APOSTILA I - MÚSICA ANTIGA - CONCEITOS BÁSICOS

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1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ CCSE DART LICENCIATURA PLENA EM MÚSICA - Disciplina: Música Antiga Prof. Ricardo Catete [email protected] APOSTILA I CONCEITOS BÁSICOS DE MÚSICA Antes de abordarmos os termos básicos musicais, seria interessante um pequeno esclarecimento sobre o nome da nossa disciplina “Música Antiga”, o que vem a ser esse termo. De acordo com Stanley Sadie (1994), a expressão “Música Antiga” é utilizada principalmente a partir da década de 1960, para designar não apenas uma época antiga, mas também uma atitude particular com relação a sua execução. Aplica-se, por vezes, à música da Idade Média e do Renascimento (i.e. até 1600), por vezes, também à do período Barroco (até 1750), porém é cada vez mais utilizada para definir a música até 1800, incluindo assim grande parte do período Clássico. A utilização dessa expressão para conceitos como interpretação “autêntica” ou historicamente informada, porém, remonta a tempos mais recentes e poderia abranger (por exemplo) a execução da música para piano de Schumann (1810-1856) em instrumentos de época, ou das sinfonias de Mahler (1860-1911) usando os tipos de portamento preferidos pelos instrumentistas de cordas do início do século XX. O movimento de “Música Antiga” ocupa-se particularmente da prática de execução e da recriação e utilização de instrumentos de época, bem como de técnicas e concepções, também de época, sobre questões como notação, ritmo, andamento e articulação, conforme o estabelecido em textos que reflitam as intenções do compositor. O movimento pode ser visto como um retorno ao antiquariato musical do século XVIII e à erudição crítica que dele brotou durante o século XIX. Seu verdadeiro criador foi Arnold Dolmetsch (1858-1940), que muito contribuiu no início do século XX para reviver o interesse pelas técnicas e instrumentos antigos; seus alunos e seguidores deram continuidade à tradição. Nas décadas de 1960 e 1970, grupos como o “Concentus Musicus (Viena), o Early Music Consort (Londres), o Studio für Frühe Musik (Munique), a Schola Cantorum Basiliensis (Basiléia) e o New York Pro Musica cultivaram a interpretação em estilos de época; esse trabalho foi prosseguido por outros grupos e indivíduos, Figura 1 - Festival de Música Antiga na cidade de Riga (Letônia) 2009.

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ – CCSE – DART LICENCIATURA PLENA EM MÚSICA - Disciplina: Música Antiga Prof. Ricardo Catete – [email protected]

APOSTILA I – CONCEITOS BÁSICOS DE MÚSICA

Antes de abordarmos os termos básicos musicais, seria interessante um pequeno esclarecimento sobre o nome da nossa disciplina “Música Antiga”, o que vem a ser esse termo. De acordo com Stanley Sadie (1994), a expressão “Música Antiga” é utilizada principalmente a partir da década de 1960, para designar não apenas uma época antiga, mas também uma atitude particular com relação a sua execução. Aplica-se, por vezes, à música da Idade Média e do Renascimento (i.e. até 1600), por vezes, também à do período Barroco (até 1750), porém é cada vez mais utilizada para definir a música até 1800, incluindo assim grande parte do período Clássico. A utilização dessa expressão para conceitos como interpretação “autêntica” ou historicamente informada, porém, remonta a tempos mais recentes e poderia abranger (por exemplo) a execução da música para piano de Schumann (1810-1856) em instrumentos de época, ou das sinfonias de Mahler (1860-1911) usando os tipos de portamento preferidos pelos instrumentistas de cordas do início do século XX. O movimento de “Música Antiga” ocupa-se particularmente da prática de execução e da recriação e utilização de instrumentos de época, bem como de técnicas e concepções, também de época, sobre questões como notação, ritmo, andamento e articulação, conforme o estabelecido em textos que reflitam as intenções do compositor. O movimento pode ser visto como um retorno ao antiquariato musical do século XVIII e à erudição crítica que dele brotou durante o século XIX. Seu verdadeiro criador foi Arnold Dolmetsch (1858-1940), que muito contribuiu no início do século XX para reviver o interesse pelas técnicas e instrumentos antigos; seus alunos e seguidores deram continuidade à tradição. Nas décadas de 1960 e 1970, grupos como o “Concentus Musicus (Viena), o Early Music Consort (Londres), o Studio für Frühe Musik (Munique), a Schola Cantorum

Basiliensis (Basiléia) e o New York Pro Musica cultivaram a interpretação em estilos de época; esse trabalho foi prosseguido por outros grupos e indivíduos,

Figura 1 - Festival de Música Antiga na cidade de Riga (Letônia) 2009.

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particularmente em centros como Londres, Países Baixos e Boston. A maioria desses grupos concentrava-se na música Barroca ou ainda mais antiga; com o trabalho da Academy of Ancient Music, do Collegium Aureum e do London Classical Players, os repertórios clássico e romântico também passaram a ser examinados à luz da interpretação de época. O movimento da Música Antiga foi bastante incrementado não apenas pelo trabalho dos eruditos, mas também por construtores modernos de instrumentos de época, por publicações (especialmente a revista instrumental britânica Early Music, fundada em 1973), por editores (particularmente de edições em fac-simile) e pela indústria fonográfica. Um dos pioneiros desse movimento no Brasil é o cravista e construtor de cravos Roberto de Regina (1927-), que vive atualmente em um sítio em Guaratiba (RJ) onde fundou a Capela Magdalena, na qual oferece jantares-concertos aos seus convidados. CONCEITOS BÁSICOS SOBRE MÚSICA

1.1. Estilo – Ao escrever uma peça de música, o compositor está combinando

simultaneamente diversos elementos musicais importantes que chamaremos de componentes básicos da música. Dentre estes se acham:

melodia – harmonia – ritmo – timbre – forma – textura

Empregamos a palavra estilo para designar a maneira pela qual os compositores de

épocas e países diferentes apresentam esses elementos básicos em suas obras. Como veremos, a maioria deles – se não a totalidade – está presente em todos os períodos da história da música, embora inexistisse harmonia na música medieval da primeira fase e não haja, por assim dizer, melodia em certas composições do século XX. De fato, é a maneira particular como esses elementos são tratados, equilibrados e combinados que faz com certa peça tenha o sabor característico ou o estilo de determinado período – além de fornecer os itens que irão compor a sua “ficha de identificação”.

1.1.1. Melodia – Para a maioria das pessoas, a melodia é o componente mais importante numa peça musical. Todo mundo sabe, naturalmente, o que é melodia, palavra muito comum, cujo significado, no entanto, é difícil de ser precisado com exatidão. Um dicionário musical sugere a seguinte definição: “sequência de notas, de diferentes sons, organizadas numa dada forma de modo a fazer sentido musical para quem escuta”. Contudo, o modo de reagir a uma melodia é questão muito pessoal. Aquilo que faz “sentido musical” para um pode ser inaceitável para outro, e o que se mostra interessante e até belo para uma pessoa pode deixar uma outra inteiramente indiferente.

1.1.2. Harmonia – A harmonia ocorre quando duas ou mais notas de diferentes sons

são ouvidas ao mesmo tempo, produzindo um acorde. Os acordes são de dois tipos: consonantes, nos quais as notas concordam umas com as outras, e dissonantes, nos quais as notas dissoam em maior ou menor grau, trazendo o elemento de tensão à frase musical. Usamos a palavra “harmonia” de duas maneiras: para nos referirmos à seleção de notas que constituem determinado acorde e, em sentido lato, para descrevermos o desenrolar ou a progressão de acordes durante uma composição.

1.1.3. Ritmo – a palavra ritmo é usada para descrever os diferentes modos pelos quais

um compositor agrupa os sons musicais, principalmente do ponto de vista da duração dos sons e de sua acentuação. No plano do fundo musical, haverá uma batida regular, a

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3 pulsação da música (ouvida ou simplesmente sentida), que serve de referência ao ouvido para medir o ritmo.

1.1.4. Timbre – cada instrumento tem uma qualidade de som que lhe é própria, aquilo que poderíamos chamar de “cor de seu som”. Por exemplo, a sonoridade característica de um trompete é que nos faz reconhecê-lo imediatamente como tal, de modo a podermos dizer que diferença há entre esse instrumento e, digamos, um violino. É a essa particularidade do som que se dá o nome de timbre. O compositor tanto pode jogar com a mistura de timbres, ou seja, misturar a seção de cordas de uma orquestra com as ricas e misteriosas sonoridades do corne-inglês1, dos violoncelos e dos fagotes, como também pode jogar com contrastes, procurando destacar um som do outro. Seria o caso, por exemplo, de um fundo formado por sonoridades mais sombrias, constituído pelos baixos das cordas e metais, em contraste com os sons luminosos e penetrantes do flautim, da requinta,2 do trompete com surdina e do xilofone.

1.1.5. Forma – Usamos a palavra forma para descrever o projeto ou configuração básica

de que um compositor pode valer-se para moldar ou desenvolver uma obra musical. São vários os tipos de formas ou configurações, obtidos por meio de diferentes métodos, nos diferentes períodos da história da música.

1.1.6. Textura – Algumas peças musicais apresentam uma sonoridade bem densa: rica e

fluindo com facilidade. Outras podem mostrar-se com os sons mais rarefeitos e esparsos, por vezes produzindo um efeito penetrante e agressivo. Para descrever esse aspecto da música, usamos a palavra textura, comparando a trama formada pelos fios de um tecido com a organização dos sons numa composição musical. Há três maneiras básicas de o compositor “tecer” uma música:

Monofônica: constituída por uma única linha melódica, destituída de qualquer espécie de harmonia; Polifônica: duas ou mais linhas melódicas entretecidas ao mesmo tempo (às vezes, também chamada contrapontística); Homofônica: uma única melodia é ouvida contra um acompanhamento de acordes.

Basicamente, é uma música com um mesmo ritmo em todas as vozes.

1.2. Períodos da Historia da Música – podemos dividir a história da música em períodos distintos, cada qual identificado pelo estilo que lhe é peculiar. É claro que um estilo musical não se faz da noite para o dia. Esse processo lento e gradual, quase sempre com os estilos sobrepondo-se uns aos outros de modo a permitir que o “novo” surja do “velho”. Por isso mesmo, dificilmente os musicólogos estão de acordo a respeito das datas que marcam o princípio e o fim de um período, ou mesmo sobre os nomes a serem empregados na descrição do estilo que o caracteriza. No entanto, aqui apresentamos uma forma de dividir a história da música ocidental em sete grandes períodos:

Música Medieval até cerca de 1450 Música Renascentista 1450-1600 Música Barroca 1600-1750 Música Clássica 1750-1810 Romantismo do século XIX 1810-1910 Música do século XX 1900-2000 Tendências do século XXI 2001 em diante

1 (ou corno inglês) é um instrumento de sopro de palheta dupla, da família do oboé. 2 Pequena clarineta em bemol.

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BIBLIOGRAFIA: BENNET, Roy. Uma Breve História da Música. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1986. SADIE, Stanley. Dicionário Grove de Música: edição concisa. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1994. CULLEN, Thomas Lynch. Música Sacra: subsídios para uma interpretação musical. Brasília: Musimed, 1983. CARPEAUX, Otto Maria. Uma nova História da Música. 2.ª Ed. Rio de Janeiro: Ediouro, SD. MASSIN, Jean; MASSIN, Brigitte. História da Música Ocidental. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.