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APOSTILA Lngua PortuguesaProfessor: Enrico

PARTE I: A ESTRUTURA DO TEXTO 1) A CLAREZA DO TEXTOUm dos pontos fundamentais quando escrevemos um texto ou, mesmo, expomos oralmente um ponto de vista, um tema, e assim por diante, procurar faz-lo do modo mais claro e correto possvel. Uma das principais dificuldades enfrentadas pelas pessoas em geral ao elaborarem textos orais ou escritos, hoje em dia, exatamente a dificuldade de organizar seu raciocnio, a fim de expor, de modo ordenado e claro, seu texto. E nada pior, para um estudante universitrio, que apresentar trabalhos mal redigidos, ou enrolar-se todo para apresentar um seminrio, por exemplo. Mas, para poder expor sua opinio ou transmitir o que aprendeu ao ler um texto, tanto necessrio que o aluno tenha compreendido na ntegra o assunto tratado, quanto que ele disponha de um bom vocabulrio. Do contrrio, sua exposio ou texto resultar confuso, inclusive com emprego de termos inadequados. Vejamos o texto que se segue, que ilustra, de modo cmico, uma situao deste tipo, ou seja, por no compreender o texto inicial (a ordem do capito), cada subordinado vai deturpando-a a seu modo, at torn-la incompreensvel:

HISTRIA DO ECLIPSE DO SOL Capito ao sargento-ajudante: - Sargento! Dando-se amanh um eclipse do sol, determino que a companhia esteja formada, com uniforme de campanha, no campo de exerccio, onde darei explicaes em torno do raro fenmeno que no acontece todos os dias. Se por acaso chover, nada se poder ver e neste caso fica a companhia dentro do quartel. Sargento-ajudante ao sargento de dia: - Sargento, de ordem de meu capito, amanh haver um eclipse do sol, em uniforme de campanha. Toda a companhia ter de estar formada no campo de exerccio, onde meu capito dar as explicaes necessrias, o que no acontece todos os dias. Se chover, o fenmeno ser mesmo dentro do quartel. Sargento de dia ao cabo: - Cabo, o nosso capito far amanh um eclipse do sol no campo de exerccio. Se chover, o que no acontece todos os dias, nada se poder ver. Em uniforme de campanha o capito dar a explicao necessria, dentro do quartel. Cabo aos soldados: - Soldados, amanh para receber o eclipse que dar a explicao necessria sobre o nosso capito, o fenmeno ser em uniforme de exerccio. Isto, se chover dentro do quartel, o que no acontece todos os dias. (PENTEADO, Jos Roberto Whitaker. A tcnica da comunicao humana. So Paulo, Pioneira, 1969)

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claro que, nesse texto, h certo exagero. Mas tambm certo que muitas pessoas sentem realmente dificuldade em transmitir, de forma clara e correta, o que ouviram ou leram. E isto, sem dvida, se torna um problema srio na vida acadmica. Um dos propsitos bsicos deste curso buscar desenvolver exatamente a capacidade expressiva do aluno, levando-o tanto a compreender melhor os textos que l, como a expressar-se de modo mais eficiente, tanto por escrito, quanto oralmente. Para tanto, trataremos, em cada aula, dos mais variados assuntos, como compreenso textual, estrutura bsica dos textos, diferentes formas de estruturao de textos, e assim por diante. Aspectos gramaticais tambm sero enfocados, na medida da necessidade de cada turma. Como bibliografia bsica, para este curso, so solicitados uma boa gramtica e um dicionrio (o Aurlio de bolso o ideal). O propsito ter este material sempre mo para consultas, tanto nos exerccio de cada aula, como nas avaliaes.

2) PARA QU E COMO ESCREVERA comunicao uma atividade essencial existncia humana. Sem a comunicao, o homem perde sua funo enquanto ser racional e social, diferenciado dos outros seres vivos, e deixa de expressar pensamentos, emoes, opinies atravs dos mais variados tipos de linguagem. Para comunicar-se atravs da palavra, no basta apenas dominar a lngua. necessrio e fundamental saber pensar com objetividade, com clareza e coerncia, para ser bem compreendido. Muitas vezes, uma idia brilhante, uma histria fantstica perdem-se em meio a um emaranhado de frases mal elaboradas e a um discurso mal formulado. Por isso, antes de mais nada, ao escrever importante sabermos articular adequadamente o pensamento. Estruturar e coordenar bem as idias so condies fundamentais para que nos expressemos de forma a obter a melhor comunicao possvel com o leitor. Sob este ponto de vista, a correo gramatical, embora fundamental, no o aspecto mais importante de um texto. So virtudes primordiais da escrita a clareza e a preciso das idias, alm da coerncia e da maneira elegante e sem afetao de exteriorizar o que est guardado no interior de cada um. Todas essas qualidades so fruto de um trabalho constante e, at certo ponto, lento, exaustivo, pois as idias no surgem prontas: elas precisam ser trabalhadas, buriladas, aperfeioadas. H alguns passos bsicos que podem ser seguidos ao se elaborar um texto, uma redao. Em linhas gerais, so eles:

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1. ler o tema escolhido com ateno e refletir sobre o assunto; 2. fazer um levantamento das idias sugeridas pelo tema; se o trabalho estiver sendo feito em grupo, discuti-las com os demais componentes; 3. selecionar e ordenar as idias, montando um plano (ou esquema) da redao; 4. desenvolver as idias em um rascunho, observando que idias diferentes exigem pargrafos diferentes; 5. reler o rascunho, fazendo as modificaes necessrias, visando adequao da forma ao contedo, a clareza de expresso, observando-se tambm a correo gramatical e ortogrfica, a concordncia, a pontuao, etc.; 6. escrever ento o texto definitivo, com cuidado para se evitar rasuras.

EXERCCIOS: (Responda, com seu grupo, numa folha parte e entregue ao professor; no se esquea de colocar o nome completo de todos os componentes do grupo) 1. O texto que se segue foi retirado do livro Comunicao em Prosa Moderna, do professor Othon Moacir Garcia. Vamos l-lo com ateno: APRENDER A ESCREVER APRENDER A PENSAR Aprender a escrever , em grande parte, se no principalmente, aprender a pensar, aprender a encontrar idias e a concaten-las, pois, assim como no possvel dar o que no se tem, no se pode transmitir o que a mente no criou ou no aprovisionou. Quando os professores nos limitamos a dar aos alunos temas para redao sem lhes sugerirmos roteiros ou rumos para fontes de idias, sem, por assim dizer, lhes fertilizarmos a mente, o resultado quase sempre desanimador: um aglomerado de frases desconexas, mal redigidas, mal estruturadas, um acmulo de palavras que se atropelam sem sentido e sem propsito; frases em que procuram fundir idias que no tinham ou que foram mal pensadas ou mal digeridas. No podiam dar o que no tinham, mesmo que dispusessem de palavras-palavras, quer dizer, palavras de dicionrio, e de noes razoveis sobre a estrutura da frase. que palavras no criam idias; estas, se existem, que, forosamente, acabam corporificando-se naquelas, desde que se aprenda como associ-las e concaten-las, fundindo-as em moldes frasais adequados. Quando o estudante tem algo a dizer, porque pensou, e pensou com clareza, sua expresso geralmente satisfatria. Todos reconhecemos ser iluso supor - como j dissemos - que se est apto a escrever quando se conhecem as regras gramaticais e suas excees. H

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evidentemente um mnimo de gramtica indispensvel (grafia, pontuao, um pouco de morfologia e um pouco de sintaxe), mnimo suficiente para permitir que o estudante adquira certos hbitos de estruturao de frases modestas mas claras, coerentes, objetivas. A experincia nos ensina que as falhas mais graves das redaes dos nossos colegiais resultam menos das incorrees gramaticais do que da falta de idias ou da sua m concatenao. Escreve realmente mal o estudante que no tem o que dizer porque no aprendeu a pr em ordem seu pensamento, e porque no tem o que dizer, no lhe bastam as regrinhas gramaticais, nem mesmo o melhor vocabulrio de que possa dispor. Portanto, preciso fornecer-lhe os meios de disciplinar o raciocnio, de estimular-lhe o esprito de observao dos fatos e ensin-lo a criar ou aprovisionar idias: ensinar, enfim, a pensar. GARCIA, Othon M. In: Comunicao em Prosa Moderna. FGV, 1988, p. 291.

Discuta, junto com seu grupo, sobre as idias lanadas pelo autor no texto acima e d por escrito a opinio de vocs sobre o assunto. Em que pontos concordam ou discordam dos diversos temas abordados no texto? Qual a viso do grupo sobre o assunto? Que sugestes vocs dariam para que os objetivos propostos no texto pudessem ser alcanados?.

Como atividade complementar, individualmente, reflita sobre as questes que se seguem. Diagnosticar e procurar resolver eventuais dificuldades de compreenso e/ou produo da escrita vo ajud-lo a ter um bom desempenho neste curso. 1. Voc sente dificuldade em expor de forma escrita suas idias ou reescrever com suas palavras algum tpico ou um conceito visto em aula, por exemplo? 2. Para voc, o que mais difcil: ordenar suas idias nas frases, ou encontrar as palavras certas para expressar o que deseja dizer? 3. Costuma ler textos variados (revistas, livros, jornais, etc.?). Ao encontrar um termo desconhecido, costuma consultar o dicionrio? Se sim parabns! Se no, procure desenvolver este hbito, desde j! Um bom conhecimento vocabular fundamental tanto para se compreender textos lidos, como para expressar com preciso o que se deseja.

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3) A ESTRUTURA DO PARGRAFOTodo e qualquer texto, basicamente, deve apresentar os seguintes aspectos: o que se quer escrever ( = idias a serem desenvolvidas ); que idias se deseja transmitir ( = que recursos de expresso utilizar); a maneira de se redigir ( = nfase na clareza e compreenso do texto).

O primeiro elemento a ser desenvolvido na construo de um texto o pargrafo. Se cada pargrafo for bem estruturado e houver coerncia e coeso entre suas idias e entre cada um deles, o resultado ser um texto de boa qualidade. De modo geral, cada pargrafo apresenta: a) uma idia central; b) idias secundrias, que desenvolvem e/ou complementam o tema abordado na idia central; todas, porm, devem estar inter-relacionadas pelo sentido. Veja o exemplo que se segue: Por fim, o trem de ferro. O trem no parava em Rio Acima naquela poca. Mas ainda assim sua existncia era um deslumbramento para a molecada. Todos sabiam exatamente a hora que ele passava, e iam postar-se na estrada, no alto dos barrancos, junto cerca de arame farpado, a esper-lo, grandioso espetculo diariamente repetido. Apostavam para saber quem que iria v-lo primeiro, colavam o ouvido no trilho para ouvir o rudo das rodas. Assim que algum dava o alarme, todos se colocavam em posio e dentro em pouco uma fumacinha apontava longe, rolava no ar um rudo em crescendo e finalmente a locomotiva surgia l em baixo, na curva da estrada. (Fernando Sabino) Idia central: ver o trem passar Idias secundrias: o trem no parava na cidade; as crianas ficavam maravilhadas s em v-lo; elas iam v-lo passar todo dia; faziam apostas e procuravam bons lugares para avist-lo. Esta estrutura bsica do pargrafo pode se sustentar ainda sobre trs partes principais:CELSO LISBOA ENADE LNGUA PORTUGUESA - PROF . ENRICO 6

1. Introduo: frase(s) inicial(is) que prope(m) a idia central. tambm chamada de tpico frasal. No exemplo acima, a frase Por fim, o trem de ferro. 2. Desenvolvimento: frases que explanam a idia central do pargrafo; no exemplo, o desenvolvimento corresponde ao trecho que vai de O trem no parava. . . at . . . no ar um rudo em crescendo. 3. Concluso: frase(s) que d(o) fecho idia proposta, retomando o tpico frasal; no exemplo, o trecho . . . finalmente a locomotiva surgia l em baixo, na curva da estrada.

VARIAES NA ESTRUTURA DO PARGRAFO: Como j vimos, o tpico frasal a frase (ou frases) inicial que expressa de forma concisa a idia central do pargrafo padro. H, porm, outras formas de se iniciar um pargrafo. Vejamos algumas, das mais usuais:

a) uma aluso, isto , faz-se referncia a um determinado fato ou a outro texto. Exemplos: (O tpico frasal refere-se a um fato acontecido com o prprio narrador do

texto) Faltavam seis dias para a volta ao Brasil. Antes do jogo do Zacatepec teramos o carnaval. Alis j estvamos em pleno carnaval. O domingo do jogo do River tinha sido o domingo gordo. Quase ningum percebera. S os que andam com a folhinha na cabea. Algum falou: Vocs sabem que estamos em pleno carnaval? (Joo Saldanha) (O tpico frasal faz referncia a um outro texto) Diz a lenda que, h mais de dois sculos, viveu na cidade de Crdoba, no Estado de Vera Cruz, no Mxico, uma bela mulher: uma jovem que nunca envelhecia, apesar dos anos. (Contos de Assombrao, ed. tica, p. 27)

b) uma interrogao; o desenvolvimento do pargrafo ser uma forma de resposta pergunta feita. Exemplo:

O que aconteceu ao grande Hracles, o heri dos heris? Viveu suas doze aventuras e recebeu seu perdo, mas no ganhou tranqilidade. Carregou sua glria e, cansado de tantos monstros e combates, negligenciou a mulher com quem casara e ela, enciumada, impregnou-lhe as vestes com um poderosssimo veneno,

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e o filho de Zeus, feito a Quimera, ardeu at morrer. Compadecido, o poderoso Zeus ressuscitou-o e alou-o ao Olimpo, mantendo-o ao seu lado como um semideus. (Lia Neiva)

EXERCCIOS: (responda, com seu grupo, numa folha parte e entregue ao professor) 1. Usando sua imaginao e procurando manter a seqncia coerente das idias, desenvolva os tpicos frasais abaixo, construindo pargrafos: a. Aquela criana era, de fato, muito calada e triste. b. O que aconteceu naquela noite foi totalmente inesperado. Bateram fortemente porta da casa, s duas horas da manh. c. Voc tem idia do que pode acontecer com quem dirige sem cinto de segurana? 2) Nos pargrafos abaixo, identifique a idia central e as idias secundrias. Ateno: no copie as palavras do texto; responda com suas prprias palavras: a. Efetivamente a rua era aquela; e o velho palcio estava na minha frente. Era um palcio de trezentos anos, cor de barro, que me parecia muito familiar quanto ao desenho de sua alta porta, aos ornatos das colunas e ao lanamento da escada do vestbulo. Apenas o seu abandono me assombrava: as portas internas tinham vidraas quebradas, de onde pendiam velhas teias de aranha. E num dos aposentos laterais eu podia mesmo ver cordis estendidos de parede a parede, com roupas desbotadas e irreconhecveis, que ali tinham sido postas para secar. (Ceclia Meireles) b. O povoamento do sul do Brasil processou-se de dois modos diferentes: no litoral, pela vinda de colonos aorianos, que chegavam com algumas ferramentas, sementes, um pouco de dinheiro; no interior, pela chegada de famlias paulistas, que seguiam os caminhos do altiplano. O duplo aspecto do povoamento dar lugar a dois tipos de sociedade e dois tipos de economia. (Roger Bastide, Brasil: Terra de Contrastes) 3) Construa um pargrafo, desenvolvendo a idia central abaixo, segundo o esquema proposto: Idia central : A ameaa do retorno da inflao e as conseqncias disso para a vida do trabalhador a. Transforme o tema em um tpico frasal ( = introduo)

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b. Acrescente idias secundrias ( = desenvolvimento ) c. Retome o tpico frasal, dando um fecho ao tema ( = concluso ) #O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#

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4) O DESENVOLVIMENTO DO PARGRAFOComo foi dito no mdulo anterior, h vrios modos de se construir um pargrafo. Vejamos alguns procedimentos possveis:a)

Enumerao:

Este mtodo consiste em apresentar as caractersticas, detalhes, pormenores, etc., do fato, ser, objeto, pessoa sobre o qual se falou no tpico frasal. Exemplo: As algas que voc v a olho nu so chamadas de macroscpicas. A maior parte das algas macroscpicas vive prximo costa, onde h bastante luz e abundncia de alimentos. Certos grupos podem viver em guas com mais de 200 metros de profundidade, mas s em condies muito especiais. Muitas dessas algas vivem fixas em algum tipo de substrato. Vrias crescem apenas sobre as rochas, nos costes e nas pedras soltas; algumas vivem sobre ou dentro de outras algas ou sobre animais, como as tartarugas; um grupo pequeno vive sobre galhos e razes das rvores dos manguezais; outro grupo, ainda, adapta-se vida sobre a areia. So, portanto, formas de vida bem variadas. (Revista Cincia Hoje)b)

Comparao:

O pargrafo desenvolvido atravs da citao de semelhanas, com base em um elemento comum a duas idias (fatos, seres ou coisas) distintas. Veja o texto abaixo: Os ingredientes da novela esto presentes em diferentes gneros no transcorrer da histria: nos folhetins do sculo XIX, nas fotonovelas, nas radionovelas e por fim nas telenovelas, os folhetins eletrnicos do nosso tempo. Estas so superiores em seu poder de envolvimento, por apresentarem os mesmos ingredientes com uma linguagem muito mais sofisticada: a imagem se movendo, a cor, o grande nmero de personagens, os ambientes prprios para as diversas cenas. (Joo Artur Mller da Silva)c)

Confronto:

O desenvolvimento do pargrafo se d atravs da citao das diferenas bem marcantes (ou contrastes) entre duas coisas distintas. Exemplo: No se pode imaginar contraste mais violento do que o existente entre as duas regies (o litoral e o serto). De um lado, a terra escura, pegajosa, mida, cavada de sulcos ou embebida de gua, com rvores frutferas, mangueiras, laranjeiras, canaviais, rios limosos. De outro lado, um caos de pedras cinzentas cravadas em desordem no cho de argila seca, rachado pelo sol, e vastas extenses de areia ardente. No litoral, a riqueza da vegetao exuberante, de um verde quase negro, com razes mergulhadas nos pntanos e o cimo muitas vezes

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coroado de brumas matinais - plantas que arrebentam de seiva, de mel, de perfumes. No serto, a caatinga, como lhe chamam os ndios, com uma vegetao de cactos, de moitas espinhosas, de ervas raquticas, amarelas, calcinadas, de rvores esquelticas com folhas raivosamente eriadas, transformadas em espinhos ou arestas, de rvores ventrudas que so como odres para reter sob a casca rugosa a maior quantidade possvel da mesquinha gua da chuva. paisagem voluptuosa da cana-de-acar, em que tudo tentao de vadiar, de dormir, de sonhar, de amar, ope-se esta paisagem dura, angulosa, trgica. (Roger Bastide, Brasil: Terra de Contrastes)d)

Citao de Exemplos:

O pargrafo se desenvolve atravs da citao de exemplos, podendo ou no serem utilizadas as expresses por exemplo, como no caso de, etc. Veja o texto abaixo: Todos os organismos, animais ou vegetais, so mquinas qumicas extremamente complicadas, mas funcionam de acordo com regras mais ou menos simples. A castanha-do-par, por exemplo, muito rica em metionina, um nutriente importante, enquanto o feijo carece desta substncia. Isso significa que a castanha possui uma outra substncia, escondida no seu organismo, que um original da metionina. (Guia Rural / Anurio 91)e)

Causa e Efeito ou Razes e Conseqncias:

A diferena entre os termos acima reside em que a idia de causa se aplica a fenmenos fsicos, mantendo a relao causa/efeito. J razes (ou motivos) se aplicam a atos ou atitudes humanas, mantendo a relao razes/conseqncias. Nestes casos, no desenvolvimento do pargrafo, encontraremos as relaes de causa/efeito ou razes/conseqncias. Nesse tipo de texto, comum o uso de termos explicativos ou causais como por causa, pois, porque, devido a, etc. Vejamos um exemplo de cada caso: No vero, a massa Tropical Atlntica provoca chuvas, devido ao aquecimento do continente. No inverno, ocorre o avano da massa Polar Atlntica. O encontro entre a massa Tropical e a massa Polar provoca chuvas frontais. Depois das chuvas, a massa Polar permanece estacionria e ocasiona ondas de frio de intensidade e durao variveis. quando ocorrem as geadas e, em algumas regies, a queda de neve. (Demtrio Magnoli & Regina Arajo) Efeitos: chuvas no vero e geadas no inverno Causas: aquecimento do continente no vero e encontro da massa Tropical com a massa Polar no inverno. Mais um grande acontecimento sacudia a cidade. E toda a Rua do Sol participava da mesma estranha agitao. Os pais confabulavam. Os vizinhos confraternizavam. Havia que olhar as crianas, vigi-las, evitar que ficassem na rua. A morte poderia surgir inesperadamente, arrastando-as. O primeiro automvel

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circulava. Era uma coisa inesperada, que andava por si, como se fosse um trem, mas sem locomotiva. Nada lembrava dos bondinhos a burro que rolavam barulhentos pelas ruas. (Orgenes Lessa) Conseqncia: as pessoas estavam agitadas, nervosas e preocupadas Razo: o primeiro automvel circulava pelas ruas da cidadef)

Depoimento:

Tipo de estruturao do pargrafo que inclui trechos (entre aspas ou no) que transcrevem a fala de algum (dando uma opinio, analisando, fazendo um comentrio, ou mesmo dando exemplos ou razes para um fato). Isto muito comum em notcias de jornais ou revistas, por ser prprio da linguagem jornalstica. Exemplo: O Dia da Criana, que considerado o quinto evento do ano para o comrcio, j apresenta um aquecimento nas vendas de brinquedos, discos, livros e perfumaria, avaliam os lojistas. Os consumidores tm procurado especialmente os brinquedos eletrnicos, informou o gerente da Superfestas, Antnio Casado. Ele avaliou o movimento da semana como excelente. (Correio do Povo) ________________________________________ EXERCCIOS: (responda, com seu grupo, numa folha parte e entregue ao professor) 1. Construa pargrafos, desenvolvendo os tpicos frasais propostos, segundo o procedimento sugerido em cada item. No se esquea de concluir cada pargrafo: a. Confronte as idias: pessoas mentirosas X pessoas que no mentem Tpico frasal: Em geral, os mentirosos so pessoas desagradveis, pois no se pode confiar no que falam e fazem. Por outro lado, quem no mente... b. Enumere detalhes que desenvolvam o seguinte tpico frasal: Aps o seqestro, os familiares relataram polcia detalhes sobre os hbitos e rotinas do jovem desaparecido, a fim de fornecerem o maior nmero possvel de pistas. c. Continue o seguinte pargrafo, atravs da citao de exemplos: Maus governantes costumam trazer conseqncias catastrficas para as cidades. Aqui no Rio, por exemplo, . . .

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d. Procure dar razes para a conseqncia expressa no seguinte tpico frasal: Mariana, j no ltimo perodo do curso, decidiu abandonar a faculdade. #O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#

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5) A COESO TEXTUALEntende-se por coeso textual a ligao que deve existir nas frases, entre as frases e entre os vrios pargrafos de um texto. Tal ligao influi diretamente na clareza do que se deseja expor, pois estabelece relaes de significado dentro do texto. Seria muito difcil tentar expor todos os problemas de coeso passveis de aparecerem em um texto. Vejamos os mais comuns, que aparecem com mais freqncia em textos elaborados por alunos. Obs.: os exemplos abaixo foram extrados de textos produzidos por alunos do ensino mdio. 1. Uso inadequado do conectivo (preposio, pronome relativo e conjuno): a. Preposio Observe a frase abaixo: O desprezo do computador nos dias de hoje nada mais, nada menos que pura ignorncia. Obviamente, o autor quis dizer O desprezo pelo computador. . . O emprego da preposio inadequada acarretou mudana de significado. O computador no agente da ao (isto , no ele quem despreza), e sim paciente (ele o desprezado). b. Pronome relativo Os problemas o qual penso so difceis de resolver. A forma correta seria: Os problemas nos quais (ou em que) penso so difceis de resolver. c. Conjuno Se uma pessoa de carne e osso porm sem ao e reflexo. Aqui, alm de excesso de conjunes, temos ausncia do verbo e de pontuao. Provavelmente, o autor queria dizer a seguinte frase: uma pessoa de carne e osso, porm sem ao e reflexo. O uso da conjuno se (condicional) no incio desta frase totalmente descabido. 2. Falta de seqncia lgica: Isto ocorre quando se inicia um perodo utilizando uma estrutura que exige determinada seqncia, no entanto, ao invs de dar a devida continuidade, o autor desvia-se e trunca a idia inicial. Ex.: O grau de salinidade da gua tal que no se pode mais utiliz-la nas plantaes nem mesmo pelas pessoas.

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A expresso destacada no completa corretamente a seqncia original, at por questo de estrutura da frase. A continuidade correta seria: . . . no se pode mais utiliz-la nas plantaes, nem para outra finalidade qualquer. 3. Redundncia: Entende-se por redundncia a repetio desnecessria de palavras, expresses ou idias, tornando o texto prolixo e cansativo. Ex.: Essa matria desnecessria no vestibular. Por que insistem em dar essa matria? H inmeros recursos de que se pode lanar mo para evitar que tais repeties ocorram. O uso de pronomes, por exemplo. A segunda frase do perodo acima poderia ser redigida de vrias formas diferentes, contornando o problema que apresenta. Ex.: Por que insistem em d-la? Por que insistem em ensin-la? Por que insistem em ensinar assuntos no relevantes para nosso objetivo?, etc. Vejamos outros recursos para se evitar a redundncia aplicados a um texto maior. Analisemos o seguinte pargrafo, que comenta um incndio ocorrido em um shopping: Tanto os empregados como os proprietrios das lojas atingidas pelo fogo acharam, a princpio, que, devido ao incndio, nada se salvaria, tudo seria consumido pelo fogo, tamanho era o volume das chamas e a densidade da fumaa que saa das lojas. Mas, com a rpida ao de trs guarnies do Corpo de Bombeiros que chegaram ao local em seus caminhes-tanque, rapidamente a situao ficou sob controle e foi possvel controlar as chamas. Observe:-

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devido ao incndio: j sabemos que as lojas pegaram fogo; portanto, a destruio s poderia ser atribuda mesmo ao incndio. Logo, esta informao repetitiva e desnecessria. tudo seria consumido pelo fogo: novamente, informao repetitiva e desnecessria. que saa das lojas: se foram as lojas que pegaram fogo, de onde mais poderia estar saindo a fumaa? que chegaram ao local em seus caminhes-tanque: j se tinha dito que os bombeiros controlaram o fogo. Logo, j se sabia que eles tinham chegado ao local. Quanto aos caminhes-tanque, isto tambm desnecessrio, j que ningum supes que bombeiros cheguem para combater incndios de txi ou a p. e foi possvel controlar o incndio: nova informao redundante. J havia sido dito antes que a situao ficara sob controle.

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Eliminando-se as redundncias, o pargrafo poderia ser escrito de modo mais claro e conciso, como se segue: Tanto os empregados como os proprietrios das lojas atingidas pelo fogo acharam, a princpio, que nada se salvaria, tamanho era o volume das chamas e a densidade da fumaa. Mas, com a rpida ao de trs guarnies do Corpo de Bombeiros, rapidamente a situao ficou sob controle. 4. Ambigidade: A ambigidade ocorre quando o perodo produzido se presta a mais de uma interpretao, tendo sua clareza comprometida. Ex.: Imagine que o vestibulando deve redigir um texto em trinta linhas, entregar a um professor que no conhece seus objetivos. O pronome em destaque se refere ao vestibulando ou ao professor? Afinal, o professor que no conhece os objetivos do vestibulando, ou vice-versa? Este tipo de problema muito comum e tende a ocorrer quando o autor perde de vista o preceito de que seu texto deve ser o mais claro e lgico possvel, para qualquer leitor que v ter acesso a ele. Vejamos mais alguns exemplos:a.

Comprando legumes na feira, encontrei o meu vizinho Neste caso, quem comprava legumes, voc ou seu vizinho?

b.

Os alunos que estudam raramente tiram notas ruins. Aqui, h duas interpretaes possveis para esta frase: 1. Os alunos que raramente estudam tiram notas ruins. 2. Os alunos que estudam tiram notas ruins raramente.

c. Maria viu Slvia com seu marido numa boate. Aqui, o problema srio. Se o marido for de Slvia, tudo bem. Mas, se for o de Maria, provavelmente caso de divrcio... d. Pedro disse a Fernando que ele no havia tirado boas notas. Aqui, ficamos sem saber que que tirou notas ruins. Escrevendo deste jeito, provavelmente foram os dois.

COMO EVITAR PROBLEMAS DE COESO NA PRODUO DE SEU TEXTO O melhor recurso de que se pode lanar mo para se evitar os problemas acima relacionados a releitura do texto, observando-se se a relao entre cada

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palavra est correta. Nunca deixe de reler o texto produzido, antes de entreg-lo para leitura ou correo. Nessa releitura, procure manter uma postura o mais isenta possvel, isto , procure ver o texto como se no fosse seu. Pergunte-se: se eu no conhecesse esse texto ou a proposta de onde ele partiu, ser que eu conseguiria entend-lo na ntegra? Imagine-se no como autor, mas apenas como leitor de seu texto. De incio, no uma postura fcil de se seguir. Mas, com o tempo e a prtica, isto vai ajud-lo muito a produzir textos cada vez mais claros, principalmente os de carter profissional (no trabalho ou nos estudos), que normalmente exigem maior clareza e objetividade.

EXERCCIOS (Responda, com seu grupo, e entregue em folha parte) 1. Indique, nos textos abaixo, qual problema bsico de coeso textual que apresentam e reescreva-os, de modo claro: a. O homem que tenta mostrar a todos que a corrida armamentista que se trava entre as grandes potncias uma loucura. b. Esse texto para mim retrata justamente as leis impostas pela sociedade no ponto de vista infantil. c. Esse texto diferente de outros contos que desenvolvem o texto e por ltimo vem a concluso. Depois de dar a concluso, ela conta a estria e como a menina chegou a tal concluso. 2. O perodo abaixo est ambguo, isto , presta-se a duas interpretaes possveis. Elabore dois perodos diferentes, em cada um deles desenvolvendo uma das possibilidades de entendimento do tpico frasal apresentado: Tpico frasal: No tribunal, a testemunha afirmou: Eu vi o desmoronamento do barraco. a. primeira possibilidade: a testemunha estava por perto e viu quando o barraco desmoronou; b. segunda possibilidade: a testemunha estava no barraco e viu quando o desmoronamento (de alguma outra construo, de um barranco, etc.) ocorreu. #O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#

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6) REDAO - ESTRUTURA BSICANos mdulos anteriores deste curso, vimos como se estruturam os pargrafos. Agora, indo um pouco mais adiante, veremos como estruturar textos maiores, que poderamos denominar, em carter amplo, como redaes. A redao pode constituir-se de um s pargrafo, ou de vrios pargrafos, como mais comum. Independentemente do nmero de pargrafos que contenha, porm, uma redao apresentar, em sua estrutura, o seguinte esquema bsico: um tema central, sobre o qual o autor discorrer ao longo do texto ( = tema da redao, geralmente identificado j a partir do ttulo, quando se utiliza este recurso); um pargrafo introdutrio, que procurar definir melhor o tema que se deseja desenvolver; pargrafos de desenvolvimento, que aprofundaro o tema proposto, a partir da abordagem de idias secundrias ligadas a ele; estes pargrafos visam tornar a exposio do tema mais clara, rica e interessante ( = nfase na clareza e compreenso do texto). um pargrafo de concluso, em que geralmente se retoma o tema central, dando-se um fechamento s idias expostas ao longo do desenvolvimento do texto. Para melhor compreenso do exposto acima, vejamos um exemplo concreto. Vamos analisar, juntos, o texto que se segue: A liberdade individual, no seu conceito clssico, j expirou. O Estado moderno - onde o aproveitamento da tecnologia como instrumento de massificao apenas um agravante - eliminou o individualismo do passado, convertendo o homem numa propriedade comum, inteiramente devassada: no seu teto no h mais que telhas de vidro. Desde a escola, ele comea a perder sua individualidade: o comportamento anotado e interpretado, o rendimento registrado; ao candidatarse a um emprego, fica merc de agncias cuja idoneidade no lhe dado apurar. Ainda assim, sua personalidade ser revolvida pelos testes psicotcnicos e pelo anzol do psiclogo. O pretendente a uma funo pblica submete-se, alm desses expedientes, a uma srie de investigaes - umas veladas, outras claras - como as folhas corridas e os atestados de ideologia (pouco definidos) dependentes ambos de dossis entregues a funcionrios raramente habilitados ou cujo trabalho obedece a critrios lgicos discutveis. Se a poupana tornou-se uma insanidade do regime inflacionrio, o sigilo bancrio desapareceu com os poderes do Fisco. Hoje, todo vintm amealhado precisa ter sua origem catalogada. Ao preparar o cadastro bancrio, o correntista prestar informaes que talvez sonegue a seus familiares, mesmo sabendo que esses dados, ntimos, sero analisados por estranhos, transformados em furos nos cartes de computador e repassados por uma cadeia burocrtica sem fim. Se CELSO LISBOA ENADE LNGUA PORTUGUESA - PROF . ENRICO 18

obrigado a comprar prestao, sua idoneidade ser testada e atestada pelos sistemas de proteo ao crdito, os quais ditaro, a partir da, sem direito a recurso, a quanto chega e quanto vale sua honorabilidade. Tudo o que tiver de fazer depender de nmeros, pois a nmeros foi reduzida sua personalidade: a carteira de identidade um nmero, como um nmero que o identificar no departamento policial onde tambm deixou suas impresses digitais; por um nmero ser identificado seu pronturio de motorista, seu cadastro bancrio, sua ficha eleitoral, seu certificado de reservista, sua contribuio sindical; para o imposto de renda ele apenas um nmero do cadastro de contribuintes; um nmero para a companhia de seguros, um nmero para a repartio da previdncia social, nmeros, nmeros, de forma a facilitar o trabalho dos computadores e aumentar a vigilncia do Estado. O Estado moderno decretou a morte da individualidade. (R. A. Amaral Vieira, O futuro da comunicao) Observe que o primeiro pargrafo constitui a introduo, em que se traduz o objetivo do texto (no caso, discutir a questo da liberdade individual no Estado moderno). O desenvolvimento apresentado em trs pargrafos, por meio de exemplos (o homem em sua vida profissional, a vigilncia sobre sua vida econmica, e por fim a transformao de sua identidade e personalidade em uma srie de nmeros). Finalmente, no ltimo pargrafo, temos a concluso, que retoma e resume o objetivo expresso na introduo, dando um fecho ao texto do autor. Nesse exemplo, observamos o esquema bsico de desenvolvimento de uma redao: um pargrafo de introduo, um ou mais de desenvolvimento e um de concluso. No se deve concluir da, porm, que este o nico esquema possvel. A introduo, por exemplo, pode se estender por mais de um pargrafo. O mesmo pode ser dito sobre a concluso. Ou, ao contrrio, a introduo pode ser apenas a parte inicial do primeiro pargrafo, sem chegar a ocup-lo totalmente. De modo geral, porm, o esquema bsico o mais utilizado, at mesmo por sua praticidade. Visualizando-se o esquema bsico do texto acima, obteramos o seguinte quadro: TEMA (ou ASSUNTO): A liberdade individual no Estado moderno ___________________________________________________________________ _____ INTRODUO: explanao geral do assunto (um pargrafo) ___________________________________________________________________ _____ DESENVOLVIMENTO: sob forma de exemplos (trs pargrafos) - o homem em sua vida profissional: incio do processo de massificao; - sua vida econmica: mecanismos de controle por parte do Estado; - reduo de sua individualidade a cdigos numricos, para melhor controle de sua vida por parte do Estado.

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___________________________________________________________________ _____ CONCLUSO: retomando e dando um fecho ao tema proposto. Este esquema nos permite observar como a redao constituda por um conjunto de pargrafos que giram em torno de uma idia central, que vai ser desdobrada, em carter mais ou menos complexo, nos pargrafos de desenvolvimento. Procurar montar um esquema bsico como o apresentado antes de se iniciar a produo do texto pode se constituir num excelente recurso para evitar que a redao perca seu rumo, ou deixe de fora pontos importantes. Para tanto, seria interessante notar os seguintes pontos: a) a seqncia de pargrafos de uma redao deve ser natural e coerente; b) deve-se evitar a apresentao de muitas idias num s pargrafo; do mesmo modo, uma mesma idia no deve ser fragmentada por vrios pargrafos; c) por fim, a transio entre os pargrafos deve se dar de modo gradual e coerente, evitando-se saltos no desenvolvimento da idia central.

Em sntese, uma redao constituda de vrios pargrafos deve apresentar as seguintes caractersticas: Organizao: - h uma idia central que orienta toda a redao; - a redao se compe de introduo, desenvolvimento e concluso; - as idias se estruturam segundo uma forma de ordenao adequada e coerente. Unidade: - todas as idias secundrias abordadas na redao devem ser relevantes para a idia central e relacionar-se com ela; - a diviso em pargrafos deve estar adequada, isto , no deve haver fragmentao da mesma idia secundria em vrios pargrafos, nem apresentao de muitas idias num s pargrafo; Coerncia: - as idias devem se desenvolver em ordem lgica, isto , a seqncia dos pargrafos deve ser natural e coerente; - palavras e expresses indicadoras de transio entre frases, perodos ou pargrafos devem ser usadas com propriedade e adequao (como visto no mdulo de nosso curso sobre Coeso Textual);

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Clareza e conciso: - deve-se evitar redundncias, tanto de palavras quanto de idias j expressas, ambigidade na formulao das frases e desenvolvimento de perodos muito longos, que tendem a ficar confusos. Lembrem-se: o texto deve ser o mais claro possvel, para qualquer leitor que v ter contato com ele.

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EXERCCIOS: (responda, com seu grupo, numa folha parte e entregue ao professor) 1. Seguem, abaixo, vrios temas que podem ser desenvolvidos sob forma de redao. Escolha um deles e elabore um esquema como o demonstrado na segunda pgina da apostila, explicitando os pargrafos que sero desenvolvidos na elaborao de seu texto. Depois, a partir do esquema elaborado, desenvolva sua redao. No se esquea de levar em conta os pontos abordados na sntese que consta na pgina anterior: a. O problema dos menores abandonados na cidade do Rio de Janeiro. b. A questo do desemprego nos centros urbanos. c. Os meios de comunicao modernos no mundo atual. d. A violncia contra a mulher, dentro e fora do casamento. e. A importncia do lazer na vida de hoje. f. Vantagens e desvantagens do voto obrigatrio. g. A falta de recursos para servios essenciais, como sade e educao. h. A chegada do novo milnio. Ao elaborar seu texto, no se esquea de observar questes como a ortografia, a concordncia, o emprego de termos adequados, etc. Problemas nesses aspectos podem comprometer a compreenso de suas idias. Use sua imaginao para explorar o tema, sua capacidade de ordenao lgica para desenvolv-lo de modo claro e coerente e... boa sorte! O importante no ter medo de tentar. #O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#

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7) PROCESSOS DE ELABORAO DO TEXTODependendo do tipo de texto que se queira produzir, o desenvolvimento dos pargrafos precisar atender a algumas caractersticas especficas. H quatro tipos bsicos de textos, amplamente utilizados em nosso dia-a-dia. Em linhas gerais, so eles: NARRAO: quando se deseja contar (ou relatar) um fato que tenha ocorrido;*0

DESCRIO: quando se deseja mostrar os detalhes (ou caractersticas) que se referem a um lugar, objeto ou pessoa;*1 *2 *3

DISSERTAO: quando se deseja apresentar uma noo, opinio ou idia;

ARGUMENTAO: quando se deseja defender um ponto de vista e tentar convencer outra pessoa. Narrar, descrever, dissertar e argumentar so, portanto, os quatro processos fundamentais de redao que fazem parte da comunicao do dia-a-dia e, por isso, so muito utilizados na prtica da escrita. Vejamos como isto se d em termos prticos, atravs do exemplo que se segue: Na rua onde voc mora, realiza-se semanalmente uma feira. Voc decide escrever sobre isso. Dependendo do enfoque que voc queira dar ao seu texto, o processo de elaborao vai ter de ser diferente.a. Se voc quer mostrar ao leitor como a feira (isto , o que existe nela, que produtos so vendidos, como so as barracas, etc.), vai ter de recorrer descrio;

Se voc quer contar ao leitor algum fato que tenha acontecido na feira (vamos supor, um assalto, um desentendimento entre fregueses, etc.), ter de recorrer narrao;b.

Mas se voc decidir analisar a presena da feira em sua rua de modo mais profundo e escrever sobre a importncia da feira para sua comunidade (proporcionar o encontro entre os vizinhos, a aquisio de alimentos mais frescos e em conta, etc.), neste caso, teremos de recorrer dissertao, para que voc possa expor suas idias;c. d. Por fim, pode-se ainda abordar este tema sob um outro enfoque. Digamos que voc deseja provar a superioridade da feira, enquanto atividade econmica, em relao s redes de supermercados, por exemplo. Neste caso, vai recorrer argumentao, com o intuito de convencer o leitor de sua opinio.

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Mas ateno: difcil que um texto apresente apenas um destes processos de construo em sua elaborao. O mais comum que eles coexistam, isto , que um texto apresente dois ou mais destes processos simultaneamente.

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H mais algumas caractersticas, sobre estes quatro tipos de textos, que podemos destacar:

Descrever caracterizar. Ao descrever, voc explica com suas palavras o que percebeu de um fato ou objeto, buscando passar para o leitor, o mais fielmente possvel, a viso que voc teve do elemento que busca descrever. Portanto, o texto descritivo costuma fazer uso constante da adjetivao, para enriquecer os detalhes e ajudar a compor os cenrios e/ou personagens; Narrar contar. Ao narrar, voc conta um fato acontecido, com quem aconteceu, onde, quando, como, por qu, etc. Por dar nfase s aes ocorridas, na narrao constante o uso de verbos, notadamente os de ao; Dissertar dar sua opinio sobre um fato ou tema. Neste caso, o autor deve procurar desenvolver uma idia central, explicando seus pontos de vista, propondo novos aspectos ao tema central, at chegar ao seu principal objetivo, ou seja, concluir de modo claro e coerente seu pensamento; Argumentar defender um ponto de vista, buscando convencer o leitor a assumi-lo tambm. nesse aspecto de seduo do leitor que consiste a diferena bsica entre textos dissertativos e argumentativos. Bons exemplos de textos argumentativos so os discursos polticos, em que se busca aliciar o leitor ou ouvinte para que assuma determinada posio ideolgica.

Seja qual for o tipo de texto a ser desenvolvido, porm, o esquema bsico visto anteriormente (introduo, desenvolvimento e concluso) continua valendo. Em sntese, este esquema bsico pressupe a presena dos seguintes elementos:

1. INTRODUO: deve conter os objetivos do texto e a delimitao do assunto (ou tema) que vai ser tratado ao longo do texto ___________________________________________________________________ _____ 2. DESENVOLVIMENTO: deve conter as idias desenvolvidas em torno do tema proposto. Seus pargrafos podem ser estruturados seguindo-se alguns procedimentos que vimos em mdulos anteriores, ou seja, enumerao, causa e conseqncia, exemplificao, comparao, definio, citao, etc. ___________________________________________________________________ _____ 3. CONCLUSO: deve conter, de forma sucinta, o objetivo proposto na introduo, acrescido da argumentao bsica, empregada no desenvolvimento, dando um fecho ao desenvolvimento do tema.

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EXERCCIOS: (responda, com seu grupo, numa folha parte e entregue ao professor)1) Seguem, abaixo, vrias propostas que podem ser desenvolvidas sob forma de redao. Escolha uma delas e produza um texto coerente com sua proposta.

Lembre-se: seu texto no precisa ser exclusivamente descritivo ou argumentativo, por exemplo. A grande maioria dos textos existentes apresenta caractersticas de mais de um tipo. O importante seu texto estar coerente, coeso, correto e claro para qualquer leitor que v l-lo. a. Descreva a rua onde voc mora ou trabalha. Destaque seus principais aspectos ou peculiaridades. b. Narre um fato curioso, divertido ou triste ocorrido com voc, com algum que voc conhea, ou de que tenha ouvido falar. c. D sua opinio sobre algum tema do momento. Pode ser, por exemplo, a questo da violncia nas ruas, do desemprego, da atuao dos polticos, da presena dos camels nas ruas... Escolha seu tema e disserte sobre ele. d. Escolha uma posio favorvel ou contrria a um dos temas propostos abaixo e argumente, atravs de um texto, sobre isso. Lembre-se: no texto argumentativo, alm de expor seu ponto de vista, voc deve fazer isto de modo a conquistar a concordncia do leitor para suas opinies. Temas: - a liberao dos preos em geral; - a proibio de se fumar em local pblico; - a censura prvia s programaes de rdios e emissoras de TV. Ao elaborar seu texto, no se esquea de observar questes como a ortografia, a concordncia, o emprego de termos adequados, etc. Problemas nesses aspectos podem comprometer a compreenso de suas idias. Use sua imaginao para explorar o tema, sua capacidade de ordenao lgica para desenvolv-lo de modo claro e coerente de acordo com as caractersticas do tipo bsico escolhido e... boa sorte! O importante no ter medo de tentar.

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8) ELEMENTOS DA NARRATIVAVamos ler o texto que se segue: O PADEIRO Levanto cedo, fao minhas ablues, ponho a chaleira no fogo para fazer caf e abro a porta do apartamento - mas no encontro o po costumeiro. No mesmo instante me lembro de ter lido alguma coisa nos jornais da vspera sobre a greve do po dormido. De resto no bem uma greve, um lock-out, greve dos patres; que suspenderam o trabalho noturno; acham que obrigando o povo a tomar seu caf da manh com po dormido conseguiro no sei bem o qu do governo. Est bem. Tomo o meu caf com po dormido, que no to ruim assim. E enquanto tomo caf vou me lembrando de um homem modesto que conheci antigamente. Quando vinha deixar o po porta do apartamento ele apertava a campainha, mas, para no incomodar os moradores, avisava gritando: - No ningum, o padeiro! Interroguei-o uma vez: como tivera a idia de gritar aquilo? Ento voc no ningum? Ele abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes lhe acontecera bater a campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada ou outra pessoa qualquer, e ouvir uma voz que vinha l de dentro perguntando quem era; e ouvir a pessoa que o atendera dizer para dentro: no ningum, no senhora, o padeiro. Assim ficara sabendo que no era ningum. . . Ele me contou isso sem mgoa nenhuma, e se despediu ainda sorrindo. Eu no quis det-lo para explicar que estava falando com um colega, ainda que menos importante. Naquele tempo eu tambm, como os padeiros, fazia o trabalho noturno. Era pela madrugada que deixava a redao de jornal, quase sempre depois de uma passagem pela oficina - e muitas vezes saa de l levando na mo um dos primeiro exemplares rodados, o jornal ainda quentinho da mquina, como po sado do forno. Ah, eu era rapaz, eu era rapaz naquele tempo! E s vezes me julgava importante porque no jornal que levava para casa, alm de reportagens ou notas que eu escrevera sem assinar, ia uma crnica ou artigo com meu nome. O jornal e o po estariam bem cedinho na porta de cada lar; e dentro do meu corao eu recebi a lio de humildade daquele homem entre todos til e entre todos alegre: no ningum, o padeiro! E assobiava pelas escadas. (BRAGA, Rubem. In: Para gostar de ler, Vol. 1, tica, So Paulo, 1977) Como voc deve ter observado atravs da leitura do texto, os acontecimentos so contados por algum: o narrador. Na histria, aparecem as personagens envolvidas em fatos que se desenrolam em certo tempo e em determinado espao. So esses elementos que caracterizam a narrativa. O narrador relata episdios imaginados ou presenciados por ele ou, at mesmo, dos quais tenha participado. Quando se dispe a contar uma histria, j tem em mente a idia-chave, que a base da narrativa. Para que a narrativa tenhaCELSO LISBOA ENADE LNGUA PORTUGUESA - PROF . ENRICO 28

qualidades, o assunto deve ser relatado de forma original e despertar no leitor interesse pelo desenrolar da histria. A linguagem deve ser simples, clara, correta. A histria deve ser verossmil, ou melhor, deve dar ao leitor a impresso de que pode, de fato, acontecer. Os principais elementos da narrativa so: a. ENREDO: o enredo ou trama formado pelos fatos que se desenrolam durante a narrativa. No suficiente tirar os fatos da realidade e pass-los para o papel; preciso selecion-los. S deve fazer parte da narrativa o que importante para o desenvolvimento da histria. b. PERSONAGENS: os fatos envolvem personagens. de acordo com aes, comportamento e caractersticas das personagens que a histria se desenvolve. Por isso elas so elementos fundamentais da narrativa. c. ESPAO: os fatos acontecem em um determinado ambiente, o espao. Ele pode funcionar como pano de fundo para a histria ou at como expresso do estado de esprito das personagens, dependendo do tipo de tratamento que o autor d narrativa. d. TEMPO: o narrador conta fatos que ocorrem em determinado intervalo de tempo - elemento que indica quando ocorrem as aes das personagens. No texto que lemos, esto presentes duas formas de tempo: cronolgico - espao de tempo real em que a personagem realiza suas aes. Os verbos aparecem no presente: Levanto cedo, fao minhas ablues, ponho a chaleira no fogo (...) e abro a porta. psicolgico - o que aparece em momentos da narrativa que no correspondem a aes efetivas das personagens, mas a lembranas, devaneios, sonhos, etc. Os verbos no aparecem no presente, j que as aes no esto sendo realizadas naquele momento. Nesse texto que lemos, quando o narrador se lembra da histria do padeiro, os verbos aparecem no pretrito: E enquanto tomo caf vou me lembrando de um homem modesto que conheci antigamente. (...) Ele abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido. ______________________________________________________________ EXERCCIOS (responda, com seu grupo, numa folha parte e entregue ao professor) 1. Elabore uma narrativa sobre uma cena de rua. Seguem alguns tpicos, para ajudar a organizar as suas idias. Mas ateno: o texto seu. Novos tpicos so muito bem-vindos. *4 como o incio da histria? *5 o tema sugere o espao da narrativa; determine o lugar da rua; *6 como est o ambiente? Chuvoso, ensolarado, nublado? *7 que personagens participam da trama? O que fazem? *8 o cenrio exerce alguma influncia no comportamento delas? De que forma?

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observe o tempo da narrativa: utilizando o tempo cronolgico, indique quando ocorreu o fato narrado e a seqncia em que se desenvolveram as aes; se possvel, insira um momento em que seja empregado o tempo psicolgico.*9

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9) O PONTO DE VISTA NA NARRATIVAO ponto de vista na narrativa, assim como na descrio, tem papel primordial. Quem narra a histria? Algum que participou diretamente da ao? Um personagem secundrio? Um observador neutro? a isto que se d o nome de ponto de vista em uma narrativa: dependendo de quem e como est contando, a histria ser apresentada ao leitor de diferentes modos. Vejamos alguns exemplos disto. A narrativa que lemos no mdulo anterior (O padeiro), por exemplo, era contada pelo jornalista que, ao no encontrar po fresco em sua porta pela manh, se recorda de um padeiro muito especial que conhecera certa vez. Isto pode ser observado, entre outros, no trecho em que ele nos relata o episdio em que resolveu perguntar ao padeiro o porqu de ele dizer que no era ningum: E enquanto tomo caf vou me lembrando de um homem modesto que conheci antigamente. Quando vinha deixar o po porta do apartamento ele apertava a campainha, mas, para no incomodar os moradores, avisava gritando: - No ningum, o padeiro! Interroguei-o uma vez: como tivera a idia de gritar aquilo? Ento voc no ningum? Ele abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes lhe acontecera bater a campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada ou outra pessoa qualquer, e ouvir uma voz que vinha l de dentro perguntando quem era; e ouvir a pessoa que o atendera dizer para dentro: no ningum, no senhora, o padeiro. Assim ficara sabendo que no era ningum. . . Vamos imaginar este mesmo episdio narrado no pelo jornalista, mas pelo padeiro. Provavelmente, seria mais ou menos assim: Certo dia, eu estava entregando po naquele edifcio bonito do fim da rua, como fao sempre, quando um dos moradores me parou, dizendo que queria me perguntar uma coisa. Pensei que ele fosse fazer alguma reclamao sobre a entrega, que andou um pouco atrasada naqueles dias, mas no era nada disso. Ele disse que era jornalista, e que tinha ficado curioso com o modo como eu fazia as minhas entregas. Reparou que, depois de apertar a campainha, eu sempre gritava: No ningum, o padeiro! - Ento voc no ningum? - ele me perguntou. Tive que rir da curiosidade daquele homem. Mas, como era um sujeito legal e estava mesmo interessado em saber, resolvi explicar. - Ah, eu aprendi isso de ouvido! Muitas vezes, ao tocar a campainha das casas e ser atendido por uma empregada ou outra pessoa qualquer, ouvi algum gritar l de dentro, perguntando quem era. A resposta era sempre a mesma: no ningum, no senhora, o padeiro! Assim, fiquei sabendo que no era ningum. E passei a repetir a frase, para avisar logo meus fregueses que era eu quem estava tocando a campainha. Ele pareceu surpreso e satisfeito com minha explicao. Como tinha ainda muitas entregas para fazer, me despedi dele sorrindo e subi assobiando as escadas.

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Imaginemos agora a mesma cena, contada pela empregada que abriu a porta e disse que no era ningum, era o padeiro. . . Naquele dia, eu tinha acabado de acordar e estava preparando o caf para o pessoal da casa, quando a campainha tocou. Fui atender e era o padeiro, com o po fresco daquela manh. Quando estava atendendo o homem, ouvi minha patroa gritar, l do quarto: - Quem est a, Maria? - No ningum, no senhora, o padeiro! Depois que o moo se foi, fiquei preocupada. Ser que ele ficou chateado de ter sido chamado de ningum? Ora, mas o que que eu podia dizer? No fim das contas, no era nenhuma visita, mesmo! Mas eu acho que ele, na verdade, at gostou. Depois desse dia, quando toca a campainha, ele mesmo j grita: No ningum, o padeiro! Acho que, no fim das contas, acabei at dando uma boa idia pra ele. Agora, vamos um pouco mais longe. E se o vizinho da frente visse quando o jornalista e o padeiro conversavam, que tipo de viso ele poderia nos dar do fato? Meu vizinho da frente meio esquisito. Ele tem um emprego meio confuso, muitas vezes s chega de madrugada, ou passa a noite trabalhando naquela mquina de escrever, que faz um barulho infernal. Parece que jornalista, escritor, sei l! Mas, que ele meio maluco, no tenho dvidas. Uma manh, peguei ele numa conversa sem p nem cabea, sabe com quem? Com o padeiro! No que ele queria saber por que o pobre do homem, quando tocava a campainha dos apartamentos, gritava em seguida a frase no ningum, o padeiro? - Ento voc no ningum? - ele perguntou ao rapaz, que no devia estar entendendo o que aquele fregus chato tinha a ver com o que ele gritava. Mas o rapaz foi super educado e deu a explicao bvia para aquele caso. claro que o padeiro no ningum! s a pessoa que vem entregar o po da gente! S aquele maluco do meu vizinho que no tinha percebido isso. . . Cada vez que um personagem diferente assumir a narrativa, a histria narrada vai sofrer modificaes. Afinal, se vrias pessoas virem um mesmo fato, cada uma ir recordar-se dele e narr-lo sob seu ngulo particular. Como j diziam nossos avs, quem conta um conto, aumenta um ponto. H mais um ponto, alis, que se pode observar com relao narrativa. a questo do narrador que participa ou no da histria que conta. No caso do texto O padeiro, por exemplo, o jornalista faz parte da histria que conta. Ele est dentro da histria. o que se chama de narrativa em 1a pessoa. Os verbos e pronomes usados aparecem na 1a pessoa (singular ou plural). Observem: Ah, eu era rapaz, eu era rapaz naquele tempo! E s vezes me julgava importante porque no jornal que levava para casa, alm de reportagens ou notas

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que eu escrevera sem assinar, ia uma crnica ou artigo com meu nome. O jornal e o po estariam bem cedinho na porta de cada lar; e dentro do meu corao eu recebi a lio de humildade daquele homem entre todos til e entre todos alegre: no ningum, o padeiro! O outro tipo de narrador possvel o que est fora dos acontecimentos. Ele no participa dos fatos narrados. o que chamamos de narrativa em 3a pessoa. Neste caso, os verbos e pronomes sero usados na 3a pessoa (singular ou plural). Como ficaria o trecho acima, narrado em 3a pessoa? Observem: O jornalista era rapaz, naquele tempo. s vezes, ele se julgava importante porque, no jornal que levava para casa, alm de reportagens ou notas que ele escrevera sem assinar, ia uma crnica ou artigo com o nome dele. O jornal e o po estariam bem cedinho na porta de cada lar; e dentro de seu corao o jornalista recebeu uma lio de humildade de um homem entre todos til e entre todos alegre, que dizia: no ningum, o padeiro! ____________________________________________________________ __ EXERCCIOS (responda, com seu grupo, numa folha parte e entregue ao professor) 1. Houve um acidente horrvel em sua rua! Um caminho perdeu os freios, atingiu o carro de seu vizinho, que estava saindo com a famlia, e depois entrou na lanchonete da esquina, causando inmeras avarias ao local. Felizmente, ningum ficou ferido com gravidade. Apenas alguns arranhes, e um grande susto. Voc pergunta: o que que eu tenho a ver com isso? Simples! voc quem vai registrar os depoimentos dos envolvidos. Escolha duas entre as opes abaixo e elabore, junto com seu grupo, pequenos textos, dando conta das verses escolhidas para o fato que ocorreu: *10 a do motorista do caminho; o que teria acontecido, segundo ele?

*11 a de seu vizinho; o que ele pensou, quando viu o caminho vir desgovernado para cima de seu carro? *12 a do dono da lanchonete; de acordo com ele, o que houve em seu estabelecimento? a sua viso; afinal, voc estava na janela de seu apartamento, olhando a paisagem, e viu tudo acontecer, desde o comeo; como observador neutro, que assistiu a tudo, mas no tomou parte (felizmente!) de nada, d tambm sua verso para o caso.*13

As narrativas devero ser elaboradas em 1a pessoa. Afinal, tratam-se de depoimentos. No se esquea de situar os acontecimentos no tempo e no espao

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(releia o texto narrado pelo padeiro, por exemplo; nele, esto situados os momentos e locais em que ocorre a ao). Mos obra! O importante no ter medo de tentar! #O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#

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10) DISSERTAO: CARACTERSTICAS BSICAS1. Texto dissertativo: definio O texto dissertativo uma seqncia de idias e opinies a respeito de um determinado assunto. A elaborao de um texto dissertativo pressupe esprito crtico, raciocnio, clareza e objetividade na exposio dos fatos e opinies. Outro aspecto importante da dissertao diz respeito aos temas propostos que, na maioria das vezes, so muito amplos. Torna-se necessrio, portanto, delimit-los, antes de abord-los em um texto dissertativo. Tomemos como exemplo o tema futebol, que pode ser abordado sob os mais diferentes aspectos. Seria impossvel abranger, num nico texto, todas estas possibilidades. Faz-se imprescindvel, portanto, definir o ngulo sob o qual o tema em questo ser abordado. Ex.: *14 O futebol e a criana *15 O futebol o pio do povo? *16 A paixo do brasileiro pelo futebol *17 O futebol de rua: tradio brasileira . . . e assim por diante. So inmeras as possibilidades de abordagem de temas amplos. Caber ao(s) autor(es) do texto definir que caminhos sero escolhidos e abordados. 2. Estrutura bsica do texto dissertativo Para que um texto dissertativo apresente lgica e coerncia, deve ter uma determinada estrutura. A estrutura-padro constituda de: a) introduo: deve conter a idia principal a ser desenvolvida. Uma vez delimitado o assunto sobre o qual se vai escrever e elaborado um plano para estruturar o texto, importante pensar no pargrafo que vai introduzir o tema. Esse pargrafo deve, antes de mais nada, chamar a ateno do leitor para dois itens essenciais: os objetivos e o plano de desenvolvimento do texto. Vejamos exemplos disso: Os meios de comunicao social constituem, paradoxalmente, meios de elite e de massa. (Jos Marques de Melo). Observe como o autor, em poucas palavras, chama a ateno para a contradio existente nos meios de comunicao social e, ao mesmo tempo, nos d idia do que pretende desenvolver (claro, uma discusso em torno dessa contradio). De um tecido rstico para cobrir barracas, surgiu a roupa mais universal do homem. Adotadas pela juventude, as calas jeans tornaram-se smbolo de uma nova maneira de viver. (Revista Superinteressante).

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Atravs deste pargrafo, nota-se claramente que o autor pretende traar uma evoluo histrica do uso do jeans e demonstrar por que a roupa mais universal e o smbolo de um novo estilo de vida. Os objetivos e o plano de desenvolvimento do texto ficam bem claros nesse pargrafo introdutrio. b) desenvolvimento: exposio de opinies que vo fundamentar a idia principal; c) concluso: a retomada da idia principal, que deve aparecer de forma mais convincente, uma vez que j foi fundamentada durante o desenvolvimento. Deve conter de uma forma resumida o objetivo proposto na introduo, acrescido da idia bsica empregada no desenvolvimento. Vejamos um texto dissertativo ( com a introduo e a concluso em destaque), para perceber melhor como se estrutura: DESPERDCIO EDUCACIONAL O no preenchimento do total de vagas oferecidas pela Universidade de So Paulo e pela Universidade Federal de So Carlos constitui um grave indcio da inadequao do ensino de 1o e 2o graus enquanto etapas preparatrias ao ensino superior. O quadro se repete no vestibular da Universidade Federal Fluminense, cuja primeira fase eliminou um grande nmero de candidatos. Se a permanncia de vagas ociosas em alguns cursos impede a plena utilizao dos recursos materiais e humanos alocados na Universidade, no se trata, contudo, de abolir a exigncia de uma nota mnima nos vestibulares. A norma levou eliminao da grande maioria dos candidatos, mas indispensvel para evitar uma queda ainda mais acentuada da qualidade do ensino no pas.(...) Ao lado de uma necessria reviso no prprio contedo dos vestibulares, de modo a associar uma exigncia mnima de conhecimentos gerais a um peso maior para as matrias que realmente constituem um pr-requisito para o curso ao qual o aluno se candidata, torna-se urgente uma reformulao da escola pblica de 1o e 2o graus, atravs de uma maior alocao de recursos e de uma reviso pedaggica, capaz de oferecer populao de baixa renda um ensino digno, mesmo para aqueles que no aspiram ao diploma universitrio. Com isto, a Universidade poderia estabelecer critrios qualitativos para o ingresso de candidatos, sem correr o risco atual de no ter parte de suas vagas ocupadas. Por enquanto, saem vitoriosos apenas o desperdcio de recursos, a superfluidade de muitas das questes e exigncias que constam do vestibular e a iniqidade de um sistema educacional onde os mais pobres no tm como competir. (Folha de So Paulo) EXERCCIOS: (responda, com seu grupo, numa folha parte e entregue ao professor) Leia esta carta de um leitor da revista Viso:

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Gostaria de agradecer Viso pela publicao da carta do leitor J. B. P. a respeito da pena de morte. Esta a soluo para a falta de segurana existente no pas. (D. G. A. - So Paulo) E voc, o que acha? Escreva um texto dissertativo girando em torno do tema pena de morte, contendo pargrafos de introduo, desenvolvimento e concluso. Caber ao grupo escolher a posio que tomar em relao ao tema (contrria, favorvel ou neutra). #O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#

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11) MODOS DE DESENVOLVIMENTO DA DISSERTAOConforme vimos no mdulo anterior, a estrutura bsica da dissertao compreende uma introduo, o desenvolvimento do tema e uma concluso, que retome e d um fecho ao tema do texto. Este desenvolvimento da dissertao pode ser elaborado de diferentes modos. Vamos ver os mais comuns: a) POR DEFINIO: A definio de um dos termos geralmente o mais importante do tema do texto serve como ponto de partida para o desenvolvimento da dissertao. Exemplo: Um dos mais srios problemas que o Brasil enfrenta o da sade. Sade o estado de completo bem-estar fsico, mental e emocional, define a Organizao Mundial de Sade OMS, rgo vinculado s Naes Unidas. No caso, sade mais do que no estar doente. (Isto , abr., 1985) b) POR COMPARAO: Neste caso, o autor do texto compara seres, fatos, idias, destacando semelhanas ou diferenas entre eles. Comparao por semelhana; exemplo: No h nenhuma diferena entre a dama da sociedade e o paj botocudo. Ambos anunciam seu status social atravs do volume de sofrimento que infligem natureza para se enfeitar. Uma dessas damas que se apresentam em pblico com uma pele de ona, sapatos de couro de jacar e bolsa de tartaruga estaria dizendo que, para se vestir naquele dia, foi necessrio um grande sacrifcio da natureza. Ou seja, que ela vale muito mais que um jacar, uma ona e uma tartaruga juntos. Ela se sente valorizada tanto quanto o chefe indgena que matou trs araras para compor seu exuberante cocar e cinco caitetus para fazer um colar de dentes. (Rogrio C. de Cerqueira Leite) Comparao por contraste; exemplo: No deixa de existir um situao paradoxal no que diz respeito s cargas horrias de trabalho para uns e ao desemprego para outros. De um lado, trabalhadores em servio oito horas por dia, quarenta e oito horas por semana e, de outro lado, trabalhadores desempregados por no conseguirem trabalho. um dos grandes problemas que estamos enfrentando. (Renato Requixa) c) POR EXEMPLIFICAO: Neste caso, o autor busca comprovar uma afirmativa feita na introduo de seu texto atravs da citao de um exemplo que ilustre aquela regra ou princpio. Exemplo: H maus hbitos brasileiros, disfarados em falta de educao, que, ultrapassando os limites da etiqueta, ingressam no campo das contravenes. Outros so simples ilcitos civis. Todos, porm, ligados ausncia de civilizao elementar. Falar alto no cinema, durante a exibio do filme, constitui simples falta de educao. Fumar, porm, na sala , alm de perigoso, uma ofensa lei, que

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muitos se do ao luxo de desprezar, pela quase certeza da impunidade. Corresponde a uma ao correta buzinar, no trnsito, para um aviso relacionado com a segurana. Buzinar repetidamente, em frente de um hospital ou tentando acordar algum que dorme no dcimo andar, alm de ser coisa de cafajeste, infringe a lei. (Walter Ceneviva Folha de So Paulo, 2 fev. 1986) d) POR CAUSA E CONSEQNCIA: Por causa, entende-se o fato que provoca ou justifica o que est expresso na idia principal. Por conseqncia, o fato que decorre daquilo que est exposto na idia principal. Exemplo: A criana pode formar vrias formulaes preconceituosas relativas s minorias tnicas a partir de seu dia-a-dia. ndios, mulheres e negros, por exemplo, so definidos atravs de esteretipos lamentveis, no s atravs da fala cotidiana como atravs dos veculos de comunicao de massas e at dos livros didticos. Como escapar, ento, s formulaes preconceituosas? Quando se comporta mal, a criana advertida pelos adultos: Cuidado que o negro vem te pegar. Sobre os ndios, todos aprendem que andam nus, caam com arco e flecha, adoram o sol e a lua, moram em ocas e no tm religio. O trabalho domstico, por sua vez, no o verdadeiro trabalho. E a frase predileta dos mais velhos, relativa s meninas, afirma mais ou menos o seguinte: Voc sabe cozinhas, ento j pode casar. O preconceito, portanto, nos to familiar que acabamos, de certa forma, impossibilitados de identific-lo e incapacitados para combat-lo. (Renato da Silva Queiroz) e) POR ORDENAO CRONOLGICA: Dependendo da natureza do tema que est sendo abordado, pode ser necessrio situar os fatos tratados no tempo. Neste caso, essa ordenao no tempo pode se constituir num recurso muito valioso, por esclarecer tpicos do tema em questo. Exemplo: Antes do sculo XIV, os estudos geogrficos e astronmicos eram quase um privilgio rabe e bizantino. bem verdade que os italianos tiveram acesso a eles a partir do sculo XI, mas na Europa ocidental eram bastante desconhecidos. Apenas no sculo XIII tais estudos chegaram em quantidade significativa ao conhecimento dos cristos ibricos, graas s tradues de textos rabes pelos sbios de Toledo. No sculo XIV, essa cidade, alm de Majorca e Barcelona, desenvolveu as cincias da navegao, chegando a comparar-se com o saber florentino e genovs. Mas em Portugal, embora se registrem no sculo XIV alguns almanaques com tbuas astronmicas e clculo de latitudes, apenas no sculo XV tomariam impulso os estudos nuticos, graas ao do Infante. (Antonio Mendes Jr. et alii. Brasil Histria Texto e Consulta) _________________________________________________ EXERCCIO 1. Escolha um dos temas abaixo e elabore um texto dissertativo, de acordo com uma das possibilidades de desenvolvimento vistas aqui:

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a) Os jovens, hoje, tm poucas vinculaes partidrias. Muitos acham que poltica coisa para velho; b) O que h de mais terrvel num acidente nuclear que algumas de suas conseqncias podem demorar at trinta anos para se manifestarem; c) Vivemos numa era de violncia, com um recrudescimento excepcional de comportamentos agressivos em todo o mundo; d) A questo ambiental tambm uma questo de sobrevivncia; e) A histria da moda a histria da prpria evoluo (existencial, moral, social, tecnolgica) do homem. Mos obra! O importante no ter medo de tentar!

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12) ARGUMENTAO: CARACTERSTICAS BSICASUm dos aspectos importantes a considerar quando se l um texto que, em princpio, quem o produz est interessado em convencer o leitor de alguma coisa. Todo texto tem, por trs de si, um produtor que procura persuadir o seu leitor (ou leitores), usando para tanto vrios recursos de natureza lgica e lingstica. Chamamos procedimentos argumentativos a todos os recursos acionados pelo produtor do texto com vistas a levar o leitor a crer naquilo que o texto diz e a fazer aquilo que ele prope. Para ter idia de alguns desses procedimentos argumentativos, vamos ler um fragmento de um dos sermes de Padre Antnio Vieira, no qual ele tenta explicar certos recursos que o pregador deve usar para que o sermo cumpra o papel de persuaso ou convencimento: (. . .) O sermo h de ser duma s cor, h de ter um s objeto, um s assunto, uma s matria. H de tomar o pregador uma s matria, h de defini-la para que se conhea, h de dividi-la para que se distinga, h de prov-la com a Escritura, h de declar-la com a razo, h de confirm-la com o exemplo, h de amplific-la com as causas, com os efeitos, com as circunstncias, com as convenincias que se ho de seguir, com os inconvenientes que se devem evitar, h de responder s dvidas, h de satisfazer s dificuldades, h de impugnar e refutar com toda a fora da eloqncia os argumentos contrrios, e depois disto h de colher, h de apertar, h de concluir, h de persuadir, h de acabar. Isto sermo, isto pregar, e o que no isto, falar de mais alto. No nego nem quero dizer que o sermo no haja de ter variedade de discursos, mas esses ho de nascer todos da mesma matria, e continuar e acabar nela. (Sermo da Sexagsima. In: VIEIRA. Os Sermes. So Paulo, Difel, 1968, V I, p. 99) Tomando o fragmento citado como ponto de partida, podemos inferir alguns dos recursos argumentativos que um texto deve conter para ser convincente ou persuasivo. A primeira qualidade que Vieira aponta que o texto deve ter unidade, isto , deve tratar de um s objeto, uma s matria. Essa qualidade um dos mais importantes recursos argumentativos j que um texto dispersivo, cheio de informaes desencontradas no entendido por ningum: fica-se sem saber qual seu objeto central. O texto que fala de tudo acaba no falando de nada. Mas preciso no confundir unidade com repetio ou redundncia. O prprio fragmento que acabamos de ler adverte que o texto deve ter variedade desde que essa variedade explore uma mesma matria, isto , comece, continue e acabe dentro do mesmo tema central. Outro recurso argumentativo apontado no texto de Vieira a comprovao das teses defendidas com citaes de outros textos autorizados. Como sacerdote que , sugere as citaes das Sagradas Escrituras, j que, segundo sua crena, so elas a fonte legtima da verdade. O que Vieira diz sobre os sermes vale paraCELSO LISBOA ENADE LNGUA PORTUGUESA - PROF . ENRICO 41

qualquer outro texto, desde que no se tome ao p da letra o que ele diz sobre as Sagradas Escrituras. Um texto ganha mais peso quando, direta ou indiretamente, apia-se em outros textos que trataram do mesmo tema. Costuma-se chamar argumento de autoridade a esse recurso citao. O texto aconselha ainda que o pregador, ao elaborar o seu sermo, use o raciocnio ou a razo para estabelecer correlaes lgicas entre as partes do texto, apontando as causas e os efeitos das afirmaes que produz. Esses recursos de natureza lgica do consistncia ao texto, na medida em que amarram com coerncia cada uma das suas partes. Um texto desorganizado, sem articulao lgica entre os seus segmentos, no convincente, no persuasivo. Alm disso, o pregador deve cuidar de confirmar com exemplos adequados as afirmaes que faz. Uma idia geral e abstrata ganha mais confiabilidade quando vem acompanhada de exemplos concretos adequados. Os dados da realidade observvel do peso a afirmaes concretas. Um ltimo recurso argumentativo apontado pelo texto de Vieira a refutao dos argumentos contrrios. Na verdade, sobretudo quando se trata de um tema polmico, h sempre verses divergentes sobre ele. Um texto, para ser convincente, no pode fazer de conta que no existam opinies opostas quelas que se defendem no seu interior. Ao contrrio, deve expor com clareza as objees conhecidas e refut-las com argumentos slidos. Esses so alguns dos recursos que podem ser explorados pelo produtor do texto para conseguir persuadir o leitor. ____________________________________________________________ __ EXERCCIOS: (responda, com seu grupo, numa folha parte e entregue ao professor) Os procedimentos argumentativos devem ser utilizados pelo produtor do texto para convencer o leitor daquilo que o texto est dizendo. Na vida prtica, podem ocorrer situaes em que nos vemos diante da necessidade de redigir textos bem argumentados para protestar contra certos abusos ou para exigir providncias em favor de nossos direitos. Muitos jornais reservam espao para que os seus leitores faam esses pronunciamentos. Veja, por exemplo, um desses textos extrado da seo Painel do Leitor, da Folha de So Paulo, do dia 21 de julho de 1988. O texto contm o protesto de um mdico contra o artigo de um jornalista da Folha de So Paulo.

MDICOSFiquei chateado com o artigo de Gilberto Dimenstein Mdicos, polticos e patifes. Porque sou mdico e porque sou obstetra. E porque fao cesarianas. Nunca fiz uma cesrea para ganhar mais da Previdncia Social. Mesmo porque, ganhar mais de nada ganhar mais nada. Atualmente o Inamps paga ao mdico Cz$ 6.500,00 por um parto; por uma cesariana, Cz$ 6.500,00. A mesma igual e irrisria quantia, paga dois meses aps o atendimento, sem correo monetria. Consulte um rgo pagador do Inamps e informe-se, confira. (Roberto Sartori - Botucatu, SP) Como voc pode ver, o protesto do mdico est bem fundamentado.

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Suponha agora que voc fosse prestar um concurso, o vestibular, por exemplo, e soubesse que alguns amigos tinham conhecimento das provas antecipadamente. Antes que seja realizado o exame, voc vai escrever para o jornal fazendo a denncia e exigindo a anulao da prova. Seu texto deve ser escrito em linguagem correta e bem argumentado, porque voc vai assumir uma responsabilidade pblica. Mos obra! #O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#

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13) DEFEITOS DE ARGUMENTAOA escrita uma das modalidades de linguagem e apresenta caractersticas prprias diferentes, por exemplo, da modalidade oral. Uma das diferenas bsicas entre fala e escrita que, nesta, o interlocutor normalmente no pode solicitar esclarecimentos do produtor do texto, caso no o esteja entendendo. Por isso, na escrita, tudo deve ser colocado com bastante clareza, evitando-se ambigidades ou trechos confusos, para que o leitor, qualquer que seja ele, possa compreender o que o autor do texto quis dizer. Isto se chama autonomia do texto, isto , a capacidade que um texto deve ter de se bastar a si mesmo, no necessitando de esclarecimentos adicionais. Um texto bem escrito um texto autnomo. Os problemas mais comuns que comprometem, geralmente, a autonomia dos textos seriam: 1) Emprego de noes confusas: Na lngua, h muitas palavras cujo significado muito amplo. Dependendo do contexto onde forem empregadas, podem assumir diversos sentidos, comprometendo a compreenso do texto. Para no prejudicar o esquema da argumentao, o melhor, nestes casos, procurar definir em que sentido aquela palavra estar sendo usada naquele texto. Vamos tomar como exemplo a palavra liberdade, de carter bastante amplo. Dependendo de quem a usa, o sentido muda. Por ocasio da proibio de se fumar em locais pblicos, por exemplo, vrios fumantes protestaram, alegando estarem sendo privados de sua liberdade, por no poderem fumar onde quisessem. Como resposta, os no-fumantes argumentaram que a liberdade deles acabara, quando se deixaram aprisionar por um vcio... Como se pode perceber, cada um usou o termo com o sentido que lhe convinha naquele momento. Na lngua, existem muitas palavras pertencentes a esta categoria: democracia, justia, ordem, alienao, massificao, materialismo, idealismo, etc. Convm ainda ressaltar que, dentro deste universo lingstico, h palavras que assumem, perante o senso comum, valor positivo (como liberdade, paz, justia, honestidade, democracia e assim por diante), e outras com as quais ocorre exatamente o oposto (guerra, injustia, desonestidade, violncia, autoritarismo, etc.). Vejamos exemplos de argumentos comprometidos pelo uso de palavras vazias: a. O problema dos posseiros e a luta pela terra no tm sentido, pois perturbam a ordem estabelecida. O que se entende por ordem estabelecida? Um defensor dos sem-terra poderia contra-argumentar, por exemplo, que exatamente devido falta de uma ordem scio-econmica melhor definida que os posseiros se encontram em tal situao. Como se v, argumentos vazios so facilmente derrubados. b. No ensino da redao escolar, no se deve corrigir o aluno, nem apontar seus erros, por uma questo de respeito. Alm disso, aceitar o aluno como ele , mais democrtico. Tanto o termo respeito quanto a noo do que seja um ato democrtico no foram definidos pelo produtor do texto. Ambos so extremamente vagos.

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Algum contrrio argumentao apresentada pode alegar, por exemplo, que respeitar o aluno consiste, antes de mais nada, em dar a ele chance de progredir em seus conhecimentos, e que democrtico seria no aceit-lo como simplesmente, mas dar a ele igualdade de condies, em relao aos colegas, para evoluir em sua capacidade de expresso. A boa argumentao deve ser usada de maneira adequada a cada situao concreta, levando em conta os componentes envolvidos na discusso. Pensar em frmulas prontas um mau sintoma: denuncia falta de esprito crtico e de competncia para elaborar um raciocnio prprio; , enfim, uma sujeio preguiosa ao ponto de vista circulante no meio social. 2. Emprego de noes de totalidade indeterminada: Nos textos dos alunos, tambm com freqncia, ocorrem palavras de abrangncia to vasta que comprometem o esquema argumentativo exatamente por causa do inconveniente de envolverem, num conjunto indeterminado e impreciso, dados de realidade que tm em comum apenas alguns aspectos. H afirmaes que, de to genricas, no resistem a uma anlise mais cuidadosa. o que ocorre, por exemplo, no perodo que se segue: Podemos ter esperana de um glorioso futuro para nossa ptria. O Brasil pode considerar-se privilegiado em relao aos outros pases do mundo: aqui no existe preconceito racial, no temos problemas de catstrofes, no temos diferenas de idioma, o povo ordeiro e pacfico. O uso destas noes totalizadoras (o pas inteiro, sua populao na ntegra esto inseridos no perodo acima) compromete a fora argumentativa do texto, pois d margem a contra-argumentaes imediatas. Basta contrapor, por exemplo, que a questo do preconceito racial pode assumir caractersticas prprias em nosso pas, mas est longe de no existir. Ou, ento, questionar o sentido do termo catstrofe. Se se referir apenas a desastres naturais, como terremotos ou furaces, ainda v l. Mas o estado da sade e da educao pblicas em nosso pas, o que , seno uma grande catstrofe? A totalizao, (o pas inteiro...) aliada indefinio de termos (o que um povo ordeiro e pacfico? o que aceita, passivamente, os desmandos de seus lderes?), torna-se, ela sim, catastrfica para qualquer texto. Esse modo de argumentar demonstra falta de viso analtica, falta de informao e sintoma de uma mente preguiosa, que apaga, por simplismo ou por comodismo, as diferenas e as reduz a uma sombra neutra que esconde dados completamente diferentes. _______________________________________________________ EXERCCIOS: (responda, com seu grupo, numa folha parte e entregue ao professor) As afirmativas que se seguem apresentam, como defeitos de argumentao, o emprego de noes de totalidade indeterminada, aliada generalizao dos conceitos apresentados. Redija um texto argumentativo que rebata ou corrobore uma das posies expostas nas citaes. Veja bem: o texto, atacando ou defendendo a afirmativa escolhida, deve eliminar os defeito de argumentao apresentados pelo tema:

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a. Mulheres, por serem dispersivas, no conseguem realizar bem tarefas que envolvam habilidades motoras, como dirigir ou fazer pequenos consertos, por exemplo. b. Homens so egostas e tendem, por comodidade, a ver apenas o seu prprio ponto de vista em qualquer questo; da sua tendncia ao autoritarismo. #O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#

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14) RESUMOResumo uma condensao fiel das idias ou dos fatos contidos no texto. Resumir um texto significa reduzi-lo ao seu esqueleto essencial sem perder de vista trs elementos: a) cada uma das partes essenciais do texto; b) a progresso em que elas se sucedem; c) a correlao que o texto estabelece entre cada uma dessas partes. O resumo , pois, uma reduo do texto original, procurando captar suas idias essenciais, na progresso e no encadeamento em que aparecem no texto. Quem resume deve exprimir, em estilo objetivo, os elementos essenciais do texto. Por isso no cabem, no resumo, comentrios ou julgamentos ao que est sendo condensado. Muitas pessoas julgam que resumir reproduzir frases ou partes de frases do texto original, construindo uma espcie de colagem. Essa colagem de fragmentos do texto original no resumo. Resumir apresentar, com as prprias palavras, os pontos relevantes de um texto. A reproduo de frases do texto, em geral, atesta que ele no foi compreendido. Para elaborar um bom resumo, necessrio compreender antes o contedo global do texto. No possvel ir resumindo medida que se vai fazendo a primeira leitura. evidente que o grau de dificuldade para resumir um texto depende basicamente de dois fatores: a) da complexidade do prprio texto (seu vocabulrio, sua estruturao sintticosemntica, suas relaes lgicas, o tipo de assunto tratado, etc.); b) da competncia do leitor (seu grau de amadurecimento intelectual, o repertrio de informaes que possui, a familiaridade com os temas explorados). O uso de um procedimento apropriado pode diminuir as dificuldades de elaborao do resumo. Aconselhamos as seguintes passadas: 1. Ler uma vez o texto ininterruptamente, do comeo ao fim. Sabemos que um texto no um aglomerado de frases; sem ter noo do conjunto, mais difcil entender o significado preciso de cada uma das partes. Essa primeira leitura deve ser feita com a preocupao de responder genericamente seguinte pergunta: do que trata o texto? 2. Uma segunda leitura sempre necessria. Mas esta, com interrupes, com o lpis na mo, para compreender melhor o significado de palavras difceis (se preciso, recorra ao dicionrio) e para captar o sentido de frases mais complexas (longas, com inverses, com elementos ocultos). Nessa leitura, deve-se ser a preocupao sobretudo de compreender bem o sentido das palavras relacionais, responsveis pelo estabelecimento das conexes (assim, isto, isso, aquilo, aqui, l, da, seu, sua, ele, ela, etc.). 3. Num terceiro momento, tentar fazer uma segmentao do texto em blocos de idias que tenham alguma unidade de significao. Ao resumir um texto pequeno, pode-se adotar como primeiro critrio de segmentao a diviso em pargrafos. Pode ser que se encontre uma

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segmentao mais ajustada que a dos pargrafos, mas como incio de trabalho, o pargrafo pode ser um bom indicador. Quando se trata de um texto maior (o captulo de um livro, por exemplo) conveniente adotar um critrio de segmentao mais funcional, o que vai depender de cada texto (as oposies entre os personagens, as oposies de espao, de tempo). Em seguida, com palavras abstratas e mais abrangentes, tenta-se resumir a idia ou as idias centrais de cada fragmento. 4. Dar a redao final com suas palavras, procurando no s condensar os segmentos mas encade-los na progresso em que se sucedem no texto e estabelecer as relaes entre eles. (Adaptado de: PLATO & FIORIN. Para entender o texto (leitura e redao). So Paulo, tica, 1995) ______________________________________________ EXERCCIO 1. Faa um resumo do texto que se segue:

CURSOS DE ORATRIA AUMENTAM O PODER DE PERSUASO(Tcnicas ajudam advogados, professores e at padres a falarem melhor em pblico se expressando com fluncia e objetividade) Desde Sheherazade, que passou 1001 noites contando histrias para escapar da morte, que est provado e confirmado: a voz humana, se bem empregada com uma narrao eficiente, capaz de fazer milagres. Projetos medocres no trabalho podem ser aprovados da noite para o dia, graas ao poder de persuaso de quem os defende. Por outro lado, tarefas importantssimas podem ficar em segundo plano se a pessoa no souber se explicar e confundir os colegas da empresa. Pensando nisso, trs instituies de ensino esto lanando cursos de tcnicas de apresentao e de oratria. O objetivo um s: ensinar a falar em pblico, usando bem a voz para se expressar com fluncia e objetividade. - A clareza na comunicao verbal decisiva na hora de conseguir um emprego. O perfil do profissional do futuro envolve a capacidade de se comunicar e de trabalhar em grupo. Mas no dia-a-dia das empresas, comum encontrar pessoas que no sabem ouvir, ou jogam conversa fora, desperdiando tempo e dinheiro por falta de objetividade comenta o radialista Marco Aurlio de Souza, professor do curso de oratria da Fundao Mudes. Timidez e insegurana prejudicam a comunicao (...) Pioneira nessa rea, Glorinha Beuttenmller trabalhou 18 anos na TV Globo, orientando reprteres, locutores, apresentadores de TV e atores sobre a melhor maneira de falar. No seu curso particular, j atendeu a polticos como o prefeito do Rio, Luiz Paulo Conde. Mas as aulas esto abertas a simples mortais que, longe do brilho dos palanques ou da TV, podem melhorar a comunicao, nem que seja apenas para fazer mais amigos.

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- A fala o principal veculo de relacionamento do homem. Ela transmite emoo e desperta imagens para o ouvinte. Muitas pessoas saem do curso se sentindo mais seguras explica ela. (O GLOBO, Domingo, 01 de maro de 1998) #O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#O#

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15) A RESENHARes