Apostila OAB 02 Penal

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1 OAB DIREITO PENAL- 02 MATERIAL DE APOIO Professor: Sandro Caldeira TEMAS: TEORIA DO CRIME, TIPO PENAL, DOLO, CULPA, IMPUTAÇÃO OBJETIVA, CONSUMAÇÃO, TENTATIVA, DEISTÊNCIA VOLUNTÁRIA, ARREPENDIMENTO EFICAZ, ARREPENDIMENTO POSTERIOR, CRIME IMPOSSÍVEL Teoria do crime Conceito e Evolução Embora o crime seja insuscetível de fragmentação, pois que é um todo unitário, para efeitos de estudo faz-se necessária a análise de cada uma de suas características ou elementos fundamentais, isto é, o fato típico, a antijuridicidade e a culpabilidade. Podemos dizer que cada um desses elementos, na ordem em que foram apresentados, é um antecedente lógico e necessário à apreciação do elemento seguinte. O nosso sistema jurídico-penal adotou, de um lado, as palavras crime e delito como expressões sinônimas, e, de outro, as contravenções penais. A infração penal, portanto, como gênero, refere- se de forma abrangente aos crimes/delitos e às contravenções penais como espécies. www.sandrocaldeira.com

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OAB

DIREITO PENAL- 02

MATERIAL DE APOIO

Professor: Sandro Caldeira

TEMAS: TEORIA DO CRIME, TIPO PENAL, DOLO, CULPA, IMPUTAÇÃO OBJETIVA, CONSUMAÇÃO, TENTATIVA, DEISTÊNCIA VOLUNTÁRIA, ARREPENDIMENTO EFICAZ, ARREPENDIMENTO POSTERIOR, CRIME IMPOSSÍVEL

Teoria do crimeConceito e Evolução

Embora o crime seja insuscetível de fragmentação, pois que é um todo unitário, para efeitos de estudo faz-se necessária a análise de cada uma de suas características ou elementos fundamentais, isto é, o fato típico, a antijuridicidade e a culpabilidade. Podemos dizer que cada um desses elementos, na ordem em que foram apresentados, é um antecedente lógico e necessário à apreciação do elemento seguinte.

O nosso sistema jurídico-penal adotou, de um lado, as palavras crime e delito como expressões sinônimas, e, de outro, as contravenções penais. A infração penal, portanto, como gênero, refere-se de forma abrangente aos crimes/delitos e às contravenções penais como espécies.

Não há diferença substancial entre contravenção e crime. O critério de escolha dos bens a serem protegidos pelo Direito Penal é político, da mesma forma que é política a rotulação da conduta como contravencional ou criminosa. Às contravenções penais, por serem, na concepção de Hungria, consideradas delitos-anões, devem em geral tocar as infrações consideradas menos graves, ou seja, aquelas que ofendam bens jurídicos não tão importantes como aqueles protegidos quando se cria a figura típica de um delito.

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Quando falamos em ilicitude, estamos nos referindo àquela relação de contrariedade entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico. A diferença entre o ilícito penal e o civil, obviamente observada a gravidade de um e de outro, encontra-se também na sua conseqüência. Ao ilícito penal, o legislador reservou uma pena que pode até chegar ao extremo de privar o agente de sua liberdade, tendo destinado ao ilícito civil, contudo, como sua conseqüência, a obrigação de reparar o dano, ou outras sanções de natureza civil.

Não existe um conceito de crime fornecido pelo legislador, restando à doutrina seu conceito jurídico. Sob o aspecto formal, crime seria toda conduta que atentasse, que colidisse frontalmente contra a lei penal editada pelo Estado. Considerando-se o seu aspecto material, conceituamos o crime como aquela conduta que viola os bens jurídicos mais importantes. Na verdade, os conceitos formal e material não traduzem com precisão o que seja crime. Surge assim, outro conceito, chamado analítico, porque realmente analisa as características ou elementos que compõem a infração penal. Sendo assim, crime é o fato típico, ilícito e culpável. Alguns autores sustentavam que a punibilidade também integrava tal conceito, sendo crime, pois, um fato típico, ilícito, culpável e punível. Estamos com Juarez Tavares que assevera que a punibilidade não faz parte do delito, sendo somente a sua conseqüência.

Adotamos, portanto, de acordo com essa visão analítica, o conceito de crime como o fato típico, ilícito e culpável.

O fato típico, segundo uma visão finalista, é composto pelos seguintes elementos: a) conduta dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva; b) resultado (nos crimes onde se exija um resultado naturalístico); c) nexo de causalidade entre a conduta e o resultado; d) tipicidade (formal e conglobante).

A ilicitude, expressão sinônima de antijuridicidade, é aquela relação de contrariedade, de antagonismo, que se estabelece entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico. A licitude ou a juridicidade da conduta praticada é encontrada por exclusão, ou seja, somente será lícita a conduta se o agente houver atuado amparado por uma das causas excludentes da ilicitude previstas no art. 23 do CP. Além das causas legais de exclusão da antijuridicidade, a doutrina ainda faz menção a uma outra, de natureza supralegal, qual seja, o consentimento do ofendido. Contudo, para que possa ter o condão de excluir a ilicitude, é preciso, quanto ao consentimento: a) que o ofendido tenha capacidade para consentir; b) que o bem sobre o qual recaia a conduta do agente seja disponível; c) que o consentimento tenha sido dado anteriormente ou pelo menos numa relação de simultaneidade à conduta do agente.

Culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal que se faz sobre a conduta ilícita do agente. São elementos integrantes da culpabilidade, de acordo com a concepção finalista por nós assumida: a) imputabilidade; b) potencial consciência da ilicitude do fato; c) exigibilidade de conduta diversa.

Damásio, Dotti, Mirabete e Delmanto entendem que o crime, sob o aspecto formal, é um fato típico e antijurídico, sendo que a culpabilidade é um pressuposto para a aplicação da pena. Mesmo considerando a autoridade dos defensores desse conceito, entendemos, permissa venia, que não só a culpabilidade, mas também o fato típico e a antijuridicidade são pressupostos para a aplicação da pena. Todos os elementos que compõem o conceito analítico do crime são pressupostos para a aplicação da pena, e não somente a culpabilidade, como pretendem os mencionados autores. O fundamento desse raciocínio se deve ao fato de que o Código Penal, quando se refere à culpabilidade, especificamente nos casos em que a afasta, utiliza, geralmente, expressões ligadas à aplicabilidade da pena. Embora o Código Penal utilize essas expressões quando quer se referir às causas dirimentes da culpabilidade, tal opção legislativa não nos

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permite concluir que o crime é tão-somente um fato típico e antijurídico. Estamos com a maioria da doutrina, nacional e estrangeira, que adota a divisão tripartida do conceito analítico, incluindo a culpabilidade como um de seus elementos característicos.

Conduta

Temos a conduta como primeiro elemento integrante do fato típico. A ação, ou conduta, compreende qualquer comportamento humano comissivo (positivo) ou omissivo (negativo), podendo ser ainda dolosa (quando o agente quer ou assume o risco de produzir o resultado) ou culposa (quando o agente infringe o seu dever de cuidado, atuando com negligência, imprudência ou imperícia).

Condutas dolosas e culposas → Ao autor da prática do fato podem ser imputados dois tipos de condutas: dolosa ou culposa. A regra, para o Código Penal, é de que todo crime seja doloso, somente sendo punida a conduta culposa quando houver previsão legal expressa nesse sentido, conforme determina o p. único do art. 18 do CP.

Condutas comissivas e omissivas → Além de atuar com dolo ou culpa, o agente pode praticar a infração penal fazendo ou deixando de fazer alguma coisa a que estava obrigado. As condutas, dessa forma, podem ser comissivas (positivas) ou omissivas (negativas).

Nos crimes comissivos, o agente direciona sua conduta a uma finalidade, diz-se que a conduta praticada pelo agente é positiva. Nos crimes omissivos, ao contrário, há uma abstenção de uma atividade que era imposta pela lei ao agente. É a abstenção da atividade juridicamente exigida, diz-se que sua conduta, aqui, é negativa.

Os crimes omissivos ainda podem ser próprios (puros ou simples) ou impróprios (comissivos por omissão ou omissivos qualificados). Crimes omissivos próprios, na precisa definição de Mirabete, “são os que objetivamente são descritos com uma conduta negativa, de não fazer o que a lei determina, consistindo a omissão na transgressão da norma jurídica e não sendo necessário qualquer resultado naturalístico”, ou seja, são delitos nos quais existe o chamado dever genérico de proteção, ao contrário dos crimes omissivos impróprios, em que somente as pessoas referidas no §2º do art. 13 do CP podem praticá-los, uma vez que para elas existe um dever especial de proteção. Para que se possa falar em crime omissivo impróprio é preciso que o agente se encontre na posição de garante ou garantidor, isto é, tenha ele a obrigação legal de cuidado, proteção ou vigilância; de outra forma, assuma a responsabilidade de impedir o resultado; ou, com o seu comportamento anterior, tenha criado o risco da ocorrência do resultado.

Ausência de conduta:

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Se não houver vontade dirigida a uma finalidade qualquer, não se pode falar em conduta. Se o agente não atua dolosa ou culposamente, não há ação. Isso pode acontecer quando o sujeito se vir impedido de atuar, como nos casos de: a) força irresistível; b) movimentos reflexos; c) estados de inconsciência.

A força física absoluta pode ser proveniente da natureza ou da ação de um terceiro. Como exemplos de forca irresistível praticada por terceiros, ou seja, pelo homem, podemos citar a coação física (vis absoluta). Em geral, nos casos de forca física irresistível, aquele que causa o dano ou a lesão em terceira pessoa nada mais é do que um instrumento nas mãos do agente coator.

Há situações, ainda, em que o nosso organismo reage a determinados impulsos e, em virtude disso, podem advir lesões ou danos. Deve ser ressaltado, contudo, que se o movimento reflexo era previsível, os resultados advindos desse movimento reflexo deverão ser imputados ao agente, geralmente, a titulo de culpa, haja vista ter deixado de observar o seu necessário dever objetivo de cuidado.

Existem, também, os casos de total inconsciência, que têm o condão de eliminar a conduta do agente, como o sonambulismo, os ataques epiléticos, etc.

No caso de embriaguez completa, desde que não seja proveniente de caso fortuito ou de força maior, embora não tenha o agente se embriagado com o fim de praticar qualquer infração penal, mesmo que não possua a menor consciência daquilo que faz, ainda assim será responsabilizado pelos seus atos. Isto porque o art. 28, II do CP determina: “Não excluem a imputabilidade penal, a embriaguez voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos”. Prevalece, nessa hipótese, a teoria da actio libera in causa, visto que se a ação foi livre na causa (ato de fazer a ingestão de bebidas alcoólicas) deverá o agente ser responsabilizado pelos resultados dela decorrentes.

Tipicidade penal:

Tipicidade quer dizer a subsunção perfeita da conduta praticada pelo agente ao modelo abstrato previsto na lei penal. A adequação da conduta do agente ao modelo abstrato previsto na lei penal (tipo) faz surgir a tipicidade formal ou legal. Entretanto, esse conceito de simples acomodação do comportamento do agente ao tipo não é suficiente para que possamos concluir pela tipicidade penal, uma vez que esta é formada pela conjugação da tipicidade formal (ou legal) com a tipicidade conglobante.

Para que se possa falar em tipicidade conglobante é preciso que: a) a conduta do agente seja antinormativa; b) que haja tipicidade material, ou seja, que ocorra um critério material de seleção do bem a ser protegido.

A tipicidade conglobante surge quando comprovado, no caso concreto, que a conduta praticada pelo agente é considerada antinormativa, isto é, contrária à norma penal, e não imposta ou fomentada por ela, bem como ofensiva bens de relevo para o Direito Penal (tipicidade material).

Na lição de Zaffaroni e Pierangeli, não é possível que no ordenamento jurídico, que se entende como perfeito, uma norma proíba aquilo que outra imponha ou fomente. Assim, com esse conceito de antinormatividade, casos que hoje são tratados quando da verificação da sua ilicitude podem ser resolvidos já no estudo do primeiro dos elementos da infração penal – o fato típico. Com o conceito de antinormatividade esvazia-se um pouco as causas de exclusão da ilicitude nos casos especificamente de estrito cumprimento de dever legal. Além dos casos em que haja uma determinação legal para a prática de certas condutas nas quais, formalmente, haveria adequação típica, podem existir hipóteses em que a lei, embora não impondo, fomente certas atividades. Podemos citar, também na esteira de Zaffaroni e Pierangeli, o caso do médico que intervém no paciente com finalidade terapêutica, curativa. Nesse caso, segundo os renomados mestres, essa atividade, ou seja, o exercício da medicina terapêutica, fomentada pelo Estado. Se o médico realizasse uma intervenção cirúrgica com a finalidade de salvar a vida do

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paciente, a sua conduta seria atípica, visto não ser contrária à norma (antinormativa), mas sim por ela fomentada. Agora, se o profissional da medicina atua com a finalidade de executar uma cirurgia estética, a sua atividade já não mais seria considerada fomentada pelo Estado, mas somente permitida, tolerada, razão pela qual, neste último caso, embora típica a sua conduta, não seria ilícita, em virtude da ocorrência da causa de justificação prevista na segunda parte do inciso III do art. 23 do CP, vale dizer, o exercício regular do direito.

Para concluir-se pela tipicidade penal é preciso, ainda, verificar a chamada tipicidade material. O princípio da intervenção mínima, que serve de norte para o legislador na escolha dos bens a serem protegidos pelo Direito Penal, assevera que nem todo e qualquer bem é passível de ser por ele protegido, mas somente aqueles que gozem de certa importância. Em virtude do conceito de tipicidade material, excluem-se dos tipos penais aqueles fatos reconhecidos como de bagatela, nos quais têm aplicação o princípio da insignificância. Assim, pelo critério da tipicidade material é que se afere a importância do bem no caso concreto, a fim de que possamos concluir se aquele bem especifico merece ou não ser protegido pelo Direito Penal.

Concluindo, para que se possa falar em tipicidade penal é preciso haver a fusão da tipicidade formal ou legal com a tipicidade conglobante (que é formada pela antinormatividade e pela tipicidade material). Só assim o fato poderá ser considerado penalmente típico.

Tipo Doloso

Dolo é a vontade livre e consciente dirigida a realizar a conduta prevista no tipo penal incriminador. Assim, podemos perceber que o dolo é formado por um elemento intelectual e um elemento volitivo.

A consciência, ou seja, o momento intelectual do dolo, basicamente, diz respeito à situação fática em que se encontra o agente. O erro de tipo, em qualquer das sua formas (escusável ou inescusável), tem a finalidade de, sempre, eliminar o dolo do agente, por faltar-lhe a vontade e a consciência daquilo que estava realizando.

A vontade é outro elemento sem o qual se desestrutura o crime doloso.

Enfim, faltando um desses elementos (consciência ou vontade), descaracterizado estará o crime doloso.

Todo crime é doloso, somente havendo a possibilidade de punição pela prática de conduta culposa se a lei assim o prever expressamente.

Espécies de dolo:

Costuma-se distinguir o dolo em direto e indireto.

Diz-se direto o dolo quando o agente quer, efetivamente, cometer a conduta descrita no tipo, conforme preceitua a primeira parte do art. 18, I do CP. O agente, neste espécie de dolo, pratica sua conduta dirigindo-a finalisticamente à produção do resultado por ele pretendido inicialmente.

Tomando por base as mencionadas fases de realização da conduta, preleciona Cezar Roberto Bitencourt que o dolo direto pode ser classificado em: a) dolo direto de primeiro grau e; b) dolo direto de segundo grau. De acordo com o renomado autor, “o dolo direto em relação ao fim proposto e aos meios escolhidos é classificado como de primeiro grau, e em relação aos efeitos colaterais, representados como necessários, é classificado como de segundo grau”. O agente terrorista internacional, que queira causa a morte de uma importante autoridade pública, coloca uma bomba no avião. Neste caso, não somente ocorre a morte da autoridade pública, como também de todas as outras pessoas que com ela se

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encontravam no referido vôo. A morte de todos foi querida pelo agente, como conseqüência necessária do meio escolhido. Em relação à vitima visada, o dolo direto foi de primeiro grau; em relação às demais vítimas, o dolo foi de segundo grau, ou, como afirmam Zaffaroni, Alagia e Slokar, “no dolo direto de segundo grau ou mediato, o resultado típico é uma conseqüência necessária dos meios eleitos, que devem ser abrangidos pela vontade tanto como o fim mesmo. Daí que porque também é reconhecido como dolo de conseqüência necessárias”.

O dolo indireto, a seu turno, pode ser dividido em alternativo e eventual.

O dolo indireto alternativo, nas lições de Fernando Galvão, “apresenta-se quando o aspecto volitivo do agente se encontra direcionado, de maneira alternativa, seja em relação ao resultado ou em relação à pessoa contra qual o crime é cometido”. Quando a alternatividade do dolo disser respeito ao resultado, fala-se em alternatividade objetiva; quando a alternatividade se referir à pessoa contra qual o agente dirige sua conduta, a alternatividade será subjetiva.

Fala-se em dolo eventual quando o agente, embora não querendo diretamente praticar a infração penal, não se abstém de agir e, com isso, assume o risco de produzir o resultado que por ele já havia sido previsto e aceito. Dolo eventual significa que o autor considera seriamente como possível a realização do tipo penal e se conforma com ela.

. Ausência de dolo em virtude de erro de tipo → O erro, como veremos em capítulo próprio, numa concepção ampla, é a falsa percepção da realidade. Aquele que incorre em erro imagina uma situação diversa daquela realmente existente. O erro de tipo, na precisa lição de Zaffaroni, “é o fenômeno que determina a ausência de dolo quando, havendo uma tipicidade objetiva, falta ou é falso o conhecimento dos elementos requeridos pelo tipo objetivo”. Dessa forma, a conseqüência natural do erro de tipo é a de, sempre, afastar o dolo do agente, permitindo, contudo, a sua punição pela prática de um crime culposo, se houver previsão legal, conforme determina o caput do art. 20 do CP. Concluindo, sempre que o agente incorrer em erro de tipo, seja ele escusável ou inescusável, o seu dolo restará afastado, pois que, em tais casos, não atua com vontade e consciência de praticar a infração penal.

Tipo Culposo

De acordo com o art. 18, II do CP, diz-se culposo o crime “quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”. Essa definição, contudo, não se mostra suficiente para que possamos aferir com precisão se determinada conduta praticada pelo agente pode ser ou não considerada culposa.

Na lição de Mirabete, tem-se conceituado o crime culposo como “a conduta humana voluntária (ação ou omissão) que produz resultado antijurídico não querido, mas previsível, e excepcionalmente previsto, que podia, com a devida atenção, ser evitado”.

. Nota-se, portanto, que para a caracterização do delito culposo é preciso a conjugação de vários elementos, a saber: a) conduta humana voluntária, comissiva ou omissiva; b) inobservância de um dever objetivo de cuidado (negligência, imprudência ou imperícia); c) o resultado lesivo não querido, tampouco assumido, pelo agente; d) nexo de causalidade

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entre a conduta do agente que deixa de observar o seu dever de cuidado e o resultado lesivo dela advindo; e) previsibilidade; f) tipicidade.

A conduta, nos delitos de natureza culposa, é o ato humano voluntário dirigido, em geral, à realização de um fim licito, mas que, por não ter o agente observado o seu dever de cuidado, dá causa a um resultado não querido, nem mesmo assumido, tipificado previamente na lei penal. Toda conduta, seja dolosa ou culposa, deve ter sempre uma finalidade. A diferença entre elas reside no fato de que na conduta dolosa existe uma finalidade ilícita, e na conduta culposa a finalidade é quase sempre lícita.

Como segundo elemento necessário à caracterização do crime culposo, temos a chamada inobservância de um dever objetivo de cuidado. Esse dever de cuidado objetivo, dirigido a todos nós, faz com que atentemos para determinadas regras de comportamento, mesmo que não escritas ou expressas, a fim de convivermos harmoniosamente em sociedade. Juarez Tavares, analisando o tema em estudo, afirma: “a lesão ao dever de cuidado resulta da omissão da ação cuidadosa, imposta pela norma, no sentido de atender às funções protetivas a que se propõe. A prova ou comprovação da lesão ao dever de cuidado se faz negativamente: se a ação realizada pelo agente era adequada ao objetivamente exigido, era cuidadosa e, por isso, não haverá tipicidade. Em caso contrário, verifica-se a lesão ao dever de cuidado, porque, na condução da atividade, foram omitidas as exigências protetivas impostas pela norma”.

Para que reste caracterizado o crime culposo, é preciso, ainda, que ocorra um resultado naturalístico, ou seja, aquele no qual haja uma modificação no mundo exterior. Essa exigência vem expressa no inciso II do art. 18 do CP, que diz ser o crime culposo quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. Sendo assim, faz-se necessário a ocorrência de um resultado naturalístico para que possamos falar em delito culposo.

Deve existir, também, um nexo de causalidade entre a conduta praticada e o resultado dela advindo, para que este último possa ser imputado ao agente.

Além da conduta, da sua inobservância a um dever objetivo de cuidado, adicionados à ocorrência de um resultado naturalístico e do necessário nexo de causalidade, é preciso, também, que o fato seja previsível para o agente. Diz-se que no crime culposo o agente não prevê aquilo que lhe era previsível. Essa afirmativa, como veremos adiante, presta-se tão-somente para os delitos em que houver a chamada culpa inconsciente ou culpa comum, uma vez que na culpa consciente o agente prevê o resultado, mas, sinceramente, não acredita na sua ocorrência. Se o fato escapar totalmente à previsibilidade do agente, o resultado não lhe pode ser atribuído, mas sim ao caso fortuito ou à força maior.

Faz a doutrina distinção, ainda, entre a previsibilidade objetiva e a previsibilidade subjetiva. Previsibilidade objetiva seria aquela, conceituada por Hungria, em que o agente, no caso concreto, deve ser substituído pelo chamado “homem médio”, de prudência normal. Se, uma vez levada a efeito essa substituição hipotética, o resultado ainda assim persistir, é sinal de que o fato havia escapado ao âmbito de previsibilidade do agente. Essa substituição em busca da modificação do resultado é que dá origem à chamada previsibilidade objetiva. Além da previsibilidade objetiva, existe outra, denominada previsibilidade subjetiva. Nela, não existe essa substituição hipotética; não há a troca do agente pelo homem médio para saber se o fato escapava ou não à sua previsibilidade. Aqui, na previsibilidade subjetiva, o que é levado em consideração são as condições particulares, pessoais do agente, quer dizer, consideram-se, na previsibilidade subjetiva, as limitações e as experiências daquela pessoa cuja previsibilidade está

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se aferindo em um caso concreto. Assim, para aqueles que entendem possível a aferição da previsibilidade subjetiva, em que são consideradas as condições pessoais do agente, tais fatos poderão ser objeto de análise por ocasião do estudo da culpabilidade, quando se perquirirá se era exigível do agente, nas circunstâncias em que se encontrava, agir de outro modo.

Finalmente, como elemento também indispensável à caracterização do delito culposo, temos a tipicidade. Só podemos falar em crime culposo se houver uma previsão legal expressa para essa modalidade de infração. O dolo é a regra; a culpa a exceção.

Merece ser ressaltado, ainda, o fato de que a tipicidade material deverá ser analisada também nos delitos culposos, sendo perfeitamente aplicáveis aos delitos culposos os conceitos do princípio da insignificância.

Imprudência, imperícia e negligência:

Mais do que uma conceituação de crime culposo, o inciso II do art. 18 do CP nos fornece e as modalidades de condutas que fazem com que o agente deixe de observar o seu exigível dever de cuidado.

Imprudente seria a conduta positiva praticada pelo agente que, por não observar o seu dever de cuidado, causasse o resultado lesivo que lhe era previsível. A imprudência é, portanto, um fazer alguma coisa.

A negligência, ao contrário, é um deixar de fazer aquilo que a diligência normal impunha.

Fala-se em imperícia quando ocorre uma inaptidão momentânea ou não, do agente para o exercício de arte ou profissão. Diz-se que a imperícia está ligada, basicamente, à atividade profissional do agente.

Crime culposo e tipo aberto → os crimes culposos, como vimos anteriormente, são considerados tipos abertos. Nos delitos culposos a ação do tipo não está determinada legalmente. Seus tipos são, por isso, abertos ou com necessidade de complementação, já que o juiz tem que completa-los para o caso concreto. Por não haver a descrição completa e perfeita da figura típica, é que se fala que os crimes culposos são considerados tipos penais abertos.

Culpa consciente e culpa inconsciente → a previsibilidade é um dos elementos que integram o crime culposo. Quando o agente deixa de prever o resultado que lhe era previsível, fala-se em culpa inconsciente ou culpa comum. Culpa consciente é aquela em que o agente, embora prevendo o resultado, não deixa de praticar a conduta acreditando, sinceramente, que este resultado não venha a ocorrer. O resultado, embora previsto, não é assumido ou aceito pelo agente, que confia na sua não-ocorrência. A culpa inconsciente distingue-se da culpa consciente justamente no que diz respeito à previsão do resultado. Naquela, o resultado embora previsível, não foi previsto pelo agente; nesta, o resultado é previsto, mas o agente, confiando em si mesmo, nas suas habilidades pessoais, acredita sinceramente que este não venha a ocorrer. A culpa inconsciente é a culpa sem previsão, e a culpa consciente é a culpa com previsão.

. Culpa consciente ≠ Dolo eventual → na culpa consciente, o agente, embora prevendo o resultado, acredita sinceramente na sua não-ocorrência; o resultado previsto não é querido ou mesmo assumido pelo agente. Já no dolo eventual, embora o agente não queira diretamente o resultado, assume o risco de vir a produzi-lo. No dolo eventual, o agente

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não quer diretamente produzir o resultado, mas, se este vier a acontecer, pouco importa.

Muito se tem discutido ultimamente quanto aos chamados delitos de trânsito. O movimento da mídia, exigindo punições mais rígidas, fez com que juízes e promotores passassem a enxergar o delito de trânsito cometido através da conjugação da velocidade excessiva com a embriaguez do motorista atropelador, como de dolo eventual, tudo por causa da expressão contida na segunda parte do inciso I do art. 18 do CP, que diz ser dolosa a conduta quando o agente assumiu o risco de produzir o resultado. Merece ser frisado que o CP não adotou a teoria da representação, mas sim a da vontade e a do assentimento. Exige-se, portanto, para a caracterização do dolo eventual, que o agente anteveja como possível o resultado e o aceite, não se importando realmente com a sua ocorrência. Com isso queremos salientar que nem todos os casos em que houver a conjugação de embriaguez com velocidade excessiva haverá dolo eventual. Também não estamos afirmando que não há possibilidade de ocorrer tal hipótese. Só estamos rejeitando como uma fórmula matemática, absoluta. Não podemos, simplesmente, condenar o motorista por dolo eventual quando, na verdade, cometeu a infração culposamente. Nosso Direito Penal é o da culpabilidade, e culpabilidade nada mais é do que censurabilidade, reprovabilidade, juízo de pura censura e reprovação sobre a conduta do réu. Então, quanto mais censurável for a conduta do réu (embriaguez, excesso de velocidade, número de vítimas), maior poderá ser a reprimenda penal imposta pelo juiz ao aplicar a pena, dentro do delito culposo, ou seja, se a conduta do réu for extremamente censurável, aplica-se a pena máxima do delito culposo, não se falando, nesse caso, em dolo eventual. A pena aplicada é a do delito culposo, devendo ser dosada de acordo com a culpabilidade do acusado. Concluindo, embora em alguns raros casos seja possível falar em dolo eventual em crimes de trânsito, não é pela conjugação da embriaguez com a velocidade excessiva que se pode chegar a essa conclusão, mas sim levando-se em consideração o seu elemento anímico.

Culpa imprópria → Fala-se em culpa imprópria nas hipóteses das chamadas descriminantes putativas em que o agente, em virtude de erro evitável pelas circunstâncias, dá causa dolosamente a um resultado, mas responde como se tivesse praticado um delito culposo. Pela redação do §1º do art. 20 do CP, “é isento de pena o agente que, por erro plenamente justificável pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legitima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo”.

Nesta segunda parte do §1º do art. 20 do CP é que reside a culpa imprópria. Como o agente incorre em um erro inescusável, embora tenha agido dolosamente, o legislador por questões de política criminal, determinou que seria punido com as penas de um crime culposo. Assim, ocorre a culpa imprópria (também conhecida como culpa por assimilação, por extensão ou por equiparação) quando o agente, embora tenha agido com dolo, nos casos de erro vencível, nas descriminantes putativas, responde por um crime culposo. Em tais hipóteses de culpa imprópria é que a doutrina vislumbra a possibilidade de tentativa em delitos culposos. Isto porque, como foi dito, a conduta é dolosa, só que punida com as penas correspondentes ao crime culposo.

Compensação e concorrência de culpas → Por exemplo: dois agentes, cada qual na direção de seu automóvel, de forma imprudente, colidem seus

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veículos. Nesse acidente, somente os agentes motoristas condutores dos aludidos veículos saíram levemente feridos. Não se admite a compensação de culpas em Direito Penal. No caso ora apresentado, os agentes serão, respectivamente, réu e vitima do acidente em que se envolveram. Não importa se ambos foram os causadores dos resultados lesivos. Cada qual responderá pela sua conduta culposa, independentemente do fato de ter a outra pessoa também contribuído para a produção desse mesmo resultado.

Embora não se possa falar em compensação, vislumbramos a possibilidade de ocorrer a concorrência de culpas. O comportamento da vitima, como concorrente para o resultado deve ser considerado não só nos casos em que ela goze também do status de agente. Quer dizer que se um motorista, em virtude de sua inobservância ao dever de cuidado, vem a atropelar um pedestre que, de forma também imprudente, tentava atravessar uma avenida, vindo somente este último a sofrer lesões, se o julgador chegar à conclusão de que o fato praticado é típico, antijurídico e culpável, na oportunidade em que for encontrar a pena-base deverá levar em consideração o comportamento da vítima que também concorreu, com sua conduta imprudente, para a produção do resultado lesivo por ela sofrido.

Tentativa nos delitos culposos → Quando estudarmos a tentativa, observaremos que o primeiro de seus elementos é o dolo, isto é, a vontade livre e consciente de querer praticar a infração penal. Nos delitos culposos, ao contrário dos de natureza dolosa, o agente não quer produzir resultado ilícito algum. Não se pode falar, portanto, em tentativa. A doutrina, contudo, aceita a possibilidade de tentativa nos crimes culposos, quando da ocorrência da chamada culpa imprópria, quando o agente, nos casos de erro evitável nas descriminantes putativas, atua com dolo, mas responde pelo resultado causado com as penas correspondentes ao delito culposo.

Crimes omissivos próprios e impróprios:

Crimes omissivos próprios, puros ou simples, segundo Mirabete são os que objetivamente são descritos com uma conduta negativa, de não fazer o que a lei determina, consistindo a omissão na transgressão da norma jurídica e não sendo necessário qualquer resultado naturalístico. Para a exigência do crime basta que o autor se omita quando deve agir.

Crimes omissivos impróprios, comissivos por omissão ou omissivos qualificados, são aqueles em que, para sua configuração, é preciso que o agente possua um dever de agir para evitar o resultado. Esse dever de agir é atribuído tão-somente às pessoas que gozem do status de garantidoras da não-ocorrência do resultado. Somente assumem a posição de garante aquelas pessoas que se amoldem às situações elencadas pelo §2º do art. 13 do CP. Isso porque o CP adotou o critério das fontes formais do dever de garantidor, deixando de lado a teoria das funções, preconizada por Armin Kaufmann, que defendia a tese de que seria garantidor o agente que tivesse uma relação estreita com a vítima, mesmo que não existisse qualquer obrigação legal entre elas.

A diferença básica entre o crime omissivo próprio e o impróprio é que no crime omissivo próprio o legislador faz expressamente a previsão típica da conduta que deve ser imposta ao agente. Já nos crimes omissivos impróprios, considerados tipos abertos, não existe essa prévia definição típica. Enquanto nos crimes omissivos próprios, a conduta prevista no tipo é negativa, ou seja, o tipo prevê uma inação; nos crimes omissivos impróprios ou comissivos por omissão, a conduta é positiva, isto é, comissiva, só que praticada via omissão do agente que, no caso concreto, tinha o dever de agir para evitar o resultado. Por essa razão é que se diz que o

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crime é comissivo por omissão, porque a conduta comissiva prevista no tipo é praticada de forma omissiva pelo agente.

Os resultados, nos crimes omissivos impróprios, podem ser alcançados em razão das condutas dolosa ou culposa do agente, querendo-se dizer com isso que esta espécie de crime omissivo admite tanto a inação dolosa quanto a inação culposa como meio para se atribuir o resultado ao agente.

Relevância da omissão:

Nos termos do §2º do art. 13 do CP, “a omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado”.

Logo pela redação inicial do artigo, podemos observar que a lei penal exige a configuração de duas situações: o dever de agir (elencado nas alíneas a, b, c) com o poder agir.

Merece ser frisado que a lei, quando elenca as situações nas quais surge o dever de agir, fazendo nascer daí a posição de garantidor, não exige que o garante evite, a qualquer custo, o resultado. O que a lei faz é despertar o agente para a sua obrigação, e se ele realiza tudo o que estava ao seu alcance, a fim de evitar o resultado lesivo, mas, mesmo com seu esforço, este vem a se produzir, não poderemos a ele imputa-lo.

Ademais, o dever de agir não é suficiente para que se possa imputar o resultado lesivo ao garante. Era preciso ainda que, nas condições em que se encontrava, pudesse atuar fisicamente, uma vez que o mencionado §2º do art. 13 obriga a conjugação do dever de agir com o poder agir. A impossibilidade física afasta a responsabilidade penal do garantidor por não ter atuado no caso concreto quando, em tese, tinha o dever de agir.

Posição de garantidor:

Nas alíneas do §2º do art. 13 do CP, encontramos as situações que impõem ao agente a posição de garantidor da evitabilidade do resultado. O garante tem o dever de agir para tentar impedir o resultado. Estas são as situações que impõem ao agente a posição de garantidor:

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

A primeira delas é a chamada obrigação legal. Como o próprio nome sugere, é aquela obrigação derivada da lei, como a obrigação dos pais para com seus filhos.

A alínea b do §2º do art. 13 do CP traz-nos uma outra situação em que surge o dever de agir: quando o agente, de outra forma, assume a responsabilidade de impedir o resultado. Aqui residia, há tempos atrás, a chamada responsabilidade contratual. Hoje em dia, não mais se exige a existência ou mesmo a vigência de um contrato, bastando que o agente tenha assumido, por conta própria e mesmo sem qualquer retribuição, esse encargo, como é o caso do pai que, no exemplo de Juarez Tavares, querendo mergulhar no mar, solicita a alguém que olhe o seu filho por alguns minutos. Se esta pessoa anui ao pedido, naquele instante se coloca na posição de garantidora.

Finalmente, de acordo com a alínea c do §2º do art. 13 do CP, coloca-se na posição de garantidor aquele que com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. Podemos citar como exemplo aquele que, num acampamento, após acender o fogo pra fazer sua comida, não o apaga posteriormente, permitindo que se inicie um incêndio.

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Teoria da Imputação Objetiva:

Quando estudamos o tipo penal, dissemos que o tipo complexo é composto por duas partes, uma de natureza objetiva e a outra subjetiva. Afirmamos, também, que em razão da adoção do princípio da culpabilidade, um determinado fato contido em um tipo penal somente poderia ser imputado a alguém se o agente tivesse agido com dolo ou culpa, se houvesse previsão legal para esta última modalidade de conduta.

Assim, se não há conduta dolosa ou culposa, não há fato típico; e se não há fato típico, não há crime. Tal raciocínio é importantíssimo a fim de que seja preservada, sempre, a responsabilidade subjetiva pelo fato praticado pelo agente, afastando-se aquela de natureza objetiva.

Com o surgimento da teoria da imputação objetiva, a preocupação não é, à primeira vista, saber se o agente atuou efetivamente com dolo ou culpa no caso concreto. O problema se coloca antes dessa aferição, ou seja, se o resultado previsto na parte objetiva do tipo pode ou não ser imputado ao agente. O estudo da imputação objetiva, dentro do tipo penal complexo, acontece antes mesmo da análise dos seus elementos subjetivos (dolo e culpa).

Na verdade, a teoria da imputação objetiva surge com a finalidade de limitar o alcance da chamada teoria da equivalência dos antecedentes causais, sem, contudo, abrir mão desta última. Por intermédio dela , deixa-se de lado a observação de uma relação de causalidade puramente material, para se valorar uma outra, de natureza jurídica, normativa.

Não basta que o resultado tenha sido produzido pelo agente para que se possa afirmar a sua relação de causalidade. É preciso, também, que a ele possa ser imputado juridicamente.

Com base nos ensaios de Richard Honig, autor da obra Causalidade e Imputação Objetiva, trazida a público em 1930, que tinha por finalidade resolver os problemas criados pela teoria da equivalência dos antecedentes causais e a teoria da adequação, Roxin desenvolve o conceito de imputação objetiva. Procurando fugir dos dogmas causais, Roxin, fundamentando-se no chamado princípio do risco, cria uma teoria geral da imputação, para os crimes de resultado, com quatro vertentes que impedirão a sua imputação objetiva. São elas:

a) diminuição do risco;

b) criação de um risco juridicamente relevante;

c) aumento do risco permitido;

d) esfera de proteção da norma como critério de imputação.

Pelo critério da diminuição do risco, no exemplo de Roxin, suponhamos que A perceba que uma pedra é arremessada contra a cabeça de B. Procurando evitar a lesão mais grave, A, que não pode evitar que essa pedra alcance B, empurra-o, fazendo com que este seja atingido numa parte menos perigosa do corpo. A atuação de A, segundo Roxin, “significa uma diminuição do risco em relação ao bem protegido e, por isso, não se lhe pode imputar como ação típica”.

A segunda vertente diz respeito à criação de um risco juridicamente relevante. Se a conduta do agente não é capaz de criar um risco juridicamente relevante, ou seja, se o resultado por ele pretendido não depender exclusivamente de sua vontade, caso este aconteça deverá ser atribuído ao acaso. Podemos citar o exemplo daquele que, almejando a morte de seu tio, com a finalidade de herdar-lhe todo o patrimônio, compra-lhe uma passagem aérea na esperança de que a aeronave sofra um acidente e venha a cair. Por acaso, o acidente acontece. Como se percebe, em casos como tais, não há domínio do resultado através da vontade humana.

Conforme confessa Roxin, o aumento ou a falta de aumento do risco permitido é a versão simplificada do princípio do incremento do risco desenvolvido pelo

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mestre alemão em 1962. Nos termos do preconizado princípio, se a conduta do agente não houver, de alguma forma, aumentado o risco de ocorrência do resultado, este não lhe poderá ser imputado. Raciocinemos com o conhecido exemplo do caso dos pêlos de cabra. Um fabricante havia feito a importação de pêlos de cabra para a confecção de pincéis. Mesmo tendo sido orientado pelo exportador que os pêlos deveriam ser desinfectados antes do fabrico dos pincéis, o importador, deixando de observar o seu necessário dever de cuidado, os coloca em contato com os seus operários, sem antes esteriliza-los. Em virtude do contato com os pêlos não esterilizados, quatro trabalhadores contraem uma infecção, por causa de bacilos de carbúnculo e morrem. Verificou-se posteriormente que, mesmo que o importador tivesse tomado todas as precauções necessárias à esterilização dos pêlos, ainda assim os operários teriam contraído a infecção fatal, pois que os bacilos de carbúnculo já estavam resistentes. Em suma, mesmo que o fabricante tivesse observado o seu dever de cuidado, o resultado ainda assim poderia ter ocorrido, razão pela qual este não lhe poderá ser imputado, uma vez que a sua conduta negligente não incrementou o risco da sua ocorrência.

Com relação à esfera de proteção da norma, assevera Fernando Galvão que “a relevância jurídica que autoriza a imputação objetiva ainda deve ser apurada pelo sentido protetivo de cada tipo incriminador; ou seja, somente haverá responsabilidade quando a conduta afrontar a finalidade protetiva da norma”. E continua, dizendo que “existem casos em que o aumento do risco para além dos limites do permitido não acarreta imputação, pois a situação está fora do alcance da norma jurídica incriminadora”. Roxin exemplifica com o caso daquele que atropela negligentemente alguém e lhe causa a morte. A mãe da vitima, ao receber a noticia do acidente, começa a chorar e sofre um ataque nervoso. Para o direito penal, parece-me político-criminalmente correta a limitação da esfera de proteção da norma aos danos diretos”.

Consumação e Tentativa

Iter criminis:

Segundo Zaffaroni e Pierangeli, dá-se o nome de iter criminis ou “caminho do crime” o conjunto de etapas que se sucedem, cronologicamente, no desenvolvimento do delito.

Vimos, inicialmente, que a ação é composta por duas fases: interna e externa. Na fase interna, o agente antecipa e representa mentalmente o resultado, escolhe os meios necessários a serem utilizados no cometimento da infração, bem como considera os efeitos concomitantes que resultarão dos meios por ele escolhidos, e em seguida exterioriza sua conduta, colocando em prática tudo aquilo que por ele fora elucubrado.

O iter criminis, assim, é composto pelas seguintes fases:

a) cogitação;

b) preparação;

c) execução;

d) consumação;

e) exaurimento.

Cogitação é aquela fase do iter criminis que se passa na mente do agente.

Uma vez selecionada a infração penal que deseja cometer, o agente começa a se preparar com o fim de obter êxito em sua empreitada criminosa.

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Em seguida, após a cogitação e a preparação, o agente dá início à execução do crime. Quando, efetivamente, ingressa na fase dos atos de execução, duas situações podem ocorrer:

a) o agente consuma a infração penal por ele pretendida inicialmente; ou,

b) em virtude de circunstâncias alheias à sua vontade, a infração não chega a consumar-se, restando, portanto, tentada.

Como última fase do iter criminis, e em somente determinadas infrações penais, temos o chamado exaurimento. É a fase que se situa após a consumação do delito, esgotando-o plenamente.

Merece ser frisado, finalmente, que o iter criminis é um instituto específico para os crimes dolosos, não se falando em caminho do crime quando a conduta do agente for de natureza culposa.

Consumação:

A consumação varia de acordo com a infração penal selecionada pelo agente. Podemos, dessa forma, dizer que ocorre a consumação nos crimes:

a) materiais, omissivos impróprios e culposos → quando se verifica a produção do resultado naturalístico, ou seja, quando há a modificação no mundo exterior.

b) omissivos próprios → com a abstenção do comportamento imposto ao agente.

c) de mera conduta → com o simples comportamento previsto no tipo, não se exigindo qualquer resultado naturalístico.

d) formais → com a prática da conduta descrita no núcleo do tipo, independentemente da obtenção do resultado esperado pelo agente, que, caso aconteça, será considerado como mero exaurimento.

e) qualificados pelo resultado → com a ocorrência do resultado agravador.

f) permanentes → enquanto durar a permanência, uma vez que o crime permanente é aquele cuja consumação se prolonga, perpetua-se no tempo.

Não-punibilidade da cogitação e atos preparatórios:

A lei penal limitou a punição dos atos praticados pelo agente a partir de sua execução, deixando de lado a cogitação e os atos preparatórios.

Em hipótese alguma a cogitação poderá ser objeto de repreensão pelo Direito Penal. Regra geral é que os atos preparatórios não sejam puníveis. Contudo, em determinadas situações, o legislador entendeu por bem punir de forma autônoma algumas condutas que poderiam ser consideradas preparatórias, como nos casos dos crimes de quadrilha ou bando (art. 288, CP) e a posse de instrumentos destinados usualmente à prática de furtos (art. 25, LCP).

Essa punição somente acontece quando o legislador eleva à categoria de infração autônoma um ato que, por sua natureza, seria considerado preparatório ao cometimento de uma outra infração penal, como acontece com o referido crime de quadrilha.

Tentativa perfeita e imperfeita → podemos distinguir a tentativa perfeita e imperfeita. Fala-se em tentativa perfeita, acabada, ou crime falho, quando o agente esgota, segundo o seu entendimento, todos os meios que tinha ao seu alcance a fim de alcançar a consumação da infração penal, que somente não ocorre por circunstâncias alheias à sua vontade. Diz-se imperfeita, ou inacabada, a tentativa em que o agente é interrompido durante a prática dos atos de execução, não chegando, assim, a fazer tudo aquilo que intencionava, visando consumar o delito.

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Tentativa e contravenção penal → Não há possibilidade de falarmos em tentativa de contravenção penal, uma vez que a LCP, considerada especial em relação ao CP, dispõe de modo diverso em seu art. 4º, asseverando “não ser punível a tentativa de contravenção”. Então, somente quando o agente alcançar a consumação de uma contravenção penal é que por ela poderá ser responsabilizado. Neste caso, não sendo permitida, no que diz respeito à tentativa, a chamada adequação típica de subordinação mediata ou indireta, se não houver a consumação, o fato será considerado atípico.

Crimes que não admitem tentativa:

Podemos falar que o crime admite tentativa toda vez que pudermos fracionar o iter criminis. A doutrina, entretanto, especifica alguns delitos que, pelo menos em tese, não admitem a tentativa, ressalvando, sempre, a total impossibilidade de falarmos em tentativa de contravenção penal, em face da norma contida no art. 4º da LCP. Podemos citar os seguintes:

a) Crimes habituais → são delitos em que, para se chegar à consumação, é preciso que o agente pratique, de forma reiterada e habitual, a conduta descrita no tipo.

b) Crimes preterdolosos → fala-se em preterdolo quando o agente atua com dolo na sua conduta e o resultado agravador advém de culpa. Ou seja, há dolo na conduta e culpa no resultado; dolo no antecedente e culpa no conseqüente. Os crimes culposos são delitos que, obrigatoriamente, para sua consumação, necessitam de um resultado naturalístico. Se não houver esse resultado, não há falar em crime culposo.

c) Crimes culposos → quando falamos em crime culposo, queremos dizer que o agente não quis diretamente e nem assumiu o risco de produzir o resultado, ou seja, sua vontade não foi finalisticamente dirigida a causar o resultado lesivo, mas sim que este ocorrera em virtude de sua inobservância para com o seu dever de cuidado. Não se fala, portanto, em tentativa de crimes culposos, uma vez que se não há vontade dirigida à prática de uma infração penal não existirá a necessária circunstância alheia, impeditiva da sua consumação. Contudo, a doutrina costuma excepcionar essa regra dizendo que na chamada culpa imprópria, prevista no §1º do art. 20 do CP, que cuida das descriminantes putativas, pode-se cogitar de tentativa, haja vista que o agente, embora atuando com dolo, por questões de política criminal, responde pelas penas relativas a um delito culposo.

d) Crimes nos quais a simples prática da tentativa é punida com as mesmas penas do crime consumado → Ex: art. 352 do CP – não importa que o agente consiga evadir-se ou somente tenha tentado evadir-se, pois que, para a lei penal, as duas situações são equiparadas, sendo a tentativa punida da mesma forma que o crime consumado. Aqui, na verdade, pode haver tentativa; contudo, isto não conduzirá a qualquer redução na pena aplicada ao agente.

e) Crimes unissubsistentes → unissubsistente é o crime no qual a conduta do agente é exaurida num único ato, não se podendo fracionar o iter criminis. Ex: injúria.

f) Crimes omissivos próprios → nesta modalidade de infração penal, ou o agente não faz aquilo que a lei determina e consuma a infração, ou atua de acordo com o comando da lei e não pratica qualquer fato típico.

Desistência Voluntária e Arrependimento Eficaz

Desistência Voluntária:

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Para que se possa falar em desistência voluntária, é preciso que o agente já tenha ingressado na fase dos atos de execução. Caso ainda se encontre praticando atos preparatórios, sua conduta será considerada um indiferente penal.

O agente interrompe, voluntariamente, os atos de execução, impedindo, por ato seu, a consumação da infração penal, razão pela qual a desistência voluntária também é conhecida por tentativa abandonada.

A lei penal, por motivos de política criminal, prefere punir menos severamente o agente que, valendo-se desse beneficio legal, deixa de persistir na execução do crime, impedindo a sua consumação, do que puni-lo com mais severidade, por já ter ingressado na sua fase executiva. É preferível tentar impedir o resultado mais grave a simplesmente radicalizar na aplicação da pena. É como se a lei, querendo fazer o agente retroceder, interrompendo seus atos de execução, lhe estendesse essa “ponte de ouro”, para que nela pudesse retornar, deixando de prosseguir com seus atos, evitando a consumação da infração penal, cuja execução por ele já havia sido iniciada.

Impõe a lei penal que a desistência seja voluntária, mas não espontânea. Isto quer dizer que não importa se a idéia de desistir no prosseguimento da execução criminosa partiu do agente, ou se foi ele induzido a isso por circunstâncias externas que, se deixadas de lado, não o impediriam de consumar a infração penal. O importante, aqui, como diz Johannes Wessels, “é que o agente continue sendo dono de suas decisões”. Qualquer desistência é boa, desde que voluntária

. Responsabilidade do agente somente pelos atos já praticados → depois que o agente desistiu de prosseguir na execução, teremos de verificar qual ou quais infração(ões) penal(ais) cometeu até o momento da desistência, para que, nos termos da parte final do art. 15 do CP, por ela(s) possa responder.

A finalidade desse instituto é fazer que o agente jamais responda pela tentativa. Isso quer dizer que se houver desistência voluntária o agente não responderá pela tentativa em virtude de ter interrompido, voluntariamente, os atos de execução que o levariam a alcançar a consumação da infração penal por ele pretendida inicialmente. Ao agente é dado o beneficio legal de, se houver desistência voluntária, somente responder pelos atos já praticados, isto é, será punido por ter cometido aquelas infrações penais que antes eram consideradas delito-meio, para a consumação do delito-fim.

Arrependimento Eficaz:

Fala-se em arrependimento eficaz quando o agente, depois de esgotar todos os meios de que dispunha para chegar à consumação da infração penal, arrepende-se e atua no sentido contrário, evitando a produção do resultado inicialmente por ele pretendido.

Natureza jurídica → Para Hungria, são causas de extinção da punibilidade não previstas no art. 107 do CP. Defendendo posição contrária à de Hungria, Frederico Marques, citado por Damásio, concluiu que o caso não é de extinção de punibilidade, mas sim de atipicidade do fato.

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. Desistência voluntária ≠ arrependimento eficaz → Conforme se verifica pela própria redação do art. 15, quando o agente se encontra, ainda, praticando atos de execução, fala-se em desistência se, voluntariamente, a interromper. Já no arrependimento eficaz, o agente esgota tudo aquilo que estava à sua disposição para alcançar o resultado, isto é, pratica todos os atos de execução que entende como suficientes e necessários à consumação da infração penal, mas arrepende-se e impede a produção do resultado. Em síntese, na desistência voluntária, o processo de execução do crime ainda está em curso; no arrependimento eficaz, a execução já foi encerrada

.

Não-impedimento da produção do resultado → Embora o agente tenha desistido voluntariamente de prosseguir na execução ou, mesmo depois de tê-la esgotado, atua no sentido de evitar a produção do resultado, se este vier a ocorrer, o agente não será beneficiado com os institutos da desistência voluntária e do arrependimento eficaz.

Arrependimento Posterior

O arrependimento posterior, inovação trazida pela reforma na parte geral do Código Penal, vem previsto no art. 16 do CP, assim redigido: “Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços”.

O arrependimento posterior é considerado uma causa geral de diminuição de pena.

No item 16 da Exposição de Motivos da nova parte geral do Código Penal, justificou o legislador a criação do instituto do arrependimento posterior dizendo: “Essa inovação constitui providência de Política Criminal e é instituída menos em favor do agente do crime do que da vítima. Objetiva-se, com ela, instituir um estímulo à reparação do dano, nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa”.

Deve ser ressaltado, por oportuno, que o artigo 16 fala em possibilidade de arrependimento posterior até o recebimento da denúncia. Assim, embora oferecida a denúncia, se o juiz não a tiver recebido, o agente poderá beneficiar-se com esta causa geral de diminuição de pena.

O arrependimento posterior só terá cabimento quando o agente praticar uma infração penal cujo tipo não preveja como seus elementos a violência ou a grave ameaça. A violência repelida pelo art. 16 é aquela dirigida contra pessoa, e não contra coisa.

. Tal regra é excepcionada, segundo a posição do STF, que veremos mais adiante, somente quando o agente cometer o crime previsto no inciso VI do §2º do art. 171 do CP (emissão de cheques sem provisão suficiente de fundos), aplicando-se, nessa hipótese, a Súmula 554 daquele Tribunal.

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Contentou-se o art. 16 do CP em permitir a aplicação da causa de diminuição de pena por ele prevista quando o arrependimento posterior for voluntário, não se exigindo, aqui, o requisito da espontaneidade.

Pode ocorrer que terceira pessoa restitua a coisa ou repare o dano em nome do agente. Nessa hipótese, temos, pelo menos, duas correntes. A primeira, cuja interpretação atrela-se à letra da lei, exige a pessoalidade do ato, não permitindo a redução da pena se a reparação do dano ou a restituição da coisa forem levadas a efeito por terceira pessoa. A segunda corrente, numa interpretação mais liberal, permite a aplicação da redução mesmo que a reparação do dano ou a restituição da coisa tenham sido feitas por terceiros.

Reparação ou restituição total → entendemos que a reparação do dano ou a restituição da coisa devam ser totais, e não somente parciais. Existem duas situações que merecem ser objeto de análise. Na primeira delas, que diz respeito à restituição da coisa, esta deve ser total, para que se possa aplicar a redução, não se cogitando, aqui, do conformismo ou da satisfação da vítima quanto à recuperação parcial dos bens que lhe foram subtraídos. Na segunda, ou seja, não havendo mais a possibilidade de restituição da coisa, como quando o agente a destruiu ou dela se desfez, para que se possa falar em arrependimento posterior é preciso que exista a reparação do dano. Nessa situação específica é que devemos aplicar o raciocínio de Alberto Silva Franco, conjugando-se o conformismo da vítima com a reparação parcial do dano levada a efeito pelo agente, para que possa ser ele beneficiado com a redução.

Extensão da redução aos co-autores e partícipes → No caso de dois agentes que praticam um delito, pode acontecer que somente um deles voluntariamente restitua a res furtiva à vítima. Se a restituição tiver sido total, entendemos que ambos os agentes deverão ser beneficiados com a redução, mesmo que um deles não os tenha entregado voluntariamente à vítima. É a posição do STJ (RHC 4.147-1).

Cooperação dolosamente distinta → trata-se da hipótese do §2º do art. 29 do CP. Suponhamos que dois agentes, agindo em concurso, resolvam praticar um crime de furto numa residência. Um dos agentes fica de vigia do lado de fora da residência, enquanto o outro nela adentra. O agente, já no seu interior, não desiste do seu propósito de subtrair e agride o caseiro. Durante a fuga, narra o ocorrido ao outro agente que ali comparecera com o fim de praticar um crime de furto, e não de roubo.

Se, nesse caso, ainda na fase extrajudicial, o agente que tinha a intenção de praticar o crime de furto devolver a res furtiva, poderemos aplicar-lhe a redução do arrependimento posterior? Entendemos que sim, pois que responderá por uma infração penal cujo tipo não prevê como seus elementos o emprego de grave ameaça ou violência contra a pessoa. Somente o agente que desejava praticar o crime de furto é que será beneficiado com a redução do arrependimento posterior, uma vez que responderá por essa infração penal, ficando impossibilitada a sua aplicação ao agente que cometera o crime de roubo, ou seja, aquele que não desistira do propósito criminoso mesmo sabendo da presença do caseiro no interior daquela residência.

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Arrependimento posterior ≠ arrependimento eficaz → a diferença básica entre os institutos reside no fato de que no arrependimento posterior o resultado já foi produzido e no arrependimento eficaz o agente impede a sua produção. Deve ser frisado, ainda, que não se admite a aplicação da redução de pena relativa ao arrependimento posterior aos crimes cometidos com violência ou grave ameaça, não havendo essa restrição para o arrependimento eficaz. No primeiro, há uma redução obrigatória de pena; no segundo, o agente só responde pelos atos já praticados, ficando afastada, portanto, a punição pela tentativa da infração penal cuja execução havia sido iniciada.

. Súmula 554 do STF → Assim está redigida: “O pagamento de cheque sem suficiente provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal”. Numa interpretação a contrario sensu da referida súmula, chegamos à conclusão de que não será possível o início da ação penal se o agente efetuar o pagamento relativo ao cheque por ele emitido sem suficiente provisão de fundos, até o recebimento da denúncia.

A indagação que surge agora é a seguinte: “Terá aplicação a súmula 554 do STF, mesmo diante do instituto do arrependimento posterior?” A maior parte de nossos doutrinadores entendeu de forma positiva, opinando pela aplicação da súmula nos casos específicos de cheques emitidos sem suficiente provisão de fundos, ficando as demais situações regidas pelo art. 16 do CP, quando a ele se amoldarem.

O entendimento sumulado e ratificado posteriormente pelo STF diz respeito tão-somente aos cheques emitidos sem suficiente provisão de fundos, e não àqueles falsamente preenchidos por estelionatários, que não praticam, como sabemos, a infração penal prevista no inciso VI do §2º do art. 171 do CP, mas sim aquela tipificada em seu caput. Nessa hipótese, embora fique afastada a aplicação da súmula 554, impedindo o início da persecutio criminis in judicio, poderá o agente beneficiar-se com a redução relativa ao arrependimento posterior, caso venha a reparar o dano por ele causado.

Reparação do dano após o recebimento da denúncia → se a reparação do dano ou a restituição da coisa é feita por ato voluntário do agente, até o recebimento da denúncia ou da queixa, nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça, aplica-se a causa geral de redução de pena do art. 16 do CP. Se a reparação do dano ou a restituição da coisa é feita antes do julgamento, mas depois do recebimento da denúncia ou da queixa, embora não se possa falar na aplicação da causa de redução de pena prevista no art. 16 do CP, ao agente será aplicada a circunstância atenuante elencada na alínea b do inciso III do art. 65 do diploma repressivo.

Reparação dos danos e a Lei n. 9099/95 → a reparação dos danos recebeu um tratamento muito especial pela Lei n. 9099/95, na parte referente ao Juizado Especial Criminal. Diz o p. único do art. 74 desta lei: “Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação”.

A composição dos danos entre o autor do fato e a vítima, realizada na audiência preliminar (art. 72 da Lei n. 9099/95), terá o condão de fazer com que

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ocorra a extinção da punibilidade (art. 107, V, CP), em face da renúncia legal imposta à vítima ao seu direito de ingressar em juízo com sua queixa-crime, ou mesmo de oferecer sua representação.

A Lei n. 9099/95 não fez distinção, ainda, se a infração penal foi ou não cometida com emprego de violência ou grave ameaça à pessoa. Desde que o crime seja da competência do JECrim, não importando se cometido com violência ou grave ameaça, e se a iniciativa da ação for privada ou pública condicionada à representação, o acordo referente à reparação dos danos, realizado entre o autor do fato e a vítima, resultará em renúncia, por parte desta, ao seu direito de queixa ou de representação.

Crime Impossível

O crime impossível veio previsto no art. 17 do CP, com a seguinte redação: “Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”.

Quando o legislador inicia a redação do artigo que prevê o crime impossível, parte da premissa de que o agente já ingressara na fase dos chamados atos de execução, e a consumação da infração penal só não ocorre por circunstâncias alheias à sua vontade. Por essa razão é que o crime impossível também é conhecido como tentativa inidônea, inadequada ou quase-crime.

Absoluta ineficácia do meio → podemos perceber que o art. 17 do CP considera o crime impossível quando o agente, depois de dar início aos atos de execução tendentes a consumar a infração penal, só não alcança o resultado por ele inicialmente pretendido porque se utilizou de meio absolutamente ineficaz.

Meio é tudo aquilo utilizado pelo agente capaz de ajudá-lo a produzir o resultado por ele pretendido.

O art. 17 do CP fala em meio absolutamente ineficaz. Será aquele de que o agente se vale a fim de cometer a infração penal, mas que, no caso concreto, por mais que o agente queira realizar a conduta descrita no tipo, jamais o conseguirá com a utilização desse meio por ele escolhido, porque absolutamente ineficaz, ou seja, não possui a mínima aptidão para produzir os efeitos pretendidos.

O art. 17 do CP é claro quando diz que somente quando o meio for absolutamente ineficaz é que poderemos falar em crime impossível; caso contrário, quando a ineficácia do meio for relativa, estaremos diante de um crime tentado.

Pelo fato de ser relativamente ineficaz, o meio utilizado pelo agente pode vir ou não a causar o resultado. Na ineficácia absoluta, em hipótese alguma o resultado será alcançado com a sua utilização. Na lição de Hungria, “dá se a inidoneidade relativa do meio quando este, embora normalmente capaz de produzir o evento intencionado, falha no caso concreto, por uma circunstância acidental na sua utilização”.

Absoluta impropriedade do objeto → não só a absoluta ineficácia do meio inibe a punição pelo crime tentado, como também a absoluta impropriedade do objeto.

Objeto, como já conceituamos, é a pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta do agente.

Nessas situações, por mais que o agente quisesse alcançar o resultado por ele pretendido, jamais conseguiria. Isso até por razões de ordem lógica: não se pode matar quem já estava morto; não se pode abortar quando não há gravidez, etc. A consumação dos crimes pretendidos seria, portanto, impossível.

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. Crime impossível e a Súmula 145 do STF → diz a súmula n. 145 do STF: “Não há crime, quando a preparação do flagrante pela policia torna impossível a sua consumação”.

Por intermédio da súmula 145 do STF foi pacificado o entendimento daquela Corte no sentido de que, em determinadas situações, se a policia preparar o flagrante de modo a tornar impossível a consumação do delito, tal situação importará em crime impossível, não havendo, por conseguinte, qualquer conduta que esteja a merecer a reprimenda do Estado.

Uma vez preparado o flagrante pela policia, a total impossibilidade de se consumar a infração penal pretendida pelo agente pode ocorrer tanto no caso de absoluta ineficácia do meio por ele utilizado como no de absoluta impropriedade do objeto

.ANOTAÇÕES COMPLEMENTARES:

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