................................................................................................................... 191 28. Processo Administrativo Tributrio e Processo Judicial Tributrio ....................................................................................................................... 202 29. Oramento pblico: princpios oramentrios da exclusividade, universalidade, unidade, anualidade, programao e equilbrio oramentrio................................................................................................................................................................................................ 216 30. Leis oramentrias. Plano Plurianual. Lei de Diretrizes Oramentrias. Lei Oramentria Anual. Vedaes oramentrias............................. 226 31. Receitas pblicas. Despesas Pblicas. Precatrios. Controle interno e externo da atividade Financeira do Estado.......................................... 257
  • 3. Defensor Pblico de Minas Gerais Grtis no App Biblioteca dos Concursos Direito Constitucional, Financeiro e Tributrio 1 1. INDIVDUO, SOCIEDADE E ESTADO. 1. DEMOCRACIA E ESTADO DE DIREITO A democracia, como realizao de valores (igualdade, liberdade e dignidade da pessoa) de convivncia humana, conceito mais abrangente do que o de Estado de Direito, que surgiu como expresso jurdica da democracia liberal. Seu conceito to histrico como o de democracia, e se enriquece de contedo com o evolver dos tempos. A evoluo histrica e a superao do liberalismo, a que se vinculou o conceito de Estado de Direito, colocam em debate a questo da sua sintonia com a sociedade democrtica. O reconhecimento de sua insufi- cincia gerou o conceito de Estado Social de Direito, nem sempre de contedo democrtico. Chega-se agora ao Estado Democrtico de Direito que a Constitui- o acolhe no artigo 1o como um conceito-chave do regime adotado, tanto quanto o so o conceito de Estado de direito democrtico da Constituio da Repblica Portuguesa (artigo 2o) e o de Estado social e democrtico de Direito da Constituio Espanhola (artigo 1o). O Estado Democrtico de Direito concilia Estado Democrtico e Estado de Direito, mas no consiste apenas na reunio formal dos elementos desses dois tipos de Estado. Revela, em verdade, um conceito novo que incorpora os princpios daqueles dois conceitos, mas os supera, na medida em que agrega um componente revolucionrio de transformao do status quo. Para com- preend-lo, no entanto, teremos que passar em revista a evoluo e caracte- rsticas de seus componentes, para, no final, chegarmos ao conceito-sntese e seu real significado. 2. ESTADO LIBERAL DE DIREITO Na origem, como sabido, o Estado de Direito era um conceito tipicamente liberal. Constitua uma das garantias das constituies liberais burguesas. Da falar-se em Estado Liberal de Direito. Tinha como objetivo fundamental assegu- rar o princpio da legalidade, segundo o qual toda atividade estatal havia de submeter-se lei. Suas caractersticas bsicas foram: a) submisso ao imprio da lei, que era a nota primria de seu conceito, sendo a lei considerada como ato emanado formalmente do poder legislativo, composto de representantes do povo, mas do povo-cidado; b) diviso de poderes, que separa, de forma inde- pendente e harmnica, os poderes legislativo, executivo e judicirio, como tcnica que assegure a produo das leis ao primeiro e a independncia e imparcialidade do ltimo em face dos demais e das presses dos poderosos particulares; c) enunciado e garantia dos direitos individuais. Essas exigncias continuam a ser postulados bsicos do Estado de Direito, que configura uma grande conquista da civilizao liberal. A concepo liberal do Estado de Direito servira de apoio aos direitos do homem, convertendo os sditos em cidados livres, consoante nota Verd, a qual, contudo, se tornara insuficiente, pelo que a expresso Estado de Direito evolura, enriquecendo-se com contedo novo. Houve, porm, concepes deformadoras do conceito de Estado de Di- reito, pois perceptvel que seu significado depende da prpria ideia que se tem do Direito. Por isso, cabe razo a Carl Schmitt quando assinala que a expresso Estado de Direito, pode ter tantos significados distintos como a prpria palavra Direito e designar tantas organizaes quanto aquelas a que se aplica a palavra Estado. Assim, acrescenta ele, h um Estado de Direito feudal, outro estamental, outro burgus, outro nacional, outro social, alm de outros de acordo com o Direito natural, com o Direito racional e com o Direito histrico. Disso deriva a ambiguidade da expresso Estado de Direito, sem mais qualificativo que lhe indique contedo material. Em tal caso, a tendncia adotar-se a concepo formal do Estado de Direito maneira de Forsthoff, ou de um Estado de Justia, tomada a justia como um conceito absoluto, abstrato, idealista, espiritualista, que, no fundo, encontra sua matriz no conceito hegeliano do Estado tico, que fundamen- tou a concepo do Estado fascista: totalitrio e ditatorial em que os direi- tos e liberdades humanos ficam praticamente anulados e totalmente sub- metidos ao arbtrio de um poder poltico onipotente e incontrolado, no qual toda participao popular sistematicamente negada em benefcio da minoria (na verdade, da elite) que controla o poder poltico e econmico. Diga-se, desde logo, que o Estado de Justia, na formulao indicada, nada tem a ver com o Estado submetido ao poder judicirio, que um elemento importante do Estado de Direito. Estado submetido ao juiz Estado cujos atos legislativos, executivos, administrativos e tambm judiciais ficam sujeitos ao controle jurisdicional no que tange legitimidade constitucional e legal. tambm uma abstrao confundir Estado de Direito com uma viso jus naturalista do Estado. Por outro lado, se se concebe o Direito apenas como um conjunto de normas estabelecidas pelo legislativo, o Estado de Direito passa a ser Estado de Legalidade, ou Estado legislativo, o que constitui uma reduo deformante do Estado de Direito. Se o princpio da legalidade um elemen- to importante do conceito de Estado de Direito, nele no se realiza comple- tamente. A concepo jurdica de Kelsen tambm contribuiu para deformar o conceito de Estado de Direito. Para ele, Estado e Direito so conceitos idnticos. Na medida em que ele confunde Estado e ordem jurdica, todo Estado h de ser Estado de Direito. Por isso, vota significativo desprezo a esse conceito. Como na sua concepo, s Direito o direito positivo, como norma pura, desvinculada de qualquer contedo, chega-se, sem dificuldade, a uma ideia formalista do Estado de Direito ou Estado Formal de Direito, que serve tambm a interesses ditatoriais, como vimos. Pois, se o Direito acaba se confundindo com mero enunciado formal da lei, destitu- da de qualquer contedo, sem compromisso com a realidade poltica, social, econmica, ideolgica enfim (o que, no fundo, esconde uma ideolo- gia reacionria), todo Estado acaba sendo Estado de Direito, ainda que seja ditatorial. Essa doutrina converte o Estado de Direito em mero Estado Legal. Em verdade, destri qualquer ideia de Estado de Direito. 3. ESTADO SOCIAL DE DIREITO O individualismo e o abstencionismo ou neutralismo do Estado liberal provocaram imensas injustias, e os movimentos sociais do sculo passado e deste, especialmente, desvelando a insuficincia das liberdades burgue- sas, permitiram que se tivesse conscincia da necessidade da justia social, conforme nota Lucas Verd, que acrescenta: Mas o Estado de Direito, que j no poderia justificar-se como liberal, necessitou, para en- frentar a mar social, despojar-se de sua neutralidade, integrar, em seu seio, a sociedade, sem renunciar ao primado do Direito. O Estado de Direi- to, na atualidade, deixou de ser formal, neutro e individualista, para trans- formar-se em Estado material de Direito, enquanto adota uma dogmtica e pretende realizar a justia social. Transforma-se em Estado Social de Direito, onde o qualificativo social refere correo do individualismo clssico liberal pela afirmao dos chamados direitos sociais e realizao de objetivos de justia social. Caracteriza-se no propsito de compatibili- zar, em um mesmo sistema, anota Elas Daz, dois elementos: o capitalis- mo, como forma de produo, e a consecuo do bem-estar social geral, servindo de base ao neocapitalismo tpico do Welfare State. Os regimes constitucionais ocidentais prometem, explcita ou implicita- mente, realizar o Estado Social de Direito, quando definem um captulo de direitos econmicos e sociais. Expressas so as Constituies da Repbli- ca Federal Alem e da Espanha, definindo os respectivos Estados como sociais e democrticos de Direito. Mas ainda insuficiente a concepo do Estado Social de Direito, ain- da que, como Estado Material de Direito, revele um tipo de Estado que tende a criar uma situao de bem-estar geral que garanta o desenvolvi- mento da pessoa humana. Sua ambiguidade, porm, manifesta. Primeiro, porque a palavra social est sujeita a vrias interpretaes. Todas as ideologias, com sua prpria viso do social e do Direito, podem acolher uma concepo do Estado Social de Direito, menos a ideologia marxista que no confunde o social com o socialista. A Alemanha nazista, a Itlia fascista, a Espanha franquista, Portugal salazarista, a Inglaterra de Chur- chill e Attlee, a Frana, com a Quarta Repblica, especialmente, e o Brasil, desde a Revoluo de 30 bem observa Paulo Bonavides foram Esta- dos sociais, o que evidencia, conclui, que o Estado social se compadece com regimes polticos antagnicos, como sejam a democracia, o fascismo e o nacional-socialismo. Em segundo lugar, o importante no o social, qualificando o Estado, em lugar de qualificar o Direito. Talvez at por isso se possa dar razo a Forsthoff, quando exprime a ideia de que Estado de Direito e Estado Social no podem fundir-se no plano constitucional. O prprio Elas Daz, que reconhece a importncia histrica do Estado Social de Direito, no deixa de lembrar a suspeita quanto a saber se e at que ponto o neocapitalismo do Estado Social de Direito no estaria em realida- de encobrindo uma forma muito mais matizada e sutil de ditadura do grande capital, isto , algo que no fundo poderia denominar-se, e tem-se denomi- nado, neofascismo. Ele no descarta essa possibilidade, admitindo que o DIREITO CONSTITUCIONAL FINANCEIRO E TRIBUTRIO
  • 4. Defensor Pblico de Minas Gerais Grtis no App Biblioteca dos Concursos Direito Constitucional, Financeiro e Tributrio 2 grande capital encontrou fcil entrada nas novas estruturas demoliberais, chegando assim a constituir-se como pea chave e central do Welfare State. Ainda que institucionalizado no chamado Estado Social de Direito, permanece sempre sob este representada por seus grupos polticos e econmicos mais reacionrios e violentos essa tendncia e propenso do capitalismo ao controle econmico monopolista e utilizao de mtodos polticos de carter totalitrio e ditatorial, visando a evitar, sobretudo, qual- quer eventualidade realmente socialista. Por tudo isso, a expresso Estado Social de Direito manifesta-se carre- gada de suspeio, ainda que se torne mais precisa quando se lhe adjunta a palavra democrtico como fizeram as Constituies da Repblica Federal da Alemanha e da Repblica Espanhola para cham-lo Estado Social e Democrtico de Direito. Mas a, mantendo o qualificativo social ligado a Estado, engasta-se aquela tendncia neocapitalista e a petrificao do Welfare State, com o contedo mencionado acima, delimitadora de qual- quer passo frente no sentido socialista. Talvez, para caracterizar um Estado no socialista preocupado, no entanto, com a realizao dos direitos fundamentais de carter social, fosse melhor manter a expresso Estado de Direito que j tem uma conotao democratizante, mas, para retirar dele o sentido liberal burgus individualista, qualificar a palavra Direito com o social, com o que se definiria uma concepo jurdica mais progressista e aberta, e ento, em lugar de Estado Social de Direito, diramos Estado de Direito Social. Assim dissemos de outra feita, com base na Constituio de 1969, mas, no satisfeitos, acrescentamos: Por que no avanar um pouco mais e chegar a um conceito de Estado de Direito Econmico? 4. O ESTADO DEMOCRTICO As consideraes supra mostram que o Estado de Direito, quer como Estado Liberal de Direito, quer como Estado Social de Direito, nem sempre caracteriza Estado Democrtico. Este se funda no princpio da soberania popular que impe a participao efetiva e operante do povo na coisa pblica, participao que no se exaure, como veremos, na simples forma- o das instituies representativas, que constituem um estgio da evolu- o do Estado Democrtico, mas no o seu completo desenvolvimento. Visa, assim, realizar o princpio democrtico como garantia geral dos direi- tos fundamentais da pessoa humana. Nesse sentido, na verdade, contra- pe-se ao Estado Liberal, pois, como lembra Paulo Bonavides, a ideia essencial do liberalismo no a presena do elemento popular na forma- o da vontade estatal, nem tampouco a teoria igualitria de que todos tm direito igual a essa participao ou que a liberdade formalmente esse direito. O Estado de Direito, como lembramos acima, uma criao do libera- lismo. Por isso, na doutrina clssica, repousa na concepo do Direito natural, imutvel e universal; da decorre que a lei, que realiza o princpio da legalidade, essncia do conceito de Estado de Direito, concebida como norma jurdica geral e abstrata. A generalidade da lei constitua o fulcro do Estado de Direito. Nela se assentaria o justo conforme a razo. Dela, e s dela, defluiria a igualdade. Sendo regra geral, a lei regra para todos. O postulado da generalidade das leis foi ressuscitado por Carl Schmitt sob a Constituio de Weimar, aps ter sido abandonado sob a influncia de Laband, surgindo, em seu lugar, a diviso das leis em formais e materiais. Essa restaurao tem sentido ideolgico preciso, pois que, como lembra Franz Neumann, a teoria de que o Estado s pode governar por meio de leis gerais se aplica a um sistema econmico de livre concor- rncia, e o renascimento, sob a Constituio de Weimar, da noo da generalidade das leis e sua aplicao indiscriminada s liberdades pesso- ais, polticas e econmicas, foi assim usado como um dispositivo para restringir o poder do Parlamento que j no mais representava exclusiva- mente os interesses dos grandes latifundirios, dos capitalistas, do exrcito e da burocracia. E ento, o direito geral, dentro da esfera econmica, era usado para conservar o sistema de propriedade existente e para proteg-lo contra interveno, sempre que esta fosse julgada incompatvel com os interesses dos grupos mencionados acima. Invoca-se, com frequncia, a doutrina da vontade geral de Rousseau para fundamentar a afirmativa de que a igualdade s pode ser atingida por meio de normas gerais, mas esquece-se de que ele discutia o direito geral com referncia a uma sociedade em que s haveria pequenas propriedades ou propriedades comuns. No , pois, fundamento vlido para o postulado da generalidade que embasa o liberalismo capitalista. De fato, a proprie- dade particular, que sagrada e inviolvel, de acordo com Rousseau, s propriedade at onde permanece como um direito individual e discriminado. Se for considerada comum a todos os cidados, ficar sujeita a volont gnrale e poder ser infringida ou negada. Assim o soberano no tem o direito de tocar na propriedade de um ou de diversos cidados, embora possa legitimamente tomar a propriedade de todos. Conclui-se da que a igualdade do Estado de Direito, na concepo clssica, se funda num elemento puramente formal e abstrato, qual seja a generalidade das leis. No tem base material que se realize na vida concre- ta. A tentativa de corrigir isso, como vimos, foi a construo do Estado Social de Direito, que, no entanto, no foi capaz de assegurar a justia social nem a autntica participao democrtica do povo no processo poltico, de onde a concepo mais recente do Estado Democrtico de Direito, como Estado de legitimidade justa (ou Estado de Justia material), fundante de uma sociedade democrtica, qual seja a que instaure um processo de efetiva incorporao de todo o povo nos mecanismos do controle das decises, e de sua real participao nos rendimentos da produo. 5. CARACTERIZAO DO ESTADO DEMOCRTICO DE DIREITO A configurao do Estado Democrtico de Direito no significa apenas unir formalmente os conceitos de Estado Democrtico e Estado de Direito. Consiste, na verdade, na criao de um conceito novo, que leve em conta os conceitos dos elementos componentes, mas os supera na medida em que incorpora um componente revolucionrio de transformao do status quo. E a se entremostra a extrema importncia do art.1o. da Constituio de 1988, quando afirma que a Repblica Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrtico de Direito, no como mera promessa de organizar tal Estado, pois a Constituio a j o est proclamando e fundando. A Constituio portuguesa instaura o Estado de Direito Democrtico, com o democrtico qualificando o Direito e no o Estado. Essa uma diferena formal entre ambas as Constituies. A nossa emprega a expres- so mais adequada, cunhada pela doutrina, em que o democrtico qualifi- ca o Estado, o que irradia os valores da democracia sobre todos os seus elementos constitutivos e, pois, tambm, sobre a ordem jurdica. O Direito, assim, imantado por esses valores, se enriquece do sentir popular e ter que ajustar-se ao interesse coletivo. Contudo, o texto da Constituio portuguesa d ao Estado de Direito Democrtico o contedo bsico que a doutrina reconhece ao Estado Democrtico de Direito, quando afirma que ele baseado na soberania popular, no respeito e na garantia dos direitos e liberdades fundamentais e no pluralismo de expresso e organizao poltica democrticas, que tem por objetivo assegurar a transio para o socialismo mediante a realizao da democracia econmica, social e cultu- ral e o aprofundamento da democracia participativa(art. 2o). A democracia que o Estado Democrtico de Direito realiza h de ser um processo de convivncia social numa sociedade livre, justa e solidria (art. 3o, I), em que o poder emana do povo, deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por seus representantes eleitos (art.1o, pargrafo nico); participativa, porque envolve a participao crescente do povo no processo decisrio e na formao dos atos de governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de ideias, culturas e etnias e pressupe assim o dilogo entre opinies e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivncia de formas de organizao e interesses diferentes na socieda- de; h de ser um processo de liberao da pessoa humana das formas de opresso que no depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, polticos e sociais, mas especialmente da vigncia de condies econmicas suscetveis de favorecer o seu pleno exerccio. No Estado de democracia popular subordinado ao personalismo e ao monismo poltico, mas tende a realizar a sntese do processo contradit- rio do mundo contemporneo, manifestado entre os Estados capitalistas ou neocapitalistas do ocidente e os Estados coletivistas do leste. Ser, neste quadrante, o tipo de Estado do futuro, superador das atuais antteses Leste- Oeste e Norte-Sul. nesse sentido o pronunciamento de Elas Daz: Desta forma, e sem querer chegar com isso apressadamente gran- de sntese final ou a qualquer outra forma de culminao da Histria (isto deve ficar bem claro), cabe dizer que o Estado Democrtico de Direito aparece como a frmula institucional em que atualmente, e sobretudo para um futuro prximo, pode vir a concretizar-se o processo de convergncia em que podem ir concorrendo as concepes atuais da democracia e do socialismo. A passagem do neocapitalismo ao socialismo nos pases de democracia liberal e, paralelamente, o crescente processo de despersonali- zao e institucionalizao jurdica do poder nos pases de democracia popular, constituem em sntese a dupla ao para esse processo de con- vergncia em que aparece o Estado Democrtico de Direito. O mesmo autor, em outra obra, define-o como a institucionalizao do poder popular ou realizao democrtica do socialismo.
  • 5. Defensor Pblico de Minas Gerais Grtis no App Biblioteca dos Concursos Direito Constitucional, Financeiro e Tributrio 3 A Constituio de 1988, contudo, no chegou a estruturar um Estado Democrtico de Direito de contedo socialista, mas abre as perspectivas de realizao social profunda pela prtica dos direitos sociais que ela inscreve e pelo exerccio dos instrumentos que oferece cidadania que possibilita concretizar as exigncias de um Estado de justia social fundado na digni- dade da pessoa humana. 6. A LEI NO ESTADO DEMOCRTICO DE DIREITO O princpio da legalidade tambm um princpio basilar do Estado Demo- crtico de Direito. da essncia do seu conceito subordinar-se Constituio e fundar-se na legalidade democrtica. Sujeita-se, como todo Estado de Direito, ao imprio da lei, mas da lei que realize o princpio da igualdade e da justia, no pela sua generalidade, mas pela busca da igualizao das condies dos socialmente desiguais. Deve-se, pois, ser destacada a relevncia da lei no Estado Democrtico de Direito, no apenas quanto ao seu conceito formal de ato jurdico abstrato, geral, obrigatrio e modificativo da ordem jurdica existente, mas tambm sua funo de regulamentao fundamental, produzida segundo um procedimento constitucional qualificado. A lei efetivamente o ato oficial de maior realce na vida poltica. Ato de deciso poltica por excelncia, por meio dela, enquanto emanada da atuao da vontade popular, que o poder estatal propicia ao viver social modos predeterminados de conduta, de maneira que os membros da sociedade saibam, de antemo, como guiar-se na realizao de seus interesses. precisamente no Estado Democrtico de Direito que se ressalta a re- levncia da lei, pois ele no pode ficar limitado a um conceito de lei, como o que imperou no Estado de Direito clssico. Pois ele tem que estar em condies de realizar, mediante lei, intervenes que impliquem diretamen- te uma alterao na situao da comunidade. Significa dizer: a lei no deve ficar numa esfera puramente normativa, no pode ser apenas lei de arbitra- gem, pois precisa influir na realidade social. E se a Constituio se abre para as transformaes polticas, econmicas e sociais que a sociedade brasileira requer, a lei se elevar de importncia, na medida em que, sendo fundamental expresso do direito positivo, caracteriza-se como desdobra- mento necessrio do contedo da Constituio e a exerce funo trans- formadora da sociedade, impondo mudanas sociais democrticas, ainda que possa continuar a desempenhar uma funo conservadora, garantindo a sobrevivncia de valores socialmente aceitos. 7. OS PRINCPIOS DO ESTADO DEMOCRTICO DE DIREITO Limitar-nos-emos a indicar esses princpios, sem entrar em pormeno- res. So os seguintes: a) princpio da constitucionalidade, que exprime, em primeiro lugar, que o Estado Democrtico de Direito se funda na legitimidade de uma Constituio rgida, emanada da vontade popular, que, dotada de supremacia, vincule todos os poderes e os atos deles provenientes, com as garantias de atuao livre da jurisdio constitucional; b) princpio democrtico que, nos termos da Constituio, h de consti- tuir uma democracia representativa e participativa, pluralista, e que seja a garantia geral da vigncia e eficcia dos direitos fundamentais (art.1o); c) sistema de direitos fundamentais individuais, coletivos, sociais e cul- turais (Tts. II, VII e VIII); d) princpio da justia social, referido no art.170, caput, no art. 193, co- mo princpio da ordem econmica e da ordem social; como disse- mos, a Constituio no prometeu a transio para o socialismo me- diante a realizao da democracia econmica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa, como o faz a Constitui- o portuguesa, mas abre-se ela, tambm, para a realizao da de- mocracia social e cultural, embora no avance significativamente ru- mo democracia econmica; e) princpio da igualdade (art. 5o, caput, e inciso I); f) princpio da diviso de poderes (art. 2o) e da independncia do juiz (art. 95); g) princpio da legalidade (art. 5o, II); h) princpio da segurana jurdica (art. 5o, XXXV a LXXII). 8. TAREFA FUNDAMENTAL DO ESTADO DEMOCRTICO DE DI- REITO A tarefa fundamental do Estado Democrtico de Direito consiste em superar as desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime demo- crtico que realize a justia social. Jos Afonso Da Silva 19. TIPOS DE CONSTITUIO. Classificao das Constituies: quanto ao contedo: materiais e formas; quanto forma: escritas e no escritas; quanto ao modo de elabo- rao: dogmticas e histricas; quanto origem: populares (democrticas) ou outorgadas; quanto estabilidade: rgidas, flexveis e semi-rgidas. A constituio material em sentido amplo, identifica-se com a or- ganizao total do Estado, com regime poltico; em sentido estrito, designa as normas escritas ou costumeiras, inseridas ou no num documento escrito, que regulam a estrutura do Estado, o organiza- o de seus rgos e os direitos fundamentais. A constituio formal o peculiar modo de existir do Estado, re- duzido, sob forma escrita, a um documento solenemente estabele- cido pelo poder constituinte e somente modificvel por processos e formalidades especiais nela prpria estabelecidos. A constituio escrita considerada, quando codificada e siste- matizada num texto nico, elaborado por um rgo constituinte, encerrando todas as normas tidas como fundamentais sobre a es- trutura do Estado, a organizao dos poderes constitudos, seu modo de exerccio e limites de atuao e os direitos fundamentais. No escrita, a que cujas normas no constam de um documento nico e solene, baseando-se nos costumes, na jurisprudncia e em convenes e em textos constitucionais esparsos. Ex. constituio inglesa. Constituio dogmtica a elaborada por um rgo constituinte, e sistematiza os dogmas ou ideias fundamentais da teoria poltica e do Direito dominantes no momento. Histrica ou costumeira: a resultante de lenta formao histri- ca, do lento evoluir das tradies, dos fatos scio-polticos, que se cristalizam como normas fundamentais da organizao de deter- minado Estado. So populares as que se originam de um rgo constituinte composto de representantes do povo, eleitos para o fim de elaborar e estabelecer a mesma. (Cfs de 1891, 1934, 1946 e 1988). Outorgadas so as elaboradas e estabelecidas sem a participao do povo, aquelas que o governante por si ou por interposta pessoa ou instituio, outorga, impe, concede ao povo. (Cfs 1824, 1937, 1967 e 1969). Rgida a somente altervel mediante processos, solenidades e exigncias formais especiais, diferentes e mais difceis que os de formao das leis ordinrias ou complementares. Flexvel a que pode ser livremente modificada pelo legislador segundo o mesmo processo de elaborao das leis ordinrias. Semi-rgida a que contm uma parte rgida e uma flexvel. Objeto: estabelecer a estrutura do Estado, a organizao de seus rgos, o modo de aquisio do poder e a forma de seu exerccio, limites de sua atuao, assegurar os direitos e garantias dos indi- vduos, fixar o regime poltico e disciplinar os fins scio- econmicos do Estado, bem como os fundamentos dos direitos econmicos, sociais e culturais. Contedo: varivel no espao e no tempo, integrando a multipli- cidade no unodas instituies econmicas, jurdicas, polticas e sociais na unidade mltipla da lei fundamental do Estado. Elementos: por sua generalidade, revela em sua estrutura norma- tiva as seguintes categorias: a) elementos orgnicos: que se con- tm nas normas que regulam a estrutura do Estado e do poder; b) limitativos: que se manifestam nas normas que consubstanciam o elenco dos direitos e garantias fundamentais; limitam a ao dos poderes estatais e do a tnica do Estado de Direito (individuais e suas garantias, de nacionalidade, polticos); c) scio-ideolgicos: consubstanciados nas normas scio-ideolgicas, que revelam a carter de compromisso das constituies modernas entre o Esta- do individualista e o social intervencionista; d) de estabilizao constitucional: consagrados nas normas destinadas a assegurar a soluo dos conflitos constitucionais, a defesa da constituio, do Estado e das instituies democrticas; e) formais de aplicabilida- de: so os que se acham consubstanciados nas normas que esta- tuem regras de aplicao das constituies, assim, o prembulo, o dispositivo que contm as clusulas de promulgao e as disposi- es transitrias, assim, as normas definidoras dos direitos e ga- rantias fundamentais tm aplicao imediata.
  • 6. Defensor Pblico de Minas Gerais Grtis no App Biblioteca dos Concursos Direito Constitucional, Financeiro e Tributrio 4 17. TEORIA GERAL DA CONSTITUIO: CONCEITO, ORIGENS, CONTEDO, ESTRUTURA E CLASSIFICAO. 18. SUPREMACIA DA CONSTITUIO. 20. CONSTITUIES BRASILEIRAS. A experincia histrica do sculo XX confirmou o estado como institui- o predominante nas sociedades humanas. Seu principal instrumento, a constituio, a fonte por excelncia da teoria jurdica. Lei mxima, que encerra as normas superiores da ordenao jurdica de uma nao, a constituio define desde a forma do estado e do governo at o complexo normativo e costumeiro referente ao poder poltico organi- zado e aos direitos dos cidados. Todos os estados, seja qual for sua forma de governo, desde que ajam de acordo com certas normas fundamentais e possuam ordenamento jurdico, tm constituio. As constituies podem ser escritas, como a brasileira, expressa num documento nico e definido, ou consuetudinrias, como a do Reino Unido, que se baseia num conjunto de documentos, estatutos e prticas tradicionais aceitas pela sociedade. Teorias tradicionais. Desde a Grcia clssica, desenvolveu-se no Oci- dente europeu a convico de que a comunidade poltica deve ser gover- nada por lei embasada no direito natural. Foi Aristteles, a partir do estudo e classificao das diferentes formas de governo, quem desenvolveu o conceito de constituio. Para ele havia trs formas legtimas de organiza- o poltica: monarquia, ou governo de um s homem; aristocracia, ou governo dos melhores; e democracia, governo de todos os cidados. As formas ilegtimas que correspondem a cada uma das formas legtimas seriam, respectivamente, tirania, oligarquia e demagogia. O melhor sistema de governo seria o que combinasse elementos das trs formas legtimas, de modo que todos assegurassem seus direitos e aceitassem seus deve- res, em nome do bem comum. Outro princpio aristotlico afirma que os governantes so obrigados a prestar contas aos governados e que todos os homens so iguais perante a lei. Esse princpio se aplicava, na antiga Grcia, apenas aos homens livres e no aos escravos. O aprimoramento da lei foi a maior contribuio de Roma civilizao ocidental. Para os dirigentes romanos, a organizao do estado correspon- dia a uma lei racional, que refletia a organizao do mundo. A partir do momento em que se transformou na religio predominante do Ocidente, o cristianismo defendeu uma concepo monrquica de governo. Nos ltimos anos do Imprio Romano, santo Agostinho postulava que as constituies terrenas deviam, na medida do possvel, corresponder ao modelo da "cidade de Deus" e concentrar o poder num nico soberano. Segundo essa tese, que se firmou durante a Idade Mdia e deu sustenta- o ao absolutismo monrquico, o monarca recebia o mandato de Deus. Os fundamentos tericos do constitucionalismo moderno nasceram das teorias sobre o contrato social, defendidas no sculo XVII por Thomas Hobbes e John Locke, e no sculo seguinte por Jean-Jacques Rousseau. De acordo com essas teorias, os indivduos cediam, mediante um contrato social, parte da liberdade absoluta que caracteriza o "estado de natureza" pr-social, em troca da segurana proporcionada por um governo aceito por todos. Fundamentos constitucionais Princpios bsicos. Para cumprir suas funes, a constituio deve harmonizar o princpio da estabilidade, na forma e no procedimento, com o da flexibilidade, para adaptar-se s mudanas sociais, econmicas e tecno- lgicas inevitveis na vida de uma nao. Tambm deve prever alguma forma de controle e prestao de contas do governo perante outros rgos do estado e determinar claramente as reas de competncia dos poderes legislativo, executivo e judicirio. Os princpios constitucionais podem agrupar-se, como o caso da constituio brasileira, em duas categorias: estrutural e funcional. Os pri- meiros, como os que definem a federao e a repblica, so juridicamente inalterveis e no podem ser abolidos por emenda constitucional; os princ- pios que se enquadram na categoria funcional, como os que dizem respeito ao regime (no caso brasileiro, democracia representativa) e ao sistema de governo (bicameralismo, presidencialismo e controle judicial) podem ser modificados por reforma da constituio. A inobservncia de qualquer desses princpios, ou de outros deles decorrentes, est expressamente referida na constituio brasileira como motivo de interveno federal nos estados. As constituies podem ser flexveis ou rgidas, conforme a maior ou menor facilidade com que podem ser modificadas. As constituies flex- veis, como a britnica, so modificadas por meio de procedimentos legisla- tivos normais; as constituies rgidas modificam-se mediante procedimen- tos complexos, nos quais geralmente se exige maioria parlamentar qualifi- cada. Federao. A organizao federal o primeiro princpio fundamental abordado pela constituio brasileira. Pressupe a unio indissolvel de estados autnomos e a existncia de municpios tambm autnomos, peculiaridade que distingue a federao brasileira da americana, por exem- plo, na qual a questo da autonomia municipal deixada livre regulao dos estados federados. Verifica-se assim que no Brasil a federao se exprime juridicamente pelo desdobramento da personalidade estatal nacio- nal na trplice ordem de pessoas jurdicas de direito pblico constitucional: Unio, estados e municpios. O Distrito Federal, sede do governo da Unio, tem carter especial. A autonomia dos estados se expressa: (1) pelos princpios decorrentes do governo prprio e da administrao prpria, com desdobramentos, nos respectivos mbitos regionais, dos poderes executivo, legislativo e judici- rio; (2) pelo princpio dos poderes reservados, por fora do qual todos os poderes no conferidos expressa ou necessariamente Unio ou aos municpios competem ao estado federado. O princpio da autonomia municipal, cujo desrespeito acarreta a inter- veno federal, mais restrito que o da autonomia estadual e exprime-se: (1) pela eleio direta do prefeito, vice-prefeito e vereadores; e (2) pela existncia de administrao prpria, autnoma, no que concerne ao inte- resse peculiar do municpio. Repblica. O princpio da forma republicana, cujo desrespeito tambm motiva interveno, desdobra-se, no sistema brasileiro, em trs proposi- es: (1) temporariedade das funes eletivas, cuja durao, nos estados e municpios, limitada das funes correspondentes no plano federal; (2) inelegibilidade dos ocupantes de cargos do poder executivo para o perodo imediato; e (3) responsabilidade pela administrao, com obrigatria pres- tao de contas. Democracia representativa. Pela definio constitucional, democracia o regime em que todo poder emana do povo e em seu nome exercido. O princpio fundamental da representao est assegurado pela adoo de: (1) sufrgio universal e direto; (2) votao secreta e (3) representao proporcional dos partidos. Sistema bicameral. O princpio do bicameralismo, ou sistema bicame- ral, diz respeito estruturao do poder legislativo em dois rgos diferen- tes. Por exemplo, a Cmara dos Comuns e a Cmara dos Lordes, no Reino Unido; o Bundestag (cmara baixa) e o Bundesrat (cmara alta), na Alema- nha; o Senado e a Cmara dos Representantes, nos Estados Unidos; e o Senado Federal e a Cmara dos Deputados, no Brasil. A composio das duas cmaras sempre diferente em relao ao nmero de membros que as integram, extenso de seus poderes e, em alguns casos, no sistema de recrutamento, como na Cmara dos Lordes, em que muitas cadeiras so hereditrias. Sistema presidencial. O presidencialismo o sistema de governo repu- blicano que se assenta na rigorosa separao de poderes e atribui ao presidente da repblica grande parte da funo governamental e a plenitu- de do poder executivo. Nesse sistema, o presidente coopera na legislao, orienta a poltica interna e internacional, assume a gesto superior das finanas do estado, exerce o comando supremo das foras armadas e escolhe livremente os ministros e assessores, que o auxiliam no desempe- nho das respectivas funes, dentro dos programas, diretrizes e ordens presidenciais. O sistema presidencialista vigente em muitos pases baseia- se em linhas gerais no padro dos Estados Unidos, com variantes que no alteram as caractersticas que o definem.
  • 7. Defensor Pblico de Minas Gerais Grtis no App Biblioteca dos Concursos Direito Constitucional, Financeiro e Tributrio 5 Sistema de controle judicial. Devido organizao federal e conse- quente supremacia da constituio da repblica sobre as dos estados, bem como prevalncia das normas constitucionais sobre a legislao ordinria, atribui-se ao poder judicirio, concomitantemente com a funo de julgar, a de controlar a constitucionalidade das leis. Alm disso, como as constitui- es geralmente asseguram que a lei no pode deixar de apreciar nenhu- ma leso do direito individual, compete tambm ao judicirio o controle contencioso dos atos das autoridades. Uma lei comum pode entrar em choque com algum artigo da constitui- o. Por isso, necessrio que exista um rgo de controle da constitucio- nalidade das leis, que entra em ao antes de sua promulgao, como na Frana, ou depois, como no Brasil, onde o Supremo Tribunal Federal pode pronunciar-se por iniciativa prpria ou quando solicitado. Liberdades pblicas. Conjunto de direitos inalienveis do cidado, in- dependentes do arbtrio das autoridades, as liberdades pblicas so garan- tidas pelas constituies modernas, principalmente as seguintes: liberdade religiosa; liberdade de imprensa e de manifestao do pensamento; liber- dade de associao, poltica ou no, e de reunir-se em praa pblica, sem armas; inviolabilidade de domiclio e de correspondncia; garantia contra priso arbitrria, confisco e expropriao; liberdade de locomover-se dentro do territrio nacional e liberdade de sair do pas. Todas essas prerrogativas do cidado so chamadas direitos individuais. Seu conjunto constitui a liberdade (no singular), caracterstica do estado de direito, oposto ao estado policial e autoritrio. As liberdades (no plural) so prerrogativas no da pessoa, mas de grupos, classes e entidades. Matrias regulamentadas. No que tange a sua formulao escrita, as constituies do sculo XIX tendiam a ser breves e conter apenas as nor- mas fundamentais. A partir da primeira guerra mundial, o texto constitucio- nal passou a incluir princpios referentes a temas sociais, econmicos e polticos, antes regulados por leis ordinrias. Nas constituies modernas, geralmente as matrias regulamentadas so: (1) soberania nacional, lngua, bandeira e foras armadas; (2) direitos, deveres e liberdades dos cidados; (3) princpios reguladores da poltica social e da economia; (4) relaes internacionais; (5) composio e estatuto do governo e suas relaes com as cmaras legislativas; (6) poder judici- rio; (7) organizao territorial do estado; (8) tribunal constitucional ou rgo similar; e (9) procedimento para a reforma constitucional. A constituio geralmente elaborada por uma Assembleia constituinte e por ela decretada e promulgada. Quando entra em vigor por deciso do governante, diz-se que outorgada; o caso das constituies brasileiras de 1824, outorgada por D. Pedro I; de 1937, que instituiu o Estado Novo; e de 1967, imposta pelo governo militar. Historicamente, as constituies outorgadas pelo monarca absoluto no exerccio do poder, mesmo com aprovao da representao popular, denominam-se cartas. Constituies brasileiras A primeira constituio do Brasil foi outorgada pelo imperador D. Pedro I, depois de dissolvida a Assembleia Geral Constituinte, no tumultuado perodo que se seguiu independncia. Datada de 24 de fevereiro de 1824, seu projeto se deve, em boa parte, a Jos Joaquim Carneiro de Campos, depois marqus de Caravelas, mas indubitvel que nele tambm colabo- rou o jovem imperador. Em linhas gerais, assemelha-se ao projeto que se discutia na Constituinte, de Antnio Carlos Ribeiro de Andrada: calcavam- se ambos na constituio espanhola de 1812. Tinha de particular a figura do poder moderador, exercido pelo monarca. No perodo da Regncia, operou-se importante reforma constitucional por meio do instrumento denominado Ato Adicional, de 12 de agosto de 1834, que criava as Assembleias Legislativas Provinciais. Seguiu-se a lei de Interpretao ao Ato Adicional, de 12 de maio de 1840. Em 20 de julho de 1847, um decreto imperial consagrou o regime parlamentarista e o cargo de presidente do Conselho de Ministros. Proclamada a repblica, em 15 de novembro de 1889, o marechal De- odoro da Fonseca decretou a lei de Organizao do Governo Provisrio da Repblica dos Estados Unidos do Brasil, de autoria de Rui Barbosa, ento ministro da Fazenda e primeiro vice-chefe do governo. De Rui Barbosa so ainda as principais emendas ao projeto de constituio, elaborado pela chamada Comisso dos Cinco, que teve como presidente Joaquim Salda- nha Marinho. Reunido o Congresso Constituinte, a primeira constituio republicana foi promulgada em 24 de fevereiro de 1891. Consagrava o princpio do unionismo (predomnio da Unio sobre os estados) e adotava o recurso do habeas-corpus, garantia outorgada em favor de quem sofreu ou pode sofrer coao ou violncia por parte do poder pblico. De cunho acentuadamente presidencialista, a constituio de 1891 foi reformada ao tempo do governo Artur Bernardes, em 1926, para fortalecer ainda mais o poder executivo. O quatrinio que se seguiu foi interrompido pela revoluo de 1930, que levou ao poder Getlio Vargas, chefe da Aliana Liberal e candidato derrotado s eleies de 1o de maro, denunci- adas como fraudulentas. Em 11 de novembro de 1930, Vargas decretou a lei de Organizao do Governo Provisrio. A segunda constituio republicana data de 16 de julho de 1934. Eleito pela Assembleia Constituinte para um mandato de quatro anos, a expirar em 1938, Vargas deu um golpe de estado e outorgou a constituio de 1937, que instituiu o Estado Novo. Essa constituio ampliava os poderes do poder executivo e acolhia direitos de famlia e os direitos educao e cultura. A terceira constituio republicana, de 18 de setembro de 1946, encer- rou a ditadura de Vargas e consagrou o restabelecimento da democracia no pas, conciliando diferentes tendncias polticas. O legislativo voltou a funcionar e o uso da propriedade foi condicionado ao bem-estar social. A constituio de 1946 instituiu o salrio mnimo, o direito de greve e o ensino gratuito. A idade mnima para o exerccio do voto baixou de 21 para 18 anos. Essa constituio foi emendada em 1961 para instituir o parlamen- tarismo, durante a crise deflagrada pela renncia do presidente Jnio Quadros, mas a emenda foi revogada em janeiro de 1963. O governo militar instaurado em 1964 procurou legitimar o autoritarismo por meio de sucessivos atos institucionais, que desfiguraram progressiva- mente a constituio. S em 1967, porm, ela seria formalmente substitu- da. Resultado do projeto preparado por uma comisso de juristas, convo- cados pelo presidente Castelo Branco, e alterado pelo ministro da Justia, Carlos Medeiros Silva, a nova constituio foi aprovada pelo Congresso, convocado para esse fim pelo Ato Adicional de 7 de dezembro de 1966. A constituio de 1967 acabou com a eleio direta para presidente da repblica e criou, para eleg-lo, um colgio eleitoral. Com ela foram sus- pensas as garantias dos juzes e aprofundou-se a interveno da Unio na economia dos estados. Novas medidas, particularmente o Ato Institucional n 5, foram alterando essa constituio at que, na crise deflagrada pela doena do presidente Costa e Silva, uma junta militar assumiu o poder e baixou, em 17 de outubro de 1969, a Emenda no 1, em substituio ao projeto que o presidente pretendia apresentar. Tratava-se, na prtica, de uma nova constituio, que reforou ainda mais o poder executivo ao instituir as medidas de emergncia e o estado de emergncia. A constituio de 1969 esvaziou-se com o progressivo esfacelamento do regime militar. Em 1987, o presidente Jos Sarney, eleito ainda pelo voto indireto, convocou a nova Assembleia Nacional Constituinte. A consti- tuio por ela projetada, promulgada em 5 de outubro de 1988, devolveu os poderes do legislativo e deu-lhe novas atribuies em matria de poltica econmico-financeira, oramento, poltica nuclear e poltica de comunica- es. Criou tambm novos direitos individuais, coletivos e sociais e ampliou particularmente os direitos do trabalhador. Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicaes Ltda. Presidencialismo Adotado sob formas variadas em muitos pases, o presidencialismo tem como base doutrinria a teoria poltica de separao e controle recproco dos poderes, de Montesquieu, que pode ser resumida na sentena do autor: "O poder deve limitar o poder." Presidencialismo o sistema de governo no qual os poderes, funes e deveres de chefe de governo e de chefe de estado se renem numa s pessoa e no qual o executivo, legislativo e judicirio so poderes indepen- dentes entre si que funcionam em harmonia. Eleito pelo voto direto ou por colgio eleitoral, para mandato com perodo determinado em lei constituci-
  • 8. Defensor Pblico de Minas Gerais Grtis no App Biblioteca dos Concursos Direito Constitucional, Financeiro e Tributrio 6 onal, o presidente no se subordina ao Parlamento nem pode nele interferir. Entre suas atribuies esto a de liderar a vida poltica da nao, represen- tar o pas interna e externamente, comandar as foras armadas, firmar tratados, encaminhar projetos de lei ao Congresso, responder pela adminis- trao e pelas decises nos setores do executivo e escolher os ministros de estado. O sistema presidencialista de governo foi criado nos Estados Unidos pela constituio de 1787. Para limitar o poder do governo e garantir a liberdade dos cidados, os constituintes rejeitaram o modelo parlamentar britnico e estabeleceram a separao total do legislativo, executivo e judicirio, com um sistema de pesos e contrapesos no qual cada poder fiscaliza e contrabalana os demais, sem predomnio de nenhum deles. O presidente americano eleito por um colgio eleitoral, para um mandato de quatro anos, com direito a concorrer uma vez reeleio. O presidente no precisa ter maioria no Congresso, mas em todas as questes de poltica geral que envolvem a legislao ou gastos de verbas deve negociar com os parlamentares para fazer aprovar seus projetos. Nas eleies presidenciais americanas, o eleitor participa de todas as etapas do processo: escolhe o candidato de cada partido nas eleies primrias, elege o colgio eleitoral de cada estado e vota nos candidatos vencedores nas primrias no dia das eleies nacionais gerais. O colgio eleitoral, que escolhe o presidente, se compe de delegados dos cinquenta estados da nao. Cada estado elege um nmero de delegados equivalen- te representao que tem nas duas casas do Congresso. Parlamentares eleitos no podem ser delegados. A eleio praticamente direta porque os delegados respeitam a vontade manifesta pelo voto popular, embora haja exemplos de maioria mais expressiva no colgio eleitoral do que no voto direto, como na eleio de Abraham Lincoln em 1860. Em outras naes, o presidencialismo divergiu em muitos aspectos do modelo americano. Nos pases europeus em que a forma de governo republicana e o sistema parlamentarista, o presidente eleito para um mandato estabelecido por lei e ocupa a posio de chefe de estado, en- quanto o primeiro-ministro exerce a funo de chefe de governo. As atribui- es do presidente se assemelham s dos monarcas constitucionais. Na Sua o poder executivo exercido pelo Conselho Federal, colegiado de sete membros eleitos para um perodo de quatro anos pela Assembleia Federal, que a cada ano elege um deles para o exerccio da presidncia. Na Amrica Latina, a tendncia histrica tem sido o fortalecimento do executivo sem equilbrio entre os poderes, o que levou com frequncia muitas naes a ditaduras que prescindiam no s do legislativo e do judicirio como da prpria participao popular. No Brasil, o presidencialismo estabelecido na constituio republicana de 1891 passou por mudanas profundas, ocasionadas por conflitos polti- cos, revoltas regionais civis, rebelies militares e inquietao econmica decorrente da grave crise financeira mundial de 1929. A revoluo de 1930 deu incio ao "presidencialismo forte" de Getlio Vargas, que se prolongou at 1945. Nas duas dcadas seguintes, o presidencialismo pautou-se pela constituio de 1946, com voto direto e popular. A interveno militar de 1964 interrompeu o ciclo, substitudo pela presidncia dos generais, que se revezaram no poder pelo voto indireto do Congresso, transformado em colgio eleitoral. Com a constituio de 1988, o presidencialismo recuperou caractersticas prximas s do sistema americano, com o fortalecimento do legislativo e do judicirio. Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicaes Ltda. A Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 a lei fundamental e suprema do Brasil, servindo de parmetro de validade a todas as demais espcies normativas, situando-se no topo da pirmide normativa. a stima a reger o Brasil desde a sua Independncia. Histrico Desde 1964 estava o Brasil sob o regime da ditadura militar, e desde 1967 (particularmente subjugado s alteraes decorrentes dos Atos Institucionais) sob uma constituio imposta pelo governo. O sistema de exceo, em que as garantias individuais e sociais eram diminudas (ou mesmo ignoradas), e cuja finalidade era garantir os interesses da ditadura (internalizado em conceitos como segurana nacional, restrio das garantias fundamentais, etc.) fez crescer, durante o processo de abertura poltica, o anseio por dotar o Brasil de uma nova Constituio, defensora dos valores democrticos. Anseio este que se tornou necessidade aps o fim da ditadura militar e a redemocratizao do Brasil, a partir de 1985. Ideologias manifestas na Constituio Independentemente das controvrsias de cunho poltico, a Constituio Federal de 1988 assegurou diversas garantias constitucionais, com o objetivo de dar maior efetividade aos direitos fundamentais, permitindo a participao do Poder Judicirio sempre que houver leso ou ameaa de leso a direitos. Para demonstrar a mudana que estava havendo no sistema governamental brasileiro, que sara de um regime autoritrio recentemente, a constituio de 1988 qualificou como crimes inafianveis a tortura e as aes armadas contra o estado democrtico e a ordem constitucional, criando assim dispositivos constitucionais para bloquear golpes de quaisquer natureza. Com a nova constituio, o direito maior de um cidado que vive em uma democracia foi conquistado: foi determinada a eleio direta para os cargos de Presidente da Repblica, Governador de Estado (e do Distrito Federal), Prefeito, Deputado (Federal, Estadual e Distrital), Senador e Vereador. A nova Constituio tambm previu uma maior responsabilidade fiscal. Ela ainda ampliou os poderes do Congresso Nacional, tornando o Brasil um pas mais democrtico. Pela primeira vez uma Constituio brasileira define a funo social da propriedade privada urbana, prevendo a existncia de instrumentos urbansticos que, interferindo no direito de propriedade (que a partir de agora no mais seria considerado inviolvel), teriam por objetivo romper com a lgica da especulao imobiliria. A definio e regulamentao de tais instrumentos, porm, deu-se apenas com a promulgao do Estatuto da Cidade em 2001. Estrutura A Constituio de 1988 est dividida em 10 ttulos (o prembulo no conta como ttulo). As temticas de cada ttulo so: Prembulo - introduz o texto constitucional. De acordo com a doutrina majoritria, o prembulo no possui fora de lei. Princpios Fundamentais - anuncia sob quais princpios ser dirigida a Repblica Federativa do Brasil. Direitos e Garantias Individuais - elenca uma srie de direitos e garantias individuais, coletivos, sociais, de nacionalidade e polticos. As garantias ali inseridas (muitas delas inexistentes em Constituies anteriores) representaram um marco na histria brasileira. Organizao do Estado - define o pacto federativo, alinhavando as atribuies de cada ente da federao (Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios). Tambm define situaes excepcionais de interveno nos entes federativos, alm de versar sobre administrao pblica e servidores pblicos. Organizao dos Poderes - define a organizao e atribuies de cada poder (Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judicirio), bem como de seus agentes envolvidos. Tambm define os processos legislativos (inclusive para emendar a Constituio). Defesa do Estado e das Instituies - trata do Estado de Defesa, Estado de Stio, das Foras Armadas e das Polcias. Tributao e Oramento - define limitaes ao poder de tributar do Estado, organiza o sistema tributrio e detalha os tipos de tributos e a quem cabe cobr-los. Trata ainda da repartio das receitas e de normas para a elaborao do oramento pblico. Ordem Econmica e Financeira - regula a atividade econmica e tambm eventuais intervenes do Estado na economia. Discorre ainda sobre as normas de poltica urbana, poltica agrcola e poltica fundiria. Ordem Social - trata da Seguridade Social (incluindo Previdncia Social), Sade, Assistncia Social, Educao, Cultura, Desporto, Meios de Comunicao Social, Cincia e Tecnologia, Meio Ambiente, Famlia, alm de dar ateno especial aos seguintes segmentos: crianas, jovens, idosos e populaes indgenas. Disposies Gerais - artigos esparsos versando sobre temticas variadas e que no foram inseridas em outros ttulos em geral por tratarem de assuntos muito especficos. Disposies Transitrias - faz a transio entre a Constituio anterior e a nova. Tambm esto includos dispositivos de durao determinada.
  • 9. Defensor Pblico de Minas Gerais Grtis no App Biblioteca dos Concursos Direito Constitucional, Financeiro e Tributrio 7 Caractersticas Rigidez - No facilmente alterada a Constituio exige um processo legislativo mais elaborado, consensual e solene para a elaborao de emendas constitucionais de que o processo comum exigido para todas as demais espcies normativas legais. 2. PODER CONSTITUINTE. Jean dos Santos Diniz 1 - NOES As normas constitucionais, por ocuparem o topo do ordenamento jur- dico, so providas de elaborao mais dificultosa do que aqueles ditados pela prpria ordem jurdica, que vm de cunho ordinrio. Com as noes supracitadas, podemos conceituar o Poder Constituinte como aquele poder capaz de criar, modificar ou implementar normas de fora constitucional. 2 - TITULARIDADE DO PODER CONSTITUINTE Nos Estados democrticos, a titularidade do poder constituinte perten- ce ao povo, pois o Estado decorre da soberania popular. Em razo de sua titularidade pertencer ao povo, o poder constituinte permanente, isto , no se esgota em um ato de seu exerccio, visto que o povo no pode perder o direito de querer e de mudar sua vontade. 3 - EXERCCIO DO PODER CONSTITUINTE Embora na atualidade haja um consenso terico em afirmar ser o povo o titular do poder constituinte, o seu exerccio nem sempre tem se realizado democraticamente. Assim, embora legitimamente o poder constituinte pertena sempre ao povo, temos duas formas distintas para o seu exerccio: outorga e assem- bleia nacional constituinte. A outorga o estabelecimento da Constituio pelo prprio detentor do poder, sem a participao popular. ato unilateral do governante, que auto-limita o seu poder e impe as regras constitucionais ao povo. A assembleia nacional constituinte a forma tpica de exerccio do poder constituinte, em que o povo, seu legtimo titular, democraticamente, outorga poderes a seus representantes especialmente eleitos para a elabo- rao da Constituio. 4 - ESPCIES DE PODER CONSTITUINTE A doutrina costuma distinguir as seguintes espcies de poder consti- tuinte: poder constituinte originrio e poder constituinte derivado este tendo como espcies o poder reformador, o decorrente e o revisor. O poder constituinte originrio (tambm denominado genuno, pri- mrio ou de primeiro grau) o poder de elaborar uma Constituio. No encontra limites no direito positivo anterior, no deve obedincia a nenhuma regra jurdica preexistente, Assim, podemos caracterizar o poder constituinte originrio como inici- al, permanente, absoluto, soberano, ilimitado, incondicionado, permanente e inalienvel O poder constituinte derivado (tambm denominado reformador, se- cundrio, institudo, constitudo, de segundo grau, de reforma) o poder que se ramifica em trs espcies: O poder reformador que abrange as prerrogativas de modificar, imple- mentar ou retirar dispositivos da Constituio. O poder Constituinte decorrente que consagra o princpio federativo de suas Unidades a alma d a autonomia das federaes na forma de sua constituio, assim, a todos os Estados, o Distrito Federal e at os Municpios este na forma de lei orgnica podero ter suas constituies especficas em decor- rncia do Poder Constituinte Originrio. Por fim, o poder constituinte revisor que como exemplo de nossa pr- pria Constituio Federal, possibilita a reviso de dispositivos constitucio- nais que necessitem de reformas, porm, esta no se confunde com refor- ma em stricto senso pois, esta de forma mais dificultosa, quorum ainda mais especfico, segundo as regras que ela estabelece. o poder de reforma, que permite a mudana da Constituio, adaptando-a a novas necessidades, sem que para tanto seja preciso recorrer ao poder constituin- te originrio. um poder derivado (porque institudo pelo poder constituinte originrio), subordinado (porque se encontra limitado pelas normas estabe- lecidas pela prpria Constituio, as quais no poder contrariar, sob pena de inconstitucionalidade) e condicionado (porque o seu modo de agir deve seguir as regras previamente estabelecidas pela prpria Constituio). Essas limitaes ao poder constituinte derivado (ou de reforma) so comumente classificadas em trs grandes grupos: limitaes temporais, limitaes circunstanciais e limitaes materiais. As limitaes temporais consistem na vedao, por determinado lap- so temporal, de alterabilidade das normas constitucionais. A Constituio insere norma proibitiva de reforma de seus dispositivos por um prazo de- terminado. No esto presentes na nossa vigente Constituio, sendo que no Brasil s a Constituio do Imprio estabelecia esse tipo de limitao, visto que, em seu art. 174, determinava que to-s aps quatro anos de sua vigncia poderia ser reformada. As limitaes circunstanciais evitam modificaes na Constituio em certas ocasies anormais e excepcionais do pas, em que possa estar ameaada a livre manifestao do rgo reformador. Busca-se afastar eventual perturbao liberdade e independncia dos rgos incumbidos da reforma. A atual Constituio consagra tais limitaes, ao vedar a emenda na vigncia de interveno federal, de estado de defesa ou de estado de stio (art. 60, 1). As limitaes materiais excluem determinadas matrias ou contedo da possibilidade de reforma, visando a assegurar a integridade da Consti- tuio, impedindo que eventuais reformas provoquem a sua destruio ou impliquem profunda mudana de sua identidade. Tais limitaes podem ser explcitas ou implcitas. As limitaes materiais explcitas correspondem quelas matrias que o constituinte definiu expressamente na Constituio como inalterveis. O prprio poder constituinte originrio faz constar na sua obra um ncleo imodificvel. Tais limitaes inserem-se, pois, expressamente, no texto constitucional e so conhecidas por "clusulas ptreas". Na vigente Constituio, esto prescritas no art. 60, 4, segundo o qual "no ser objeto de deliberao a proposta de emenda tendente a abolir: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e peridico; a separao dos Poderes; os direitos e garantias individuais". As limitaes materiais implcitas so aquelas matrias que, apesar de no inseridas no texto constitucional, esto implicitamente fora do alcan- ce do poder de reforma, sob pena de implicar a ruptura da ordem constitu- cional. Isso porque, caso pudessem ser modificadas pelo poder constituinte derivado, de nada adiantaria a previso expressa das demais limitaes. So apontadas pela doutrina trs importantes limitaes materiais implci- tas, a saber: (1) a titularidade do poder constituinte originrio, pois uma reforma constitucional no pode mudar o titular do poder que cria o prprio poder reformador; (2) a titularidade do poder constituinte derivado, pois seria um despautrio que o legislador ordinrio estabelecesse novo titular de um poder derivado s da vontade do constituinte originrio; e (3) o processo da prpria reforma constitucional, seno poderiam restar fraudadas as limitaes explcitas impostas pelo constituinte originrio. O poder constituinte decorrente aquele atribudo aos Estados- membros para se auto-organizarem mediante a elaborao de suas consti- tuies estaduais, desde que respeitadas as regras limitativas impostas pela Constituio Federal. Como se v, tambm um poder derivado, limitado e condicionado, visto que resultante do texto constitucional. Fonte: Fonte:http://www.vemconcursos.com.br/opiniao/index.phtml? page_ordem=recentes&page_id=1502&page_print=1
  • 10. Defensor Pblico de Minas Gerais Grtis no App Biblioteca dos Concursos Direito Constitucional, Financeiro e Tributrio 8 A TEORIA DO PODER CONSTITUINTE Conforme temos trabalhado at o momento, os tericos do Direito constitucional so quase unnimes em afirmar que o constitucionalismo moderno comea a ser formado no processo que se inicia com a Magna Carta na Inglaterra em 1215. Entretanto ali no est presente a ideia de uma Assembleia Nacional Constituinte que elaborando uma Constituio dar incio a uma nova realidade constitucional, fruto da vontade de um poder soberano e devendo se basear na vontade popular. Temos portanto duas realidades constitucionais que hoje parecem, lentamente, gradual- mente, se fundirem, mas que ainda so muito distintas. Embora o Brasil tenha sofrido influncia do Direito estadunidense a par- tir da Constituio de 1891, que copiou diversas instituies dos Estados Unidos da Amrica como o federalismo, o presidencialismo, o seu modelo bicameral, o modelo de suprema corte e o modelo de controle difuso de constitucionalidade, nossa tradio constitucional construda a partir do modelo continental europeu, transformando o nosso constitucionalismo em um dos mais ricos do mundo, pois promove a construo de um processo de sntese, ainda inicial, dos dois grandes sistemas jurdicos modernos, o que pode ser expresso no nosso controle misto de constitucionalidade das leis, que infelizmente vem sofrendo ataques inconstitucionais que buscam implantar o controle concentrado nico, o que contra a democracia e logo inconstitucional. Entretanto, h algo em comum entre o modelo estadunidense e o eu- ropeu continental, no compartilhado pela Inglaterra: a existncia de um poder constituinte originrio, inicial, soberano e de primeiro grau capaz de romper com a ordem anterior e iniciar uma nova vida jurdica constitucional com a nova Constituio. Segundo a viso de diversos constitucionalistas, a diferenciao entre Poder Constituinte e Poder Legislativo ordinrio ganhou nfase e concreti- zao na Revoluo Francesa, quando os Estados Gerais, por solicitao do Terceiro Estado, se proclamaram como Assembleia Nacional Constituin- te, sem nenhuma convocao formal. Na Frana revolucionria (1789) foram superadas as velhas teorias que determinavam a origem divina do poder, afirmando a partir de ento que a nao, o povo (seja diretamente ou atravs de uma assembleia representa- tiva), era o titular da soberania, e, por isso, titular do Poder Constituinte. Entendia-se ento que a Constituio deveria ser a expresso da vontade do povo nacional, a expresso da soberania popular. Ideias que podem parecer um pouco romnticas ou artificiais em uma construo terica transdisciplinar contempornea. Podemos dizer que as dificuldades (ou impossibilidade) contemporneas para afirmar a existncia de uma (nica) vontade popular, em sociedades de extrema complexidade, bem maior hoje que no passado, mas sempre estiveram presentes no Estado moder- no. Por mais democrtico que tenha sido qualquer poder constituinte vamos encontrar no complexo jogo de poder por traz da constituinte aqueles que tem a capacidade ou possibilidade de impor seus interesses com mais fora do que outros. Podemos dizer que a elaborao geral da teoria do Poder Constituinte nasceu, na cultura europeia, com SIEYES, pensador e revolucionrio francs do sculo XVIII. A concepo de soberania nacional na poca assim como a distino entre poder constituinte e poderes constitudos com poderes derivados do primeiro contribuio do pensador revolucionrio. SIEYES afirmava que objetivo ou o fim da Assembleia representativa de uma nao no pode ser outro do que aquele que ocorreria se a prpria populao pudesse se reunir e deliberar no mesmo lugar. Ele acreditava que no poderia haver tanta insensatez a ponto de algum, ou um grupo, na Assembleia geral, afirmar que os que ali esto reunidos devem tratar dos assuntos particulares de uma pessoa ou de um determinado grupo. A concluso da escola clssica francesa colocando a Constituio co- mo um certificado da vontade poltica do povo nacional sendo que para que isto ocorra deve ser produto de uma Assembleia Constituinte representativa da vontade deste povo, se ope Hans Kelsen, que afirma que a Constitui- o provm de uma norma fundamental. Importante ressaltar neste ponto que os conceitos dos diversos autores sero influenciados pela compreen- so da natureza do Poder Constituinte: seja um poder de fato ou um poder de Direito. Um outro aspecto que devemos estudar sobre o Poder Constituinte relativo a sua amplitude. Alguns autores entendem que o poder constituinte se limita a criao originria do Direito enquanto outros compreendem que este poder constituinte bem mais amplo incluindo uma criao derivada do Direito atravs da reforma do texto constitucional, adaptando-o aos processos de mudana sociocultural , e ainda o poder constituinte decorren- te, caracterstica essencial de uma federao, quando os entes federados recebem (ou permanecem com) parcelas de soberania expressas na com- petncia legislativa constitucional. Um terceiro aspecto a ser estudado, e sobre o qual tambm existem di- vergncias, diz respeito titularidade do Poder Constituinte. Para uma melhor compreenso desta matria e de sua diversas com- preenses, necessrio estudar separadamente cada um destes elemen- tos. No se pode vincular, como pretenderam alguns, o posicionamento com relao natureza do Poder Constituinte com a sua amplitude, e mesmo com sua titularidade em determinados casos. Finalmente o aspecto mais importante de todos o estudo dos limites ao pode constituinte tanto originrio, como derivado e decorrente. OS LIMITES DO PODER CONSTITUINTE O poder constituinte derivado, ou de reforma, divide-se em dois: o po- der de emenda e o poder de reviso, enquanto o poder originrio pertence a uma assembleia eleita com finalidade de elaborar a Constituio, deixan- do de existir quando cumprida sua funo, sendo um poder temporrio, o poder de reforma um poder latente, que pode se manifestar a qualquer momento, desde que cumpridos os requisitos formais e observados os seus limites materiais. O poder de reforma por meio de emendas pode em geral se manifestar a qualquer tempo, sofrendo limites materiais, circunstanciais, formais e algumas vezes temporais. Este poder consiste em alterar pontualmente uma determinada matria constitucional, adicionando, suprimindo, modifi- cando alnea(s), inciso(s), artigo(s) da Constituio. O poder de reviso em geral tem limites temporais, alm dos limites circunstanciais, formais e materiais, ocorrendo, em algumas Constituies, sua manifestao peridica, como na Constituio portuguesa de 5 em 5 anos. Na nossa Constituio, houve a previso de manifestao de poder uma nica vez no podendo ocorrer de novo pois estava prevista no Ato das Disposies Constitucionais Transitrias. A reviso mais ampla que a emenda, pois como sugere o nome trata-se de uma reviso sistmica do texto, respeitados os limites. No Brasil entretanto, a nossa reviso foi atpi- ca, se manifestando atravs de emendas. Entretanto, bem ou mal feita, o que ocorreu foi uma reviso, pois se deu, respeitados os aspectos formais processuais da reviso prevista no ADCT. Alm do poder de reforma encontraremos nos estados federais (e ape- nas nos estados federais) o poder decorrente que pertence aos entes federados sejam dos estados membros no federalismo de dois nveis, sejam dos estados membros e municpios no federalismo de trs nveis. Este poder tambm subordinado e limitado, tendo limites expressos e devendo respeitar os princpios fundamentais e estruturantes da Constitui- o Federal. Quanto aos limites do poder constituinte podemos dizer o seguinte: a) limites materiais: os limites materiais dizem respeito s matrias que no podem ser objeto de emenda expressos ou implcitos; b) os limites materiais implcitos dizem respeito a prpria essncia do poder de reforma. Mesmo que no existam limites expressos, a segurana jurdica exige que o poder de reforma no se transfor- me, por falta de limites materiais, em um poder originrio. O poder de reforma pode modificar mantendo a essncia da Constituio, ou seja, os princpios fundantes e estruturantes da Constituio, pois reforma no construir outro mas modificar mantendo a estru- tura e os fundamentos; c) so portanto limites materiais implcitos o respeito aos princpios fundamentais e estruturais da constituio, que s podero ser modificados atravs de outra assembleia constituinte, ou seja, atravs de um outro poder constituinte originrio; d) o artigo 60 pargrafo 4 incisos I a IV da CF trazem os limites mate- riais expressos, dispondo que vedada emenda tendente a abolir a forma federal, os direitos individuais e suas garantias, a separa- o de poderes e a democracia;
  • 11. Defensor Pblico de Minas Gerais Grtis no App Biblioteca dos Concursos Direito Constitucional, Financeiro e Tributrio 9 e) j estudamos a teoria da indivisibilidade dos direitos fundamentais e podemos afirmar com muita tranquilidade que no podem existir emendas que venham de alguma forma limitar os direitos individu- ais, polticos, sociais e econmicos; f) podem existir emendas sobre a separao de poderes, a democra- cia, os direitos individuais e suas garantias e o federalismo, desde que sejam para aperfeioar, jamais para restringir; g) como j estudado no tomo II do Curso de Direito Constitucional, a proteo ao federalismo, significa a proteo ao processo de des- centralizao essencial ao nosso federalismo centrfugo; h) alm dos limites materiais expressos no artigo 60 pargrafo 4 da CF 88 encontramos limites circunstanciais, que probem emendas ou reviso durante situaes de grave comprometimento da estabi- lidade democrtica como o estado de sitio, estado de defesa e in- terveno federal; i) como afirmado acima, existem limites materiais implcitos que re- presentam a prpria essncia do poder constituinte derivado; j) o poder de reforma, como o nome sugere, diz respeito a alterao de elementos secundrios de uma ordem jurdica, pois no pos- svel atravs de emenda ou reviso alterar os princpios fundamen- tais ou estruturais de uma ordem constitucional; k) os princpios fundamentais e estruturantes so a essncia da Constituio e mesmo que no haja clausula expressa que proba emenda ou reviso, a essncia no pode ser alterada; l) reforma significa alterar normas secundrias, as regras, mas, ja- mais, a estrutura, a essncia, o fundamento de uma ordem jurdica; m) reforma no significa a construo de novo; n) outro limite implcito obvio diz respeito as regras constitucionais re- ferentes ao funcionamento ao poder constituinte de reforma; o) estas regras no podem ser objeto de emenda; p) as regras de funcionamento do poder constituinte derivado, o po- der de reforma, por motivos bvios, no podem ser objeto de emenda ou reviso, pois, caso contrario estaramos condenados a mais absoluta insegurana jurdica; q) alm disto so limites ao poder de reforma, a proibio de reviso antes de cinco anos contados da promulgao da Constituio (li- mite temporal); r) a proibio do funcionamento do poder de reforma (emendas ou reviso) durante estado de defesa, de sitio ou interveno federal constituem limites circunstanciais como j mencionado; s) os limites formais obrigam que a emenda de d atravs de quorum de 3 quintos em dois turnos de votao em seo bicameral en- quanto a reviso (contrariando a lgica doutrinaria que exigia pro- cesso mais qualificado) ocorreu em seo unicameral por maioria absoluta (50% mais um de todos os representantes); t) quanto aos limites temporais a Constituio de 88 estabeleceu que a reviso ocorreria aps cinco anos da promulgao da Constitui- o, no existindo limites temporais para a reforma por meio de emendas; Esta discusso no nova e encontramos no clssicos do Direito Constitucional nacional e estrangeira varias referencias a amplitude do poder constituinte e o poder de reforma. NELSON DE SOUZA SAMPAIO, afirmava que o poder reformador est abaixo do Poder Constituinte e jamais poder ser ilimitado como este. Seja como se queira chamar este poder reformador, seja de Poder constituinte constitudo como faz SANCHES AGESTA; poder constituinte derivado como faz PELAYO e BARACHO, ou poder constituinte institudo segundo BURDEAU, devemos encar-lo como faz PONTES de MIRANDA, como uma atividade constituidora diferida ou um poder constituinte de segundo como faz tambm ROSAH RUSSOMANO. A natureza do poder constituinte Alguns autores entendem que o poder constituinte originrio o mo- mento de passagem do poder ao Direito. inegvel que o poder constituin- te originrio o momento maior de ruptura da ordem constitucional, onde o poder de fato que se instala, forte o suficiente para romper com a ordem estabelecida, capaz de construir uma nova ordem sem nenhum tipo de limite jurdico positivo na ordem com a qual est rompendo. Se entender- mos o Direito como sendo sinnimo de lei positiva, posto pelo Estado, o poder constituinte originrio ser apenas um poder de fato. E justamente neste ponto que reside sua fora. claro que no reduzimos o Direito nesta perspectiva positivista j ultrapassada, que reduz o Direito regra, trans- formando construo do Direito em uma simples aplicao da receita pronta da lei ao caso concreto. Entretanto isto ser objeto de estudo mais adiante. O que nos interessa agora entender a fora do poder constituinte origin- rio como poder de fato, capaz de romper com a ordem vigente, e, portanto, um poder ilegal e inconstitucional em relao a ordem com a qual rompe, e pela qual no se limita. Esta afirmativa contm a essncia da segurana que busca o constitucionalismo moderno: a Constituio na sua essncia deve ser to forte e perene que nenhum poder constituinte pode romper com seus fundamentos e estrutura, mas somente um poder social to forte, que nem mesmo a Constituio poder segur-lo pois o poder de trans- formao social da prpria histria. Neste recurso do Direito Constitucional ao poder social, ao poder de fato, transformador e histrico, reside sua prpria segurana, contra maiorias temporrias parlamentares que queiram transformar toda a Constituio, escrevendo uma nova, procurando se legitimar no voto que elegeu os representantes. A proteo contra o autori- tarismo da maioria reside na exigncia de poder social irresistvel, nica justificativa para a ruptura constitucional. Defensores de tese contrria procuram desenvolver mecanismos meramente representativos e consulti- vos (plebiscitos e referendos) para legitimar uma alterao radical do texto constitucional, que afete seus princpios fundamentais, criando na verdade uma nova Constituio. Estes mecanismos so verdadeiros golpes contra a segurana jurdica, que como disse, s pode ser rompida pela fora social irresistvel que no se expressa em meras representaes, pois quinhentos no podem o que s milhes podero. Pode-se afirmar entretanto que estes milhes podem ser ouvidos em plebiscitos, mas como proteger estes milhes da fora de manipulao da propaganda na construo de uma falsa vontade popular. Por isto nada pode substituir a mobilizao popular, nica justificativa para rupturas constitucionais profundas. Retornando discusso inicial, podemos dizer, ao contrrio, que, se entendermos entretanto que o Direito no se resume ao direito positivo, mas que est essencialmente ligado a ideia do justo, do correto, do direito, estaremos no campo das vrias correntes do pensamento do Direito natu- ral. Neste sentido o Direito sinnimo de justo, e logo a lei positiva pode ou no conter o Direito, pois s ser Direito se conter uma norma justa. O conceito do que justo muda em cada corrente do Direito natural, mas o que h em comum nas varias teorias a compreenso de que Direito diferente de lei. Seguindo esta hiptese, o poder constituinte originrio ser um poder de Direito se representar o justo, o correto, o direito, e ao contr- rio, ser um mero poder fato, ilegtimo, contra o Direito, se no representar a ideia do justo, do correto, do direito. No nos filiamos ao pensamento do Direito natural por considerarmos elitista, no sentido que ao se reconhecer que existe um direito justo anterior e superior ao direito produzido pelo Estado, quem ser a pessoa ou pesso- as que diro o justo. Quem ter o discurso legitimado. Se o justo est na vontade divina, quem ser o interprete desta vontade. Se o justo est na razo do filsofo, qual ser o filosofo que nos dir o justo. Por este motivo entendemos que s processos democrticos dialgicos com ampla mobilizao popular pode justificar uma ruptura, que sendo fato irresistvel se afirma com fora, mas no de forma ilimitada. O Direito no se encontra apenas no texto positivado, ou na deciso judicial, mas latente na ideia de justia dialogicamente compartilhada em processos democrti- cos de transformao social, e ser esta compreenso dialogicamente compartilhada, em uma sociedade, em um determinado momento histrico, que legitimar o Direito, sua compreenso democrtica e sua transforma- o democrtica, inclusive as rupturas constitucionais. O Poder constituinte originrio s ser legtimo se sustentado por amplo processo democrtico dialgico que ultrapasse os estreitos limites da representao parlamentar e penetre nos diversos fluxos comunicativos da complexa sociedade nacio- nal. Portanto podemos concluir que este poder de fato ser tambm de Di- reito, se efetivamente democrtico, entendendo-se democrtico, como um processo dialgico amplo que envolva o debate dos mais variados interes- ses e valores da sociedade nacional. O Poder Constituinte decorrente Outro aspecto referente a amplitude do Poder Constituinte diz respeito ao Poder Constituinte decorrente, ou seja, o poder constituinte dos entes federados, no nosso caso, Estados membros e Municpios. J estudamos
  • 12. Defensor Pblico de Minas Gerais Grtis no App Biblioteca dos Concursos Direito Constitucional, Financeiro e Tributrio 10 no nosso livro Direito Constitucional, tomo II, da Editora Mandamentos, as caractersticas principais do Estado Federal. Naquele momento, deixamos claro que o que difere o Estado Federal de outras formas descentralizadas de organizao territorial do Estado contemporneo a existncia de um poder constituinte decorrente, ou seja, a descentralizao de competncias legislativas constitucionais, onde o ente federado elabora sua prpria constituio e a promulga, sem que seja possvel ou necessrio uma inter- veno ou a aprovao desta Constituio por outra esfera de poder fede- ral. Isto caracteriza a essncia da Federao, a inexistncia de hierarquia entre os entes federados (Unio, Estado e Municpios no caso brasileiro), pois cada uma das esferas de poder federal nos trs nveis brasileiros, participa da soberania, ou seja, detm parcelas de soberania, expressa na suas competncias legislativa constitucional, ou seja, no exerccio do poder constituinte derivado. No estamos afirmando que os estados membros, a Unio e os muni- cpios so soberanos, pois soberano e o Estado Federal e a expresso unitria da soberania, ou seja, sua manifestao integral, s ocorre no Poder Constituinte Originrio. O que afirmamos, que no Estado Federal, alm de uma repartio de competncias legislativas ordinrias, administra- tivas e jurisdicionais, h tambm, e isto s ocorre no Estado Federal, uma repartio de competncias legislativas constitucionais. Esta repartio de competncias constitucionais implica na participao dos entes federados na soberania do Estado, que se fragmenta nas suas manifestaes. Entretanto, este poder constituinte decorrente, embora represente a manifestao de parcela de soberania, no soberano, e por este motivo deve ser um poder com limites jurdicos bem claros, limites estes que podem ser materiais, formais, temporais e circunstanciais. No caso da Constituio de 1988, esta estabelece limites materiais expressos e obvia- mente implcitos, deixando para o poder constituinte decorrente, que temporrio (assim como o originrio), prever o seu funcionamento, e o funcionamento do seu prprio poder de reforma e seus limites formais, materiais, circunstanciais e temporais. O poder constituinte decorrente segundo grau (se dos Estados membros) e terceiro grau (se dos munic- pios), subordinados a vontade do poder constituinte originrio, expressa na Constituio Federal. A repartio de competncias no nosso Estado federal ocorre da seguinte forma: a) o Estado federal composto de trs crculos no hierarquizados: Unio, Estados membros e Distrito Federal e os Municpios; b) a Constituio Federal a manifestao integral da soberania do Estado Federal; c) a Unio detm competncias legislativas ordinrias, administrati- vas, jurisdicionais e o poder constituinte derivado de reforma atra- vs de emendas e reviso a Constituio do Estado Federal, atra- vs do Legislativo da Unio; d) os Estados membros detm competncia legislativas ordinrias, ju- risdicionais, administrativas e o poder constituinte decorrente, de elaborar suas prprias constituies, alm claro, do poder de re- forma de suas constituies; e) os municpios detm competncias legislativas ordinrias, adminis- trativas ( no detm competncias jurisdicionais) e competncias legislativas constitucionais, ou seja o