apostila módulo teoria textual

79
SUMÁRIO SUMÁRIO 1 TEXTOS........................................................ ......................................................2 1.1 Tipos de Textos........................................................ .......................................... 2 1.2 Textos Temáticos e Textos Figurativos................................................... .......... 3 1.3 O Encadeamento de Figuras ou de Temas......................................................... 5 7 2 DESCRIÇÃO..................................................... ................................................. 7 2.1 Apresentação.................................................. .................................................... 7 2.2 O que é um texto descritivo................................ ................... ........................... 8 2.3 Características lingüísticas da descrição..................................................... ....... 10 2.4 Textos descritivos................................................... ........................................... 11 2.5 Considerações Finais........................................................ ................................. 12 3 NARRAÇÃO...................................................... .................................................17 1

Transcript of apostila módulo teoria textual

Page 1: apostila módulo teoria textual

SUMÁRIO

SUMÁRIO

1 TEXTOS.............................................................................................................. 21.1 Tipos de Textos..................................................................................................21.2 Textos Temáticos e Textos Figurativos.............................................................31.3 O Encadeamento de Figuras ou de Temas.........................................................5 7

2 DESCRIÇÃO...................................................................................................... 72.1 Apresentação......................................................................................................72.2 O que é um texto descritivo................................ .............................................. 82.3 Características lingüísticas da descrição............................................................102.4 Textos descritivos.............................................................................................. 112.5 Considerações Finais......................................................................................... 12

3 NARRAÇÃO.......................................................................................................173.1 Elementos Básicos do Texto Narrativo.............................................................173.2 O Espaço na Narrativa 1.................................................................................... 183.3 Tempo Narrativo 1.............................................................................................193.4 Foco e Discurso Narrativo.................................................................................19

4 DISSERTAÇÃO.................................................................................................284.1 Apresentação.....................................................................................................294.2 Considerações a Respeito de Topologia Textual...............................................304.3 A Argumentatividade.........................................................................................314.4 Estratégias Argumentativas do Texto Dissertativo............................................334.5 Os Diferentes Graus de Produtividade Argumentativa..................................... 344.6 Inferências Pragmáticas..................................................................................... 35

5 MECANISMOS DE COESÃO E DE COERÊNCIA5.1 Coesão...............................................................................................................375.2 Coerência.......................................................................................................... 495.3 EXERCÍCIOS....................................................................................................60

1

Page 2: apostila módulo teoria textual

TEXTOS

1.1 Tipos de Textosa) NARRATIVO: Observe no texto narrativo um processo de transformação que faz um ou mais personagens passarem de um estado a outro, estado final transforma o estado inicial, num sentido positivo ou negativo ou, ao contrário, ele confirma e/ou completa o estado inicial.

Macunaíma em São Paulo Quando chegaram em São Paulo, ensacou um pouco do tesouro para comerem e barganhando o resto na bolsa apurou perto de oitenta contos de réis. Maanape era feiticeiro. Oitenta contos não valia muito mas o herói refletiu bem e falou pros manos: ― Paciência. A gente se arruma com isso mesmo, quem quer cavalo sem tacha anda de a-pé... Com esses cobres é que Macunaíma viveu.(ANDRADE, Mário de. Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. 15. ed. São Paulo, Martins, 1968. p. 50.)

b) DESCRITIVO: O texto descritivo procura reproduzir uma imagem, evocando elementos que se situam no espaço.

Subúrbio O subúrbio de S. Geraldo, no ano de 192.... já misturava ao cheiro de estrebaria algum progresso. Quanto mais fábricas se abriam nos arredores, mais subúrbio se erguia em vida própria sem que os habitantes pudessem dizer que a transformação os atingia. Os movimentos já se haviam congestionado e não se poderia atravessar uma rua sem desviar-se de uma carroça que os cavalos vagarosos puxavam, enquanto um automóvel impaciente buzinava lançando fumaça. Mesmo os crepúsculos eram agora enfumaçados e sanguinolentos. De manhã, entre os caminhões que pediam passagem para a nova usina, transportando madeira e ferro, as cestas de peixe se espalhavam pela calçada. vindas através da noite de centros maiores.(LISPECTOR, Clarice. A cidade sitiada. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982. p, 13.)

c) INFORMATIVO: O texto informativo serve para prestar dados e informações acerca de algo, reduzindo o desconhecimento do estado das coisas. Distancia-se, pela sua transparência e objetividade, do uso artístico da linguagem.

Niterói Passear em Niterói pode ser muito divertido para as crianças, principalmente nos fins de semana, quando as barcas estão vazias. O trajeto leva 20 minutos e as saídas são entre 6h e 23h. As embarcações têm capacidade para 2000 pessoas e a passagem custa Cr$ 30,00. Este serviço regular entre as duas cidades completou 155 anos no mês passado e, no Museu das Barcas, em Niterói, foi organizada uma mostra comemorativa que conta um pouco a sua história.(SCHOWB, Liliane. Curtindo perto do Rio. Jornal da Brasil. 5 dez. 1990.)

2

Page 3: apostila módulo teoria textual

d) ARGUMENTATIVO: A argumentação comporta geralmente três etapas: uma idéia diretriz, os argumentos que a justificam e as provas (ou exemplos). Muitos textos não apresentam estas três etapas necessariamente nesta ordem; outros falham nos argumentos e provas. Por isso é bom estarmos atentos para não sermos convencidos por idéias falsas.

São Paulo Que aconteceria, entretanto, se se conseguisse dar de repente, a todos esses párias uma moradia condigna, uma vida segundo padrões civilizados; à altura do que se ostenta nas grandes avenidas do centro, com seu trânsito intenso, suas lojas de Primeiro Mundo e seus yuppies esbaforidos na tarefa de ganhar dinheiro? Aí está outro aspecto da tragédia, também lembrado por Severo Gomes. Explica-se: São Paulo é o maior foco de migrações internas, sobretudo do Nordeste; no dia em que as chagas da miséria desaparecessem e a dignidade da existência humana fosse restaurada em sua plenitude, seriam atraídas novas ondas, migratórias, com maior força imantadora. Assim, surgiriam logo, num círculo vicioso, outros focos de miséria.(CASTRO, Moacir Werneck de. Alarma em São Paulo. Jornal do Brasil, 9 mar, 1991)

e) INJUNTIVO A frase injuntiva é a que exprime uma ordem para que alguém a execute (ou não). O texto injuntivo (ou apelativo) exemplifica o uso da função da linguagem chamada conativa.

Florianópolis Visitando Florianópolis. não deixe de ver no centro da cidade a Praça XV de Novembro, da figueira centenária, o palácio Cruz e Souza. a Catedral Metropolitana e a Câmara dos Vereadores, além de um conjunto arquitetônico representativo de diversas épocas da urbanização de Florianópolis.(Folheto turístico. Fundação Pró-turismo de Florianópolis)

1.2 Textos Temáticos e Textos Figurativos Observe os textos abaixo:

É a vaidade, Fábio, nesta vida, Rosa, que da manhã lisonjeada, Púrpuras mil, com ambição dourada, Airosa rompe, arrasta presumida.

É planta, que de abril favorecida,Por mares de soberba desatada,Florida galeota empavesada,Sulca ufana, navega destemida.

É nau enfim, que em breve ligeireza, Com presunção de Fênix generosa,Galhardias apresta, alentos preza:

Mas ser planta, ser rosa, nau vistosa, De que importa, se aguarda sem defesa

3

Page 4: apostila módulo teoria textual

Penha a nau, ferro a planta, tarde a rosa?(MATOS, Gregório de. In: CÂNDIDO, Antônio e CASTELLO, José Aderaldo. Presença de Literatura Brasileira. São Paulo. Difusão Européia do livro. 1973, vol. 1, p. 73-74).

b) A vaidade é beleza aparente que se exibe, brilha e seduz; é vigor, arrojo, orgulho que crêem tudo poder; é a presunção de perpetuidade que valoriza os brilhos exteriores e momentâneos. Mas ela não tem importância porque a morte é certa. É efêmero o que motiva a vaidade. Os dois textos dizem basicamente a mesma coisa:a) mostram o que é a vaidade, isto é, como se manifesta.b) afirmam que a vaidade é algo sem importância porque a morte vai acabar com tudo o que motiva a vaidade.

Apesar disso, os dois textos são diferentes. Onde reside a diferença? O primeiro usa mais termos concretos: “rosa”, “manhã”, “púrpuras”, “planta”, “galeota”, “nau”, “Fênix”, “penha”, “ferro”, “tarde”. Embora nele haja termos abstratos, são os concretos que determinam o sentido do texto. O segundo utiliza mais palavras abstratas: “beleza”, “vigor”, “arrojo”, “orgulho”, “perpetuidade”, “morte”, “importância”. Para perceber bem essa distinção, observe que o primeiro texto, para dizer que a morte é certa, relaciona a cada um dos termos um instrumento que executa uma ação que conduz à destruição: o rochedo (“penha”) faz o navio ir a pique; a tesoura (“ferro”) corta a planta, o sol (“tarde”) faz a rosa murchar. Aos elementos concretos presentes no texto chamaremos figuras. Aos abstratos, intitularemos temas. Definindo melhor, figuras são palavras ou expressões correspondentes a algo perceptível no mundo natural: substantivos concretos, verbos que indicam atividades físicas, adjetivos que expressam qualidades imediatamente perceptíveis pelo sentido (cores, formas, etc.). Por exemplo, “rosa”, “planta”, “sulcar”, “navegar”, “dourada”, “florida”. Quando falamos em mundo natural não estamos falando só do mundo realmente existente que nos cerca, mas de qualquer realidade criada pela imaginação humana: um homem voador, criado na ficção científica, é uma figura. As figuras servem para representar o mundo. Temas são palavras ou expressões que não correspondem a algo perceptível no mundo natural: substantivos abstratos, verbos relacionados ao mundo interior (amar, raciocinar, etc.) e adjetivos que exprimem qualidades não físicas. Por exemplo, “arrojo”, “orgulho”, “valoriza”, “motiva”, “emocional”. Os temas são termos que servem para organizar, categorizar, ordenar a realidade. Os textos podem ser temáticos ou figurativos. Quando dizemos que um texto é temático ou figurativo não queremos dizer que ele seja construído só com temas ou só com figuras. Um texto será temático ou figurativo quando for predominantemente e não exclusivamente elaborado com temas ou figuras. Assim, o soneto de Gregório de Matos apresentado no começo da lição é figurativo, mas contém termos abstratos como “presunção”, “presumida”. Os textos figurativos produzem um efeito de realidade e, por isso, representam o mundo, são a imagem do mundo; os temáticos explicam as coisas do mundo, ordenam-nas, classificam-nas, interpretam-nas. Os primeiros criam um efeito de realidade porque trabalham com o concreto; os segundos explicam, porque operam com aquilo que é apenas conceito. Nos textos que iniciam este capítulo, isso fica evidente: enquanto, no primeiro, a vaidade é representada pela rosa no esplendor matinal, pela planta viçosa na primavera, pela nau que

4

Page 5: apostila módulo teoria textual

navega ufana e a morte, pela tarde, pelo ferro e pela penha, no segundo, temos a explicação do que é a vaidade (presunção de não morrer; vigor, etc.) e de que a morte é certa. Temático e figurativo são dois níveis de concretização do sentido, isso significa que o texto temático não tem uma cobertura figurativa, mas o texto figurativo tem um nível temático subjacente. O leitor ingênuo permanece no nível figurativo e não é capaz, como faz o leitor mais avisado, de perceber os significados abstratos que estão sob os termos concretos. Aí então acha o soneto de Gregório de Matos uma bobagem porque - pensa ele - a vaidade não é rosa, pois vaidade é um termo abstrato e rosa, um termo concreto. Não percebe o abstrato sob o concreto: penha, ferro e tarde significam morte; abril, primavera, pois é o mês em que essa estação começa no hemisfério norte. Para entender um texto figurativo, é necessário apreender o tema subjacente; para compreender um texto temático, é preciso entender o grande tema que dá coerência aos temas menores, parciais.

1.3 O Encadeamento de Figuras ou de Temas Observe o texto abaixo:Nasce o Sol, e não dura mais que um diaDepois da luz se segue a noite escura,Em tristes sombras morre a formosura, Em contínuas tristezas e alegrias.(Gregório de Matos)

O texto acima é figurativo. Contém as figuras “sol”, “dia”, “dura”, “luz”, “noite escura”, “sombra”. Mesmo os termos “formosura”, “tristezas” e “alegria” estão aqui concretizados: as coisas formosas, os acontecimentos tristes e alegres. Como achar o tema que está por baixo das figuras desse texto, ou por baixo das figuras de qualquer texto? Uma figura não tem significado em si mesma. Cada uma delas implica idéias muito variadas, não traduz noções precisas. Assim, por exemplo, a figura “sol” poderia tanto expressar a vida, quanto a morte. Se uma figura é tão imprecisa a ponto de indicar temas opostos, quando se sabe que o tema encontrado é adequado ao texto? O que dá sentido a uma figura é seu encadeamento com outras. Como num texto tudo é relação, as figuras coordenam-se, organizam-se numa rede. Perceber o sentido de um conjunto articulado de figuras é perceber o sentido do tema subjacente a ele. Como cada conjunto expressa um tema, pode-se dizer que é ele que dá sentido às figuras. Assim, O “sol” expressa “vida”, quando estiver em oposição a outras figuras como “tempestade muito grande”, “nuvens negras no céu”, “inundações”, “destruição de casas”, etc.; exprime “morte”, quando estiver ligado à “ausência de chuva”, “plantas crestadas”, “gado morto”, “marrom”, “calor intenso”, etc. No texto acima, “sol” não está manifestando vida nem morte. O tema do texto é a transitoriedade daquilo que tem valor positivo. Como se chega a esse tema? De um lado estão as figuras “sol”, “luz”, “formosura”, “alegria”, de outro, estão “noite escura”, “tristes sombras”, “contínuas tristezas”. As primeiras indicam elementos positivos e as segundas, negativos. Percebe-se isso, porque as segundas é que são acompanhadas de qualificativos de valor negativos: por exemplo, “tristes”. As figuras “se segue”, e “morre” indicam a transformação das primeiras (as positivas) nas segundas (as negativas) e “não dura mais que um dia” revela a curta duração dos elementos positivos. Daí se conclui o tema do texto: a efemeridade das coisas boas; o caráter passageiro de tudo que é bom.

5

Page 6: apostila módulo teoria textual

Encontrar o tema de um texto figurativo pressupõe perceber redes coerentes formadas pelas figuras. A articulação coerente das figuras é que dá garantias de que a figura “sol” não está expressando a perenidade. Nesse texto, “sol” não significa o astro, mas a luz. Por isso, só dura um dia. Um conjunto de figuras encadeadas precisa ser coerente. Assim, se se pretende figurativizar a seca utilizam-se as figuras “plantas queimadas”, “gado morto”, “terra ressequida”. Até aí o texto está coerente. Mas, se se adicionar “açudes repletos d’água”, “rios transbordantes”, o texto torna-se incoerente. A quebra da coerência interna de uma cadeia de figuras pode criar um texto inverossímil ou criar novos significados. O texto será inverossímil se para um tema como “condições de vida na Antártida” se articularem figuras como “temperaturas elevadas” e “mulheres de biquíni na praia”. No entanto, pode-se quebrar a coerência, para criar novos sentidos. Por exemplo, tome-se o seguinte encadeamento figurativo: “a floresta”, “pássaros cantando”, “animais correndo”, “arroios de límpidas águas”, “O farfalhar das folhas”, etc. Poder-se-ia pensar que se tratasse da paz da natureza o tema desse conjunto. Se se introduzirem aí as figuras “ruído das motos-serra”, “árvores caindo”, altera-se o tema inicial e o texto passa a tratar da “agressão do homem à natureza”. A garantia da apreensão apropriada do tema é a coerência de uma rede de figuras que o manifesta. Essa rede é fruto da solidariedade que num texto as figuras mantêm entre si. São padrões culturais que determinam o que, numa dada época, é ou não coerente no nível das figuras. O mesmo tema pode ser expresso por mais de um conjunto de figuras. O tema da “prepotência” pode ser mostrado por figuras como “ocupar um cargo público”, “bater num carro alheio por imperícia”, “Ir embora sem prestar socorro”; ou então pelo seguinte conjunto: “publicar uma medida provisória”, “a medida ser rejeitada no Congresso”, “reeditá-la”.

Observe agora o texto que vem a seguir: Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos: nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes a vida será de violência e tudo estará perdido. (Discurso de “O grande ditador”, de Charles Chaplin.)

O texto acima é temático, pois apresenta termos como “velocidade”, “época”, “sentimos”, “abundância”, etc. Mesmo um termo como “máquina” está em sentido abstrato significando a capacidade produtiva da máquina. Quando se está diante de um texto figurativo, é necessário compreender o encadeamento das figuras com vistas ao entendimento do tema subjacente. Nele, o tema está num patamar mais profundo. Num texto não figurativo, o tema apresenta-se na superfície. Para entendê-lo, é preciso englobar num tema mais geral que sintetize de maneira ampla todo o conjunto, os temas disseminados ao longo do texto. No texto acima temos os seguintes temas: a paralisação do homem, apesar da velocidade; sua penúria, apesar da abundância criada pelas máquinas; seu ceticismo, apesar de seus conhecimentos; sua dureza e crueldade, apesar de sua inteligência; pensamento em excesso e sentimento em falta; necessidade maior de humanidade, afeição e doçura que de máquina ou inteligência; sem o sentimento, haverá violência e tudo estará perdido. Todos esses temas parciais apresentam um elemento comum: há uma oposição entre sentimento e

6

Page 7: apostila módulo teoria textual

inteligência e o primeiro termo da oposição é que é positivo. Observando o que é comum aos sub-temas, chega-se ao tema geral do texto: O excesso da racionalidade sufoca o sentimento e conduz a perdição da humanidade. Assim como as figuras se encadeiam em conjuntos organizados, também o fazem os temas. Para apreender o tema geral, é preciso perceber esse encadeamento dos temas e depreender a unidade subjacente à diversidade. Os encadeamentos temáticos também devem manter uma coerência interna. Quebrá-la significa construir um texto incoerente ou alterar o tema geral. Suponhamos, por exemplo, que estejamos dissertando sobre a função que tem o Estado moderno de proteger as pessoas mais indefesas. Poderíamos enunciar os temas da educação das crianças e dos cuidados com sua saúde. Se disséssemos que um sistema de aposentadoria seria dispensável, que o Estado não precisaria ocupar-se dos velhos, o texto seria incoerente. Se estivéssemos falando da excelência do serviço público e introduzíssemos o tema da gorjeta aos funcionários, estaríamos alterando o tema geral, que então seria: O serviço público é bom para quem pode corromper. Os temas e as figuras pertencem ao léxico de uma língua. Léxico é o conjunto de palavras da língua. O léxico tem diferentes áreas: as gírias (vocabulário utilizado por um dado grupo social); os regionalismos (vocabulário de uma dada região); os jargões (vocabulários específicos de ocupações profissionais): os estrangeirismos (vocábulos estrangeiros incorporados à nossa língua); os arcaísmos (palavras caídas em desuso); neologismos (termos recentemente criados). Para criar certos efeitos de sentido, um autor pode escolher temas ou figuras de uma dessas regiões especiais do léxico. Por exemplo, muitos arcaísmos na boca de uma personagem pode caracterizar uma época ou ridicularizar a personagem que ainda os utiliza. É, pois, preciso, além de atentar para o encadeamento de figuras ou temas, levar em conta a região do léxico a que pertencem.

DESCRIÇÃO

1 Apresentação Vamos abordar o texto descritivo, sob o ponto de vista da sua produção e funcionamento discursivo, com base na idéia de que um texto se define pela sua finalidade situacional – todo o ato de linguagem tem uma intencionalidade e submete-se a condições particulares de produção, o que exige do falante da língua determinadas estratégias de construção textual. Em cada texto, portanto, podem combinar-se diferentes recursos (narrativos, descritivos, dissertativos), em função do tipo de interação que se estabelece entre os interlocutores. Nesse contexto teórico, o texto descritivo identifica-se por ter a descrição como estratégia predominante. Inserindo-se numa abordagem mais geral sobre os mecanismos de elaboração textual, com base nos conceitos de coesão e coerência, o trabalho pedagógico de leitura e produção do texto de base descritiva deve partir dos seguintes pontos:O texto de base descritiva tem como objetivo oferecer ao leitor / ouvinte a oportunidade de visualizar o cenário onde uma ação se desenvolve e as personagens que dela participam;A descrição está presente no nosso dia-a-dia, tanto na ficção (nos romances, nas novelas, nos contos, nos poemas) como em outros tipos de textos (nas obras técnico-científicas, nas enciclopédias, nas propagandas, nos textos de jornais e revistas);

7

Page 8: apostila módulo teoria textual

A descrição pode ter uma finalidade subsidiária na construção de outros tipos de texto, funcionando como um plano de fundo, o que explica e situa a ação (na narração) ou que comenta e justifica a argumentação;Existem características lingüísticas próprias do texto de base descritiva, que o diferenciam de outros tipos de textos;Os advérbios de lugar são elementos essenciais para a coesão e a coerência do texto de base descritiva, permitindo a localização espacial dos cenários e personagens descritos;O texto descritivo detém-se sobre objetos e seres considerados na sua simultaneidade, e os tempos verbais mais freqüentes são o presente do indicativo no comentário e o pretérito imperfeito do indicativo no relato.

2. O que é um texto descritivo Segundo Othon M. Garcia (1973), "Descrição é a representação verbal de um objeto sensível (ser, coisa, paisagem), através da indicação dos seus aspectos mais característicos, dos pormenores que o individualizam, que o distinguem". Descrever não é enumerar o maior número possível de detalhes, mas assinalar os traços mais singulares, mais salientes; é fazer ressaltar do conjunto uma impressão dominante e singular. Dependendo da intenção do autor, varia o grau de exatidão e minúcia na descrição. Diferentemente da narração, que faz uma história progredir, a descrição faz interrupções na história, para apresentar melhor um personagem, um lugar, um objeto, enfim, o que o autor julgar necessário para dar mais consistência ao texto. Pode também ter a finalidade de ambientar a história, mostrando primeiro o cenário, como acontece no texto abaixo: "Ao lado do meu prédio construíram um enorme edifício de apartamentos. Onde antes eram cinco românticas casinhas geminadas, hoje instalaram-se mais de 20 andares. Da minha sala vejo as varandas (estilo mediterrâneo) do novo monstro. Devem distar uns 30 metros, não mais. E foi numa dessas varandas que o fato se deu." (Mário Prata. 100 Crônicas. São Paulo, Cartaz Editorial, 1997) A descrição tem sido normalmente considerada como uma expansão da narrativa. Sob esse ponto de vista, uma descrição resulta frequentemente da combinação de um ou vários personagens com um cenário, um meio, uma paisagem, uma coleção de objetos. Esse cenário desencadeia o aparecimento de uma série de sub-temas, de unidades constitutivas que estão em relação metonímica de inclusão: a descrição de um jardim (tema principal introdutor) pode desencadear a enumeração das diversas flores, canteiros, árvores, utensílios, etc., que constituem esse jardim. Cada sub-tema pode igualmente dar lugar a um maior detalhe (os diferentes tipos de flor, as suas cores, a sua beleza, o seu perfume...). Em trabalho recente, Hamon (1981) mostra que o descritivo tem características próprias e não apenas a função de auxiliar a narrativa chegando a apontar aspectos lingüísticos da descrição: freqüência de imagens, de analogias, adjetivos, formas adjetivas do verbo, termos técnicos... Além disso, o autor ressalta a função utilitária desempenhada pela descrição face a qualquer tipo de texto do qual faz parte: “descrever para completar, descrever para ensinar, descrever para significar, descrever para arquivar, descrever para classificar, descrever para prestar contas, descrever para explicar”. No texto dissertativo, por exemplo, a descrição funciona como uma maneira de comentar ou detalhar os argumentos contra ou a favor de determinada tese defendida pelo autor. Assim, para analisar o problema da evasão escolar, podemos utilizar como estratégia argumentativa a descrição detalhada de salas vazias, corredores vazios, estudantes desmotivados, repetência. Numa descrição, quer literária, quer técnica, o ponto de vista do autor interfere na produção do texto. O ponto de vista consiste não apenas na posição física do observador, mas

8

Page 9: apostila módulo teoria textual

também na sua atitude, na sua predisposição afetiva em face do objeto a ser descrito. Desta forma existe o ponto de vista físico e o ponto de vista mental.

a) Ponto de vista físico É a perspectiva que o observador tem do objeto; pode determinar a ordem na enumeração dos pormenores significativos. Enquanto uma fotografia ou uma tela apresentam o objeto de uma só vez, a descrição apresenta-o progressivamente, detalhe por detalhe, levando o leitor a combinar impressões isoladas para formar uma imagem unificada. Por esse motivo, os detalhes não são todos apresentados num único período, mas pouco a pouco, para que o leitor, associando-os, interligando-os, possa compor a imagem que faz do objeto da descrição. Observamos e percebemos com todos os sentidos, não apenas com os olhos. Por isso, informações a respeito de roídos, cheiros, sensações tácteis são importantes num texto descritivo, dependendo da intenção comunicativa. Outro fator importante diz respeito à ordem de apresentação dos detalhes

Texto - Trecho de conversa informal (entrevista) “Vamos ver. Bom, a sala tem forma de ele, apesar de não ser grande, né, dá dois ambientes perfeitamente separados. O primeiro ambiente da sala de estar tem um sofá forrado de couro, uma forração verde, as almofadas verdes, ladeado com duas mesinhas de mármore abajur, um quadro, reprodução de Van Gogh. Em frente tem uma mesinha de mármore e em frente a esta mesa e portanto defronte do sofá tem um estrado com almofadas areia, o aparelho de som, um baú preto. À esquerda desse estrado há uma televisão enorme, horrorosa, depois há em frente à televisão duas poltroninhas vermelhas de jacarandá e aí termina o primeiro ambiente. Depois então no outro, no alongamento da sala há uma mesa grande com seis cadeiras com um abajur em cima, um abajur vermelho. A sala é toda pintadinha de branco...” Comentário sobre o texto Neste trecho da entrevista, a informante descreve a sala, nomeando as peças que compõem os dois ambientes, reproduzidos numa seqüência bem organizada. A localização da mobília é fornecida por meio de diversas expressões de lugar, como em frente, defronte, à esquerda, em cima, que ajudam a imaginar com clareza a distribuição espacial. Há uma preocupação da informante em fazer o nosso olhar percorrer a sala, dando os detalhes por meio das cores (verde, areia, reto, vermelhas), do tamanho (televisão enorme, poltroninhas, mesinhas, sala pintadinha). É também interessante observar que essa informante deixa transparecer as suas impressões pessoais, como, por exemplo, ao usar o adjetivo horrorosa, para falar da televisão e pintadinha, no diminutivo, referindo-se com carinho à sua sala de estar e de jantar.

b) Ponto de vista mental ou psicológico A descrição pode ser apresentada de modo a manifestar uma impressão pessoal, uma interpretação do objeto. A simpatia ou antipatia do observador pode resultar em imagens bastante diferenciadas do mesmo objeto. Deste ponto de vista, dois tipos de descrição podem ocorrer: a objetiva e a subjetiva. A descrição objetiva, também chamada realista, é a descrição exata, dimensional. Os detalhes não se diluem, pelo contrário, destacam-se nítidos em forma, cor, peso, tamanho, cheiro, etc. Este tipo de descrição pode ser encontrado em textos literários de intenção realista (por exemplo, em Euclides da Cunha, Eça de Queiroz, Flaubert, Zola), enquanto em textos não-literários (técnicos e científicos), a descrição subjetiva reflete o estado de espírito do

9

Page 10: apostila módulo teoria textual

observador, as suas preferências. Isto faz com que veja apenas o que quer ou pensa ver e não o que está para ser visto. O resultado dessa descrição é uma imagem vaga, diluída, nebulosa, como os quadros impressionistas do fim do século passado. É uma descrição em que predomina a conotação. Ao descrever um determinado ser, tendemos sempre a acentuar alguns aspectos, de acordo com a reação que esse ser provoca em nós. Ao enfatizar tais aspectos, corremos o risco de acentuar qualidades negativas ou positivas. Mesmo usando a linguagem científica, que é imparcial, a tarefa de descrever objetivamente é bastante difícil Apesar dessa dificuldade, podemos atingir um grau satisfatório de imparcialidade se nos tornarmos conscientes dos sentimentos favoráveis ou desfavoráveis que as coisas podem provocar em nós. A consciência disso habilitar-nos-á a confrontar e equilibrar os julgamentos favoráveis ou desfavoráveis. Um bom exercício consiste em fazer dois levantamentos sobre a coisa que queremos descrever: o primeiro, contendo características tendentes a enfatizar aspectos positivos; o segundo, a enfatizar aspectos negativos.

2.3 Características lingüísticas da descrição O enunciado narrativo, por ter a representação de um acontecimento, fazer – transformador é marcado pela temporalidade, na relação situação inicial e situação final, enquanto que o enunciado descritivo, não tendo transformação, é atemporal.

Na dimensão lingüística, destacam-se marcas sintático-semânticas encontradas no texto que vão facilitar a compreensão:

l – Predominância de verbos de estado, situação ou indicadores de propriedades, atitudes, qualidades, usados principalmente no presente e no imperfeito do indicativo (ser, estar, haver, situar-se, existir, ficar).

2 – Ênfase na adjetivação para melhor caracterizar o que é descrito; Exemplo: "Era alto, magro, vestido todo de preto, com o pescoço entalado num colarinho direito. O rosto aguçado no queixo ia-se alargando até à calva, vasta e polida, um pouco amolgado no alto; tingia os cabelos que de uma orelha à outra lhe faziam colar por trás da nuca – e aquele preto lustroso dava, pelo contraste, mais brilho à calva; mas não tingia o bigode; tinha-o grisalho, farto, caído aos cantos da boca. Era muito pálido; nunca tirava as lunetas escuras. Tinha uma covinha no queixo, e as orelhas grandes muito despegadas do crânio”. (Eça de Queiroz - O Primo Basílio)

3 – Emprego de figuras (metáforas, metonímias, comparações, sinestesias). Exemplos: “Era o Sr. Lemos um velho de pequena estatura, não muito gordo, mas rolho e bojudo como um vaso chinês. Apesar de seu corpo rechonchudo, tinha certa vivacidade buliçosa e saltitante que lhe dava petulância de rapaz e casava perfeitamente com os olhinhos de azougue.” (José de Alencar - Senhora)

4 – Uso de advérbios de localização espacial. Exemplo: “Até os onze anos, eu morei numa casa, uma casa velha, e essa casa era assim: na frente, uma grade de ferro; depois você entrava tinha um jardinzinho; no final tinha uma escadinha que devia ter uns cinco degraus; ai você entrava na sala da frente; dali tinha um corredor comprido de onde saíam três portas; no final do corredor tinha a cozinha, depois tinha uma escadinha que ia dar no quintal e atrás ainda tinha um galpão, que era o lugar da bagunça...” (Entrevista gravada para o Projeto NURC/RJ).

10

Page 11: apostila módulo teoria textual

2.4 Textos descritivos Conforme o objetivo a alcançar, a descrição pode ser não-literária ou literária. Na descrição não-literária, há maior preocupação com a exatidão dos detalhes e a precisão vocabular. Por ser objetiva, há predominância da denotação.a) Textos descritivos não-literários A descrição técnica é um tipo de descrição objetiva: ela recria o objeto usando uma linguagem científica, precisa. Esse tipo de texto é usado para descrever aparelhos, o seu funcionamento, as peças que os compõem, para descrever experiências, processos etc. Exemplo: a) Folheto de propaganda de carro Conforto interno – É impossível falar de conforto sem incluir o espaço interno. Os seus interiores são amplos, acomodando tranquilamente passageiros e bagagens. O Passat e o Passat Variant possuem direção hidráulica e ar condicionado de elevada capacidade, proporcionando a climatização perfeita do ambiente. Porta-malas – O compartimento de bagagens possui capacidade de 465 litros, que pode ser ampliada para até 1500 litros, com o encosto do banco traseiro rebaixado. Tanque – O tanque de combustível é confeccionado em plástico reciclável e posicionado entre as rodas traseiras, para evitar a deformação em caso de colisão.

b) Textos descritivos literários Na descrição literária predomina o aspecto subjetivo, com ênfase no conjunto de associações conotativas que podem ser exploradas a partir de descrições de pessoas; cenários, paisagens, espaço; ambientes; situações e coisas. Vale lembrar que textos descritivos também podem ocorrer tanto em prosa como em verso.

c) Descrição de pessoas A descrição de personagem pode ser feita na primeira ou terceira pessoa. No primeiro caso, fica claro que o personagem faz parte da história; no segundo, a descrição é feita pelo narrador, que, ele próprio, pode fazer ou não parte da história.

Texto – Retrato de Mônica Mônica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquíssima, ser dirigente da “Liga Internacional das Mulheres Inúteis”, ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda gente, toda gente gostar dela, colecionar colheres do século XVII, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar de pintura abstrata, ser sócia de todas as sociedades musicais, estar sempre divertida, ser um belo exemplo de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria. Tenho conhecido na vida muitas pessoas parecidas com a Mônica. Mas são só a sua caricatura. Esquecem-se sempre do ioga ou da pintura abstrata. Por trás de tudo isto há um trabalho severo e sem tréguas e uma disciplina rigorosa e contente. Pode-se dizer que Mônica trabalha de sol a sol. De fato, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que possui, Mônica teve de renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade.

Texto – Calisto Elói

11

Page 12: apostila módulo teoria textual

Calisto Elói, naquele tempo, orçava por quarenta e quatro anos. Não era desajeitado de sua pessoa. Tinha poucas carnes e compleição, como dizem, afidalgada. A sensível e dessimétrica saliência do abdômen devia-se ao uso destemperado da carne de porcos e outros alimentos intumescentes. Pés e mãos justificavam a raça que as gerações vieram adelgaçando de carnes. Tinha o nariz algum tanto estragado das invasões do rapé e torceduras do lenço de algodão vermelho. A dilatação das ventas e o escarlate das cartilagens não eram assim mesmo coisa de repulsão. (Camilo Castelo Branco, A queda dum anjo)

Comentário sobre a descrição de pessoas A descrição de pessoas pode ser feita a partir das características físicas, com predomínio da objetividade, ou das características psicológicas, com predomínio da subjetividade. Muitas vezes, o autor, propositadamente, faz uma caricatura do personagem, acentuando os seus traços físicos ou comportamentais. Os personagens podem ser apresentados diretamente, isto é, num determinado momento da história, e neste caso a narrativa é momentaneamente interrompida. Podem, por outro lado, ser apresentados indiretamente, por meio de dados, como comportamentos, traços físicos, opiniões, que vão sendo indicados passo a passo, ao longo da narrativa.

Texto - Trecho de "A Relíquia" (Eça de Queiroz) “Estávamos sobre a pedra do Calvário. Em torno, a capela que a abriga, resplandecia com um luxo sensual e pagão. No teto azul-ferrete brilhavam sóis de prata, signos do Zodíaco, estrelas, asas de anjos, flores de púrpura; e, dentre este fausto sideral, pendiam de correntes de pérolas os velhos símbolos da fecundidade, os ovos de avestruz, ovos sacros de Astarté e Baco de ouro. [...]. Globos espelhados, pousando sobre peanhas de ébano, refletiam as jóias dos retábulos, a refulgência das paredes revestidas de jaspe, de nácar e de ágata. E no chão, no meio deste clarão, precioso de pedraria e luz, emergindo dentre as lajes de mármore branco, destacava um bocado de rocha bruta e brava, com uma fenda alargada e polida por longos séculos de beijos e afagos beatos.”

2.5 Considerações Finais Um enunciado descritivo, portanto, é um enunciado de ser. A descrição não é um objeto literário por princípio, embora esteja sempre presente nos textos de ficção, ela encontra-se nos dicionários, na publicidade, nos textos científicos.

12

Page 13: apostila módulo teoria textual

NARRAÇÃO

1. Elementos Básicos do Texto Narrativo

1) Definição: O texto narrativo se caracteriza por: referência a ações de pessoas, descrição de circunstâncias e de objetos. Os fatos são organizados de modo a mostrar “mudanças progressivas” nas pessoas e nas coisas. O texto de uma reportagem narrativa mostra as mudanças ocorrendo. É como se a realidade fosse recriada aos olhos dos leitores. Um eterno acontecer.

2) Elementos da narração: Personagens, ação e ambiente. Para garantir a verossimilhança dos fatos de uma reportagem temos alguns recursos: humanização do relato; texto de natureza impressionista e objetividade dos fatos narrados. Algumas destas características podem aparecer mais ou menos, conforme o objetivo da reportagem, mas a narração tem que estar sempre presente.

3) Esquema narrativo: Exposição, complicação e resolução. Podendo ser complementado ainda com uma avaliação moral.

4) Foco narrativo: Ponto de vista ou foco narrativo, não importa o conceito que se adote. O primeiro é mais adequado ao jornalismo e o segundo a literatura, embora na teoria literária que os utiliza os dois se confundam.

5) Definição de Foco Narrativo: É a ordenação dos fatos, de natureza diversa, externos ao relator (mesmo quando o narrador é parte dos fatos, isto é, participa da ação que está sendo narrada). No texto comunicativo, os acontecimentos (desde a mais simples notícia até a grande reportagem) situados em uma seqüência temporal, constituem uma narrativa. Narrar tem aqui, diferentes modos de expressão, variando de acordo com o tipo de notícia.

6) Elementos essenciais que ajudam a definir o foco narrativo:situação: compreende a série de acontecimentos (o quê, o quando, o onde, o como, o às vezes, o porquê).intensidade: situa-se em relação as ressonâncias emocionais do fato, a impressão que deixa.ambiente: trata-se da descrição do meio físico (natural) ou mental (influências históricas, psíquicas, sociais e dramáticas) e suas relações com o fato.

A predominância de um desses elementos caracteriza os diferentes modos de narrar.A narração jornalística (processo próprio da notícia) concentra-se na situação. Os fatos objetivos constituem o principal interesse e podem, quando muito, completar-se com antecedentes e conseqüências.A narração em revista pode apresentar depoimentos a partir de um ponto de vista subjetivo, mostrando a intensidade da situação;Em textos interpretativos também podemos revelar uma situação a partir da descrição do ambiente, ou seja, do meio físico, mental, histórico, social, psíquico e dramático.

7) Ordem de narração de uma notícia:1. enumeração dos fatos principais com sua conclusão

13

Page 14: apostila módulo teoria textual

2. fatos que produziram a conclusão3. detalhamento dos fatos principais4. fatos posteriores, conseqüências.

8) Linguagem da narrativa: A narração, no discurso informativo, tem como característica o emprego dominante de substantivos e verbos. O interesse do leitor está centrado nos elementos que tornam possível o desenrolar de acontecimentos: um agente (sujeito), sua ação (verbo) e os pacientes dessa ação e desse sujeito (objetos). As circunstâncias (lugar, tempo, etc.) limitam-se ao registro distanciado.

A partir dessas situações, o redator deverá saber criar um texto objetivo (sem ser telegráfico) e intenso (sem melodramas excessivos). E, para adoção de um ponto de vista crítico, nada de discursos panfletários, adjetivosos. Os próprios fatos, às vezes, contêm, em seu simples narrar, a crítica de si mesmos.

2. O Espaço na Narrativa Os acontecimentos abordados pela imprensa não acontecem num limbo etéreo, mas num espaço determinado. Neste item vamos estudar o espaço dos acontecimentos, recriados nos textos veiculados pela imprensa. Vamos observar algumas convenções para a recriação do espaço segundo José Fiorin e Francisco Savioli (Para entender o texto, 1990):os fatos narrados ou os personagens podem ser distribuídos pelo narrador por lugares distintos do texto;para demarcar os vários planos de oposição espacial entre estes lugares, o narrador instala balizas organizadoras do espaço: o aqui oposto ao aí e ao lá, ou o lado de dentro oposto ao lado de fora;se o narrador tomar, num eixo vertical, o que está no alto, como uma das balizas organizadoras do espaço, fazendo deste ponto o seu aqui, em conseqüência, o que estiver no baixo será o lá. Se, num eixo horizontal, tomar o que está na esquerda como o lá, o que estiver na direita será o aqui;de qualquer forma, haverá sempre nos textos demarcadores, palavras que servem para delimitar os espaços;os demarcadores são, basicamente: adjuntos adverbiais de lugar (aqui, ali, lá, no alto, em São Paulo, etc.), substantivos que denominam espaço (pátria, Brasil, exílio, etc.) ou palavras que designam deslocamento de personagem (saída de casa, ida para Bahia, etc.).

Depois de vermos os elementos necessários para organizar o espaço no texto, passamos a variedade de aspectos que o espaço pode assumir na narrativa:a) Espaço físico: É o cenário natural que serve ao desenrolar da ação e da movimentação das personagens como, também, os elementos de decoração de interiores (Lopes e Reis). O espaço físico de dimensões gerais (a praça, a rua, etc.) como de particulares e restritos (os quartos, as escadas, os pátios). (Antônio Cândido).b) Espaço social: Compreende as atmosferas que reinam em certos ambientes sociais. O que dá forma e significado ao espaço social é tanto a presença nele de personalidades reconhecidas em determinados ambientes, como a de pessoas características destes ambientes, aquelas conhecidas como tipos, quando transportadas para o universo do texto.c) Espaço psicológico: Por se constituir em função da necessidade de tornar evidente atmosferas densas, interfere no comportamento das personagens, perturbando-o. Por isso há estreita relação entre o espaço psicológico e os personagens.

14

Page 15: apostila módulo teoria textual

3. Tempo Narrativo Nós já falamos das vozes narrativas, já vimos alguns exemplos (conto, filme). Agora vamos tratar da questão do tempo na narrativa, que vocês já têm uma idéia de como funciona no cinema (flashbacks, elipses, etc.). O tempo na notícia e no jornalismo diário é sempre o tempo presente. No jornalismo interpretativo, nas reportagens o tempo é uma questão mais complexa. Você pode falar do presente, procurar as causas no passado e apontar para o futuro. Ou ainda, tratar de um evento que aconteceu em 1980, (este será o seu presente histórico) e partir dessa referência para falar do antes e do depois. Em primeiro lugar vamos ver a questão do alcance:Alcance é a distância do afastamento do tempo em direção ao passado, ao futuro ou entre ambos, medido a partir do que, no texto, é considerado o plano do presente. Ex; Semana de 22.Normalmente os planos de tempo são introduzidos por demarcadores: tempos do verbo (está, estava); adjuntos adverbiais (no mês de dezembro) e estações climáticas (no último inverno).Presente histórico é o tempo verbal que aproxima fatos do passado, designando-os como se estivessem ocorrendo no presente. O tempo presente na narrativa não é necessariamente, o do momento da produção do texto. Se você está relatando algo que aconteceu em 1968, esta data é o seu tempo presente, você pode falar do que aconteceu antes e também do que aconteceu depois, a partir dessa referência.

Além disso não existe só o tempo cronológico. Muitas vezes vamos encontrar outros tipos de tempo numa narrativa:1) Tempo psicológico: Não tem correspondência com medidas temporais objetivas porque é composto por uma sucessão de estados internos, subjetivos. Assim, nele, o passado e o presente são momentos imprecisos, fundidos.

2) Tempo físico: é o tempo da natureza, do cosmo. Qualquer sistema de relação entre eventos, em qualquer ponto do Universo, pode medi-lo. Nele, o presente é percebido em função do passado e do futuro.

3) Tempo cronológico: é o tempo do calendário, um tempo socializado, público. Seu marco pode ser um acontecimento qualificado qualquer. O nascimento de Cristo, por exemplo.

4) Tempo lingüístico: Os eventos são organizados a partir de um marco temporal instalado no texto – um “agora” – que como já vimos em item anterior, não é necessariamente o momento da sua produção. É apenas um eixo temporal que define o que é passado e futuro na narrativa.

4. Foco e Discurso Narrativo 1. Foco narrativo Contar (ato de narrar) ou como contar (o estilo pessoal) implicam uma determinada posição do narrador com relação ao acontecimento. Assim, o narrador pode assumir três pontos de vista na narrativa.

a) Narrador participante ou personagem O narrador participante é uma das personagens, principal ou secundária, da sua história; ele está “dentro” da história e “vê” os acontecimentos de dentro para fora. Nesse

15

Page 16: apostila módulo teoria textual

caso, a narrativa, elaborada em 1ª pessoa (eu – nós), tende a ser autobiográfica, memorialista ou confessional. Lembre-se: não se confunde autor com narrador. O autor tem existência real, é uma pessoa que existe fisicamente. O narrador é uma personagem criada pelo autor para contar a história.Coloquei-me acima de minha classe, creio que me elevei bastante. Como lhes disse, fui guia de cego, vendedor de doces e trabalhador de aluguel. Estou convencido de que nenhum desses ofícios me daria os recursos intelectuais necessários para engendrar esta narrativa. (Graciliano Ramos)

b) Narrador observador O narrador observador simplesmente relata os fatos, registrando as ações e as falas das personagens; ele conta, como mero espectador, uma história vivida por terceiros. É a narrativa escrita em 3ª pessoa.O Campos, segundo o costume, acabava de descer do almoço e, a pena atrás da orelha, o lenço por dentro do colarinho, dispunha-se a prosseguir o trabalho interrompido pouco antes. Entrou no escritório e foi sentar-se à secretária. (Aluísio Azevedo)

c) Narrador onisciente O narrador onisciente ou onipresente é uma espécie de testemunha invisível de tudo quanto ocorre, em todos os lugares e em todos os momentos; ele não só se preocupa em dizer o que as personagens fazem ou falam, mas também traduz o que pensam e sentem. Portanto, ele tenta passar para o leitor as emoções, os pensamentos e os sentimentos das personagens.Um segundo depois, muito suave ainda, o pensamento ficou levemente mais intenso, quase tentador: não dê, elas são suas. Laura espantou-se um pouco: por que as coisas nunca eram dela? (Clarice Lispector)

2. Discurso narrativo Na composição de um texto narrativo, o narrador pode reproduzir a fala da personagem, empregando as seguintes possibilidades: discurso direto, discurso indireto, discurso indireto livre.

a) Discurso direto No discurso direto, o narrador reproduz na íntegra a fala das personagens ou interlocutores. Geralmente essa fala é introduzida por travessão. — Bonito papel! Quase três da madrugada e os senhores completamente bêbados, não é? Foi aí que um dos bêbados pediu: — Sem bronca, minha senhora. Veja logo qual de nós quatro é o seu marido que os outros querem ir para casa. (Stanislaw Ponte Preta)

Observe que, no exemplo dado, a fala da personagem é introduzida por um travessão, que deve estar alinhado dentro do parágrafo e ficar no meio da linha (entre a linha de cima e a de baixo). O discurso direto geralmente apresenta verbos de elocução (ou declarativos ou dicendi) que indicam quem está emitindo a mensagem. Os verbos declarativos ou de elocução mais comuns são:

16

Page 17: apostila módulo teoria textual

acrescentar dizer interromper reclamarafirmar esclarecer intervir repetirconcordar exclamar mandar replicarconsentir explicar ordenar respondercontestar gritar pedir retrucarcontinuar indagar perguntar solicitardeclarar insistir prosseguirdeterminar interrogar protestar

Note que esses verbos caracterizam até estados interiores, ou situações emocionais das personagens, como, por exemplo, os verbos protestar, gritar, ordenar e outros. Esse efeito pode ser também obtido com o uso de adjetivos ou advérbios aliados aos verbos de elocução: falou calmamente, gritou histérica, respondeu irritada, explicou docemente. O diálogo representa a fala da personagem, é seu meio de expressão e pode, por isso, apresentar diferentes níveis de linguagem, do falar caipira à gíria citadina.

Oi, brother! Você que manja de uma leitura legal, tem mais é que entrar numa tremenda curtição! Nada de moleza, malandro! Num dia de sol beleza como esse, pegue a sua mina e faça um programa diferente. Se a galera está noutra, vocês podem ir ao clube ou mesmo ao bosque curtir uma leitura maneira.*** Para não perder informação alguma, capitão punha a orelha na boca de cada interlocutor Perguntava: — Mas esse dicumento num é farso? — Nhor não — dizia o correio — Eu tive com o major Chiquinho; e ele falou pra mim que a letra é dele e que vai pagar até a entrada da seca, no mais tardar. (Bernardo Élis)

Nem sempre o autor indica de quem são as falas, já que elas se esclarecem dentro do contexto. O exemplo abaixo ilustra essa possibilidade: O Paranóico só fala no telefone tapando o bocal com um lenço. Para disfarçar a voz. — Podem estar gravando. — Mas você ligou para saber a hora certa! — Nunca se sabe. (Luís Fernando Veríssimo) O diálogo acelera a narrativa, levando o leitor a entrar em contato direto com as personagens. O narrador apenas dá indicações sobre quem fala. Além de imprimir mais dinamicidade e realismo à narração, o diálogo presentifica a história. Os traços lingüísticos do discurso direto revelam a identidade cultural e social da personagem e, ao mesmo tempo, oferecem elementos para sua caracterização psicológica. Segundo Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo), “no plano expressivo, a força da narração em discurso direto provém essencialmente de sua capacidade de atualizar o episódio, fazendo emergir da situação a personagem, tornando-a viva para o ouvinte, à maneira de uma cena teatral, em que o narrador desempenha a mera função de indicador das falas. Estas, na reprodução direta, ganham naturalidade e vivacidade, enriquecidas por elementos lingüísticos tais como exclamações, interrogações, interjeições, vocativos e imperativos, que costumam impregnar de emotividade a expressão oral”.

17

Page 18: apostila módulo teoria textual

Observe o efeito dos diálogos na pequena narração a seguir:Namorados O rapaz chegou-se para junto da moça e disse: —Antônia, ainda não me acostumei com o seu corpo, com a sua cara. A moça olhou de lado e esperou. — Você não sabe quando a gente é criança e de repente vê uma lagarta listada? A moça se lembrava: — A gente fica olhando... A meninice brincou de novo nos olhos dela. O rapaz prosseguiu com muita doçura: — Antônia, você parece uma lagarta listada. A moça arregalou os olhos, fez exclamações. O rapaz concluiu: — Antônia, você é engraçada! Você parece louca.(Manuel Bandeira)

Ao utilizar o discurso direto — diálogos (com ou sem travessão) entre as personagens —, pode-se, quanto à pontuação, optar por um dos três estilos abaixo:

Estilo 1 — Que tal o carro? — perguntou João. — Horroroso! — respondeu Antônio.

Estilo 2João perguntou: “Que tal o carro?”Antônio respondeu: “Horroroso!”

Estilo 3— Estou vendo que você adorou o carro, disse efusivamente João.— Você está redondamente enganado, retrucou Antônio.

Observação: O estilo 3 só deve ser utilizado em caso de oração afirmativa.

b) Discurso indireto No discurso indireto, o narrador exprime indiretamente a fala da personagem. O narrador funciona como testemunha auditiva e passa para o leitor o que ouviu da personagem. Nessa transcrição, o verbo aparece na 3ª pessoa, sendo imprescindível a presença de verbos dicendi (dizer, responder, retrucar, replicar, perguntar, pedir, exclamar, contestar, concordar, ordenar, gritar, indagar, declarar, afirmar, mandar etc.), seguidos dos conectivos que (dicendi afirmativo) ou se (dicendi interrogativo), para introduzirem a fala da personagem na voz do narrador. Observe nos exemplos seguintes os discursos indiretos grifados:“Ele começou, então, a contar que tivera um sonho estranho.”“Todos se calaram para ouvi-lo e ele, muito sério, perguntou qual era o assunto. Informado, prosseguiu dizendo que estava profundamente interessado em colaborar.”“João perguntou se ele estava interessado nas aulas.”

Na narração, para reconstituir a fala da personagem, utiliza-se a estrutura do discurso direto ou do discurso indireto. O domínio dessas estruturas é importante tanto para se

18

Page 19: apostila módulo teoria textual

empregar corretamente os tipos de discurso na redação escolar, como para exercitar a transformação desses discursos exigida em alguns exames vestibulares. Obs.: Os sinais de pontuação (aspas, travessão, dois-pontos) e outros recursos como grifo ou itálico, presentes no discurso direto, não aparecem no discurso indireto, a não ser que se queira insistir na autenticidade do enunciado.

c) Discurso indireto livre Resultante da mistura dos discursos direto e indireto, existe uma terceira modalidade de técnica narrativa, o chamado discurso indireto livre, processo de grande efeito estilístico. É uma espécie de monólogo interior das personagens, mas expresso pelo narrador. Este interrompe a narrativa para registrar e inserir reflexões ou pensamentos das personagens, com as quais passa a confundir-se. As orações do discurso indireto livre são, em regra, independentes, sem verbos dicendi, sem pontuação que marque a passagem da fala do narrador para a fala da personagem, mas com transposições do tempo do verbo (pretérito imperfeito), dos pronomes (lª pessoa) e, como são questionamentos da personagem, os trechos aparecem geralmente com ponto de interrogação. O foco narrativo deve ser de 3ª pessoa. Esse discurso é muito empregado na narrativa moderna, pela fluência e ritmo que confere ao texto. Na passagem do discurso direto para o indireto, cabem as seguintes observações quanto à construção da frase:

DISCURSO DIRETO DISCURSO INDIRETOPresenteO eletricista, irritado, comentou:— Agora é o interruptor que não funciona!

Pretérito imperfeitoO eletricista, irritado, comentou que naquele momento (ou instante) era o interruptor que não funcionava.

Futuro do presentePedrinho gritou:— Só sairei do meu quarto amanhã.

Futuro do pretéritoPedrinho gritou que só sairia do seu quarto (ou do quarto dele) no dia seguinte.

Pretérito perfeitoJá esperei demais, retrucou com indignação.

Pretérito mais-que-perfeitoRetrucou com indignação que já esperava (ou tinha esperado) demais.

ImperativoOlhou-a e disse secamente:— Deixe-me em paz.

Pretérito imperfeito do subjuntivoOlhou-a e disse secamente que ela o deixasse em paz.

Primeira ou segunda pessoaMaria disse:— Não quero sair com Roberto hoje.

Terceira pessoaMaria disse que não queria sair com Roberto naquele dia.

Demonstrativo este ou esseRetirou o livro da estante e acrescentou:— Este é o melhor.

Demonstrativo aqueleRetirou o livro da estante e acrescentou que aquele era o melhor.

Vocativo— Você quer café, João? perguntou a prima.

Objeto indireto na oração principalA prima perguntou a João se ele queria café.

Forma interrogativa ou imperativaAbriu o estojo, contou os lápis e depois perguntou ansiosa:— E o amarelo?

Forma declarativaAbriu o estojo, contou os lápis e depois perguntou ansiosa pelo amarelo.

Advérbios de lugar e de tempo lá, dali, de lá

19

Page 20: apostila módulo teoria textual

aqui daqui agorahoje ontem amanhã

naquele momento, naquela ocasião, entãonaquele dia, no dia anterior, na véspera,no dia seguinte

Pronomes demonstrativos e possessivosessa(s), esta(s) esse(s), este(s)isso, isto meu, minha teu, tua nosso, nossa

aquela(s) aquele(s) aquiloseu, sua (dele, dela)seus, suas (deles, delas)

DISSERTAÇÃO

O Texto Dissertativo – Funções e Características Discursivas

1. Apresentação

20

Os Diferentes Graus de Produtividade Argumentativa

A Alternância entre Indicativo e Subjuntivo

Estrutura Sintática de Subordinação

Conectores Argumentativos

Inferências Pragmáticas

Elaboração de Parágrafo Dissertativo

Estratégias Argumentativas do Texto Dissertativo

A Argumentatividade

Considerações a Respeito da Tipologia Textual

Apresentação

Page 21: apostila módulo teoria textual

Quando queremos defender uma idéia e convencer nosso interlocutor / leitor de nosso ponto de vista, devemos elaborar um tipo de texto que consiga apresentar com clareza nossas hipóteses, justificá-las com base em argumentos, refutar contra-argumentos, exemplificar e encaminhar para conclusões. Enfim, com base em reflexão e raciocínio, orientamos nosso interlocutor / leitor na direção que consideramos a mais acertada. Esse tipo de texto é chamado dissertativo, e corresponde ao que nós conhecemos como um texto científico, um editorial de jornal, um arrazoado jurídico. Nesta unidade, abordaremos algumas características da produção do texto dissertativo, com base na constatação de que a perspectiva do enunciador é a de um conhecer conceitual, que envolve reflexão e raciocínio, e que se apóia no genérico, no abstrato para levar ao ouvinte / leitor o conhecimento pretendido. Aliado a essa perspectiva de conhecimento, vamos encontrar no texto dissertativo, de maneira explícita ou implícita, uma intenção argumentativa, com o objetivo de influenciar, persuadir, convencer o interlocutor, fazendo-o crer em algo, aderir a uma opinião. Esse caráter eminentemente argumentativo faz com que o texto dissertativo possa ser caracterizado como o momento de arregimentação de grande número de recursos lingüísticos, que criam estruturas mais complexas do que as exigidas em textos de base narrativa ou descritiva. Não partimos, com isso, de uma visão de tipologia textual que considere, para cada texto, um só gênero. Ao contrário, trabalhamos com a suposição de que um texto se define por sua finalidade situacional, por sua intencionalidade, argumentatividade, e se submete a condições particulares de produção; portanto, para construí-lo, o falante faz uso de gêneros distintos, combinando-os em função de estratégias discursivas. Resumindo, pretendemos demonstrar que:quando conversamos ou escrevemos, estamos quase sempre tentando convencer nosso interlocutor ou leitor, ou seja, estamos sempre defendendo nossas opiniões e procurando formar a opinião do outro;para elaborarmos textos que encaminhem o leitor/ouvinte a determinadas conclusões, precisamos desenvolver a capacidade de reconhecer e produzir argumentos lógicos;existem determinados recursos lingüísticos que nos ajudam a argumentar, tornando o texto produzido mais convincente.

2. Considerações a Respeito de Topologia Textual Nas atividades de leitura e produção de textos, torna-se necessário trabalhar com uma tipologia textual que possibilite a sistematização dos recursos lingüísticos e dos objetivos que se pretende atingir com a produção de cada modalidade de texto. Costuma-se classificar os textos em narrativos, descritivos, dissertativos, incluídos nesta última categoria os argumentativos. Além desses, há também os textos de procedimento (injunção), em que se detalham as etapas necessárias para a realização de um objetivo (receitas, manuais, leis, regras de funcionamento). Mas convém esclarecer que essas modalidades dificilmente são encontradas em estado puro; elas podem se alternar num mesmo texto, cada uma desempenhando uma determinada função no texto maior: a narração pode ser o eixo condutor do texto, entremeada por descrições de personagens ou cenários; a discussão de um problema pode ser apoiada por pequenas narrativas, ilustrando os argumentos contra ou a favor de um determinado ponto de vista e assim por diante. Há uma dominância de um tipo sobre os demais, definindo-se, portanto, o texto em função da categoria dominante.

21

Page 22: apostila módulo teoria textual

Travaglia (1991) diferencia os textos em dissertativos, narrativos, descritivos e injuntivos, segundo critérios que tomam por base a perspectiva em que o locutor se coloca a respeito do objeto de seu ato comunicativo. Outra distinção é feita, entre textos argumentativos ou não argumentativos, segundo a perspectiva em que o locutor se coloca devido à possibilidade de concordância ou não, de adesão ou não do destinatário ao seu discurso. As duas classificações se superpõem, e um texto descritivo ou narrativo pode ser considerado argumentativo, dependendo de suas condições de produção e da intencionalidade do locutor (as parábolas, os textos publicitários, as peças judiciárias são textos com intenção argumentativa).

Tipologia 1: descrição, narração, dissertação, injunção

Primeiro critério: objetivo com que o texto é produzido

Descrição Caracterizar pessoas, lugares, coisas dar detalhes.

Narração Contar os fatos, os acontecimentos.

Dissertação Refletir, explicar, avaliar, expor idéias, analisar.

Injunção Dizer como fazer, requerer uma ação, levar à realização de uma situação.

Segundo critério: perspectiva em que o locutor (enunciador) se coloca

Descrição Perspectiva no conhecimento do espaço..

Narração Perspectiva da localização no tempo..Dissertação Perspectiva do conhecer, abstraindo-se do tempo e do espaço..

Injunção Perspectiva do fazer posterior ao momento da produção do texto.

“Com isso, a descrição instaura o interlocutor como voyeur do espetáculo; a narração o instaura como o assistente, o espectador não-participante; a dissertação, como ser pensante, que raciocina; e a injunção, como aquele que realiza aquilo que se requer, ou se determina seja feito... (Travaglia, 1991)

Esses tipos de texto mantêm determinadas semelhanças entre si, principalmente no que diz respeito ao tempo de ocorrência no mundo real: a dissertação e a descrição apresentam simultaneidade das situações, enquanto a narração e a injunção exigem seqüencialidade. Narração e injunção são essencialmente discursos do fazer (ações) e do acontecer (fatos, fenômenos). A descrição é essencialmente o discurso do ser e do estar, enquanto a dissertação é o discurso do ser e do conhecer. Uma outra semelhança que deve ser apontada diz respeito à presença, nos três tipos de texto, do ponto de vista ou da opinião de quem os produz, seja de forma explícita, seja de forma implícita. Segundo Platão e Fiorin (1991), “o que distingue um do outro é o modo como esse ponto de vista ou essa opinião vêm manifestados: na dissertação, o enunciador de texto manifesta explicitamente sua opinião ou seu julgamento, usando para isso conceitos abstratos; na descrição, o enunciador, pelos aspectos que seleciona, pela adjetivação escolhida e outros recursos, vai transmitindo uma imagem negativa ou positiva daquilo que

22

Page 23: apostila módulo teoria textual

descreve; na narração, a visão de mundo do enunciador é transmitida por meio de ações que ele atribui aos personagens, por meio da caracterização que faz deles ou das condições em que vivem, e, até mesmo, por comentários sobre os fatos que ocorrem. Todo texto narrativo é figurativo, e, por trás do jogo das figuras, sempre existe um tema implícito. (...) Geralmente, para depreender a visão de mundo implícita nas narrações, é preciso levar em conta que, por trás das figuras existem temas, por trás dos significados de superfície existem significados mais profundos.” (Platão e Fiorin, 1991)

Tipologia 2: discurso da transformação e discurso da cumplicidade

Discurso da transformaçãoO locutor tenta influenciar, persuadir, convencer o interlocutor, fazendo-o crer em algo, realizar algo ou agir de certo modo, procura levar o interlocutor a aderir ao seu discurso.

Discurso da cumplicidade.O locutor considera que o destinatário concorda com ele, adere ao seu discurso, é seu cúmplice. O discurso da transformação corresponde ao que é chamado especificamente de texto argumentativo, porque a intenção de convencer, persuadir se apresenta de maneira explícita. Embora, normalmente, o texto de intenção argumentativa se realize sob a forma de texto dissertativo, podem ocorrer intercalados trechos descritivos ou narrativos, funcionando como exemplificações das teses defendidas. Textos puramente descritivos ou narrativos podem ter também um forte caráter argumentativo, de discurso de transformação, como as parábolas, as fábulas e os apólogos.

3. A Argumentatividade Com base nos critérios definidos por Travaglia, o texto dissertativo deve ser caracterizado por seu caráter eminentemente argumentativo. Discutiremos, inicialmente, portanto, o conceito argumentatividade Koch, em Argumentação e Linguagem, define a argumentatividade como a característica essencial da interação social que se dá por intermédio da linguagem humana – todo ato de linguagem possui traços que o identificam com o ato de argumentar. Nesse contexto teórico, o texto dissertativo pode ser definido como um texto altamente argumentativo, reunindo estratégias lingüísticas de grande complexidade:estruturas sintáticas predominantemente subordinadas;uso de formas verbais que marcam a hipótese;maior grau de indefinitude do sujeito;vocabulário mais abstrato;temporalidade presente, futura, habitual;alta freqüência de conectores coesivos e de operadores de modalização.

“A interação social por intermédio da língua caracteriza-se, fundamentalmente, pela argumentatividade. Como ser dotado de razão e vontade, o homem, constantemente, avalia, julga, critica, isto é, forma juízos de valor. Por outro lado, por meio do discurso – ação

23

Page 24: apostila módulo teoria textual

verbal dotada de intencionalidade – tenta influir sobre o comportamento do outro ou fazer com que compartilhe determinadas de suas opiniões. É por esta razão que se pode afirmar que o ato de argumentar constitui o ato lingüístico fundamental, pois a todo e qualquer discurso subjaz uma ideologia, na acepção mais ampla do termo. A “neutralidade” é apenas um mito: o discurso que se pretende “neutro”, ingênuo, contém também uma ideologia – a da sua própria objetividade. A aceitação desse postulado faz cair por terra a distinção entre o que tradicionalmente se costuma chamar dissertação e de argumentação, visto que a primeira teria de limitar-se, apenas, à exposição de idéias alheias, sem nenhum posicionamento pessoal. Ocorre, porém, que a simples seleção das opiniões a serem reproduzidas já implica, por si mesma, uma opção ...” (Koch, Argumentação e linguagem, 1984 :19) Em outro estudo, Koch reforça esse conceito de argumentatividade, afirmando que o uso da linguagem é essencialmente argumentativo “Quando interagimos através da linguagem, temos sempre objetivos, fins a serem atingidos; há relações que desejamos estabelecer, efeitos que pretendemos causar, comportamentos que queremos ver desencadeados, isto é, pretendemos atuar sobre o(s) outros(s) de determinada maneira, obter dele(s) determinadas reações (verbais ou não verbais), É por isso que se pode afirmar que o uso da linguagem é essencialmente argumentativo: pretendemos orientar os enunciados que produzimos no sentido de determinadas conclusões (com exclusão de outras). Em outras palavras, procuramos dotar nossos enunciados de determinada força argumentativa. Ora, toda língua possui, em sua Gramática, mecanismos que permitem indicar a orientação argumentativa dos enunciados: a argumentatividade está inscrita na própria língua. É a esses mecanismos que se costuma denominar marcas lingüísticas da argumentação." (Koch, A Inter-ação pela linguagem) A argumentação apóia-se em dois elementos principais – a consistência do raciocínio e a evidência das provas. A lógica argumentativa exige a presença de uma idéia básica – que será defendida durante o texto – , de argumentos intermediários – inferências, provas, testemunhos, ilustrações, causas e efeitos, dados estatísticos – , e conclusões – afirmações generalizantes “Na argumentação, além de expor e explicar idéias, procuramos principalmente formar a opinião do leitor ou ouvinte, tentando convencê-lo de que a razão está conosco, de que nós é que estamos de posse da verdade. Argumentar é, em última análise, Convencer ou tentar convencer mediante a apresentação de razões, em face das provas e à luz de um raciocínio coerente e consistente.” (Othon M. Garcia, Comunicação em Prosa Moderna, pag 370)

4. Estratégias Argumentativas do Texto Dissertativo Para defender uma idéia, tentando informar e, se possível, convencer nosso interlocutor, precisamos comprová-la e justificá-la. Algumas estratégias se destacam como essenciais ao processo de argumentação:comprovação das declarações: “toda declaração que expresse opinião pessoal ou pretenda estabelecer a verdade só terá validade se devidamente demonstrada, isto é, se apoiada ou fundamentada na evidência dos fatos, quer dizer, acompanhada de prova.”alternância entre declarações com que o interlocutor tenha maior ou menor familiaridade, com graus distintos de exigência de comprovação: existem premissas que são conhecidas por todo mundo, são pressupostas, não exigindo muita comprovação; a alternância entre assuntos com graus distintos de produtividade argumentativa ajuda a distrair a atenção do ouvinte para possíveis pontos polêmicos que vêm misturados; as estratégias utilizadas pelo locutor são escolhidas, portanto, em função do grau de aceitação ou de contestação que as premissas defendidas possam desencadear.

24

Page 25: apostila módulo teoria textual

repetição e acumulação de detalhes: insistindo sobre um tema, apresentando-o através da mesma idéia ou através de idéias contraditórias, podemos torná-lo mais familiar ao ouvinte, facilitando a compreensão e a aceitação de nossas teses.evocação do concreto, através da narração de fatos ou descrição de lugares, pessoas ou coisas: para criar a emoção, a especificação é indispensável, já que esquemas abstratos e noções gerais não agem sobre a imaginação do ouvinte. Os quatro itens acima demonstram que a questão dos níveis de abstração é um ponto fundamental entre as estratégias argumentativas. Em função delas, podemos apontar as estratégias lingüísticas, propriamente ditas:a escolha das palavras não pode ser neutra: em função do ouvinte e da situação, a escolha dos termos é importante: cada palavra possui uma rede de associações coletivas e individuais, que podem ser decisivas no processo argumentativoa escolha da modalidade afirmativa X negativa deve ser marcada pela intenção discursiva: quando se elabora um enunciado afirmativo, destaca-se uma característica, contra todas as outras possíveis; no caso de uma formulação negativa, reage-se contra uma afirmação real ou virtual de outrem, com a possibilidade de utilizá-la como contra-argumento (intertextualidade) interrogar é um recurso retórico de alta eficácia: a interrogação é utilizada para encaminhar o raciocínio na direção desejada, exprimindo um julgamento, e pode também servir para ironizar uma possível contra-argumentaçãoo tempo verbal atua no espírito do interlocutor: os tempos verbais são responsáveis por recursos expressivos: o passado é o fato irrefutável, o imperfeito é o transitório, o presente é a lei universal, o normal, o sentimento de presença, a ponte para a generalização. Mattoso Câmara também comenta sobre os valores expressos pelos tempos verbais: “Os tempos verbais do indicativo são usados com valor modal e podem perder toda a expressão temporal em proveito desse valor. Neste caso, há:1) uma oposição entre presente (para expressão da segurança) e futuro do presente (para expressão da dúvida); 2) uma oposição entre presente (para expressão da realidade) e pretérito imperfeito (para expressão da irrealidade);3) uma oposição entre futuro do presente (expressão da possibilidade) e o futuro do pretérito (expressão da impossibilidade). Por outro lado, o futuro do presente pode ter valor modal de imperativo”. (Mattoso, 70: 211)a indeterminação nominal e pronominal pode ser responsável por um caráter mais objetivo, que parece conferir mais respeitabilidade aos argumentos: o emprego da indeterminação ou da terceira pessoa indefinida pode ter como efeito diminuir a responsabilidade do sujeito, criando uma distância entre o que é dito e aquele que fala;a subordinação (hipotaxe): é a construção argumentativa por excelência.a presença de conectores argumentativos: essenciais à logicidade.o uso das marcas formais das modalidades do possível, do necessário, da certeza, da probabilidade: seu poder de atuação é muito maior se combinadas às outras marcas, na busca da adesão do interlocutor.inferências pragmáticas: fazem parte do processo argumentativoa alternância de trechos narrativos, como exemplificação de hipóteses “Qualquer que seja a maneira pela qual o exemplo é apresentado, em qualquer domínio em que se desenvolva a argumentação, o exemplo invocado deverá, para ser encarado como tal, ser reconhecido como fato, ao menos provisoriamente (...) A rejeição ao exemplo, seja por ele ser contrário à verdade histórica, seja porque podemos opor razões convincentes à generalização proposta, enfraquecerá consideravelmente a adesão à tese que

25

Page 26: apostila módulo teoria textual

queremos justificar. Realmente, a escolha do exemplo, enquanto elemento de prova, transforma o orador em uma espécie de avalista.” (Perelman & Olbrechts-Tyteca, 1988 :475)

Vamos abordar com maior detalhe alguns desses aspectos:os diferentes graus de produtividade argumentativaa alternância entre indicativo e subjuntivo para contrapor a realidade e a hipóteseestrutura sintática de subordinação para expressão da complexidade de relação entre as idéiasconectores argumentativosinferências pragmáticasa elaboração do parágrafo dissertativo

5. Os Diferentes Graus de Produtividade Argumentativa “O discurso argumentativo caracteriza-se pelo fato de seus componentes serem enunciados com o objetivo de fazer o interlocutor concordar com um ponto de vista. Ele se opõe ao discurso demonstrativo, ao discurso da evidência e da prova, que têm força de lei e não oferecem matéria para discussão. O discurso argumentativo é o discurso da convicção: o esforço do locutor para persuadir corresponde à possibilidade de discordância que ele pressupõe existir. O discurso argumentativo engendra discursos argumentativos que se encadeiam na conversação, seguindo uma dinâmica de alternância entre os interlocutores; em entrevistas sociolingüísticas, a articulação se faz de acordo com a dinâmica pessoal do informante, por conta das simulações propostas pelo entrevistador. Na argumentação, o exemplo corresponde à ilustração de uma generalização; serve para apoiar uma posição (subjetiva) por referência ao real (objetivo).” (Vincent & Laforest, 1992: 2) Declarações, apreciações, julgamentos, pronunciamentos expressam opinião pessoal, indicam aprovação ou desaprovação. Para serem considerados como aceitáveis por nosso interlocutor, exigem comprovação. Portanto, é necessário exemplificar, apresentar fatos que demonstrem ou provem a validade dos argumentos. Precisamos diferenciar as declarações em função da necessidade ou não de comprovação. São declarações que não precisam de provadeclaração que expressa uma verdade universalmente aceita;declaração que é evidente por si mesma (axiomas, postulados);declarações que têm o apoio de autoridade (testemunho autorizado);declarações que escapam ao domínio puramente intelectual:a. de natureza sentimentalb. de ordem estéticac. de origem religiosa

A partir da relação entre a propriedade exemplificada e a possibilidade de desacordo estabelecem-se diferentes níveis de produtividade argumentativa. Quanto mais genérica e universal for a propriedade, mais ela pode ser contestada pelo interlocutor, já que é possível que ele tenha tantas informações sobre o assunto quanto o emissor. Esse fato obriga o emissor a utilizar inúmeros recursos argumentativos, como exemplos e argumentos de diversas espécies. Quanto mais específica e personalizada a tese defendida, menor a probabilidade de desacordo por parte do interlocutor, e, portanto, menor a necessidade de comprovação. Entre essas duas situações extremas existem posições intermediárias, que mesclam características dos dois tipos antagônicos:1. axiomas: premissas que são admitidas como universalmente verdadeiras, sem exigência de demonstração;

26

Page 27: apostila módulo teoria textual

questões gerais: questões de caráter geral, que não gozam da unanimidade de um axioma, exigindo, portanto, algum tipo de comprovação no caso de se tentar defender alguma hipótese em relação a suas características;propriedades atribuídas a uma pessoa, coisa ou lugar conhecido, tanto pelo locutor, como pelo interlocutor, e que, portanto, exigem também um esforço do locutor para comprovar as afirmações apresentadas:propriedades atribuídas a si mesmo, que, por serem de conhecimento apenas do locutor, apresentam baixa probabilidade de contestação:propriedades factuais, que, na escala de produtividade argumentativa, seriam as menos comprometedoras para o locutor, já que não podem ser conferidas nem questionadas.

6. Inferências Pragmáticas Quando observamos um fato ou ouvimos uma frase, tiramos certas conclusões a partir de dados que se encontravam implícitos, ou seja, contidos no fato ou na frase. Não é necessário que todas as idéias sejam explicitadas para que possamos tirar nossas conclusões.Por exemplo:a. “Flamengo vende seus melhores jogadores” (podemos concluir que o clube está em crise financeira, pois a palavra melhores é inaceitável dentro de circunstâncias normais)b. “Só agora sai a lista dos convocados para a Seleção” (a presença de só agora faz supor que Brasil está atrasado para a Copa)c. “Indústria demite dois mil funcionários só este mês” (o alto número combinado à expressão adverbial só este mês leva o leitor a deduzir que as indústrias estão em crise) Podemos tirar essas conclusões porque as frases apresentam indícios que serão completados por nosso conhecimento da realidade brasileira, do contexto sócio-cultural-econômico em que vivemos. Estamos, portanto, sempre complementando e interpretando o que vemos e ouvimos com nosso repertório de informações.

Inferi é concluir, é deduzir pelo raciocínio apoiado em indícios contextuais e no conhecimento de mundo.

Alguns exemplos de como a consciência das possíveis inferências podem ajudar na construção do texto argumentativo – cada idéia relacionada à idéia central pode ser a base para o desenvolvimento de um dos argumentos ou contra-argumentos do texto a ser produzido:

O carnaval foi menos violento este ano.Inferência 1 – o carnaval foi mais violento em anos anteriores Inferência 2 – houve campanhas de esclarecimento à população Inferência 3 – o maior policiamento nas ruas evitou a violência Inferência 4 – o governo se empenhou mais na proteção ao cidadão

Governo vai intervir nos planos de saúde.Inferência 1 – há problemas sérios de desrespeito ao cidadão nessa área Inferência 2 – o pais não tem uma política de saúde pública que proteja o cidadãoInferência 3 – os planos de saúde vão tomar medidas de retaliação como conseqüência das medidas do governo

27

Page 28: apostila módulo teoria textual

O brasileiro nunca viajou tanto para o exteriorInferência 1 – houve uma mudança nos hábitos do brasileiroInferência 2 – o brasileiro não está valorizando o Brasil Inferência 3 – o brasileiro está tendo alto poder aquisitivoInferência 4 – o turismo no exterior é mais baratoInferência 5 – aumentou o contrabando de produtos estrangeiros

MECANISMOS DE COESÃO E COERÊNCIA

COESÃO

28

Apresentação

Considerações sobre o Conceito de Coerência

Considerações sobre o Conceito de Coerência

Page 29: apostila módulo teoria textual

São variadas as maneiras como os diversos autores descrevem e classificam os mecanismos de coesão. Consideramos que é necessário perceber como esses mecanismos estão presentes no texto (quando estão) e de que maneira contribuem para sua tecitura, sua organização. Para Mira Mateus (1983), “todos os processos de seqüencialização que asseguram (ou tornam recuperável) uma ligação lingüística significativa entre os elementos que ocorrem na superfície textual podem ser encarados como instrumentos de coesão.” Esses instrumentos se organizam da seguinte forma:

FrásicaInterfrásica (junção)

Gramatical TemporalReferencial Anáfora

CatáforaCoesão

29

Tipos de Coerência

Semântica

Estilística

Tipos de coesão

Sintática

Pragmática

Mecanismos de Coesão

Coesão Lexical

Coesão Gramatical

Reiteração

Substituição

Frásica

Interfrásica

Referencial

Temporal

Page 30: apostila módulo teoria textual

ReiteraçãoLexical Sinonímia

Substituição AntonímiaHiperonímiaHiponímia

1. Coesão Gramatical Faz-se por meio das concordâncias nominais e verbais, da ordem dos vocábulos, dos conectores, dos pronomes pessoais de terceira pessoa (retos e oblíquos), pronomes possessivos, demonstrativos, indefinidos, interrogativos, relativos, diversos tipos de numerais, advérbios (aqui, ali, lá, aí), artigos definidos, de expressões de valor temporal. De acordo com o quadro antes apresentado, passamos a ver separadamente cada um dos tipos de conexão gramatical, a saber, frásica, interfrásica, temporal e referencial.

Coesão Frásica – este tipo de coesão estabelece uma ligação significativa entre os componentes da frase, com base na concordância entre o nome e seus determinantes, entre o sujeito e o verbo, entre o sujeito e seus predicadores, na ordem dos vocábulos na oração, na regência nominal e verbal. Exemplos:

1) Florianópolis tem praias para todos os gostos, desertas, agitadas, com ondas, sem ondas, rústicas, sofisticadas.Concordância nominal

praias desertas, agitadas, rústicas, sofisticadas(subst.) (adjetivos)

todos os gostos(pron.) (artigo) (substantivo)

Concordância verbal

Florianópolis tem(sujeito) (verbo)

2) A voz de Elza Soares é um patrimônio da música brasileira. Rascante, oclusiva, suingada,é algo que poucas cantoras, no mundo inteiro, têm.Concordância nominal

voz rascante, oclusiva, suingada poucas cantorasmúsica brasileiramundo inteiro

Concordância verbal

30

Page 31: apostila módulo teoria textual

voz é

cantoras têm

Com respeito à ordem dos vocábulos na oração, deslocamentos de vocábulos ou expressões dentro da oração podem levar a diferentes interpretações de um mesmo enunciado. Observe estas frases:

a) O barão admirava a bailarina que dançava com um olhar lânguido. A expressão com um olhar lânguido, devido à posição em que foi colocada, causa ambigüidade, pois tanto pode se referir ao barão como à bailarina. Para deixar claro um ou outro sentido, é preciso alterar a ordem dos vocábulos.

O barão, com um olhar lânguido, admirava a bailarina que dançava.

O barão admirava a bailarina que, com um olhar lânguido, dançava.

b) A moto em que ele estava passeando lentamente saiu da estrada.. A análise deste período mostra que ele é formado de duas orações: A moto saiu da estrada e em que ele estava passeando. A qual das duas, no entanto, se liga o advérbio lentamente? Da forma como foi colocado, pode se ligar a qualquer uma das orações. Para evitar a ambigüidade, recorremos a uma mudança na ordem dos vocábulos. Poderíamos ter, então:

A moto em que lentamente ele estava passeando saiu da estrada.

A moto em que ele estava passeando saiu lentamente da estrada.

Também em relação à regência verbal, a coesão pode ficar prejudicada se não forem tomados alguns cuidados. Há verbos que mudam de sentido conforme a regência, isto é, conforme a relação que estabelecem com o seu complemento. Por exemplo, o verbo assistir é usado com a preposição a quando significa ser espectador, estar presente, presenciar. Exemplo: A cidade inteira assistiu ao desfile das escolas de samba. Entretanto, na linguagem coloquial, este verbo é usado sem a preposição. Por isso, com freqüência, temos frases como: Ainda não assisti o filme que foi premiado no festival. Ou A peça que assisti ontem foii muito bem montada (ao invés de a que assisti). No sentido de acompanhar, ajudar, prestar assistência, socorrer, usa-se com proposição ou não. Observe: O médico assistiu ao doente durante toda a noite. Os Anjos do Asfalto assistiram as vítimas do acidente. No que diz respeito à regência nominal, há também casos em que os enunciados podem se prestar a mais de uma interpretação. Se dissermos A liquidação da Mesbla foi realizada no fim do verão, podemos entender que a Mesbla foi liquidada, foi vendida ou que a Mesbla promoveu uma liquidação de seus produtos. Isso acontece porque o nome liquidação está acompanhado de um outro termo (da Mesbla). Dependendo do sentido que queremos dar à frase, podemos reescrevê-la de duas maneiras:

A Mesbla foi liquidada no fim do verão.

31

Page 32: apostila módulo teoria textual

A Mesbla promoveu uma liquidação no fim do verão.

Coesão Interfrásica – designa os variados tipos de interdependência semântica existente entre as frases na superfície textual. Essas relações são expressas pelos conectores ou operadores discursivos. E necessário, portanto, usar o conector adequado à relação que queremos expressar. Seguem exemplos dos diferentes tipos de conectores que podemos empregar:

a) As baleias que acabam de chegar ao Brasil saíram da Antártida há pouco mais de um mês. No banco de Abrolhos, uma faixa com cerca de 500 quilômetros de água rasa e cálida, entre o Espírito Santo e a Bahia, as baleias encontram as condições ideais para acasalar, parir e amamentar. As primeiras a chegar são as mães, que ainda amamentam os filhotes nascidos há um ano. Elas têm pressa, porque é difícil conciliar amamentação e viagem, já que um filhote tem necessidade de mamar cerca de 100 litros de leite por dia para atingir a média ideal de aumento de peso: 35 quilos por semana. Depois, vêm os machos, as fêmeas sem filhote e, por último, as grávidas. Ao todo, são cerca de 1000 baleias que chegam a Abrolhos todos os anos. Já foram dezenas de milhares na época do descobrimento, quando estacionavam em vários pontos da costa brasileira. Em 1576, Pero de Magalhães Gândavo registrou ter visto centenas delas na baia de Guanabara.

(Revista VEJA, nº 30, julho/97)

b) Como suas glândulas mamárias são internas, ela espirra o leite na água.(idem)

c) Ao longo dos meses, porém, a música vai sofrendo pequenas mudanças, até que, depois de cinco anos, é completamente diferente da original.

(idem)

d) A baleia vem devagar, afunda a cabeça, ergue o corpanzil em forma de arco e desaparece um instante. Sua cauda, então, ressurge gloriosa sobre a água como se fosse uma enorme borboleta molhada. A coreografia dura segundos, porém tão grande é a baleia que parece um balé em câmara lenta. (idem)e) Tão grande quanto as baleias é a sua discrição. Nunca um ser humano presenciou uma cópula de jubartes, mas sabe-se que seu intercurso é muito rápido, dura apenas alguns segundos.

(idem)

f) A jubarte é engenhosa na hora de se alimentar. Como sua comida costuma ficar na superfície, ela mergulha e nada em volta dos peixes, soltando bolhas de água. Ao subir, as bolhas concentram o alimento num círculo. Em seguida, a baleia abocanha tudo, elimina a água pelo canto da boca e usa a língua como uma canaleta a fim de jogar o que interessa goela adentro.

(idem)

g) Várias publicações estrangeiras foram traduzidas, embora muitas vezes valha a pena comprar a versão original.

(idem)

32

Page 33: apostila módulo teoria textual

i) Como guia de Paris, o livro é um embuste. Não espere, portanto, descobrir através dele o horário de funcionamento dos museus. A autora faz uma lista dos lugares onde o turista pode comprar roupas, óculos, sapatos, discos, livros, no entanto, não fornece as faixas de preço das lojas.

(idem)

i) Se já não é possível espantar a chicotadas os vendilhões do templo, a solução é integrá-los à paisagem da fé. (..) As críticas vêm não só dos vendilhões ameaçados de ficar de fora, mas também das pessoas que freqüentam o interior do templo para exercer a mais legítima de suas funções, a oração.

(Revista VEJA, nº27. julho/97)

j) Na verdade, muitos habitantes de Aparecida estão entre a cruz e a caixa registradora. Vivem a dúvida de preservar a pureza da Casa de Deus ou apoiar um empreendimento que pode trazer benesses materiais.

(idem)

l) A Igreja e a prefeitura estimam que o shopplng deve gerar pelo menos 1000 empregos.(idem)

m) Aparentemente boa, a infra-estrutura da Basílica se transforma em pó em outubro, por exemplo, quando num único fim de semana surgem 300 mil fiéis.

(idem)

n) O shopping da fé também contará com um centro de eventos com palco giratório.(idem)

Conectores: e (exemplos a, d ,f) - liga termos ou argumentos. porque (exemplo a), já que (exemplo a), como (exemplos b, f)- introduzem uma

explicação ou justificativa. para (exemplos a, i), a fim de (exemplo f) - indicam uma finalidade. porém (exemplos c, d), mas (e) , embora (g), no entanto (h) - indicam uma

contraposição. como (exemplo d), tão ... que (exemplo d), tão ... quanto (exemplo e) - indicam uma

comparação. portanto (h) - evidencia uma conclusão. Depois (a) , por último (a), quando (a), já (a), ao longo dos meses (c), depois de cinco

anos (c), em seguida (f), até que (c) - servem para explicar a ordem dos fatos, para encadear os acontecimentos.

então (d) - operador que serve para dar continuidade ao texto. se (exemplo i) - indica uma forma de condicionar uma proposição a outra. não só...mas também (exemplo i) - serve para mostrar uma soma de argumentos. na verdade (exemplo j) - expressa uma generalização, uma amplificação. ou (exemplo j) - apresenta um disjunção argumentativa, uma alternativa. por exemplo (exemplo m) - serve para especificar o que foi dito antes. também (exemplo n) - operador para reforçar mais um argumento apresentado.

Ainda dentro da coesão interfrásica, existe o processo de justaposição, em que a coesão se dá em função da seqüência do texto, da ordem em que as informações, as

33

Page 34: apostila módulo teoria textual

proposições, os argumentos vão sendo apresentados. Quando isto acontece, ainda que os operadores não tenham sido explicitados, eles são depreendidos da relação que está implícita entre as partes da frase. O trecho abaixo é um exemplo de justaposição.

Foi em cabarés e mesas de bar que Di Cavalcanti fez amigos, conquistou mulheres, foi apresentado a medalhões das artes e da política. Nos anos 20, trocou o Rio por longas temporadas em São Paulo; em seguida foi para Paris. Acabou conhecendo Picasso, Matisse e Braque nos cafés de Montpamasse. Di Cavalcanti era irreverente demais e calculista de menos em relação aos famosos e poderosos. Quando se irritava com alguém, não media palavras. Teve um inimigo na vida. O também pintor Cândido Portinari. A briga entre ambos começou nos anos 40. Jamais se reconciliaram. Portinari não tocava publicamente no nome de Di.

(Revista VEJA, nº 37, setembrol97

Há, neste trecho, apenas uma coesão interfrásica explicitada: trata-se da oração “Quando se irritava com alguém, não media palavras”. Os demais possíveis conectores são indicados por ponto e ponto-e-vírgula.

Coesão Temporal - uma seqüência só se apresenta coesa e coerente quando a ordem dos enunciados estiver de acordo com aquilo que sabemos ser possível de ocorrer no universo a que o texto se refere, ou no qual o texto se insere. Se essa ordenação temporal não satisfizer essas condições, o texto apresentará problemas no seu sentido. A coesão temporal é assegurada pelo emprego adequado dos tempos verbais, obedecendo a uma seqüência plausível, ao uso de advérbios que ajudam a situar o leitor no tempo (são, de certa forma, os conectores temporais). Exemplos:

A dita Era da Televisão é, relativamente, nova. Embora os princípios técnicos de base sobre os quais repousa a transmissão televisual já estivessem em experimentação entre 1908 e 1914, nos Estados Unidos, no decorrer de pesquisas sobre a amplificação eletrônica, somente na década de vinte chegou-se ao tubo catódico, principal peça do aparelho de tevê. Após várias experiências por sociedades eletrônicas, tiveram início, em 1939, as transmissões regulares entre Nova Iorque e Chicago - mas quase não havia aparelhos particulares. A guerra impôs um hiato às experiências. A ascensão vertiginosa do novo veículo deu-se após 1945. No Brasil, a despeito de algumas experiências pioneiras de laboratório (Roquete Pinto chegou a interessar-se pela transmissão da imagem), a tevê só foi mesmo implantada em setembro de 1950, com a inauguração do Canal 3 (TV Tupi), por Assis Chateaubriand. Nesse mesmo ano, nos Estados Unidos, já havia cerca de cem estações, servindo a doze milhões de aparelhos. Existem hoje mais de 50 canais em funcionamento, em todo o território brasileiro, e perto de 4 milhões de aparelhos receptores. [dados de 1971]

(Muniz Sodré, A comunicação do grotesco)

Temos, neste parágrafo, a apresentação da trajetória da televisão no Brasil, e o que contribui para a clareza desta trajetória é a seqüência coerente das datas: entre 1908 e 1914, na

34

Page 35: apostila módulo teoria textual

década de vinte, em 1939, Após várias experiências por sociedades eletrônicas, (época da) guerra, após 1945, em setembro de 1950, nesse mesmo ano, hoje. Embora o assunto neste tópico seja a coesão temporal, vale a pena mostrar também a ordenação espacial que acompanha as diversas épocas apontadas no parágrafo: nos Estados Unidos, entre Nova Iorque e Chicago, no Brasil, em todo o território brasileiro.

Coesão Referencial - neste tipo de coesão, um componente da superfície textual faz referência a outro componente, que, é claro, já ocorreu antes. Para esta referência são largamente empregados os pronomes pessoais de terceira pessoa (retos e oblíquos), pronomes possessivos, demonstrativos, indefinidos, interrogativos, relativos, diversos tipos de numerais, advérbios (aqui, ali, lá, aí), artigos. Exemplos:

a) Durante o período da amamentação, a mãe ensina os segredos da sobrevivência ao filhote e é arremedada por ele. A baleiona salta, o filhote a imita. Ela bate a cauda, ele também o faz.

(Revista VEJA, nº 30, ju1ho/97)ela, a - retomam o termo baleiona, que, por sua vez, substitui o vocábulo mãe.. ele - retoma o termo filhoteele também o faz - o retoma as ações de saltar, bater, que a mãe pratica.

b) Madre Teresa de Calcutá, que em 1979 ganhou o Prêmio Nobel da Paz por seu trabalho com os destituídos do mundo, estava triste na semana passada. Perdera uma amiga, a princesa Diana. Além disso, seus problemas de saúde agravaram-se. Instalada em uma cadeira de rodas, ela mantinha-se, como sempre, na ativa. Já que não podia ir a Londres, pretendia participar, no sábado, de um ato em memória da princesa, em Calcutá, onde morava há quase setenta anos. Na noite de sexta-feira, seu médico foi chamado às pressas. Não adiantou. Aos 87 anos, Madre Teresa perdeu a batalha entre seu organismo debilitado e frágil e sua vontade de ferro e morreu vitima de ataque cardíaco. O Papa João Paulo II declarou-se “sentido e entristecido”. Madre Teresa e o papa tinham grande afinidade.

(Revista VEJA, n°36, setembro/97)que, seu, seus, ela, sua referem-se a Madre Teresa. princesa retoma a expressão princesa Diana. papa retoma a expressão Papa João Paulo II.onde refere-se à cidade de Calcuta.

Há ainda outros elementos de coesão, como Além disso, já que, que introduzem, respectivamente, um acréscimo ao que já fora dito e uma justificativa.

c) Em Abrolhos, as jubartes fazem a maior esbórnia Elas se reúnem em grupos de três a oito animais, sempre com uma única fêmea no comando. É ela, por exemplo, que determina a velocidade e a direção a seguir. Os machos vão atrás, na expectativa de ver se a fêmea cai na rede, com o perdão do trocadilho, e aceita copular. Como há mais machos que fêmeas, elas copulam com vários deles para ter certeza de que engravidarão.

(Revista VEJA, nº30, julho/97) Neste exemplo, ocorre um tipo bastante comum de referência - a anafórica. Os pronomes elas (que retoma jubartes), ela (que retoma fêmea), elas (que se refere a fêmeas) e deles (que se refere a machos) ocorrem depois dos nomes que representam.

35

Page 36: apostila módulo teoria textual

d) Ele foi o único sobrevivente do acidente que matou a princesa, mas o guarda-costas não se lembra de nada

(Revista VEJA, nº 37, setembro/97)

e) Elas estão divididas entre a criação dos filhos e o desenvolvimento profissional, por isso, muitas vezes, as mulheres precisam fazer escolhas difíceis.

(Revista VEJA, nº 30, julho/97)

Nas letras d, e temos o que se chama uma referência catafórica. Isto acontece porque os pronomes Ele e Elas, que se referem, respectivamente a guarda-costas e mulheres aparecem antes do nome que retomam.

f) A expedição de Vasco da Gama reunia o melhor que Portugal podia oferecer em tecnologia náutica. Dispunha das mais avançadas cartas de navegação e levava pilotos experientes.

(Revista VEJA, nº 27, julho/97)

Temos neste período uma referência por elipse. O sujeito dos verbos dispunha e levava é A expedição de Vasco da Gama, que não é retomada pelo pronome correspondente ela, mas por elipse, isto é, a concordância do verbo – 3ª pessoa do singular do pretérito imperfeito do indicativo – é que indica a referência.

Existe ainda a possibilidade de uma idéia inteira ser retomada por um pronome, como acontece nas frases a seguir:a) Todos os detalhes sobre a vida das jubartes são resultado de anos de observação de pesquisadores apaixonados pelo objeto de estudo. Trabalhos como esse vêm alcançando bons resultados.

(Revista VEJA., nº 30, julho/97) O pronome esse retoma toda a seqüência anterior.

b) Se ninguém tomar uma providência, haverá um desastre sem precedentes na Amazônia brasileira. Ainda há tempo de evitá-lo.

(Revista VEJA, junho/97) O pronome lo se refere ao desastre sem precedentes citado antes.

c) A lei é um absurdo do começo ao fim. Primeiro, porque permite aos moradores da superquadra isolar uma área pública, não permitindo que os demais habitantes transitem por ai. Segundo, o projeto não repassa aos moradores o custo disso, ou seja, a responsabilidade pela coleta de lixo, pelos serviços de água e luz e pela instalação de telefones. Pelo contrário, a taxa de limpeza pública seria reduzida para os moradores. Além disso, a aprovação do texto foi obtida mediante emprego de argumentos falsos.

(Revista VEJA, julho/97) Este texto apresenta diferentes tipo de elementos de coesão.ali - faz referência a área pública, anteriormente citada.disso - retoma o que é considerado um absurdo dentro da nova lei. Ao mesmo tempo, disso é explicado a partir do operador ou seja.ou seja, pelo contrário - conectores que introduzem uma retificação, uma correção.

36

Page 37: apostila módulo teoria textual

Além disso - conector que tem por função acrescentar mais um argumento ao que está sendo discutido.Primeiro e Segundo - estes conectores indicam a ordem dos argumentos, dos assuntos.

2. Coesão Lexical Neste tipo de coesão, usamos termos que retomam vocábulos ou expressões que já ocorreram, porque existem entre eles traços semânticos semelhantes, até mesmo opostos. Dentro da coesão lexical, podemos distinguir a reiteração e a substituição.

Por reiteração entendemos a repetição de expressões lingüísticas; neste caso, existe identidade de traços semânticos. Este recurso é, em geral, bastante usado nas propagandas, com o objetivo de fazer o ouvinte/leitor reter o nome e as qualidades do que é anunciado. Observe, nesta propaganda da Ipiranga, quantas vezes é repetido o nome da refinaria.

Em 1937, quando a Ipiranga foi fundada, muitos afirmavam que seria difícil uma refinaria brasileira dar certo.Quando a Ipiranga começou a produzir querosene de padrão internacional, muitos afirmavam, também, que dificilmente isso seria possível.Quando a Ipiranga comprou as multinacionais Gulf Oil e Atlantic, muitos disseram que isso era incomum.E, a cada passo que a Ipiranga deu nesses anos todos, nunca faltaram previsões que indicavam outra direção.Quem poderia imaginar que a partir de uma refinaria como aquela a Ipiranga se transformaria numa das principais empresas do país, com 5600 postos de abastecimento anual de 5,4 bilhões de dólares? E, que além de tudo, está preparada para o futuro?É que, além de ousadia, a Ipiranga teve sorte: a gente estava tão ocupado trabalhando que nunca sobrou muito tempo para prestar atenção em profecias.

(Revista VEJA, nº 37, setembro/97)

Outro exemplo:

A história de Porto Belo envolve invasão de aventureiros espanhóis, aventureiros ingleses e aventureiros franceses, que procuraram portos naturais, portos seguros para proteger suas embarcações de tempestades.

(JB, Caderno Viagem, 25/08/93)

A substituição é mais ampla, pois pode se efetuar por meio da sinonímia, da antonímia, da hiperonímia, da hiponímia. Vamos ilustrar cada um desses mecanismos por meio de exemplos.

1. Sinonímiaa) Pelo jeito, só Clinton insiste no isolamento de Cuba. João Paulo II decidiu visitar em janeiro a ilha da Fantasia.

(Revista VEJA, n° 39, outubro/97) Os termos assinalados têm o mesmo referente. Entretanto, é preciso esclarecer que, neste caso, há um julgamento de valor na substituição de Cuba por ilha da Fantasia, numa alusão a lugar onde não há seriedade.

37

Page 38: apostila módulo teoria textual

b) Aos 26 anos, o zagueiro Júnior Baiano deu uma grande virada em sua carreira. Conhecido por suas inconseqüentes “tesouras voadoras”, ele passou a agir de maneira mais sensata, atitude que já levou até a Seleção Brasileira.

Patrícia, a esposa, e os filhos Patrícia Caroline e Patrick são as maiores alegrias desse baiano nascido na cidade de Feira de Santana “Eles são a minha razão de viver e lutar por coisas boas”, comenta o zagueiro.

Na galeria do ídolos, Júnior Baiano coloca três craques: Leandro, Mozer a Aldair. “Eles sabem tudo de bola, diz o jogador. O zagueiro da Seleção só questiona se um dia terá o mesmo prestígio deles.

Deixando para trás a fase de desajustado e brigão, o zagueiro rubro-negro agora orienta os mais jovens e aposta nesta nova geração do flamengo.

(Jornal dos Sports, 24/08/97) Este tipo de procedimento é muito útil para evitar as constantes repetições que tornam um texto cansativo e pouco atraente. Observe quantas diferentes maneiras foram empregadas para fazer alusão à mesma pessoa. Dentro desse parágrafo, observamos ainda outros mecanismos de coesão já vistos anteriormente: sua, ele, o, que retomam o jogador Júnior Baiano, e deles, que retoma os três craques.

c) Como uma ilha entre as pessoas que se comprimiam no abrigo do bonde, o homem mantinha-se concentrado no seu serviço. Era especialista em colorir retrato e fazia caricatura em cinco minutos. No momento, ele retocava uma foto de Getúlio Vargas, que mostrava um dos melhores sorrisos do presidente morto.

(Wander Piroli, Trabalhadores do Brasil)

d) Vestia um camisolão azul, sem cintura. Tinha cabelos longos como Jesus e barbas longas. Nos pés calçava sandálias para enfrentar o pó das estradas e, a cabeça, protegia-a do sol inclemente com um chapelão de abas largas. Nas mãos levava um cajado, como os profetas, os santos, os guiadores de gente, os escolhidos, os que sabiam o caminho do céu. Chamava os outros de “meu irmão”. Os outros chamavam-no “meu pai”. Foi conhecido como Antonio dos Mares, uma certa época, e também como Irmão Antonio. Os mais devotos o intitulavam “Bom Jesus”, “Santo Antonio”. De batismo, era Antonio Vicente Mendes Maciel. Quando fixou sua fama, era Antônio Conselheiro, nome com o qual conquistou os sertões e além.

(Revista VEJA, setembro/97) Os vocábulos assinalados indicam a sinonímia para o nome de Antônio Conselheiro. Por ser um parágrafo rico em mecanismos de coesão, vale a pena mostrar mais alguns deles. Por exemplo, o sujeito de vestia, tinha, calçava, levava, chamava, foi conhecido, fixou é sempre o mesmo, isto é, Antônio Conselheiro, mas só ao final do texto esse sujeito é esclarecido. Dizemos, então, que, neste caso, houve uma referência por elipse. Chamavam-no e o intitulavam – os pronomes oblíquos no e o retomam a figura de Antônio Conselheiro. Da mesma forma, o pronome a (protegia-a) refere-se ao nome cabeça, e o possessivo sua (sua fama) tem como referente o mesmo Antônio Conselheiro.

e) Depois do ciclo Romário, o Flamengo entra na era Sávio. Pelo menos é essa a intenção do presidente Kleber Leite. O dirigente nega a intenção do clube em fazer de seu atacante uma

38

Page 39: apostila módulo teoria textual

moeda de troca “No ano passado me ofereceram US $9 milhões e mais o passe do Romário pelo Sávio e eu não fiz negócio”, lembrou. Segundo Kleber, o jogador tem categoria suficiente para se transformar em um ídolo nacional. Por falar em prata da casa, o presidente do Flamengo, apoiado por Zico, vai apostar nos jovens valores do clube para o segundo semestre. Ele acha que, mantendo a base, com Sávio, Júnior Baiano, Athirson, Evandro e Lúcio, o time rubro-negro terá condições de chegar às finais do Campeonato Brasileiro e Supercopa.

(Jornal dos Sports, 24/08/97) As expressões assinaladas em negrito se referem à mesma pessoa. Na verdade, temos em dirigente um sinônimo de fato, enquanto as outras substituições podem ser chamadas de elipses parciais, embora todas remetam ao presidente do clube carioca. Existe igualmente sinonímia entre Sávio, atacante e jogador.

f) Penando para tentar reduzir a conta dos direitos e benefícios dos trabalhadores, todo governante europeu hoje em dia baba de inveja dos Estados Unidos - o país do cada um por si e o governo, de preferência, bem longe dessas questões. Pois foi justamente na terra do vale-tudo entre patrão e empregado que 185000 filiados de um sindicato cruzaram os braços neste mês e pararam por quinze dias a UPS, a maior empresa de entregas terrestres do mudo.

(Revista VEJA, setembro/97) Não podemos deixar de apontar que, neste exemplo, os sinônimos escolhidos para Estados Unidos se revestem de um juízo de valor, são denominações de caráter pejorativo.

2. Antonímia É a seleção de expressões lingüísticas com traços semânticos opostos.Exemplos:a) Gelada no inverno, a praia de Garopaba oferece no verão uma das mais belas paisagens catarinenses.

(JB, Caderno Viagem, 25/08/93)

3. Hiperonímia Por hiperonímia temos o caso em que a primeira expressão mantém com a segunda uma relação de todo-parte ou classe-elemento.

4. Hiponímia Designamos o caso inverso: a primeira expressão mantém com a segunda uma relação de parte-todo ou elemento-classe. Em outras palavras, essas substituições ocorrem quando um termo mais geral - o hiperônimo - é substituído por um termo menos geral - o hipônimo, ou vice-versa. Os exemplo ajudam a entender melhor.

a) Tão grande quanto as baleias é a sua discrição. Nunca um ser humano presenciou uma cópula de jubartes, mas sabe-se que seu intercurso é muito rápido, dura apenas alguns segundos.

(Revista VEJA, nº 30, julho/97)

b) Em Abrolhos, as jubartes fazem a maior esbórnia. Elas se reúnem em grupos de três a oito animais, sempre com uma única fêmea no comando. É ela, por exemplo, que determina a velocidade e a direção a seguir.

(Idem)

39

Page 40: apostila módulo teoria textual

c) Dentre as 79 espécies de cetáceos, as jubartes são as únicas que cantam - tanto que são conhecidas também por “baleias cantoras”.

(Idem)d) A renda de bilro é a mais conhecida e criativa forma de artesanato catarinense.

(JB, Caderno Viagem, 25/08/93)

e) O litoral norte de Santa Catarina tem um verdadeiro festival de localidades famosas: a praia de Camboriu, a ilha de São Francisco do Sul, a enseada do Brito.

(Idem)

f) Dado que, entre os assentados, é expressivo o número de analfabetas, pode-se ter uma idéia de quanto é difícil elaborar um projeto ou usar novas tecnologias Com pouco dinheiro e escassa assistência, eles costumam usar sementes de qualidade baixa e voltar-se para a produção de consumo familiar. Mesmo entre os instrumentos de trabalho mais corriqueiros, também há escassez brutal, e a maioria dos assentados não dispõe nem mesmo de uma pá ou de uma picareta. Entre eles, ainda que os sem-terra tenham escolhido a foice como um dos seus símbolos de luta pela reforma agrária, o instrumento mais comum ainda é a velha enxada.

(Revista VEJA, n° 29, julho/97)

Hiperônimos(termos mais gerais)

Hipônimos(termos mais específicos)

baleiasanimaiscetáceosartesanatolitoral norteinstrumentos

jubartesjubartesbaleiasrenda de bilropraia, ilha, enseadapá, picareta, foice, enxada

Vale a pena apontar também a coesão lexical por sinonímia, entre assentados e sem-terra (exemplo f) e entre jubartes e baleias cantoras (exemplo c). Os pronomes eles (caso reto) e se (caso oblíquo) são exemplos de coesão gramatical referencial, pois remetem aos assentados.

Coerência

1. Considerações sobre o conceito de coerência No nosso dia-a-dia, são comuns comentários do tipo:

Isto não tem coerência.Esta frase não tem coerência.O seu texto está incoerente.

40

Page 41: apostila módulo teoria textual

O que leva as pessoas a fazerem tais observações, provavelmente, é o fato de perceberem que, por algum motivo, escapa a elas o entendimento de uma frase ou de todo o texto. Coerência está, pois, ligada à compreensão, à possibilidade de interpretação daquilo que se diz ou escreve. Assim, a coerência é decorrente do sentido contido no texto, para quem ouve ou lê. Uma simples frase, um texto de jornal, uma obra literária (romance, novela, poema...), uma conversa animada, o discurso de um político ou do operário, um livro, uma canção..., enfim, qualquer comunicação, independente de sua extensão, precisa ter sentido, isto é, precisa ter coerência. A coerência depende de uma série de fatores, entre os quais vale ressaltar:

o conhecimento do mundo e o grau em que esse conhecimento deve ser ou é compartilhado pelos interlocutores;

o domínio das regras que norteiam a língua – isto vai possibilitar as várias combinações dos elementos lingüísticos;

os próprios interlocutores, considerando a situação em que se encontram, as suas intenções de comunicação, suas crenças, a função comunicativa do texto.

Portanto, a coerência se estabelece numa situação comunicativa; ela é a responsável pelo sentido que um texto deve ter quando partilhado por esses usuários, entre os quais existe um acordo pré-estabelecido, que pressupõe limites partilhados por eles e um domínio comum da língua. A coerência se manifesta nas diversas camadas da organização do texto. Ela tem uma dimensão semântica – caracteriza-se por uma interdependência semântica entre os elementos constituintes do texto. Tem principalmente uma dimensão pragmática – é fundamental, no estabelecimento da coerência, o nosso conhecimento de mundo, e esse conhecimento é acumulado ao longo de nossa existência, de maneira ordenada. Ainda com respeito ao conhecimento partilhado de mundo, devemos dizer que a ele se acrescentam as informações novas. Se estas forem muito numerosas, o texto pode se tornar incoerente devido à não-familiaridade do ouvinte/leitor com essa massa desconhecida de informações. E isto que acontece, por exemplo, quando lemos um texto muito técnico, de uma área na qual somos leigos. Na verdade, quando dizemos que um texto é incoerente, precisamos esclarecer que motivos nos levaram a afirmar isto. Ele pode ser incoerente em uma determinada situação, porque quem o produziu não soube adequá-lo ao receptor, não valorizou suficientemente a questão da comunicabilidade, não obedeceu ao código lingüístico, enfim, não levou em conta o fato de que a coerência está diretamente ligada à possibilidade de se estabelecer um sentido para o texto. Embora nosso objetivo não seja teorizar em demasia o conceito de coerência, achamos necessário retomar algumas afirmações feitas por Koch e Travaglia (1989), como pontos de partida para o trabalho com textos que se segue: “A coerência é profunda, subjacente à superfície textual, não-linear, não marcada explicitamente na estrutura de superfície. (...) Ela tem a ver com a produção do texto, à medida que quem o faz quer que seja entendido por seu interlocutor. (...) A coerência diz respeito ao modo como os elementos subjacentes à superfície textual vêm a constituir, na mente dos interlocutores, uma configuração veiculadora de sentidos. (...) A coerência, portanto, longe de constituir mera qualidade ou propriedade do texto, é resultado de uma construção feita pelos interlocutores, numa situação de interação dada, pela atuação conjunta de uma série de fatores de ordem cognitiva, situacional, sociocultural e interacional.” Observando o grupo de frases abaixo, consideradas do ponto de vista estritamente referencial,

41

Page 42: apostila módulo teoria textual

O homem construiu uma casa na floresta.O pássaro fez o ninho.

O lenhador derrubou a árvore.O trabalhador acompanhou o noticiário criticamente.

As árvores estão plantadas no deserto.A árvore está grávida.

podemos notar que as quatro primeiras não oferecem qualquer problema de compreensão. Dizemos, então, que elas têm coerência. Já não ocorre o mesmo em relação às duas últimas. Em As árvores estão plantadas no deserto, há duas idéias opostas, uma contraria a outra. Em A árvore está grávida, há uma restrição na combinatória ser vegetal + grávida, o que não ocorre em A mulher está grávida, em que temos a combinatória possível ser racional + grávida.Examinemos agora as frases:a) O pássaro voa.b) O homem voa.

A frase a tem um grau de aceitação maior do que a frase b, que depende de uma complementação para esclarecer qual o meio utilizado pelo homem para voar - O homem voa de asa deita, por exemplo. A combinação de homem com voa tem outras significações no plano da conotação: O homem sonha, o homem delira, o homem anda rápido. Neste plano, muitas outras combinações são possíveis:

As nuvens estão prenhes de chuva.Sua boca cuspia desaforos.

Observe os três pares que se seguem:1. a) Todo mundo destrói a natureza menos eu. b) Todo mundo destrói a natureza menos todo mundo.

2. a) Todo mundo viu o mico-leão, mas eu não. b) Todo mundo viu o mico-leão, mas eu não ouvi o sabiá cantar.

3. a) Apesar de estarem derrubando muitas árvores, a floresta sobrevive. b) Apesar de estarem derrubando muitas árvores, a floresta não tem muitas árvores.

as frases de letra a de cada par são facilmente compreendidas, têm coerência; as frases de letra b de cada par apresentam problema de compreensão.

1 a) Todo mundo destrói a natureza menos eu.

o vocábulo menos indica exclusão de uma parte do grupo, portanto. neste caso, pode ser combinado com o pronome eu

1 b) Todo mundo destrói a natureza menos todo mundo

há uma restrição, porque o vocábulo menos indica exclusão de uma parte do grupo, portanto, neste caso, não pode ser combinado com todo mundo, que indica o grupo inteiro

42

Page 43: apostila módulo teoria textual

2 a)Todo mundo viu o mico-leão, mas eu não

mas introduz uma idéia oposta, que é perfeitamente aceitável, porque todo mundo se diferencia de eu

2 b) Todo mundo viu o mico-leão, mas eu não ouvi o sabiá cantar

mas introduz uma idéia oposta, que é inaceitável porque o conteúdo da idéia introduzida por mas não é o contrário da idéia anterior. Assim, a primeira parte Todo mundo viu o mico-leão não pode ser combinada com eu não ouvi o sabiá cantar por intermédio do vocábulo mas

3 a) Apesar de estarem derrubando muitas árvores, a floresta sobrevive

o uso de apesar de pressupõe a presença de idéias contrárias, qualquer que seja a ordem: negativa/positiva, positiva/negativa.

3 b) Apesar de estarem derrubando muitas árvores, a floresta não tem muitas árvores

o uso de apesar de pressupõe a presença de idéias contrárias, qualquer que seja a ordem: negativa/positiva, positiva/negativa.Daí a incoerência da frase b em que ocorrem duas negativas simultâneas

Estas observações mostram que a coerência de uma frase, de um texto, não se define apenas pelo modo como elementos lingüísticos se combinam; depende também do conhecimento do mundo partilhado por emissor e receptor, bem como do tipo de texto em questão. Podemos ainda dizer que, nas frases de letra b, os elementos de coesão não foram usados de forma adequada, por isto não contribuíram para estabelecer a coerência. O trecho abaixo

Assim como milhões de brasileiros, os habitantes da Mata Atlântica estão sentindo na pele os efeitos da crise econômica. As verbas são curtas, a fiscalização é pouca, e, com isso, as leis de proteção nem sempre são respeitadas. Resultado: mesmo sendo uma das mais importantes florestas tropicais do mundo – portanto, essencial à sobrevivência do planeta – pouco a pouco a Mata Atlântica vai desaparecendo do mapa.

mostra as dificuldades sentidas pelos habitantes da Mata Atlântica como conseqüência da crise econômica. O sentido do texto é viabilizado pela combinação dos elementos presentes numa progressão harmoniosa. Observe como este sentido vai sendo construído a partir da ocorrência de vocábulos relacionados entre si. Por exemplo:

milhões de brasileiros habitantes

mundoplanetamapa

curtapouca

Mata Atlânticaflorestas tropicais

importante essencial

proteçãosobrevivência

verbo fiscalização

eportanto (conectores)

43

Page 44: apostila módulo teoria textual

lei com isso

Observe finalmente:Se está difícil sobreviver aí na cidade, imagine aqui. Numa primeira leitura, esta mensagem parece vaga: aqui aponta para várias possibilidades de significação, entretanto cada uma elas claramente se opõe a “cidade”. Mas, se situarmos esta frase como introdutória ao texto sobre a Mata Atlântica, o sentido fica mais explícito, sobretudo se a frase for acompanhada da imagem de um habitante da Mata Atlântica.

2. Tipos de Coerência Em obra na qual discutem as estratégias cognitivas de compreensão do discurso, Van Dijk e Kintsch (1983) falam de coerência local e de coerência global. Enquanto a primeira se refere a partes do texto, a segunda se refere ao texto como um todo. Embora já tenha sido dito anteriormente que a coerência diz respeito à intenção comunicativa do emissor, interagindo, de maneira cooperativa, com o seu interlocutor, acontece de, em um mesmo texto, ocorrerem partes ou passagens com problemas de incoerências – incoerências locais no caso – que acabam por perturbar a compreensão daquela passagem. A presença de uma incoerência local pode não prejudicar a compreensão do texto, mas é claro que assim não será se houver um grande número de problemas desse tipo. Ainda na obra citada, os autores apontam alguns tipos de coerências, a saber, coerência semântica, coerência sintática, coerência estilística, coerência pragmática.

Coerência Semântica Refere-se à relação entre os significados dos elementos das frases em seqüência; a incoerência aparece quando esses sentidos não combinam, ou quando são contraditórios. Exemplos:1) ...ouvem-se vozes exaltadas para onde acorreram muitos fotógrafos e telegrafistas para registrarem o fato. O uso do vocábulo telegrafista é inadequado neste contexto, pois o fato que causa espanto será documentado por fotógrafos e, talvez, por cronistas, que, depois, poderão escrever uma crônica sobre ele, mas certamente telegrafistas não são espectadores comuns nessas circunstâncias. Ao lado deste, há um outro problema, de ordem sintática: trata-se do emprego de para onde, que teria vozes exaltadas como referente, o que não é possível, porque esse referente não contém idéia de lugar, implícita no pronome relativo onde. Cabe ainda uma observação quanto ao tempo verbal de ouvem-se e acorreram, presente e pretérito perfeito, respectivamente. Seria mais adequado os dois verbos estarem no mesmo tempo.

2) O governo principalmente não corresponde de uma maneira correta em relação ao nível de condições que para muitos seriam uma decisão óbvia. Nesta frase, há duas incoerências semânticas. A primeira decorre do uso inadequado de corresponder – corresponder em relação ao nível – que poderia ser substituído por responder, mas, mesmo assim, o complemento teria que ser modificado, para resolver o problema da incoerência sintática – corresponder a (alguma coisa). A segunda está na expressão nível de condições. O vocábulo nível é desnecessário, podendo-se dizer simplesmente em relação às condições.

3) Educação, problema universal que por direito todo indivíduo deve ter acesso.

44

Page 45: apostila módulo teoria textual

A inadequação, parece-nos, se deve ao fato de não ficar claro qual é o antecedente do pronome que. Da maneira como foi escrita a frase, o antecedente é problema universal, e, neste caso, a incoerência semântica está na não-combinação entre os sentidos de ter acesso e problema. Um problema precisa ser resolvido, solucionado, mas não ser alcançado, que é o sentido de ter acesso. É muito mais provável que o autor desta frase tenha pensado que todo indivíduo deve ter acesso à educação, mas, da forma como ordenou as palavras, causou ambigüidade com relação ao antecedente do que. Ainda dentro deste tipo de coerência, lembramos que o pouco domínio do sentido dos vocábulos e das restrições combinatórias podem também gerar frases com problemas de compreensão, como as que seguem:

O jardim que circula a casa estava maltratado.Entramos em um círculo de mudanças.O rei quis obter as luxúrias que sua posição oferecia....sendo este o dominador comum das mudanças.O Brasil é um país em alta-rotatividade.O que existe é um apontamento dos erros do vestibular.A televisão transmite lazer.Não deu asas ao pensamento, obviamente com medo de aferir a opinião dos outros.Isto acontece quando você está batendo uma conversa informal.O quarto era o maior ambiente do barraco.Minhas suspeitas se atrapalham.O sol deixa um rastro de cor reflexada na água.A audiência no Maracanã é grande quando jogam Vasco e Flamengo. ...vencendo a oscilação que repousava em sua mente.Jamais fui a uma igreja seja ela de qual raça ou costume.O tempo nos proporciona muitos sacrifícios.O armário estava desarrumado, com as gavetas afogadas de tantas roupas dispersivas.

Coerência Sintática Refere-se aos meios sintáticos usados para expressar a coerência semântica: conectivos, pronomes, etc. Exemplos:

1) Então as pessoas que têm condições procuram mesmo o ensino particular. Onde há métodos, equipamentos e até professores melhores. A coerência deste período poderia ser recuperada se duas alterações fossem feitas. A primeira seria a troca do relativo onde, específico de lugar, para no qual ou em que (ensino particular, no qual/ em que há métodos...), e a segunda seria a substituição do ponto por vírgula, de maneira que a oração relativa não ocorresse como uma oração completa e independente da anterior. Teríamos a seguinte oração, sem problemas de compreensão: Então as pessoas que têm condições procuram mesmo o ensino particular, no qual há equipamentos e até professores melhores.

2) Na verdade, essa falta de leitura, de escrever, seja porque tudo já vem pronto, mastigado para uma boa compreensão, não precisando pensar. Há, nesta frase, vários problemas que prejudicam a sua coerência. O primeiro é o não-paralelismo entre leitura (nome) e escrever (verbo); seria desejável, por exemplo, dizer falta

45

Page 46: apostila módulo teoria textual

de ler, de escrever, ou falta de leitura, falta de treino de escrita. Depois foi empregada a conjunção seja, que geralmente se usa para apresentar mais de uma alternativa: seja porque tudo já vem pronto, seja porque não há estímulo por parte dos professores; usada isoladamente, ela perde o seu sentido alternativo. Talvez o autor estivesse querendo dizer seja porque tudo já vem mastigado; a elipse da conjunção na segunda expressão foi inadequada. Percebemos, ainda, que o sujeito essa falta de leitura acabou não se juntando a nenhum predicado, e a frase ficou fragmentada. Por último, não foi explicitado o termo que pode preencher essa função.

3) O papel preponderante da escola, que seria de formar e informar, principalmente crianças e adultos, hoje não está alcançando esse objetivo. Esta frase apresenta o seguinte problema: ela é longa demais, por isso o predicado, muito distante do sujeito, acaba discordando dele, não gramaticalmente, mas pela inadequação do vocabulário. Pode-se dizer que há um cruzamento na estrutura da frase, o que causa uma incoerência sintática. O papel da escola não está alcançando esse objetivo. A escola não está sendo cumprido.

(As frases usadas como exemplos foram produzidas por alunos recém-ingressos na universidade.)

Coerência Estilística Percebemos, pelos exemplos citados abaixo, que este tipo de coerência não chega, na verdade, a perturbar a interpretabilidade de um texto; é uma noção relacionada à mistura de registros lingüísticos. É desejável que quem escreve ou lê se mantenha num estilo relativamente uniforme. Entretanto, a alternância de registros pode ser, por outro lado, um recurso estilístico. Leia este poema de Manuel Bandeira:

Teresa, se algum sujeito bancar o sentimental em cima de você e te jurar uma paixão do tamanho de um bondeSe ele chorar Se ele ajoelharSe ele se rasgar todo Não acredita não Teresa É lágrima de cinema É tapeação MentiraCAI FORA

O autor procede como se estivesse falando, aconselhando alguém, advertindo sobre uma possível “cantada”. Há mistura de tratamento (tu/você), mistura de registros, pois o autor utiliza várias expressões da língua oral, como “do tamanho de um bonde”, “se ele se rasgar todo”, “cai fora”, ao mesmo tempo em que emprega o futuro do subjuntivo, tempo mais comum num registro mais cuidado. Agora leia este trecho, extraído de uma aula gravada:

...isso aí é um conceitozinho um pouco maior, é que nós sabemos que os cloretos, por decoreba, aquele negócio que eu falei, os cloretos e prata,

46

Page 47: apostila módulo teoria textual

chumbo são insolúveis, todos os outros cloretos são solúveis. Agora pergunto: aquilo lá não é uma cascata muito grande? Quando a gente agora está por dentro do assunto? O que o cara quer dizer com solúveis, muito solúveis, pouco solúveis? Apenas um conceito relativo. AgCl é considerado insolúvel porque o que fica de AgCl é um troço tão irrisório que a gente não considera .. Entendeu qual é a jogada? O que tem na solução daqueles íons não vai atrapalhar ninguém. Você pode comer quilos desse troço que a prata não vai te perturbar.

(Corpus do Projeto NURC/RJ - UFRJ- Informante: Homem, 31 anos, Professor de química numa aula para o terceiro ano do segundo grau.)

Nesta exposição, chamada, dentro do corpus do projeto, de elocução formal, o professor emprega uma grande variação de registro, movendo-se todo o tempo entre o formal, para explicar o conceito de solubilidade, e o informal, servindo-se de gírias (troço, cascata, estar por dentro, jogada, decoreba, cara), talvez com o objetivo de tornar a explicação menos pesada e a exposição mais interessante para os alunos, aproximando-se deles ao usar essa maneira de falar. Portanto, nesta passagem, a mistura de registros, sem causar incoerência, pode ter uma causa objetiva.

Coerência Pragmática Refere-se ao texto visto como uma seqüência de atos de fala. Para haver coerência nesta seqüência, é preciso que os atos de fala se realizem de forma apropriada, isto é, cada interlocutor, na sua vez de falar, deve conjugar o seu discurso ao do seu ouvinte. Quando uma pessoa faz uma pergunta a outra, a resposta pode se manifestar por meio de uma afirmação, de outra pergunta, de uma promessa, de uma negação. Qualquer uma dessas seqüências seria considerada coerente. Por outro lado, se o interlocutor não responder, virar as costas e sair andando, começar a cantar, ou mesmo dizer algo totalmente desconectado do tema da pergunta, estas seqüências seriam consideradas incoerentes. Exemplo:

A: Você pode me dizer onde fica a Rua Alice?B: O ônibus está muito atrasado hoje.

Piadas podem ser elaboradas a partir de incoerências:

No balcão da companhia aérea, o viajante perguntou à atendente:A - A senhorita pode me dizer quanto tempo dura o vôo do Rio a Lisboa?B - Um momentinho.A - Muito obrigado.

Para quem fez a pergunta, não pareceu nem um pouco incoerente a resposta obtida. Entretanto, a frase de B não é a resposta, é simplesmente um pedido de tempo para depois dar atenção ao interlocutor A. Nós é que percebemos a incoerência da seqüência e tomamos o conjunto como uma piada. Há ainda incoerências geradas a partir da desobediência a articulações de conteúdo. Se você ouvir a frase Meu irmão é filho único pode pensar que quem a pronunciou desconhece o sentido dos vocábulos usados, pois a seqüência contém uma contradição. O sentido de irmão inclui o fato de que esse indivíduo tem, pelo menos, uma irmã ou irmão. E um último exemplo pode ser esta frase, ouvida recentemente em um programa de televisão: “Me inclui fora dessa.” Parece que o emissor não conhece o sentido do verbo

47

Page 48: apostila módulo teoria textual

incluir, que certamente não pode ocorrer combinado com fora. Ou então, usa expressamente o advérbio fora para explicar sua intenção de não ser incluído em algum projeto.

3. Texto e Coerência Cada tipo de texto tem sua estrutura própria, por isso os mecanismos de coerência e de coesão também vão se manifestar de forma diferente na superfície lingüística, conforme se trate de um texto narrativo, descritivo ou dissertativo-argumentativo.

1. Texto narrativo No texto narrativo, a coerência existe em função, sobretudo, da ordenação temporal. Tomemos como exemplo o conhecido poema A pesca, de Affonso Romano de Sant’Anna, em que não há elementos coesivos. No entanto há coerência em função de uma seqüência temporal depreendida não só da ordem em que foram colocados os substantivos, mas da escolha de vocábulos de campos semânticos relacionados à pesca.

A pescao anil a gargantao anzol a âncorao azul o peixeo silêncio a bocao tempo o arrancoo peixe o rasgão

a agulha aberta a águavertical aberta a chagamergulha aberto o anzol

a água aquelíneoa linha ágilclaroa espuma estabanado

o tempo o peixea âncora a areiao peixe o sol

Material peixe mar

A história infantil A Casa Sonolenta, um texto narrativo e descritivo, é mais um bom exemplo de como a seqüência é fundamental para que se estabeleça a coerência textual.

Era uma vez uma casa sonolenta onde todos viviam dormindo

Em cima desse cachorro tinha um gato um gato ressonando, em cima de um cachorro cochilando, em cima de um menino sonhando,

48

anzolisca“agulha”linha

bocarasgãochagagarganta

azulanilareiasolmergulhar

Page 49: apostila módulo teoria textual

Nessa casa tinha uma cama uma cama aconchegante, numa casa sonolenta, onde todos viviam dormindo.

Nessa camatinha uma avó, uma avó roncando, numa cama aconchegante, numa casa sonolenta, onde todos viviam dormindo.

Em cima dessa avó tinha um menino, um menino sonhando,em cima de uma avó roncando, numa cama aconchegante, numa casa sonolenta, onde todos viviam dormindo.

Em cima desse menino tinha um cachorro,um cachorro cochilando,em cima de um menino sonhando, em cima de uma avó roncando, numa cama aconchegante, numa casa sonolenta, onde todos viviam dormindo.

em cima de uma avó roncando, numa cama aconchegante, numa casa sonolenta, onde todos viviam dormindo.

Em cima desse gato tinha um rato,um rato dormitando, em cima de um gato ressonando, em cima de um cachorro cochilando, em cima de um menino sonhando, em cima de uma avó roncando, numa cama aconchegante, numa casa sonolenta, onde todos viviam dormindo.

E em cima desse ratotinha uma pulga...

Será possível? Um pulga acordada, que picou o rato, que assustou o gato, que arranhou o cachorro,que caiu sobre o menino, que deu um susto na avó, queque quebrou a cama, numa casa sonolenta, onde ninguém mais estava dormindo.

A história se estrutura com base em dois momentos.1º momento - todos estão dormindo.2° momento - todos acordam, cada um por sua vez, movidos pela ação da pulga. A coerência, na primeira parte, se dá pela escolha de vocábulos do campo semântico de dormir – cama, sonolenta, aconchegante, roncando, sonhando, ressonando, dormitando. cochilando. Não houve repetição de nenhum verbo, e cada um deles foi combinado coerentemente com cada habitante da casa. O caráter descritivo desta parte se apóia em adjetivos (caracterizando os seres inanimados) e verbos no gerúndio e pretérito imperfeito (atribuídos aos seres animados). A segunda parte do texto apresenta a mudança desencadeada a partir da picada da pulga. Os verbos estão no pretérito perfeito, marcando a ação finalizada.

casa sonolenta casa acordadadormindo roncando sonhando ressonando cochilando

picou assustou arranhou caiudeu

49

Page 50: apostila módulo teoria textual

viviam tinha

quebrou

Lembramos ainda o título do conto de Carlos Drummond de Andrade - Flor, telefone, moça.. Os três vocábulos juntos, aparentemente, não constituem título coerente para um conto. No entanto, a coerência advém do próprio conto, que se resume na seguinte história: uma moça, que tinha o costume de passear no cemitério, um dia, com um gesto distraído, arrancou uma flor de um túmulo, machucou-a com as mãos e depois jogou-a fora. A partir daí, passa a receber insistentes telefonemas feitos por uma voz que reclama de volta a sua flor. A família se envolve, tentando uma solução para os telefonemas que, a cada dia, deixam a moça mais nervosa e sem apetite. O caso termina em tragédia. A moça, sem ânimo para coisa alguma, acaba definhando e morrendo. Nunca mais houve telefonemas. Apenas os fatos narrados no conto justificam a ordem em que os vocábulos foram organizados no título.

2. Texto descritivo No texto descritivo, a coerência se estabelece, sobretudo, em função de uma ordenação espacial. Quem descreve procura percorrer os detalhes daquilo que descreve, seja uma pessoa, seja um cenário, seja um objeto, obedecendo a uma seqüência, com a finalidade de auxiliar o leitor/ouvinte a compor o todo a partir dessas informações parciais. No trecho abaixo, extraído de “Vidas Secas”, temos uma série de atos que, se alterada, prejudica a coerência do texto.

“(Sinhá Vitória) Agachou-se, atiçou o fogo, apanhou uma brasa com a colher, acendeu o cachimbo, pôs-se a chupar o canudo de taquari cheio de sarro. Jogo longe uma cusparada, que passou por cima da janela e foi cair no terreiro. Preparou-se para cuspir novamente. Por uma extravagante associação, relacionou esse ato com a lembrança da cama. Se o cuspo alcançasse o terreiro, a cama seria comprada antes do fim do ano. Encheu a boca de saliva, inclinou-se - e não conseguiu o que esperava. Fez várias tentativas, inutilmente. O resultado foi secar a garganta. Ergueu-se desapontada. Besteira, aquilo não valia.Aproximou-se do canto onde o pote se erguia numa forquilha de três pontas, bebeu um caneco de água. Água salobra.”

Com respeito a essa ordenação das informações num texto descritivo, é interessante assinalar que a ordem em que são percebidos os objetos ou os componentes de uma cena pode determinar a organização linear das seqüências usadas para descrevê-los, como no parágrafo abaixo:

O homem estava sentado num tamborete rústico, com os joelhos cruzados e a cabeça baixa. À sua direita havia uma mesinha de desarmar, entulhada de lápis de vários tipos e cores, folhas de papel em branco, borrachas, tesoura e um pouco de estopa. Havia ainda uma tabuleta em cima da pequena mesa, apoiando-se na pilastra onde estavam expostos seus trabalhos: fotografias coloridas de grandes personalidades e caricaturas também de grandes personalidades.

(Wander Piroli, Trabalhadores do Brasil)

Entretanto, isto pode não acontecer, ou seja, a ordenação é feita a partir da seleção das informações julgadas relevantes, como no texto abaixo:

50

Page 51: apostila módulo teoria textual

A cerimônia esteve muito concorrida. Presidiu o Presidente da República, que fez o discurso inaugural. Foi preciso esperar meia hora pelo Primeiro Ministro, que chegou, como sempre, atrasado e sorridente.

3. Texto dissertativo-argumentativo No texto dissertativo-argumentativo, é muito importante para a coerência a ordenação lógica das idéias. As possibilidades de correlacionar os argumentos decorrem dos operadores lógico-discursivos empregados. Há conectores específicos para se expressar as diferentes articulações sintáticas - causa, finalidade, conclusão, condição etc - e eles devem ser usados adequadamente, de acordo com a relação que se quer exprimir ao desenvolver uma argumentação. E ainda muito importante, com respeito à coesão, uma combinação cuidadosa dos tempos verbais empregados.Observe:

Depois que um rolo compressor passou pelo cinema brasileiro, alijando-o intempestivamente do mercado, é bom saber que existem fórmulas ao alcance de diretores, produtores, roteiristas e artistas para retomar o diálogo. O mercado consumidor tem fôlego, mas tende, por distorção natural, a se voltar para o filme estrangeiro. Precisa de boa sacudida que o faça retomar o caminho de casa, desde que, evidentemente, o produto da casa satisfaça suas expectativas.

Temos, neste parágrafo, os conectores mas (idéia adversativa) e desde que (condição), que no podem ser substituídos por conectores de outro sentido, sob pena de alterar o que se quer expressar. As expressões é bom saber, evidentemente têm a finalidade de introduzir e reforçar os argumentos. Finalmente, lembramos que o uso do conector desde que pede o emprego do verbo no modo subjuntivo, tempo presente, o que foi feito pelo autor do texto (desde que ... satisfaça). O mesmo se verifica na frase anterior: Precisa de boa sacudida que o faça... E importante, pois, escolher os conectores adequados, quando o objetivo é argumentar de maneira coerente e coesa.

EXERCÍCIOS

51

Page 52: apostila módulo teoria textual

BIBLIOGRAFIA

1- COSTA VAL, Maria da Graça Ferreira. Redação e Textualidade. São Paulo, Martins Fontes: 1991.2- Fávero Lopes, Leonor Coesão e Coerência Textuais. São Paulo Editora Ática 20053- GARCIA, Othon M. Comunicação em Prosa Moderna. Rio, Ed. Fundação Getúlio Vargas: 1976. 4- KOCH, Ingedore G. Villaça. Argumentação e Linguagem. São Paulo, Cortez: 1993. 5- _______, A Coesão Textual. São Paulo Editora Contexto 2004 6- PLATÃO E FIORIN. Lições de Texto: Leitura e Redação. São Paulo, Ática: 1996. 7- VANOYE, Francis. Usos da Linguagem, Problemas e Técnicas na Produção Oral e Escrita. São Paulo, Martins Fontes: 1982

52